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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ITAMARA FIRMINO E SILVA REINTEGRAÇÃO SOCIAL DE APENADOS EM REGIME ABERTO NA CIDADE DE FORTALEZA-CE FORTALEZA/ CE 2013

REINTEGRAÇÃO SOCIAL DE APENADOS EM REGIME ABERTO NA … · Prof.ª. Ms. Maria de Fátima Farias de Lima ... Núcleo da Casa do Albergado, Coordenação ... “Se a adaptação à

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

ITAMARA FIRMINO E SILVA

REINTEGRAÇÃO SOCIAL DE APENADOS EM REGIME ABERTO NA CIDADE DE FORTALEZA-CE

FORTALEZA/ CE

2013

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ITAMARA FIRMINO E SILVA

REINTEGRAÇÃO SOCIAL DE APENADOS EM REGIME ABERTO NA CIDADE DE FORTALEZA-CE

Monografia apresentada ao Centro de Ensino Superior do Ceará, mantenedora da Faculdade Cearense (FaC), como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Professora Mestre Maria de Fátima Farias de Lima

FORTALEZA – CE

2013

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ITAMARA FIRMINO E SILVA

REINTEGRAÇÃO SOCIAL DE APENADOS EM REGIME ABERTO NA CIDADE DE FORTALEZA-CE

.

Monografia apresentada ao Centro de Ensino Superior do Ceará, mantenedora da Faculdade Cearense (FaC), como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores.

Data da Aprovação:____/____/____

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________

Prof.ª. Ms. Maria de Fátima Farias de Lima

(Orientadora)

________________________________________________________

Prof.ª. Ms. Eliane Nunes de Carvalho

________________________________________________________

Prof.ª Esp. Janaina da Silva Rabelo

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Aos meus pais, familiares, e amigos pelo apoio incondicional no meu percurso acadêmico. E aos apenados que foram solícitos, mostrando receptividade e espontaneidade a expor suas experiências.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus pelo dom da Vida, pela força concedida ao longo

da minha caminhada acadêmica, por ter me proporcionado viver intensamente esse

período que me fez ser muito feliz e realizada. Agradeço também por nunca ter me

feito desistir, que apesar do caminho árduo e pedregoso eu resisti e venci. Agradeço

a ele também pelas pessoas maravilhosas que eu tive o prazer de conhecer e

conviver, os amigos, colegas, professores, profissionais que trabalham na faculdade,

enfim, todos tiveram a sua parcela de contribuição para que eu pudesse chegar aqui

com total êxito.

Agradeço aos meus pais Itamir e Ismênia pelo amor incondicional, pelo apoio, pelo

carinho e incentivo. Todas as minhas conquistas eu sempre vou dedicar a vocês

dois. Obrigada por sempre estarem ao meu lado, pela dedicação que ambos têm a

mim. Obrigada por estarem presentes sempre que preciso: nas derrotas, são meus

ombros consoladores e, nas vitórias, meus mais ardentes torcedores. O estímulo e

amor que vocês têm por mim são as mais potentes armas dessa conquista.

Agradeço aos meus familiares, a eles todo meu carinho e respeito, sei que vibram

com meu progresso e evolução. Obrigada, pois sei que com vocês poderei contar

sempre que for preciso.

Agradeço a minha amada e querida tia-madrinha, tia Cacá. A você tia linda o meu

obrigado, por ter sempre acompanhado todo o processo da minha vida, tanto

pessoal, quanto profissional. Sei que torce por mim sempre, sei que o seu coração

se alegra quando eu venço mais uma etapa e, eu é quem me alegro em ter uma

pessoa tão iluminada e com um coração tão generoso como o seu perto de mim.

Agradeço aos meus avôs Luíz (in memorian) e Margarida. O sonho de vocês que

também é meu se tornou realidade, mais um neto (a) formado, mais um neto (a) que

finaliza um ciclo em sua vida. E a vocês o meu “muito obrigado”, por terem confiado

na minha capacidade e acreditado no meu potencial.

Agradeço as minhas queridas amigas, juntas formamos o quarteto fantástico,

Nágela,Lorena e Nayanne. Amigas que conheci na faculdade e que quero perto de

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mim o resto da vida. Obrigada meninas pelos momentos maravilhosos que

passamos juntas, alegrias partilhadas, tristezas divididas, briguinhas superadas.

Simplesmente o nosso coração quis ficar perto uma da outra. O meu muito obrigado

a todas.

Agradeço as minhas queridas técnicas de estágio, a Sra. Maristela Sivestre, Adriana

Melo, Iraneide Maria e Lia Fontenelle. Com vocês aprendi muito e como aprendi!

Agradeço pela paciência, dedicação, respeito, amizade e confiança. A todas a minha

eterna gratidão e admiração.

Ao corpo de professores de Serviço Social da FaC e a minha orientadora, a

professora Fátima Farias. O caminho que trilhei até aqui só foi possível com os

ensinamentos de vocês. Parabéns pelos profissionais que são, pela competência,

pelo carinho com os alunos. A vocês, meus agradecimentos.

Agradeço aos profissionais da CISPE, Núcleo da Casa do Albergado, Coordenação

de Serviço Social da Secretaria da Justiça e Cidadania, pelo apoio e incentivo na

realização desse trabalho.

Meus sinceros agradecimentos aos membros da banca examinadora, Professora

Mestre Eliane Nunes de Carvalho e Professora especialista Janaína Rabelo, pela

disponibilidade e contribuições para com este exercício primeiro de pesquisa.

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RESUMO

Levando-se em consideração o debate da reintegração social e as grandes

discussões que essa temática aborda esse trabalho busca fazer uma reflexão dos

apenados que atualmente está cumprindo suas penas em Regime Aberto,

levantando os aspectos que mais dificultam seu retorno a sociedade. É objeto

central desta análise, portanto, refletir o trabalho como elemento costumeiramente

apresentado como potencializador desse processo de reintegração, trazendo

também assim o preconceito vivenciado por estes ao sair do cárcere. A pesquisa

realizada foi à qualitativa, buscando abrir um espaço para a obtenção de dados

descritivos, partindo da subjetividade de cada sujeito, pretendendo investigar de que

forma o trabalho implica na vida desses sujeitos. Nesse processo de reintegração, é

a busca por uma oportunidade de trabalho uma das coisas que mais inquieta os

indivíduos. Isto porque eles parecem entender esta conquista e esta condição – de

trabalhador – algo capaz de cativar o respeito e a confiança das outras pessoas, isto

é, capaz de reverter o estigma do ex-presidiário.

Palavras Chaves: Trabalho, Apenados, Reintegração Social, Preconceito.

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ABSTRACT

Taking into account the discussion of social reintegration and the great discussions

that address this issue, this paper seeks to reflect the inmates who are currently

serving their sentences Regime Open, raising the aspects that hinder their return to

society. It is the central object of this analysis, therefore, reflects the work as an

enhancer that customarily presented as reintegration process, thus also bringing the

prejudice experienced by those coming out of prison. The research was qualitative,

seeking to open a space for obtaining descriptive data, from the subjectivity of each

subject, intending to investigate how the work involves the lives of these individuals.

In this process reintegration, is searching for an opportunity to work one of the things

that troubled individuals. This is because they seem to understand this achievement

and this condition - worker - something that can captivate the respect and trust of

others, that is, able to reverse the stigma of ex-convict.

Key Words: Work, convicts, Reintegration, Prejudice.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

SEJUS- SECRETARIA DA JUSTIÇA E CIDADANIA

NUALB- NUCLEO DA CASA DO ALBERGADO

LEP- LEI DE EXECUÇÕES PENAL

VEP- VARA DE EXECUÇÃO PENAL

CISPE- COORDENADORIA DE INCLUSÃO SOCIAL DO PRESO E DO EGRESSO

CPPL-II- CASA DE PRIVAÇÃO PROVISÓRIA DE LIBERDADE

IPPS- INSTITUTO PENAL PAULO SARASATE

CNJ- CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

DEPEN- DEPARTAMENTO PENITENCIARIO

ONU- ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

CP- CODIGO PENAL

CAPS- CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

CRAS- CENTRO DE REFRENCIA EM ASSISTENCIA SOCIAL

CREAS- CENTRO DE REFERENCIA ESPECIALIZADA EM ASSISTENCIA SOCIAL

CONPAM- CONSELHO DE POLITICAS AMBIENTAIS

PACAD - PROGRAMA DE AÇÕES CONTINUADAS E APOIO AOS DROGADICTOS

CPPL- CASA DE PRIVAÇÃO PROVISÓRIA DE LIBERDADE

PROCAPS- PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................11

CAPÍTULO I – DA PUNIÇÃO DE EVA AOS SISTEMAS PRISIONAIS MODERNOS:

RECORTES DE UMA HISTÓRIA DAS PENAS........................................................16

1.1 Sistemas prisionais: notas históricas....................................................................19

1.2 Espécies de penas................................................................................................23

1.2.1. Penas privativas de liberdade – reclusão e detenção......................................23

CAPÍTULO II – CASA DO ALBERGADO NO CEARÁ: TRABALHO E

REINTEGRAÇÃO SOCIAL.......................................................................................26

2.1 O serviço social no Núcleo da Casa do Albergado e suas atribuições................28

2.2 A coordenadoria de inclusão social do preso e do egresso.................................30

2.3 O caráter social do trabalho..................................................................................35

2.3.1 Ressocialização ou reintegração social: pontos para discussão.....................38

2.3.2 O trabalho como fator de reintegração social..................................................41

2.3.3 Trabalho e estigma............................................................................................43

CAPÍTULO III- REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO, PRECONCEITO E

REINTEGRAÇÃO SOCIAL DE APENADOS EM REGIME ABERTO......................48

3.1 Perfil dos apenados entrevistados.......................................................................48

3.2.Percepções dos apenados sobre preconceito.....................................................51

3.2 Relações e convívio familiar.................................................................................55

3.4 Percepções sobre trabalho e reintegração social................................................58

CONSIDERAÇÕESFINAIS........................................................................................67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.........................................................................70

APÊNDICE.................................................................................................................75

ANEXOS....................................................................................................................78

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INTRODUÇÃO

Os temas relacionados à criminalidade e a punição vem tomando grande

proporção nos debates atuais. Encontram-se cada vez mais próximos de todas as

camadas sociais, principalmente pela proporção em que este cenário vem se

apresentando. Com o grande número de ocorrências em detrimento da onda de

violência nas grandes metrópoles, essa problemática vem ultrapassando a esfera do

campo acadêmico, político e administrativo do Estado e se fixando também nos

lares das famílias, relações sociais instituídas, causando grande comoção.

Fazendo uma retomada ao que se estabelece na obra Vigiar e Punir, de

Michael Focault (1987), durante o que o autor chama de Estado de soberania, a

população obedecia às regras ditadas pelo Estado por ter medo da morte, pois este

tinha o direito respectivo à sentença de morte: quem não obedecesse às leis

morreria como forma de punição.

Dentro da Sociedade sempre houve pessoas de características diferenciadas,

cada uma com identidades próprias e aquelas que não estivessem compreendidas

dentro de um padrão de “normalidade”, eram, não raro, exiladas ou excluídas. Ou

seja, durante essa sociedade de soberania era aplicado o modelo de exclusão, para

aquele que não fosse considerado “normal”.

Tem-se, assim, uma relação relativa do normal: ele era definido ao se

constatar o que era patológico. Um exemplo de exclusão é como o Estado tratava os

leprosos: as pessoas que tinham esta patologia eram exiladas, viviam em uma

grande “cerca”. O poder médico e o poder político eram exercidos pelo Estado.

Michael Focault mostra um modelo que veio sendo desenvolvido ao longo do

progresso do ser humano. “Este modelo é o modelo disciplina” no qual, é

representado pela figura arquitetural da disciplina por excelência.

Muitos são os países da America Latina, inclusive o Brasil, que vem

aumentando com grande significado a sua população carcerária. Contudo, a super

lotação dos presídios vem sendo acompanhada também pelo sucateamento do

sistema prisional e com isto trazendo um agravamento nas condições mínimas

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adequadas para atender uma série de demandas existentes no sistema prisional,

demandas estas que implicam também no cumprimento da pena.

O sistema penitenciário apresenta a punição como uma forma real e simbólica

de solução do problema, propondo o que vem sendo chamado de a ressocialização

do encarcerado, supondo que a “fuga ao respeito com as normas” esteja imbricada

com a falta de disciplina moral para o convívio em sociedade.

O debate acerca da ressociliazação vem trazendo vários questionamentos e

posicionamentos diferenciados, gerando polêmica até mesmo na nomenclatura

designada, pois muitos falam em reinserção social, reintegração, reeducação,

readaptação, entre outros.

Thompson (1980), em seu estudo sobre a questão penitenciária demonstrou

que os fins atribuídos à pena de prisão são inconciliáveis e contraditórios, pois a

prisão além de não poder deixar de punir, também não “recuperaria” ninguém.

Compreende que a intimidação obtida pelo castigo demanda que este seja apto a

causar terror. “Se a adaptação à prisão não significa adaptação à vida livre, há fortes

indícios de que a adaptação à prisão implica a desadaptação à vida livre”, ainda

segundo o mesmo autor (ibidem: 13)

O fato é que são muitas as questões imbricadas nesse assunto,

principalmente referente ao retorno do apenado ao convívio social. Diante disso,

busquei realizar uma reflexão sobre o papel do trabalho no processo de reintegração

social dos apenados em regime aberto.

A intenção de estudar sobre esse tema foi despertada durante o período de

estagio, realizado no Núcleo da Casa do Albergado – NUALB, na sede na Secretaria

da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará - SEJUS, iniciado no mês de Dezembro

de 2011, onde permaneço como estagiária.

No cotidiano das minhas atividades como estagiária no núcleo, ao realizar

entrevistas com os assistidos diariamente (pois esta é uma das atividades que o

Serviço Social do núcleo realiza), os mesmos, sempre que indagados quanto a

questões relacionadas a pretensões e perspectivas futuras, citavam o trabalho,

quase que em unanimidade, como uma conquista importante e potencializadora de

uma vida melhor.

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Isso me levou a uma inquietação e a fazer alguns questionamentos: por que,

dentre tantas coisas, o trabalho é tão lembrado na fala desses apenados como algo

decisivo no que tange a sua retomada da vida em sociedade? Qual a importância

que o trabalho tem, efetivamente, na vida desses apenados que estão em

cumprimento de pena no Regime mais brando, ou seja, no Regime Aberto?

Assim sendo, o objetivo desse trabalho foi analisar a questão do trabalho no

processo de reintegração dos apenados em Regime Aberto. Busquei entender, a

partir disso, quais os principais obstáculos na conquista de um trabalho e na

permanência neste, bem como identificar as formas de preconceito diante de uma

oportunidade no mercado de trabalho e no próprio seio familiar.

O público alvo dessa pesquisa, como já mencionado anteriormente, são os

apenados em Regime Aberto que trabalham na sede da Secretaria da Justiça e

Cidadania, através da Coordenadoria de Inclusão Social do preso e do egresso-

CISPE.

Desse modo o que se pretende é responder as principais questões

levantadas no inicio dessa pesquisa como: Qual a visão tem o apenado sobre a

importância do trabalho no processo de reintegração social? Quais ações efetivas

que o Núcleo da Casa do Albergado e a Coordenadoria de Inclusão Social do Preso

e do Egresso têm contribuído nesse mesmo processo de reintegração social? Qual

seria a visão dos apenados em relação a essas ações? Como a vivência na prisão

impacta a vida fora dela, no caso dos sujeitos selecionados para esta pesquisa?

O tipo de pesquisa realizada foi à qualitativa, no intuito de buscar uma

significação relativa do trabalho para esses apenados, abrindo um espaço para

obtenção de dados descritivos, partindo da subjetividade de cada um, ao passo que

se pretende investigar de que forma o trabalho implica na vida desses apenados que

estão “fora das grades”. Foi realizada, ainda, uma pesquisa documental, a fim de

auxiliar a pesquisa de campo, visando o alcance de dados referentes à Instituição e

aos sujeitos pesquisados por ela assistidos.

Como forma de priorizar a visão dos próprios apenados, foi utilizada, na fase

de coleta de dados, a entrevista semi-estruturada, que permitiu uma maior

possibilidade na obtenção de dados importantes, no sentido de não estarem

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presentes em obras documentais. Combinado ao uso de entrevista buscou realizar

também, na medida do possível, a observação do cotidiano de trabalho dos

apenados, de modo a captar a espontaneidade de suas ações para colocá-las em

contraponto aos discursos proferidos nas entrevistas.

O campo onde a presente pesquisa se realizou foi no Núcleo da Casa do

Albergado – NUALB e Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso –

CISPE. A facilidade em manter contato com esse público é o motivo principal da

escolha desse campo, pois como já citado, os entrevistados trabalham na própria

sede da SEJUS.

Cabe ressaltar da dificuldade que o campo me trouxe, uma vez que as

entrevistas foram realizadas no espaço de trabalho dos apenados e onde os mesmo

encontravam-se realizando as suas atividades de trabalho rotineiras,

impossibilitando um tempo maior na duração das entrevistas. Além disso, entendo

que esta escolha possa ter comprometido parcialmente a espontaneidade do

discurso destes sujeitos no momento da entrevista, dados os constrangimentos

sociais que o ambiente da instituição, por certo, imprimem nestas pessoas. Procurei

ouvir as falas, então, ciente dessas limitações, complementando as informações

obtidas com os dados da observação, posta minha dificuldade de abordar estas

pessoas fora do seu ambiente de trabalho.

A pesquisa qualitativa foi aplicada em 06 (seis) assistidos na forma de

entrevista semi-estruturada e observação, sendo estes, 03 (três) do sexo masculino

e três (03) do sexo feminino. A escolha desse grupo se fez com base na

aproximação que consegui estabelecer com os mesmos e desejando uma maior

diversidade quanto ao gênero, aos crimes, a naturalidade e a idade. Os sujeitos

entrevistados tiveram seus nomes preservados, ao longo de todo este trabalho,

sendo assim utilizados nomes fictícios.

A compreensão sobre o trabalho foi o que motivou minha empreitada de

pesquisa, minha pergunta de partida, mas o mergulho no campo acabou me

conduzindo para uma reflexão mais ampla sobre o chamado processo de

reintegração social de apenados em regime aberto.

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***

Este trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro, intitulado Da punição

de Eva aos sistemas prisionais modernos: recorte de uma história das Penas

apresenta um recorte do contexto histórico das penas, para que assim tenhamos,

mesmo que pontualmente, uma visão sobre as mudanças pelas quais tem passado

o sistema de penas, não só no Brasil, mas também em um contexto mais

generalizado.

No segundo capítulo, Casa do Albergado: Trabalho e Reintegração Social

realizam-se um histórico do campo onde a pesquisa foi realizada, o Núcleo da Casa

do Albergado e suas funções, bem como as atribuições competentes ao Serviço

Social deste Núcleo. É apresentada também a Coordenadoria de Inclusão Social do

Preso e do Egresso – CISPE, suas funções e principais atividades, bem como é

discutida a categoria trabalho.

No terceiro Capítulo, Representações do trabalho, preconceito e reintegração

social de apenados em Regime Aberto, procuro realizar a análise das entrevistas,

depoimentos e observações coletadas no que se refere ao trabalho, entendido como

elemento potencializador do processo de reintegração social, além da visão dos

apenados sobre preconceito e convívio familiar. Antes disso, contudo, tomo a ideia

de ressocialização para debate, de modo a esclarecer as polêmicas em torno de seu

uso.

A relevância desse trabalho consiste em apresentar algumas informações

sobre a situação hoje vivenciada pelos apenados que, após a saída do cárcere,

passando a cumprir pena em um Regime mais brando, se deparam com inúmeras

dificuldades, contudo abrindo uma discussão para o debate da reintegração social a

partir do trabalho. Qual a efetividade deste neste processo? O que significa para as

pessoas aqui abordadas? É o que pretendo discutir, ainda que de forma pontual,

neste exercício de pesquisa.

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CAPITULO I - DA PUNIÇÃO DE EVA AOS SISTEMAS PRISIONAIS MODERNOS:

RECORTES DE UMA HISTÓRIA DAS PENAS

De acordo com Rogério Grecco (2010) em sua obra O Curso de Direito Penal,

a primeira pena a ser aplicada na história da humanidade teria ocorrido ainda no

paraíso, quando, após ser induzida pela serpente, Eva, além de comer do fruto

proibido, fez também com que Adão comesse razão pela qual, além de serem

aplicadas outras sanções, foram expulsos do jardim do Éden1.

Após a primeira condenação aplicada por Deus, ainda conforme Grecco

(ibidem), o homem, a partir do momento que passou a viver em comunidade,

também adotou o sistema de aplicação de penas toda vez que as regras da

sociedade na qual estavam inseridos eram violadas. Portanto, várias normativas

surgiram, ao longo da existência da espécie humana, com a finalidade de promover

um maior equilíbrio social, uma paz mais duradoura. Para cada infração, eram

criadas penalidades específicas, a exemplo das leis dos Hebreus, concedidas por

Deus a Móises durante o período no qual permaneceram no deserto à espera da

terra prometida, bem com os códigos de Hamurabi e Manu (GRECO, 2010).

1 .”Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus tinha feito. Disse a

mulher; É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? Respondeu-lhe a mulher: do fruto da árvore do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus:Dele não comereis,nem tocareis nele,para que não morrais. Então,a serpente disse a mulher:É certo que não morrereis.Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus,sereis conhecedores do bem e do mal.Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento,tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido,e ele comeu.Abriram-se então os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus,coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si. Quando ouviram a voz do SENHOR Deus que andava no jardim pela viração do dia, esconderam-se da presença do SENHOR Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim. E chamou o SENHOR Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás? Ele respondeu: Ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu,tive medo e me escondi. Perguntou-lhe Deus: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore de que te ordenei que não comesses? Então disse o homem:a mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore e eu comi. Disse o SENHOR Deus a mulher: Que é isso que fizestes? Respondeu- lhe a mulher: A serpente me enganou,e eu comi. Então o Senhor DEUS disse a serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e os és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre comerá pó todos os dias de tua vida. E a mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos de tua gravidez;em meio de dores darás a luz filhos;o teu desejo será para teu marido e ele te governará. E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara a não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas, obterá dela o sustento durante os dias de tua vida. E deu o homem e o nome de Eva à sua mulher, por ser a mãe de todos os seres humanos. Então disse o SENHOR Deus: eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal. “O SENHOR Deus, por isso, o lançou fora do jardim do Éden, a fim de lavrar a terra de que fora tomado.” (BÍBLIA de estudos de Genebra. Gênesis, 3:1-24)

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Nas lições de Nogueira, (1956:22), O Direito Penal Romano,

Nas suas várias épocas, as seguintes penas: morte simples (pela mão

do lictor para o cidadão romano e pela do carrasco(para o escravo), mutilações, esquartejamentos, enterramento (para os Vestais), suplícios combinados com os jogos do circo,com os trabalhos forçados:ad mollem, ad metallum, nas minas, nas lataniae, laturnae, lapicidinae (imensas e profundas pedreiras, destinadas principalmente aos prisioneiros de guerra). Havia também a perda do direito de cidade, a infâmia, o exílio (a interdictio aqua et igni tornava impossível a vida do condenado). Os cidadãos de classes inferiores e, em particular, os escravos, eram submetidos à tortura e a toda sorte de castigos corporais

Assim, ainda conforme Grecco (ibidem) verifica-se que desde a antiguidade

até, basicamente, o século XVII, as penas tinham uma característica extremamente

aflitiva, uma vez que o corpo do agente é que pagava pelo mal por ele praticado.

O período iluminista, principalmente no século XVII, foi um marco inicial para

uma mudança de mentalidade no que dizia respeito à cominação das penas. Por

intermédio das ideias de Beccaria, em sua obra intitulada Dos Delitos e das Penas,

publicada em 1764, começou-se a ecoar a voz da indignação com relação a como

os seres humanos estavam sendo tratados pelos seus próprios semelhantes, sob a

falsa bandeira da legalidade.

Conforme destaca Aragão (1955:35), coube a Beccaria.

A honra inexcedível de haver sido o primeiro que se empenhara em uma luta ingente e famosa, que iniciara uma campanha inteligente e sistemática contra a maneira iníqua e desumana por que, naqueles tempos de opressão e barbaria, se tratavam os acusados, muitas vezes inocentes e vítimas sempre da ignorância e perversidade dos seus julgadores. Ao seu espírito, altamente humanitário, repugnavam os crudelíssimos suplícios que se inventavam como meios de punição ou de mera investigação da verdade, em que não raro, supostos criminosos passavam por todos os transes amargurados de um sofrimento atroz e horrorizante, em uma longa agonia, sem tréguas e lentamente assassina. Ele, nobre e marquês, ao invés de escutar as conveniências do egoísmo, de sufocar a consciência nos gozos tranquilos de uma existência fidalga, em lugar de manter-se no fácil silêncio de um estéril e cômodo mutismo, na atmosfera de ociosa indiferença, ergue as sua voz, fortalecida por um grande espírito saturado de ideias generosas, em defesa dos mais legítimos direitos dos cidadãos, proclamando bem alto verdades filosóficas e princípios jurídicos até então desconhecidos ou, pelo menos, desrespeitados e repelidos.

Percebe-se haver, na atualidade, especialmente nos países ocidentais, uma

preocupação maior com a integridade física e mental, bem como com a vida dos

seres humanos. Vários pactos são levados a efeito por entre as nações, visando a

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preservação da dignidade da pessoa humana, buscando afastar de todos os

ordenamentos jurídicos os tratamentos degradantes e cruéis. Cite-se como exemplo

a Declaração Universal dos Direitos Humanos2, aprovada pela Assembléia-Geral

das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, três anos após a própria

constituição da ONU, que ocorreu em 1945, logo em seguida á Segunda Grande

Guerra Mundial, em que o mundo assistiu perplexo, ao massacre de,

aproximadamente, seis milhões de judeus pelos nazistas, com práticas de

atrocidades desumanas.

Grecco (2010:472) menciona que o sistema de penas, infelizmente, não

caminha numa escala ascendente, na qual os exemplos do passado deviam servir

tão somente para que não mais fossem repetidos. Ao que parece, a sociedade

moderna, amedrontada com a elevação de índices de criminalidade, induzida,

muitas vezes, por políticos oportunistas, cada vez mais apregoa a criação de penas

cruéis, tais como a castração, nos casos de crimes de estupro, por exemplo, ou

mesmo a pena de morte.

Ainda hoje, países que se dizem desenvolvidos e cultos, a exemplo dos

Estados Unidos, aplicam a chamada pena capital ou pena de morte sob diversas

formas, como a cadeira elétrica e a injeção letal, punições que remontam, de certo

modo, a uma noção de barbárie que parece contradizer o estado de

desenvolvimento civilizatório (ELIAS, 1993) que a sociedade americana insinua, por

vezes, ter atingido.

Pedrosa (2002:246-247), com a lucidez que lhe é peculiar, esclarece: “Numa

época em que verificamos as estéreis e histéricas campanhas de ‘lei e ordem’,

2 Artigo 1. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e

consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo. V Ninguém será

submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo IX Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo XI 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido assegurada todas as garantias necessárias à sua defesa.

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quando a cada crime que envolve vítimas de destaque na sociedade se propõe o

endurecimento das penas, inclusive (como se possível fosse...) a adoção da pena de

morte”, a leitura serena de Beccaria nos faz refletir sobre a experiência do passado,

que não deve ser esquecida. Não é a pena endurecida de prisão que diminuirá a

criminalidade. Já está desgastada a afirmação de que a cadeia apenas destrói um

pouco mais o ser humano. Gasta-se muito para piorar as pessoas com o sistema

carcerário.

A existência e legalidade dessas penas capitais em países de destaque no

quadro da economia mundial expressam também certa crença na impossibilidade de

“recuperação” ou de reintegração do apenado à sociedade, não raras vezes

percebido, por sua conduta desviante, como um ser desprovido de humanidade.

Diante disso, busca-se, neste estudo, através da observação da experiência

de sujeitos que cometeram crimes no Ceará e cumprem suas penas em regime

aberto, refletir sobre as possibilidades reais de reinserção social desses apenados,

tomando o trabalho como elemento costumeiramente apresentado como

potencializador desse processo.

Antes de nos aproximarmos desses sujeitos e da instituição que os agrega,

convém conhecer, ainda que pontualmente, os caminhos históricos de estruturação

dos sistemas prisionais, de modo a construir uma visão mais ampla acerca das

transformações que marcaram essa dimensão social.

1.1 Sistemas prisionais: notas históricas

Conforme Grecco (2010), podemos dizer que a pena e prisão, ou seja, a

privação da liberdade como pena principal, foi um avanço na história das penas.

Segundo nos informa Manoel Pedro Pimentel (1983: 132), citado pelo autor, a pena

de prisão originou-se nos mosteiros da Idade Média como uma forma de punição

para monges ou clérigos faltosos, “fazendo com que se recolhessem às suas celas

para se dedicarem, em silêncio, à meditação e se arrependerem da falta cometida,

reconciliando-se assim com Deus”.

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Os sistemas prisionais, ao seu turno, encontraram suas origens no século

XVIII e tiveram, conforme preleciona Cezar Roberto Bitencourt (2002: 91),

Além dos acontecimentos inspirados em concepções mais ou menos religiosas, um antecedente importantíssimo nos estabelecimentos de Amsterdam, nos Bridwells Ingleses, e em outras experiências similares realizadas na Alemanha e na Suíça. Estes estabelecimentos não são apenas um antecedente importante dos primeiros sistemas penitenciários, como também marcam o nascimento da pena privativa de liberdade, superando a utilização da prisão como simples meio de custódia.

Dentre os sistemas penitenciários que mais se destacaram ao longo da

história, poder-se-ia apontar os sistemas:

a) Pensilvânico;

b) Auburniano;

c) Progressivo.

Na obra de Grecco (2010), o autor faz uma exposição desses três tipos de sistema. No sistema pensilvânico ou de Filadélfia, também conhecido como celular, o preso era recolhido à sua cela, isolado dos demais, não podendo trabalhar ou mesmo receber visitas, sendo estimulado ao arrependimento pela leitura da Bíblia. Noticia Manoel Pedro Pimentel (1983: 137) que;

Este regime iniciou-se em 1790, na Walnut Street Jail, uma velha prisão situada na Rua Walnut, na qual reinava, até então, a mais complexa aglomeração de criminosos. Posteriormente, esse regime passou para Eastern Penitenciary, construída pelo renomado arquiteto Edward Haviland, e que significou um notável progresso pela sua arquitetura e pela maneira como foi executado o regime penitenciário em seu interior.

Esse sistema recebeu inúmeras criticas, uma vez que, além de extremamente

severo, impossibilitava a readaptação social do condenado, em face do seu

completo isolamento.

As criticas ao sistema de Filadélfia ou pensilvânico fizeram com que surgisse

outro, que ficou conhecido como sistema aubuniano, em virtude de ter sido a

penitenciária construída na cidade de Auburn, no Estado de Nova York, no ano de

1818. Menos rigoroso que o sistema anterior, permitia o trabalho dos presos,

inicialmente, dentro de suas próprias celas e, posteriormente, em grupos. O

isolamento noturno, contudo, foi mantido. Uma das características principais do

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sistema aubuniano diz respeito ao silêncio absoluto que era imposto aos presos,

razão pela qual também ficou conhecido como silent system. Manoel Pedro Pimentel

(ibidem: 138) aponta as falhas do sistema aubuniano aduzindo:

O ponto vulnerável desse sistema era a regra desumana do silêncio. Teria origem nessa regra o costume dos presos se comunicarem com as mãos, formando uma espécie de alfabeto, prática que até hoje se observa nas prisões de segurança máxima, onde a disciplina é mais rígida. Usavam, como até hoje usam, o processo de fazer sinais com batidas nas paredes ou nos canos d’água ou, ainda, modernamente, esvaziando a bacia dos sanitários e falando no que chamam de boca de boi. Falhavam também o sistema pela proibição de visitas, mesmo dos familiares, com a abolição do lazer e dos exercícios físicos, bem como uma notória indiferença quanto à instrução e ao aprendizado ministrado aos presos.

O sistema progressivo surgiu inicialmente na Inglaterra, no século XIX, sendo

posteriormente, adotado pela Irlanda. Alexander Maconochie , capitão da Marinha

Real impressionado com o tratamento desumano que era destinados aos presos

degradados para a Austrália, resolveu modificar o sistema penal. Na qualidade de

diretor de um presídio do condado de Narwich, na ilha de Norfolk, na Austrália

Maconochie cria um sistema progressivo de cumprimento das penas, a ser realizado

em três estágios. No primeiro deles, conhecido como “período de prova”, o preso era

mantido completamente isolado, a exemplo do que acontecia no sistema

pensilvânico. Como progressão ao primeiro estágio era permitido o trabalho comum,

observando-se o silêncio absoluto como preconizado pelo sistema auburniano, bem

como o isolamento noturno, “passando depois de algum tempo para as chamadas

public work-houses, com vantagens maiores” (PIMENTEL, 1983: 140). O terceiro

período permitia o livramento condicional.

O sistema progressivo irlandês acrescentou mais uma fase às três

mencionadas anteriormente, aperfeiçoando o sistema progressivo. Conforme

Roberto Lyra (1942: 91).

O sistema irlandês de Walter Crofton (1857) concilia os anteriores, baseando-se no rigor da segregação absoluta no primeiro período, e progressiva emancipação, segundo resultados da emenda. Nessa conformidade galgam-se os demais períodos – o segundo, com segregação celular noturna e vida em comum durante o dia, porém, com a obrigação do silêncio; o terceiro, o de prisão intermediária (penitenciária industrial ou agrícola), de noite e de dia em vida comum para demonstrar praticamente os resultados das provações anteriores, isto é, a esperada regeneração e

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aptidão para liberdade; por fim, chega-se ao período do livramento condicional.

O Brasil modifica seu sistema penal acompanhando o progresso dos demais

países com ideais liberais tais como Inglaterra, França e Estados Unidos.

Com a proclamação da Republica, foi inserido no Código Penal de 1890

novas penas privativas de liberdade: prisão celular, reclusão, prisão com trabalho

obrigatório e prisão disciplinar, com a grande novidade do cumprimento em

estabelecimento específico, de cada modalidade destas. Mas será somente com o

Código Penal de 1940 que o Brasil adota o sistema progressivo para o cumprimento

destas penas e livramento condicional, seguindo principalmente o modelo inglês de

prisão. Dessa forma, buscou-se romper com o sistema tradicional de “segurança

máxima” das antigas prisões.

A partir da reforma penal de 1984, o Brasil adota um sistema progressivo que

visa a reintegração do criminoso, através da Lei nº7. 210 de 11 de junho de 1984,

instituindo a Lei de Execução Penal (LEP). A lei estabelece o funcionamento do

sistema penal brasileiro assim como o tratamento de presos em regimes: fechado,

semi-aberto e aberto

O artigo 112 da LEP determina que:

A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz,quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário,comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

BRASIL. Lei 7.210, de 11 de julho de 1984.

O contrario também pode acontecer, ou seja, caso o apenado descumpra

com as regras do sistema mais brando, haverá a regressão de sua pena para um

regime mais rígido. Lemos no artigo 118:

A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

I. Praticar fato definitivo como crime doloso ou falta grave;

II. Sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime.

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BRASIL, Lei 7.210 de 11 de julho de 1984.

Contudo cabe aos apenados que progrediram o regime, obrigatoriamente

seguir as condições estabelecidas pelo Juiz no ato da audiência, isso certamente

implicará a sua permanência no regime mais brando até o final do cumprimento que

lhe fora atribuída.

1.2 Espécies de penas

De acordo com o art.32 do Código Penal, as penas podem ser: privativas de

liberdade, restritivas de direito e multa.

As penas privativas de liberdade previstas pelo Código Penal para os crimes

ou delitos são as de reclusão e detenção. Deve ser ressaltado, contudo, que a Lei

das Contravenções penais (Decreto – Lei nº3688/1941) também prevê sua pena

privativa de liberdade, que é a prisão simples.

O art. 1º da Lei de Introdução do Código Penal, traçando a distinção

acima apontada, diz:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, que alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, penas de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. (Decreto-Lei nº 3914/1941)

1.2.1 Penas privativas de liberdade – reclusão e detenção.

O Código Penal prevê duas penas privativas de liberdade – reclusão e

detenção – sobre as quais incidem uma série de implicações de Direito Penal e de

Processo penal, tais como o regime de cumprimento a ser fixado na sentença

condenatória e a possibilidade de concessão de fiança pela autoridade policial,

dentre outras.

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A pena privativa de liberdade vem prevista no preceito secundário de cada

tipo penal incriminador, servindo a sua individualização3, que permitirá a aferição da

proporcionalidade entre a sanção que é cominada em comparação com o bem

jurídico por ele protegido. Algumas diferenças de tratamento podem ser apontadas

no Código Penal, bem como no Código de Processo Penal, entre as penas de

reclusão e detenção, a saber: “pena de reclusão deve ser cumprida em regime

fechado, semiaberto ou aberto. A detenção, regime semiaberto ou aberto, salvo a

necessidade de transferência a regime fechado” (art.33, caput, do Código Penal).

Após o julgador ter concluído, em sua sentença, pela prática do delito,

afirmando que o fato praticado pelo réu era típico, ilícito e culpável, a etapa seguinte

consiste na aplicação da pena. Adotado o critério trifásico pelo art.68 do Código

Penal, o Juiz fixará a pena-base, atendendo aos critérios do art.59 do mesmo

diploma repressivo; em seguida, serão consideradas as circunstancias atenuantes e

agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

O art.59 do Código Penal, de aferição indispensável para que possa ser

encontrada a pena-base, sobre a qual recairão todos os outros cálculos relativos ás

duas fases seguintes, determina:

O Juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstancias e as conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I) as penas aplicadas dentre as cominadas; II) a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. III) o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV) – a substituição de pena privativa de liberdade, por outra espécie de pena, se cabível.

Como se percebe pelo inciso III do art. 59 do Código Penal, deverá o Juiz, ao

aplicar a pena ao sentenciado, determinar o regime inicial de seu cumprimento, a

saber, fechado, semi-aberto ou aberto. De acordo com a lei penal (art.33, §1º, do

CP), considera-se regime fechado a execução da pena em estabelecimento de

segurança máxima ou média; regime semi-aberto a execução da pena em colônia

3 Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a

individualização da execução penal. LEP - Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984

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agrícola, industrial ou estabelecimento similar; e regime aberto, a execução da pena

em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

De acordo com os artigos 94 e 95 da LEP, a Casa do Albergado deverá

situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos e caracterizar-

se pela ausência de obstáculos físicos contra fuga. Deve haver, em cada região,

pelo menos uma Casa do Albergado, instituição que deve conter, além dos

aposentos para acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras. Tal

estabelecimento deve possuir, ainda, instalações para os serviços de fiscalização e

orientação dos condenados.

Conforme o Art. 115. O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a

concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e

obrigatórias:

I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de

folga;

II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados;

III - não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial;

IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando

for determinado.

Apesar da lei de Execuções Penais ter sido um avanço significativo na história

do direito penal brasileiro, muitas determinações ficam apenas no papel e divergem

a forma de seu estabelecimento em cada estado. Ao exemplo disso tem a Casa do

Albergado do Estado do Ceará – a serem apresentados no capítulo a seguir – onde

os sujeitos abordados nesta pesquisa encontram apoio, acompanhamento.

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CAPITULO II - CASA DO ALBERGADO NO CEARÁ: TRABALHO E

REINTEGRAÇÃO SOCIAL

De acordo com as diretrizes traçadas pela Lei de Execução Penal (LEP) e o

Decreto nº 27.385, de 02 de março de 2004, do Estado do Ceará, verifica-se a

importância da construção da Casa do Albergado, com as instalações e estruturas

físicas e organizacionais adequadas para o cumprimento de suas atribuições.

A Casa do Albergado e o seu relevante papel no cumprimento de pena dos

assistidos têm uma missão desafiadora. Entre seus objetivos, está acompanhar e

assistir ao preso no seu processo de reintegração social, promovendo a observação

das condições de trabalho externo ou de curso por ele frequentado, visando sua

readaptação profissional ou instrução escolar e prepará-lo para a vida em liberdade.

Dentre outras funções, tem a competência de responsabilizar-se pela

execução das normas e condições de albergado e informar ao Juízo da Execução

Penal responsável pelo condenado sobre qualquer violação das condições

estabelecidas que leve à suspensão do cumprimento da pena em prisão albergue ou

a sua revogação; fornecer certidões e atestados relativos ao prontuário do

albergado, nos limites previstos pela legislação vigente oferecer medidas de

assistência e proteção ao albergado e a sua família.

Tendo em vista as informações acima, ressalta-se que devido à inexistência

da Casa do Albergado em sua plenitude no Ceará, em substituição a ela foi criado o

Núcleo da Casa do Albergado na sede da Secretária da Justiça e Cidadania, na

Rua: Tenente Benévolo, nº 1055, no bairro Meireles, onde é realizado por

determinação judicial, o controle de frequência dos presos em Regime Aberto, bem

como o acompanhamento social e jurídico desses apenados.

A Instituição funciona desta maneira desde 1997, porém somente em 1999

lhe coube, legalmente, o dever de receber os presos, a partir da Portaria nº001/99

(ANEXO), determinando que os sentenciados em regime aberto passassem a se

apresentar na Gerencia da Casa do Albergado.

No ano de 2005 foi decretado que o Núcleo do Albergado não receberia mais

presos em nenhum dos regimes (antes o núcleo recebia apenado dos Regimes

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semi- aberto e aberto). A partir desse momento o apenado que recebesse

progressão de pena teria que comparecer à Vara de Execuções Criminais no Fórum

Clóvis Beviláqua. Apesar da determinação, o setor continuava a receber presos em

regime aberto, com autorização de outros juízes.

A história deste Núcleo mudou a partir da interdição da Colônia Agrícola do

Amanari, em 11 de Novembro de 2009, instituição que abrigava apenados em

regime semi-aberto nos finais de semana. O magistrado levou em consideração a

“insalubridade estrutural” e capacidade instalada o que inviabiliza, de acordo com

ele, a “perspectiva natural de ressocialização e reinserção do preso à família e à

comunidade, objeto dos ditames das sentenças condenatórias”. O fato ocasionou a

transferência dos detentos que lá se encontravam para a Casa do Albergado. O

resultado foi o aumento de mais de cem por cento no número de assistidos.

A instituição que fora antes criada para acomodação de presos em regime

aberto, agora assistia também os que estavam em regime semi-aberto, mas

permanecendo sem condições para acomodar os detentos. A estrutura física do

Núcleo se resume a um escritório com três salas. A primeira funciona como um

espaço de recepção para cadastro biométrico, com computadores, prontuários e

documentos dos presos assistidos pelos profissionais do Núcleo. Na segunda, ficam

os demais computadores para consultas processuais e demais atividades

competentes a equipe do Núcleo e a terceira sala, localizada dentro da segunda, é

reservada para atendimento individual, jurídico e social.

Devido à inexistência de estabelecimento adequado para a execução do

regime aberto, os apenados assistidos não têm a obrigação de pernoitar, ou seja,

não se recolhem nos finais de semana, nem para o Núcleo, nem para qualquer outra

instituição, o que resulta em um índice elevado de descumprimento da pena.

Atualmente trabalha-se com um quantitativo de 1.885(mil oitocentos e oitenta e

cinco) presos do sexo masculino no regime aberto e 34 (trinta e quatro) no regime

semi- aberto, 35 (trinta e cinco) do sexo feminino em regime aberto e 09 que

assinam no regime semi-aberto.

Dentre estes, os que apresentam declaração de trabalho representam menos

que a metade do total de assistidos, um número ainda reduzido se comparado ao

total de albergados, isso se dá principalmente pela grande dificuldade dos apenados

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em ingressarem no mercado de trabalho formal, alguns destes passam então a

trabalhar por conta própria, fazendo alguns bicos, trabalhos não formalizados e com

isso apresentam ao Núcleo da Casa do Albergado uma declaração de autônomo

que só terá validade mediante reconhecimento de firma de duas testemunhas em

cartório.

O número de faltosos é bastante considerável, atualmente existe uma média

de 400 apenados que estão faltando às assinaturas no Núcleo da Casa do

Albergado, isso poderá implicar na regressão de regime.

Existem ainda no Núcleo da Casa do Albergado alguns casos diferenciados,

que conforme decisão judicial os apenados em regime semi-aberto com o benefício

do trabalho externo apresentam suas cartas de trabalho mensalmente para

fiscalização do regime. Estes, portanto assinam em livro próprio mediante a entrega

mensal da carta do empregador. Totalizando assim, um número que corresponde

atualmente há 50 apenados.

2.1. O Serviço Social no Núcleo da Casa do Albergado e suas atribuições

O Serviço Social do Núcleo da Casa do Albergado é favorecido no

atendimento individual, tendo em vista possuir uma sala exclusiva para o

funcionamento da atividade citada, preservando assim o sigilo e a privacidade nas

atividades desempenhadas.

Suas atribuições consistem em:

Fazer relatórios sociais quando solicitado no intuito de informar

ao Juiz sobre as condições de vida do apenado para o beneficio da

progressão de regime ou extinção da mesma;

Realizar atendimento individual onde os apenados são

sensibilizados sobre a importância da assinatura, pois o controle do

cumprimento da pena no regime aberto acontece através da frequência do

apenado, mensalmente, de acordo com o que o juiz determina. A partir do

momento que o preso deixa de assinar, ele também deixa de cumprir sua

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pena. Dessa forma, sua falta pode ocasionar o retorno ao regime fechado,

perda de beneficio e/ou atraso na extinção de pena;

Acompanhar a reapresentação do apenado, quando do seu

retorno,fazendo os possíveis encaminhamentos para a rede socioassistencial

(Instituto de identificação, DETRAN, Serviço Militar, Receita Federal, Centro

de atenção Psicossocial – CAPS, CRAS, CREAS, Casa de recuperação e

demais órgãos competentes) e elaborando ofícios comunicando ao Juiz sobre

a atual situação do assistido;

Realizar visita domiciliar para constatação de problemas de

saúde, disponibilizando assim para o apenado e seus familiares os serviços

desde Núcleo, bem como verificar motivo de faltas;

Realizar visitas institucionais;

Participar na elaboração e gerenciamento das políticas sociais, e

na formulação e implementação de programas sociais;

Devolver as informações colhidas nos estudos e pesquisas aos

usuários, no sentido de que estes possam usá-lo para o fortalecimento dos

seus interesses;

Elaborar relatórios, emitir pareceres;

Buscar junto às redes sociais de apoio, benefícios que possam

resgatar a cidadania dos presos, egressos e familiares;

Buscar meios de inserção dos egressos no sistema formal e

informal de trabalho.

Algumas dificuldades são apresentadas diariamente no agir profissional do

Assistente Social da Casa do Albergado, diante da minha experiência como

estagiária pude observar varias questões inquietantes e cabe aqui mencionar como

proposta de superação das mesmas. Dentre elas destacam-se a estrutura física do

setor, impossibilitando um trabalho mais eficaz nos atendimentos individuais da

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equipe multidisciplinar, a inviabilização de transportes para realização de visitas

domiciliares, os recursos materiais insuficientes para a realização dos trabalhos

diários, como por exemplo, linha telefônica direcionada para o Serviço Social,

facilitando contato preso/família/instituição; rotatividade de profissionais, gerando

dificuldade em se manter trabalhos contínuos.

Porém, muitos são os pontos positivos no agir desse profissional, podendo

citar o trabalho integrado que o Serviço Social tem com os demais profissionais do

setor, encaminhamentos realizados para a rede socioassistencial, encaminhamentos

para a retirada de documentação, atendimentos estendidos a família dos apenados,

entre outros.

2.2. A Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso

A Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará criou a

Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso4 (CISPE), cujo vínculo com

o Núcleo da Casa do Albergado é significativo, conforme veremos.

Tal coordenadoria foi criada através do Decreto 30.983, de 23 de agosto de

2012, publicado em 27 de agosto de 2012, (ANEXO) onde ficou alterada a estrutura

administrativa da Secretaria da Justiça e Cidadania - SEJUS promovendo um núcleo

de assistência ao preso à estrutura de coordenadoria, aperfeiçoando o tratamento

do apenado pelo viés da inclusão social, principalmente pelas ferramentas da

educação, do empreendedorismo, do suporte social, psicológico e jurídico, além do

custodiamento e do trabalho – foco desta análise. Tudo isso para que apenados e

apenadas pudessem ter condições formais e concretas de recomeçarem suas vidas

fora do cárcere, almejando a despersonalização da imagem estigmatizada de

“perigo para a sociedade”.

A CISPE5 possui como objetivo, portanto, contribuir para a recuperação social

do preso e para a melhoria de suas condições de vida, através da elevação no nível

4 Art. 26. Considera-se egresso para os efeitos desta Lei: I - o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um)

ano a contar da saída do estabelecimento; II - o liberado condicional, durante o período de prova. LEP- Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984.

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de sanidade física, moral, educacional, além da capacitação profissional, do

encaminhamento para oportunidades de trabalho remunerado, propondo-se, para

tanto, fomentar o atendimento e a promoção humana, tendo por objetivo a

recuperação biopsicossocial do apenado, através de atuação nas áreas de

educação, cultura, promoção social, trabalho e renda, bem como, a prevenção e o

combate à reincidência no crime, a minimização do círculo vicioso decorrente da

dificuldade de reintegração social do egresso e estendendo suas atividades, sempre

que possível, à família do apenado.

Para buscar e atingir seus objetivos, a Coordenadoria se arquitetou,

instituindo no seu cronograma quatro núcleos, com seus respectivos suportes

técnicos, além de duas células. Sua estrutura organizacional inclui duas unidades

estratégicas (A coordenadoria e a unidade de acompanhamento de Contratos e

Convênios) e quatro supervisões, sendo, assim, definidas:

a) Coordenadoria: Responsável pela administração geral do departamento,

articulando as atribuições dos núcleos com os organismos públicos e privados, além

do contexto administrativo intersetorial, na demanda, incessante, da promoção da

pessoa apenada na inclusão da vida em sociedade;

b) Núcleo de Recursos Humanos de Assistidos: Responsável pela gestão

das pessoas na execução das atividades sóciolaborativas e do desenvolvimento dos

suportes psicossociais, jurídicos e das atividades dos apenados envolvendo os

demais núcleos;

c) Núcleo Educacional e de Capacitação Profissionalizante: Responsável

pelas atividades educacionais, das oficinas e cursos profissionalizantes das massas

carcerárias e desenvolvimento de habilitação laborativa dos Assistidos (apenados

em Regimes Semi- Aberto e Aberto), além dos Egressos e apenados em Liberdade

Condicional;

d) Núcleo de empreendedorismo e Economia Solidária: Responsável pelo

acompanhamento e pela fiscalização dos apenados destinados aos projetos

parceiros e ou encaminhados ao mercado de trabalho, excedendo a custódia real e

5 Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará. Projeto da Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e

do Egresso. Fortaleza- 2012

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potencial das massas em progressão de regime em consonância com as sentenças

judiciais;

f) Célula de Organização de Contratos e Convênios: Responsável em

superdanear a chefia da coordenadoria e os demais núcleos, através da

organização dos convênios, Termo de Cooperação Técnica, Escritórios de Projetos

e dos Contratos firmados entre a Pasta da Secretaria com parceiros tangente à

perspectiva de inserção de apenados.

No Rol das atividades desenvolvidas pela coordenadoria, podemos citar:

a) Pólo de Inclusão Social – locação situada na região de Itaitinga, é a

porta de entrada dos assistidos (período probatório). Na localidade,

desenvolvem-se inúmeras atividades envolvendo desde a agricultura

sustentável, fabricação de tijolos, instrução formal e terapêutica, etc.;

b) Fabricando oportunidades - conjunto de atividades envolvendo as

artes e a comercialização de produtos confeccionados dentro do sistema

penitenciário, além da captação de parcerias para instalação de fábricas nos

interiores dos presídios. Atualmente desenvolvem-se atividades das empresas:

Famel/Dona Florinda, Empresa Feldmam/LAPIDAR. Aguardando instalação

Marissol, PSA Indústria têxtil, e da Movelaria

c) Mãos que Constroem – programa de capacitação em parceria com

órgãos governamentais e não governamentais, na inserção dos apenados no

mercado de trabalho, a exemplos: Empresa de Correios e Telégrafos, Consórcio

Queiroz Andrade Mendonça, Associação São João Eudes – Caminho;

d) Batalhão Ambiental – programa em parceria com o Conselho de

Políticas Ambientais – CONPAM, na inserção da mão de obra apenada nos

trabalhos de conservação dos parques ambientais do Estado. Projeto piloto no

Parque do Cocó e Botânico de Caucaia.

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e) Pintando à Liberdade – programa de capacitação e remuneração da

mão de obra na confecção de bolas e redes. No ano de 2012, o programa

entregou 16 (dezesseis) mil bolas às escolas municipais;

f) Fazer Direito – programa de estágio de estudantes universitários dosa

cursos de Direito, Psicologia e Artes na capacitação de apenados no tangente á

formação cidadã das massas carcerárias;

g) Coral Vozes da Liberdade – programa de arte musical na capacitação

e entretenimento de homens e mulheres apenados. No ano de 2012, o coral se

apresentou em diversos eventos de ponta do Estado, com destaque especial ao

I Concerto de Natal, ocorrido no Teatro José de Alencar, em novembro;

h) Reinserção Social, Medidas e Penas Alternativas e Núcleo do

Homem Autor de Violência Domestica – programas desenvolvidos em

parceria pela Vara de Medidas e Penas Alternativas;

i) Celebrando restauração - programa para adictos, realizado pela

Fundação Igreja Batista Central, em consonância com o programa contra

drogadição do PACAD;

j) Creche Amadeu Barros Leal – contrapartida financeira e com mão de

obra apenada na disponibilização de vagas na unidade para crianças, filhos de

apenados, em idade de ensino infantil;

k) Oficina de Serigrafia – programa de capacitação em serigrafia,

instalado na CPPL-II

l) Projeto Mandala e Hortas Sustentáveis – cessão de sementes pela

Secretaria de Desenvolvimento Agrário e capacitação na agricultura sustentável.

Projeto piloto no Pólo de Inclusão. Aguardando expansão para todas as

unidades prisionais;

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m)Instituto Paulo Vieira (Febracis) – programa de capacitação de

membros da SEJUS nas atividades de coaching e inteligência integral e

sistêmica, a fim de se tornarem multiplicadores das técnicas na valorização do

individuo apenado;

n) IMPARH – programa em parceria com a Prefeitura Municipal de

Fortaleza, na capacitação para Servidores, Colaboradores e Assistidos na

aprendizagem e aperfeiçoamento da linguagem oficial e estrangeira.

Em 2013, com a mudança da coordenadoria para a nova locação da

Secretaria da Justiça e Cidadania, encontram-se agendados os programas para

implantação do Complexo da CISPE: Café Cultural, Cozinha Gastronômica, Galeria

de Arte, Salão de Beleza, Escola de Formação Estudantil e Profissional. Em nível

federal, os convênios: Maria Marias, Pintando à Cidadania, Programas de

Capacitação Profissional – Procaps. Numa dimensão estadual, com a liberação do

Fundo de Defesa Social, serão executados os projetos dos instrumentais de

Trabalhos e Adoções Empreendedoras, Cesta Assistencial, dentre outros, além da

adoção da Escola de Formação de Costureiras com o Instituto Renner e PSA Têxtil

e a capacitação de parceiro para a implementação do projeto “cores da liberdade” 6

(Já está em execução)

É perceptível, pois, a inclinação da instituição para o entendimento das

potencialidades da educação e do trabalho como fatores de promoção da inclusão

de apenados na sociedade. O reconhecimento do trabalho como força motriz de

toda a sociedade parece impelir o Estado, único detentor do poder de punir, a

promover oportunidade de preparação dos apenados sob sua custódia a

desenvolver atividades laborativas, com a finalidade de prepará-los ao retorno à

6 O projeto tem como objetivo a implantação de um programa de capacitação profissional para presidiários,

visando à promoção da reinserção social, a redução dos índices de violência nas vivências e a melhoria das condições de sobrevivência nas vivências das Unidades Prisionais do Sistema Carcerário Cearense. A iniciativa surge da necessidade de cumprir os artigos da Lei de Execução Penal- LEP, art. 19 e art.32 e da dificuldade de recolocação profissional, tendo em vista o estigma que os presos carregam por terem cometidos crimes, como também da disponibilidade de uma empresa conceituada como a HIDRACOR em promover responsabilidade social, através da promoção da reintegração social. A capacitação profissional e a pintura dos pavilhões, além de melhorarem as expectativas de uma vida melhor no que diz respeito ao retorno dos detentos à sociedade, irá ter impacto considerável na diminuição da violência devido a melhoria das condições de sobrevivência no cárcere.

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convivência social e buscando propiciar, através dele, a dignidade da pessoa

humana.

Deixar o preso reabilitado fora dessa realidade acredita-se, é mais do que

desqualificá-lo para a nova vida fora das grades: é colocá-lo novamente em uma

linha tênue entre o desemprego, devido a sua baixa qualificação, e a criminalidade,

que lhe mostrará formas mais rápidas de conseguir dinheiro e status.

(Posicionamento retirado do projeto da Coordenadoria de Inclusão Social do preso e

do Egresso- 2012)

Estudos científicos com dados estatísticos, a exemplo dos efetivados pelo

Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), do Ministério da Justiça, e do

Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Poder Judiciário, apontam que a

reincidência criminal do apenado, no primeiro ano de sua liberdade, é de 60% a

70%, ou seja, algo que se pode considerar extremamente pernicioso ao contexto

social, observando que, mais da metade da massa carcerária progredida em regime

reincide.

Ocorre que, algo impactante e em mão contraria, também se observa com

este mesmo publico, qual seja: ao apenado progredido em regime em que se é

oportunizado a inclusão laborativa, não há reincidência em cerca de 80% dos casos.

O desafio do sistema penitenciário é encontrar meios eficazes de conduzir os

condenados à condição de cidadão, de modo que, ao final do cumprimento de suas

penas, estejam aptos a conviver em sociedade, fazendo com quem massas que

passaram pelo cárcere se reintegrem ao substrato social, sentindo-se útil a si

mesmo, a sua família e ao contexto social. O trabalho, nesse sentido, vem sendo

apresentado como um caminho possível dessa conquista que não é apenas

individual, de cada apenado, mas, sobretudo, da sociedade como um todo. E, nesta

perspectiva, penso, é preciso considerar o caráter social do trabalho, conforme a

teoria social, para melhor entender a questão levantada neste estudo.

2.3. O caráter social do trabalho

O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que

o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a

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Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural...

Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-

la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as

potências nela adormecida e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio...

Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem.

Segundo Marx,

Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana. (MARX, 1993:50).

Os animais, assim como o homem, também produzem sua existência por

meio da atividade vital do trabalho, porém com uma diferenciação significativa, posto

que estes visem apenas atender as suas exigências práticas imediatas, ou seja,

suas carências de ordem fisiológica. Agem, portanto, determinados por instinto. Já o

que acontece com o homem é diferente. Anterior à realização de seu trabalho, o

homem é capaz de projetá-lo, ou seja, tem a capacidade de definir meios diversos

que possibilitam o alcance de seu objetivo, expressivo de necessidades que não se

reduzem ao biológico ou à genética.

Marx (1996) afirma que é por intermédio do ato do trabalho que se realiza o

salto ontológico do ser natural ao ser social. Por isso mesmo, é o modo como nos

organizamos para a produção que permite o entendimento do tipo de sociedade que

somos dos valores e posturas que cultivamos.

No contexto do século XIX, por exemplo, o que Marx observava, em meio a

expansão capitalista, era o afastamento do trabalhador direto dos meios

fundamentais para a produção de sua existência, na medida em que estes eram

apropriados pela classe capitalista burguesa, obrigando aqueles que não eram

proprietários à venda do único bem que ainda possuíam: sua força de trabalho.

Isso quer dizer que a atividade vital humana, aquilo que daria sentido a sua

existência, estava agora cada vez mais prejudicada para uma parte significativa da

população, na medida em que uma massa de trabalhadores passava a depender do

interesse dos proprietários capitalistas para conseguir os meios de sua

sobrevivência. Esse desequilíbrio de forças provocado pelo aumento do controle

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privado da burguesia sobre os meios de produção seria, para Marx, o fundamento

explicativo das desigualdades sociais, da luta de classes.

Sem discordar profundamente de Marx, Ricardo Antunes, no Capítulo VIII do

seu livro Os Sentidos do Trabalho (2000), discorre acerca dos conceitos básicos

relativos ao trabalho, baseados na Ontologia do Ser Social de Lukács. Para ele, o

trabalho é proveniente de uma relação entre o ser e a natureza, agindo como um

mecanismo de mediação que possibilita a passagem das formas pré-humanas para

o ser social, o que caracteriza o processo de humanização do homem.

Antunes (idem) analisa o trabalho sob a vertente de que este deve propiciar a

emancipação humana, que se efetiva quando os trabalhadores conscientemente e

com plena autonomia e domínio efetivo do ato laborativo, superaram as ordens

criadas pelo capital - atitude essa que ele denomina como fundamento ontológico

para a sua condição de “ser livre e universal”. O que originará um trabalho

autônomo, autodeterminado, livre e dotado de sentido. É dessa forma que o ser

social poderá se humanizar e se emancipar em seu sentido mais profundo, conforme

entende o autor.

Partindo da condição fundamental ao desenvolvimento humano, a luta pelo

direito ao trabalho, Antunes faz uma discussão da relação entre trabalho e

emancipação, analisando se é possível trabalhar a favor da emancipação, dentro do

sistema capitalista.

O direito ao trabalho é uma reivindicação necessária não porque se preze e se cultue o trabalho assalariado, hetero determinado, estranhado e feitichizado [...], mas porque estar fora do trabalho no universo do capitalismo vigente [...] significa uma desefetivação, desrealização e brutalização ainda maiores do que aquelas já vivenciadas pela classe-que-vive-do-trabalho. (ANTUNES, 2000: 177/178.)

Para Castel (1998), a falta de acesso ao trabalho é determinante na

dissociação dos laços sociais. No mundo do trabalho existe uma categorização dos

homens como integrados ou marginalizados. Para esse autor, devem ser analisados

os processos históricos que desencadeiam essas desigualdades, dadas as

consequências sociais por ela provocadas. O que resta aos indivíduos que não

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conseguem essa integração, ainda para Castel (ibidem) é a resignação, a violência

esporádica e a raiva que, na maioria das vezes, se autodestrói.

Iamamoto, ao apresentar a discussão da categoria trabalho, faz um resgate

histórico do trabalho no Estado Capitalista. Ele discorre:

O trabalho é uma atividade fundamental do homem, pois mediatiza a satisfação de suas necessidades diante da natureza e de outros homens. Pelo trabalho o homem se afirma como um ser social e, portanto, distinto da natureza. O trabalho é a atividade própria do ser humano, seja ela material, intelectual ou artística. É por meio do trabalho que o homem se afirma como um ser que dá respostas prático-conscientes aos seus carecimentos, às suas necessidades. É pelo trabalho que as necessidades humanas são satisfeitas, ao mesmo tempo em que o trabalho cria outras necessidades. (IAMAMOTO, 1998: 60).

Rosanvallon (1998) também reflete sobre o direito ao trabalho, destacando-o

como um direito social e apresenta como alternativa a construção de uma cidadania

ativa, que garanta direito ao trabalho e implique em contrapartidas dadas pelos

indivíduos de acordo com as suas capacidades. Quanto à questão da inserção

social, o autor defende a ideia de que o trabalho deve consistir em um espaço de

reintegração social:

O direito à inserção avança mais do que os direitos sociais clássicos, enriquecendo-se desde logo com um imperativo moral: além do direito à subsistência, ele procura dar forma ao direito à utilidade social; consideram os indivíduos como pessoas que precisam ser assistidas. A noção de inserção contribui, nesse sentido, para definir um direito da era democrática, articulando assistência econômica e participação social [...] considera os indivíduos como membros de uma sociedade na qual têm direito a encontrar um lugar. O que se afirma não é só o direito de viver, mas o direito de viver em sociedade. (ROSANVALLON, 1998: 137)

É nesse pensamento que podemos refletir sobre os direitos referentes ao

trabalho, ao passo que seja considerado o trabalhador com um cidadão de direitos e

que este é pertencente a uma categoria que luta constantemente por melhorias,

assim sendo no tocante a reintegração social o autor mostra uma reflexão da

integração entre os membros da sociedade, no qual o individuo afirme o direito de

viver em sociedade e se sentir pertencente a ela.

2.3.1. Ressocialização ou reintegração social: pontos para discussão

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Para compreender o trabalho como um dos elementos mediadores da

reinserção de apenados à vida social mais ampla faz-se necessária uma reflexão,

ainda que breve, acerca da polêmica conceitual que marca esse processo. Seria

mais adequado falar em ressocialização ou reintegração social? Pensemos a

respeito.

Em muitos dicionários de Língua Portuguesa encontrou como definição para a

ideia de ressocialização o ato de tornar a socializar ou socializar novamente. Logo,

para entender melhor aquele termo, convém entender este: o que significa

socializar?

De acordo com o sociólogo francês Émile Durkheim, a idéia de socialização

relaciona-se com educação, que pode ser entendida como:

A ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas ainda não amadurecidas para a vida social. Tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança particularmente se destine. (Durkheim,1978 p. 10)

Embora se inicie ainda na infância, logo que a criança nasce à socialização é

um processo que perpassa toda a vida do sujeito até a sua morte, o condicionado a

determinadas formas de agir e pensar. E é justo pelo caráter processual e

incessante, contínuo, da socialização que a ideia de ressocializar parece aos olhos

de alguns pensadores, um termo inadequado. Faz parecer que a socialização do

indivíduo cessa quando este é inserido na prisão e só é retomada (ou melhor,

reconstruída) quando sai de lá, como se a cadeia não fosse também uma

experiência social que marca, condiciona a vida dos sujeitos.

Para, além disso, de acordo com Baratta (1997), o conceito de

ressocialização, assim como o de tratamento, implicam uma postura passiva do

detento e ativa da instituição que precisa ser refletida. Por isso mesmo, para ele,

melhor seria a utilização do termo reintegração social. Ele explica que

ressocialização e tratamento

(...) são heranças anacrônicas da velha criminologia positivista que tinha o

condenado como um individuo anormal e inferior que precisava ser (re)

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adaptado à sociedade, considerando acriticamente esta como ‘boa’ e

aquele como ‘mal’. Já o entendimento da reintegração social requer a

abertura de um processo de comunicação e interação entre a prisão e a

sociedade, no qual os cidadãos reclusos se reconhecem na sociedade e

esta, por sua vez se reconhece na prisão. (idem, 1997; 71)

Baratta (ibidem) ressalta a necessidade da opção pela abertura da prisão à

sociedade e, reciprocamente, da sociedade à prisão. Ele afirma, ainda, que os

muros da prisão representam uma barreira violenta que separa a sociedade de uma

parte de seus próprios problemas e conflitos. Reintegração social (do condenado)

significa, antes da modificação do seu mundo de isolamento, a transformação da

sociedade que necessita reassumir sua parte de responsabilidade dos problemas e

conflitos em que se encontra “segregada” na prisão.

Para ele, qualquer que seja a iniciativa dentro do sistema prisional que seja

para tornar menos dolorosa e sofrida à vida do preso deve ser levada com seriedade

quando realmente se for pensado o direito destes e que provenha de mudança

radical e humanista e não de um reformismo tecnocrático ou de legitimar através de

quaisquer melhoras o conjunto do sistema prisional.

Também para Capeller (1985) o conceito de ressocialização surgiu com o

desenvolvimento das ciências sociais comportamentais, no século XIX, e é fruto da

ciência positivista do Direito. Para essa autora, o discurso jurídico se apropria do

conceito de ressocialização com o sentido de reintegração social, enquanto sujeitos

de direitos, e procura ocultar a ideia de castigo, obscurecendo a violência legitima do

Estado.

O discurso jurídico sobre a ressocialização é consequentemente a

construção do conceito, nasceu ao mesmo tempo em que a tecnificação do

castigo. Quando o ‘velho’ castigo, expresso nas penas inquisitoriais, foi

substituído pelo castigo humanitário, dos novos tempos, por uma nova

maneira de disposição dos corpos, já não agora dilacerados, mas

encarcerados, quando se cristaliza o sistema prisional e, a pena é por

excelência, apena privativa de liberdade, quando se procura mecanizar os

corpos e as mentes para a disciplina no trabalho nas fábricas, ai surge,

então o discurso da ressocialização, que é em seu substrato, o

retreinamento dos indivíduos para a sociedade do capital. Nesse sentido o

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discurso dos ‘ bons’ no alto da sua caridade é de pretender recuperar os

‘maus’. (CAPELLER, 1985 p, 131)

Conforme pensa Mirabete (1997.p 38), a marginalização social é gerada por

um processo discriminatório, que o sistema penal impõe, pois o entiquetamento e

estigmatização que a pessoa sofre ao ser condenado, tornam muito pouco provável

sua reabilitação novamente na sociedade.

Torna-se, portanto, de grande dificuldade o processo de ressocialização (ou

de reintegração, termo que prefiro) do apenado, uma vez que no seio da pena

privativa de liberdade o processo de marginalização tende a se agravar, pois já

existe uma relação excludente da sociedade com o encarcerado.

Retomando Baratta (1997), o sistema prisional deve propiciar aos presos uma

série de benefícios que vão desde instrução, inclusive profissional, até assistência

médica e psicológica, para proporcionar-lhes uma oportunidade de reintegração e

não mais como um aspecto da disciplina carcerária, compensando, dessa forma,

situações de carência e privação quase sempre freqüentes na história de vida dos

sentenciados, antes de seu ingresso na cena do crime. Esse entendimento estaria

relacionado, pois, a redefinição dos conceitos de tratamento e ressocialização

tradicionais, ainda de acordo com Baratta (1997), posto que constitui um elemento

importante na construção de uma teoria e uma prática novas na reintegração social

dos apenados.

2.3.2. O trabalho como fator de reintegração social

Segundo Evangelista (1983:65), ao deixar o cárcere, o apenado carrega a

marca do delito, a qual vai dificultar as suas relações com o mundo exterior,

sobretudo no que se refere à inserção no mercado de trabalho. Sem documentação,

possuindo baixa qualificação profissional, na maioria das vezes, e sendo ainda

portador do estigma de infrator, torna-se-lhe bastante difícil a obtenção de um

emprego. E como este representa não só a condição básica para o gozo do

benefício do Regime Aberto, como também a fonte de subsistência e a possibilidade

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de ocupar um espaço na hierarquia de uma sociedade de classes, já que apenas o

homem produtivo pode assumir um lugar dentro dela, o problema da colocação

profissional do albergado passa a ser prioritário no quadro das necessidades a

serem atendidas.

É possível afirmar que o afastamento social do individuo preso provoca uma

espécie de destreinamento para o mundo externo, o que poderá ocasionar

momentaneamente dificuldades em alguns aspectos de sua vida cotidiana. As

perdas são sentidas no interior da prisão e no seu retorno a sociedade. Perde-se o

antigo emprego, não se vê os filhos crescerem, a família se afasta ou abandona.

Ocorre, então, uma morte social daquele sujeito que acompanha o que Golfman

(2003) chama de “morte civil”. Isso é perceptível também no caso dos apenados em

estudo, conforme indicam as falas a seguir:

“Quando eu tava lá nenhum me apoiou não [referindo-se a sua família],

porque nenhum nunca foi lá.” (Rosa)

“Quando eu tava no presídio ela [companheira da apenada] me abandonou, depois que eu entrei lá eu só vi ela uma vez..ela me disse que não queria mais, que tava com um cara..”(Daniela)

“A minha maior dificuldade ao sair da prisão foi de rever meus filhos, por que até então eles não sabiam que eu tava preso, a mãe deles vivia mentindo, dizia que eu tava viajando e não falava nunca a verdade. Então eu tive que rever eles, reconquistar eles, poder passar confiança pra eles tudo de novo.” (Salomão)

Como é possível perceber, de certo modo, a prisão implica um tipo de morte

e, abusando desta metáfora, sair da cadeia exige certo reaprender a viver, uma

espécie de recomeçar que, pelo menos nos casos aqui estudados, é expressão de

esperança, mas também de dor e medo. Lidar com estas emoções parece um

desafio grande para os apenados, posto o afastamento da vida social mais ampla.

Essa morte acontece a partir do momento em que recebe sua condenação e

entra no Sistema Penal. Suspendem-se, então, alguns direitos civis como: dispor de

dinheiro acima de trinta reais, impossibilidade de assinar cheques, negar-se ao

processo de divorcio, apreensão de documentos, perda do direito ao voto. Outros

direitos civis serão negados mesmo depois do cumprimento da pena, como é o caso

da adoção de crianças ou a obtenção de um cargo público através de concurso.

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A suspensão dos direitos civis compreende a apreensão de documentos

como: Registro Geral (RG), o cadastro de pessoa física (CPF), e o título de eleitor.

Quando o detento sai da prisão ou recebe a progressão de pena, saindo do regime

fechado para o semi-aberto, busca logo de imediato um emprego, seja por

necessidade ou exigência legal. Pela última causa exposta, é determinado que

apenados em regime semi-aberto ou aberto apresentem mensalmente uma

declaração que comprove atividade laboral, a Carta de trabalho.

Em nosso País, como relata Oliveira (1917: 35), existem milhões de pessoas

que não ascenderam à cidadania ou, pior ainda, dela são excluídas pela estrutura

sociopolítica discriminatória. Dentro desse contexto estão inseridos os presidiários,

que, se antes, já não eram incluídos socialmente, certamente após o cumprimento

de suas penas encontraram grandes dificuldades para reconstruir um lugar em

sociedade. Para romper com essas amarras, o trabalho vem se mostrando como

uma espécie de alavanca nas mãos dos presos, a fim de conquistarem a dignidade.

Trabalho, este, que possibilite ao preso a oportunidade de se realizar como um

indivíduo de direito capaz de produzir e de encontrar com o produto do seu trabalho.

2.3.3. Identidade Social e Pessoal

Segundo Gofman (1988:46), nos muitos casos em que a estigmatização do

individuo está associada com sua admissão a uma instituição de custódia, como

uma prisão, um sanatório ou um orfanato, a maior parte do que ele aprende sobre o

seu estigma ser-lhe-á transmitida durante um período de contato íntimo com aqueles

que irão transforma-se em seus companheiros de infortúnio. Como já se sugeriu,

quando o individuo compreende pela primeira vez quem são aqueles que de agora

em diante ele deve aceitar como seus iguais, ele sentirá, pelo menos, certa

ambivalência porque estes não só serão pessoas nitidamente estigmatizadas e,

portanto, diferentes da pessoa normal que ele acredita ser, mas também poderão ter

outros atributos que, segundo a sua opinião, dificilmente podem ser associados ao

seu caso.

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Em sua análise sobre o cárcere, Alessandro Baratta7 observa que a sua

função principal é manter indivíduos desiguais, sendo este, por outra via, o elemento

principal para a criação de uma população criminosa. A pena restritiva de liberdade

deixaria marcas estigmatizantes no individuo e não produziria o efeito reeducador

em que está baseada, mas, ao contrário, acabaria por conferir ao individuo, ainda

conforme o autor, o papel de “delinquente”.

A estigmatização penal apresenta-se para Baratta como elemento

transformador da identidade social da população criminosa. A prisão seria

causadora de um fenômeno de “desculturação”, por meio do qual o indivíduo

perderia as condições de viver em liberdade, perdendo o senso de auto-

responsabilidade do ponto de vista econômico e social. Complementar a este

processo ocorreria uma aculturação dos valores característicos de uma subcultura

carcerária, a qual quanto mais internalizada, menores as chances do indivíduo ser

reinserido na sociedade além dos muros da prisão.

Goffman (1988:67) em sua análise sobre o termo “identidade pessoal”, refere-

se às marcas positivas ou apoio de identidade e a combinação única de itens da

história da vida que são incorporadas ao indivíduo com a ajuda desses apoios para

a sua identidade. A identidade pessoal, então, está relacionada com a

pressuposição de que ele pode ser diferenciado de todos os outros e que em volta

desses meios de diferenciação podem-se apegar e entrelaçar uma história continua

e única de fatos sociais que se torna a substância pegajosa à qual vêm - se juntar

outros fatores biográficos.

O processo de identificação pessoal pode ser observado claramente em ação

se tomado como ponto de referência não um pequeno grupo, mas uma grande

organização padronizada que seja registrada de maneira oficial todos os elementos

que servem para um identificação positiva do indivíduo.

Goffman (1988:67) explica que há um interesse popular considerável nos

esforços de pessoas perseguidas em adquirir uma identidade pessoal que não seja

a “sua” ou em se desvincular de sua identidade original, como nos esforços em

marcar com cicatrizes as pontas dos dedos ou em destruir certidões de nascimento.

7 Trabalho prisional e reinserção social: função ideal e realidade e prática- Fernanda Bastetti de Vasconcellos.

Disponível em www.sociologiajuridica.net.br › Número 5 . Acesso em 25/03/2013.

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Ainda de acordo com o mesmo autor (1988:69), os criminosos profissionais

utilizam dois tipos especiais de nomes falsos: apelidos usados temporariamente,

embora repetidos com frequência, para evitar a identificação pessoal; alcunhas,

recebidas na comunidade criminal e conservadas por toda a vida, mas usadas

apenas pelos e para os membros da comunidade ou pelos “informados”. Um nome,

então, é um modo muito comum, mas não muito confiável de fixar a identidade.

Para construir uma identificação pessoal de um indivíduo, utilizamos aspectos

de sua identidade social junto com outros fatores que possam estar vinculados a ele.

Assim, o fato de ser capaz de identificar o indivíduo nos dá um recurso de memória

para organizar a informação referente à sua identidade social, este um processo que

pode alterar sutilmente o significado das características sociais que lhe imputamos.

Para Goffman (1988:76), o estigma e o esforço para escondê-lo ou consertá-

lo fixam-se como parte da identidade pessoal. Daí o crescente desejo de um

comportamento inadequado quando se usa uma máscara, ou quando se está longe

de casa; daí a vontade que algumas pessoas têm de publicar um material revelador

de maneira anônima ou de aparecer publicamente diante de uma audiência privada,

já que a suposição subjacente é de que o público em geral não estabelecerá uma

relação entre eles e o que se tenha feito.

Todo encarcerado sucumbe de alguma maneira, à cultura da prisão. Mesmo

porque a cadeia é um sistema de poder totalitário formal, pelo qual o detento é

controlado 24 horas por dia, sem alternativa de escape.

A prisionização produz efeitos drásticos para a personalidade do encarcerado,

pois o leva a perder sua auto- imagem, a sua identidade e auto – estima. Ao invés

de impor e assegurar padrões de comportamento e de convivência o mais

semelhante possível da vida em liberdade, o trato prisional leva a pessoa que está

no cárcere a se adequar no mundo da prisão. Para se evitar tal degradação humana

da pessoa segregada, o espaço do cárcere deveria apresentar condições menos

prejudiciais possíveis à vida futura dos apenados, tornando assim menos precárias

as condições de vida na prisão. Pois como diz o Jurista Baratta (1990), a melhor

prisão é aquela que não existe e o cárcere será tanto melhor quanto menos cárcere

for.

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Como resistência a todo tipo possível de controle “emergem entre os presos

um poder informal e uma cultura paralela, definido regras, costumes, uma ética

própria e até mesmo critérios e condições de felicidade e sobrevivência” (SÁ, 1995).

Desta forma, ao sair do cárcere, após o cumprimento de uma pena mais ou

menos longa, o sentenciado nada mais tem em comum com o mundo que o

segregou: seus valores não são idênticos, como diversas são suas aspirações, os

seus interesses e seus objetivos. À volta a prisão funciona como um retorno ao lar, e

assim perpetua o entra e sai da cadeia (PIMENTEL, 1984 apud SIQUEIRA, 2001).

[...] os fatores sociais e individuais que promoveram e facilitaram a criminalização por parte do sistema penal [...] vulnerabilidade

8 do

encarcerado perante o sistema punitivo. [...] Em termos de intervenção, volta-se para o fortalecimento social e psíquico do encarcerado, para sua promoção como pessoa e cidadão, desenvolvendo estratégias de “reintegração social” de intercambio sociedade – cárcere, nas quais o encarcerado deve atuar como sujeito e não como objeto. Por essas estratégias, proporcionam-se à sociedade (comunidade) oportunidades de rever seus conceitos de crime e de “homem criminoso” e seus padrões éticos e humanos de relacionamento com estes, e, ao encarcerado, oportunidades de se re-descobrir como cidadão, de ter ma visão construtiva de seus deveres, direitos e qualidades. (SÁ, 1995-2005).

O trabalho prisional correspondente tanto aos presos que estão encarcerados

como aqueles que respondem em liberdade deve ser pautado em estratégias junto

aos mesmos, onde o sentenciado deve ser visto não apenas como um criminoso -

embora tenha existido o comportamento criminoso que deve ser punido, mas

conforme a lei. Conhecer o histórico e as verdadeiras motivações de sua conduta

referente ao seu ato criminal, dentro de um contexto familiar, ambiental e social.

Procurar estabelecer um envolvimento de todos aqueles que atuam na execução da

pena, bem como os familiares do detento. Desta forma, ainda que se torne como

base para o trabalho prisional o conceito moderno, deverá se prevalecer e ter em

mente as indicações do conceito crítico. Ou seja, deverá ter sempre presente a ideia

de que os presos, em sua maioria, são pessoas que, mais do que exploradas pelo

sistema capitalista, foram excluídas por ele, tornaram-se vulneráveis perante o

8 Sá, 1995-2005, citando Zaffaroni (1998),explica a vulnerabilidade como conseqüência de um estado de

deterioração econômica, social e cultural, que criminaliza as pessoas, ou seja, que as coloca em situação de “bom candidato ao crime.

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sistema punitivo e por este foram selecionados, com o que sua vulnerabilidade se

agravou ainda mais (ZAFFARONI, 1998 apud SÁ, 1995 – 2005).

Contudo não se deve tirar o caráter punitivo da pena, uma vez cometido o

crime deve o autor ser responsabilizado de maneira justa por seu ato infracional de

forma a cumprir o que estabelece a lei.

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CAPITULO III - REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO, PRECONCEITO E

REINTEGRAÇÃO SOCIAL DE APENADOS EM REGIME ABERTO

3.1. Perfil dos apenados entrevistados

Diante da pesquisa realizada com os apenados em Regime Aberto que

trabalham na sede na Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará,

apresentarei o perfil daqueles que foram entrevistados e assim deram sua grande

colaboração para a realização desse trabalho. Em virtude de questões éticas

referentes à identificação dos entrevistados, optei pela utilização de nomes fictícios,

fato este que foi comunicado aos mesmos logo no inicio de cada entrevista.

Foram assim entrevistados três homens e três mulheres, correspondente a

faixa etária de 21 anos a 35 anos de idade. Todos eles são assistidos pelo Núcleo

da Casa Do Abergado e pela Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e Egresso.

Três deles são nascidos em Fortaleza, um em Itapajé, um em Ipú, e outro é natural

do distrito de Pereira, município de Jaguaribe.

No que tange à escolarização, a maioria (quatro) tem apenas o Ensino

Fundamental Incompleto. Um diz ter o Ensino Médio Incompleto e outro o Ensino

Médio Completo.

Concernente ao Estado Civil, três são solteiros, dois são casados e um

convive no regime de união estável. 80% dos entrevistados têm filhos (entre dois e

cinco filhos cada um).

Quanto ao trabalho que executam atualmente, três exercem a função em

serviços gerais, um é porteiro, um é artista plástico e um é pintor.

No tocante aos dados processuais, referente ao delito que cometeram, pude

apurar as seguintes informações:

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Cleiton: responde ao artigo 121 do CP (homicídio), teve como tempo de pena

oito anos, do qual permaneceram dois anos e três meses reclusos e

atualmente se encontra a 09 meses em Regime Aberto.

Salomão: responde ao artigo 33 da lei 11.343/2006 (tráfico de drogas) e ao

artigo 157 do CP (assalto),teve como tempo de pena sete anos, do qual

permaneceu 03 anos e 07 meses recluso e atualmente se encontra há 10

meses em Regime Aberto.

Vilma: responde ao artigo 33 da lei 11.343/2006 (tráfico de drogas), teve

como tempo de pena 05 anos, do qual permaneceu recluso por 03 anos e 09

meses e atualmente está no Regime Aberto há 08 meses.

Rosa: responde aos artigos 155 (furto) e 157(assalto) ambos do CP, teve

como tempo de pena 08 anos, do qual permaneceram dois anos e sete

meses reclusos e encontra-se há 06 meses em Regime Aberto.

Daniela: responde ao artigo 157 do CP (assalto), teve como tempo de pena

05 anos e 04 meses, permaneceu recluso 01 ano e 06 meses e está

atualmente há um mês em Regime Aberto.

Régis: responde aos artigos 121(homicídio) e 157(assalto) ambos do CP, teve

como tempo de pena 12 anos, permaneceu recluso o período de 09 anos e 11

meses e atualmente está em Regime Aberto há 07 meses.

Vale ressaltar que todos os entrevistados acima tiveram grande interesse em

colaborar com a pesquisa. A despeito da limitação do tempo de conversa, em função

da abordagem no próprio local de trabalho, eles se mostram solícitos à pesquisa,

especialmente em razão do teor do assunto abordado. Pude perceber certa carência

dessas pessoas por momentos de escuta acerca de suas dificuldades cotidianas,

dos enfrentamentos diários, inclusive no que tange ao preconceito por sua condição

de apenados.

Um fato que muito me chamou atenção e que me despertou sensibilidade

merece ser aqui exposto. Durante todo esse processo que tive na realização da

pesquisa de campo, certa senhora que também trabalha na sede da SEJUS e

cumpre pena no Regime Semi-aberto e fazendo uso do monitoramento eletrônico,

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tornozeleira eletrônica (O sistema consiste da implantação no corpo do apenado de

uma tornozeleira ou bracelete com dispositivo eletrônico que possibilita o

monitoramento por satélite, por decisão judicial, os apenados deixam as unidades do

Sistema Prisional do Estado mediante a utilização de tornozeleiras eletrônicas) a

qual chamarei de Maria, me procurou e manifestou grande desejo em colaborar com

o meu trabalho, disse que também queria ser entrevistada.

Esta senhora tinha um semblante inquietante, de alguém que desejava

fortemente desabafar e contar sua história de vida tinha um olhar profundo e

tristonho e uma fala muito doce. Fiquei com a impressão de que muito além de

colaborar com minha pesquisa a Sra. Maria queria alguém que pudesse lhe ouvir,

lhe entender, escutar seu desabafo e compartilhar sua dor.

Infelizmente a Sra. Maria não pertencia ao perfil dos sujeitos da minha

pesquisa, uma vez que a mesma cumpre pena no regime semi- aberto e não no

aberto. Portanto, não fiz nenhum registro de sua fala. Mesmo assim me disponibilizei

em escuta - lá e ouvir sua história de vida.

A Sra. Maria responde ao artigo 33 da Lei 11.343/2006 (trafico de drogas), é

natural de Rio Branco-Acre, tem 36 anos de idade, trabalha atualmente na função de

serviços gerais, permaneceu reclusa 03 (três) anos e 06 (seis) meses, tendo como

pena total 06(seis)anos e 06(seis)meses,fazendo uso da tornozeleira eletrônica há

08(oito) meses.

Durante todo o percurso da entrevista, foram observados diversos fatores,

não somente relacionados à fala dos sujeitos da pesquisa, mas também as suas

reações, ao semblante expresso em cada olhar, as ações que muitas vezes

demonstravam inquietação e insegurança, a sensibilidade com a qual falava de suas

emoções e experiências, o desejo de um desabafo, talvez, o discurso de alguns que

muitas vezes soava aos meus ouvidos como um discurso pré-fabricado, em função

dos constrangimentos que o ambiente de trabalho impõe. Na medida do possível,

quero dizer, procurei atentar para o não-dito nas falas através da observação do

corpo, das entonações, das expressões faciais.

Antes de apresentar a fala dos sujeitos quanto ao trabalho, vale salientar e

colocar em evidencia também as suas falas referentes ao entendimento que os

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mesmo tem sobre o preconceito, este que é o principal fator de exclusão no âmbito

do mercado de trabalho. Será apresentado no item seguinte.

3.2. Percepções dos apenados sobre preconceito

Giddens (2005: p.208) nos lembra que os preconceitos estão freqüentemente,

embasados em estereótipos, em caracterizações fixas e inflexíveis, de um grupo de

pessoas, sendo, em geral, aplicados a grupos étnicos minoritários. O estereótipo do

ex-presidiário, nos casos estudados, confirma esta noção, gerando ideias pré-

concebidas acerca dos indivíduos que passaram por esta experiência, conforme

evidenciam as falas abaixo:

Por agente ser um egresso, tem gente que tem preconceito com a gente. E eu não falo pra todo mundo que eu sou egresso, só se alguém vier me perguntar. (Rosa)

Algumas pessoas, não todas, só porque a gente é ex-presidiária, passam pela gente e não dão nem um bom dia. E quando a gente dá um bom dia eles nem responde. (Vilma)

Nas palavras de Crochík (2006, p.16), “o agir sem reflexão, de forma

aparentemente imediata perante alguém, marca o preconceito, que sendo, a priori,

uma reação congelada, assemelha-se a reação de paralisia momentânea, que

temos frente a um perigo real ou imaginário.”

Minha convivência com presos em Regime Aberto, ao longo da experiência

de estágio, leva-me a pensar que, em grande maioria, estes costumam não revelar

para as demais pessoas a sua condição de apenados, justo para evitar maiores

constrangimentos ou problemas futuros, já prevendo o preconceito da sociedade em

geral. Na fala dos sujeitos entrevistados neste estudo, percebe-se, inclusive, certa

tristeza e medo por não serem tratados como pessoas de direitos, por serem

ignorados por boa parte da sociedade.

Pra muitas pessoas eu não falo que eu sou egressa, eu me preocupo em as pessoas acharem alguma coisa de mim, acho que vão querer se afastar de mim. (Vilma).

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É importante entender a dificuldade de mensurar o quanto o preconceito

abala o indivíduo, por isso escuta-se sempre uns dizerem que não escondem sua

condição de apenados para as demais pessoas, mas que também preferem não

falar – o que evidencia tanto uma estratégia de sobrevivência, quanto um indicativo

de certa resistência aos preconceitos relacionados a esta condição.

Se alguém me perguntar eu falo. Mas se ninguém me perguntar eu também não falo. Eu não escondo de ninguém, mas também não digo pra ninguém, só se alguém me perguntar. (Rosa)

Por outro lado, a pesquisa também mostra uma nova versão. Diante de toda

dificuldade enfrentada pelos apenados no sistema penitenciário, de suas vivências,

conflitos e lições, muitos afirmam que preferem falar sobre sua condição de

apenados para as demais pessoas, relatam que é importante as pessoas saberem

que esse acontecimento foi algo que passou na vida deles como algo marcante, foi

um processo de grandes perdas e de grandes dificuldades.

Nos terminais a gente sempre se esbarra e comenta. Eu não tenho vergonha de dizer que sou apenada, não. Pra mim isso foi uma coisa que já passou na minha vida, ficou pra trás, quero viver agora o que vem pela frente. (Daniela)

Não escondo não, seu não escondia nem o que eu era, lá no meu bairro todo mundo sabia que eu fiz essas besteiras, mas hoje em dia todo mundo tá vendo que eu tô mudado, as pessoas tão é me ajudando também. Eu aluguei uma casa ai, só o que a minha mãe me deu foi uma mesinha, ai eu já comprei o bujão, comprei o fogão eu pedi um colchão a um abençoado aí, ele me deu e tá ai, de pouquinho em pouquinho eu tô conseguindo as coisas. (Régis)

Alguns apenados entendem o significado da palavra preconceito como uma

falta de amor ao próximo e agregam isso à definições bíblicas. Eles afirmam que por

falta de amor ao próximo as pessoas passam a desconhecer o seu verdadeiro valor

e passam a desacreditar que uma mudança interior pode ser possível. Salomão, por

exemplo, afirma que: “preconceito pra mim é falta de amor próprio”. Ideia parecida

com aquela apresentada por Cleiton:

Tenho maior prazer de dizer que eu já passei por ali (presídio) e consegui sobreviver em um sistema desses. (Salomão, responde ao artigo33 e 157).

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Alguns apenados fazem questão de não esconder sua condição para mostrar

de fato a precarização dos presídios, tanto no que se refere às condições

estruturais, quanto do tratamento do qual vivenciaram ali. Eles parecem buscar

nesse processo, a superação do preconceito por meio da reconstrução da

identidade: de contraventores da lei a heróis, que venceram as adversidades da vida

prisional.

Preconceito pra mim é falta de amor, porque se você tem preconceito é por que você não ama o que tá escrito na palavra de Deus: ‘amai o teu próximo como a ti mesmo’. Então se eu tenho preconceito eu não amo.

Muitas pessoas passam a não mais confiar no apenado devido sua condição

de ter pertencido ao mundo do crime e devido também ao seu histórico prisional, as

reações dessas pessoas podem variar entre o medo e a desconfiança. Contudo, nas

falas dos entrevistados encontramos o entendimento de que isto se deve a uma

descrença na mudança pela qual uma pessoa pode passar após o cometimento de

um crime. Para eles, errar nem sempre significa permanecer errando.

O que eu entendo por preconceito são as pessoas que não tem a consciência de que errar é humano, mas o que você não pode é permanecer no erro, dá uma oportunidade né, pra uma pessoa que errou. (Régis)

Como eu, por exemplo, eu era uma pessoa muito errada, eu não tava nem ai se eu tivesse com uma arma na cintura e você olhasse pra mim torto, eu não tava nem vendo, eu puxava a arma e apertava mesmo. Não tava nem ai pra nada da vida mesmo, já escapei de morrer não sei quantas vezes. Hoje em dia não, hoje em dia graças a Deus eu não tô nem vendo pra arma não. Meus irmãos chegam com arma lá em casa eu olho assim, eu faço é sair de perto... Eu tenho medo de voltar praquele lugar. (Daniela)

Vem logo uma raiva, porque eu acho que errar é humano, permanecer no erro é senvergoisse. A gente só permanece se a gente quiser. (Daniela)

Fazendo uma nova menção a Giddens (2005, 208), ele fala que “quem é

preconceituoso em relação a um grupo específico se recusará a escutá-lo de

maneira injusta.”

Essa questão implica diretamente com a lógica de que as pessoas em geral

não dão crédito à capacidade do sistema prisional de contribuir para a

transformação dos sujeitos que cometeram crimes, não se trata apenas de uma

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questão referente ao preconceito, isso tem haver com a própria lógica punitiva do

nosso sistema, uma vez que os indivíduos são isolados no cárcere quase sempre

em condições muito precárias, vivenciam situações de completa violação de direitos

humanos.

“lá no IPF você vive no meio da sebosidade, se você vacilar, você pega doença. A ala “C”,por exemplo que é pra ser só pros semi- aberto, a agente ficava lá junto com um bocado de doidos, a mulher uma vez pegou uma pedra desse tamanho pra tacar na minha cabeça,ia me matando...ai eu mandei a mãe ir lá no fórum falar com defensor lá,ela falou com um negocio de direitos humanos,mas não deu em nada”(Daniela)

Quando indagados sobre se havia algum tipo de preconceito no ambiente em

que trabalham, apenas dois dos entrevistados relataram situações em que se

sentiram vitimizados do preconceito.

Só no começo, um chefe daqui, ele era aborrecido, antes ele pegava muito no pé, ficava gritando nos corredores: “é pra alimpar aquilo ali agora! Mas agora ele mudou. Agora ele deixa a gente à vontade. (Rosa)

Só tem uma aqui, ela não gosta de mim, ela é muito queixuda, ela só quer mandar lá no nosso local de apoio, (onde a gente fica) ela só quer ser chefe e ela é igual a mim, egressa. Ela fica falando se a gente derruba uma cinza de cigarro no chão, ora quem é fumante tenho que derrubar cinzas no chão, às vezes eu tô com o pé... E ela chuta meu pé... Só que eu sou tranquilidade. (Daniela)

Como é percebido, a partir do entendimento que essas apenadas tem

referente ao preconceito apenas duas entrevistadas disseram sofrer algum tipo de

preconceito no trabalho. Vale aqui fazer uma reflexão, foi possível durante o

percurso da entrevista, perceber uma inquietação por parte de alguns sujeitos

quanto a essa indagação, talvez levantar essa questão tenha as inibido, uma vez

que as respostas podem ter relação com o fato de que elas trabalham na Sede da

Secretaria Justiça e Cidadania, bem como as entrevistas terem sido realizadas no

ambiente de trabalho pode ter condicionado a fala dessas pessoas nessa questão.

Isso remete a outro questionamento que muito tem validade. Será que não

sofreriam mais preconceito se trabalhassem ao lado de pessoas que não lidam

diretamente com questões relativas à justiça e cidadania?

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Crochik (2006, p.26) fala que o estereotipo do criminoso como um indivíduo

de alta periculosidade, intratável, mau caráter, auxilia na caracterização que o

indivíduo ‘saudável’ deve ter, e contribuir para saber como agir quando se defrontar

com aquele, ao mesmo tempo em que impede sua identificação com ele. Quanto

mais distintos julgarmos que somos dele, mais protegidos nos sentiremos dos

impulsos hostis que nos pertencem.

No trabalho sofri preconceito, tipo assim eu sempre sou apresentado: esse aqui é o Salomão, artista plástico, quando fala que sou artista o pessoal quer me conhecer... Mas quando fala que sou egresso... Ah é egresso! Muda o semblante da pessoa. É como se caísse uma máscara assim na hora. (Salomão)

A marca que um preso carrega pelo ato criminoso que cometera e o

estereótipo que lhe é impresso pela sociedade interferem diretamente nas relações

de trabalho e na auto-estima do apenado diante da sua atividade laboral. O

preconceito na fala desse sujeito aparece como um não incentivo a sua arte e a sua

criação como artista plástico, ao passo que se reconhece o seu trabalho, mas se

ignora o criador deste pelo fato de ser um egresso.

3.3. Relações e convívio familiar

Há de se expor a grande mudança no seio familiar de um preso quando o

mesmo ingressa na prisão, os vínculos familiares vão se estreitando à medida que

se perde um contato afetivo que antes era mantido naturalmente fora do sistema

penitenciário. A prisão de um membro da família afeta psicologicamente todos que

ficaram do lado de fora, e, portanto vemos, muitas vezes, o abandono familiar para

com seus entes encarcerados.

Tive apoio do meu irmão e da minha irmã, mas quando eu tava lá nenhum me apoiou não, porque nenhum nunca foi lá. Só quando eu sai, eles me deram roupa, me deram....me ajudaram né, porque eu não tinha roupa,não tinha nada.”(Rosa)

Eu não tenho família, minha família pra mim só é minha mãe, minha companheira e minha irmã, os outros, nenhum deles nas horas que a gente ta mais precisando ajuda. (Daniela)

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Muitos, ao perder o vínculo familiar, ou contato com seus familiares, sentindo-

se abandonados e rejeitados, acabam criando fortes laços de amizade dentro do

sistema prisional, começa a imperar a solidariedade e a ajuda mútua entre os

detentos, tanto dentro como fora da prisão. Dentro do sistema prisional onde

prevalece o sentimento de solidão, muitas vezes de revolta, o encarcerado encontra

e reconhece no outro que ali está ao seu lado, um ombro amigo,uma pessoa que

está enfrentando problemas semelhantes ao seu, que vive um momento de privação

de liberdade igual, compartilham as mesmas angustias e experiências. Esse

momento de encarceramento jamais é esquecido pelo preso tão quanto os laços que

são fixados ali.

Quem me visitava era essa minha amiga que hoje eu moro com ela, quando ela saiu do presídio,ela que ficou me ajudando, mas a minha família nunca ninguém foi lá não. “Fiquei dois anos e 07 meses” (Rosa)

Passei por três presídios no IPPS, na CPPL-II e no de Pacatuba, durante esse período que eu fui preso, conheci muitas amizades e conheci gente muito importante que é considerado estervo pra sociedade e que eu vi que são pessoas especiais, que ali existem pessoas de amor imenso, que se preocupa com o irmão que vem chegando, foi ali que eu aprendi a humildade e me igualar com qualquer tipo de pessoa. (Salomão)

A saída do regime fechado, tão almejada, trás consigo problemas que o

apenado muitas vezes não espera encontrar. Muitos saem do presídio e não tem

ninguém para lhes receber do lado de fora. Falta o dinheiro da passagem para ir

embora e quando chegam a suas residências muitos se deparam com uma

realidade jamais esperada por alguém que passou anos sem um contato familiar,

sem ver o mundo.

Quando eu saí do presídio minha mãe começou a chorar, disse que ia comprar cerveja e tal.. Ai eu disse: não! Espere eu chegar. Só que quando eu cheguei lá ela já tava morta de bêbada. Eu disse: é assim que a senhora me espera?.Eu com um ano e meio naquele lugar e quando eu chegar em casa encontrar minha mãe desse jeito. A casa cara parecia que tinha passado um... Num tem aquele lixão na novela do tufão acho que a minha casa ainda ganhava. A casa tava uma imundice... Eu cheguei quase de noite em casa, porque eu fui a pé da Itaitinga até as quebradas, pra poder arrumar uma carona e ir pra casa. (Daniela)

(...) Eu saí do IPF a pé, não me deram foi nada... Me deram só meu alvará e sai de cabeçada na pista,no meio do mundo ai, eu sai quatro horas da tarde e cheguei umas 8 horas da noite. Peguei uma carona com um rapaz de um

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caminhão, ele se enxeriu pra mim, eu dei um murro no nariz dele e saí, pulei a janela. (Daniela)

O desespero só aumenta quando apesar do desejo de estar fora dos muros e

grades, eles acabam por esbarrar com outras dificuldades como a moradia e

manutenção da família.

Na casa da minha mãe não tem um quilo de arroz pra comer e tem quatro crianças lá dentro, se eles (os familiares) fossem outro, eles diziam: a Daniela ta trabalhando, ta se esforçando, mudou mesmo, então vou fazer isso, vou dar ao menos 10 reais pra comprar alguma coisa pros pivetes. (Daniela)

O desafio de superar todas essas dificuldades torna-se ainda mais difícil sem

o apoio familiar, quando a família já está separada por diversos motivos. Quando

não se há mais uma comunicação efetiva que busque uma maior aproximação de

seus membros.

Tenho 10 irmãos, eram 12, estão todos espalhados ai pelo meio do mundo, só tenho contato com o Welington e a Vitória... Nenhum deles me ajuda, não. Só quem me ajudava era a finada minha irmã, por isso que hoje em dia eu faço isso, eu retribuo pros filhos dela. Ela foi a única pessoa que me apoiou, praticamente ela é minha mãe, ela quem me criou, desde os seis anos de idade que eu fui morar com ela e fiquei até os 18 anos.Também troco uns assuntos com minha outra irmã, que é lésbica que nem eu, a gente se entende bem, mas temos as nossas discussões. (Daniela)

Em outros relatos de convívio familiar há questões distintas das citadas

anteriormente, pois alguns sujeitos afirmam o apoio e atenção dos familiares no

momento em que mais precisaram, ou seja, no tempo em que passaram no cárcere.

Sempre tive apoio da minha família, quando eu tava preso minha família me visitava de 15 em 15 dias. (Régis)

Meu relacionamento hoje com a minha família tá legal, hoje tá melhor. Sempre tive apoio, nunca desistiram de mim. (Salomão)

As visitas realizadas por um membro da família ao preso é, geralmente, um

momento de extrema importância para aquele que está privado de sua liberdade; é o

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momento em que podem ver seus entes queridos, ter notícias do mundo externo,

fato este que provoca a ilusão de estarem mais próximos ao mundo “lá fora”.

Na compreensão de alguns apenados, a religião dentro do sistema prisional

tem uma forte influência na mudança interior. É através da prática religiosa e da

busca pela fé que o preso atribuiria nova visão ao mundo e se transformaria em

novo ‘’ser’’. Muitas vezes, eles dizem a família custa acreditar nessa mudança,

nessa nova postura e, portanto, cabe ao preso tentar recuperar os vínculos

enfraquecidos com o tempo da prisionização.

Meu relacionamento com minha família é excelente,sempre me apoiaram,viram realmente a mudança que Deus fez na minha vida, hoje eu sou evangélico..por que até então minha família não me tinha como uma pessoa que fosse capaz de fazer o que eu fiz né, lesionar uma pessoa. E depois realmente descobriram... Alguns realmente ficaram abalados, mas depois entenderam que foi um momento de fraqueza, então eu não tive rejeição. (Cleiton)

Para o apenado o momento ao sair do cárcere é de extrema importância, é

um momento de libertação, de vida nova, de um retorno a sociedade, um momento

almejado para quem passou tanto tempo recluso, longe da família, amigos, filhos,

esposas (os) e faz necessário e essencial o apoio destes em todos os momentos

tanto dentro como fora das “‘grades”, principalmente quanto aos grandes desafios

que o encontram do lado de fora, como estes apontados aqui neste tópico.

3.4. Percepções sobre trabalho e reintegração social

Cabe aqui ressaltar que durante o tempo em que tive de estágio, bem como a

dinâmica ofertada pela pesquisa de campo, pude observar os relatos pertinentes a

questões envolvendo o trabalho, relatos estes que despertaram meu interesse em

estudar essa temática. A falta de uma atividade remunerada e a dificuldade em

ingressar no mercado de trabalho, percebo, é uma das maiores preocupações dos

egressos logo que saem da prisão.

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Há de expor aqui, antes de chegar ao eixo central das entrevistas, o

sentimento inquietante que esses apenados expressaram logo que saíram dos

presídios; é pertinente conhecermos a sensação de como é voltar ao convívio social,

de como são as reações e os sentimentos manifestos por aqueles que passaram

anos privados de liberdade.

Retomando o que foi dito no capitulo II, a prisionização produz efeitos

drásticos para a personalidade do encarcerado, pois o leva a perder sua auto-

imagem, a sua identidade e autoestima. Pois, concordando com o jurista Baratta

(1990), a melhor prisão é aquela que não existe e o cárcere será tanto melhor

quanto menos cárcere for.

As falas a seguir demonstram um pouco desses sentimentos e inquietações

que o retorno ao convívio social mais amplo provoca:

Senti medo, por que eu olhava pra trás e a gente se sente desorientado. Olha pro lado, olha pro outro, vê aquele monte de carros, muito tempo sem ver. É uma coisa louca. Todo mundo olhando pra você, vendo você saindo daquele lugar. Olham pra gente com aquele olhar meio torto, e ai cutuca o outro. (Daniela)

Quando eu saí da prisão eu senti uma baixa estima, porque eu sabia que a sociedade ia me abraçar de outra maneira e eu tinha certeza que essa era a realidade mais pura. (Salomão)

A minha maior dificuldade ao sair da prisão foi de rever meus filhos, por que até então eles não sabiam que eu tava preso, a mãe deles vivia mentindo, dizia que eu tava viajando e não falava nunca a verdade. Então eu tive que rever eles, reconquistar eles, poder passar confiança pra eles tudo de novo. (Salomão)

O coração e a mente abrigam o medo e a insegurança e os apenados se

sentem um tanto quanto perdidos, sem saber direito o que fazer, parecem não

acreditar que a tão almejada liberdade finalmente chegou para eles.

Assim, quando eu saí do presídio eu não estava nem acreditando, porque eu passei muito tempo preso, eu nunca tinha passado por uma fase dessa e quando eu sai, eu fiquei assim, né... Só Jesus! Olhando pro um lado e pro outro e não tava acreditando que eu tava na liberdade e agora tô valorizando mais a minha liberdade, eu não tô mais me envolvendo com nada errado, porque se eu quebrar o regime é tome cadeia fechada e eu não quero mais isso na minha vida não. Tô sossegado, tô trabalhando, tô pagando um aluguelzim, tô em casa, tenho minha esposa e tô sossegado né. (Régis)

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Como se eu tivesse nascido da minha mãe de novo. Porque esses três anos e nove meses que eu passei longe dos meus filhos, ai quando eu ganhei a liberdade eu sabia que ali eu tava nascendo de novo. Pra voltar a ser uma mãe mais dedicada pros meus filhos, por que esses três anos que eu passei afastada deles, eu não queria que eles me vissem eu lá dentro,por que as duas vezes que eles foram lá, eles entraram chorando e saíram chorando e eu não agüentei e pedi pra não levarem mais eles...Aquilo me doía muito. Eu recebi visita deles só umas duas vezes, dia das crianças e natal, aí pronto eu não quis mais ver eles. (Vilma)

No presídio feminino e masculino há infraestrutura para receber crianças,

assim sendo permitida a visita dos filhos dos detentos com a devida autorização dos

pais e da direção do presídio.

O fato é que o sentimento se traduz em alívio e felicidade, pois é no momento

da saída do presídio que parece se iniciar uma nova vida e o desejo, de um modo

geral, é não querer estar mais na prisão. A fala de Rosa expressa isso: “fiquei muito

feliz quando eu saí daquelas grades. Ai eu pensei: nunca mais eu volto pra ali, é tão

bom a liberdade”.

A vontade de retornar é unanimidade entre os apenados entrevistados. A

busca pela manutenção da vida livre, longe da prisão, passa, no caso dos sujeitos

entrevistados para este estudo, pela conquista de um trabalho.

O interesse maior que tive ao realizar essa pesquisa foi tentar buscar

compreender, então, a significação do trabalho (na visão dos apenados) no

processo de reintegração social. Para isso, faz-se necessário fazer uma análise

sobre as dificuldades que permearam esse caminho árduo e pedregoso. Durante

todas as entrevistas foi percebido o grande desejo por parte dos apenados em

relatar tais dificuldades. Verbalizavam que a ‘ marca’ que carregam pelo fato de

responderem por um ato criminoso na justiça impossibilita em grande parte na busca

por um trabalho mais digno. Mencionam e deixam transparecer em suas falas a

desconfiança, o medo e a insegurança das pessoas no tocante a uma oportunidade

de trabalho.

Minha maior dificuldade foi em arranjar um trabalho, porque eu era um ex- presidiária e eu era conhecida e tinha muita gente que tinha preconceito comigo. Eu achava que eu nunca iria conseguir um trabalho pra eu trabalhar e ser bem tratada. (Rosa)

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Acho que quando a gente sai do presídio, tem dificuldade sim. A maioria das pessoas olha pra gente com um olhar diferente, com preconceito (Vilma)

Mencionando Crochíck (2006:20), para ele, não vemos a pessoa que é objeto

do preconceito a partir dos diversos predicados que possui, mas reduzimos esses

diversos predicados ao nome que não permite a nomeação, judeu, negro, louco e

etc. Embora algumas dessas dicotomias tenham alternativas, o que se quer dar

ênfase é que, independentemente das inúmeras características que a pessoa vítima

do preconceito possua a que passa a caracterizá-la é o termo que designa o

preconceito, como expressa a fala a seguir:

A coisa mais difícil quando eu saí da prisão foi pra conseguir um trabalho. Antes de eu vir aqui na SEJUS eu fui atrás de trabalho em três cantos e quando pedia a minha folha corrida eu, eu falava logo a verdade: eu sou ex- presidiário e não vou mentir. Se puxar meu nome no computador, vai acusar né, aí eu to logo dizendo. Mas eles não aceitavam aí eu tava achando difícil né, trabalhar. (Régis)

Os apenados tendem a enaltecer o trabalho e em suas falas revelam a

significação que tem para suas vidas e para o retorno a sociedade. Retomando

Iamamoto (1998:60), já citada anteriormente, a autora fala que é por meio do

trabalho que o homem se afirma como um ser que dá respostas prático-conscientes

aos seus carecimentos, as suas necessidades. É pelo trabalho que as necessidades

humanas são satisfeitas, ao mesmo tempo em que o trabalho cria outras

necessidades. A este respeito, disseram-me alguns entrevistados:

Eu compro as minhas coisas, eu almoço, merendo, compro as minhas coisas através do meu trabalho, do meu suor. Se eu não trabalhasse eu não comprava. Eu acho importante o meu trabalho, porque eu compro o que eu gosto. E eu ajudo também os meus filhos, eles moram lá, (moram com o pai) mas eu os ajudo também, dou pouco, mas eu dou. (Rosa).

É com o meu trabalho que eu tô pagando aluguel 150,00 R$, não pago água e nem luz, graças a Deus foi uma porta que Deus abriu pra mim e tô sossegado, né? (Regis).

O trabalho tem a importância de eu ganhar mais, e ajudar a sustentar meus filhos, pois todos moram comigo. (Vilma).

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Na fala a seguir, o trabalho tem a importância também na realização de um

sonho, é visto como algo que antes era impossível de se imaginar devido ao

contexto histórico vivenciado por esse sujeito.

Muito, muito importante, o meu sonho era trabalhar um dia, por que desde pequena eu só cacei latinha e roubei e nunca tinha arrumado um emprego assim não, hoje em dia eu me sinto uma pessoa realizada, porque eu tô conseguindo meus objetivos, tô lutando, lutando e tenho fé em Deus que tudo vai fluir mais. (Daniela)

Fazendo uma retomada ao pensamento anteriormente citado no capitulo II,

por Castel (1998), que a falta de acesso ao trabalho, existe uma categorização dos

homens como integrados ou marginalizados, para ele devem ser analisados os

processos históricos que desencadeiam essas situações.

Sem trabalho é impossível a pessoa se reintegrar, por que a pessoa só consegue se reintegrar trabalhando, por que você paga suas contas, você sustenta sua família, você vai pagar seus impostos e através disso vai se reintegrando automaticamente. (Salomão)

É muito importante, ajuda na ressocialização, pra pessoa que foi pro sistema, que acha que não tem oportunidade e o trabalho ajuda muito né? Realmente se a pessoa quer uma mudança, o trabalho é o primeiro passo. Tem que buscar pra poder voltar pra sociedade. (Cleiton)

A importância que esse trabalho tem pra mim é muita, tá entendendo. Porque sem ele eu tava sem fazer nada, como diz o ditado popular eu tava abestaiadozim no meio do mundo... e eu não quero mais tá sem fazer nada não, até em casa mesmo dia de sábado eu fico doido que chegue logo a segunda pra começar a trabalhar, me sinto bem no meu trabalho. (Régis)

Retomando Rosanvallon (1998:137), o autor discorre sobre o direito ao

trabalho, destacando os direitos sociais e apresenta como alternativa a construção

de uma cidadania ativa, que garanta direito ao trabalho e implique em contrapartidas

dadas pelos indivíduos de acordo com as suas capacidades. Quanto à questão da

inserção social, o autor defende a idéia de que o trabalho deve consistir em um

espaço de reintegração social.

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Na fala dos entrevistados anteriores podemos identificar que todos citam a

importância que tem o trabalho no processo de reintegração a sociedade, são

identificados alguns pontos importantes para reflexão.

Concernentes a importância material que o fruto do trabalho implica em suas

vidas, como por exemplo, citado por Salomão, onde o mesmo diz que a pessoa

inserida no mercado de trabalho paga suas contas, sustenta a família e com isso é

visto como um cidadão, e que é a partir do trabalho que se possibilita o seu retorno à

sociedade mais ampla é facilitada ou é tornada menos dura.

Assim, também como é discutida na segunda fala a importância do trabalho,

em outra visão: como o salto para uma mudança de vida a partir da concepção de

que o trabalho é o primeiro passo para se inserir novamente a sociedade,

principalmente para aqueles que saíram do cárcere. E outro ponto a ser discutido é

a questão da ocupação que o trabalho trás para a mente do indivíduo, partindo de

uma visão de que ao se estar exercendo uma atividade laboral o indivíduo ocupa a

mente e passa a não mais ficar ocioso – ociosidade que conduziria a posturas

ilegais ou criminosas.

Durante a entrevista foram indagados aos sujeitos sobre o apoio referente à

Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso (CISPE) e o Núcleo da

Casa do Albergado (NUALB) nesse processo de reintegração a sociedade a partir

do trabalho.

Percebi, diante dos relatos, que os sujeitos enaltecem o trabalho dos

profissionais e relatam a importância que os serviços dessas instituições têm

contribuído no processo de reintegração a sociedade.

O Tratamento que eles têm pela gente, o carinho, elas recebe a gente bem. Quando a gente precisa de um apoio, uma ajuda deles, eles sempre estão ali. Se precisar de um vale transporte, se precisar de uma palavra de conforto, elas ajudam.Eles explicam,eles dão conselho...ai tudo isso que eles fazem pela gente,a gente reconhece.(Rosa)

A CISPE eles apóiam a gente, inclusive eles dão muito conselho, eles fazem reunião com a gente, pede pra gente não faltar, porque isso é muito importante. Eu gosto muito deles. Eles daqui são as únicas pessoas que não tem preconceito com ex-presidiário, por que onde a gente passa, quando a gente se bate com alguma pessoa e diz: olha ai fulano e aí tal saiu quando do IPF? (Presídio Feminino) a pessoa que to lado já pega a bolsa e já segura. (Daniela)

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Todo mundo aqui gosta de mim, eu sou muito simpática, aonde eu chego eu converso, eu gosto de fazer amizades, gosto muito de brincar e todo mundo aqui, Graças a Deus, nunca reclamaram não. (Daniela)

Entendo que tais discursos podem ter um teor de condicionamento, de pré-

fabricação, uma vez que estão se reportando a falar da própria instituição que estão

prestando serviços e no próprio ambiente de trabalho. Mas também não se pode

deixar de considerar a assistência evidente que tanto a CISPE quanto o NUALB

oferece aos apenados assistidos, trabalho que é reconhecido por muitos deles.

Vilma, por exemplo, reforça o apoio dessas instituições: “quando a gente precisa de

alguma coisa, de resolver algum problema da gente, eles resolvem”.

Contudo, alguns, um tanto que inibidos e com certo receio de falar claramente

sobre o apoio referente da instituição, relatam:

Na realidade existe um apoio. Mas falta um pouco mais de empenho, por que uns faz muito e outros... É aquela coisa né? Fazem nada. (Salomão)

Percebo o apoio da instituição só de algumas pessoas, percebo pelo modo de tratar, pela importância que eles dão, valorização do trabalho. Eu já fiz alguns trabalhos no teatro José de Alencar, fiz aqui também na própria secretaria. (Cleiton)

Portanto, a pesquisa revela também o desconforto que esses apenados

sentem ao entrar em detalhes sobre esse assunto, não deixando claro o apoio

máximo da instituição no processo de reintegração social, fato este percebido na

ausência de clareza em suas falas, em muitos momentos.

Os sujeitos, da pesquisa a seguir relatam e divergem em suas falas sobre a

questão do trabalho como fator de reintegração social. Afinal, na concepção dos

entrevistados, o trabalho os reintegra a sociedade? E por quê? Rosa nos dá a

seguinte resposta:

Sim. Porque o trabalho que eu faço, as pessoas gostam do meu serviço. Quando eu não tô trabalhando eu me sinto afastada da sociedade, quando eu tô trabalhando eu me sinto feliz. Quando eu tô trabalhando eu me sinto bem, porque ai todo mundo olha pra mim e diz: aquela mulher ali é tão trabalhadeira, ela se esforça, ela era uma pessoa e hoje em dia ela mudou. Aí eu sempre quero mostrar o meu caráter pra tudim, pra todo mundo, que viu a minha derrota.

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Aqui a apenada entende que o trabalho a reintegra sim a sociedade, e nesse

caso o trabalho aparece como uma virtude, quando a mesma se reporta ao trabalho

como um predicado ou uma qualidade, ao dizer que “aquela mulher ali é tão

trabalhadeira,” uma afirmação que, de acordo com a mesma, as pessoas fazem ao

vê-la exercendo uma atividade laboral e por causa disso lhe é impresso o atributo de

alguém responsável, mais íntegra. A narrativa a seguir, de Daniela, também reforça

essas ideias:

Hoje em dia eu sou vista como uma cidadã, antigamente eu era vista como uma vagabunda, onde a gente passava as pessoas diziam: olhai a fumadora de pedra. Todo mundo comentava. Hoje em dia não, como eu trabalho o pessoal já conversa mais direitinho comigo.

O pessoal antes só olhava pra mim torto, porque antes se desse bobeira eu levava mesmo. Hoje em dia não, eu entro na casas das pessoas, vejo dinheiro, vejo tudo e não sinto vontade de meter a mão. Quando eu entrei aqui [na SEJUS] disseram assim: ó, Daniela, você vai trabalhar e fica celular, ficam as coisas nas mesas... E eu disse: minha senhora não se preocupe não, que local de trabalho é de trabalho. As meninas as vezes deixa celular, deixa moeda, dinheiro, e eu limpo, levanto os celulares as moedas, limpo e lá ficam.

O trabalho é importante, e o mais importante no trabalho é a confiança e elas têm confiança na gente, apesar da gente ser ex-presidiária, mas elas confiam na gente, isso influi muito, apóia muito a gente.. A gente sente como se nunca tivesse ido praquele lugar, e sente como se sempre tivesse trabalhado aqui.

Retomando Baratta9 a reintegração social (do condenado) significa, antes da

modificação do seu mundo de isolamento, a transformação da sociedade que

necessita reassumir sua parte de responsabilidade dos problemas e conflitos em

que se encontra “segregada” na prisão. O autor afirma que grande parte da massa

de presos é oriunda de uma camada social já marginalizado pela sociedade, por

causa dos mecanismos de mercado que regulam o mundo do trabalho. A

reintegração do sentenciado significa, antes de tudo, corrigir as condições de

exclusão social desses setores para conduzi-los a uma vida pós-prisão e que não

signifique como quase sempre é visto um retorno a prisão, ou seja, o reingresso à

reincidência criminal e assim à volta a prisão. Salomão, um dos entrevistados neste

9Ressocialização ou controle Social- Juarez Tavares. Com. Disponível em:

www.juareztavares.com/textos/baratta_ressocializacao.pdf. Acesso em 16/04/2013.

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estudo, parece reafirmar essa questão em sua fala, na medida em que aponta o

trabalho como forma de inclusão:

Sem trabalho é impossível a pessoa se reintegrar, porque a pessoa só consegue se reintegrar trabalhando, porque você paga suas contas, você sustenta sua família, você vai pagar seus impostos e através disso vai se reintegrando automaticamente.

O entrevistado entende a reintegração social a partir do trabalho partindo do

ponto da emancipação que o mesmo tem de si mesmo, ao passo que se refere em

pagar suas próprias contas, sustentar a família e pagar impostos.

“o sistema como um todo ele não ressocializa a pessoa, por mais que tenha o trabalho né, que contribui né, com certeza contribui, mas ele não vai transformar realmente o caráter da pessoa, o ser da pessoa” (Cleiton)

Na fala desse apenado o mesmo estabelece uma crítica ao sistema, e esse

sistema também envolve diretamente os sujeitos contidos no processo de

reintegração social, família, amigos, sociedade, Estado. Assim, relata da

contribuição do trabalho nesse processo ao passo que afirma que não só o trabalho

basta. Outros estão envolvidos e faz-se necessário um diálogo mais aberto desses

agentes com aqueles que estão e que passaram pelo cárcere.

Novamente citando Baratta,ele ressalta a necessidade da opção pela

abertura da prisão à sociedade e, reciprocamente, da sociedade à prisão. Um dos

elementos mais negativos das instituições carcerárias, de fato, é o isolamento do

microcosmo prisional do macrocosmosocial, simbolizado pelos muros e grades. Até

que não sejam derrubados, pelo menos simbolicamente, as chances de

“ressocialização” do sentenciado continuarão diminutas. Não se podem segregar

pessoas e, ao mesmo tempo, pretender a sua reintegração.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que já foi exposto, podemos concluir que o trabalho aparece na fala

dos entrevistados como um importante potencializador no que se refere ao seu

retorno ao convívio social mais amplo. Nesse processo de reintegração, é a busca

por uma oportunidade de trabalho uma das coisas que mais inquieta os indivíduos.

Isto porque eles parecem entender esta conquista e esta condição – de trabalhador

– como algo capaz de cativar o respeito e a confiança das outras pessoas, isto é,

capaz de reverter o estigma do ex-presidiário. Quando as portas lhe são fechadas

para o reinicio de uma vida profissional, marcadamente por questões relacionadas

ao preconceito (embora não só), a esperança de uma vida nova e longe do crime

parece ser abalada.

É preciso lembrar que o trabalho prisional está previsto na Lei de Execução

Penal, garantindo ao detento uma remuneração mínima de ¾ do salário mínimo

vigente no país, a redução da pena e um depósito em caderneta de poupança

individual retirado de parte do salário. O trabalho prisional nos dias de hoje passou a

representar uma possibilidade para a reintegração do preso a sociedade no

momento em que ele reconquista a liberdade. Há muitos anos tem se considerado

que somente a partir da ocupação profissional do interno se conseguirá sua

reintegração social, de modo que a legislação Penal Brasileira vigente reconhece a

remição de pena a partir do trabalho e do estudo.

De acordo com o artigo 126 da Lei 7.210/84, “o condenado que cumpre a

pena em regime fechado ou semi- aberto, poderá remir pelo trabalho ou por estudo,

parte do tempo de execução da pena”. A contagem do tempo para fim desse artigo

será feita à razão de um dia de pena para três dias de trabalho, um dia de pena a

cada doze horas de freqüência escolar-atividade de ensino fundamental, médio,

inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional,

divididas, no mínimo em três dias. Compreendido como dever social e condição de

dignidade humana, o trabalho, segundo a LEP Art.31, terá a finalidade educativa e

produtiva.

O trabalho surge, nessa perspectiva, como uma grande porta de entrada para

aqueles que buscam uma mudança de vida fora das prisões. O trabalho surge como

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o divisor de águas, de modo que o apenado em exercício de uma atividade laboral

se sente pertencente e reinserido novamente ao meio social, mais feliz e seguro

pela nova oportunidade, pelo recomeço, pela confiança depositada. A sensação de

utilidade social, de ocupar uma função, tantas vezes citada pelos entrevistados,

expressa a dimensão positiva do trabalho na vida dessas pessoas. É no trabalho

que o apenado encontra os meios para sua sobrevivência, para pagar suas contas,

ter um teto para morar, comprar alimentos, e muitas vezes ajudar à família.

Pode ser mencionado também, conforme a pesquisa, que atividades de

trabalho permitem que os indivíduos que saíram do cárcere não fiquem “ociosos”. O

“ócio”, na maioria das falas, é considerado como algo pernicioso aos indivíduos, pois

estes têm tempo para pensar em coisas negativas, e assim é potencializada volta ao

crime.

A pesquisa também mostra a questão do preconceito, fortemente vivenciados

pelos apenados, evidenciando uma sociedade que ainda não absorve ou assimila

bem as diferenças, construindo e reproduzindo estereótipos com facilidade. Tal

preconceito aparece nas falas como obstáculo à conquista do trabalho e, muitas

vezes, é cultivado também dentro do próprio ambiente familiar do apenado, o que se

percebe no abandono dos entes familiares quando da sua condenação e

aprisionamento.

É evidente, a partir dos discursos analisados neste estudo, a importância do

trabalho nos processos de reintegração social dos apenados – tanto por parte

destes, quanto das instituições que os assistem como a SEJUS e o NUAL. Contudo,

a dificuldade para conseguir oportunidade de trabalho e os desafios de se manter no

emprego são desafios imensos que essas pessoas enfrentam em seu cotidiano – e

que constituem desafios também para as políticas públicas voltadas para essa

questão.

De todo modo, é preciso considerar, acredito o esforço da Coordenadoria de

Inclusão Social do Preso e do Egresso. Suas ações, e projetos tem contribuído

inclusive na perspectiva dos entrevistados, para um retorno ao convívio social

menos duro, através da potencialização de suas aptidões, bem como da promoção

da cidadania.

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Antes de pensarmos o retorno dos presos à sociedade, faz-se necessário que

possamos refletir sobre a função social da prisão. Seu verdadeiro objetivo social

precisa ser discutido, não podemos ter meramente a posição de que as prisões são

verdadeiros depósitos de seres humanos que não merecem estar em convívio com a

sociedade.

Considero fundamental que a sociedade dialogue com o sistema prisional;

que sejamos capazes de perceber os apenados não como realidade distante da

nossa, mas como proximidade que nos afeta e que nós afetamos. Precisamos

lembrar, penso que convém atentar para o contexto de vida dos presidiários, que

antes mesmo de cometerem o primeiro crime já se encontravam, não raras vezes, à

margem da sociedade.

Não há qualquer interesse, aqui, de retirar o caráter condenatório da pena.

Ela é um mal necessário, é possível dizer. Mas o Estado, ao fazer valer o seu ius

puniendi (direito de punir do Estado), deve preservar as condições mínimas da

dignidade humana. O erro/delito que foi praticado por uma pessoa não permite que o

Estado cometa outros erros mais graves no tratamento desses indivíduos. Se uma

das funções da pena é a reintegração, certamente em um regime desumano isso

nunca poderá acontecer.

Compreendo que é também dever do Estado oferecer as condições

necessárias para que os apenados, não só ao longo de sua pena, mas também

após o cumprimento dela, tenham acesso aos meios necessários para conviver

dignamente em sociedade. Quero dizer, para além do trabalho, que se mostra aqui

de considerável relevância nesse processo, é preciso também garantir educação,

saúde, lazer e todo tipo de apoio psicossocial a estas pessoas, dados os

enfrentamentos que a esperam, no seio da família e também nas outras dimensões

da vida, no mundo além das grades dos presídios.

É possível também concluir a existência dos grandes problemas ainda

enfrentados no que tange ao preconceito dentro do ambiente de trabalho, esses que

são geradores de grandes conflitos que precisam ser superados pela sociedade.

Diante disso outros elementos são essencialmente importantes nesse processo,

como a família, amigos, educação e acesso à saúde.

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SEJUS- Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará. Projeto Construção

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Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso. 2012

SOUZA, Maria Elena Viana – UNIRIO. CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOS

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THOMPSON, Augusto. A questão da Penitenciária. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense,

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em: suciologicus.blogspot.com/.../manicomios-prisoes-e-conventos-erving.ht.

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APÊNDICE

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Roteiro de Entrevista

ENTREVISTA COM APENADOS EM REGIME ABERTO

Data da Entrevista ---------------------------------------

Identificação

1. Nome:

2. Idade:

3. Sexo: M( ) F( )

4. Naturalidade:

5. Estado Civil: ( )solteiro; ( )Casado; ( )Regime de União estável

( )viúvo ( )separado

6. Escolaridade:

7. Profissão:

8. Tem filhos? ( ) sim ( )Não

9. Quantos?

Dados Processuais

1.Qual delito você cometeu?

2.Qual foi o tempo de sua pena?

3.Quanto tempo você permaneceu recluso (a)?

4.Há quanto você está no Regime Aberto?

Trabalho

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1. Que sentimento você teve ao sair da prisão?

2. Qual foi sua maior dificuldade ao sair da prisão?

3. Teve/tem alguma dificuldade para conseguir um trabalho?

4. Em qual setor da SEJUS você está trabalhando?

5. Como você conseguiu esse emprego?

6. Qual o significado/importância do trabalho para você?

7. Como você percebe o apoio da Instituição com os apenados?

8. Você acha que o trabalho o reintegra a sociedade? Por quê?

Preconceito

1. O que você entende por preconceito?

2. Você sofreu algum preconceito pelo fato de ser egresso?

Sim( ) Não ( )

3. Se sim, como foi?

4. De que forma você sofre preconceito(a)?

5. Você esconde das outras pessoas sua condição de apenado?

6. Você sofre preconceito por algum colega de trabalho?

7. Como é o seu relacionamento com os membros de sua família?

8. Teve apoio da sua família quanto retornou a sociedade?

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ANEXOS

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ANEXO A – Portaria Casa do Albergado

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ANEXO B – Decreto/Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso.

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ANEXO C – Termo de Consentimento

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Declaro, por meio deste Termo, que concordei em ser entrevistado (a) e/ou participar

na pesquisa de campo referente à pesquisa intitulada: O trabalho no processo de

reintegração social dos presos em regime aberto na cidade de Fortaleza CE,

desenvolvida pela estudante de Serviço Social, da Faculdade Cearense, Itamara

Firmino e Silva. Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem

receber qualquer incentivo financeiro ou ter qualquer ônus e com a finalidade

exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui informado (a) do objetivo

geral, estritamente acadêmico, do estudo que, em linhas gerais, fala sobre o

trabalho no processo de reintegração social. Fui também esclarecido (a) de que

os usos das informações por mim oferecidas estão submetidos às normas éticas

destinadas à pesquisa e que minha colaboração se fará de forma anônima, por meio

de entrevista, a ser gravada a partir da assinatura desta autorização. O acesso e a

análise dos dados coletados se farão apenas pelo (a) pesquisador (a) e/ou seu (sua)

orientador (a). Fui ainda informado (a) de que posso me retirar desse estudo a

qualquer momento, sem prejuízo nenhum a minha pessoa ou sofrer quaisquer

sanções ou constrangimentos. Atesto recebimento de uma cópia assinada deste

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Fortaleza, ____ de _________________ de 2013.

__________________________________

Assinatura do (a) participante:

__________________________________

Assinatura do (a) pesquisador (a):

__________________________________

Assinatura da testemunha: