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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO REGIMES DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL NO BRASIL: DO ESTADO NACIONALISTA AO ESTADO REGULADOR Daniel Alves da Silva Rosa Orientador: Prof. Dr. Gustavo Assed Ferreira Ribeirão Preto 2016

REGIMES DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E … · de 2016 alcançou-se um recorde diário, com a produção de 1,11 milhão de barris. Tais fatos relevantes demonstram o

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO

REGIMES DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E

GÁS NATURAL NO BRASIL: DO ESTADO NACIONALISTA AO

ESTADO REGULADOR

Daniel Alves da Silva Rosa

Orientador: Prof. Dr. Gustavo Assed Ferreira

Ribeirão Preto

2016

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO

Daniel Alves da Silva Rosa

REGIMES DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E

GÁS NATURAL NO BRASIL: DO ESTADO NACIONALISTA AO

ESTADO REGULADOR

Trabalho de conclusão de curso apresentado à

Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo para obtenção do

grau de bacharel em Direito.

ORIENTADOR: PROF. DR. GUSTAVO

ASSED FERREIRA

Ribeirão Preto

2016

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Rosa, Daniel Alves da Silva

R788r REGIMES DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO

DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL: DO ESTADO NACIONALISTA

AO ESTADO REGULADOR / Daniel Alves da Silva Rosa;

orientador Gustavo Assed Ferreira -- Ribeirão

Preto, 2016. 70 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação –

Departamento de Direito Privado e Processo

Civil) -- Faculdade de Direito de Ribeirão

Preto, Universidade de São Paulo, 2016.

1. PETRÓLEO. 2. INTERVENÇÃO ESTATAL. 3.

REGULAÇÃO. 4. REGIMES DE EXPLORAÇÃO. 5. PRÉ-SAL. I.

Ferreira, Gustavo Assed, orient. II. Título

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Rosa, Daniel Alves da Silva. Regimes de exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil: do Estado nacionalista ao estado regulador. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito. Aprovado em: Banca Examinadora Prof. Dr._________________________ Instituição:_________________________ Julgamento:______________________ Assinatura:__________________________ Prof. Dr._________________________ Instituição:_________________________ Julgamento:______________________ Assinatura:__________________________ Prof. Dr._________________________ Instituição:_________________________ Julgamento:______________________ Assinatura:__________________________

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Àquele que é eterno toda a honra e louvor, glória e

majestade, pelos séculos dos séculos.

À minha mãe, Dona Francisca, pelo grande exemplo

de pessoa e amor, em todas as situações.

À minha irmã, Laydianne, pela determinação,

seriedade e amor.

À minha namorada Claudia, por tudo o que é e por

todo suporte dado a mim durante a graduação e por

todo amor, carinho e companheirismo.

Ao bom povo trabalhador brasileiro, humildes, mas

que permanecem inabaláveis e incorruptíveis mesmo

em meio à seca de oportunidades. No pouco fiéis a

Deus, terão a graça e vida eterna!

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AGRADECIMENTOS Em meio ao secularismo universitário, agradeço o contínuo conforto dado

gratuitamente por Deus em todos os projetos que participei durante a Universidade

de São Paulo. Diferentemente da confiança momentânea que as riquezas materiais

podem proporcionar, permanecer confiante naquEle que é eterno, digno de toda

honra e louvor, glória e majestade, é a melhor meta que um ser humano pode

almejar.

Agradeço aos meus pais, Dona Francisca Alves dos Santos Rosa e Aparício Aloardi

da Silva Rosa, in memorian, por toda sabedoria, apoio e plena contribuição na

formação de meu caráter, sendo minha base e exemplos.

À minha irmã, Laydianne, pelos momentos de alegria, pela determinação, seriedade

e amor.

À Claudia, minha namorada, por tudo o que é, pela sabedoria divina e por todo

suporte dado durante toda graduação. Por todo amor, carinho e companheirismo.

Aos companheiros do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP): Adígio

Oliveira e Danilo, por todas as conversas e debates políticos, reuniões junto à

Administração Pública da USP na tentativa de construção de uma universidade

pública, justa, plural, livre e gratuita.

Aos amigos de faculdade e de vida: Leandro Silvério, Társis Miranda, Eduardo

(AESJ), Murilo Mello, Projeto Extensão Solidária, por proporcionarem momentos

inefáveis de conversas e por darem força à permanência na universidade.

Ao povo trabalhador brasileiro, humildes, mas que permanecem inabaláveis e

incorruptíveis mesmo em meio à constância da seca de oportunidades e violações

de direitos. No pouco, fiéis a Deus; terão a vida eterna!

Ao meu orientador, Prof. Dr. Gustavo Assed Ferreira: grande fomentador de

oportunidades; pelo continuo depósito de confiança, responsabilidade e, pelo

exemplo profissional.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar as diversas políticas e regimes

jurídicos que nortearam a indústria de petróleo e gás natural no território brasileiro. O

estudo abrange o instituto jurídico que vigorava na Constituição da República de

1891, passando para o sistema de governo nacionalista do Presidente Vargas, até o

regime regulador, neoliberal e neodesenvolvimentista. Este último iniciou na década

de 1990 e permanece até o governo da Presidenta Dilma (2016). O tema será

desenvolvido com a finalidade de discriminar os longos anos de exploração,

pesquisa, refino e transporte marítimo realizadas em caráter de monopólio público,

que permitiram ao Estado Brasileiro, através da Petrobras S/A, desenvolver amplas

tecnologias no setor e processar intensas informações sobre as reservas de petróleo

existentes no território nacional, culminando com a descoberta de extensas jazidas

petrolíferas na camada do Pré-Sal (2006) e de outras áreas estratégicas.

O tema foi desenvolvido principalmente com a análise das doutrinas mais

valorizadas, da jurisprudência mais consolidada, da Constituição Federal do país e,

das leis federais que incidem sobre o setor petrolífero. Estas normas propiciaram a

exploração de petróleo e gás natural mediante regimes diferenciados.

Palavras-chave: 1. PETRÓLEO 2. INTERVENÇÃO ESTATAL 3.REGULAÇÃO 4.

REGIMES DE EXPLORAÇÃO 5.PRÉ-SAL

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ABSTRACT

The aim of this study is to analyze various policies and law structures that guide the

oil and natural gas industry in Brazil. This study covers the legal institution that

existed in 1891 the Republic Constitution, moving to the nationalist government

system of president Vargas; until regulatory regime, neoliberal and

neodesenvolvimentista that began in 1990 which remaining until government of

president Dilma (2015).

The theme developed in order to describe the long time of exploration, research,

refining and shipping held in public monopoly character, which allowed the Brazilian

State, develop robust technologies in the industry and intensive information process

about existing oil reserves in Brazil. This process culminated in discovery of vast oil

deposits in the pre-salt field (2006) as well as in other strategic areas.

The theme developed mainly in the analysis of the most valued doctrines and more

established Jurisprudence, following the precepts of constitutional and federal laws

pertaining to the subject, which allowed exploration of oil and natural gas in Brazil by

different regimes

Keywords: 1. OIL 2. ECONOMIC INTERVENTIONISM 3. REGULATION 4.

OPERATING PROCEDURES 5. PRE-SALT

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 11

1. REGIMES POLÍTICOS ................................................................................................................. 13

1.1 A soberania nacional sobre os recursos naturais ............................................................... 13

1.2 O papel do petróleo no desenvolvimento da indústria brasileira ...................................... 17

1.3 Revolução de 1930 e intervenção estatal ............................................................................ 18

1.3.1 Organização administrativa federal ............................................................................... 19

1.3.2 Regime constitucional da Constituição de 1934 .......................................................... 20

1.3.3 Da arguição de inconstitucionalidade do Código de Minas de 1934 ...................... 23

1.3.4 Atuação de companhias Internacionais no comércio petrolífero .............................. 26

1.4 Estado Novo (1937-1945) e governo Dutra (1945) ............................................................ 28

2. DA CRIAÇÃO DA PETROBRAS E DA AFIRMAÇÃO DO MONOPÓLIO ESTATAL NO

SETOR PETROL ................................................................................................................................ 30

2.1 Da campanha nacionalista “O petróleo é Nosso!” .............................................................. 32

2.2 Da afirmação da Petrobras S.A ............................................................................................. 35

2.3 Plano de Metas e consolidação das forças produtivas no país. ...................................... 36

3. MEIO SÉCULO DE CONSOLIDAÇÃO E EXPANSÃO DO ESTADO REGULADOR E

NEODESENVOLVIMENTISTA. ....................................................................................................... 40

3.1 Atuação e delimitação do termo “Estado Regulador” ........................................................ 41

3.2 Políticas neoliberalistas .......................................................................................................... 44

4. DOS REGIMES DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GAS NATURAL

NO BRASIL ......................................................................................................................................... 47

4.1 Do monopólio estatal sobre E&P .......................................................................................... 47

4.2 Análise de caso envolvendo a Petrobrás S.A. e a Refinaria de Petróleo Ipiranga e

Manguinhos ..................................................................................................................................... 49

4.3 Dos contratos de E&P ............................................................................................................. 51

4.4 Contrato petrolífero de Concessão ....................................................................................... 52

4.5 Do marco jurídico do Pré-Sal e do Contrato Petrolífero de Partilha ................................ 54

4.5.1 Do contrato de Partilha de Produção ............................................................................ 55

CONCLUSÃO........................................................................................................................... 58

LEVANTAMENTO BILIOGRÁFICO ........................................................................................ 61

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INTRODUÇÃO

Desde o início da exploração das jazidas de petróleo e gás natural existentes

no território brasileiro, diversas foram as políticas nacionais que nortearam os

regimes jurídicos de exploração de tais jazidas. Do Estado nacionalista do

Presidente Getúlio Vargas (BERCOVICI, 2009, p.148) até o atual regime regulador

da Presidente Dilma (2015), iniciado com o ex-presidente Fernando Henrique

Cardoso (FIORILLO, 2009), intensas mudanças políticas revelaram uma grande

evolução das condições políticas, econômicas e sociais do Brasil que permitiram a

eclosão de um novo marco regulatório no setor petrolífero.

Desta forma, desde sua criação em 1953 (Lei nº 2004 de 03 de outubro de

1953) e início de suas atividades em 1954, os longos anos de exploração, pesquisa,

refino e transporte marítimo realizadas em caráter de monopólio permitiram à

Petrobras S/A desenvolver amplas tecnologias no setor e processar intensas

informações sobre as reservas de petróleo existentes no território nacional. Com a

descoberta do campo do Pré-Sal em 2006 e outras áreas estratégicas (ARAGÃO,

2013), o modelo vigente de concessão foi posto em dúvida já que a província

petrolífera do Pré-Sal poderá alcançar 50 bilhões de barris, tendo assim inúmeras

repercussões sobre a economia e sociedade brasileira (PAULA, 2013, p. 11).

No dia 11 de agosto de 2016 a Petrobras S.A (PETROBRAS, 2016) publicou

fato relevante em seu site oficial informando que sua produção total de petróleo e

gás natural em julho de 2016 fora de 2,89 milhões de barris de óleo (boed)

equivalente por dia, mantendo o mesmo ritmo do mês anterior, qual seja, 2,90

milhões de boed. Assim, como exposto em seu sítio eletrônico de comunicação com

investidores e sociedade, a produção de petróleo realizada operacionalmente pela

Petrobras com parcela própria e de seus parceiros, no mês de julho, na camada pré-

sal, foi um recorde mensal, pois atingiu a média de 1,06 milhão bpd, ultrapassando,

em caráter primário, a marca mensal de 1 milhão bpd. Por oportuno, em 20 de julho

de 2016 alcançou-se um recorde diário, com a produção de 1,11 milhão de barris.

Tais fatos relevantes demonstram o novo paradigma que permitiu a

exploração de petróleo e gás natural mediante regimes diferenciados. O doutrinador

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Gilberto Bercovici expõe na epígrafe do seu livro Direito Econômico do Petróleo e

dos Recursos Minerais uma síntese que reflete o espírito que norteou politicamente

a intervenção estatal no setor petrolífero, no início da exploração e produção de

petróleo no Brasil: “Já o disse e repito solenemente, que quem entrega o seu

petróleo aliena a sua própria independência” (BERCOVICI, 2009, p. 9).

Esta citação foi extraída pelo doutrinador de um discurso do ex-presidente

Getúlio Vargas, que foi notório propulsor do arcabouço político, econômico e jurídico

dos regimes jurídico-constitucionais dos recursos minerais e do petróleo brasileiro.

Como observou, ainda, a afirmação da soberania nacional brasileira esteve

historicamente vinculada ao controle estatal sobre os recursos minerais e do

petróleo, desde os tempos da colonização portuguesa (BERCOVICI, 2009, p. 9)..

Logo, como dispôs Elias Bedran sobre o arcabouço legislativo sobre

mineração: “analisar as leis protetoras da mineração é o mesmo que compendiar e

dissecar a própria história econômica dum país” (BEDRAN, 1957, p.9).

Com a descoberta de imensas reservas petrolíferas com risco baixíssimo de

exploração na camada geológica de sal, as licitações que versavam sobre os blocos

de exploração contidos no campo do pré-sal foram suspensas e foram iniciados

planejamentos estratégicos de estudos em vista da formulação de um novo marco

regulatório-contratual, conforme leciona (ARAGÃO, 2013). Assim, o tema proposto

promove o estudo do papel do Estado na promoção do desenvolvimento e das

transformações ocorridas no setor petrolífero ao longo das últimas décadas.

Portanto, diante de tal panorama, o Governo Federal brasileiro propôs um

novo marco regulatório para as indústrias de Exploração e Produção (E&P) de

petróleo, em 31 de agosto de 2009. Tais marcos regulatórios incidem sobre a E&P

dos campos descobertos no Pré-Sal bem como nas áreas consideradas estratégicas

(ARAGÃO, 2013).

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1. REGIMES POLÍTICOS

1.1 A soberania nacional sobre os recursos naturais

A descoberta do campo do Pré-Sal (2006) e de outras áreas estratégicas

ocasionou eclosões de diversos estudos políticos, econômicos e jurídicos sobre os

regimes de exploração de tais recursos naturais (PEREZ, 2009, p. 01, tradução

nossa). Em termos jurídicos, a descoberta da província petrolífera do Pré-Sal

fomentou um processo de reforma do marco regulatório incidente sobre as

atividades petrolíferas (PAULA, 2013, p. 11).

O histórico de intervenção estatal no setor petrolífero representou as diversas

conquistas e problemáticas enfrentadas pelo Estado Nacional Brasileiro no anseio

pela superação do subdesenvolvimento (PAULA, 2013, p. 12). Desde a década de

1950 o conceito de soberania permanente sobre os recursos naturais é utilizado no

âmbito internacional, especialmente pelos países em desenvolvimento, como um

parâmetro legal que possui como escopo a promoção e proteção das soberanias

econômicas dos Estados produtores em virtude dos direitos contratuais ou dos

direitos de propriedade requeridos por outros Estados ou companhias estrangeiras

(BERCOVICI, 2013, p. 43).

Tal tema, leciona Bercovici, correlacionado às controvérsias existentes quanto

à expropriação de propriedade estrangeira e eventual compensação e, do regime do

investimento estrangeiro, confluíram para que as discussões estivessem no cerne

das disputas entre países centrais e países periféricos. Neste intuito, a soberania

permanente sobre os recursos naturais retrata-se como um instrumento manejado

em várias crises internacionais, desde a primogênita nacionalização das empresas

de exploração de petróleo Mexicanas no ano de 1938, transitando via

nacionalização do petróleo no Irã (1951-1953), do Canal de Sues, pelo Egito (1956),

da indústria do cobre no Chile (1972), entre diversas outras (BERCOVICI, 2013, p.

43).

Neste contexto de conflitos entre os países detentores de recursos naturais e

companhias internacionais de exploração e produção destes recursos, em

notoriedade as do setor petrolífero (FERNANDES, 2013, p. 14), várias instancias

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das Organização das Nações Unidas (ONU) discutiram pautas referentes à

soberania permanente dos Estados sobre os recursos naturais. À época inicial

supracitada, contrapunha-se países centrais com países periféricos, estes, os quais

possuíam apoio do então bloco socialista (BERCONIVI 2013, p. 43).

A contínua cobrança dos países periféricos no âmbito político internacional

sobre o tema levou à vitoriosa aprovação da Resolução da Assembleia Geral das

Nações Unidas de 1803 (XVII), de 14 de dezembro de 1962. Esta resolução dispôs

sobre a soberania permanente dos Estados sobre os recursos naturais e foi

aprovada por 87 votos contra 2 (França e África do Sul) e obteve 12 abstenções,

conforme leciona Mughraby (BERCOVICI, 2013, p.43 apud MUGHRABY, 1966, p.

90-93)1.

In verbis, a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1803

(XVII) dispõe sobre a soberania dos Estados sobre suas riquezas e recursos

naturais, em síntese:

Resolução 1803 (XVII) da Assembleia Geral, de 14 de dezembro de 1962, sobre a “Soberania Permanente sobre os Recursos Naturais”.

[...] Tendo presente o disposto em sua resolução 1314 (XIII) de 12 de dezembro de 1958, pela qual criou a Comissão de Soberania Permanente Sobre os Recursos Naturais para que esta realizasse um estudo completo da situação da soberania permanente sobre recursos e riquezas naturais como elemento básico do direito da livre determinação, reformulando recomendações se for o caso, também resolveu estudar profundamente a questão sobre a soberania permanente dos povos e das nações sobre suas riquezas e recursos naturais, levando-se em conta os direitos e deveres dos Estados em virtude do direito internacional e a importância de fomentar a cooperação internacional no desenvolvimento econômico dos países em vias de desenvolvimento, [...] Considerando que qualquer medida tomada a este respeito dever-se-á basear no reconhecimento do direito inalienável de todos os Estados a dispor livremente das suas riquezas e recursos naturais em conformidade com os respectivos interesses nacionais, e no respeito da independência econômica dos Estados. [...] 1. O direito dos povos e das nações à soberania permanente sobre as suas riquezas e recursos naturais deverá ser exercido

1 MUGHRABY, Muhamad A. Permanent Sovereignty Over Oil Resources: A Study of Middle East Oil Concessions and Legal Change, Beirute: The Middle East Research and Publishing Center, 1966.

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no interesse do respectivo desenvolvimento nacional e do bem-estar do povo do Estado em causa. 2. A exploração, desenvolvimento e disposição de tais recursos, bem como a importação dos capitais estrangeiros necessários para tais fins, deverão estar de acordo com as regras e condições que os povos e nações livremente considerem necessárias ou desejáveis relativamente à autorização, restrição ou proibição de tais atividades. [...] 5. O exercício livre e proveitoso da soberania dos povos e das

nações sobre os seus recursos naturais deverá ser fomentado pelo

respeito mútuo entre Estados com base na respectiva igualdade

soberana. (RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES

UNIDAS DE 1803, 1962, grifo nosso).

Neste sentido, tal resolução foi aprovada para tratar do reconhecimento do

direito inalienável de todos os Estados a dispor livremente das suas riquezas e

recursos naturais, como exposto no item “2” da Resolução acima exposta. Tinha-se

a finalidade de se reconhecer a relevância dos requerimentos daquelas nações que

estavam sendo prejudicadas pelos compromissos firmados anteriormente com as

empresas petrolíferas, cujas vantagens desproporcionais eram claramente a favor

das empresas petrolíferas e em detrimento dos países hospedeiros periféricos

(FERNANDES, 2013, p. 14).

Destaca-se que outras resoluções foram criadas posteriormente para tratar da

questão. Segundo leciona Antônio Trindade (2003, p. 382-384, apud FERNANDES,

2013, p. 14)2 houve reafirmação do direito à inalienação pelos Estados da soberania

permanente sobre os recursos naturais na Resolução das Nações Unidas de 17 de

dezembro de 1973, ainda, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e

Desenvolvimento- UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development,

tradução nossa), que em resolução de 1972 dispôs a reafirmação ao direito

soberano de todos os países a disporem sem restrição de seus recursos naturais em

prol do desenvolvimento nacional.

Assim, verifica-se que sobre o setor petrolífero incidem com primazia a

soberania do Estado proprietário. Como pontua Paula, a soberania possui forte

influência na política deste setor, já que os hidrocarbonetos são recursos naturais

exauríveis e cuja essencialidade para a sociedade contemporânea é primordial para

2 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direito das Organizações Internacionais. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

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enorme parte da cadeia produtiva. Por ser um recurso mineral não renovável seu

uso deve ser feito de maneira “racional e com vistas à preservação dos estoques

disponíveis em uma perspectiva de logo prazo” (PAULA, 2013, p. 69). Destaca-se

também que os derivados de petróleo e o petróleo em si não possuem “substitutos

perfeitos” diretos na cadeia produtiva em que se inserem, ocasionando enorme

limitação da mudança destes insumos por outros.

Por oportuno, insere-se ainda o petróleo na perspectiva bélica entre nações e

grupos internacionais, pois é fonte energética estratégica em momentos de conflitos

bélicos, conforme leciona Paula (2013). Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-

1945) a titularidade de reservas petrolíferas foi determinante para os países

conflitantes em suas estratégias econômicas e militares, determinando o andamento

do conflito bélico. Aquelas nações que se sobrepujavam na titularidade deste

recurso energético conseguiram ter maior mobilidade pelos terrenos conquistados,

tanto para as tropas quanto para a realização do transporte de navios e aviões.

Desta forma, as altas reservas dos Estados Unidos da América (EUA) e da

extinta União Soviética (URSS) possibilitaram que os aliados obtivessem ampla

celeridade no sucesso do conflito bélico, através do abastecimento propiciado pela

propriedade dos derivados do petróleo. Todavia, a escassez deste recurso natural

levou os países que compunham o Eixo, como Japão e Alemanha a enfrentarem

notórias dificuldades, ante à necessidade de importação de óleo (TORRES FILHO,

2004, apud ROSS, 2013)3.

Atualmente, constata-se a permanência das reservas dos derivados de

petróleo como componente estratégico e primordial para a estabilidade do progresso

de vida atuais, posto que tal recurso energético é basilar para enorme parte da

cadeia produtiva e, conforme expõe Paula, Yergin qualifica a atual civilização como

a “Era dos Hidrocarbonetos” (PAULA, 2013, p. 69, apud YERGIN, 1990).

Desta sorte, fundamentados naquelas resoluções que dispunham sobre a

soberania permanente sobre os recursos naturais e no proveito das conferências da

UNCTAD, informa Bercovici (2011, p. 45) que:

3 TORRES FILHO, E.T. O Papel do Petróleo na Geopolítica Americana. In: FIORI, J.L. (org.) O poder americano. Petrópolis: Vozes, 2004

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Os países subdesenvolvidos se articularam na proposta de instituição de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NIEO- New International Economic Order). O boicote da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e a crise do petróleo, bem como novas nacionalizações (como as do petróleo da Líbia, em 1971 e 1973, e da Venezuela, em 1976), vão dar força aos países subdesenvolvidos na discussão sobre a necessidade de novos parâmetros para as relações econômicas internacionais, aprovando, em 1º de maio de 1974, a Resolução nº 3201 (S-VI), intitulada Declaração sobre o Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional, além do Programa de Ação para o Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional, sob o formato da Resolução nº 3202 (S-VI). A Declaração determina que a nova ordem econômica internacional deve ser fundada, entre outros, no respeito à plena soberania de cada Estado sobre os seus recursos naturais e todas as atividades econômicas (artigo 4, ‘e’)

No mesmo contexto houve a realização de uma proposta de Carta da ONU

pelo Estado do México, sobre os Direitos e Deveres Econômicos dos Estados. A

proposta foi aprovada (Resolução nº 3281- XXIX, de 12 de dezembro de 1974) e

nela se previu que os Estados possuem direito de regular o capital estrangeiro e a

garantia da auto-organização de associações de países que produzem petróleo,

como a OPEP, bem como o direito de desenvolvimento tecnológico e científico,

entre outras medidas (BERCOVICI, 2011).

Assim, apesar de tais sucessos no contexto internacional, tal soberania sobre

os recursos naturais como um dos fundamentos do direito econômico internacional

está sendo contestada desde a década de 1970, em vista da crescente

preponderância dos conceitos e teorias políticas neoliberais de privatizações e de

“ajuste fiscal ortodoxo”, e ainda em virtude da imposição de um novo panorama

mercantil da lex mercatoria em substituição da então Nova Ordem Econômica

Internacional (BERCOVICI, 2011, p. 47).

1.2 O papel do petróleo no desenvolvimento da indústria brasileira

A exploração de recursos minerais nos territórios da nação brasileira iniciou-

se no período colonial português e a legislação lusitana estava regida nas

Ordenações Filipinas. As minas eram de titularidade e propriedade da Coroa

Portuguesa e a legislação portuguesa era a mantenedora do sistema dominial de

propriedade do subsolo, distinta da propriedade do solo (BERCOVICI, 2011). Já a

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história de exploração petrolífera no Brasil começou ainda no Segundo Reinado, por

volta de 1964, período no qual iniciou-se os estudos acerca da probabilidade de

existência de petróleo em território Brasileiro (GALVÃO, 2013, p. 190).

Durante supracitado período histórico, a definição de propriedade e do direito

de exploração e produção petrolífera estava sendo regida pela legislação

portuguesa, no regime de dominialidade estatal sobre as minas e jazidas (COSTA,

2009, apud GALVÃO, 2013, p. 190) . Todavia, as primeiras concessões referiam-se

à exploração de minérios e apenas em minoritários casos à exploração de petróleo

(GALVÃO, 2013, p. 190)..

Cumpre reduzir o estudo e enfatizar as mudanças no cenário que ocorreriam

a partir da Revolução de 1930 no Brasil, posto que o petróleo ainda não ostentava

ser um problema nacional à época, conforme leciona COHN (1968)4.

.

1.3 Revolução de 1930 e intervenção estatal

Não é uníssono entre os historiadores econômicos a política deliberada no

Estado Brasileiro a partir de 1930, todavia, tal política foi a de crescimento

econômico através do mercado interno, especialmente por meio do processo de

industrialização. Tais parâmetros significaram uma ruptura na política econômica da

preservação do setor cafeeiro para a manutenção dos patamares de renda na

economia, ocorrendo um favorecimento à “internalização dos centros de decisão

econômica e o processo de industrialização” (FURTADO, 2007, p.263-265 apud

BERCOVICI, 2011, p. 90)5.

Alguns teóricos como Carlos Manuel Peláez se dedicaram na desconstrução

da narrativa interpretada por Celso Furtado e enfatizarão que, em 1930, já havia no

país um setor industrial. Além disto, defendendo que houve continuidade entre a

política econômica brasileira antes e depois de 1930, em virtude da manutenção da

“ortodoxia econômica” (BERCOVICI, 2011, p. 91).

4 COHN, Gabriel, Petróleo e Nacionalismo, São Paulo: Difel, 1968. 5 FURTADO, Celso, Formação Econômica do Brasil, 34ª ed., São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

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As análises dos defensores da ortodoxia econômica apontavam que,

significativamente, os discursos das autoridades à época eram continuamente a

favor da manutenção da estabilidade econômica e não analisavam o sentido e

atuação efetiva do aparato estatal. A busca pela emancipação econômica brasileira

foi justamente o motor sustentador do nacionalismo econômico e possuía como

ponto central o controle Estatal sobre os recursos naturais de forma a beneficiar a

econômica nacional (BERCOVICI, 2011, p. 91).

O Brasil tinha uma posição exportadora de matérias-primas, o que deixava o

Estado vulnerável às oscilações inerentes ao mercado internacional. Tal posição

deixou de ser vista como positiva. Neste momento histórico, o Estado brasileiro foi

estruturado e lapidado para a ocorrência de transformações estruturais necessárias

para a promoção de uma solução para o modelo exportador de matérias-primas

vigente, e, realizou-se um processo econômico de diversificação da economia

através de processos de industrialização (BERCOVICI, 2011, p. 91).

1.3.1 Organização administrativa federal

Quanto à organização administrativa estatal, a preocupação do exercício da

soberania Estatal sobre o controle dos recursos minerais do país resultou na

reestruturação do Ministério da Agricultura, promovida por Juarez Távora, nos anos

de 1933. Criou-se a “Diretoria Geral de Pesquisas Científicas, através do Decreto nº

22.338, de 11 de janeiro de 1933, que incluiu o Serviço Geológico, substituída pela

Diretoria de Produção Mineral, através do Decreto nº 23.016, de 28 de junho de

1933” que culminou posteriormente em sua transformação no Departamento

Nacional de Produção Mineral-DNPM, conforme cita Bercovici (2011, p.92)

No bojo ainda do governo provisório instituído na Revolução de 1930

estiveram uma série de produções legislativas no setor, como o Decreto nº 20.223,

de 17 de julho de 1931; Decreto nº 20.799, de 16 de dezembro de 1931 e o Decreto

nº 23.266, de 24 de outubro de 1933, este, que promoveu a suspensão daqueles

atos que conduzissem a alienação ou oneração de jazidas minerais. Neste ponto, tal

política do Estado Brasileiro buscava efetivar e viabilizar o desenvolvimento pelo

aproveitamento energético das riquezas do subsolo (BERCOVICI, 2011)..

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Assim, o governo de Getúlio Vargas adotou como missão governamental

diversificar a base industrial abstendo-se da centralidade do caráter agroexportador,

que se pautava pela exportação de matérias-primas (GALVÃO, 2013, p. 192).

Conforme leciona ainda este autor, na esteira do que orientavam economistas

“cepalinos” (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe- CEPAL), esta

seria o remédio adequado para a superação do problema de “deterioração dos

termos de troca dos produtos primários e para livrar a América Latina da sua

condição de subdesenvolvimento” (GALVÃO, 2013, p. 192).

1.3.2 Regime constitucional da Constituição de 1934

Numa perspectiva constitucional, a Carta Magna de 1934 estabeleceu o que

Juarez Távora chamou de “reação esboçada contra o estado de coisas encontrado

pelo governo revolucionário de 1930” (TÁVORA, 1955, p.28 apud. FIORILLO, 2009,

p. 154)67. Para este notório político, citada reação se processou num tríplice sentido,

quais sejam: 1º Estabeleceram-se medidas de proteção voltadas para as riquezas

naturais do país; 2º. Racionalizaram-se os respectivos processos de exploração; e,

por último, 3º Centralizou-se a questão normativa da matéria em esfera federal.

Era necessário trazer à res publica as garantias de propriedade que a União

sempre exerceu sobre as riquezas do subsolo, processo realizado antes mesmo da

promulgação de uma nova Constituição, por meio do Decreto nº 26.642, de 10 de

julho de 1934. Tal texto normativo consagrou-se como o “Código de Minas” e previu

a destituição da propriedade do sub-solo da propriedade do solo, passando ao

domínio da União as jazidas do subsolo que até o momento não foram objeto de

exploração. Assim, ocorreu uma reserva legal, posto que só através de concessão

estatal poderia ser realizada atividade de mineração no Brasil (GALVÃO, 2013)..

Este marco regulatório foi mantido na Constituição de 1937 e também na

Constituição de 1946, todavia, com a edição da Lei Federal nº 2.004 de 3 de outubro

de 1953 houve especificação da fixação de um referencial regulatório pelo qual a

6 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Curso de Direito da Energia: tutela jurídica da água, do petróleo e do biocombustível, São Paulo: Saraiva, 2009. 7 TÁVORA, Juarez, Petróleo para o Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1955.

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exploração de petróleo seria realizada no Brasil durante todo o período restante do

século XX (GALVÃO, 2013).

O artigo 118 da Constituição Brasileira de 1934 (BRASIL, 1934)8 dispunha

que:

“As minas e demais riquezas do sub-sólo, bem como as quedas dagua, constituem propriedade distincta da do sólo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial”.

A competência para legislar sobre mineração e riquezas do subsolo foi

atribuída à União, conforme artigo 5º, inciso XIX, “j” da mesma constituição, todavia

era admitida como norma suplementar à legislação estadual, como dispunha o artigo

5º, §3º da Constituição de 1934 (BERCOVICI, 2011, p. 94)9:

Art. 5.º Compete privativamente á União: [...] § 3.º A competencia federal para legislar sobre as materias dos ns. XIV e XIX, letras c e i , in fine , e sobre registros publicos, desapropriacções, arbitragem commercial, juntas commerciaes e respectivos processos; requisições civis e militares, radio-communicação, emigração, immigração e caixas economicas; riquezas do caça e pesca, e a sua exploração não exclue a legislação estadual suppletiva ou complementar sobre as mesmas materias. As leis estaduaes, nestes casos, poderão, attendendo ás peculiaridades locaes, supprir as lacunas ou deficiencias da legislação federal, sem dispensar as exigencias desta” (grifos nosso).

Já a autorização para que fossem exploradas as jazidas e minas, ainda que

de propriedade particular, estavam regidas pelo artigo 119 da Constituição Brasileira

de 1934, onde passou-se a disposição da reserva legal para autorização ou

concessão pela União, conforme leciona Bercovici (2011), ipsis litteris:

. Art 119. O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, bem como das aguas e da energia hydraulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou concessão federal, na fórma da lei. § 1º- As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a empresas organizadas no Brasil, ressalvada ao proprietario preferencia na exploração ou co-participação nos lucros. § 2º- O

8 BRASIL. Decreto nº 24.642 de 10 de julho de 1934. Decreta o Código de Minas. Diário oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, 10 de julho de 1934. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D24642.htm>. Acesso em: 10 ago. 2016. 9 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Diário oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, 16 de julho de 1934. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm >. Acesso em: 10 ago. 2016.

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aproveitamento de energia hydraulica, de potencia reduzida e para uso exclusivo do proprietario, independe de autorização ou concessão. § 3º- Satisfeitas as condições estabelecidas em lei, entre as quais a de possuirem os necessarios serviços technicos e administrativos, os Estados passarão a exercer, dentro dos respectivos territorios, a attribuição constante deste artigo. § 4º- A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas mineraes e quedas dagua ou outras fontes de energia hydraulica, julgadas basicas ou essenciaes á defesa economica ou militar do paiz. § 5º- A União, nos casos prescriptos em lei e tendo em vista o interesse da coletividade, auxiliará os Estados no estudo e apparelhamento das estancias minero-medicinaes ou thermo-medicinaes. § 6º- Não dependem de concessão ou autorização o aproveitamento das quedas dagua já utilizadas industrialmente na data desta Constituição, e, sob esta mesma ressalva, a exploração das minas em lavra, ainda que transitoriamente suspensa. (Grifos nosso).

No período compreendido entre o Código de Minas e a efetivação do Estado

Novo ocorreram intensas disputas sobre a exploração do subsolo nacional, que

envolveram interesses da Administração Pública, empresários privados nacionais e

demandas de grupos econômicos internacionais. Tais conflitos foram da disputa

judicial do Código de Minas à “polêmica” criada por aqueles que defendiam a

exploração nacionalista dos recursos naturais de petróleo e minérios pela iniciativa

privada, cujo expoente representante fora Monteiro Lobato, conforme leciona COHN

(1968, p. 33-38, apud BERCOVICI, 2011, p. 95).

Com a alteração legislativa do Código de Minas trazida pelo Decreto Lei

nº 366/1938, as jazidas petrolíferas passaram ao domínio privado da União,

diferentemente dos outros recursos minerais (FERNANDES, 2013, grifos nosso)10. O

artigo 96 deste decreto dispunha que o domínio privado sobre as jazidas de petróleo

não seria reconhecido, já que durante o regime de acessão não foram descobertas

nenhumas áreas petrolíferas passíveis de exploração pelo particular. Nos termos

dos artigos 96 e 97:

Art.96 A lei não reconhece o domínio privado de particulares, como já instituído, sobre jazidas de petróleo e gases naturais,

10 BRASIL. Decreto-lei nº 366, de 11 de abril de 1938. Incorpora ao Código de Minas, decreto n. 24.642, de 10 de julho de 1934, novo título, em que se institui o regime Legal das jazidas de petróleo e gases naturais, inclusive os gases raros. Diário oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, 11 de abril de 1938. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/del0366.htm>. Acesso em: 10 ago. 2016.

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pelo fato de não ter sido descoberta nenhuma jazida desta classe suscetível de utilização industrial, enquanto vigorou o direito de acessão da propriedade do sólo sobre as minas. Parágrafo único. Ficam de nenhum efeito os manifestos e registros de jazidas de petróleo e gases naturais que, porventura, hajam sido efetuados, com fraude da lei, na conformidade do art. 10 deste Código. Art. 97 As jazidas de petróleo e gases naturais acaso existentes no território nacional pertencem aos Estados ou à União, a título de domínio privado imprescritível, na seguinte conformidade: a) pertencem aos Estados as que se acharem em terras do seu domínio privado, ou em terras que, tendo sido do seu domínio privado, foram alienadas com reserva expressa, ou tácita por fôrça de lei da propriedade mineral; b) pertencem à União, em todos os demais casos. (Grifos nosso).

Tal situação alterou-se com a elaboração e publicação do Código de Minas de

1940, pois, em seu artigo 10º dispunha-se que “As jazidas não manifestadas na

forma do art. 7º são bens patrimoniais da União” (BRASIL, 1940)11

Assim, verifica-se que quanto aos demais recursos energéticos estes

permaneceram sob titularidade do proprietário do solo até o Código de Minas de

1940, já que no artigo 10º houve a transferência para titularidade do patrimônio da

União.

1.3.3 Da arguição de inconstitucionalidade do Código de Minas de 1934

Nesta seara, o detalhamento cronológico trazido pelo autor Bercovici em sua

obra demonstra que a inconstitucionalidade do Código de Minas fora um tema

pautado durante a década de 1930. Em parecer elaborado em 7 de julho de 1936,

Plínio Barreto apresentou defesa da inconstitucionalidade do Código de Minas, pois,

muito embora o Código de Minas tenha sido datado de 10 julho de 1934, tal

legislação apenas foi publicada em 20 de julho de 1934. Assim, cronologicamente

posterior à promulgação da Constituição de 1934, publicada em 16 de julho

(BERCOVICI, 2011).

11 BRASIL. Decreto-Lei nº 1.985, de 29 de março de 1940. Diário oficial da República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 29 de janeiro de 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del1985.htm>. Acesso em: 10 ago. 2016.

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Somado a tal fato cronológico, os atos realizados pelo Governo provisório

foram aprovados apenas até a promulgação da Constituição, como disciplinara o

artigo 18 das Disposições Constitucionais Transitórias. Desta forma, em vista da não

publicação do Código de Minas, para Plínio Barreto, ele não estaria em vigência

produzindo seus regulares efeitos. Tal fundamentação de direito foi utilizada em

seguida por Messias Junqueira, na mesma relação ao Código de Minas e também

por Francisco Morato, em referência à constitucionalidade do Código de Minas

(BERCOVICI, 2011).

Acrescentando-se nas pautas de inconstitucionalidade estavam a violação ao

direito de propriedade expressa no artigo 524 do Código Civil de 1916, como

propunham Plínio Barreto e Messias Junqueira. Este dispositivo estaria

expressamente salvaguardando daquilo preconizado no artigo 5º do Decreto nº

24.642, onde explanava-se sobre a incorporação das jazidas desconhecidas ao

patrimônio nacional. Naquele momento, no ordenamento jurídico pátrio, a

propriedade consubstanciava em um domínio sem restrições que também

abrangeria a propriedade do subsolo, conforme dispunha o artigo 526 do Código

Civil de 1916 (BERCOVICI, 2011).

Repugnando tal temática, Messias Junqueira afirmava que os dispositivos

normativos trazidos pelo Código de Minas eram “subversivos” e “reaccionarios”, em

uma demonstração de como foram as reações àquelas medidas adotadas pelo

Governo Provisório, a fim de dar cumprimento à nacionalização do subsolo do

território nacional (BERCOVICI, 2011, p. 96)

Assim expos o autor Junqueira12, apud Bercovici (2011, p. 96): “Documento

absolutamente imprestável, atendo o seu vicio de origem, vem tumultuar, quando

não subverter, o regime da propriedade brasileira, em relação ás riquezas do sub-

solo”.

Tal fundamentação jurídica e política de Plínio Barreto e Messias Junqueira

são criticadas por Bercovici, já que tais preceitos não tinham respaldo no

12 JUNQUEIRA, Messias, Inconstitucionalidade do Código de Minas: Impugnação da Fazenda do Estado de São Paulo à Aplicabilidade do Decreto Federal nº 24.642, São Paulo, Procuradoria de Terras do Estado de São Paulo/ Est. Graphico Cruzeiro do Sul, 1936.

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ordenamento jurídico implantado através da Constituição de 1934. Esta Constituição

inaugurou, no Brasil, a “concepção da função social da propriedade”, cuja inspiração

remonta ao texto da Constituição de Weimar na Alemanha, Bercovici (2011, p.96).

O artigo 113, nº 17, da Constituição de 1934 dispunha que:

Artigo 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á subsistencia, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: 17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou collectivo, na fórma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade publica far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indemnização. Em caso de perigo imminente, como guerra ou commoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem publico o exija, ressalvado o direito á indemnização ulterior. (grifos nossos).

Desta forma, é rompida a previsão liberalista referente ao patrimônio privado

ante ao que era previsto no artigo 524 do Código Civil de 1916, que dispunha ser

assegurado ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens. In verbis:

“Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus

bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua”.

Armando Vidal conseguiu detalhar o que passara no território nacional

brasileiro no ano de 1934 e, que assim, fundamentara tantas disputas

Operou-se no Brasil, pela Constituição de 1934 e o Código de Minas do mesmo ano, uma das maiores revoluções em matéria de propriedade privada, sem que a maioria da população desse mostra de se aperceber desta radical modificação, e, adquiriu a União patrimônio inestimável. ” (VIDAL, 1945, p. 17)13.

Contrapondo-se ao domínio estatal das jazidas petrolíferas, entre aqueles que

se destacaram quanto a exploração de petróleo pela iniciativa privada está Monteiro

Lobato. Tal autor redigiu um livro em 1936 cujo título era “O Escândalo do Petróleo e

13 VIDAL, Armando, A Ordem Econômica e a Reforma Constitucional, Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 104, p. 11-23.

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do Ferro”. Arguiu-se pelo autor que o aparato estatal legislativo nacional estaria em

consonância com os interesses estrangeiros dos grandes grupos econômicos

internacionais, conforme cita Bercovici (2011, p. 99):

As restrições e limitações que a Lei de Minas estabeleceu com o intuito de barrar as entradas dos trustes de fora caíram sobre a cabeça dos nacionais. Os trustes estrangeiros riram-se, piscaram o olho e, à sombra da lei do cipó, entraram a acaparrar as terras potencialmente petrolíferas, não para explorá-las, o que dentro da Lei de Minas lhes é impossível, mas a fim de tê-las como reservas para o futuro- para quando o petróleo de outros países vier a escassear. E esse acaparamento de terras vai segredando da possível exploração as melhores zonas de petróleo que o Brasil possui. (LOBATO, 1979, p.61)14.

Para Monteiro Lobato, portanto, ao limitar a exploração das jazidas

petrolíferas através da necessidade de autorização legal nacionalizando o subsolo, a

legislação pátria teria ido ao encontro dos interesses daqueles grupos internacionais

que já exploravam petróleo em outras nações, criando assim “uma reserva de

mercado que seria explorada pelas grandes empresas internacionais quando se

esgotassem as reservas de que dispunham à época” (BERCOVICI, 2011, p. 99).

Todavia, o STF pôs fim a questão considerando constitucionais o Código de

Águas e o Código de Minas de 1934, quando julgou o Mandado de Segurança nº

448/DF, que teve como relator o Ministro Eduardo Espínola, com julgamento em 24

de setembro de 1937. Também ocorreu manifestação de tal posicionamento no

julgamento do agravo de Instrumento nº 7.886/PE, cujo relator fora o Ministro Costa

Manso, julgado em 05 de setembro de 1938 (BERVOVICI, 2011).

1.3.4 Atuação de companhias Internacionais no comércio petrolífero

Quanto à comercialização do petróleo no interior do território brasileiro, há

que se destacar a ressalva de que grandes e restritos cinco grupos internacionais

atuavam no setor através de suas subsidiárias, entre elas estavam a “Standard Oil

de New Jersey, Anglo-American- vinculada à Royal Dutch Shell, Atlantic Refining

Company, Texas Company e Caloric Company” (BERCOVICI, 2011, p. 102). Neste

14 LOBATO, Monteiro. O Escândalo do Petróleo e Ferro. São Paulo: Brasiliense, 13ª ed., 1979, p. 91.

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panorama de influência internacional “a tônica estava nos interesses nacionais

contra os localistas ou estrangeiros, mais do que na disjuntiva propriedade privada-

interesse social. ” (COHN 1968, apud PAULA, 2013, p. 20).

Como a produção de óleo brasileira era ainda incipiente para atender o

mercado interno, a importação era a necessidade econômica. Se destacaram as

importações das estaleiras britânicas e norte-americanas que estavam localizadas

no Golfo do México e nas Antilhas Holandesas. Como ônus desta importação, a

variação cambial era um desafio que propulsionou inúmeros conflitos na década de

1930, posto as várias benesses que as companhias internacionais conseguiam obter

(BERCOVICI, 2011).

Na década de 1940 houve uma tentativa de celebração de acordo visando à

participação da Standard Oil Company of Brazil na exploração do petróleo situado

no Brasil. Houve o envio de uma proposta desta companhia para o então presidente,

que de plano denegou a proposta. O presidente à época era Getúlio Vargas e o

Presidente do Conselho Nacional do Petróleo, que foi aquele que efetivamente

apresentou a negativa à proposta.

Houveram mais dois envios de propostas desta companhia às autoridades

brasileiras, sendo alegado pelas representações políticas brasileiras que haveria

incompatibilidade entre as normas do ordenamento jurídico pátrio e as políticas

nacionais para o setor. Como citou Bercovici, “Além do Presidente da República, o

General Horta Barbosa comunicou e obteve apoio do Ministro da Guerra e do

Estado-Maior do Exército para sua posição contrária à da Standard Oil”

(BERCOVICI, 2011, p. 131)

Em 05 de setembro de 1942 Nelson Rockefeller visita o Brasil e logo em

seguida houve última tentativa de celebração com o governo brasileiro de termos

para exploração petrolífera pela companhia norte-americana. Todavia, mais uma vez

fora repelida pelo General Horta Barbosa. Com a saída do General do cargo de

Ministro da Guerra e do Estado-Maior do Exército para tratar de assuntos atinentes à

Segunda Guerra Mundial, a política energética nacional petrolífera tem grande

alteração. Se diminui significativamente as iniciativas nacionalistas e houve o

crescimento das propostas de reformas dos marcos legais, a fim de dar permissão à

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participação do capital estrangeiro na indústria do petróleo brasileiro, em detrimento

da participação e atuação estatal direta (BERCOVICI, 2011).

Já Fiorillo (2009, p. 161-162) destaca que esta mudança no ano de 1941

gerou total revisão da postura nacional e deu novas oportunidades para que grupos

empresariais internacionais atuassem no setor de exploração petrolífera. Com muita

propriedade expõe o autor que “O Decreto-lei n. 3.553 de 1941 positiva essa

oportunidade em seu art. 76, e posteriormente com o advento do Decreto-lei n.

6.230 no ano de 1944 amplia-se definitivamente a desnacionalização do setor

mineral.

1.4 Estado Novo (1937-1945) e governo Dutra (1945)

O Estado Ditatorial implantado pelo Presidente Vargas foi criador do Conselho

Nacional do Petróleo (CNP). Este órgão regulou a atividade de E&P através do

Decreto-lei nº 395 de 1938 (FIORILLO, 2009) onde entendeu-se por abastecimento

nacional de petróleo “a produção, a importação, o transporte, a distribuição e o

comércio de petróleo bruto e seus derivados, e bem assim a refinação de petróleo

importado ou de produção nacional, qualquer que seja neste caso a sua fonte de

extração” (BRASIL, 1938)15.

Inicialmente o Conselho Nacional do Petróleo não atuava em forma de

monopólio, por ausência de previsão legal. Mas sua atuação estava limitada, já que

mesmo tendo sido descoberto um campo petrolífero na Bahia em 1939, alguns

atores do mercado citavam que sua atuação regulatória encontrava notoriedade na

persecução de impedir a exploração que poderia ser realizada através de

investimentos privados ou mesmos internacionais, afastava-se assim os

concorrentes. Na prática, relegara-se a um segundo plano o desenvolvimento da

indústria de E&P pelo CNP, bem como, o “formalismo e a falta de financiamento e

15 BRASIL. Decreto-lei nº 395, de 29 de abril de 1938. Diário oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, 29 de abril de 1938. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del0395.htm>. Acesso em: 26 set. 2016

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de recursos materiais e humanos impediram que órgão desempenhasse suas

atividades a contento” (PHILIP, 1982, p. 231 apud GALVÃO, 2013, p. 193)16

Entre as iniciativas propostas pelo CNP este o estabelecimento de um

imposto federalizado sobre a indústria petrolífera e seus derivados. Neste período

incidiam sobre tais atividades 35 impostos nos níveis federais (WIRTH, 1973, p. 129-

130 apud PAULA, 2013, p. 24)17. Importante destacar que no ano de 1940 foi

instituído um imposto único e federal sobre as atividades atinentes aos combustíveis

líquidos e gasosos. A Lei Constitucional nº4, de 20 de setembro de 1940, em

emenda ao artigo 20 da lei nº 2.615, de 21 de setembro de 1940. Conforme expõe,

ainda, Paula (2013, p. 24), tal medida foi determinando para a “nacionalização dos

preços do petróleo, que antes sofriam notáveis variações regionais”

Já o Decreto-Lei nº 366 de 1938 determinava que a União teria como

remuneração o montante de 9% da produção de petróleo bruto, ou seu valor

correspondente em dinheiro, que deveria ser pago pelo particular que fosse o

detentor do direito de extração deste recurso natural, em vista do novo referencial

normativo que instituía o domínio privado da União ou dos Estados do direito de

propriedade do petróleo no Brasil (FERNANDES, 2013). Nota o autor que caso a

exploração fosse propiciada por um Estado-membro, a participação seria igualitária,

“em partes iguais”, conforme determinava o artigo 108 do Decreto nº 24.641/34,

Código de Minas (FERNANDES, 2013, p. 147)

A autora Cristiane Galvão (2013) informa também que, oposto ao que previa o

Código de Minas de 1940 a Carta Magna de 1946, “ a exploração do petróleo

poderia ser feita por ‘sociedades organizadas no país’, sem a obrigação de que seus

sócios e acionistas fossem brasileiros (BERCOVICI, 2011, p. 137, apud GALVÃO,

2013, p. 194. Assim, tal regime de exploração e produção petrolífera perdurou até a

criação da Petrobras, advinda com a Lei nº 2004, de 03 de outubro de 1953

(FERNANDES, 2013).

16 PHILIP, Georg, Oil and Politics in Latin America: Nationalist Movements and State Companies. Cambridge University Press, 1982. 17 WIRTH, Jhon D. A política do desenvolvimento na era Vargas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1973.

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2. DA CRIAÇÃO DA PETROBRAS E DA AFIRMAÇÃO DO MONOPÓLIO ESTATAL NO SETOR PETROL

A lei nº 2004 de 03 de outubro de 1953 dispôs sobre a política brasileira

nacional sobre o petróleo e instituiu a Petrobras sob a forma de sociedade de

economia. Esta lei foi revogada pelo Estatuto do Petróleo de 1997 (lei nº 9.478, de 6

de agosto de 1997).

O artigo 1º da Lei nº 2004 consagrou a atuação direta do Estado brasileiro

sobre o monopólio das atividades da indústria petrolífera, da pesquisa ao transporte

marítimo realizado através de dutos de petróleo (PAULA, 2013). Cumpre destacar

alguns de seus principais artigos (BRASIL, 1953)18

Art. 1º Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluídos e gases raros, existentes no território nacional; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo produzidos no País, e bem assim o transporte, por meio de condutos, de petróleo bruto e seus derivados, assim como de gases raros de qualquer origem. Art. 2º A União exercerá, o monopólio estabelecido no artigo anterior: I – por meio do Conselho Nacional do Petróleo, como órgão de orientação e fiscalização; II – por meio da sociedade por ações Petróleo Brasileiro S. A. e das suas subsidiárias, constituídas na forma da presente lei, como órgãos de execução. [...] Art. 15 Os proprietários e veículos automóveis, terrestres, aquáticos e aéreos, contribuirão anualmente, até o exercício de 1957, com as quantias discriminadas na tabela anexa, recebendo, respeitado o disposto no art. l8, certificados que serão substituídos por ações preferenciais ou obrigações da sociedade, os quais conterão declaração expressa desse direito, assegurada a responsabilidade solidária da União, em qualquer hipótese, pelo valor nominal de tais títulos. Parágrafo único. Os atos relativos a veículos automóveis compreendidos na competência da União só poderão ser realizados depois de feito o pagamento da contribuição a que se refere este artigo, promovendo o Governo convênio entendimento com as demais entidades de direito público para que em relação ao licenciamento e emplacamento anual daqueles veículos, nos limites

18 BRASIL. Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953. Dispõe sobre a Política Nacional do Petróleo e define as atribuições do Conselho Nacional do Petróleo, institui a Sociedade Anônima, e dá outras providências. Diário oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, 3 de outubro de 1953. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L2004.htm>. Acesso em: 19 ago. 2016.

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de sua competência, seja prestada colaboração no mesmo sentido. [...] Art. 43. Ficam excluídas do monopólio estabelecido pela presente lei as refinarias ora em funcionamento no país, e mantidas as concessões dos oleodutos em idêntica situação. [...] Art. 45. Não será dada autorização para a ampliação de sua capacidade às refinarias de que tratam os dois artigos anteriores. Art. 46. A Petróleo Brasileiro S. A. poderá, independentemente de autorização legislativa especial, participar, como acionista, de qualquer das empresas de refinação de que tratam os artigos antecedentes para o fim de torná-las sua subsidiárias. Parágrafo único. A Petróleo Brasileiro S.A. adquirirá nos casos do presente artigo no mínimo 51% (cinquenta e um por cento) das ações de cada empresa.

Art. 47 Do monopólio estabelecido pela presente lei, ficam excluídos os navios-tanques de propriedade particular ora utilizados no transporte especializado de petróleo e seus derivados. (Grifos nosso).

O exercício do monopólio seria regido através do Conselho Nacional do

Petróleo (CNP), conforme expõe o artigo 2º da lei supracitada, sendo este órgão

responsável pela orientação e fiscalização das atividades. Exclui-se do monopólio

estatal a importação petrolífera (artigo 47) e se deu continuidade às refinarias

privadas já instaladas no país e às concessões de oleodutos. Assim, quanto à

distribuição não houve alteração, continuando livremente permitida concorrência de

mercado (PAULA, 2013).

Já o artigo 15 trouxe também algo até então inédito, ao permitir que os

consumidores finais dos derivados de petróleo possuíssem a opção de se tornar

“subscritor de uma cota de ações da empresa” (BERCOVICI 2011, p. 156).

Por oportuno, leciona Paula (2013, p. 42) que também houve o afastamento

dos investimentos e exploração estrangeiras através da aquisição de “ações da

Petrobras por meio de subsidiárias constituídas no Brasil”. Mantiveram-se as fontes

de custeio das atividades a serem realizadas pela Petrobras, permitindo segurança

de gerência e evitou-se os atritos com a “nacionalização das refinarias privadas

existentes” (PAULA, 2013, p. 42).

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2.1 Da campanha nacionalista “O petróleo é Nosso”!

Tinha-se com a criação da Petrobras uma expectativa de que as atividades

petrolíferas permitissem ao Brasil ser autossuficiente na produção e refino de

petróleo, de acordo com Galvão (2013), em referência aos estudos de Georg Philip

(1982). Mais tarde, este também seria o objetivo do Plano de Metas, do presidente

Juscelino Kubitschek (BERCOVICI, 2013, p. 167). Tais ideais e metas foram

paralelamente influenciadas pela Campanha nacionalista “O Petróleo é Nosso”.

A campanha “O Petróleo é Nosso” reuniu “estudantes, sindicalistas,

intelectuais, militares, técnicos e integrantes de praticamente todas as camadas

sociais” e tentou imprimir, naquele momento histórico e de disputa, uma mobilização

da “opinião pública a favor da tese do monopólio estatal do petróleo. ” (BERCOVICI,

2011, p. 146), influenciando sobremaneira os debates políticos da década de 1950 e

também impulsionando o monopólio estatal sobre o setor, bem como toda a

legislação posterior a ser elaborada.

Nas palavras de Carlos Lessa (apud BERCOVICI, 2011, p. 359), esta

campanha foi a “maior mobilização popular e social da história do Brasil em defesa

de algum projeto de desenvolvimento”. Tal campanha foi primordial para que o

Presidente Getúlio Vargas se posicionasse diante das “pressões provenientes do

governo norte-americano.

O tema permitiu ainda, que o então presidente Getúlio Vargas criasse uma

junta em seu governo para tratar sobre esta questão (GALVÃO, 2013). Destaca o

autor Bercovici (2011, p. 147) que:

A campanha possuiu, resumidamente, três vertentes: uma com

proposta de conscientização da população sobre a relevância

nacional do setor petrolífero e todos os interesses (políticos,

financeiros, sociais) envolvidos; uma segunda vertente tentou criar

uma organização política nacional, em um movimento nacional e;

terceiro, uma atuação no congresso nacional visando estancar o

curso do projeto em trâmite referente ao Estatuto do Petróleo

(PAULA, 2013).

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Em uma análise crítica voltada para o contexto internacional no setor, o autor

Fiorillo (2009) expõe que o novo marco regulatório no setor petrolífero viera

favorecer os grandes players do mercado petrolífero internacional, já que

internamente acabava-se com a iniciativa privada sobre o setor, ao reduzir à

iniciativa estatal a atuação no setor, através do monopólio.

Tal política estava mais voltada para a efetivação da teoria

desenvolvimentista da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), onde

se preocupava com a “ ‘deterioração dos termos de troca’ e, especialmente, para a

ênfase dada à necessidade de integração política do petróleo ao processo de

industrialização do país” (COHN, 1968, p. 133-136, apud BERCOVICI, 2011, p. 149;

PAULA, 2013, p. 31).

A mensagem nº 469 redigida pelo Presidente Vargas quando da intenção de

criação da Petrobras, continha todo o âmbito político que circulada no âmbito

internacional da CEPAL. A mensagem expressava a realidade fática vigente à

época, onde “sublinhava-se o impacto negativo que o aumento das importações de

derivados de petróleo tinha sobre as dívidas disponíveis, uma vez que o Brasil fazia

parte dos países exportadores de produtos primários ‘sujeitos a quedas de preços

não compensáveis por aumentos dos volumes das exportações’” (COHN, 1968, p.

134 apud PAULA, 2013, p. 31).

Uma parte da mensagem dispunha que::

Como é sabido, a inelasticidade característica da procura

internacional dos produtos primários e gêneros alimentícios que

constituem a massa das exportações brasileiras, conduz a um grave

círculo vicioso. De um lado, em curto prazo, o simples aumento de

volume de nossas exportações, a partir de certo ponto, poderá

provocar uma queda dos seus preços proporcionalmente maior

do que o aumento do volume, com uma redução total das receitas

de exportação; por outro lado, se bem que a redução do volume

deva, dentro de certos limites, produzir um aumento mais do que

proporcional de preços, a partir desses limites, que são relativamente

restritos, qualquer diminuição de volume reduzirá o valor total

das exportações. (VARGAS, 1964, p. 99, apud PAULA, p. 31, grifos

nosso).

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Tal conceito expresso pelo autor, demonstra pensamentos político-

econômicos anteriores até à criação da CEPAL. A deterioração dos termos de troca

está inserida da dualidade “Centro-Periferia”, conforme Raúl PREBISCH expõe em

sua obra “El Desarollo Económico de la America Latina y Algunos de sus Principales

Problemas” (PREBISCH, 1998, pp. 63-129, apud PAULA, 2013, p. 32)19.

Contrapondo-se a tal sistema, numa perspectiva liberal clássica, David

RICARDO (1998, p. 70, apud PAULA, 2013, p. 32)20 cita que:

Num sistema comercial perfeitamente livre, cada país naturalmente

dedica seu capital trabalho à atividade que lhe seja mais benéfica.

Essa busca de vantagem individual está admiravelmente associada

ao bem universal do conjunto dos países. Estimulando a dedicação

ao trabalho, recompensando a engenhosidade e propiciando o uso

mais eficaz das potencialidades proporcionadas pela natureza,

distribui-se o trabalho de modo mais eficiente e harmônico, enquanto,

pelo aumento geral do volume de produtos difunde-se o benefício de

modo geral e une-se a sociedade universal de todas as nações do

mundo civilizado por laços comuns de interesse e intercâmbio.

Na constatação feita por PREBISCH (1998, apud PAULA, 2013) os países

que estavam no centro industrializado possuíam maiores ganhos de produtividade

nos “ciclos econômicos internacionais”, em contraposição aos países que se

encontravam na periferia, na margem da produtividade e da industrialização, que

possuíam características de “baixa taxa de poupança, predominantemente rural e

produtora de bens com demanda inelástica” (PAULA, 2013, p. 32). Assim, o autor

propôs a industrialização como saída de tal círculo vicioso, posto que promoveria a

dignidade da pessoa humana e acrescentaria melhora de vida em seu cotidiano

(PAULA, 2013).

Portanto, conclui-se que a criação da Petrobras adveio de um processo

político nacionalista de “requalificação do papel do Estado na promoção do

19 PREBISCH, Raúl, El desarrollo económico de América Latina y algunos de sus principales problemas. In: Cincuentas Años de Pensamiento em la CEPAL: Textos Selecionados. Vol. I. Santiago: Fondo de Cultura Económica/CEPAL, 1998, p. 63-129. 20 RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação. SANDRONI, Paulo Henrique Ribeiro (trad.). 3ª ed., São Paulo: Nova Cultural, 1998.

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desenvolvimento brasileiro” (PAULA, 2013). Como explica Edelmira Del Carmem

Alveal CONTRERAS (1994, p. 72-73, apud PAULA, 2013, p. 42):

A Petrobras constitui paradigma de empresa estatal nascida em

condições políticas tais que a assinação de recursos de autoridade e

de alocação proveu-a de autonomia considerável no âmbito

jurisdicional e no do monopólio de competências (...) Ademais, a lei

definiu várias fontes de recursos financeiros para a empresa executar

o monopólio: o Fundo Rodoviário Nacional, o Imposto Único sobre

Combustíveis Líquidos, o imposto de importação sobre automóveis,

etc. Enfim, a lei outorgou à empresa uma série de benefícios fiscais,

incluindo a isenção dos tributos de importação para consumo e de

impostos para importação de maquinário, equipamentos,

sobressalentes e outros. Apoiada na forte legitimidade política

nacional e popular, essa estatura ponderável de recursos generativos

visou, desde sua origem, proteger a empresa, garantindo-lhe, por um

lado, a existência futura em face de qualquer mudança da instável

correlação de forças políticas que lhe deu atestado de nascimento e,

por outro, preservá-la do clientelismo governamental.

Neste sentido, como explica Paula (2013) a consolidação da lei nº 2004 de

1953 instituindo a sociedade de economia mista Petrobras foi fundamental para

contribuição do avanço vivido à época, no tocante ao desenvolvimento da indústria

petrolífera no país. Contudo, “o desafio da criação demiúrgica da indústria petrolífera

em um país carente de mão de obra, de conhecimento e de maquinário, não seria

facilitado pelas turbulências políticas que resultaram no suicídio de Getúlio Vargas,

em 24 de agosto de 1954”. O sucessor de Getúlio Vargas foi um político com ideais

liberais, João Café Filho, do Partido Social Progressista (PAULA, 2013, p. 42).

2.2 Da afirmação da Petrobras S.A

Na década de 50 houve a ampliação das atividades realizadas pela Petrobras

S.A, numa evidência da sua consolidação no mercado do petróleo. O Decreto nº

53.337/1963 deu autorização para que as atividades de importação fossem

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realizadas pela sociedade empresarial. Quanto ao monopólio da distribuição do

petróleo, esta nunca foi efetivada (BERCOVICI, 2011, p. 78). Contudo, houve

iniciativa para que o monopólio também fosse estendido ao setor, através dos

termos da resolução nº 8 do Conselho Nacional do Petróleo, que dispunha que

(BRASIL, 1963, CNP, resolução nº 8):

O CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO, no uso das atribuições que lhe confere o Decreto-lei nº 538, de 7 de julho de 1938, a Lei nº 2.004, de outubro de 1953 [...] RESOLVE: Autorizar a Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRÁS a exercer a atividade de distribuição de derivados de petróleo, em grosso, em todo o território nacional (grifo nosso).

À época, estavam em operação sob o domínio privado as refinarias “Refinaria

e Exploração de Petróleo ‘União’ S.A, Refinaria de Petróleo de Manguinhos, S.A.,

Companhia de Petróleo da Amazônia S.A, Indústrias Matarazzo de Energia S.A.,

Refinaria de Petróleo Ypiranga S.A. e Destilaria Rio Grandense de Petróleo S.A”.

Através da elaboração de um Decreto, houve uma tentativa estatal tentado acabar

com a dualidade existente no regime de exploração do petróleo, já que subsistia à

atuação da iniciativa privada também.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal da Republica do Brasil considerou ilegal

o decreto nº 53.701 de 1964 outorgado em meio ao regime de exceção, mantendo-

se a permissão de exploração pelos agentes privados que já atuavam no setor

anteriormente ao monopólio instituído pela lei. Assim, se impediu a “completa

exclusão dos agentes privados que atuavam no setor de refino” (PAULA, 2013, p.

49).

2.3 Plano de Metas e consolidação das forças produtivas no país.

O Plano de Metas do presidente Juscelino Kubistchek foi um dos

responsáveis pela consolidação das forças produtivas da indústria brasileira que

fomentaram a expansão do capitalismo. Tal plano possibilitou uma crescente

autonomia da indústria brasileira, pois houve o incentivo à expansão do mercado

interno brasileiro (PAULA, 2013). Neste plano também se inseriu a busca pela

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capacidade de produção e exploração do petróleo, ao nível de permitir à indústria

nacional uma autossuficiência no refino no petróleo. A mudança de direcionamento

na importação dos bens necessários à construção de refinarias também contribuiu

para fortalecer a indústria nacional, em específico, a Associação Brasileira para o

Desenvolvimento das Indústrias de Base (ABDIB), que iniciou suas atividades no

ano de 1955 (BERCOVICI, 2013, p. 167).

Assim, diferentemente dos atuais níveis de desemprego, em uma indústria de

base consolidada e em retração econômica, o desenvolvimento da década de 1950

permitiu a intensa expansão dos postos de trabalho e do desenvolvimento de polos

de tecnologia. Como cita Bercovici (2013), à época constatou-se ineditamente que “

a capacidade instalada do parque de refino superou o consumo. ” (BERCOVICI,

2013, p. 167).

Lafer (1975, apud PAULA, 2013)21 expõe que o programa de Metas:

(...) conferia prioridade absoluta à construção dos estágios

superiores da pirâmide industrial verticalmente integrada e do

capital social básico de apoio a esta estrutura. Daria

continuidade ao processo de substituição de importações que

se vinha desenvolvendo nos dois decênios anteriores.

Assim, a Petrobras obteve pleno êxito em sua missão de proporcionar

recursos energéticos para consolidação de um parque industrial no Brasil. Destaca-

se que há poucas décadas anteriores o país era essencialmente rural e exportador

de matérias-primas, atuais “commodities”, como exposto no primeiro capítulo quando

ao papel do petróleo no desenvolvimento industrial brasileiro. Tal missão política e

econômica da Petrobras é considerada “um exemplo de sucesso”, conforme expõe

Paula (2013, p. 45):

Durante a gestão do tenente-coronel Janary Nunes, terceiro

presidente da Petrobras, houve superação das metas previstas para

a empresa. De uma meta de produção da Petrobras, houve

superação das metas previstas para a empresa. De uma meta de

produção de 40.000 barris por dia (b/d), foi atingida a marca de

60.000 b/d, em 1958, partindo de uma produção de 6.877 b/d, em

21 LAFER, Celso. O planejamento no Brasil: observações sobre o plano de metas (1956-1961). In: LAFER, Betty Mindlin (org.). Planejamento no Brasil. 3ª ed., São Paulo: Editora Perspectiva, 1975.

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1956. No setor de refino, houve aumento da capacidade de 118 mil

b/d, em 1955, para 160 mil b/d, em 1958. A frota de petroleiros

atingiu a marca de 470 mil toneladas, ante uma meta de 180 mil

toneladas.

Iniciou-se também neste mesmo período a fabricação de fertilizantes na

cidade de Cubatão, além do início das atividades de refinamento na cidade de

Duque de Caxias (CONTRERAS, 1993, p. 78, apud PAULA, 2013, p. 46).

Cumpre destacar que no intuito de dar dinamicidade para o aparato

burocrático que envolvia a Petrobras, ficou conhecida a “Administração Paralela”

implantada por Juscelino Kubistchek, que “constitui-se em uma ‘estrutura de poder

informal, paralela, eficiente, vinculada diretamente à Petrobras’” (DRAIBE, 1994, p.

227, apud PAULA, 2013, p. 46)22. Todavia um conflito ocorreria com esta

Administração Paralela, já que o órgão governamental responsável pela elaboração

de pareceres opinativos, o CNP, deveria se manifestar e não tinha ciência das

decisões que se operavam na Petrobras (PAULA, 2013).

Este conflito ficara conhecido posto que o resultado foi o afastamento de

ambos presidentes de suas funções junto à Petrobras S.A e CNP, respectivamente.

Todavia, mesmo após iniciado uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar

se houve omissão do presidente da Petrobras, chegou-se à constatação de que a

celeridade de algumas decisões que teriam que ser procedidas na direção da

Petrobras não teriam a agilidade necessário dentro do prazo de atuação do CNP

(PAULA, 2013).

Porém tal conflito foi importante para se entender o papel autônomo que a

Petrobras teria nas próximas décadas, já que a subordinação direta da empresa

estaria cada vez mais subordinada ao governo federal, através da presidência da

República, e não mais ao Conselho Nacional do Petróleo (PAULA, 2013).

Com a ascensão do presidente João Goulart ao poder na década de 1960, o

papel da Petrobras foi reforçado através da expansão das áreas de atuação da

Petrobras. Houve a redução da pressão sobre o balanço de pagamentos da

Petrobras, já que o Decreto 53.337 de 23 de dezembro de 1963 promoveu o

22 DRAIBE, Sônia. Rumos e Metamorfoses: um estudo sobre a constituição do estado e as alternativas da industrialização no Brasil, 1930- 1960. 2ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.

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“monopólio sobre as importações de petróleo e derivados”. Assim, constatou-se que

o poder de negociação aumentou frente aos players internacionais fornecedores de

petróleo, ocorrendo uma “redução no custo de importação de óleo cru após a

instituição da Petrobras como compradora única” (CARVALHO, 1976, p. 174-175,

apud PAULA, 2013, p. 47).

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3. MEIO SÉCULO DE CONSOLIDAÇÃO E EXPANSÃO DO ESTADO REGULADOR E

NEODESENVOLVIMENTISTA.

A indústria do petróleo capitaneada pela Petrobras exerceu suas atividades

em regime de monopólio de 1954 até 1997, quando houve a abertura de tais

atividades ao capital privado através da elaboração e publicação da Lei nº

9478/1997. Durante o Plano de Metas de JK ocorreram algumas transformações

que serão elencadas.

Na década de 60 as atividades de pesquisa e exploração petrolífera foram

relegadas a um segundo plano. A Petrobras pautou como foco atividades de

importação, refino e distribuição de petróleo, constituindo algumas empresas

subsidiárias, como a BR/Distribuidora, a Petrofertil e Petroquisa, respectivamente,

para atuação da área de distribuição de petróleo e seus derivados, fertilizantes

agrícolas, da indústria petroquímica. Como fora relegada para um segundo plano,

nesta década a importação do petróleo correspondeu há 80% do consumo

doméstico no território nacional, bem como apenas 25% do investimento da

Petrobras era voltado para as atividades de exploração e pesquisa (GALVÃO, 2013,

p. 197).

Bercovici destaca que está característica para além de seus “setores”,

ocorreu particularmente com a Petrobras S.A e com a Companhia Vale do Rio Doce

e não com outras empresas estatais. Sendo certo que este fenômeno foi intitulado

por Wanderley Guillherme dos Santos (SANTOS, 2006, p. 34-37 apud BERCOVICI,

2013, p. 185)23 como “duplo processo de consolidação e proliferação diversificada”.

Tal contração de investimento em pesquisa e exploração ocorreu e foi “marca da

gestão de Ernesto Geisel”, à época presidente da Petrobras, ocasionando a

“destituição da gestão do monopólio do petróleo de seu conteúdo político”

abandonando-se aqueles ideais nacionalistas da década de 1950 onde a campanha

“O Petróleo é Nosso” inflava a busca pela autossuficiência na produção de petróleo

pela companhia recém criada (BERCOVICI, 2013).

23 SANTOS, Wanderley Guilherme dos, O Ex-Leviatã Brasileiro: Do voto Disperso ao Clientelismo Concentrado, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006

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41

A empresa Petroquisa foi determinante para a criação dos pólos

petroquímicos na cidade de Camaçari (BA) e Triunfo (RS), ocorrendo uma união de

recursos de “empresas nacionais e multinacionais, instituindo o célebre modelo

definido como ‘tríplice aliança’: associação do capital privado nacional, capital

privado multinacional e capital estatal” (BERCOVICI, 2013). Tais ramificações

empresariais através de subsidiárias também ocorreriam no setor minerário,

conforme expõe Bercovici (2013, p. 189), citam-se: Docenave (1962), que possuiu

subsidiárias no exterior; Florestas Rio Doce S/A. (1975); Docegeo. (Rio Doce

Geologia e Mineração S.A., 1971), além de outras joint-ventures, conjunto de

empreendimentos empresariais do capital nacional e estrangeiro (BERCOVICI,

2013, p. 189).

Em referência ao contexto de decisões políticas acima aludidas, José Luís

Fiori cita que:

Ao partilhar com o sistema financeiro internacional o privilégio de

gerar moeda de crédito internamente e estimular a tomada de

créditos forâneos, primeiro por parte do setor privado e depois do

setor público, a política econômica tornou o Estado vulnerável frente

aos choques do petróleo e dos juros internacionais. E, ao

implementar uma política de ajustamento do balanço de pagamentos

através de encilhamento financeiro que é hoje o grande responsável

pela multiplicação exponencial da dívida externa e do déficit público,

pela degradação progressiva da infraestrutura econômica e dos

serviços públicos e pela mais completa paralisia na política

econômica (FIORI, 1995, p.78, apud BERCOVICI, 2013, p. 190)24

A partir de 1967 as pesquisas da indústria do petróleo começaram a pautar-se

pela descoberta de petróleo off-shore (plataforma marítima continental).

3.1 Atuação e delimitação do termo “Estado Regulador”

24 FIORI, José Luíz, Sonhos Prussianos, Crises Brasileiras- Leitura Política de uma Industrialização Tardia”, in Em Busca do Dissenso Perdido: Ensaios Críticos sobre a Festejada Crise do Estado, Rio de Janeiro, Insight, 1995, p. 57-84.

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O termo “Estado Regulador” pode contribuir para imprecisas interpretações.

No bojo do presente trabalho, esta expressão não remonta ao Estado que intervinha

sistematicamente na economia, como exposto no início quando do governo

nacionalista de Getúlio Vargas. Tal definição “é inapropriada pois todo Estado

necessariamente intervém na economia, na medida em que o Estado são

instituições co-construtivas”.

Outro problema quanto ao emprego de tal termo em sentido aberto é a

confusão entre o “Estado Regulador” surgido com as reformas do New Deal, e o

“Estado regulador” inspirado pelas ideias neoliberais, trazidas após os anos de 1970.

Este último, de fato, foi intitulado por Ha-Joon CHANG (1997) de “Estado

desregulador” (CHANG, 1994, apud PAULA, 2013, p. 78)25

Neste último, destaca ainda Gonçalves (2008, p. 28) que a expressão

“regulação”, então, passara a ser utilizada com mais frequência para se referir às

políticas legislativas que acompanharam ‘os movimentos de privatização e de

controle da concentração econômica nos setores privado’.

Assim, delimitou-se a intervenção do Estado na economia, a fim de aumentar

a concorrência e suprimir os monopólios. Cumpre destacar o que Paula (2013, p. 82)

expõe em sua análise do papel estatal:

Em substituição a um modelo de atuação direta, baseado em mecanismos de comando e controle, dinamizado por uma burocracia verticalizada, defenderam-se a reforma do Estado e a dinamização do capital privado como principal provedor de serviços essenciais e de infraestrutura. O Estado deveria adaptar-se ao novo contexto histórico e social, marcado pela profunda especialização técnica, o surgimento de uma pluralidade de interesses conflituosos não imediatamente hierarquizáveis para definição do que seria o ‘interesse público’ e a inexorabilidade da abertura da economia para o exterior (MARQUES NETO, 2002, apud PAULA, 2013. p. 82)..

A atuação do Estado na economia, durante o período da década de 70 até os

anos 2000 seriam realizadas através da intervenção indireta, mediante a imposição

e instituição de mecanismos de intervenção indireta, reduzindo os interesses

divergentes e apoiando a iniciativa privada “como meio legítimo de provimento de

serviços essenciais à coletividade e pela criação de novos instrumentos

25 CHANG, Ha-Joo. The political economy of industrial policy. London: Macmillan, 1994.

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institucionais baseados no diálogo e na coordenação” (MARQUES NETO, 2005, p.

31-32, apud PAULA, 2013, p. 83)26.

Entre os instrumentos deste novo modelo de consecução de objetivos está o

estabelecimento de um grande número de agências reguladores, cujos

administradores são nomeados com mandado fixo; “estabelecimento de audiências

públicas; e a criação de novas figuras jurídicas, como, entre outras, as organizações

sociais de interesse público, Lei nº 9.790/1999” (PAULA, 2013, p. 83).

Sintetizando as ocorrências da década de 80 à década de 90 e meados dos

anos 2000, Mario Gomes SHAPIRO (2009, p. 156, apud PAULA, 2013. p. 83) cita

que:

A consecução dessa agenda de transformação da intervenção

estatal foi viabilizada por um extenso rol de medidas jurídico-

institucionais, que alteraram sensivelmente os quadrantes do

direito administrativo e econômico brasileiros, na década de

1990. As figuras administrativas dispostas no decreto-lei

200/1967, até então o principal marco regulador da

administração pública, tais como as empresas públicas,

sociedades de economia mista e autarquias, perderam parte de

sua centralidade. Passaram a dividir espaço com autarquias

em regime especial (agências reguladoras) e empresas

estatais dotadas de uma racionalidade diferenciada, como é o

caso da Petrobras e do Banco do Brasil, que abriram o capital,

passaram a emitir valores mobiliários, inclusive no exterior, e

adotaram regras de governança corporativa. Além destas

medidas, a privatização de 37 grupos empresariais entre 1999

e 2000, a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal e da

emenda ao artigo 37 da Constituição Federal (1988), que

definiu eficiência como um princípio da administração pública

(ao lado dos princípios originais, moralidade, legalidade,

publicidade e impessoalidade), compuseram esta macro

revisão do papel do Estado na economia brasileira.

26 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação Estatal e interesses públicos. São Paulo, Malheiros Editores, 2002.

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Logo, explicitado está o novo panorama político econômico.

3.2 Políticas neoliberalistas

Os planos neoliberais se situaram em um contexto internacional, tanto na

América Latina como nos países do Leste Europeu. Paula (2013) expõe que as

políticas liberalizantes deste Estado Regulador, implantadas na década de 1990 no

Brasil, não conseguiram cumprir com seu discurso, já que as mudanças ocorridas

não foram capazes de fazer a promoção do crescimento da economia e nem

melhoraram a distribuição de renda nos países em que foram aplicadas (RODRIK,

2006, apud PAULA, 2013, p. 83)27. Mas, em vista do regime ditatorial que o Brasil

passara, ocorreram sim mudanças no tocante à transparência quanto aos gastos do

erário público e um aumento do diálogo com a sociedade.

Algumas das reformas de viés neoliberais advieram de perspectivas

equivocadas do Estado brasileiro. Entendia-se que o aparelho estatal estava

permeado de autoritarismo e poder, sendo “incapaz e ineficiente”, mesmo diante de

suas prerrogativas constitucionais e infraconstitucionais. Tais entendimentos

formaram o pensamento que permitiu as “reformas voltadas à diminuição do

intervencionismo estatal, ampliando-se a esfera de atuação privada na economia e

na provisão de serviços públicos” (PAULA, 2013. p. 84).

Mas o real problema encontrava-se ao caráter corporativista de Getúlio

Vargas, posto sua política de “abertura seletiva e excludente” (DRAIBE, 1994, apud

PAULA, 2013). Historicamente a política brasileira é seletiva e excludente. Ela anda

em convergência aos interesses prevalecentes mas contrapõe-se às necessidades

da maior parcela da população. Sendo certo que as reformas efetuadas no aparato

estatal deveriam direcionar-se para o fortalecimento das instituições estatais

implantadas no país e não o contrário. Dotar-se-ia as mesmas de institutos capazes

de cumprir as metas estabelecidas pela sociedade, aumentando as possibilidades

de melhoria das condições de vida de sua população (BUCCI, 2002, apud PAULA,

2013, p. 85).

27 RODRIK, Dani, The new global economy and developing countries: making openness work. Washington: Overseas Development Council, 1999.

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A grande “contribuição” que os pensamentos neoliberais trouxeram foi a

propensão à implantação de um desenvolvimento pautado nas especificidades

históricas do país, ao oposto de implantação de políticas universalmente válidas

(RODRIK, 2006, apud PAULA, 2013). Como expôs Bercovici (2011, p. 24).

O Desenvolvimento, como ensina Celso Furtado, é um fenômeno

eminentemente histórico, ou seja, cada sociedade enfrenta

problemas específicos, para os quais não há uma política ou modelo.

O subdesenvolvimento não é uma etapa pela qual os países

desenvolvidos tenham necessariamente passado, mas é um

processo histórico autônomo. De acordo ainda com Celso Furtado, o

subdesenvolvimento, no fundo, é um fenômeno de dominação,

portanto de natureza cultural e política, não apenas econômica.

Neste sentido, nos casos da industrialização retardatária e da

industrialização periféricas, a afirmação de Alexander Gerschekron,

de que, em vários aspectos importantes, o desenvolvimento de um

país ‘retardatário’ ou ‘atrasado’, pelas próprias condições inerentes

ao seu ‘atraso’, tende a ter diferenças fundamentais em relação ao

dos países desenvolvidos, deve ser levada em consideração.

Durante o mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008,

houve uma crise financeira internacional que deslegitimou alguns postulados

neoliberais. A partir de então discutiu-se um modelo neodesenvolvimentista, cujas

diretrizes possuem semelhanças tanto com o Estado regulador, quando com o

Estado desenvolvimentista (PAULA, 2013).

Nas palavras do doutrinador Paula (2013, p. 85):

Em termos de semelhanças com o modelo desenvolvimentista, o

neodesenvolvimentismo adotaria como pressuposto teórico grande

parte da herança legada pelos pensadores estruturalistas, cujo

centro de referência remete às contribuições da CEPAL. Para essa

corrente, o grande desafio dos países subdesenvolvidos seria um

problema de sustentação da demanda como forma de garantia de

rentabilidade dos investidores, invertendo, em conformidade com o

pensamento keynesiano, o postulado de que ‘a oferta gera sua

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demanda’. Garantida a demanda, haveria estímulo para a realização

de investimentos, que, por sua vez, permitiria aumento da

capacidade de poupança nacional. Para tanto, o Estado deveria

assegurar dois tipos de condições: (i) o equilíbrio entre aumentos de

produtividade e aumento dos salários reais; e (ii) a manutenção da

taxa de câmbio em níveis favoráveis à expansão industrial, evitando

supervalorizações (BRESSER PEREIRA, 2011, apud PAULA, 2013,

p. 86).

Assim, verifica-se a ocorrência atual do neodesenvolvimentismo, já que se

atribui ao Estado brasileiro o compromisso central de coordenar as variáveis

macroeconômicas e defender a “importância das políticas industriais para o

processo de catching up em relação às economias mais desenvolvidas. Defende-se

ainda os atributos das economias criativas, “focada em inovações tecnológicas e em

aumentos de competitividade via inserção internacional”. Como exemplo desta nova

abordagem está a política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE),

de 2004 e, a Política de Desenvolvimento Produtivo, de 2008 (ARBIX&MARTIN,

2010, apud PAULA, 2013, p. 86).

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4. DOS REGIMES DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GAS NATURAL

NO BRASIL

4.1 Do monopólio estatal sobre E&P

Como exposto nos capítulos 1 e 2 do presente trabalho, a tradição

monopolística sobre o setor petrolífero culminou na previsão do monopólio da União

sobre diversas atividades do setor petrolífero na Carta Magna de 1988, a carta-

cidadã. Pode-se afirmar que tal previsão teve como base uma “bem-sucedida

tradição de exploração divisada pela primeira vez na Lei nº2.004, de 1953,

constitucionalizada nas Cartas Outorgadas de 1967 e 1969” (STF, ADI nº 3.273-

9/DF, 2005, p.122).

Cumpre trazer uma breve digressão, de um conceito e entendimento

exposto na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.273-9/DF, julgada em 16

de março de 2005, pelo Supremo Tribunal Federal. O Ministro Relator, Carlos Ayres

Brito explicitou que a Carta-cidadã:

(...) fiel à proposição kelseniana de que o Direito constrói suas

próprias realidades, optou por ignorar as discussões geológicas e

geofísicas sobre a distinção entre hidrocarbonetos fluidos e gasosos

(que seriam substâncias orgânicas) e os recursos minerais

propriamente ditos (que teriam a natureza de substancias

inorgânicas). Isto para fazer destes últimos (“recursos minerais”) o

gênero no qual os dois primeiros se encartariam [...] é esta primeira

indiferenciação de jure que explica o fato de a Constituição dizer que

são bens da União “os recursos minerais, inclusive os do subsolo”

(inciso IX do art. 20), sem a menor necessidade de explicitamente

incluir entre esses bens o petróleo e o gás natural.

Pois bem, verificamos neste voto que jazidas minerais diferem de jazidas

petrolíferas, pois, “fácil seria deduzir, então, que para conhecer o regime jurídico do

petróleo e gás natural bastaria ao intérprete da Constituição conhecer o regime

normativo dos recursos minerais em geral” (STF, ADI nº 3.273-9/DF, 2005, p.122).

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A constituição de 1988 dispôs sobre o gênero “recursos minerais” em um

primeiro momento, em seu artigo 176. Nele se destacou que “desse gênero não

exclui os hidrocarbonetos fluidos e gasosos. Já num segundo e imediato momento é

que passa a disciplinar os específicos temas do petróleo e do gás natural ‘e outros

hidrocarbonetos fluidos’”, conforme caput do artigo 177 (BRASIL, CONSTITUIÇÃO

FEDERAL, 1988, apud STF, ADI nº 3.273-9/DF, 2005, p. 124)..

Pois bem, em resumo, temos que a Constituição de 1988 define petróleo e

gás como:

I- São bens da União [...] (art. 20, inciso IX e §1º da Constituição

Federal de 1988), [...] do resultado de sua exploração participam ou

são compensados (conforme o caso) os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios, bem como certos órgãos da Administração Direta da

União e mais o proprietário do respectivo solo, se de jazida em

subsolo se tratar (§1ª do art. 20, combinadamente com o §2º do

artigo 176); III- constituem matéria que se inscreve na competência

legiferante que é privativa da nossa pessoa federada central (inciso

XII do art. 22); IV- revelam-se como propriedade distinta da do solo,

para efeito de exploração ou aproveitamento (caput do art. 176); V-

são recursos passíveis de ter a sua pesquisa e lavra, ou sua

exploração e aproveitamento, realizáveis por via de autorização ou

concessão (art. 176 e seu §1º), mas agora sem a possibilidade de

transferência do produto da lavra para o concessionário, por ser

essa transferência incompatível como o regime de monopólio a

que se referem o inciso I do art. 177 e o §2º, inciso III, desse

mesmo artigo); [...] “somente poderão ser efetuados mediante

autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por

brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que

tenha a sua sede e administração no País”

Portanto, após a emenda constitucional nº 9 de 1995, “o monopólio estatal

sobre o setor petrolífero expressa nova concepção de monopólio. O atual monopólio

sobre as atividades petrolíferas tem como conteúdo a prerrogativa” do Estado em

constatar qual regime jurídico adotará para explorar e produzir determinado campo

petrolífero. Destaca GALVÃO (2013, p. 205) que “seja com a atribuição dessas

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atividades a uma empresa estatal em regime de exclusividade, seja com a

contratação de empresas estatais ou privadas”, temos a partir dos anos 90 o

monopólio estatal como “poder de escolha”.

4.2 Análise de caso envolvendo a Petrobrás S.A. e a Refinaria de Petróleo

Ipiranga e Manguinhos

Esta Averiguação Preliminar, que tramitou perante o Conselho Administrativo

de Defesa Econômica (CADE), trata de suposta discriminação e recusa de contratar

indireta que fora adotada pela Petrobras em face das duas únicas empresas

totalmente compostas de capital privado no setor: refinarias de Ipiranga e de

Manguinhos.

Como exposto à fls. 2199 dos autos da Averiguação Preliminar em análise, a

Lei nº 9478/1997 (BRASIL, 1997) estabeleceu que uma das bases da política

energética nacional seria a meta pela busca da promoção da livre concorrência,

conforme artigo 1º, inciso IX. Nesta seara, cita ainda a 3ª Camara de Coordenação e

Revisão da Procuradoria Geral da República que:

Coube à Agencia Nacional do Petróleo, Gás Natural e

Biocombustíveis- ANP, como órgão regulador e fiscalizador

(arts. 7º e 8º), a tarefa de conceder, mediante licitação, o direito

de explorar, desenvolver e produzir petróleo (art. 8º, IV),

autorizar atividades de refino, processamento, transporte,

importação e exportação do produto (art. 8º, V), além da

atribuição de comunicar de imediato à SDE e ao Conselho

Administrativo de Defesa Econômica- CADE, quaisquer

indícios de infração da ordem econômica para a adoção das

providências cabíveis. Dentro do novo arcabouço regulatório,

embora mantidos os direitos da Petrobras de explorar a

indústria do petróleo, estas atividades passariam a ser

desenvolvidas “em caráter de livre competição com outras

empresas, em função das condições de mercado” (art. 61,

§1º (grifo nosso).

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Verifica-se que os longos anos de monopólio estatal realizados no setor da

indústria petrolífera capacitaram a estatal com imensas vantagens estruturais e de

tecnologia, aptas a ensejar os dados obtidos pela Agência Nacional do Petróleo,

citada à fls. 2200 do supracitado julgamento da averiguação preliminar, quais sejam:

“a Petrobras detém aproximadamente 100% da exploração/produção nacional de

petróleo, 98,55 do parque de refino, 94% da importação do petróleo, 56% da

importação de derivados de petróleo, 100% da exportação de derivados de petróleo

e 100% da atividade de transporte de petróleo e derivados (CADE, Averiguação

Preliminar nº 08012.007897/2005-98, 2008)

A parte requerente informava estar sendo prejudicada pela política de preços

estabelecida pela Petrobras S.A, que, em seus termos, vinha adotando a fixação dos

preços de alguns derivados de petróleo em patamares aquém dos valores

praticados no próprio comercio internacional. Esta conduta, segundo a parte

requerente (CADE, Averiguação Preliminar nº 08012.007897/2005-98, p. 5):

“inviabiliza a concorrência no segmento do refino do

refino do petróleo, na medida em que tais derivados são

justamente os de maior demanda e suas receitas influenciam

diretamente o resultado das refinarias privadas brasileiras, que,

de um lado, são obrigadas a adquirir petróleo a preços

internacionais (inclusive da própria Petrobras) e, de outro, a

fixar os respectivos derivados em níveis semelhantes aos da

Petrobras, menores do que os necessários para a adequada

remuneração de suas atividades, sob pena de perderem a

preferência dos consumidores para o agente dominantes. [...]

sucede que a falta de perspectiva de uma solução satisfatória

om a agilidade que o caso requer forçará a Representante a

tomar as medidas necessárias para estancar os prejuízos que

vem sofrendo, dentre as quais a demissão de centenas de

trabalhadores (doc. 8), havendo o risco de até mesmo de

cessação, em definitivo, das atividades da refinaria, o que,

além de eliminar a possibilidade de recontratação dos

funcionários dispensados, afetaria o abastecimento de

combustíveis e impactaria negativamente o comércio e o nível

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de arrecadação de tributos da região.

Pois, bem, após o trâmite processual da averiguação houve um primeiro voto

(vencido) no recurso administrativo apresentado pela requerente, o qual foi dado

provimento ao recurso (CADE, fls. 2352) e, de oficio, determinando a remessa

dos autos para a Secretaria de Direito Econômico a fim de ser instaurado o

devido processo administrativo.

Já às fls. 2363, o conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado votou no

sentido do arquivamento dos autos da Averiguação Preliminar, posto que não

verificou indícios nos autos “ de que, nem mesmo em tese, o mercado

relevante de petróleo pesado possa ser considerado nacional. Nesse contexto,

a discussão do preço de transferência torna-se irrelevante” (CADE, fls. 2363).

A presente Averiguação permite analisar a influência do monopólio (e seus

contornos, como a assimetria de informações e outras externalidades). No final esta

Averiguação Preliminar em estudo foi arquivada, tendo sido apenas um o relator que

restou vencido.

Houve interposição de embargos de declaração ao acórdão proferido nos

autos, contudo, tendo sido negado provimento ao recurso, pela não ocorrência de

inexistência de omissão, obscuridade ou contradição no voto principal capaz de

ensejar provimento do recurso e modificação da decisão que resolveu o mérito da

questão (CADE, fls. 2443).”

4.3 Dos contratos de E&P

Na prática internacional verifica-se que os Estados optam por “viabilizar a

exploração do petróleo mediante a contratação de empresas públicas ou privadas,

dotadas de capacidade operacional para explorar e produzir esse recurso. ” As

cláusulas contratuais contêm os “direitos e deveres a cargo de cada uma das partes

(Estado – normalmente representado por agência estatal ou empresa governamental

– e companhia petrolífera). ” (FERNANDES, 2013, p. 63).

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Segundo a eminente doutrinadora Marilda Rosado, tais instrumentos

contratuais são intitulados contratos petrolíferos, ou contratos de exploração e

produção petrolífera, onde contém as previsões das observações que as partes

pactuam a adimplir, em decorrência da “utilização e destinação das reservas

petrolíferas” (RIBEIRO, 2003, p. 161, apud FERNANDES, 2013, p. 63)28.

Os modelos de contrato de exploração das jazidas de pré-sal mais utilizados

são: “contrato de concessão, contrato de partilha de produção e contrato de

serviços” (BERCOVICI, 2011, p. 310). Fernandes (2013, p. 63) cita: “ os contratos de

concessão, de partilha de produção e de serviço, com ou sem risco”.

4.4 Contrato petrolífero de Concessão

Conforme lecionada Marilda Rosado, os contratos de concessão do pós-

guerra tinham as seguintes previsões:

A empresa internacional de petróleo (IOC) tem o direito

exclusivo de explorar e explotar petróleo, por sua conta e

risco; ela é proprietária do óleo produzido, ficando libre para

dele dispor, mas assegurando parcela para abastecimento do

mercado doméstico do país hospedeiro; durante a fase de

exploração e explotação paga taxa de arrendamento de área; a

IOC paga royalties em óleo, em espécie, ou uma combinação

dos dois e imposto de renda; ela é proprietária dos

equipamentos e ativos; não há participação ou ingerência do

país hospedeiro, que também não se beneficia de treinamento

ou transferência de tecnologia (2003, p. 162).

Assim, quanto ao modelo de concessão de E&P, verifica-se que por um

período no tempo determinada área será explorada por determinada companhia,

“transferindo-se a ele a propriedade de todo o petróleo extraído. Em contrapartida, o

contratado paga ao Estado certa quantidade de royalties sobre a produção,

aceitando um amplo conjunto de obrigações, além de se sujeitar à supervisão do 28 RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Direito do Petróleo: as joint ventures na indústria do petróleo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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Estado sobre suas operações” (DAINTITH, 1981, p. 9, apud FERNANDES, 2013, p.

64)29

No artigo 177, §1º e §2º da Constituição Federal de 1988 está previsto que:.

Art. 177. Constituem monopólio da União:

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a

realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo

observadas as condições estabelecidas em lei. (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 9, de 1995). § 2º A lei a que se refere o §

1º disporá sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9, de

1995): I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em

todo o território nacional; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9,

de 1995) II - as condições de contratação; (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 9, de 1995) III - a estrutura e atribuições do órgão

regulador do monopólio da União; (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 9, de 1995)

Regulamentando tal dispositivo constitucional, a Lei nº 9.478/97 instituiu o

“contrato de concessão como modalidade de atribuição do exercício das atividades

de produção e de exploração a terceiros, mediante prévio procedimento licitatório

regido e organizado pela ANP”. Observa-se a notória postura estatal de abertura a

atuação do mercado privado no setor, já que “no contexto da lei nº 9.478/97, a

principal função da ANP é a “regulação para a concorrência” (PAULA, 2013, p. 205).

Como ainda leciona ARAGÃO (2013, p. 487), o “contrato de concessão

petrolífera é essencialmente aleatório e de risco, já que pode gerar uma descoberta

excelente ou nenhuma descoberta”. Há controvérsias na doutrina sobre a natureza

jurídica deste tipo contratual, já que para alguns tem-se:

(...) por atividade econômica, sendo de Direito Privado; por outro, como dizem respeito a atividades ou bens que são monopolizados pelo Poder Público por razões estratégicas ou fiscais ligadas com o interesse público definido constitucionalmente, exigiriam uma disciplina publicística. Entendemos que as concessões petrolíferas, como não visam à delegação de serviços públicos, mais sim atividades econômicas strictu sensu monopolizadas pelo Estado, são, em

29 DAINTITH, Terence, The Legal character of petroleum licences: a comparative study. Dundee: University of Dundee, 1981.

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linhas gerais, de Direito Privado. Nelas sequer há a obrigação de continuidade, estando o concessionário livre para, em uma forte demonstração da natureza de Direito Privado deste contrato, a qualquer momento ‘devolver a concessão’, justamente o contrário da lógica dos contratos de Direito Público, em que até a exceção do contrato não cumprido por parte do particular é inexistente ou muito restringida, e só a Administração pode rescindi-lo unilateralmente.

Como leciona ainda ARAGÃO (2013, p. 488), cita-se uma cláusula deste tipo

de contrato petrolífero:

A qualquer tempo durante a Fase de Produção, o Concessionário poderá

resilir este contrato com relação a qualquer campo (ou a todos os campos)

mediante notificação por escrito à ANP. O concessionário não interromperá

ou suspenderá a produção comprometida nos Programas de Produção

do(s) Campo(s) ou Áreas de Desenvolvimento em questão de um período

mínimo de 180 (cento e oitenta) dias contados a partir da data da

notificação (Cláusula n. 8.5. do Contrato de Concessão)

Ressalta este autor, por fim, que não é possível a escusa do cumprimento de

normas de ordem pública pela natureza jurídica de Direito Privado dessa concessão,

pelo contrário, não há como “refutar que eventuais normas expressas de ordem

pública ou de dirigismo regulatório” intervenham no contrato celebrado entre as

partes (ARAGÃO, 2013, p. 488)

4.5 Do marco jurídico do Pré-Sal e do Contrato Petrolífero de Partilha

Com o surgimento de um novo panorama da indústria petrolífera advinda da

descoberta nos novos campos da camada do pré-sal, no ano de 2006, o regime

supracitado de concessão foi posto em dúvida, já que não existiria mais o risco da

atividade. No mandato do Presidente da República, Lula, então, constatou-se “que

não se justificaria explorar tais áreas por meio do regime de concessão, cuja

racionalidade sempre esteve associada à delegação dos grandes riscos da atividade

de exploração ao capital privado” (GALVÃO, 2013, p. 205).

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Assim, em uma primeira resposta às novas descobertas procedeu-se à

exclusão de tais campos da Nona Rodada de Licitações que iria ocorrer em

dezembro de 2007 e indicou-se que o Ministério de Minas e Energia avaliasse a

possibilidade de “construção de um novo marco legal para a exploração do petróleo

no Brasil” (GALVÃO, 2013).

Em resumo, editaram-se Leis que visavam aumentar o controle público sobre

as rendas petrolíferas, e cumprir a função social desta atividade econômica, a saber,

promovendo o bem-estar da sociedade, desenvolvimento da nação e a mitigação

dos “efeitos macroeconômicos negativos associados à exportação de recursos

naturais” (PAULA, 2013).

4.5.1 Do contrato de Partilha de Produção

A Lei nº 12.351 de 2010 instituiu o regime jurídico de partilha de produção

para a E&P dos campos petrolíferos do pré-sal e para outras áreas consideradas

estratégicas. Como expõe Fernandes (2013, p. 80), o acordo de E&P “será firmado

com a União, representada pelo Ministério de Minas e Energia, e gerido pela Pré-Sal

Petróleo S.A (PPSA), empresa pública constituída pela Lei 12.304/2010 para tal

finalidade”.

Assim, “a contratação de empresa para o desempenho de exploração e

produção de petróleo pode ser feita de maneira direta com a Petrobras”, com

dispensa de licitação ou, com a ocorrência de processo licitatória na modalidade

leilão (artigo 8º, I e II da Lei 12.351/2010). Poderão participar também “empresas

privadas interessadas em formar consórcio com a companhia estatal”. Foi

assegurado a participação mínima da Petrobras no consórcio que for formado para

E&P destas áreas estratégicas.

Quanto aos ônus do ganhador do certame, diferentemente do contrato de

concessão, a “empresa não adquire a propriedade do óleo extraído de maneira

automática após a sua passagem pela boca do posso, mas em momento posterior a

ser definido no contrato, chamado de ponto de partilha” (art. 2º, XI, da Lei

12.351/2010, apud FERNANDES, 2013, p. 81, grifos nosso).

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A remuneração da sociedade empresarial será realizada pelo que a legislação

convencionou chamar de “custo em óleo” e “pela parcela do excedente em óleo”.

Conforme artigo 2º da Lei, tem-se que:

Art. 2º Para os fins desta Lei, são estabelecidas as seguintes definições: II - custo em óleo: parcela da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, exigível unicamente em caso de descoberta comercial, correspondente aos custos e aos investimentos realizados pelo contratado na execução das atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações, sujeita a limites, prazos e condições estabelecidos em contrato; III - excedente em óleo: parcela da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos a ser repartida entre a União e o contratado, segundo critérios definidos em contrato, resultante da diferença entre o volume total da produção e as parcelas relativas ao custo em óleo, aos royalties devidos e, quando exigível, à participação de que trata o art. 43;

Destaca Fernandes (2013, p. 81) que após recebida a parcela de óleo que lhe compete, cada uma das partes devem realizar um contrato de compra e venda do custo em óleo. A União se sujeita ao que dispõe o artigo 45 da Lei do Contrato de Partilha, nos seguintes termos:

Art. 45. O petróleo, o gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos destinados à União serão comercializados de acordo com as normas do direito privado, dispensada a licitação, segundo a política de comercialização referida nos incisos VI e VII do art. 9º. Parágrafo único. A empresa pública de que trata o § 1º do art. 8º, representando a União, poderá contratar diretamente a Petrobras, dispensada a licitação, como agente comercializador do petróleo, do gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos referidos no caput.

Diferentemente dos costumes internacionais, o Estado brasileiro optou por

praticar uma forma mista de recebimento de tais proventos advindos das atividades

exploratórias. No contrato de partilha:

Opta o Estado por receber parte em óleo- a parcela excedente em óleo acima referida- e parte já convertida em pecúnia, por meio de negócio jurídico de compra e venda inserto no próprio contrato de partilha, pelo qual a empresa contratada pagará um preço à União, chamado de royalty, adquirindo a propriedade do petróleo correspondente (FERNANDES, 2013, p. 81)

Por fim, cumpre ressaltar que tal modelo foi inspirado no marco regulatório

norueguês para o setor. Lá há uma empresa estatal que atua juntamente com outras

empresas privadas. Há também uma terceira empresa, estatal, que não realiza

atividades de E&P mas faz a gestão das reservas de petróleo e gás do Estado.

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Como cita ARAGÃO (2013, p. 490-491): “no qual há uma empresa estatal operadora

e licenciatária (com capital privado minoritário- a STATOIL, análoga na situação à

Petrobras), atuando no mercado justamente com outras empresas privadas; e uma

outra estatal, não operadora (de capital inteiramente público- a PETORO)”, que

apenas possui um papel análogo à da PPSA.

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CONCLUSÃO

A análise dos regimes exploratórios de petróleo e gás natural no Brasil

permite concluir que, desde o Estado nacionalista do ex-presidente Getúlio Dornelles

Vargas até o atual Estado Neodesenvolvimentista da Presidenta Dilma Rousseff, o

setor energético é primordial para o desenvolvimento nacional. A indústria petrolífera

é responsável pelo encadeamento vertical e horizontal da indústria brasileira, posto

o alto encadeamento como insumos dos derivados do petróleo.

A soberania permanente dos Estados sobre seus recursos naturais se

consolidou por uma pressão internacional dos países em subdesenvolvimento,

sendo assim um conceito utilizado em âmbito internacional.

O Código de Minas de 1934 iniciou um processo de monopolização da

exploração das jazidas petrolíferas pelo Estado, já que previu a destituição da

propriedade do subsolo da propriedade do solo, passando ao domínio da União as

jazidas do subsolo que até o momento não foram objeto de exploração.

A lei nº 2004 de 03 de outubro de 1953 instituiu a sociedade de economia

mista Petrobras e vigorou por quase meio século, até a promulgação da lei nº 9.478,

de 6 de agosto de 1997. Nesta primeira lei consagrou-se a atuação direta do Estado

Brasileiro sobre o setor petrolífero.

A campanha “O Petróleo é Nosso” enfrentou inúmeros obstáculos pela mídia

predominante na década de 1950, mas conseguiu impactar e consolidar o papel da

indústria do petróleo no desenvolvimento da indústria nacional, na representação de

êxodo do subdesenvolvimento, através da geração de empregos, renda e melhorias

na qualidade de vida da população. Destaca-se também a priorização do

abastecimento do mercado interno com derivados de petróleo.

O Plano de Metas do presidente Juscelino Kubistchek representou o

desenvolvimentismo no país e promoveu, com sucesso, a expansão e consolidação

da indústria nacional e do mercado interno brasileiro. Inseriu-se ainda

autossuficiência nos recursos energéticos como uma meta de governo, mudando o

viés de importação daqueles bens necessários à indústria petrolífera.

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A forma de administração de Kubistchek e dos controladores da Petrobras

permitiu um aumento do poder da empresa pública face ao CNP e o crescimento do

poder de negociação da Petrobras face aos players internacionais.

Posteriormente, o Estado Regulador foi o promotor da flexibilização do

monopólio estatal sobre inúmeras das atividades que compõe a ordem econômica

prevista na Constituição da República Federativa do Brasil. Teve como ênfase a

inovação e eficiência estratégica, através da criação de um grande número de

autarquias em regime especial.

Já o Estado Desenvolvimentista, de influência keynesiana, propõe a

capilaridade horizontal das parcerias entre Estado e capital privado. Como

semelhança ao neodesenvolvimentismo que seguirá nas políticas e metas

governamentais, está o caráter estruturalista, com ênfase no conceito de noção de

Nação e a supracitada influência keynesiana. Como exemplo de especificidades do

Neodesenvolvimentismo ao Estado regulador e ao desenvolvimentista está o caráter

redistributivo e experimentalista (PAULA, 2013, p. 203).

A emenda constitucional nº9 de 1995 permitiu à iniciativa privada realizar

atividades econômicas que na Constituição Federal de 1988 foram estabelecidas

como privativas do estado em vista do monopólio de atividade. Tal emenda revela

uma das características do Estado neodesenvolvimentista (PAULA, 2013, p. 205).

O contrato de concessão petrolífera foi adotado no Brasil como modelo de

E&P no ano de 1997, mediante autorização legislativa de nº 9478/1990. Já com as

novas descobertas petrolíferas, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da

Silva, a alteração do marco legal de concessão era iminente, posto que as jazidas

descobertas não apresentavam o risco exploratório que se embutiam nos contratos

de concessão.

As Leis nº 12.351/2010, nº 12.340/2010 e nº 12;760/2010 vieram então tutelar

os campos petrolíferos descobertos na camada do pré-sal, visando a manutenção

do poderio estatal sobre as rendas petrolíferas, em específico, sobre o papel

norteador do desenvolvimento nacional. Trata-se de uma intenção governamental de

explorar o petróleo sob dois regimes diferenciados, e não uma sucessão.

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No contrato de partilha de produção, a sociedade empresarial vencedora do

certame licitatório, salvo os casos de dispensa de licitação conferidos pela lei (art. 8º,

I e II, Lei nº 12.351/2010), recebe como remuneração os “custos em óleo” e por

parcela do “excedente em óleo”. Já estatal tem assegurado a participação mínima

no consórcio a ser formado de 30% (art. 4º, Lei nº 12.351/2010). Após cada uma das

partes estarem satisfeitas, deverão as mesmas celebrarem um contrato de compra e

venda dos recursos em óleo recebidas, conforme determinação do artigo 45 da Lei

nº 12.351/2010.

Numa sociedade internacionalmente capitalista, cujos interesses dos

particulares e das companhias privadas visam os altos resultados e anseiam

eficiências máximas de rentabilidade, o aparato regulador estatal deve

constantemente buscar aumentar a autonomia dos órgãos regulatórios do setor

petrolífero, como o CADE e a ANP.

A defesa da Ordem Econômica e Financeira não deve ser dissociada dos

seus objetivos de assegurar a todos(as) existência digna, conforme os ditames da

justiça social, valorizando o trabalho humano, a livre iniciativa, a livre concorrência, a

defesa do consumidor, a busca pelo pleno emprego e a defesa do meio ambiente,

conforme consolidação da Carta-cidadã, em seu artigo 170

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