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PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS
RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO
RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E
MUDANÇA CLIMÁTICA
OTCA/GEF/PNUMA
Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de
recursos naturais da bacia do Rio Amazonas
Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos
amazônicos
Os ecossistemas aquáticos (áreas alagáveis) compreendem aproximadamente 20% da Amazônia Foto: Cleber Alho
RReellaattóórriioo SSeemmiiffiinnaall
Produtos 6 (Estudo semifinal relativo à Atividade II.1.1) Brasília, Brasil
Fundo Para o Meio Ambiente Mundial
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
2
PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS
RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO
RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E A
MUDANÇA CLIMÁTICA
OTCA/GEF/PNUMA
Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos
amazônicos
RReellaattóórriioo SSeemmiiffiinnaall
Produto 6 (Estudo semifinal relativo à Atividade II.1.1)
Coordenação da Atividade
Norbert Fenzl
Consultor
Cleber J. R. Alho
Janeiro/2014
3
ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS AMAZÔNICOS
RESUMO EXECUTIVO
Este componente do Projeto GEF-Amazonas “Gestão Integrada e Sustentável dos Recursos
Hídricos Transfronteiriços da Bacia Amazônica, Considerando a Variabilidade Climática e a
Mudanças Climática”, é relativo às atividades II.1.1 (Melhorar o conhecimento dos ecossistemas
aquáticos amazônicos) e III.1.1 (Manejo de ecossistemas aquáticos em hotspots).
Dentre os objetivos específicos destes componentes do Projeto estão;
O levantamento da literatura técnico-científica publicada sobre a situação das ameaças
que pesam sobre os ecossistemas aquáticos amazônicos;
A condução de estudos de campo em três hotspots designados com destaque para a
diversidade de peixes e a pesca em suas diversas modalidades, segundo orientação do
Projeto GEF-Amazonas para enlace com o Projeto do Banco Mundial-GEF "Manejo
Integrado dos Recurso Aquáticos da Amazônia – AQUABIO, com o fim de designar as
áreas críticas (hospots) a serem visitadas;
A identificação e avaliação das ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos e
conflitos de pesca visando o manejo sustentável da pesca com base nos estudos dos
hotspots selecionados;
A formulação de um conjunto de ações estratégicas e intervenções para fazerem parte do
PAE do Projeto GEF-Amazonas.
A literatura científica tem enfatizado a relação entre o crescimento da população humana, com o
consequente uso e ocupação do solo, modificando os ambientes naturais pelas atividades
antrópicas na Amazônia. Desse modo, as atividades socioeconômicas tradicionais, como a pesca
e o extrativismo têm sido afetadas pelo avanço mais recente da acentuada migração humana
atraída por novas possibilidades de acesso à terra ou motivada por empreendimentos novos de
infraestrutura, pecuária, agricultura, mineração, pesca comercial ou outra motivação.
A várzea aparece como o primeiro foco de povoamento do espaço amazônico, havendo indícios
de tribos indígenas de várzea com cerca de dois mil anos. Essas etnias indígenas procuraram os
ambientes de rios e igarapés (como fonte de água e alimentos) para fixarem suas aldeias e se
difundirem pela região. A rede hidrográfica da região, contudo, não condicionou somente o
processo de ocupação das tribos indígenas e, posteriormente, dos colonizadores, mas também
orientou o caminho pelo qual iria seguir a economia regional.
Um ecossistema aquático em condições naturais é um sistema dinâmico e equilibrado, cujos
componentes abióticos (solo, água, clima etc.) interagem com os componentes bióticos
(comunidades ecológicas e populações de micro-organismos, plantas e animais). Quando a
necessidade humana é inserida neste sistema, na visão produtor-consumidor, a interatividade das
variáveis de consumo deve ainda ser buscada, com regras de manejo adequado, na busca da
sustentabilidade do sistema, a fim de evitar o uso predatório, não sustentável, de determinado
recurso.
A bacia Amazônica está situada sobre um terreno de origem mista – uma grande área recente de
terras baixas no centro, duas grandes áreas periféricas de rochas ígneas cristalinas e
metamórficas Pré-Cambrianas, o Escudo Brasileiro e o Escudo das Guianas, e os Andes a oeste.
Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa altitude
média na crosta terrestre. Cerca de 50% da área total do continente situam-se abaixo de 250 m de
4
altitude. Uma consequência dessa baixa elevação é que porções significativas do continente
estiveram repetidamente expostas a transgressões e regressões marinhas ao longo do curso dos
últimos 120 milhões de anos, afetando drasticamente a extensão e distribuição dos hábitats
disponíveis para os peixes de água doce. A distribuição biogeográfica dos peixes amazônicos
está limitada por características ecológicas e de paisagem, como geomorfologia das bacias,
clima, tipos de hábitat, e química da água. A sazonalidade na Amazônia se refere mais à
precipitação pluviométrica do que à temperatura. A precipitação na região é, de maneira geral,
muito intensa, apesar de não ser homogeneamente distribuída no espaço e no tempo. A estação
chuvosa se estende por cerca de seis meses, com a maior parte da chuva entre janeiro e julho. A
precipitação média anual situa-se entre 1,5 e 2,5m na bacia como um todo, com valores locais
ultrapassando os 4m no noroeste da bacia, na Colômbia, e ao norte da foz do rio Amazonas, no
Amapá. Toda essa pluviosidade é a causa do mais importante aspecto da sazonalidade dos rios
Amazônicos, o regime de enchentes e secas. As águas altas seguem a estação chuvosa, com as
épocas locais de enchente dependendo de fatores geográficos locais e posição na bacia.
A enorme diversidade de peixes Sul Americanos vive em uma série de diferentes hábitats
aquáticos, incluindo grandes rios, pequenos riachos, extensos banhados e áreas alagadas, lagos e
rios de altitude, lagoas costeiras, etc. Esses principais tipos de hábitats aquáticos são baseados
em altitude, gradiente, pluviosidade, temperatura, cobertura vegetal e tipo de solo. A química da
água impõe limites adicionais à distribuição e abundância dos peixes neotropicais, especialmente
na Amazônia. A principal característica regional e de paisagem que influencia a química da água
é a localização das cabeceiras (escudos, Andes, florestas baixas), a cobertura vegetal dominante
(biomas Amazônia ou Cerrado) e o tipo de solo (rochas ígneas antigas ou terreno sedimentar
Andino). A fauna de peixes da bacia Amazônica é a mais rica do mundo e estimativas
conservativas sugerem que existam cerca de 2.200 espécies conhecidas na região. Esse número,
entretanto, é uma clara subestimativa, pois uma parcela significativa da biodiversidade está ainda
por ser descoberta e descrita. Essa enorme e diversa fauna de peixes de água doce é muito antiga
e tem origens históricas distintas.
A diversidade e complexidade de hábitats aquáticos da Amazônia estão associadas à grande
biodiversidade que ocorre nos seus ecossistemas aquáticos, sendo que muitos desses ambientes
mudam drasticamente em função do fluxo hidrológico dos rios (enchente, cheia, vazante e seca).
A dinâmica sazonal das inundações dos rios da Amazônia é um dos principais fatores para a
regulação da intensidade e época da reprodução, recrutamento e produtividade dos peixes e
outros organismos. O pulso hidrológico influencia na disponibilidade de alimento, nas relações
inter e intraespecíficas, nas estratégias reprodutivas, e na disponibilidade de hábitats. A entrada
das águas na planície inundável promove o enriquecimento dos solos, além de aumentar o
número de nichos disponíveis para os peixes. Na vazante, as águas voltam ao canal principal,
propiciando a lavagem da matéria orgânica em decomposição, o que também contribui na
produtividade das águas do rio. As áreas de inundação suportam a produção biológica do
ecossistema aquático e, são responsáveis, diretamente, pela produtividade pesqueira, garantindo
os rendimentos da pesca, pela manutenção da biodiversidade.
Além dos peixes, os quelônios são importantes habitantes dos ecossistemas aquáticos da
Amazônia. São também importantes nos hábitats aquáticos os jacarés e mamíferos aquáticos, não
só como indicadores ambientais, mas também porque interagem no componente biótico na
estrutura e na função dos ecossistemas aquáticos. Tradicionalmente, na Amazônia, há consumo
5
de tartaruga e tracajá, além de seus ovos, hábito cultural bastante arraigado às culturas humanas
locais.
A identificação, caracterização e avaliação das ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos
constituem um instrumento importante para compor o plano de ações estratégicas. A
identificação, caracterização e avaliação das ameaças visam, portanto, designar instrumentos
para a execução de políticas e de gestão ambiental para subsidiar o planejamento de uma
determinada ameaça potencialmente modificadora do meio ambiente aquático, em conjunto com
outras que ocorrem nos ecossistemas. Algumas dessas ameaças aos ecossistemas aquáticos são
de natureza técnico-científica, como aquelas que interferem na estrutura e função dos
ecossistemas. Outras são de natureza político-administrativa, como aquelas que podem ser
previstas e evitadas. Neste caso, muitas vezes se referem às normas legais que devem ser
implementadas e obedecidas. Em se tratando de diretrizes para oito países, esse aspecto legal-
administrativo ganha bastante complexidade.
A quantificação do efeito da ameaça analisada é de certo modo subjetiva, envolvendo avaliações
não só de ordem ecológica, mas também socioeconômica. Portanto, a variável ambiental da
ameaça se traduz pela inserção dos meios físico-químico (solo, qualidade da água etc.), biótico
(vegetação inundável, fauna aquática etc.) e socioeconômico (pesca, extrativismo etc.).
Durante a execução dos trabalhos de campo nos três hotspots designados (Alto Xingu, Baixo
Tocantins e Médio Negro) as seguintes ameaças ao meio ambiente e à biodiversidade foram
detectadas, e ações mitigadoras desses impactos são sugeridas: (1) Alteração e perda de hábitats
de peixes devido ao desmatamento da vegetação ripária. Ações: Monitoramento e controle de
desmatamentos; conscientização dos produtores rurais sobre a faixa mínima de vegetação ripária
e criação de mecanismos participativos de fiscalização. (2) Efeito da diminuição da vazão dos
rios devido ao desmatamento das áreas de nascentes. Ações: monitoramento e controle de
desmatamentos extensivos, conscientização dos governos dos países membros da OTCA da
importância da manutenção das florestas ainda existentes, e criação de mecanismos
participativos de fiscalização. (3) Efeito de contaminantes ambientais na qualidade da água.
Ações: monitoramento e controle do uso extensivo e indiscriminado de fertilizantes e pesticidas,
conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da melhoria das
condições de saneamento das capitais e dos principais núcleos urbanos, proibição do uso de
mercúrio para separação do ouro nos garimpos, desenvolvimento de pesquisa para encontrar
forma alternativa de separação do ouro, fiscalização sobre venda e utilização de mercúrio, e
conscientização de garimpeiros sobre os malefícios do mercúrio para a saúde e ambiente. (4)
Efeito de reservatórios de hidrelétricas na diversidade e comunidades de peixes. Ações:
conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da construção de
sistemas de passagens para peixes em hidrelétricas, planejamento de longos espaços livres de rio
entre as UHEs em sequência em um mesmo rio, desenvolvimento de pesquisa para proposição de
ações na operação das UHEs com a finalidade de reduzir a variação do nível do rio a jusante
durante a estação reprodutiva dos peixes. (5) Efeito de obras de infraestrutura na diversidade e
comunidades de peixes. Ações: planejamento de longos espaços livres de rio entre as UHEs em
sequência em um mesmo rio, desenvolvimento de pesquisa para proposição de ações na
operação das UHEs com a finalidade de reduzir a variação do nível do rio a jusante durante a
estação reprodutiva dos peixes, desenvolvimento de pesquisa para utilização mais eficiente de
outras formas de geração de energia elétrica, e reforçar a necessidade da efetiva implementação
da legislação ambiental Brasileira relativa ao EIA e ao RIMA nos empreendimentos. (6)
Ameaças sobre quelônios e mamíferos aquáticos. Ações: elaboração de programas de educação
6
ambiental, incrementar os programas existentes de proteção aos quelônios na época da desova e
de cultivo controlado, estabelecer novos programas de cultivo e uso sustentável de recursos
naturais com a tartaruga-da-amazônia, e ampliação da fiscalização por parte do IBAMA e de
agências estaduais sobre a caça e comercialização de quelônios e mamíferos aquáticos. (7)
Efeitos das mudanças climáticas sobre os ambientes aquáticos. Ações: conscientização dos
governos dos países membros da OTCA sobre importância da floresta e de sua manutenção,
como um regulador do clima, estudos sobre programas de reflorestamento e recuperação de áreas
degradas, e desenvolvimento de programas de educação ambiental e de conscientização sobre as
mudanças climáticas.
7
Sumário OTCA/GEF/PNUMA .................................................................................................................................................... 1
OTCA/GEF/PNUMA .................................................................................................................................................... 2
1. ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS E BIODIVERSIDADE ...................................................................................... 11
1.1. A Bacia Amazônica .......................................................................................................................................... 11
1.2. Os peixes da Bacia Amazônica......................................................................................................................... 15
1.3. Ecologia e dinâmica dos peixes da bacia Amazônica ....................................................................................... 16
1.4. Os quelônios e outros animais aquáticos da bacia Amazônica ......................................................................... 23
1.6. Mamíferos aquáticos ........................................................................................................................................ 27
2. ÁREAS CRÍTICAS ESTUDADAS: OS HOTSPOTS DESIGNADOS .................................................................. 30
2.1. Conceito e designação das áreas críticas para estudo de campo ....................................................................... 30
3. A BACIA DO RIO XINGU .................................................................................................................................... 34
3.1. A bacia hidrográfica ......................................................................................................................................... 34
3.2. A fauna de peixes do Xingu ............................................................................................................................. 34
3.3. O hotspot do Alto Rio Xingu ............................................................................................................................ 35
4. A BACIA DO RIO TOCANTINS ........................................................................................................................... 43
4.1. A bacia hidrográfica. ........................................................................................................................................ 43
4.2. Os peixes do rio Tocantins ............................................................................................................................... 45
4.3. O hotspot do Baixo Rio Tocantins.................................................................................................................... 46
4.4. Efeito da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. .......................................................................................................... 47
5. A BACIA DO RIO NEGRO ................................................................................................................................... 55
5.1. A bacia hidrográfica ......................................................................................................................................... 55
5.2. Os peixes do Médio Rio Negro ........................................................................................................................ 58
5.3. O hotspot do Médio Rio Negro ........................................................................................................................ 58
6. PROGNÓSTICO SOBRE AS AMEAÇAS AMBIENTAIS AOS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS .................... 65
6.1 Ocupação e uso da várzea .................................................................................................................................. 66
6.2. Ameaças ambientais que afetam os ecossistemas aquáticos ............................................................................. 68
6.3. Lista comentada dos fatores de estresse que afetam os ecossistemas aquáticos ............................................... 69
6.3.1. Fluxo migratório e aumento de doenças endêmicas. ................................................................................. 69
6.3.2. Aumento da pressão de caça. ..................................................................................................................... 70
6.3.3. Aumento da pressão sobre produtos madeireiros e não-madeireiros. ........................................................ 70
6.3.4. Aumento da perda da diversidade da flora e alteração de hábitats associados à água. .............................. 70
6.3.5. Aumento da perda da diversidade da fauna silvestre e alteração de hábitats associados à água. .............. 70
6.3.6. Aumento do processo de fragmentação das florestas ripárias. .................................................................. 70
6.3.7. Aumento de espécies invasoras exógenas. ................................................................................................ 71
6.3.8. Mudanças climáticas: temperatura. ........................................................................................................... 71
6.3.9. Mudanças climáticas: precipitação. ........................................................................................................... 71
6.3.10. Mudanças climáticas: desmatamento....................................................................................................... 71
6.3.11. Mudanças climáticas: fenômenos El Niño e La Niña. ............................................................................. 71
8
6.3.12. Mudanças climáticas: previsões futuras. ................................................................................................. 71
6.3.13. Mudanças climáticas: alteração da floresta e dos ecossistemas aquáticos com perda da biodiversidade e
de recursos naturais. ............................................................................................................................................ 72
6.3.14. Mudanças climáticas: aumento na temperatura da água. ......................................................................... 72
6.3.15. Mudanças climáticas: efeitos no fluxo hídrico. ....................................................................................... 72
6.3.16. Mudanças climáticas: ciclagem de nutrientes. ......................................................................................... 72
6.3.17. Mudanças climáticas: saúde humana. ...................................................................................................... 72
6.4. Cobertura vegetal associada aos ecossistemas aquáticos .................................................................................. 73
6.5. Ecossistemas aquáticos amazônicos: indicadores para avaliação ..................................................................... 75
6.6. Fauna silvestre associada aos ecossistemas aquáticos, incluindo peixes e pesca ............................................. 79
6.6.1Herpetofauna. .............................................................................................................................................. 79
6.6.2. Quelônios aquáticos. .................................................................................................................................. 80
6.6.3. Avifauna. ................................................................................................................................................... 81
6.6.4. Mastofauna. ............................................................................................................................................... 82
6.6.5. Peixes e pesca. ........................................................................................................................................... 83
7. DIRETRIZES PARA O PLANO DE AÇÕES ESTRATÉGICAS .......................................................................... 87
7.1. Procedimentos metodológicos sobre a avaliação das ameaças ambientais e conflitos de pesca ....................... 87
8. IDENTIFICAÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS AMEAÇAS AMBIENTAIS QUE
IMPACTAM OS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS ................................................................................................... 89
8.1. Ameaça: Alteração e perda de hábitats de peixes devido ao desmatamento da vegetação ripária ................... 89
8.1.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................... 89
8.1.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. ............................................................ 91
8.2. Ameaça: Efeito da diminuição da vazão dos rios devido ao desmatamento das áreas de nascentes ................ 92
8.2.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................... 92
8.2.2.Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. ............................................................. 94
8.3. Ameaça: Efeito de contaminantes ambientais na qualidade da água ................................................................ 95
8.3.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................... 95
8.3.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. ............................................................ 97
8.4. Ameaça: Efeito de reservatórios de hidrelétricas na diversidade e comunidades de peixes ............................. 98
8.4.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................... 98
8.4.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. .......................................................... 101
8.5. Ameaça: Efeito de obras de infraestrutura na diversidade e comunidades de peixes ..................................... 101
8.5.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................. 101
8.5.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. .......................................................... 106
8.6. Ameaça: Pressão predatória sobre quelônios e outras espécies de hábitos aquáticos ..................................... 106
8.6.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................. 106
8.6.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. .......................................................... 108
8.7. Ameaça: Efeitos das mudanças climáticas sobre os ambientes aquáticos ...................................................... 109
8.7.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................. 109
8.7.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. .......................................................... 112
9
9. PRINCIPAIS TEMAS CRÍTICOS QUE AFETAM OS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS E PRIORIDADES DE
AÇÕES ...................................................................................................................................................................... 112
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................ 114
LISTA DE FIGURAS E FOTOS
Figuras Figura 1. Hidrograma do rio Xingu, na região de Altamira nos anos 2000, 2001, 2007 e 2008, que ilustra o efeito do
fluxo dos rios Amazônicos nos ecossistemas aquáticos no período de um ano.
Figura 2. Migração da dourada (Brachyplatystoma rousseauxii) na bacia Amazônica.
Figura 3. Localização das três áreas críticas designadas (hotspots) para os trabalhos de campo com ênfase nos
ecossistemas aquáticos tomando peixes e pesca como viés para as análises.
Figura 4. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.
Figura 5. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada durante os trabalhos de campo.
Figura 6. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando o rio Coluene imediatamente acima da área visitada.
Figura 7. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada na região do baixo Tocantins.
Figura 8. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada no rio Negro e seus afluentes, destacando os
principais pontos referidos no texto.
Figura 9. Área desmatada (em vermelho) nas cabeceiras do rio Xingu.
Figura 10. Projetos propostos de aproveitamento hidrelétrico na América do Sul.
Figura 11. Potencial hidrelétrico do rio Tocantins
Fotos Foto 1. Tartarugas em fase de subida aos tabuleiros de desova, na estação de estiagem do rio Xingu.
Foto 2. Os jacarés são importantes predadores habitantes dos ecossistemas aquáticos. A caça predatória feita pelo
homem potencialmente afeta negativamente as comunidades ecológicas desses ambientes.
Foto 3. Trabalho de campo para avaliação dos ecossistemas aquáticos.
Foto 4. Margem do rio Sete de Setembro mostrando o desmatamento até a beira do rio. As árvores mais altas são
testemunhos da dimensão que a mata primária possuía antes do desmatamento.
Foto 5. Plantação de soja em fase de colheita junto à área de mineração de areia em riacho tributário do rio Sete de
setembro.
Foto 6. Vista parcial da represa da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
Foto 7. Vista parcial do Porto do Onze, local de desembarque de pescado do reservatório de Tucuruí.
Foto 8. Vista interna do Porto de Novo de Jacundá, desembarque de pescado do reservatório de Tucuruí.
Foto 9. Vista parcial do mercado de peixes de Baião.
Foto 10. Local de pesca no rio Tocantins, a jusante da UHE Tucuruí.
Foto 11. Área de várzea no baixo rio Tocantins, alagada no período de cheia onde peixes desovam e utilizam como
berçário para juvenis.
Foto 12. Canal do rio Negro em frente à cidade de Barcelos, onde se destaca a Igreja Matriz e o porto.
Foto 13. Demonstração do uso do rapixé na área rasa do igapó.
Foto 14. Demonstração do uso do cacuri na área rasa do igapó.
Foto 15. Floresta sazonalmente inundável (várzea). Quando as águas dos cursos dos rios transbordam e inundam as
florestas aluviais os peixes deixam os leitos dos rios para se alimentarem nestes ambientes nas estações de enchente
e cheia.
Foto 16. O corte seletivo de madeira para diversos usos e o desmatamento das florestas ripárias têm causado
impactos negativos relevantes aos nichos alimentares e reprodutivos de peixes.
Foto 17. Contaminação de corpos d'água por dejetos líquidos e sólidos principalmente oriundos dos centros urbanos
tem sido identificada por pescadores como uma das ameaças ambientais à pesca.
Foto 18. A urbanização da Amazônia tem levado à poluição dos corpos d’água perto das cidades, que junto com a
degradação ambiental oriunda de mineração, pecuária, agricultura e outras atividade humanas, contribuem com
consequências negativas para os ecossistemas aquáticos.
10
Foto 19. A tartaruga-da-amazônia Podocnemis expansa é um quelônio tradicionalmente caçado para consumo de
sua carne e de seus ovos na Amazônia.
Foto 20. Tracajás e tartarugas são tradicionalmente consumidos pelos povos amazônicos. Os hábitats alimentares
como este e os reprodutivos (tabuleiros de desova) devem ser manejados e protegidos.
Foto 21. Peixe-boi Trichechus inunguis é endêmico da bacia Amazônica, espécie ameaçada na categoria vulnerável.
Ocupa hábitat de várzea durante a cheia e se dispersa para igarapés ou canais de rios e lagos perenes durante a
estação de vazante e seca
Foto 22. Pirarucu Arapaima gigas muito pescado nos lagos da bacia amazônica. (Foto Cleber Alho).
Foto 23. Peixes capturados e comercializados na Amazônia.
gura 4. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando o rio Coluene imediatamente acima da área visitada. Note
lagos (oxbow lakes) formados pelas mudanças do curso do leito principal do rio dentro da faixa de mata alagável. A
linha vermelha corresponde a 4 km.
11
1. ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS E BIODIVERSIDADE
1.1. A Bacia Amazônica
A maior estrutura geológica do continente é a Plataforma Sul Americana, um antigo acúmulo de
fragmentos de crosta terrestre que fica por baixo da Amazônia atual e áreas adjacentes, ocupando
cerca de 60% da área do continente. Dentro desta plataforma estão duas grandes áreas de rochas
ígneas cristalinas e metamórficas Pré-Cambrianas, o Escudo Brasileiro e o Escudo das Guianas.
Estes escudos são porções antigas e tectonicamente estáveis da crosta continental e sobreviveram
as divisões e colisões dos continentes e supercontinentes por pelo menos 500 milhões de anos.
Entre as terras altas dos escudos e a cordilheira dos Andes, de formação bem mais recente,
estendem-se as terras baixas da bacia Amazônica, uma grande superfície relativamente plana
com áreas susceptíveis à erosão nos Andes e nos escudos e, em sua maior parte, com depósitos
de erosão em toda a Amazônia central. Os escudos cristalinos tem origem Pré-Cambriana e, há
muito, já perderam a maior parte dos sedimentos facilmente erodíveis, atingindo apenas altitudes
modestas (até cerca de 1.000 m). Dessa forma são drenados por rios com baixa quantidade de
sedimentos e águas claras, como o Xingu, Tocantins, Araguaia, Tapajós, Trombetas etc. (Albert
& Reis, 2011a).
Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa altitude
média na crosta terrestre. Cerca de 50% da área total do continente situam-se abaixo de 250 m de
altitude, 72% abaixo de 500 m e 87% abaixo de 1.000 m. Como uma comparação, no continente
africano apenas 15% da superfície está abaixo de 250m de altitude. Uma consequência dessa
baixa elevação é que porções significativas do continente estiveram repetidamente expostas a
transgressões e regressões marinhas ao longo do curso dos últimos 120 milhões de anos,
drasticamente afetando a extensão e distribuição dos hábitats disponíveis para os peixes de água
doce. Além da imediata extirpação de peixes de água doce de áreas inundadas pelo mar, a
redução do hábitat e das populações reduz a variabilidade genética das espécies e causam
isolamentos genéticos. De maneira oposta, as regressões marinhas causam exposição de grandes
porções de terra e expansão das bacias e áreas de inundação dos rios, permitindo que populações
de peixes se expandam e se diversifiquem. Outra consequência da baixa altitude do continente é
uma ativa história de trocas hidrológicas entre bacias, resultado de capturas de cabeceiras e
anastomoses de rios em áreas de leques aluviais, áreas de inundação e planícies costeiras. Como
uma consequência geral desses processos a fauna de peixes da América do Sul tornou-se a mais
diversa do planeta (Albert & Reis, 2011a).
A formação do complexo hídrico da Amazônia é explicada pela longa história evolutiva da
região. O fato importante é que a declividade da bacia é extremamente baixa em alguns lugares:
1-2 cm/km. Como o relevo é plano, o aumento no nível da água produz alagamento dos vales dos
rios, inundando a terra, a floresta e os lagos adjacentes, mudando a paisagem, com efeitos
sazonais na biodiversidade.
A distribuição biogeográfica dos peixes amazônicos está limitada por características ecológicas e
de paisagem, como geomorfologia das bacias, clima, tipos de hábitat, e química da água. Ainda,
como em todo o planeta, cerca de 80% da superfície da Amazônia é drenada por cursos d’água
de primeira e segunda ordem. Riachos de primeira ordem são os menores tributários de
cabeceiras, e riachos de segunda ordem são formados pela confluência de riachos de primeira
12
ordem. Apenas uma pequena fração da superfície terrestre é ocupada por grandes rios (8-12
ordem) e suas áreas de inundação associadas, que ocupam aproximadamente 8% da área da bacia
Amazônica. Ainda assim, essa superfície de áreas periodicamente inundadas do rio Amazonas é
da ordem de 250.000 km2. Nesta bacia, todas as dimensões são gigantescas. Quando o
comprimento total ou mesmo a área da bacia de drenagem são considerados, apenas dois rios da
América do Sul estão entre os dez maiores do mundo, o Amazonas e o Paraná. Entretanto, se a
descarga média dos rios é considerada, cinco rios Sul Americanos estão entre os dez maiores do
planeta – Amazonas, Orinoco, Madeira, Negro e Paraná, que juntos descarregam 393.000 m3 por
segundo no oceano Atlântico. O rio Amazonas sozinho é de longe o mais volumoso do mundo,
com uma descarga de 219.000 m3 por segundo, à frente do Orinoco com 98.000 e do Congo, na
África, com 41.800 m3 por segundo (Reis, 2013).
A análise do fluxo de sedimentos, de sua variabilidade e sua origem, é de fundamental
importância para a estimativa da erosão dos solos e do impacto do desmatamento. A modificação
dos aportes de sedimentos afeta a navegabilidade dos rios em período de águas baixas.
A contaminação dos rios afeta a cadeia alimentar, por elementos tóxicos (como chumbo, cádmio,
cromo, cobre, níquel, estanho, mercúrio etc.), com impactos negativos na biodiversidade e na
saúde das populações humanas ribeirinhas. Por outro lado, os elementos-traço podem ser
utilizados como marcadores dos processos de alteração e de erosão das bacias hidrográficas,
auxiliando no monitoramento das interferências antrópicas na bacia.
O solo tem influência no trânsito entre as águas da chuva e o fluxo dos rios, afetando a qualidade
e a quantidade dos sedimentos levados aos rios pela erosão mecânica ou química. O
conhecimento dessa distribuição espacial dos solos é essencial para a compreensão dos
fenômenos hidrológicos e hidrogeoquímicos.
A variabilidade temporal das características do regime hidrológico sazonal (ciclo hidrológico) e
interanual (variações climáticas) continuam a ser um grande desafio para a região.
Na bacia Amazônica, os rios de água branca caracterizam-se por serem de origem andina,
transportando grandes quantidades de sedimentos erodidos naquela cadeia montanhosa. Os
Andes representam cerca de 10% da superfície da bacia Amazônica, mas fornecem uma grande
parte do fluxo de elementos dissolvidos e a quase totalidade do fluxo de sedimentos. Esse
fenômeno é particularmente visível na bacia do Rio Madeira.
Os rios da Amazônia têm águas de cores diferentes, como é notado no encontro das águas do Rio
Negro com o Rio Solimões, perto de Manaus. Há três tipos: água clara, água branca e água
negra, cuja composição tem efeito na biodiversidade aquática. Os rios de água branca ou
barrenta, como o Amazonas (ou Solimões) nascem nos Andes, região montanhosa, e carreiam
sedimentos e nutrientes desses locais. Um requisito, portanto, é ter relevo na cabeceira. É ainda o
caso dos rios Juruá e Purus que nascem em montanhas do Peru. Os grandes bagres migradores
fazem grandes deslocamentos rio acima para se reproduzirem em rios de águas barrentas. Já os
rios de águas negras, como o Rio Negro, nascem na região da planície amazônica, em locais
planos, e não carreiam sedimentos barrentos, mas muita matéria orgânica (folhas em
decomposição), com menos nutrientes. Esse tipo de água faculta uma característica própria de
biodiversidade. Já os rios de águas claras, como o Tapajós e o Xingu, nascem em áreas de pouco
13
relevo, passando seus cursos em trechos pouco inundáveis, conferindo a cor clara de suas águas.
O rio Xingu, por exemplo, passa na transição entre a região de cristalino da Amazônia (solo
rochoso) e a porção da planície, atravessando enorme área de ambiente de pedrais, com
biodiversidade bem própria, inclusive com endemismos de espécies de peixes.
Outra importante característica ecológica da bacia Amazônica é a sua posição sobre o equador,
estendendo-se cerca de 10º norte e 15º sul, com cerca de dois terços do total da bacia no
hemisfério sul. A sazonalidade na Amazônia se associa mais à precipitação pluviométrica do que
à temperatura. A precipitação na Amazônia é, de maneira geral, muito intensa, apesar de não ser
homogeneamente distribuída no espaço e no tempo. A estação chuvosa se estende por cerca de
seis meses, com a maior parte da chuva em janeiro. Julho é geralmente o meio da estação seca,
na maior parte da Amazônia. A precipitação média anual situa-se entre 1,5 e 2,5 m na bacia
como um todo, com valores locais ultrapassando os 4 m no noroeste da bacia, na Colômbia, e ao
norte da foz do rio Amazonas, no Amapá. Toda essa pluviosidade é a causa do mais importante
aspecto da sazonalidade dos rios Amazônicos, o regime de enchentes e secas. As águas altas
seguem a estação chuvosa, com as épocas locais de enchente dependendo de fatores geográficos
locais e posição na bacia (Goulding et al., 2003). Muitos rios das terras baixas amazônicas estão
em período de enchente por cerca de seis a sete meses por ano, com os tributários da margem sul
geralmente enchendo primeiro. Os tributários do Amazonas que drenam o Arco de Fitzcarraldo,
no Peru, e o Escudo Brasileiro (Madeira, Tapajós, Xingu, Araguaia e Tocantins) tem sua cheia
com a estação chuvosa, com o pico entre março e abril. O Negro e o Branco tem seu período de
águas mais altas em junho e julho. No oeste da bacia as águas mais altas são em março e abril, e
se propagam para baixo, de tal maneira que o pico das águas altas chega a Manaus e Santarém
em junho e julho. O período de águas mais baixas geralmente ocorre quatro a seis meses mais
tarde. O nível da água ao longo da bacia Amazônica varia enormemente, com o nível anual em
Tefé, na Amazônia central, variando cerca de 10m entre a cheia e a seca, chegando a mais de
13m no médio Madeira e médio Purus. O período de águas baixas dura de agosto a dezembro na
maior parte da bacia Amazônica, apesar de que as enchentes podem durar até setembro em
alguns tributários da margem norte (Goulding et al., 2003).
A enorme diversidade de peixes Sul Americanos vive em uma série de diferentes hábitats
aquáticos que incluem grandes rios, pequenos riachos, extensos banhados e áreas alagadas, lagos
e rios de altitude, lagoas costeiras, etc (Reis, 2013), com algo entre 25 e 28% de toda a água
superficial livre do planeta localizada na América do Sul (Vari & Malabarba, 1998). Esses
principais tipos de hábitats aquáticos são baseados em altitude, gradiente, pluviosidade,
temperatura, cobertura vegetal e tipo de solo (Olson et al., 1998). Na Amazônia, esses hábitats
incluem rios e riachos de altitude (acima de 500m de elevação), rios e riachos de terra firme alta
(acima de 250m), rios e riachos de terra firme baixa (abaixo de 250m), e rios e lagos de área de
várzea, que alternam entre fases de cheia e seca, incluindo os canais profundos dos grandes rios.
Cada um desses principais tipos de hábitats aquáticos exibe uma composição taxonômica distinta
de espécies de peixes. As extensas terras baixas das bacias do Amazonas e do Orinoco (5.3
milhões de km2 abaixo de 250m de elevação) representam o centro de diversidade para a maioria
dos grupos de peixes Neotropicais.
A química da água impõe limites adicionais à distribuição e abundância dos peixes neotropicais,
especialmente na Amazônia. A principal característica regional e de paisagem que influencia a
química da água é a localização das cabeceiras (escudos, Andes, florestas baixas), a cobertura
14
vegetal dominante (biomas Amazônia e Cerrado) e o tipo de solo (rochas ígneas antigas ou
terreno sedimentar Andino). A composição taxonômica e a produtividade dos ecossistemas
variam de maneira bastante previsível com a carga de sedimentos, oxigênio dissolvido,
temperatura, pH, e área de inundação anual (Albert & Reis, 2011a). Os rios de água branca, ricos
em sedimentos, que drenam e erodem os Andes (Amazonas, Madeira, Marañon, Meta, Napo,
Ucayali), tem um perfil taxonômico distinto e alta produtividade quando comparados aos rios de
águas pretas, com baixas cargas de sedimento, ricos em taninos, baixo pH, e que se originam nas
áreas baixas e densamente florestadas (Negro, Tefé, Trombetas).
Finalmente, os rios que drenam as rochas cristalinas antigas dos escudos Brasileiro e das Guianas
têm água clara, baixa carga de sedimentos e alta transparência. Algumas bacias drenam uma
mistura de fontes geográficas e não são prontamente classificáveis em branco ou negro, como o
Içá e o Japurá, com cabeceiras tanto nos Andes com em áreas de florestas de inundação. Apesar
desses tipos principais de águas da bacia Amazônica (branca, preta e clara) exibirem uma
composição taxonômica distinta de peixes, muitas espécies estão presentes em mais de um tipo
de água. A carga de sedimentos afeta fortemente a produtividade primária e a biomassa de
peixes, especialmente por interferir na visibilidade e na condutividade elétrica da água e,
portanto, na habilidade das espécies que usam sinais visuais (Characiformes, cichlídeos) ou
elétricos (gymnotiformes, bagres) para navegar, forragear, escapar de predadores e se
reproduzirem.
As principais atividades econômicas da região amazônica são a pesca, a exploração madeireira, o
extrativismo vegetal, a agricultura e pecuária, o turismo e a mineração. As grandes obras de
infraestrutura, incentivadas pelo Governo para promover o ritmo de desenvolvimento da região
amazônica, como a construção de usinas hidrelétricas, o sistema de transporte, o abastecimento
de água e o saneamento, constituem outro componente de impacto ambiental. Todas essas
atividades se beneficiam do uso dos recursos aquáticos e hídricos, que, embora de proporções
consideráveis, são finitos e encontram-se ameaçados pelo crescimento desordenado desses
setores e atividades, e dos conflitos entre eles. Essas atividades motivam a mobilização humana,
com consequentes efeitos nos recursos naturais dos ecossistemas aquáticos.
A ocupação desordenada dos ambientes formadores dos ecossistemas aquáticos da Amazônia,
além de comprometer a qualidade dos recursos hídricos, a biodiversidade aquática e a produção
pesqueira, ameaça também a qualidade de vida das populações locais, como as comunidades
ribeirinhas, os pescadores artesanais e os grupos indígenas, que utilizam os recursos aquáticos
como fonte de alimentação e subsistência.
As pressões antrópicas têm causado mudanças na troca de substâncias diversas entre os sistemas
aquáticos e terrestres (alteração e erosão) e no balanço dos elementos químicos que circulam
nesse ambiente. Entre essas, os metais pesados, denominados também elementos-traço, são de
extrema importância, devido à sua toxicidade aos organismos vegetais e animais (incluindo ao
ser humano).
A floresta amazônica, que regula local e regionalmente o ciclo hidrológico, garante melhor
distribuição de chuvas e maior estabilidade no regime dos rios, tem sido afetada pelo
desmatamento.
15
As seguintes categorias antropizadas, definidas por meio de dados socioeconômicos
compreendem: predomínio de culturas cíclicas, extrativismo vegetal (madeira) e pecuária, usos
diversos de caráter agropecuário, predomínio da pecuária, predomínio da pecuária sobre
extrativismo (madeira); mineração e garimpo.
1.2. Os peixes da Bacia Amazônica
A fauna de peixes da bacia Amazônica é a mais rica do mundo e rivaliza em diversidade com
peixes marinhos de recifes coralinos. Estimativas conservativas sugerem que existam cerca de
2.200 espécies descritas de peixes na bacia Amazônica (Albert & Reis, 2011b). Esse número,
entretanto, é uma clara subestimativa, pois uma parcela significativa da biodiversidade está ainda
por ser descoberta e descrita. De acordo com Reis (2013), a fauna de peixes de água doce da
América do Sul está estimada em mais de 4.000 espécies. Quando toda a região Neotropical é
considerada – incluindo também a América Central ao sul do istmo de Tahuantepec, no México
– o número de espécies de peixes sobe para mais de 5.000, representando quase 10% de todos os
vertebrados conhecidos (Lundberg et al. 2000).
A seguir, apresenta-se uma interessante ilustração do atual ritmo de descoberta e descrição de
novas espécies de peixes. O Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America –
CLOFFSCA (Reis et al., 2003) listou 4.475 espécies válidas de peixes e estimou a existência de
1.550 espécies adicionais, ainda não descritas, com base na experiência dos autores, conjecturas
e conhecimento sobre pesquisas em andamento, elevando o número estimado de espécies
existentes na região Neotropical para 6.025. Nos nove anos decorridos desde a publicação do
CLOFFSCA, cerca de 900 novas espécies de peixes de água doce foram descritas para a região,
perfazendo uma média de uma nova espécie descrita a cada 3,5 dias, e assim elevando o número
de espécies conhecidas para cerca de 5.400 em 2012. Mantido este ritmo de descrição de novas
espécies, a estimativa de 6.025 espécies do CLOFFSCA será atingida em seis anos. Como a
curva de acumulação de descrição de novas espécies está claramente ascendente e não se
aproxima de uma assintótica, pode-se esperar que o número final de peixes de água doce da
região Neotropical possa exceder a estimativa feita por Schaefer em 1998 que era de 8.000
espécies!
Aplicando-se a mesma estimativa de aumento para a fauna de peixes de água doce apenas da
bacia Amazônica, conclui-se que é possível que ela possa exceder 3.200 espécies!
Surpreendentemente, essa estimativa de que cerca de 30% da fauna de peixes de água doce da
América do Sul ainda estão por ser descritas, não é novidade. Há 35 anos, um clássico artigo de
Bohlke et al. (1978) estimou o número de peixes de água doce da América do Sul e chegou a
mesma avaliação de que 30% das espécies ainda estavam por ser descritas. O período decorrido
desde a avaliação de Bohlke et al. testemunhou um número sem precedentes de espécies de
peixes sendo descritas da América do Sul. Ainda assim, 35 anos depois continuamos com a
mesma estimativa da percentagem de espécies que ainda não foram descritas. Os fatores que
explicam o aumento na taxa de descobertas de novas espécies de peixes na América do Sul
foram listados por Ferraris & Reis (2005) referindo-se aos bagres (Siluriformes), mas aplicam-se
igualmente a todos os grupos de peixes: o aumento no número de taxonomistas de peixes, a
exploração mais intensa dos ambientes aquáticos do continente e mudanças no conceito de
espécie, que tendem cada vez mais a discriminar mais finamente as populações.
16
Essa enorme e diversa fauna de peixes de água doce é muito antiga e tem origens históricas
distintas (Albert et al., 2011). Os ancestrais marinhos da maioria dos pequenos grupos de peixes
invadiram as águas doces do continente Sul Americano e diversificaram durante o Paleogeno,
principalmente Oligoceno e Mioceno. Os grandes grupos, entretanto, como os Cichlidae e
Ostariophysii, estiveram isolados no continente desde o final da separação do Gondwana, no
Cretáceo, aproximadamente a 100 milhões de anos.
Neste parágrafo, de Reis (2013), sobre a fauna de peixes Neotropicais, apresentam-se entre
colchetes os números correspondentes apenas aos peixes da bacia Amazônica.
“Aproximadamente 340 [140] espécies de água doce, pertencentes a 28 famílias primariamente
marinhas, contrastam com os 1.080 [450] cichlídeos, peixes anuais e barrigudinhos, e os quase
3.800 [1.610] Ostariophysii (characiformes, bagres e peixes elétricos). Os peixes dessas 28
famílias são usualmente referidos como a Divisão Periférica, os quais invadiram e se
especializaram para a vida em água doce. Esses grupos variam de uma a cerca de 100 espécies –
a maioria apresenta 2-6 espécies – e incluem as raias de água doce, enguias, sardinhas, anchovas,
tainhas, peixes-agulha, peixes-rei, peixes-cachimbo, corvinas, gobiões, linguados e baiacus, entre
outros. A Divisão Secundária é composta por famílias de água doce que são proximamente
relacionadas a grupos marinhos, mas são inteiramente confinadas a hábitats continentais, e inclui
os cichlídeos com 480 [270] espécies, os rivulídeos ou peixes anuais, em grande parte
ameaçados de extinção, com 270 [160] espécies, os anablepídeos com 17 [2] espécies, os
cyprinodontídeos com 59 [nenhuma] espécies, e os poecilídeos, ou barrigudinhos, com 250 [20]
espécies. Em contraste, a Divisão Primária é composta pelos Ostariophysii e quatro outras
pequenas famílias que se originaram e diversificaram em hábitats de água doce antes da
separação do Gondwana. Estes são o peixe pulmonado Sul Americano ou piramboia, os
pirarucus – o maior peixe de água doce da América do Sul, as duas espécies de aruanãs, e meia
dúzia de espécies de peixes-folha (Polycentridae). Os Ostariophysii, no entanto, perfazem cerca
de 75% da fauna de peixes de água doce em todo o mundo. Neste grupo estão os lambaris,
piranhas, pacus e seus parentes, os Characiformes, com cerca de 1.700 [810] espécies, os sarapós
e tuviras ou Gymnotiformes, com 180 [100] espécies, e os bagres e cascudos ou Siluriformes,
com 1.900 [700] espécies”.
1.3. Ecologia e dinâmica dos peixes da bacia Amazônica
Uma diretriz conhecida em Ecologia é a de que a biodiversidade – espécies, populações
geneticamente diferenciadas e ecossistemas – não estão igualmente distribuídos ao longo de um
bioma como é o caso da Amazônia.
Outro foco dessa questão é o conceito de eco-região, que vem sendo adotado em várias esferas
de governos, inclusive com mapeamentos. Entende-se por eco-região um conjunto de
comunidades naturais, geograficamente distintas, que compartilham a maioria das suas espécies,
dinâmicas e processos ecológicos, e condições ambientais similares, que são fatores críticos para
a manutenção de sua viabilidade no longo prazo. A complexidade de ambientes conta ainda com os “trampolins ecológicos”, ou “passarelas de
biodiversidade”, também conhecidos como stepping stones, que são áreas de ligação entre
pontos da biodiversidade na matriz ambiental das unidades de paisagens e seus diferentes
17
biótopos, com mosaicos heterogêneos, mas que agem de maneira interativa na estrutura e função
do ecossistema. Nesse sentido, há que se ressaltar que a conectividade das unidades de paisagem
permite o fluxo biológico entre elas, dependendo da proximidade dos elementos dos hábitats ou
biótopos, da densidade de corredores e stepping stones que possam facultar a permeabilidade da
matriz ambiental.
A distribuição de espécies, a sua abundância em determinado ambiente ou hábitat, a estrutura de
populações em comunidades ecológicas, a composição de grupos sociais, a interação de espécies
em organização de guildas e muitos outros aspectos do meio biótico contam com um número
variado de fatores ambientais que os limitam ou neles interferem. Por exemplo, a dispersão ou
propagação de plantas se dá por mecanismos diferenciados e, por outro lado, a fauna silvestre
ativamente seleciona o seu habitat preferido por mecanismo específico de comportamento
ecológico. Desse modo, as fitofisionomias, por exemplo, são estruturadas pela distribuição da
fauna por seleção de habitat, por espécies exigentes em microhabitats, em sub-bosque, em dossel
da floresta ripária, espécies dependentes de sombra ou que competem pela luz e assim por diante.
Esse processo também ocorre nos ecossistemas aquáticos, pois dependem das florestas
inundáveis.
A interação entre indivíduos da mesma espécie e entre espécies diferentes se dá em vários níveis:
competição por alimento com predação, por espaço e nicho reprodutivo e outros fatores, numa
escala de tempo histórica ou evolutiva, ou diante do cenário presente. Desse modo, elementos do
meio físico, tais como temperatura e luz, precipitação e regime hídrico são cruciais na
distribuição de espécies. Em ambientes já alterados com a fragmentação da floresta aluvial, os
efeitos de borda, com penetração de luz e modificação da umidade, impactam negativamente a
distribuição e composição das espécies na beirada desses fragmentos florestais. Outros fatores
físicos e químicos que potencialmente alteram a estrutura do solo e os ciclos geobioquímicos têm
influência direta no meio biótico.
A enorme diversidade e complexidade de hábitats aquáticos da Amazônia estão associadas à
grande biodiversidade que ocorre nos seus ecossistemas aquáticos, sendo que muitos desses
ambientes mudam drasticamente em função do fluxo hidrológico dos rios (enchente, cheia,
vazante e seca). Por exemplo, o rio Xingu, um dos hotspots visitados durante os trabalhos de
campo, apresenta o ciclo hidrológico característicos dos rios da região amazônica, com um
mínimo de vazão nos meses de setembro e outubro, e um período de cheia entre março e abril.
Nos meses de verão, com a diminuição do volume de água, as praias de areia e os "pedrais"
ficam expostos. À medida que as chuvas começam, ocorre a elevação da cota do rio. Entre
dezembro e março ocorrem rápidas mudanças do nível do rio, que começa a inundar, primeiro
nas partes mais baixas das margens e ilhas e depois entrando definitivamente nas regiões mais
altas das florestas, formando igapós, ou lagoas marginais (Figura 1).
18
Figura 1. Este hidrograma do rio Xingu, na região de Altamira nos anos 2000, 2001, 2007 e 2008, ilustra o efeito do
fluxo dos rios Amazônicos nos ecossistemas aquáticos no período de um ano. As cores do fundo representam a
classificação em períodos. Azul=Enchente; Amarelo=Cheia; Rosa=Vazante; Branco=Seca (Fonte: Norte Energia,
EIA/RIMA de Belo Monte).
Esses ambientes podem ser caracterizados pelos seguintes grupos aquáticos:
Canal do rio: geralmente com largura extensa, dependendo do tributário do Amazonas e da
região, com encostas mais ou menos íngremes e perfil muito variado, muitas vezes profundo e
irregular, com fundo de areia, lodo ou de pedra. Curso sinuoso e irregular com presença de
inúmeras ilhas, que determinam a formação de inúmeros canais menores anastomosados. A
velocidade de correnteza é variável, dependendo do ano, mas sempre importante, quando
comparada com as áreas marginais de inundação.
Remansos ou margens: regiões marginais e pouco profundas do rio, onde a velocidade da água
é menor. A localização, tamanho e número de remansos mudam em função da época do ano,
sendo menos numerosos no período de cheia e geralmente localizados nas áreas alagadas de
Floresta Ombrófila Aluvial ou outro tipo de vegetação. Na época seca, entretanto, os remansos
são mais frequentes e podem ser encontrados próximos às praias ou tabuleiros, nas margens dos
rios.
Lagoas marginais e insulares: corpos de água de pequeno e médio porte cuja maior parte é
temporária e de pouca profundidade e que apresentam geralmente uma ligação com o canal
principal do rio, mas que geralmente seca durante a estação de estiagem.
Áreas inundáveis: ambientes marginais dos rios, ilhas e lagos que podem ser inundados em
maior ou menor grau, durante os meses de enchente-cheia, dependendo da inclinação e da
altitude do terreno. São cobertos na maior parte por Floresta Ombrófila Aluvial ou outro tipo de
vegetação como palmeiras em algumas ilhas.
Igarapés: riachos que drenam nas margens do canal do rio. Apresentam água relativamente
transparente, de coloração variando de parda a cristalina, com fundos de areia e deposição de
restos vegetais, como serrapilheira, troncos e gravetos caídos. Sofrem considerável alteração na
19
vazão durante a época de chuvas, quando suas águas também perdem em parte a transparência
sendo que volume de água aumenta consideravelmente.
Furo: constitui um braço de drenagem do rio que possivelmente tenha surgido de uma fratura do
solo ou pela dinâmica hidrológica no local. Concentra em geral um grande volume de água que
drena parte das águas do rio na época de cheia.
O ciclo hidrológico dos rios com os seus pulsos, determinados pela sucessão de períodos secos e
chuvosos, exerce uma extraordinária influência na estruturação da fauna íctica e no
desenvolvimento das suas estratégias de vida. O ingresso da água nas áreas laterais dos corpos
aquáticos implica no enriquecimento dos solos e no aumento considerável da área, nichos e
alimentos disponíveis para os peixes. Com o retorno das águas, ocorre a lavagem da matéria
orgânica em decomposição, o que contribui positivamente para aumentar a concentração de
nutrientes nas águas do rio.
A dinâmica sazonal das inundações dos rios da Amazônia é um dos principais fatores para a
regulação da intensidade e época da reprodução, recrutamento e produtividade dos peixes. O
pulso hidrológico influencia na disponibilidade de alimento para os peixes, nas relações inter e
intraespecíficas, nas estratégias reprodutivas e na disponibilidade de hábitat para a ictiofauna. A
entrada das águas na planície inundável promove o enriquecimento dos solos, além de aumentar
o número de nichos disponíveis para os peixes. Na vazante, as águas voltam ao canal principal,
propiciando a lavagem da matéria orgânica em decomposição, o que também contribui na
produtividade das águas do rio.
As áreas de inundação suportam a produção biológica do ecossistema aquático e, são
responsáveis, diretamente, pela produtividade pesqueira, garantindo os rendimentos da pesca,
pela manutenção da biodiversidade. Vários trabalhos científicos mostram a correlação entre a
produção pesqueira e a integridade e quantidade de áreas sazonalmente alagadas, demonstrando
que uma alteração na disponibilidade destas áreas deverá influenciar diretamente na produção do
sistema como um todo. Particularmente relevante para a compreensão da dependência da
ictiofauna ao pulso de inundação e a complexa dinâmica do ecossistema e sua biota é a
ocorrência das espécies herbívoras, que se alimentam de frutos das florestas de igapó. Somente
no período das cheias, as árvores ficam com água até boa parte de seus troncos e os frutos, então,
podem cair no ecossistema aquático e ser consumidos pelos peixes.
Exemplos de peixes frugívoros, alguns com relevância na pesca, pertencem à ordem dos
Characiformes e a algumas famílias da ordem Siluriformes, como espécies dos seguintes
gêneros: Colossoma, Bryconops, Tocantinsia, Leporinus, Tometes, Myleus e Triportheus. Na
maior parte das árvores que ocorrem nas áreas inundáveis, o período de frutificação acontece
simultaneamente durante a enchente do rio, coincidindo com a entrada dos peixes na planície de
inundação, onde terão acesso aos frutos produzidos. Esta sincronia de frutificação no período da
chuva, pode também evidenciar uma estratégia de dispersão das sementes através da atividade
alimentar dos peixes frugívoros, o que constitui outro aspecto importante para a função
ecossistêmica.
O conhecimento atual da ictiofauna amazônica mostra a existência de um gradiente longitudinal
de ambientes ao longo do rio que, superposto ao grau de conservação e ao ciclo sazonal de
mudanças no nível do rio, delimitam as fontes de alimentos disponíveis para a fauna de peixes,
20
bem como explicam as diversas adaptações eco-morfológicas e no comportamento das diferentes
espécies de peixes. Estas adaptações otimizam os mecanismos competitivos e a divisão dos
recursos disponíveis.
Mudanças nos hábitos alimentares são observadas também ao longo do ano, de acordo com a
disponibilidade sazonal de certos recursos. É o caso do pacu-seringa (Characidae, Myleus
rhomboidalis), entre outras espécies de pacus, que durante a enchente come frutos encontrados
nas árvores ou arbustos da floresta inundada, mas durante a seca preda pequenos invertebrados
encontrados no canal do rio. Enfim, o sistema trófico da ictiofauna pode ser sintetizado num
modelo com níveis alimentares distintos: um nível de consumidores primários, com hábitos
herbívoros, e um nível de predadores.
A síntese do conhecimento sobre os ecossistemas aquáticos amazônicos indicam que os fluxos
de energia (ou alimento) entre os compartimentos da teia alimentar têm sua maior fonte na
vegetação aluvial. Portanto, a maior parte dos produtores primários do ecossistema aquático não
se encontra na água, mas na vegetação inundável, que é componente fundamental do ecossistema
aquático. A produtividade deste componente fica disponível para a fauna aquática (peixes
frugívoros e insetívoros que dispersam para as áreas inundáveis) durante o período de inundação.
No leito dos rios estão os peixes piscívoros e migradores, importantes na produção pesqueira.
Um aspecto importante a ser destacado aqui é o papel da diversidade de peixes nos diferentes
níveis tróficos dos ecossistemas aquáticos. Ressalte-se o papel preponderante do nível trófico de
espécies detrívoras, herbíboras, frugívoras, insetívoras e outros hábitos alimentares em
comparação às espécies de peixes piscívoras (predadores), de importância socioeconômica para a
pesca. A quantidade de fluxos entre os compartimentos tróficos destaca a complexidade das
inter-relações (ambientes bióticos e abióticos do ecossistema) e as interdependências desse
sistema, apontando para a relevância da proteção dos ecossistemas aquáticos quando se visa o
aspecto pragmático da pesca e seus benefícios socioeconômicos.
Além da ecologia alimentar, os peixes da Amazônia apresentam uma grande diversidade de
comportamentos reprodutivos. O sucesso da estratégia reprodutiva garante a sobrevivência do
maior número possível de descendentes e é resultado de um longo processo evolutivo, de seleção
natural e adaptação às oscilações sazonais das variáveis ambientais da região. O conhecimento
existente indica que peixes em estádios maduros, que indica pré-desova, ocorrem
majoritariamente durante a estação de enchente. Portanto, parece evidente que a enchente é uma
época crucial para o fechamento do ciclo reprodutivo da maioria das espécies de peixes. Em
resumo, os peixes da Amazônia podem ser classificados em três grandes grupos quanto aos
hábitos alimentares e reprodutivos:
Grupo de equilíbrio: Peixes sedentários, de distribuição local, geralmente
piscívoros ou onívoros. A disponibilidade de alimento para estes peixes sofre
poucas mudanças sazonais. Apresentam época de desova prolongada, fecundidade
menor, ovos maiores, e um grande investimento energético na sobrevivência da
prole através de comportamentos especializados (acasalamento, construção de
ninhos, cuidado parental, etc.). O resultado desta estratégia é a diminuição da
mortalidade nas fases iniciais do ciclo de vida, garantindo um bom recrutamento
dos jovens à população adulta. Isto se traduz numa densidade relativamente
21
estável de adultos durante todo o ano. Exemplos: tucunaré, acará, pirarucu.
Grupo de oportunistas: Espécies com ciclos de vida curtos e que atingem a
primeira maturação sexual rapidamente. Possuem desovas parceladas e
numerosas, sem apresentar cuidado da prole. Os jovens conseguem a rápida
colonização de hábitats, mesmo em condições desfavoráveis e sob forte pressão
de predação. Não necessariamente dependem do ciclo hidrológico para a desova.
Exemplos: apapá, piranha, pescada, corvina.
Grupo sazonal: É o grupo mais numeroso de espécies. Apresenta uma adaptação
quase perfeita com as mudanças de nível do rio e o regime anual de chuvas.
Utilizam, principalmente, fontes de energia de origem alóctone (frutos, folhas,
insetos, etc.). Sua densidade populacional varia dependendo da época do ano.
Possuem grande fecundidade, ovos pequenos, não apresentam cuidado com a
prole, concentrando toda a energia em desovar no momento e no local adequado,
para garantir a sobrevivência dos descendentes. Realizam migrações, à procura
desses locais apropriados e desovam durante um período mais ou menos restrito,
quase sempre, no início do período de chuvas. Com isso, estas espécies
aproveitam a entrada das águas na floresta, um habitat rico em alimentos e
apropriado para as primeiras fases de vida dos jovens recrutas. Exemplos:
curimatã, pacu, branquinha, tambaqui, aracu, piau, ueba.
A maior parte dos peixes oportunistas, como os sciaenídeos, não tem preferências muito
específicas para os seus locais de desova, apenas liberando os ovos em locais onde há oxigênio
suficiente e correnteza para garantir a dispersão. Já as espécies que demonstram cuidados
parentais, como alguns cichlídeos, costumam fazer ninhos, às vezes elaborados, e para isto
procuram poços ou locais protegidos dos predadores e com condições aeróbicas aceitáveis.
Sem dúvida os deslocamentos reprodutivos dos peixes representam um dos comportamentos
biologicamente mais complexos da fauna íctica. Praticamente todos os peixes realizam
movimentos dentro do sistema de canais e zona de inundação. Contudo, a “piracema” ou
“arribação” é um movimento regular de migração longitudinal e lateral, diretamente relacionado
à desova ou dispersão de algumas espécies de peixes, na área inundável, com época mais ou
menos precisa, no início da cheia anual.
Os fatores ecológicos que controlam a intensidade da piracema são complexos e as variáveis que
parecem ser mais importantes são: o nível de água e a sua transparência. Assim, parece evidente
que nas áreas desmatadas as condições para a desova são mais desfavoráveis, devido à suspensão
dos sedimentos provindos do solo descoberto, susceptível à erosão.
Os padrões de migração de peixes da Amazônia vêm sendo investigados há vários anos para
alguns rios da região, como o rio Negro, rio Madeira e o sistema Solimões-Amazonas. Os
resultados desses trabalhos demonstram que existe uma intrincada e complexa interação entre o
padrão de migração, o nível do rio e a estrutura dos hábitats de inundação disponíveis.
Alguns pesquisadores dividem a ictiofauna da Amazônia em duas categorias. A primeira inclui
as espécies que realizam migrações durante a época de enchente. Tais espécies fazem desova
total e reproduzem-se no canal ou nas áreas inundadas lateralmente durante o início da enchente.
Incluem-se nesse grupo, duas categorias de peixes: (1) os bagres migradores, (algumas espécies
22
da ordem Siluriformes), que realizam migrações de longas distâncias, como a piramutaba
(Brachyplatystoma vaillantii), e a dourada (B. flavicans). Estas espécies percorrem longas
distâncias pelos canais principais dos rios da Amazônia; e (2) peixes de escama (algumas
espécies da ordem Characiformes), tais como Prochilodus nigricans (curimatã),
Semaprochilodus spp. (jaraqui) e Myleus spp. (pacu) que realizam migrações laterais e
longitudinais, mas percorrendo distâncias bem menores (Ribeiro & Petrere, 1990).
O segundo grupo de espécies refere-se às espécies sedentárias, que realizam desova parcial,
apresentam adaptações para permanecer em águas com menos quantidade de oxigênio. Algumas
apresentam comportamentos de acasalamento e cuidado parental da prole. Neste grupo estão
incluídas espécies das famílias Cichlidae (Cichla spp., tucunarés; Geophagus spp., acará),
Osteoglossidae (Osteoglossum bicirrhosum, aruanã) e Arapaimidae (Arapaima gigas, pirarucu),
assim como Sciaenidae (Plagioscion spp. pescada), Doradidae (Hassar orestis botinho),
Loricariidae (Loricaria sp, Hypancistrus spp. acaris) e Serrasalmidae (Serrasalmus spp.,
Pygocentrus sp., piranhas.
Estudos realizados sobre os grandes bagres migradores, como a dourada (Figura 2) e a
piramutaba, indicam que estes peixes estão intimamente associados ao canal do rio e que suas
migrações percorrem milhares de quilômetros, desde o estuário amazônico, onde crescem os
jovens, até o alto Amazonas, Ucayali, Madeira, Japurá, ente outros, onde desovam entre maio e
julho. Pescadores relatam que observam cardumes de dourada subindo o rio Amazonas, todo
ano, a partir de junho, no período de vazante e durante a seca. Outras espécies de bagres, como o
surubim Pseudoplatystoma fasciatum, a pirarara Phractocephalus hemioliopterus e o filhote
Brachyplatystoma filamentosum parecem não precisar percorrer distâncias tão grandes ao longo
do rio, no seu ciclo de vida.
Figura 2. Migração da dourada (Brachyplatystoma rousseauxii) na bacia Amazônica. Área de vida = verde; área de
desova = azul; área de crescimento = amarelo. Fonte: Jacqueline da Silva Batista no Estado de São Paulo.
23
Há também a migração rio acima do mapará (Hypophthalmus edentatus e H. fimbriatus). Estas
espécies habitam tanto o rio Amazonas como ambientes fluviais e lacustres. Com relação às
migrações de curta distância, como as que fazem o jaraqui Semaprochilodus spp. e o tambaqui
Colossoma macropomum nos rios da Amazônia, está também diretamente associada à oscilação
do nível do rio e à inundação de áreas da planície aluvial. A estratégia geral consiste em utilizar
diferentes fontes tróficas ao longo das sucessivas estações do ano e do desenvolvimento do
indivíduo: os adultos se alimentam nas florestas alagadas durante a cheia, os recém-nascidos e
jovens procuram alimento e proteção nas mesmas áreas durante o alagamento e, ambos, utilizam
o canal do rio como caminho para o deslocamento entre áreas.
1.4. Os quelônios e outros animais aquáticos da bacia Amazônica
Além dos peixes, os quelônios são importantes habitantes dos ecossistemas aquáticos da
Amazônia. São também importantes nos hábitats aquáticos os jacarés e mamíferos aquáticos, não
só como indicadores ambientais, mas também porque interagem no componente biótico na
estrutura e na função dos ecossistemas aquáticos. Os quelônios que ocorrem nos hábitats
aquáticos da região amazônica compreendem três espécies do gênero Podocnemis: Podocnemis
expansa (tartaruga-da-amazônia), P. unifilis (tracajá) e P. sextuberculata (pitiú). Além destes,
ocorrem outras espécies de quelônios vivendo nos rios, igarapés, poças marginais ou em hábitats
alagáveis enlameados: Chelus fimbriatus (matamatá); Platemys platycephala (jabuti-machado),
Kinosternon scorpioides (muçuã), Rhynoclemmys puncularia (aperema) e Mesoclemmys gibba
(cabeça-torta). As duas outras espécies de quelônios da Amazônia são os jabutis, que ocupam
hábitats terrestres: Chelonoidis carbonaria (jabuti-vermelho), e C. denticulata (jabuti-amarelo).
Tradicionalmente, na Amazônia, há consumo de tartaruga e tracajá, além de seus ovos, hábito
cultural bastante arraigado às culturas humanas locais, talvez adquirida das etnias indígenas.
Estas duas espécies de quelônios aquáticos, no passado, foram também muito utilizadas para a
produção de óleo, porém atualmente o consumo com comercialização ilegal é mais
preponderante (Alho, 1982, 1985; Alho & Pádua, 1982, 1985; Alho et al., 1984; Rebêlo &
Pezzuti, 2001; Vogt, 2001; Fachín-Terán et al., 1996, 2004). Apesar da ilegalidade, em dois dos
hotspots visitados (rio Tocantins e rio Negro) constatou-se captura de quelônios, com material
fabricado artesanalmente para captura de tracajás.
As características fisiográficas da bacia amazônica, associadas ao ciclo hidrológico e à biologia
das espécies aquáticas, condicionam a distribuição dessas espécies em diferentes hábitats, sua
abundância e também a atividade de exploração pelo homem local das espécies de quelônios
aquáticos. Os ecossistemas aquáticos, bem como qualquer ambiente natural, podem ser
considerados ecologicamente relevantes, seja por representar habitat para a flora e fauna locais,
seja pelas funções ecológicas que desempenham (ciclagem de nutrientes e balanço hídrico, por
exemplo). Em espaço geográfico extenso e com baixa ocupação antrópica, ambientes assim se
tornam especialmente relevantes, resultado da continuidade que de modo geral apresentam, bem
como das lacunas de conhecimento sobre seus componentes e sua dinâmica.
A tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) tem uma ampla distribuição na Amazônia,
estendendo-se por todo o rio Amazonas e Orinoco e seus afluentes (Foto 1). Está presente na
Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guianas, Peru e Venezuela. É estritamente aquática e só sai
24
da água para realizar a desova. Habita os rios, lagos, pântanos, ilhas e florestas inundáveis
(várzea e igapó). Durante a estiagem dos rios, as populações se encontram confinadas nos leitos
dos rios e lagos relativamente profundos. Durante a subida das águas se dispersam pelas extensas
áreas inundadas que rodeiam os rios e outros corpos permanentes de água. As tartarugas são
capazes de perceber o regime de vazante do rio e detectam o período apropriado de estiagem
(quando as praias ou tabuleiros aparecem), para iniciarem o ritual comunal de comportamento de
desova, numa sincronia entre o regime de vazante do rio e o desencadeamento do
comportamento de nidificação (Alho & Pádua, 1982). É nessa fase, quando os animais estão nos
tabuleiros desovando, que as pessoas invadem as praias e fazem a "viração", deixando o máximo
possível de animais virados de plastrão para cima, carapaça para baixo, para serem recolhidos,
consumidos ou comercializados.
A tartaruga-da-amazônia se reproduz tipicamente em grandes grupos de fêmeas, em praias
tradicionais de desova. Em áreas onde a espécie é pouco abundante, devido a fatores naturais e à
intervenção antropogênica, desova principalmente em pequenos grupos dispersos e também
solitariamente. Depois da desova, os adultos permanecem próximos das praias por cerca de dois
meses antes de iniciar a migração até os lagos adjacentes e as áreas de alimentação, nas margens
de lagos e rios, com vegetação inundável. A tartaruga se destaca, portanto, por apresentar um
comportamento reprodutivo comunal, diferente das outras espécies de quelônios que se
reproduzem individualmente. Exibem sete fases de comportamento reprodutivo, que compõem
um complexo de estratégia reprodutiva com padrões de comportamento altamente estereotipados
(Alho & Pádua, 1982). Essas sete fases são:
1. Agregação das tartarugas nas proximidades dos tabuleiros de desova, na estação de
estiagem, com indivíduos que chegam de diversos lugares dos nichos alimentares
localizados nas áreas de vegetação inundáveis nas margens dos rios, igarapés e lagos;
2. Subida das tartarugas aos tabuleiros;
3. Exploração do tabuleiro;
4. Escavação das covas de postura;
5. Postura;
6. Preenchimento e camuflagem das covas de postura;
7. Retorno à água e dispersão dos animais, retornando aos seus hábitats alimentares.
Foto 1.Tartarugas em fase de
subida aos tabuleiros de
desova, na estação de estiagem
do rio Xingu.
25
Os animais se agregam nas águas rasas próximas ao tabuleiro de desova e permanecem aí por
alguns dias até que podem detectar o máximo de vazante, estímulo ambiental que dispara a
subida à praia para inspeção, escolha do sítio de desova e começo do comportamento
estereotipado de postura, fechamento da cova, compactação, camuflagem e retorno à água. Há
uma demonstrada sincronia entre o regime de vazante do rio e o comportamento de nidificação
da tartaruga (Alho & Pádua, 1982). Todas essas fases, durante a estação reprodutiva, tornarão os
animais mais suscetíveis às perturbações que ocorrerão, embora tais perturbações já ocorram na
região. De fato, os principais problemas estão relacionados a dois fatores: a pressão de apanha de
animais e ovos que sofrem as tartarugas face à questão da fiscalização que não pode ser efetiva
para toda a região amazônica; e a questão do uso feito pelo homem de alguns tabuleiros,
inclusive sofrendo impacto da perturbação de navegação próxima à praia de desova.
Durante todas essas fases do comportamento reprodutivo, particularmente nas fases iniciais, os
animais são extremamente sensíveis à perturbação no rio. As tartarugas tendem a abandonar os
tabuleiros onde há perturbação de embarcações, de gente nos tabuleiros ou qualquer outro
distúrbio. Particularmente na fase de agregação, as tartarugas são extremamente suscetíveis à
perturbação que ocorre por conta do aumento de tráfego de embarcações. Nesta fase, os animais
detectam os estímulos ambientais da estiagem e começam e se dispersar de seus hábitats
alimentares nas margens do rio e lagoas, com inundação sazonal da floresta aluvial, para os
tabuleiros de desova.
1.4.1. Alteração da dinâmica populacional da tartaruga-da-amazônia. Os quelônios,
incluindo a Podocnemis expansa, são répteis muito antigos que evoluíram para a forma com
carapaça há cerca de 200 milhões de anos. A família Pelomedusidae, à qual a tartaruga-da-
amazônia pertence, conta com fósseis na América do Norte, indicando que, no passado, esses
animais se dispersaram, mas foram extintos em outras regiões. É uma espécie ectotérmica, que
precisa regular sua temperatura interna com exposição do corpo ao sol. Embora viva na água de
rio, lagoas marginais e igarapés, precisa ir à terra para fazer sua desova nos tabuleiros (praias) na
época de estiagem.
Na fase reprodutiva, a tartaruga-da-amazônia mostra um comportamento coletivo, comunal de
reprodução. Os indivíduos que estão dispersos nos hábitats alimentares (geralmente florestas
marginais inundáveis), detectam o regime de vazante do rio e eles desencadeiam seu
comportamento reprodutivo, inicialmente se agregando nas proximidades de um tabuleiro de
desova, fase localmente conhecida como "boiadura". Após a postura e eclosão, as fêmeas
desaparecem, se dispersando outra vez. Há normalmente uma alta taxa de predação natural sobre
os ovos, por diversos predadores naturais.
Após a eclosão, as tartaruguinhas aguardam uma noite chuvosa na câmara de postura da cova,
onde são capazes de detectar esse estímulo ambiental, e emergem procurando a água do rio. Aí
também há uma alta taxa de predação: por predadores naturais terrestres (aves, mamíferos,
lagartos) e por predadores aquáticos (piranhas, aruanãs e outros peixes, jacarés e outros
predadores). Os poucos filhotes que sobrevivem à predação natural, e que conseguem chegar à
idade reprodutiva, juntam-se às populações de fêmeas adultas que desovam nos tabuleiros.
26
Contudo, como já ressaltado, essa taxa de recrutamento na população adulta é extremamente
baixa, e ainda desconhecida no caso da tartaruga-da-amazônia. Cada tartaruga põe de 76 a 98
ovos de uma única vez, mas algumas posturas ultrapassam 100 ovos, dependendo da idade e do
tamanho da tartaruga, com um período de incubação em média de 48 dias.
Os ovos são esféricos, como uma bola de pingue-pongue, mudando de coloração e textura entre
24 e 28 horas após a postura; pesam de 18 a 52 gramas, com média de 32 gramas. Em cada
postura há um ou dois ovos grandes, de mais ou menos 52 gramas, chamados pelos caboclos de
"ovos de óleo", que nunca eclodem. A incubação dos ovos na areia dura cerca de 49 dias depois
da desova, a uma temperatura média de 37ºC dentro da câmara de postura. A temperatura de
incubação é importante para a determinação do sexo da tartaruga. Portanto, possíveis mudanças
climáticas na temperatura podem influenciar o balanço de sexo destes animais. Quando eclodem
na câmara de postura, as tartaruguinhas se movimentam para a superfície da areia, criando uma
espécie de funil na cova, permanecendo à cerca de 20 cm abaixo da superfície. Ficam aí
aguardando o estímulo ambiental - as primeiras chuvas - para saírem todas juntas em direção ao
rio. São extremamente ativas durante a noite, dando preferência às noites escuras, para escapar
dos ninhos para a água, em verdadeiras ondas de tartaruguinhas. Essa estratégia é interpretada
como um meio saciar os predadores naturais de uma só vez, deixando muitos filhotes
sobreviventes. Estima-se que mais de 90% de animais e ovos sejam naturalmente predados e que
menos de 5% sejam recrutados pela população adulta.
O macho é menor que a fêmea e, em alguns lugares da Amazônia, é denominado de "capitão".
Quando adulto, é distinguido facilmente porque possui uma cauda grande, contendo o pênis, que
é o dobro em tamanho da cauda da fêmea. A razão sexual favorece as fêmeas numa proporção
estimada de cerca de 30 fêmeas para cada macho. É ainda desconhecido o lapso de tempo na
história natural desses animais que vai desde que alcançam a água quando recém-eclodidos até a
fase adulta, quando se reproduzem nos tabuleiros de desova. Essa fase da vida da espécie só será
possível de ser conhecida se indivíduos recém eclodidos forem marcados e monitorados até a sua
fase de reprodução, englobando todo o espectro de sua área de vida (home-range), o que
representa um trabalho de pelo menos mais de uma década de duração.
As tartarugas em geral, e a tartaruga-da-amazônia, em particular, são preocupação de
conservação no mundo todo pela suscetibilidade de predação humana e pelo drástico declínio de
suas populações. Há pesada pressão de apanha de animais adultos e coletas de seus ovos pela
população humana local, onde a fiscalização não pode ser efetiva.
Os tracajás (Podocnemis unifilis) são encontrados em rios e florestas inundadas em toda a bacia
amazônica e do rio Orinoco. Exibem maior atividade durante o dia, alimentando-se de folhagens
e frutos caídos na água. Não exibem o comportamento reprodutivo comunal das tartarugas,
fazendo suas posturas individualmente. Põem cerca de 20 ovos por postura, que são enterrados
em bancos de areia e barrancos que são incubados durante 75 a 90 dias, pelo calor do sol. O
tracajá é espécie considerada ameaçada de extinção pela União Internacional de Conservação da
Natureza (IUCN) na categoria vulnerável.
1.5. Jacarés
Os jacarés ou crocodilianos, como os quelônios, têm sido perseguidos pelas populações humanas
27
em toda a sua área de ocorrência na Amazônia. Os jacarés são considerados pelos pescadores
animais competidores, prejudicando a pesca e destruindo seus artefatos de pesca. Por outro lado,
suas populações são também afetadas pela alteração e destruição de hábitats aquáticos, e também
pela caça para produção de carne e couro para consumo local e para comércio ilegal (Foto 2).
Foto 2. Os jacarés são importantes predadores habitantes dos ecossistemas aquáticos. A caça predatória feita pelo
homem potencialmente afeta negativamente as comunidades ecológicas desses ambientes (Foto Cleber Alho).
1.6. Mamíferos aquáticos
Na Amazônia existem cinco espécies de mamíferos aquáticos pertencentes a três distintas
Ordens: Sirenia, com uma espécie, o peixe-boi-da-amazônia (Trichechus inunguis); a Ordem
Cetacea, com duas espécies de golfinhos, o boto-vermelho (Inia geoffrensis) e o boto-tucuxi
(Sotalia fluviatilis); e a Ordem Carnívora, com duas espécies de mustelídeos aquáticos, a
ariranha (Pteronura brasiliensis) e a lontra (Lontra longicaudis). A eficiência que os mamíferos
aquáticos da Amazônia exibem em explorar seus hábitats alimentares e reprodutivos reflete a
evolução de suas estruturas anatômica, fisiológica e comportamental. Características
especializadas ao hábitat aquático produziram diferenças específicas entre ariranhas, lontras,
botos e peixes-boi, não só nos ajustes anatômicos como também nos padrões de comportamento
ecológico. Por apresentarem comportamentos distintos e utilizarem os hábitats aquáticos
disponíveis de forma bastante diferenciada, estas espécies de mamíferos aquáticos exibem
diferentes interações com os ecossistemas aquáticos amazônicos.
28
O peixe-boi é um herbívoro aquático endêmico da Amazônia, apresentando um comportamento
bastante discreto e difícil de ser observado no seu ambiente natural. As informações são obtidas,
de um modo geral, de forma indireta, por meio de entrevistas com os moradores locais,
observação de locais com presença de macrófitas aquáticas e semi-aquáticas, evidências de
locais de comida, presença de fezes, coleta de material ósseo ou carcaças, e outras evidências de
sua caça e exploração pelo homem.
As ariranhas e lontras da Amazônia, por outro lado, que são mamíferos carnívoros, possuem uma
forte tendência de manter um sistema digestivo simples e uma dentição conservativa para
alimentação basicamente em peixes. Os pés desses mustelídeos contam com estruturas para
natação (membranas interdigitais), possuem corpo longo, pelo fino e denso, pernas curtas e
cauda longa, achatada no sentido dorso-ventral, o que auxilia na natação e no mergulho.
Contudo, as duas espécies desempenham suas atividades também fora d’água. Enquanto as
ariranhas são mais sociais e territoriais, as lontras vivem mais isoladas ou em pares.
Os cetáceos – representados pelos botos nos rios da Amazônia – têm uma longa história
evolutiva e são mamíferos eutérios inteiramente aquáticos. Os membros anteriores são
transformados em nadadeiras e os posteriores são atrofiados, reduzidos a vestígios ósseos
envolvidos por músculos. A parte posterior do corpo é transformada numa cauda que produz a
propulsão na água. As narinas são dorsais e localizadas no topo da cabeça. A forma fusiforme do
corpo é adaptada para movimento veloz na água, com a pele lisa, para reduzir o atrito. A cabeça
do boto é móvel, permitindo movimento. Os botos podem fazer mergulhos profundos e sobem à
superfície para hiperventilar. Durante a fase de respiração, antes do mergulho, o oxigênio é
confinado na hemoglobina e há uma hemoglobina derivativa especial – a mioglobina – associada
com os músculos do animal. Quando mergulha, os batimentos cardíacos são reduzidos e o
sangue oxigenado é orientado principalmente para o cérebro. São animais sociais e se
comunicam por sons que são rapidamente transmitidos na água por emissões de baixa frequência
ou pulsos de ecolocação. Acasalam em geral no período de seca. Durante a cheia saem do leito
dos rios para entrar em lagos e igapós em busca de peixes, particularmente o boto-vermelho. Os
botos têm fascinado os índios e caboclos da Amazônia, com diversas histórias que elevam esses
animais à dimensão humana pela sua inteligência. O boto-vermelho e o tucuxi são animais
piscívoros, predadores do topo da pirâmide alimentar e perseguem suas presas, sendo facilmente
visíveis nos rios e lagos da Amazônia. Por isso são potenciais espécies para atuar como
indicadoras da qualidade dos ecossistemas aquáticos.
Os sirênios – representados pelo peixe-boi-da-amazônia – são mamíferos inteiramente aquáticos
e de hábito alimentar herbívoro, com radiações adaptativas muito antigas. Os sirênios podem
pesar de 300 a 500 quilos. Os membros anteriores ficaram inteiramente atrofiados e perdidos e a
parte posterior do corpo tomou o formato de um grande remo. Vivem em águas tranquilas de
igapós ou lagos, com vegetação flutuante, e os lábios são adaptados para apreender a vegetação a
partir da superfície da água. Como adaptação ao hábito alimentar herbívoro, o ceco intestinal é
alargado, servindo como repositório de fermentação microbiana, e seu intestino tem
comprimento de cerca de 20 a 30 vezes o tamanho do corpo. Sincronizam seus movimentos com
a disponibilidade dos hábitats preferidos, em função do ciclo hidrológico dos rios. Acumulam
gordura durante a estação cheia, cada indivíduo consome até 50 kg de vegetação (gramíneas) por
dia, para suportar o período escasso de alimento na estação seca. As fêmeas mantêm cuidados
29
maternais em estreita vigilância do filhote, o que aparentemente é o elo mais coeso de
comportamento da espécie. As populações de peixe-boi estão drasticamente reduzidas pela
pressão de caça. Permanecem por até uma hora embaixo d’água, quando vêm calmamente à
superfície, colocando somente a narina de fora para respirar. É nessa ocasião que são arpoados
para consumo de sua carne.
Outras espécies de mamíferos com alguma associação com o ambiente aquático são os
marsupiais e roedores silvestres, tais como a mucura-d’água do gênero Chironectes e as cuícas
d’água Marmosa lepida, Micoureus demerarae, Marmosops pinheroi, Marmosops noctivagus e
Marmosa murina. Essas espécies se caracterizam por certa dependência de ambientes aquáticos,
visto que as fisionomias vegetais por elas utilizadas estão ligadas aos cursos d’água da região de
estudo, sendo muitas vezes formações aluviais com regime de alagamento sazonal. Micoureus
demerarae ocorre, na Amazônia, principalmente em floresta de terra firme primária ou
secundária e, eventualmente, em floresta inundável. Marmosa lepida ocorre na floresta tropical;
utiliza principalmente o solo e o sub-bosque, explorando também o sub-dossel. Marmosa murina
é espécie noturna, arbórea e solitária; utiliza frequentemente os estratos mais baixos da floresta
em níveis inferiores a cinco metros, podendo descer ao solo para forragear. Metachirus
nudicaudatus vive preferencialmente em matas de galeria. Difere da maioria dos outros
marsupiais por ser exclusivamente terrestre, sendo capaz de percorrer grandes distâncias no solo.
Embora mais característico de florestas maduras, também utiliza matas secundárias e
perturbadas.
A capivara Hydrochoerus hydrochaeris é o maior roedor, de hábito semi-aquático, social, com
forte relação com o regime de enchente-vazante e bastante caçado pelos ribeirinhos. Outro
grande mamífero que se utiliza de ambiente aquático com muita frequência é a anta Tapirus
terrestris. Também, o rato-toró do gênero Echimys é um roedor silvestre de hábito arborícola,
com forte associação com o ambiente aquático, vivendo nas várzeas e igapós. Sua vocalização
típica, ouvida nesses ambientes no crepúsculo, tem sido referida por alguns pesquisadores da
Amazônia. Outro roedor que explora o ambiente aquático é o rato-d’água do gênero Nectomys,
sempre encontrado nas vizinhanças de ambientes aquáticos; tem os pés com membranas
interdigitais, o que lhe confere capacidade para nadar.
A relação entre as espécies de mamíferos aquáticos e a origem dos rios da Amazônia tem sido
objeto de alguns estudos, incluindo a colonização do peixe-boi e dos botos, a partir
provavelmente, de estoques marinhos. Hoje, os mamíferos aquáticos mostram uma sincronia em
seu ciclo de vida com o regime hidrológico dos rios. Quando a cheia sazonal inunda as matas de
várzeas e igapós, a água invadindo por canais, depressões e igarapés, muitos deles escondidos
entre a densa vegetação, os hábitats inundáveis, incluindo lagos temporários e permanentes,
adjacentes aos rios, se interligam num extenso e complexo ambiente aquático de furos, canais e
igarapés. Os caboclos da Amazônia distinguem bem o verão – época da seca, do inverno –
época das chuvas mais intensas e da cheia dos rios. No verão, os igarapés drenam a floresta para
os rios principais, e no inverno enchem-se d’água pela ação das chuvas locais. O início das
chuvas intensas e de enchente representa o gatilho que desencadeia o comportamento dos
mamíferos aquáticos em sua dispersão em busca de novos hábitats e nichos alimentares e
reprodutivos. Nesse período, cardumes de peixes deixam o leito dos rios para se alimentar nas
florestas inundáveis e aí se reproduzirem. Esse movimento é seguido pelas espécies de
mamíferos que se alimentam de peixes como as ariranhas e lontras.
30
2. ÁREAS CRÍTICAS ESTUDADAS: OS HOTSPOTS DESIGNADOS
2.1. Conceito e designação das áreas críticas para estudo de campo
O conceito de hotspot vem sendo usado na literatura técnico-científica desde 1988 quando
Norman Myers introduziu o critério para identificar áreas prioritárias para conservação. De fato,
tem havido uma crescente importância e aceitação internacional no emprego deste conceito no
planejamento e manejo para conservação da biodiversidade.
Esse conceito se baseia principalmente em dois critérios: endemismo de espécies e grau de
ameaça ambiental. As espécies endêmicas são mais restritas em distribuição, mais especializadas
e mais susceptíveis à extinção, face às mudanças ambientais provocadas pelo homem, em
comparação às espécies que têm distribuição ampla. O grau de ameaça ambiental é a segunda
base do conceito de hotspot e é fortemente definido pelo grau de perda de hábitat, isto é, quando
a área perde pelo menos 70% de sua estrutura original, onde havia ocorrência de espécies
endêmicas.
Por exemplo, para os cursos d’água ao longo da bacia do Rio Xingu são catalogadas 142
espécies de peixes, das quais 36 são endêmicas (Albert et al., 2011). Grande parte desses
endemismos ocorre nas cabeceiras do Rio Xingu, região também conhecida como Alto Xingu.
Essa região está sob forte impacto da expansão do uso e ocupação do solo, com desmatamentos e
cultivo intensivo de grãos, principalmente soja, além de conversão da vegetação nativa em pasto
para a pecuária bovina. Essas ameaças ambientais têm impactado os ecossistemas aquáticos, com
alteração e perda de hábitats naturais de peixes. Essas evidências aferidas no campo dão
conotação pragmática ao conceito de hotspot.
Desse modo, deve ficar bem claro que a sobrevivência das espécies endêmicas que ocorrem em
determinado hotspot (ou certo tipo de ecossistema aquático, no caso do exemplo acima), depende
do tipo de hotspot em análise, ou do tipo de hábitat natural e íntegro, onde essas espécies
endêmicas ocorrem (Foto 3). Em consequência, se a espécie endêmica ocorre somente naquele
hotspot e não em outro hábitat qualquer, as ameaças ambientais atuando negativamente sobre
esse ecossistema devem ser mitigadas ou eliminadas por intervenções diversas, incluindo plano
de manejo ou outro tipo de plano de ação estratégica de conservação. Essa questão em
conservação da natureza é considerada pela UICN (União Internacional para Conservação da
Natureza) como a linha da doutrina da responsabilidade final (ou ultimate responsibility), como
definido pela Species Survival Commission.
O termo de referência do Projeto GEF-Amazonas recomenda a integração com o objetivo do
Projeto-GEF AquaBio (MANEJO INTEGRADO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA E DOS
RECURSOS HÍDRICOS NA AMAZÔNIA) que estabelece: "promover ações estratégicas para
a implantação da Gestão Integrada da Biodiversidade Aquática e dos Recursos Hídricos − que
internalizem os objetivos de conservação e uso sustentável da biodiversidade aquática nas
políticas e programas de desenvolvimento sustentável da Amazônia."
31
Foto 3. Trabalho de campo para avaliação dos ecossistemas aquáticos (Foto; Cleber Alho)
Embora o Projeto AQUABIO não tenha sido inteiramente implementado no campo, parte
específica de seu conceito e objetivo, com relação às áreas críticas (hotspots) é retomado aqui,
como recomenda o Projeto GEF-Amazonas. Neste sentido, uma preocupação apontada pelo
AquaBio é a grande extensão e diversidade dos ecossistemas amazônicos, que faz com que a
eficiência da aplicação de planos e políticas estabelecidas fiquem prejudicadas na medida em que
elas não se ajustam às características locais da ecologia, cultura, e organização social de cada
local. Os ecossistemas aquáticos dos rios de águas brancas, ricos em nutrientes (como os rios
Solimões/Amazonas), e aqueles dos rios de águas claras (e.g. Xingu e Tocantins) e pretas (Rio
Negro), caracterizados pela oligotrofia do ambiente aquático, necessitam de alternativas e
propostas diferenciadas de conservação e uso sustentável dos seus recursos aquáticos.
As ameaças designadas pelo AquaBio compreendem a conjunção de uma série de fatores tais
como:
Uso direto dos recursos aquáticos em níveis não sustentáveis, por atividades de caça
(quelônios, peixe-boi) e pesca (comercial, ornamental, esportiva), apontando sobre-
exploração de algumas espécies tais como tambaqui, piramutaba, tucunaré e pirarucu;
Desmatamento para uso direto da madeira e para implantação de atividades
agropecuárias. Neste avanço da fronteira agrícola, se destacam o uso de técnicas
modernas e mecanizadas para o plantio de soja e algodão e a pecuária extensiva em áreas
32
de terra-firme e de búfalos em áreas inundáveis (várzeas), resultando no assoreamento de
rios e igarapés, perda do habitat aquático de várias espécies devido ao corte da vegetação
de galeria, poluição da água por agrotóxicos e óleo de máquinas agrícolas;
Crescente urbanização, com aumento do lançamento nos leitos dos rios de dejetos
orgânicos, além de dejetos sólidos (lixo);
Construção de infraestruturas específicas, tais como hidrelétricas e hidrovias (causando
mudanças no regime hidrológico), linhas de transmissão, estradas, gasodutos e projetos de
irrigação;
Atividades de mineração, incluindo garimpo e extração de areia e seixos.
As áreas designadas para as atividades de trabalho de campo incluem:
Os ecossistemas aquáticos (águas claras) da cabeceira do Rio Xingu
Os ecossistemas aquáticos (águas escuras) da região de Barcelos do (médio/baixo) Rio
Negro
Os ecossistemas aquáticos (águas claras) da região do baixo Rio Tocantins próxima a
Tucuruí.
Os fatores de estresse ou conflitos identificados nesses trechos designados são:
No médio e baixo Rio Negro:
Conflitos entre a pesca ribeirinha e a comercial, especialmente onde as pescarias estão
limitadas a locais fora de áreas protegidas, aumentando desta forma a competição dos
usuários pelo recurso pesqueiro;
Conflitos entre a pesca de subsistência praticada pelos ribeirinhos e a pesca esportiva, já
que alguns rios foram “fechados” para a pesca de subsistência, de forma a assegurar a
disponibilidade de grandes espécimes para a pesca esportiva;
Conflitos entre “piabeiros” (pescadores que se dedicam à captura de peixes ornamentais)
e autoridades ambientais, e também com outros tipos de pescaria.
Nas cabeceiras do Rio Xingu:
Conflitos entre ribeirinhos/pequenos agricultores e as grandes fazendas (de pecuária e
com operações mecanizadas de agricultura);
Conflitos sobre a qualidade ambiental e da saúde entre populações no entorno do Parque
Indígena do Xingu e os povos indígenas que vivem no Parque.
No baixo Rio Tocantins:
Conflitos entre pescadores sobre o uso dos estoques reduzidos de peixes após a
construção da UHE Tucuruí;
Conflitos entre comunidades locais e administradores da usina hidrelétrica sobre a
implementação de medidas apropriadas para compensar os impactos negativos sobre as
atividades econômicas e a qualidade de vida no trecho do rio à jusante da barragem.
Para o fim dos componentes do Projeto GEF-Amazonas, particularmente III.1.1, o enfoque se
faz sobre a ictiofauna amazônica (grupo de espécies de peixes) e seus ecossistemas aquáticos
(grau de ameaça ambiental). Assim, o critério biológico pode ser um elemento da análise do
hotspot, por exemplo, identificando os hábitats ou microhábitats essenciais para alimentação e
reprodução de peixes (indicadores biológicos) e como as ameaças ambientais estão afetando
esses hábitats naturais. Com o enfoque do uso pelo homem dos recursos dos ecossistemas
33
aquáticos, como a pesca, a interação com os aspectos socioeconômicos também se faz necessária
na análise dos hotspots.
Neste sentido foram realizados trabalhos de campo nas três áreas designadas: Alto Xingu, Baixo
Tocantins e Médio Rio Negro (Figura 3). Esses trabalhos de campo foram executados por uma
equipe de três consultores (um ecólogo – Cleber Alho e dois ictiólogos – Roberto Reis e Pedro
Aquino). Visaram identificar, selecionar e mapear os temas críticos concernentes ao esgotamento
dos recursos dos ecossistemas aquáticos, com verificações de campo para confrontar com as
ameaças ambientais designadas na literatura, além de promover reuniões com as lideranças
locais de cada hotspot, principalmente as cooperativas de pesca. Essas reuniões e entrevistas
foram promovidas junto às lideranças de pescadores em cada um dos hotspots visitados durante
os trabalhos de campo. Tiveram como objetivo confirmar e ratificar os principais problemas
ligados à sustentabilidade biológica e socioeconômica dos recursos naturais dos ecossistemas
aquáticos sendo utilizados em cada uma das três áreas críticas designadas. O objetivo final foi
para conferir autenticidade e melhor ajuste à realidade local dos hotspots sobre as
recomendações feitas neste documento para o programa de ações estratégicas PAE).
Figura 3. Localização das três áreas críticas designadas (hotspots) para os trabalhos de campo com ênfase nos
ecossistemas aquáticos tomando peixes e pesca como viés para as análises.
34
3. A BACIA DO RIO XINGU
3.1. A bacia hidrográfica
O rio Xingu é um dos principais tributários da bacia Amazônica e drena o Escudo Brasileiro,
juntamente com o Tocantins, Araguaia, Tapajós e parte do rio Madeira. A bacia do rio Xingu
compõe a Ecorregião Aquática 322 do mapa das ecorregiões de água doce do mundo de que é
limitada ao norte pela área de Belo Monte, na zona de contato entre a bacia sedimentar
Amazônica e o Escudo Brasileiro, a leste e ao sul pelo divisor de águas com a bacia do rio
Araguaia, ao longo da Serra do Roncador, Serra dos Gradaús e Serra dos Carajas, e a oeste pelo
divisor de águas com a bacia do rio Tapajós, ao longo da Serra Formosa e Serra do Cachimbo. A
elevação ao longo da bacia é muito lenta na maior parte dela, com um aumento da cota em
relação ao nível do mar de cerca de 150 metros ao longo da Volta Grande, entre Belo Monte e
Altamira e mais 150 metros entre Altamira e a confluência dos rios Sete de Setembro e Coluene,
já em sua parte alta, área visitada neste estudo. As suas cabeceiras mais altas nascem no Planalto
de Mato Grosso, a mais de 800 metros de altitude. Na maior parte de seu percurso o rio Xingu
corre sobre terrenos cristalinos de granito e também calcário, o que lhe confere uma quantidade
de sedimentos carreados muito baixa e alta transparência. O clima nesta eco-região é tropical,
com precipitação média anual entre 1.485 e 2.547 mm e com estação de cheia entre novembro e
abril e com temperatura do ar média entre 21,6 e 26,5ºC.
O rio Xingu é a quarta maior bacia hidrográfica da Amazônia (cerca de 7% em área) e um dos
maiores rio de águas claras que drena os planaltos cristalinos e planícies sedimentares do Escudo
Brasileiro, sendo responsável por cerca de 5% da vazão do rio Amazonas. A transparência de
suas águas esverdeadas (por causa de florações de fitoplancton) varia de 0,6 a 4 metros, com pH
entre 4,5 e 7,8. O nível da água começa a subir em setembro ou início de outubro, atingindo o
pico da cheia entre março e abril. A média anual de flutuação do nível do rio é entre dois e cinco
metros. Por causa da baixa carga de sedimentos, o rio é bastante largo na ria, assemelhando-se a
um lago. Marés oceânicas ocorrem até cerca de 100 km acima da sua foz, a qual se encontra a
cerca de 420 km do oceano Atlântico. A parte superior da bacia do rio Xingu, ao sul do paralelo
de 10ºS, que coincide aproximadamente com a divisa Pará-Mato Grosso, situa-se em uma
depressão caracterizada por extensas áreas úmidas que são periodicamente alagadas. Essa área
contém lagos, banhados, florestas sazonalmente alagadas e savanas. Comparando-se com a parte
baixa da bacia, onde o nível de nutrientes é baixo, a parte superior da bacia é mais rica em
nutrientes, suportando maior diversidade de vegetação aquática, moluscos e outros
invertebrados. Cataratas e corredeiras ocorrem principalmente na parte baixa e nos tributários do
rio Xingu, notadamente as cataratas da Serra do Cachimbo e as corredeiras da Volta Grande, que
agem como barreiras para a fauna aquática entre a Amazônia central e o Xingu superior (Hales &
Petry, 2013).
3.2. A fauna de peixes do Xingu
A bacia do rio Xingu está dentro da região ictiogeográfica Guyano-Amazônica, e mais
especificamente na província ictiogeográfica Amazônica (Gery, 1969; Ringuelet, 1975). Esta
bacia contém um grupo de espécies diverso e único da porção leste do escudo Brasileiro (Hales
& Petry, 2013). Em um estudo recente sobre a ictiofauna dos rios Xingu e Tapajós, Buckup et al.
35
(2011) coletaram 288 espécies de peixes de pequeno porte no rio Xingu, 128 das quais foram
exclusivas dessa bacia. Essas espécies se distribuíram entre uma espécie de Condrichthyes
(Rajiformes) e 11 ordens da Actinopterygii, das quais os Characiformes representaram cerca de
50% das espécies, seguidos pelos Siluriformes com cerca de 32%, dos Perciformes com cerca de
10% das espécies, entre outras. Ainda, pelo menos dois gêneros de peixes de água doce são
endêmicos da bacia do rio Xingu (Ossubtus e Phallobrycon). Um achado muito positivo nesse
estudo é que nenhuma espécie exótica foi capturada na bacia do Xingu. Considerando as
espécies de médio e grande porte não levantadas e as demais espécies pequenas não amostradas
naquele estudo, estima-se uma riqueza aproximada de 500 espécies para a bacia do rio Xingu.
Ao final deste relatório estão listadas e ilustradas as 25 espécies mais importantes da pesca
esportiva no rio Xingu.
3.3. O hotspot do Alto Rio Xingu
Durante a viagem a campo para o alto rio Xingu priorizou-se a estratégia de inspeção ambiental
direta, através de deslocamento por barco e automóvel. A equipe ficou hospedada na Pousada
Nascente do Xingu, na beira do rio Xingu no município de Canarana, Mato Grosso. A partir
dessa pousada diversas excursões em barco rápido (voadeira) foram empreendidas a diferentes
ecossistemas aquáticos. Entrevistas com lideranças de pescadores e entidades representativas de
pescadores, como Colônias de Pesca, foram efetuadas no sentido de conferir proximidade do
diagnóstico e das ações propostas neste estudo. Ambientes visitados situavam-se nos rios
Coluene e Sete de Setembro, próximas a nascente do rio Xingu, formado pela confluência dos
dois rios acima, e no rio Coronel Vanick, um afluente do rio Sete de Setembro (Figura 4). A
área das nascentes do rio Sete de Setembro, escolhida para representar da região de nascentes do
rio Xingu, foi inspecionada por terra, em veículo apropriado, e comparada com as demais
nascentes do rio Xingu através de imagens de satélite (Figura 5). Todo o trabalho foi registrado
fotograficamente e as áreas visitadas nos rios foram georeferenciadas através de GPS.
36
Figura 4. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.
Note a Reserva Indígena do Alto Xingu no canto superior esquerdo. Os trechos de rio marcados com o track de GPS
foram visitados de barco.
A região do alto Xingu representa uma zona de transição entre a Floresta Amazônica típica e o
Cerrado do Planalto Central, com uma composição florística própria. À medida que a floresta
amazônica vai avançando para o sul, sua fisionomia também vai se modificando, por causa do
clima estacional sob o qual essa formação encontra-se hoje. Por isso, apesar de tratar-se de
Floresta Estacional, é distinta florística e fisionomicamente da Floresta Estacional Semidecidual
ou Decidual, com a qual ainda mantém algum contato por meio das florestas de galeria. Por este
motivo, Ivanauskas et al. (2008) sugeriu a denominação de Floresta Estacional Perenifólia para o
tipo vegetacional do alto Xingu. Assim, sob o ponto de vista fitogeográfico, a floresta do alto
Xingu é considerada Amazônica, mas do ponto de vista morfoclimático é uma área de transição
para o domínio do Cerrado.
A área visitada situa-se exatamente sobre a fronteira do desmatamento no município de
Canarana. A inspeção de imagens de satélite mostra que uma grande parte das florestas do alto
Xingu já foi retirada para abrir espaço para a pecuária e, mais recentemente, para a agricultura
extensiva (Foto 4).
37
Figura 5. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.
Note a bacia do rio Araguaia no canto inferior direito e a Reserva Indígena do Alto Xingu no canto superior
esquerdo. Os trechos de rio marcados com o track de GPS foram visitados de barco. O Rio Sete de Setembro
próximo à Canarana e o seu riacho afluente próximo à Água Boa foram visitados de carro.
Durante a inspeção da área, algumas fazendas de criação de gado e de plantação de soja foram
visitadas. Nessas visitas os proprietários e/ou funcionários das fazendas foram entrevistados
sobre as suas práticas de agricultura e pecuária, sobre desmatamento da região e sobre a sua
percepção do declínio da quantidade de peixes nos rios e suas possíveis causas. Todos os
fazendeiros e outros trabalhadores entrevistados tendem a atribuir à pesca esportiva
indiscriminada a responsabilidade pela diminuição da quantidade de peixes. De modo geral,
apesar de reconhecerem que defensivos agrícolas e fertilizantes podem ser prejudiciais aos
peixes, não reconhecem o desmatamento como um importante impacto aos ambientes aquáticos.
Essa falta de entendimento da importância da floresta para os ambientes aquáticos está
claramente expressa na mínima faixa de floresta ripária mantida na beira dos rios em várias áreas
inspecionadas (Foto 4).
38
Foto 4. Margem do rio Sete de Setembro mostrando o desmatamento até a beira do rio. As árvores mais altas são
testemunhos da dimensão que a mata primária possuía antes do desmatamento. Foto: Roberto Reis.
Durante as excursões de barco no rio Sete de Setembro e, principalmente, rio Culuene, cinco
Pousadas de Pesca foram visitadas e seus proprietários e/ou funcionários foram entrevistados.
Algumas dessas pousadas são bastante bem aparelhadas, possuindo grande número de barcos
(mais de 20), e pista de pouso. Da mesma forma que nas fazendas, estes foram questionados
sobre suas práticas profissionais como guias e promotores de pesca esportiva, pescadores,
desmatamento da região e sobre a sua percepção do declínio da quantidade de peixes nos rios e
suas possíveis causas. Aqueles que vivem na região há muito tempo reconhecem um drástico
declínio na quantidade de peixes nos últimos 10-15 anos. Essa percepção não é tão clara para os
entrevistados que vivem a menos de 15 anos na região.
Apesar do inicio do desmatamento na região ser mais antigo, este era feito prioritariamente para
criação de gado, que não impacta tão severamente os ambientes aquáticos. No entanto, a partir
de cerca de 15 anos atrás muitas das fazendas de criação de gado iniciaram a trocar sua atividade
principal para o plantio de soja ou outros grãos como milho, sorgo e outros, o que introduziu no
ambiente, de forma sistemática e periódica, enormes cargas de defensivos agrícolas e
fertilizantes de solo, além de provocar o incremento do desmatamento e diminuição adicional da
faixa de floresta ciliar ao longo dos rios. Ao contrário dos fazendeiros, as pessoas envolvidas
com a pesca esportiva atribuem o declínio na quantidade de peixes às praticas agrícolas, mas
também não veem o desmatamento como um impacto sério para os ambientes aquáticos.
39
A expedição às cabeceiras do rio Xingu foi conduzida durante a estação de cheia, quando o rio
está vários metros acima do nível normal. Os ambientes visitados de barco foram rio de grande
porte (Xingu), rios de médio porte (Sete de Setembro e Culuene), e também rios pequenos, como
o Coronel Vanick. Apesar dos rios estarem sobre o planalto, estes são bastante convolutos e com
muitos meandros, e possuem uma faixa de floresta inundável que varia de um a cinco
quilômetros de largura na parte baixa dos rios Culuene e Sete de Setembro, e de quatro a oito
quilômetros de largura no rio Xingu – semelhantes as áreas de terras baixas da Amazônia central.
Essa floresta é anualmente inundada pela cheia do rio e peixes e outros organismos aquáticos
deixam o leito do rio para se abrigar e alimentar na mata inundada. Nessa mesma época ocorre a
frutificação de um grande número de árvores de mata inundável, fornecendo assim frutos e
sementes como um valioso recurso energético para os peixes que deles se alimentam. Além
disso, uma grande quantidade e diversidade de invertebrados, especialmente insetos, ocupam as
florestas inundadas e são consumidos por numerosas espécies de peixe.
Além dos rios, vários lagos dos rios Coluene e Sete de Setembro foram visitados. Estes lagos
(oxbow lakes) são formados pela dinâmica de mudanças do curso do leito principal do rio dentro
da faixa de mata alagável (Figura 6). Estes lagos são permanentes, permanecendo com água
durante a estação da seca, e se constituem em áreas de refúgio e criação de algumas espécies de
peixes e área de alimentação para outras.
Figura 6. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando o rio Coluene imediatamente acima da área visitada. Note
lagos (oxbow lakes) formados pelas mudanças do curso do leito principal do rio dentro da faixa de mata alagável. A
linha vermelha corresponde a 4 km.
40
Também foram visitadas as nascentes do rio Sete de Setembro, em áreas dos municípios de
Canarana e Água Boa. Cerca de 20 km a oeste da cidade de Canarana o rio Sete de Setembro
apresenta um leito variando entre 30 e 60 metros de largura, com meandros dentro de uma área
de floresta inundável de 600-1.200 metros de largura. Mais acima, a oeste da cidade de Água
Boa, um riacho afluente do rio Sete de Setembro foi inspecionado. Esse riacho tem cerca de 20-
30 metros de largura, já não possui área de mata inundável e pouca mata ciliar foi mantida após o
desmatamento. Nesse riacho havia mineração de areia no leito e grandes montes de areia
estavam acumulados esperando compradores. Também, grandes lavouras de soja se localizavam
em todo o entorno desse e de outros mananciais na região (Foto 5). Finalmente, foi inspecionado
um pequeno córrego de primeira ordem, da cabeceira do rio Sete de Setembro. Este córrego
estava parcialmente represado e, como todos na região, era cercado de lavouras de soja. Abaixo
do represamento, no entanto, sua água é corrente e aparentemente limpa, mas potencialmente
poluída com defensivos e fertilizantes agrícolas.
Foto 5. Plantação de soja em fase de colheita junto à área de mineração de areia em riacho tributário do rio Sete de
setembro. Foto: Roberto Reis.
Diversas ameaças aos ambientes aquáticos e peixes do rio Xingu foram identificadas nesta
viagem. As ameaças podem ser classificadas em diretas, como a pesca, coleta de peixes
41
ornamentais, retirada de mata ripária e uso de defensivos e fertilizantes agrícolas, com ação
rápida diretamente sobre os peixes; e indiretas, como desmatamento extensivo, mineração no
leito do rio, construção e operação de usinas hidrelétricas e mudanças climáticas.
Pesca esportiva. A pesca esportiva é, de maneira geral, uma atividade de baixo impacto
nas comunidades de peixes, especialmente quando a prática de pescar-e-soltar é utilizada.
Na região do alto Xingu, entretanto, o número de pousadas especializadas em receber
pescadores esportivos e disponibilizar condições para pesca é muito grande. Em uma área
visitada de cerca de 50 km no baixo rio Coluene, por exemplo, existem pelo menos cinco
pousadas com capacidade para receber dezenas de pescadores e de levá-los para pescar
diariamente. Essas pousadas contam com acesso por estrada e por aviões pequenos e tem
até cerca de 20 barcos para piloto e dois pescadores. Relatos de pilotos de barcos de
pesca nessa área reportam varias dezenas de barcos pescando concomitantemente neste
trecho do rio na estação de seca. As quotas individuais de pesca, tanto para pescadores
comerciais como esportivos, tem sido sistematicamente diminuídas nos últimos anos.
Ainda assim, a retirada contínua de peixes pela pesca esportiva é um impacto
considerável para as populações locais. Ainda, uma consequência conhecida da pesca é a
diminuição do tamanho dos peixes. A pesca, especialmente a pesca esportiva,
seletivamente retira da população os exemplares grandes, fazendo com que os peixes
menores, mas já maduros, produzam a nova geração. Com o passar do tempo o tamanho
médio dos peixes da população sob efeito de pesca pode ser sensivelmente diminuído.
Coleta de peixes ornamentais. A coleta de peixes ornamentais no rio Xingu é bastante
importante economicamente, sustentando uma comunidade de pescadores que se
originaram do garimpo de ouro no leito do rio. Essa atividade, no entanto, está restrita ao
baixo Xingu e se concentra na região da Volta Grande, entre Altamira e Belo Monte.
Essa atividade é de baixo impacto para o ambiente aquático, mas tem efeito diretamente
nas populações de peixe pela retirada de indivíduos e representa uma ameaça por
produzir os mesmos efeitos que a pesca comum.
Retirada de mata ripária. Mata ciliar ou ripária é a vegetação que ocorre nas margens dos
rios. Essa mata é fundamental para o ambiente aquático e para os organismos que vivem
nos rios por três motivos principais. A integridade das margens é, em grande parte,
sustentada pela vegetação ripária. A sua retirada facilita o carreamento de terra e outros
sedimentos para o leito do rio pela chuva, causando o assoreamento do leito, com a
consequente diminuição da profundidade e da estruturação. Além disso, a mudança na
turbidez da água provoca alteração na penetração de luz e consequentemente na
produtividade primária do manancial. Ainda, altera as habilidades de percepção do meio
pelos peixes que se orientam visualmente para atividades reprodutivas, alimentares, etc.,
impactando a sua sobrevivência. Finalmente, diversas árvores da mata ciliar produzem
frutos e sementes que são utilizadas por diversos peixes para alimentação, especialmente
na época de cheia.
Fertilizantes de solo agrícolas. Diferentes tipos de solos precisam ser corrigidos para
adaptar-se a distintos cultivos agrícolas. Os típicos latossolos do Escudo Brasileiro na
região do alto Xingu são empobrecidos de nutrientes e necessitam de correção de pH e de
acréscimo de fertilizantes para o plantio da soja e outros grãos. A engenharia agrícola
42
obviamente procura minimizar o uso destes componentes a fim de diminuir o custo da
produção. No entanto, parte destes corretivos e fertilizantes é carreada para os riachos e
daí para os rios, eutrofizando os mananciais e modificando a dinâmica da cadeia
alimentar dos organismos aquáticos.
Herbicidas, inseticidas e outros defensivos agrícolas. Da mesma forma que os
fertilizantes, diversos tipos de herbicidas e pesticidas são empregados nos cultivos de
soja, predominantes na região do alto Xingu. Estes produtos são usualmente aplicados
com aviões que jogam grandes quantidades sobre as lavouras. Uma vez aplicados, parte
acaba sendo carreada pela chuva para os rios causando diferentes tipos de
envenenamentos nos organismos aquáticos.
Desmatamento extensivo. O desmatamento extensivo provavelmente representa o mais
importante fator de impacto sobre os ambientes terrestres, com consequências igualmente
importantes para os ambientes aquáticos envolvidos. A retirada da floresta aumenta
drasticamente a evaporação da água do solo, causando a diminuição de fluxo ou mesmo
desaparecimento de nascentes, culminando com a diminuição da vazão dos rios. O
desmatamento também desagrega o solo que será parcialmente carreado pelas chuvas,
especialmente quando a faixa de mata ciliar remanescente for pequena.
Mineração de areia no leito dos rios. A demanda por areia para a construção civil tem
crescido dramaticamente na região do alto Xingu, uma vez que cidades estão crescendo e
se desenvolvendo com o dinheiro da soja que chegou recentemente à região. A mineração
de areia no leito do rio causa a completa destruição do leito e das margens localmente,
causando um impacto severo, porém pontual. As ameaças ao ambiente aquático e à fauna
aquática são severas, mas são, como mencionado, pontuais.
Construção e operação de usinas hidrelétricas. Represas hidrelétricas impactam as
populações de peixes de três maneiras. A transformação de um ambiente lótico em um
lago erradica ou reduz significativamente as populações das espécies reofílicas e ao
mesmo tempo fornece as condições para que as espécies lênticas proliferem, dessa forma
alterando a composição da comunidade local. Em uma escala mais ampla, as barragens
regulam o fluxo do rio a jusante, perturbando os ciclos anuais de alimentação e
reprodução, e perturbando as rotas migratórias de muitos peixes grandes que não
conseguem atravessar a barreira criada pela represa. Nas cabeceiras do rio Xingu,
especificamente no rio Coluene, existe a Usina Hidrelétrica do rio Coluene. Há relatos de
pescadores e de cientistas (Flávio Lima, comunicação pessoal), de que grandes cardumes
de matrinxã chegam até a represa do rio Coluene e se acumulam a jusante desta por não
poder seguir rio acima. Essa parada na rota migratória de espécies de piracema, como o
Matrinxã, prejudica a reprodução da espécie. Além disso, há relatos de que comunidades
de pescadores locais se reúnem nessas ocasiões para uma pesca farta e fácil, mesmo
durante o período de defeso da piracema. No baixo Xingu, por outro lado, a UHE Belo
Monte está em fase de construção e depois de concluída irá afetar a comunidade de
peixes reofílicos, especialmente acaris da família Loricariidae, que vivem na Volta
Grande do Xingu, a jusante de Altamira.
43
Mudanças climáticas. Dados preliminares de um estudo em desenvolvimento pela WWF
sugerem que as mudanças climáticas futuras não estão sendo consideradas de maneira
adequada no planejamento energético de longo prazo ou na avaliação da viabilidade de
projetos hidrelétricos da Amazônia. Secas severas como as que assolaram a Amazônia
em 2005 e 2010 tendem a se tornar mais frequentes, e essas alterações climáticas,
associadas ao desmatamento generalizado da região, podem reduzir a vazão do rio Xingu
e de outros rios Amazônicos que drenam o Escudo Brasileiro. Uma eventual redução na
vazão do rio Xingu poderá afetar a produtividade em usinas hidrelétricas como a UHE
Belo Monte, como sugerido pelo estudo da WWF. As consequências de uma redução de
vazão do rio Xingu por causa de mudanças climáticas, entretanto, poderão ser muito mais
prejudiciais à fauna aquática, uma vez que áreas de alimentação e refugio podem tornar-
se menos acessíveis anualmente e migrações reprodutivas rio acima podem não ser
desencadeadas por uma vazão reduzida em um ano de seca.
4. A BACIA DO RIO TOCANTINS
4.1. A bacia hidrográfica.
O rio Tocantins é um dos principais tributários da bacia Amazônica e drena, em sua maior parte,
o Escudo Brasileiro, juntamente com o Xingu, Tapajós e parte do rio Madeira. A bacia de
captação do rio Tocantins drena uma área de 767.000 km2, sendo 343.000 correspondem ao rio
Tocantins e 382.000 ao rio Araguaia, seu principal afluente. O rio Tocantins é bastante
canalizado, com planície de inundação relativamente estreita e densidade de drenagem
moderadamente alta (Mérona et al. 2010). A bacia do rio Tocantins está contida em duas eco-
regiões bastante distintas do mapa das eco-regiões de água doce do mundo de Abell et al. (2008).
A maior parte da bacia do rio Tocantins compõe a Eco-região Aquática 324 (Tocantins-
Araguaia), que é limitada ao norte pela barragem da UHE Tucuruí, justamente nossa base de
operações nesta expedição.
Limita-se a oeste pelas serras do Roncador e dos Gradaús, divisores de água entre as bacias dos
rios Araguaia e Xingu, e ao sul pelo divisor de águas com o rio Paraná no Planalto Central e pela
formação Chapada dos Guimarães, que o separa da bacia do rio Paraguai.Ao leste é separada de
bacias costeiras como o rio São Francisco e rio Parnaíba, pela Chapada das Mangabeiras e pela
Serra Geral de Goiás. A topografia ondulada da bacia do rio Tocantins varia de 1.600 m no
Planalto Central até cerca de 25 m nas terras baixas do Amazonas, junto à sua foz. Corredeiras e
cachoeiras são os hábitats mais comuns ao longo do curso superior, sendo estes hábitats mais
esparsos nos cursos médio e inferior. O último desses ambientes está hoje submerso pela UHE
Tucuruí. Ilhas rochosas e arenosas e extensas praias são características e predominantes da
estação seca no curso médio do rio Tocantins, ao passo que ilhas aluviais predominam no curso
inferior (Mérona et al., 2010). A maior parte da ecorregião é caracterizada pelo clima tropical
quente e úmido, com uma precipitação anual variando de 1.200 a 2.400 mm. A temperatura
média é de 25.5oC, variando entre a mínima de 17 e a máxima de 33
oC (Hales & Petry, 2013).
A parte norte da bacia do rio Tocantins, a jusante da UHE Tucuruí está incluída na Ecorregião
Aquática 323 (Amazonas Estuary & Coastal Drainages), que inclui a área do estuário do rio
Amazonas e bacias costeiras adjacentes, com limite sudeste na bacia do rio Itapicuru e limite
noroeste na bacia do rio Caciporé, na costa do Amapá. Esta região situa-se inteiramente sobre a
44
planície aluvial, com altitudes máximas abaixo de 100 m. O pico das chuvas nesta ecorregião
ocorre entre março e abril, mas essas chuvas sazonais tem pouca influência nos níveis da planície
de inundação, devido à influência das marés.
A água salgada não chega até o rio Tocantins, mas o represamento das águas do rio Amazonas
pelas marés oceânicas faz com que estas sejam percebidas na ria do Tocantins. O estuário do rio
Amazonas é enorme em tamanho e volume, descarregando entre 180 e 220 mil m3/s no Oceano
Atlântico, o que corresponde a cerca de 20% de toda a água doce despejada nos oceanos. Por
causa da magnitude dessa descarga, praticamente não há entrada de água salgada no estuário e a
mistura da descarga do rio Amazonas com a água salgada ocorre até 160 km mar adentro, sobre
a plataforma continental. Somente durante períodos de água baixa a água salobra chega até
Belém, mas nunca até o rio Tocantins (Hales & Petry, 2013).
A bacia do rio Tocantins é a terceira maior sub-bacia do rio Amazonas, com uma descarga média
anual de 11.000 m3/s. Da mesma forma que o Tapajós e Xingu, suas águas são claras e pobres
em nutrientes em virtude de drenarem os terrenos cristalinos do Escudo Brasileiro. Na parte
superior da bacia, existem numerosas cataratas e corredeiras, refletindo a geologia desse antigo
escudo. Entretanto, ao contrário do Xingu e Tapajós, que deságuam diretamente no rio
Amazonas, o rio Tocantins deságua no rio Pará, ao sul da ilha de Marajó. Seu principal
tributário, o rio Araguaia, apresenta uma descarga média anual de 6.170m3/s. O rio Araguaia
possui muitas lagoas sazonais, extensas áreas alagadas, e ilhas, incluindo a ilha do Bananal, a
maior ilha fluvial do mundo. Essa é uma área de savana úmida localizada entre os dois ramos do
rio Araguaia, que fica inundada seis meses por ano com menos de dois metros de água. Outros
ambientes aquáticos importantes na bacia do rio Tocantins incluem o reservatório da UHE
Tucuruí e a porção do rio a jusante desse reservatório (Figura 7). Na parte mais baixa da bacia, a
norte de Tucuruí, o nível da água é influenciado pelas marés oceânicas, apesar de que nunca
ocorre entrada de água salgada. Como em outros tributários da margem sul do Amazonas, a
estação de cheias dura de janeiro a maio, com o pico a inundação entre março e abril. A variação
média anual do nível do rio é de cerca de 5-6 m (Hales & Petry, 2013).
45
Figura 7. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no
texto.
4.2. Os peixes do rio Tocantins
Da mesma forma que o rio Xingu, a bacia do rio Tocantins está dentro da região ictiogeográfica
Guyano-Amazônica, e mais especificamente na província ictiogeográfica Amazônica (Gery,
1969; Ringuelet, 1975). A sua fauna de peixes contém cerca de 400 espécies distribuídas em 40
famílias, dominadas por Characidae (73 espécies), Loricariidae (39) e Rivulidae (32). Mais de
175 espécies são endêmicas do rio Tocantins, representando um nível de endemismo maior do
que 40%. Famílias com maior grau de endemismo são Characidae (36 espécies), Rivulidae (30) e
Loricariidae (26). Os gêneros de Rivulidae Rivulus e Simpsonichthys são bem representados
entre as espécies endêmicas, com nove e oito espécies, respectivamente. Este último inclui várias
espécies ameaçadas de extinção. Como uma curiosidade, a região superior da bacia do rio
Tocantins contém a mais diversa fauna de peixes de caverna da América do Sul. Historicamente
a bacia do rio Tocantins abrigava espécies migratórias de peixes em sua migração rio acima para
a desova. A construção da UHE Tucuruí impediu a continuidade dessa migração e isolou os
locais de desova de muitas espécies.
A porção da bacia do rio Tocantins ao norte da UHE Tucuruí, por estar livremente conectada ao
restante na bacia Amazônica, abriga algumas espécies de peixes ausente ou raras na porção hoje
isolada pela represa. A porção baixa do Tocantins, assim como toda a área do delta do Amazonas
46
no entorno da ilha de Marajó, fornece importantes hábitats de berçário para os grande bagres
migradores da Amazônia, como o filhote ou piraíba (Brachyplatystoma filamentosum), a
piramutaba (B. vaillantii), a dourada (B. rousseauxii), e o jaú (Zungaro zungaro), que fazem
grandes migrações reprodutivas desde o estuário do Amazonas até suas cabeceiras. Algumas
famílias de peixes relictuais que ocorrem na Amazônia estão presentes no baixo rio Tocantins.
Estas incluem a piramboia, ou peixe pulmonado sul americano (Lepidosiren paradoxa), único
representante da família Lepidosirenidae, que é um respirador aéreo obrigatório e hiberna sob o
lodo na estação seca. Outros peixes relictuais incluem o pirarucu (Arapaima gigas,
Arapaimidae), um dos maiores peixes de água doce do mundo com mais de 2 m de
comprimento, e o aruanã (Osteoglossum bicirrhosum, Osteoglossidae).
4.3. O hotspot do Baixo Rio Tocantins
Durante a viagem a campo para o baixo rio Tocantins priorizou-se a estratégia de inspeção
ambiental direta, através de deslocamento por voadeira (barco de alumínio com motor de popa)
ou carro. A equipe ficou hospedada no hotel CRT, na Vila Permanente da Eletronorte junto à
Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no município de Tucuruí, Pará. A partir desse ponto diversas
excursões em voadeira foram empreendidas a diferentes áreas do lago da UHE Tucuruí, como
Porto Novo de Jacundá e Santa Rosa, locais com importantes entrepostos de pescado, bem como
a vilas e cidades na beira do rio Tocantins a jusante da represa, como Joana Peres, na RESEX
Ipaú-Anilzinho e a cidade de Baião. Em deslocamentos de carro foram visitados o mercado de
peixes de Tucuruí e o marcado de peixes do Igarapé do Onze, ao sul de Tucuruí.
Em cada um desses locais foram feitas entrevistas com pescadores, atravessadores de pescado,
vendedores de peixe, administradores de colônias de pescadores e demais integrantes da cadeia
produtiva da pesca. Da mesma forma, entrevistas e discussões foram desenvolvidas com o Sr.
Tacashi, responsável pelo setor de Ictiologia e Pesca da Eletronorte em Tucuruí, que coordena o
trabalho de inventário e estudo de parâmetros alimentares e reprodutivos dos peixes da região de
influência da UHE Tucuruí, tanto a montante como a jusante da represa, e controla o
desembarque de pescado nos diversos portos da região. Todo o trabalho foi registrado
fotograficamente e as áreas visitadas no lago e no rio foram georeferenciadas através de GPS.
A transição de florestas úmidas das terras baixas da Amazônia para a vegetação de florestas
secas e savanas (cerrado) no Planalto Central reflete a heterogeneidade da paisagem da bacia do
rio Tocantins. O cerrado domina as partes mais altas da bacia, enquanto que matas de galeria e
florestas de inundação com buritizais (Mauritia flexuosa) acompanham o curso dos rios e
igarapés. Floresta amazônica de terra firme ocupa as áreas fora das planícies de inundação ao
longo da bacia do rio Tocantins (Hales & Petry, 2013).
A maior parte das áreas de terra firme no entorno do lago da UHE Tucuruí, no entanto, já
apresenta profunda modificação antrópica com retirada da floresta para atividades econômicas,
principalmente a pecuária extensiva (Fig. 1). As florestas do baixo rio Tucuruí, ao norte da UHE,
encontram-se melhor preservadas. A área visitada nesta expedição situa-se exatamente no
entorno da represa de Tucuruí, ponto original das quedas que delimitavam o médio do baixo rio
Tocantins, e local a transição entre a área mais preservada, ao norte, e mais antropizada, ao sul.
47
4.4. Efeito da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
A Usina Hidrelétrica de Tucuruí foi construída na porção baixa do rio Tocantins e inaugurada em
1984, com o fechamento da represa e consequente formação do reservatório (Foto 6). O lago que
se formou tem cerca de 200 km de extensão e aproximadamente 2.875 km2 de área de superfície.
Com a inauguração da segunda fase da UHE Tucuruí em 2008, a capacidade instala de geração
de energia passou a ser de 7.960 MW de potência.
Foto 7. Vista parcial da represa da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Foto: Roberto Reis.
Após o fechamento da represa registrou-se uma diminuição na diversidade da ictiofauna na
região alagada. Essa diminuição na diversidade na área do reservatório é um fenômeno
conhecido e foi estudado por Mérona et al. (2010). A transformação de um ambiente lótico em
um lago erradica ou reduz significativamente as populações das espécies reofílicas e ao mesmo
tempo fornece as condições para que as espécies lênticas proliferem, dessa forma alterando a
composição da comunidade local. Por estes motivos, peixes detritívoros, herbívoros e insetívoros
foram prejudicados e tiveram a sua abundância na área do reservatório diminuída após o
enchimento do lago. Ao mesmo tempo, espécies piscívoras, carnívoras, onívoras e planctívoras
foram favorecidas e aumentaram a sua abundância na área do reservatório após o enchimento do
lago (Mérona et al., 2010). A jusante da represa a diminuição na abundância das espécies de
peixes é devida, principalmente, a regulação do fluxo do rio, que perturba imensamente os ciclos
anuais de alimentação e, principalmente, reprodução dos peixes, e a interrupção de rotas
48
migratórias, uma vez que os peixes migradores não conseguem atravessar a barreira criada pela
represa para reproduzir.
A pesca comercial na região da UHE Tucuruí, tanto no reservatório como no rio a jusante da
represa, é basicamente artesanal, com mínima organização de pescadores independentes em
Colônias de Pesca. Não existem cooperativas organizadas de pescadores e a cadeia produtiva do
pescado passa dos pescadores para marreteiros, ou atravessadores, que compram o produto da
pesca nos portos de desembarque e comercializam nos mercados locais ou os transportam para
outras cidades para venda ou beneficiamento.
Três pontos de desembarque de pescado dentro do reservatório da UHE Tucuruí foram visitados,
o Porto do Onze (Foto 7), no extremo norte do reservatório, junto à represa, o Porto Novo de
Jacundá (Foto 8), e o Porto de Santa Rosa, no terço superior do reservatório. Nestes locais foram
identificadas as espécies de peixe desembarcadas ou estocadas no momento da visita, sendo
registradas por fotografia. De maneira geral, havia muita abundância de peixes e diversidade de
espécies, fartura típica da estação, mas incomum ao longo do restante do ano. Três espécies
contribuem com 87% do total de desembarque na região do reservatório: o mapará (60%), a
pescada (15%) e o tucunaré (12%) (Sr.Tacashi, Eletronorte, comunicação pessoal). Tucunaré, no
entanto, corresponde a três espécies – vide lista abaixo.
Foto 7. Vista parcial do Porto do Onze, local de desembarque de pescado do reservatório de Tucuruí.
Foto: Roberto Reis.
49
Foto 8. Vista interna do Porto de Novo de Jacundá, local de desembarque de pescado do reservatório da
UHE Tucuruí. Foto: Roberto Reis.
Também, foram feitas entrevistas com pescadores, vendedores, atravessadores e demais
trabalhadores da pesca, com a finalidade de entender o funcionamento da cadeia produtiva do
pescado em cada local, entender os tipos de pesca e apetrechos utilizados localmente, e formar
uma imagem da percepção dos trabalhadores locais sobre as mudanças temporais de longo prazo
na comunidade de peixes e das ameaças sofridas pelos peixes e pelo ambiente aquático. De
maneira geral os pescadores do reservatório consideram o aumento do número de pescadores na
última década e as práticas de pesca predatória, como os principais responsáveis pelo declínio na
diversidade e quantidade de peixes.
Há relatos de que algumas espécies como o pacu-manteiga, o jaraqui e o pirarucu, antes
abundantes, praticamente não ocorrem mais no reservatório. Pescadores mais antigos relatam
uma abundância de peixes muito superior a atual há 20-30 anos, e notam um declínio mais
acentuado nos últimos 10-12 anos. Vários entrevistados condenam o uso do arpão em pesca
subaquática, prática que tem se tornado comum na última década, pois permite a captura das
matrizes de tucunaré – adultos que pouco se alimentam ou se movem durante o período em que
estão incubando ovos ou cuidando da prole, e por este motivo não são capturados por apetrechos
usuais como redes e anzóis. A captura desses indivíduos em reprodução compromete toda a prole
e tem, assim, grande efeito predatório. Da mesma forma, a maior parte dos entrevistados reclama
da ausência de fiscalização da pesca por parte do IBAMA, relatando que fiscais raramente
50
aparecem ao longo do ano ou do período do defeso. Por outro lado, todos os entrevistados
afirmaram que o período do defeso (novembro a fevereiro) não é observado pela maioria dos
pescadores da região.
Dois pontos de desembarque de pescado a jusante do reservatório da UHE Tucuruí foram
visitados, o mercado de Tucuruí, imediatamente abaixo da represa, e o mercado da cidade de
Baião (Foto 9), a cerca de 130 km ao norte de Tucuruí. Da mesma forma que nos outros pontos,
foram identificadas e fotografadas as espécies de peixe desembarcadas ou estocadas no momento
da visita. A lista das espécies identificadas nos portos de desembarque a jusante do reservatório
encontra-se no Apêndice 2. Da mesma forma que na área do reservatório, havia muita
abundância de peixes e diversidade de espécies, quantidade incomum ao longo do restante do
ano. Nota-se que na região do rio Tocantins a jusante do reservatório a diversidade de espécies
encontrada foi maior (90% a mais de espécies foram observadas a jusante do que no
reservatório).
Foto 9. Vista parcial do mercado de peixes de Baião. Foto: Roberto Reis.
Igualmente à porção superior, foram feitas entrevistas com pescadores, vendedores,
atravessadores e demais trabalhadores, para conhecer o funcionamento da cadeia produtiva do
pescado, os tipos de pesca e apetrechos utilizados localmente, e entender a percepção dos
trabalhadores locais sobre as modificações na comunidade de peixes e as ameaças a que peixes e
o ambiente aquático estão submetidos. Apesar de haver ocorrido um significativo aumento do
51
número de pescadores nos últimos 10-15 anos, os pescadores não atribuem a isso o severo
declínio percebido na quantidade média de espécies. As mesmas espécies, pacu-manteiga,
jaraqui e pirarucu, antes abundantes, são agora consideradas raras a jusante do reservatório. A
utilização do arpão em pesca subaquática também tem se tornado comum nesta área e é
condenada pela maioria dos pescadores. Da mesma forma, a maior parte dos entrevistados
reclama da ausência de fiscalização da pesca por parte do IBAMA e afirmaram que o período do
defeso não é observado pela maioria dos pescadores da região.
De acordo com a maioria dos pescadores entrevistados, entretanto, o principal responsável pelo
acentuado declínio da abundância de peixes após o fechamento da represa da UHE Tucuruí são
as flutuações diárias e, especialmente, as semanais do nível do rio por conta da regulação do
fluxo de água nas turbinas geradoras. Essas variações perturbam os ciclos naturais de
alimentação e, especialmente, reprodução, sendo especialmente destrutivas na época da desova
(outubro-março).
Durante este trabalho visitamos e entrevistamos funcionários de três Colônias de Pescadores da
região do baixo rio Tucuruí: a Colônia Z-53 de Breu Branco, a Colônia Z-43 de Porto Novo de
Jacundá, ambas no interior do reservatório, e a Colônia Z-34 de Baião, a jusante do reservatório.
Os entrevistados afirmaram que houve sensível diminuição na abundância de peixes, tanto no
lago como à jusante deste, especialmente nos últimos 10-15 anos. Todos atribuem a diminuição
na abundância ao aumento de pescadores, a falta de fiscalização e a não observância do período
de defeso. Funcionários da Colônia Z-43 mencionaram, ainda, desorganização administrativa nos
municípios como um impedimento ao adequado ordenamento e organização da cadeia produtiva
da pesca. Como um exemplo, citaram a construção de uma pequena usina de beneficiamento de
pescado em Jacundá, concluída há anos, mas nunca operada por causa de desorganização e
disputas políticas.
A expedição ao baixo rio Tocantins foi conduzida durante a vazante, período no qual os peixes
estão saindo das áreas alagáveis e retornando ao leito do rio e, portanto, de grande fartura para a
pesca. Os ambientes aquáticos visitados foram o reservatório da UHE Tucuruí, especialmente as
suas áreas de margem e inúmeras ilhas cobertas de mata que se formaram como enchimento do
lago. As áreas abertas do lago, mais profundas e que formam ambientes abertos habitados por
peixes pelágicos, como o mapará, também foram visitadas. Visitamos alguns pontos de pesca, à
jusante da represa, ao longo do leito do rio entre as cidades de Tucuruí e Baião (Foto 10).
Planícies de inundação que são utilizadas como áreas de desova e berçário por muitas espécies
de peixes também foram inspecionadas (Foto 11). Ainda, a Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho,
na margem esquerda do rio Tocantins, foi visitada até a vila de Joanas Peres. Nessa área de
reserva a água do rio é preta, demonstrando que esse sistema nasce dentro da floresta, sem aporte
de água da UHE Tucuruí. De maneira geral as margens, tanto do reservatório, como do rio
Tocantins a jusante dele, estão bem preservadas. Mata de terra firme ladeia as margens do
reservatório em praticamente toda a sua extensão. No trecho a jusante, extensas áreas com matas
alagáveis estão preservadas no entorno do rio.
52
Foto 10. Local de pesca no rio Tocantins, a jusante da UHE Tucuruí. Foto: Roberto Reis.
Foto 11. Área de várzea no baixo rio Tocantins, alagada no período de cheia onde peixes desovam e utilizam como
berçário para juvenis. Foto: Roberto Reis.
53
Diversas ameaças aos peixes e seus ambientes aquáticos foram identificadas durante os trabalhos
de campo. As ameaças podem ser classificadas em diretas, como as diversas modalidades de
pesca, desmatamento e uso de defensivos e fertilizantes agrícolas, com ação rápida diretamente
sobre os peixes; e indiretas, como desmatamento extensivo, construção e operação de usinas
hidrelétricas e mudanças climáticas.
Pesca esportiva. Tucunarés são as espécies mais visadas pela pesca esportiva no rio
Tocantins, especialmente no interior do reservatório da UHE Tucuruí. Apesar de haver
competições de pesca esportiva de tucunarés, essa não constitui uma ameaça importante
face à dimensão da pesca comercial na mesma região.
Crescimento da pesca comercial. A pesca comercial no baixo rio Tocantins, tanto no
interior do reservatório da UHE Tucuruí como no trecho a jusante da represa, apresentou
um forte crescimento ao longo dos últimos 15-18 anos (Aviz, 2006). Na época da
construção da UHE Tucuruí existiam três Colônias de Pescadores na região a jusante de
Marabá. Atualmente existem 12 colônias na mesma região, das quais visitamos três. O
crescimento do número de pescadores afiliados a cada uma dessas Colônias dá uma ideia
do crescimento da atividade. Segundo Juras et al. (2004) no inicio da década de 2000
existiam 1.222 pescadores afiliados à Colônia Z-43 de Jacundá, 1.300 à Colônia Z-53 de
Breu Branco, e 2.460 a Colônia Z-34 de Baião. Em nossas visitas recentes a essas
Colônias identificamos os números de 2.300, 6.200, e aproximadamente 6.000
pescadores afiliados, respectivamente, registrando um crescimento de 290%. É possível
que parte desse crescimento seja em função da criação do auxílio-defeso, através do qual
cada pescador cadastrado recebe do governo federal o valor de um salário mínimo nos
meses de novembro a fevereiro.
Pesca predatória com arpão. A pesca subaquática é feita com máscaras de mergulho e
com o uso de arpão a ar comprimido ou com armas de construção caseira com tiras de
borracha, e tem se tornado comum na região ao longo da última década. Esse tipo de
pesca permite a captura de indivíduos reprodutivos de espécies como os tucunarés –
adultos que pouco se alimentam ou se movem durante o período em que estão incubando
ovos ou cuidando da prole, e que por este motivo não são capturados por apetrechos
usuais como redes e anzóis. A captura desses indivíduos que estão incubando ovos ou
guardando os alevinos compromete de forma severa a população, pois tem grande efeito
destrutivo por matar as matrizes e todos os filhotes.
Falta de fiscalização da pesca. A precariedade da fiscalização dos órgãos de controle da
pesca e, especialmente, do IBAMA, faz com que pescadores inescrupulosos utilizem
técnicas e malhas proibidas nas diferentes modalidades de pesca. Malhas de rede de
tamanho 4, 5 e 6 cm entre-nós são proibidas (apenas malhas acima de 7 cm entre-nós são
permitidas), mas são usadas regularmente por muitos pescadores.
Não observação do defeso de pesca. O defeso, ou época de suspensão da pesca para a
migração reprodutiva (piracema) e desova dos peixes ocorre anualmente entre 1º de
novembro e 28 de fevereiro. Esse período é determinado em função da coincidência do
54
período médio de desova da maioria das espécies, mesmo tendo espécies que desovem
antes de novembro e depois de fevereiro. A observação da suspensão das atividades
pesqueiras nesse período é fundamental para que as populações possam se reproduzir. A
pesca dirigida sobre os adultos migradores é muito prejudicial, pois captura os peixes
antes da desova. De acordo com vários relatos na região de Tucuruí, a maioria dos
pescadores não observa o período de defeso, continuando as suas atividades de pesca
normalmente, apesar de receberem o auxílio-defeso do governo.
Desmatamento extensivo. O desmatamento extensivo provavelmente representa o mais
importante fator de impacto sobre os ambientes terrestres, com consequências igualmente
importantes para os ambientes aquáticos envolvidos. A retirada da floresta aumenta
drasticamente a evaporação da água do solo, causando a diminuição de fluxo ou mesmo
desaparecimento de nascentes, culminando com a diminuição da vazão dos rios. O
desmatamento também desagrega o solo que será parcialmente carreado pelas chuvas,
especialmente quando a faixa de mata ciliar remanescente for pequena.
Operação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. A operação e consequente regulação do fluxo
do rio Tocantins é provavelmente uma das mais sérias ameaças às populações de peixes a
jusante do reservatório. Como mencionado acima, as flutuações diárias e, especialmente,
as semanais, do nível do rio por conta da regulação do fluxo de água nas turbinas
geradoras, causa problemas nas áreas de desova a jusante da represa. A maior demanda
de energia elétrica no inicio da noite de cada dia, bem como a menor demanda pelas
indústrias do país nos finais de semana, acarretam uma regulação da quantidade de água
que passa pelas turbinas e é liberada no rio, causando um pequeno aumento no nível do
rio a cada noite, e uma razoável diminuição no nível a cada final de semana. Essas
variações perturbam os ciclos naturais de alimentação e, especialmente, reprodução,
sendo especialmente destrutivas na época da desova (outubro-março). A maioria das
espécies deixa o leito do rio na época de cheia, entrando na mata inundada ou áreas
temporariamente alagadas para efetuar a desova. Essas mesmas áreas servem de berçário
para os alevinos recém-eclodidos, pela alta produtividade e proteção que apresentam.
Grande parte dessas áreas são rasas e pequenas variações no nível do rio, como aquelas
produzidas pela retenção da água nos finais de semana, são suficientes para expor ao ar e
assim matar os juvenis e ovos colocados pelos peixes na massa de vegetação. Há relatos
de muitos casos onde mesmo os adultos de peixes, em grandes números, são retidos sobre
ambientes que secam nos finais de semana, causando grandes mortandades.
Outro sério problema que as represas causam aos peixes migradores é a interrupção
das rotas migratórias e consequente falha ou diminuição acentuada da desova. Grandes
bagres da família Pimelodidae, como o filhote, a dourada, a piramutaba, o surubim, a
pirarara, e o jaú, são comuns e abundantes no trecho imediatamente a jusante da represa
da UHE Tucuruí. No entanto, nenhuma dessas espécies foi registrada nos pontos de
desembarque de pescado do reservatório, como o Porto do Onze, o Porto Novo de
Jacundá ou Santa Rosa. É possível que estas espécies ainda existam no rio Tocantins a
montante da represa, mas certamente em quantidades muito menores do que a jusante e
do que costumava ocorrer antes da construção da UHE Tucuruí.
Construção de novas UHEs e PCHs. O rio Tocantins já possui diversas Usinas
Hidrelétricas em funcionamento, além de várias outras planejadas. Com a construção de
55
novas UHEs os problemas existentes no momento deverão ser intensificados. Se ainda
existem populações de grandes bagres e outros peixes migradores nos trechos acima da
UHE Tucuruí, estas tendem a desaparecer com a construção de novas UHEs,
especialmente aquelas entre Tucuruí e Estreito, no curso médio, e das muitas Pequenas
Centrais Hidrelétricas (PCHs) planejadas para o trecho superior do rio Tocantins.
Considera-se que as PCHs não sejam muito prejudiciais ao meio ambiente, pelo seu
pequeno tamanho, quase nula área de inundação e possibilidade de permitir a migração
reprodutiva dos peixes nos picos de cheia. No entanto, o conjunto das PCHs planejadas
para o rio Tocantins deverá ter um forte efeito nocivo em função do grande número de
empreendimentos planejados.
Mudanças climáticas. Dados preliminares de um estudo em desenvolvimento pelo WWF
sobre o rio Xingu e outros rios que drenam o Escudo Brasileiro, sugerem que as
mudanças climáticas futuras não estão sendo consideradas de maneira adequada no
planejamento energético de longo prazo ou na avaliação da viabilidade de projetos
hidrelétricos da Amazônia. Secas severas como as que assolaram a Amazônia em 2005 e
2010 tendem a se tornar mais frequentes, e essas alterações climáticas, associadas ao
desmatamento generalizado da região, podem reduzir a vazão dos rios Amazônicos que
drenam o Escudo Brasileiro. Uma eventual redução na vazão do rio Tocantins poderá
afetar a produtividade em usinas hidrelétricas como a UHE Tucuruí, como sugerido pelo
estudo do WWF. As consequências de uma redução de vazão do rio Tocantins por causa
de mudanças climáticas, entretanto, poderão ser muito mais prejudiciais à fauna aquática,
uma vez que áreas de alimentação e refugio podem tornar-se menos acessíveis
anualmente e migrações reprodutivas podem não ser desencadeadas por uma vazão
reduzida em um ano de seca.
5. A BACIA DO RIO NEGRO
5.1. A bacia hidrográfica
Ao contrário das duas primeiras expedições, que exploraram ambientes aquáticos que drenam o
Escudo Brasileiro, o rio Negro (Foto 12) está inteiramente contido na bacia sedimentar
Amazônica, sendo o maior tributário da margem esquerda do rio Amazonas (Figura 8). A bacia
do rio Negro inclui as Eco-regiões Aquáticas 314 (Rio Negro) e parte da Eco-região 315
(Amazonas Guiana Shield – que inclui o rio Branco e outros tributários menores), do mapa das
eco-regiões de água doce do mundo de Abell et al. (2008). A ecor-egião Rio Negro inclui a bacia
de drenagem do rio Negro
desde Manaus, junto a sua foz, até o sopé da cordilheira dos Andes na Colômbia. Ela inclui a
parte baixa das bacias do rio Branco e do rio Jauaperi, sendo limitada ao norte pela divisa
montanhosa com a bacia do rio Orinoco e ao sul pelo divisor de águas entre as cabeceiras dos
seus afluentes da margem direita e os afluentes da margem esquerda do rio Solimões. O rio
Negro drena três áreas principais: os tributários do norte se originam na porção sul do Escudo
das Guianas, as cabeceiras a oeste nascem no sopé dos Andes Colombianos e os afluentes da
margem direita nascem nas terras baixas da Amazônia brasileira.
56
Foto 12. Canal do rio Negro em frente à cidade de Barcelos, onde se destaca a Igreja Matriz e o porto. Foto: Roberto
Reis.
A maior parte dessa bacia está sobre um platô de terras baixas, com 100-250 m a oeste e
descendo para cerca de 50 m de elevação próximo a sua foz. A porção mais alta da bacia é
dominada por afloramentos graníticos do Escudo das Guianas, como as serras de Tapirapecó e
Imeri ao longo da fronteira Brasil-Venezuela, com a mais alta elevação no Pico da Neblina a
quase 3.000 m sobre o nível do mar. Esta ecorregião tem um clima de floresta tropical com uma
temperatura média anual em torno de 26ºC. A precipitação média anual varia entre 1.850 e 3.500
mm, com a maioria das chuvas ocorrendo entre abril e julho (Petry & Hales, 2013).
57
Figura 8. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada no rio Negro e seus afluentes, destacando os
principais pontos referidos no texto. As coordenadas geográficas dos pontos mencionados são: Comunidades:
Bacabal: 0°29’08”S 62°55’21”W; Daraquá: 0°30’27”S 63°12’48”W; Ponta da Terra: 0°46’18”S 63°08’34”W.
Pontos de pesca de peixes ornamentais: Igarapé do Zamula: 0°50’15”S 62°45’34”W; Igarapé Murumuru: 0°27’34”S
62°56’08”W; Igarapé Daraquá: 0°27’52”S 63°09’15”W; Igarapé do Mamulé: 0°50’19”S 63°13’48”W.
Rios e igarapés de baixo gradiente atravessam solos sedimentares formados principalmente por
espodossolos sujeitos à inundação sazonal. A água do rio Negro é extremamente pobre em
conteúdo mineral, com condutividade tão baixa como 8 mS, e é extremamente ácida, com pH
variando de 2,9 a 4,2. Maior rio de água preta do mundo, o rio Negro se estende por 2.230 km,
tem uma bacia de captação de 691.000 km2, e uma vazão média de 28.000 m
3/s, o que representa
14% da vazão média anual da bacia Amazônica. Seu principal afluente, o rio Branco é, por outro
lado, um rio de água branca. Embora não seja tão turva como a do rio Amazonas ou rio Madeira,
é barrenta na época das cheias, e os sedimentos são visíveis até cerca de 200 km à jusante da
confluência com o Negro. Na porção superior da bacia a estação das cheias ocorre entre maio e
setembro, com pico em julho. Flutuações do nível da água no curso inferior são ditadas mais
pelo rio Amazonas, e ocorrem um pouco mais cedo. Nessa região, a estação das chuvas vai de
fevereiro a julho, com o pico das águas em junho. A flutuação anual média do rio varia de 4 a 5
m no curso superior e até cerca de 10 m nas partes mais baixas.
Estima-se que uma área de 30.000 km2 da bacia do Negro seja inundada sazonalmente entre 4 e
8 meses do ano. As maiores planícies de inundação ocorrem ao longo dos afluentes da margem
direita, bem como entre a rede de ilhas ao longo do médio e baixo rio Negro. Existem muitos
ambientes insulares ao longo do curso principal do rio Negro, incluindo mais de 600 ilhas na
parte inferior e média do rio. Ao longo do seu curso principal e dos afluentes estão vastas
planícies cobertas por florestas alagadas e campinas e caatingas inundadas (campinaranas), assim
58
como muitos lagos de várzea e lagoas marginais ao longo dos canais. Durante a estação seca
enormes praias de areia são encontradas ao longo de toda a extensão dos rios. O fundo dos rios
são rochosos, com grandes rochas ou cascalho na porção superior da bacia, e arenosos na parte
média e inferior. Afloramentos rochosos e cataratas revelam evidências do Escudo das Guianas
em pontos ao longo dos cursos superior e médio do rio Negro (Petry &Hales, 2013).
5.2. Os peixes do Médio Rio Negro
A estimativa atual da riqueza de espécies na bacia do rio Negro ultrapassa 750 espécies descritas.
Das 11 ordens já registradas, Characiformes e Siluriformes representam cerca de 74% das
espécies. Dezenas de novas espécies são conhecidas, uma das quais representa uma nova família
para a ciência. A riqueza total de espécies deve estar próxima a 1.000 espécies. Mais de 90
espécies são consideradas endêmicas da bacia do rio Negro, assim como seis gêneros
monotípicos - Tucanoichthys, Ptychocharax, Atopomesus, Leptobrycon, Niobichthys e
Stauroglanis - atualmente encontrados somente nesta bacia. O rio Negro é o lar de mais de 100
espécies que são utilizadas no comércio de peixes ornamentais. A iridescência de algumas
espécies como o cardinal (Paracheirodon axelrodi), pode ser uma característica adaptativa à
água preta do rio Negro. Fenômenos ecológicos interessantes incluem grandes migrações dos
bagres doradideos, dos characídeos como Brycon e dos prochilodontideos do gênero
Semaprochilodus. O jaraqui (Semaprochilodus insignis), por exemplo, migra das águas pretas do
rio Negro para os rios de água branca para desovar. Há também assembleias únicas de espécies
em depósitos de folhas, e muitas formas miniaturizadas. Espécies relictuais nessa região incluem
o pirarucu (Arapaima gigas, Arapaimidae), um dos maiores peixes de água doce no mundo com
mais de dois metros de comprimento, o aruanã (Osteoglossum bicirrhosum, Osteoglossidae) e o
endêmico aruanã preto (O. ferreirai) (Petry &Hales, 2013).
5.3. O hotspot do Médio Rio Negro
Durante a viagem a campo para o médio rio Negro priorizou-se a estratégia de inspeção
ambiental direta, através de deslocamento por barco e entrevistas com membros das
comunidades. A equipe ficou hospedada no Hotel da Cidade, no município de Barcelos, na
margem direita do rio Negro, Amazonas. A partir dessa cidade diversas excursões em barco
rápido (voadeira) foram empreendidas a áreas de pesca de peixes ornamentais em igarapés e
igapós, comunidades ribeirinhas, e os diferentes ambientes aquáticos do entorno. As áreas
visitadas encontram-se localizadas no rio Negro (igarapé do Zamula [0°50’15”S 62°45’34”W],
na margem esquerda, em frente a Barcelos e igarapé Daraquá [0°27’52”S 63°09’15”W], em
frente à comunidade de Daraquá [0°30’27”S 63°12’48”W]), no rio Aracá (comunidade de
Bacabal [0°29’08”S 62°55’21”W] e igarapé Murumuru [0°27’34”S 62°56’08”W]), bem como na
margem direita, no rio Quiuini (comunidade de Ponta da Terra [0°46’18”S 63°08’34”W] e
Igarapé do Mamulé [0°50’19”S 63°13’48”W]) (Figura 8). Todo o trabalho foi registrado
fotograficamente e as áreas visitadas nos rios foram georeferenciadas através de GPS.
A bacia do rio Negro é formada primariamente por grandes áreas de floresta de igapó, devido ao
elevado número de igarapés e rios de água preta. Este tipo de floresta ocorre em terras que são
inundadas todos os anos e tem solos arenosos, oligotróficos, e pobres em nutrientes. Espécies de
59
árvores abundantes incluem a ucuúba (Virola elongata), as matamatás (Eschweilera longipes e
E. pachysepala) e a fava amarela (Pithecellobium amplissimum). Há também áreas de floresta de
várzea, que ocorrem nas várzeas dos rios de água branca como o rio Branco, rio Padauari e rio
Demini, que tendem a conter material em suspensão e nutrientes elevados. As florestas de terra
firme, um terceiro tipo florestal, nunca sofrem inundações e tem uma composição florística
semelhante à floresta de várzea. Espalhadas por estas florestas estão grandes áreas de
campinarana (campina inundável) que formam um mosaico de tipos de vegetação desde savanas
herbáceas até florestas de dossel fechado. Estes ocorrem principalmente em torno de depressões
pantanosas circulares de espodossolos arenosos e pobres em nutrientes.
A área visitada nesta expedição situa-se no médio rio Negro, onde grandes áreas de mata de
igapó e pequenos trechos de terra firme se sucedem. A inspeção de imagens de satélite mostra
que as florestas do médio rio Negro estão muito bem preservadas e apenas recentemente, com o
declínio acentuado da pesca de peixes ornamentais, começam a abrirem-se áreas para agricultura
de subsistência.
Além da cidade de Barcelos, três outras comunidades foram visitadas durante as excursões de
barco no rio Negro, e alguns de seus moradores foram entrevistados. Comunidade de Daraquá:
localizada em uma ilha inundada do próprio rio Negro, até cerca de 10 anos atrás possuía mais
de 20 famílias, todas vivendo exclusivamente da pesca de peixes ornamentais. Com o declínio da
pesca de ornamentais as famílias foram pouco a pouco abandonando a comunidade e mudando-
se para áreas de terra firme, onde outras atividades econômicas são possíveis. Atualmente apenas
uma família, pai e filho, continuam em Daraquá, vivendo da pesca de ornamentais e produção de
artesanato. Comunidade de Bacabal: localizada no curso inferior do rio Aracá, essa comunidade
é formada primariamente por indígenas.
As suas atividades econômicas são principalmente a agricultura (mandioca) e produção de
farinha de mandioca. A criação de animais (porcos) e a pesca de peixes ornamentais,
complementam a renda familiar. Comunidade de Ponta da Terra: localizada próximo à foz do rio
Quiuini, é a maior das três comunidades. Possui uma escola de ensino básico recentemente
construído e bem aparelhado e durante a visita testemunhamos a ocorrência de atividade letiva,
merenda escolar e zeladoria da escola. Da mesma forma que nas anteriores, até cerca de 10 anos
atrás todas as famílias nessa comunidade viviam da pesca de peixes ornamentais. Hoje ninguém
mais na comunidade pratica a pesca de peixes ornamentais e a principal atividade econômica é a
agricultura. Para tanto, uma área considerável de floresta de terra firme foi removida para
acomodar as plantações de mandioca, milho, e outras.
60
Foto 13. Demonstração do uso do rapixé na área rasa do igapó. Foto: Pedro Aquino.
A cidade de Barcelos tinha, até cerca de 10 ou 12 anos atrás, cerca de 600 famílias vivendo da
pesca de peixes ornamentais. Esse número está hoje reduzido para menos de dez por cento desse
número, e as principais atividades econômicas passaram a ser a agricultura, comércio e pesca
esportiva – especialmente de tucunarés. A estação de pesca esportiva, que ocorre entre agosto e
fevereiro movimenta a cidade, tanto social como economicamente. Existem diversos hotéis,
barcos-hotéis e pousadas na cidade e no entorno, que somente funcionam neste período. A
companhia aérea que serve a cidade (Azul) aumenta os voos para Barcelos de dois voos
semanais para voos diários na estação da pesca esportiva. Várias pousadas na floresta possuem
hidroaviões para levar os seus hóspedes, alguns vindo diretamente de Manaus. A pesca de
tucunarés tem gerado alguns conflitos com a pesca comercial, uma vez que competem
diretamente tanto pelos peixes como pelos locais de pesca. Assim, existem zonas de pesca
esportiva delimitadas para diferentes operadoras de pesca. Estas muitas vezes não são respeitadas
assim como as áreas de pesca de comunidades locais e comunidades indígenas.
A pesca comercial, por outro lado, é incipiente em Barcelos. Basicamente, todo o pescado
resultante da pesca comercial é vendido e consumido em Barcelos. Não há envio de peixes para
Manaus ou outras cidades. Curiosamente, não há em Barcelos um mercado de peixes ou um
mercado geral onde sejam vendidos peixes. Existem, ao contrário, vários vendedores ambulantes
que percorrem a cidade de bicicleta ou motocicleta com um reboque com gelo, e vendem os
peixes de porta em porta. Um exame e registro fotográfico de alguns desses vendedores, e a
61
visita à casa de um vendedor que possuía freezer com peixes para venda, permitiu o
levantamento de 29 espécies de peixes comercializados na época da visita. Pescadores ainda
relataram outras espécies comuns, mas não encontrados nessas visitas (Fotos 13 e 14).
Foto 14. Demonstração do uso do cacuri na área rasa do igapó. A, Cacuri iscado e pronto para instalação. B,
Piabeiro escolhendo a localização para instalação do cacuri. C, Cacuri em posição de pesca no igapó. D, Piabeiro
com caçapa para recolhimento do cacuri. Fotos: Roberto Reis.
A expedição ao médio rio Negro foi conduzida durante o final da estação de cheia, quando o rio
está ainda vários metros acima do nível normal. Os ambientes visitados de barco foram rio de
grande porte (Negro), rios de médio porte (Aracá, Demini, Quiuini), igarapés (Zamula, Daraquá,
Murumuru, Mamulé) e áreas de igapó, ou mata inundada. Todos esses ambientes são de água
preta, exceto o rio Demini que apresenta água branca. As dimensões na Amazônia central são
gigantescas, e o rio Negro é o maior rio de água preta do mundo. Na região de Barcelos a sua
largura está entre quatro e oito km, mas se a área contígua de floresta inundada for considerada, a
largura do corpo de água passa para 30 a 40 km. O rio Negro possui muitas centenas de ilhas,
canais, furos, paranás e lagos, formando um intrincado emaranhado de ambientes aquáticos. Os
rios de médio porte são bastante convolutos e com muitos meandros, canais e lagos, e também
possuem uma extensa área de floresta inundável em suas margens.
Os ambientes de igapó são muito interessantes e fundem-se com os igarapés em uma extensa
área de floresta inundada com até cerca de 10 metros de profundidade de água sobre o solo da
62
floresta. Peixes e outros organismos aquáticos deixam o leito do rio para se abrigar e alimentar
na mata inundada. Nessa mesma época ocorre a frutificação de algumas árvores da mata
inundável, fornecendo valioso recurso alimentar para os peixes. Também, uma grande
quantidade de invertebrados, especialmente insetos, ocupam as florestas inundadas e são
consumidos pelos peixes. Finalmente, muitas espécies de peixe utilizam o igapó para
reprodução, que ocorre durante a enchente quando os juvenis ficam protegidos pelo ambiente
inundado.
Durante a inspeção da área, visitamos quatro locais de pesca de peixes ornamentais. Dois na
margem esquerda do rio Negro (igarapé do Zamula e igarapé Daraquá), um no rio Aracá (igarapé
Murumuru), e um no rio Quiuini (igarapé do Mamulé) (Fig. 2). A pesca de peixes ornamentais
ocorre junto à margem do igapó, onde a profundidade é de no máximo 50 cm. Assim, sempre
guiados por um morador local e pescador de peixes ornamentais, seguimos o procedimento usual
de pesca de ornamentais, e entramos com o barco – às vezes apenas uma canoa de madeira a
remo por causa das passagens estreitas entre as árvores – por igarapés, até encontrar a margem
do igapó. Nesses locais observamos e praticamos a pesca de peixes ornamentais, especialmente
cardinais. Basicamente os pescadores utilizam uma rede de mão chamada rapiché (Fig. 5) e um
remo de canoa. A rede é mantida imóvel dentro da água e os peixes são lenta e cuidadosamente
conduzidos com o remo para dentro do rapiché.
Quando o cardume se encontra dentro da rede está é suavemente erguida e os peixes são
apanhados com uma pequena bacia, ou cuia, e colocados dentro de caixas plásticas, ou caçapas.
Alternativamente, pescadores utilizam uma pequena armadilha chamada cacuri (Fig. 6), que é
iscada e deixada na margem do igapó e recolhida mais tarde. Usualmente os peixes são mantidos
por vários dias em pequenos currais ou viveiros feitos de rede plástica, antes de serem
novamente colocados nas caçapas para envio à Barcelos. Em Barcelos acompanhamos o
carregamento de um grande barco (recreio) com caixas plásticas de neons (Paracheirodon
simulans) que foram trazidos do rio Branco em um pequeno barco de pescadores, e seguiam para
Manaus, para exportação.
Diversas pessoas, atores das várias atividades da cadeia produtiva da pesca comercial, esportiva
e ornamental de Barcelos foram entrevistadas. Três dessas pessoas merecem especial destaque
pela sua importância, qualidade das informações prestadas, e profunda experiência com a pesca.
Sr. Robertto L. Souza (Betão): Secretário do Meio Ambiente de Barcelos e ex-Presidente
da Colônia de Pescadores de Barcelos.
Sr. Raimundo Ribeiro: Principal comprador/atravessador de peixes ornamentais de
Barcelos até o colapso da atividade no início da década de 2000. Ex-pescador de peixes
ornamentais e profundo conhecedor de toda a cadeia produtiva da pesca de ornamentais.
Sr. Nivalso Maia. Proprietário do barco que utilizamos para os deslocamentos pelo rio
Negro. Ex-pescador e profundo conhecedor da região, das comunidades, das pessoas e seus
costumes.
Contrariamente ao observado nas duas primeiras expedições, o grau de ameaças ambientais
detectadas aos corpos aquáticos e peixes do rio Negro foi considerado baixo. As mais sérias
ameaças identificadas são ameaças à pesca de peixes ornamentais e a sobrevivência desta
atividade econômica, que já foi de alta importância para a região.
63
Ameaças à pesca ornamental. A pesca ornamental já foi a principal atividade econômica
da cidade de Barcelos e de outras comunidades do médio rio Negro, tendo sido iniciada
entre os anos 40 e 50 do século passado. Até o final da década de 90, aproximadamente
60% da economia da cidade de Barcelos estava baseada na pesca de peixes ornamentais,
e cerca de 80% dos seus 20 mil habitantes trabalhava direta ou indiretamente na
atividade. Estima-se que, na época, cerca de 20 milhões de peixes eram exportados todos
os anos a partir de Barcelos, 80% destes sendo da espécie cardinal (Paracheirodon
axelrodi). Segundo uma estimativa desse período, a região do médio rio Negro possuía
uma área produtiva de cerca de 1,5 milhões de ha, em cerca de 300 pesqueiros espalhados
por centenas de quilômetros de rios. Essa área era explorada por 600-700 pescadores, o
que representa uma área de mais de 2.000 ha por pescador (Paulo Petry, TNC, Comun.
Pessoal). Para acompanhar essa atividade e garantir a sua sustentabilidade, foi criado em
1989 o Projeto Piaba, liderado pelo ictiólogo da UFAM, Dr. Labbish Chao, cujo objetivo
fundamental era determinar que sistemas sócio-culturais e ecológicos seriam capazes de
garantir a preservação dos peixes ornamentais e da sua pesca sustentável. As premissas
do Projeto Piaba se baseavam na ideia de que, ao contrário de garimpo, extração de
madeira ou agricultura, a extração de peixes ornamentais não é uma atividade destrutiva.
Muito pelo contrário, pois segundo os responsáveis pelo Projeto Piaba, os piabeiros
(como são conhecidos os pescadores de piabas ou peixes ornamentais) sabem que se
preservarem a floresta também estarão assegurando as suas fontes de rendimento. Essa
percepção está muito claramente expressa no slogan do Projeto Piaba: “Compre um peixe
e salve uma árvore”. Um folheto do Projeto Piaba com as espécies ornamentais mais
importantes da região do médio rio Negro é reproduzido nas Figs. 11 e 12.
Durante os últimos 10-15 anos, no entanto, toda a cadeia produtiva da pesca
ornamental no médio rio Negro entrou em franco declínio. A causa direta e imediata
desse declínio é clara: a forte diminuição na demanda por peixes ornamentais pelos
exportadores. As causas indiretas, subjacentes à diminuição da demanda, entretanto, são
menos claras e tem múltiplas origens. Aparentemente a concorrência dos novos e
crescentes mercados de exportação de peixes ornamentais no Peru, Venezuela e,
principalmente, Colômbia, que praticam preços ainda mais baixos que o Brasil, aumentou
as dificuldades na colocação dos peixes brasileiros pelos exportadores. Em 2003 o preço
pago aos piabeiros em Barcelos era entre 10 e 14 reais por milheiro de cardinais – esse
valor encontra-se hoje entre 12 e 15 reais por milheiro. Além disso, várias das espécies
ornamentais comumente exportadas a partir do rio Negro passaram a ser reproduzidas em
cativeiro a custos reduzidos por países asiáticos, como Malásia e Singapura. Também, a
principal espécie das exportações do rio Negro, o cardinal, passou a ser reproduzido em
cativeiro nos Estados Unidos e na República Tcheca, ainda que em pequena escala.
No entanto, as principais causas que minaram o interesse dos exportadores de
Manaus (em sua maioria brasileiros, mas alguns estrangeiros), foram o custo da
exportação e, principalmente, os seguidos problemas enfrentados com o IBAMA. O alto
custo das tarifas aéreas e o despreparo das companhias aéreas e aeroportos brasileiros
para enviar peixes vivos – por vezes atrasos inesperados acarretavam a morte de milhares
de peixes embalados para exportação – acresciam muito no preço final do produto.
Também, uma reclamação recorrente dos exportadores é o pequeno número de espécies
ornamentais com permissão para exportação pelo IBAMA. Na época, a exploração de
peixes ornamentais continentais era regulada pelas Portarias 062-N/92 e 080-N/94, que
listavam 174 espécies e três gêneros passiveis de exportação de todo o Brasil (menos de
64
100 da região do rio Negro). Muitas das espécies que poderiam ser exportadas e garantir
a viabilidade econômica da exportação de peixes ornamentais não o eram, pois não
estavam listadas nas portarias do IBAMA. Arraias e aruanãs, por exemplo, eram espécies
muito procuradas e de alto valor comercial, mas de exportação proibida. Aparentemente,
apesar da pressão ocorrida na época, o IBAMA não teve a sensibilidade e agilidade
necessárias para revisar a lista de espécies com permissão para exportação e normatizar
os processos da atividade, o que acabou contribuindo para o colapso da atividade no
médio rio Negro. A falta de normatização deixava uma lacuna que era explorada tanto
pelos exportadores, que tentavam fazer passar espécies proibidas na suas exportações,
como por agentes do IBAMA, que aceitavam subornos para liberar guias de exportação.
O conjunto desses problemas culminou com o encerramento das atividades de exportação
de muitas empresas de Manaus, que enviavam para a Europa, Ásia e América do Norte os
peixes do rio Negro. O caso específico de Barcelos, entretanto, foi mais grave, pois cerca
de 80% de toda a sua produção de peixes ornamentais era comprada por um único
atravessador, o Sr. Raimundo Ribeiro, que provia emprego e renda para quase 500
famílias, com as quais cultivou relações pessoais por mais de 30 anos. Esse comprador
enviava os peixes para o Sr. Asher Benzaken, da Turkys Aquarium, exportador israelense
radicado em Manaus desde os anos 70, que encerrou as suas atividades no inicio da
década de 2000 em grande parte por causa de dificuldades sistemáticas como o IBAMA,
por não aceitar o modo de operação daquela agência. A Turkys Aquarium era a empresa
com maior volume de exportação porque era muito bem conceituada no mercado exterior
por produzir peixes de alta qualidade, com baixas taxas de mortalidade, possuindo,
inclusive, certificação ISO 14000. Essa cadeia de problemas e a falta de entendimento ou
interesse por parte de autoridades brasileiras de diversas esferas, culminaram com o
colapso de uma atividade econômica sustentável, que preserva o meio ambiente e que
gerava recursos para a subsistência de mais de 600 família na região de Barcelos.
Pesca esportiva. A atividade econômica envolvendo a pesca esportiva tornou-se muito
importante na região de Barcelos com o declínio da pesca de peixes ornamentais.
Geralmente a pesca esportiva é uma atividade de baixo impacto nas comunidades de
peixes. Na região de Barcelos, entretanto, o número de pescadores esportivos durante a
estação de pesca (agosto à fevereiro) é muito grande. Relatos de guias e piloteiros de
barcos de pesca sugerem a visita de milhares de pescadores esportivos a cada ano,
especialmente estrangeiros. Essas informações são corroboradas pelo grande número de
barcos-hotéis, pousadas e operadoras de pesca existentes na região. Como descrito acima,
os ambientes aquáticos do médio rio Negro são muito grandes, mas a retirada contínua de
peixes pela pesca esportiva pode ser um impacto considerável para as populações de
peixes, especialmente de tucunarés, sobre os quais é dirigida a maior parte do esforço de
pesca esportiva. Apesar da alegação de baixas taxas de mortalidade pela pesca esportiva,
não existem dados concretos que corroborem esta situação. Existe uma grande
disparidade nas técnicas de manejo dos peixes por parte dos guias e principalmente por
parte dos pescadores, que contribuem significativamente para a mortalidade dos
exemplares que são soltos após a captura.
Agricultura. A agricultura comercial na região do médio rio Negro é incipiente. No
entanto, com o declínio da pesca de peixes ornamentais ao longo da última década, um
grande número de famílias ribeirinhas está mudando a sua atividade comercial da pesca
65
de peixes ornamentais para a agricultura e para a pesca esportiva. Como a paisagem do
médio rio negro é dominada por matas inundáveis, a agricultura é praticada em pequenas
roças nas porções de terra firme, junto às comunidades. A dinâmica de inundação sazonal
dominante na região, além da baixa qualidade dos solos e a ausência de culturas
adaptadas à condição climática da região, no entanto, fazem da bacia do rio Negro uma
área sem vocação para a agricultura extensiva, e esta ameaça é considerada de pequena
importância.
Mudanças climáticas. Dados levantados por diferentes estudos e sintetizados por
(Merengo et al. 2010) indicam que a situação pode ser preocupante na Amazônia em
geral e no rio Negro. Em 2005, uma forte estiagem – a maior dos últimos 103 anos,
somente comparável com a estiagem de 1962-1963 – atingiu o oeste e o sudoeste da
Amazônia. Alguns grandes rios da bacia Amazônica chegaram a baixar 6 cm por dia.
Milhões de peixes morreram e apodreceram nos leitos de afluentes do rio Amazonas, os
quais serviam de fonte de água, alimento e meio de transporte para comunidades
ribeirinhas. As possibilidades de ocorrerem períodos de intensa seca na região da
Amazônia podem aumentar dos atuais 5% (uma forte estiagem a cada 20 anos) para 50%
em 2030 e até 90% em 2100. No lado oposto dos extremos climáticos, em 2009 a
Amazônia enfrentou uma enchente de dimensões históricas, superior aos máximos
históricos registrados no porto de Manaus nos últimos 100 anos, maiores que os níveis
recordes registrados em 1953. Segundo o Serviço Geológico do Brasil, o ano de 1953
marcou a história de Manaus como o período da pior enchente da cidade. Na ocasião, o
nível do rio Negro atingiu a marca de 29,68 m, valor que foi ultrapassado em 2009,
atingindo 29,78 m (Merengo et al. 2010). No caso específico do rio Negro, secas muito
intensas são mais prejudiciais aos peixes, pois diminuem consideravelmente a área de
igapó, local de refúgio, alimentação, e reprodução dos peixes.
6. PROGNÓSTICO SOBRE AS AMEAÇAS AMBIENTAIS AOS ECOSSISTEMAS
AQUÁTICOS
A questão das ameaças ambientais tem-se tornado prioritária face à crescente população humana
e aos consequentes uso e ocupação do solo. Modificação de hábitats aquáticos, perda de
biodiversidade e contaminação de corpos d'água, por exemplo, constituem causas e
consequências do impacto da ação do homem no ambiente natural da Amazônia. A compreensão
de tais ameaças necessariamente se conecta pelas interfaces dos componentes socioeconômicos e
ecológicos da região. Exigem a análise da dinâmica do homem com o ambiente em que vive e as
sequelas que sofre a natureza, em particular os impactos negativos sobre os ecossistemas
aquáticos.
O enfoque multidisciplinar dos riscos ambientais implica necessariamente na aproximação das
ciências sociais e ecológicas para a análise da vulnerabilidade das atividades humanas e da
estrutura e função dos ecossistemas aquáticos. O objetivo maior dessa análise é identificar
potenciais diretrizes para o plano de ação estratégica deste Projeto. Visa fazer face às
necessidades humanas, conciliadas com a proteção dos ecossistemas aquáticos. Isso implica na
análise da dimensão humana do uso de recursos da natureza, como a pesca, e na visão ecológica
da natureza intrínseca dos ecossistemas aquáticos. Ameaças, riscos ou vulnerabilidade
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ambientais devem ser analisados no contexto humano-ecológico no que tange aos sistemas
socioeconômicos versus ecossistemas aquáticos da Amazônia.
O desmatamento na Amazônia se intensificou a partir da abertura da rodovia Transamazônica,
em 1970. As causas para o desmatamento são diversas, mas a pecuária bovina desempenha papel
preponderante, conferindo motivação econômica para o desflorestamento. Até 1980, o
desmatamento no Brasil alcançava cerca de 300 mil km², o equivalente a 6% da área total. Nos
anos oitenta e noventa, foram desmatados aproximadamente 280 mil km², quase dobrando a área
desflorestada. Em 27 anos, nada menos que 432 mil km² foram incorporados ao estoque
desmatado. Cerca de 80% do total desmatado localiza-se em um grande arco que vai do Leste do
Maranhão e Oeste do Pará até o Acre, passando pelo Sudeste do Pará, Norte do Tocantins, Norte
de Mato Grosso e Rondônia.
Por outro lado, as áreas protegidas – Unidades de Conservação e Terras Indígenas – apresentam
taxas reduzidas de desmatamento por suas condições especiais de uso e ocupação. Contudo, tem-
se verificado a intensificação da exploração de recursos naturais, com aumento da pressão de
madeireiros ilegais, pecuaristas e grileiros sobre Unidades de Conservação (UC) e Terras
Indígenas (TI).
Há diversas iniciativas de governos dos países membros da OTCA e de instituições
ambientalistas no sentido de concretizar ações para conservação e utilização sustentável da
diversidade biológica como identificar ações prioritárias; e ainda estabelecer diretrizes e
conceder recursos financeiros para apoiar o Governo e a Sociedade na tomada de decisão sobre
políticas de conservação e utilização sustentável da diversidade biológica. No Brasil, uma dessas
iniciativas, que começou com uma reunião técnica havida em Manaus em 1990, deu origem ao
programa “Avaliação e Identificação de Ações Prioritárias para a Conservação, Utilização
Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade da Amazônia Brasileira”.
Na Amazônia, a atividade de mineração é intensa em algumas regiões. Há também pressão
ambiental causada pelas instalações de hidrelétricas, com seus impactos ambientais, além do
extrativismo florestal não madeireiro, como: castanha-do-pará, babaçu, frutos de palmeiras como
açaí e bacaba, acrescidos ainda da pesca comercial e de subsistência, da coleta de peixes
ornamentais, e da apanha de quelônios como tracajás e tartarugas e seus ovos.
6.1 Ocupação e uso da várzea
A ocupação do solo amazônico pode ser resumida em: áreas de fronteira recente; áreas de
esvaziamento demográfico e econômico; áreas com dificuldades de acesso; áreas sob influência
de rodovias; áreas de planícies fluviais; áreas de grandes projetos de agricultura, pecuária,
mineração, infraestrutura etc. e áreas de conflito pela posse de terras. As áreas de fronteiras
recentes se caracterizam pela acentuada dinâmica da migração humana atraída pela possibilidade
de acesso à terra. As áreas de vazios demográficos são aquelas abandonadas pelo esgotamento de
recursos, sem atrativos econômicos. As áreas ainda pristinas são aquelas com dificuldade de
acesso humano. É bastante conhecido na Amazônia o processo de ocupação humana no modelo
"espinha de peixe" ao longo das rodovias abertas. Desde os primórdios de sua história, o homem
amazônico tem convivido com a complexidade do ecossistema amazônico que, de forma geral,
apresenta ambientes claramente definidos: várzea – a planície inundada sazonalmente; e terra
firme – as terras mais altas, livres de inundação. A várzea, mesmo com uma extensão
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comparativamente menor que a terra firme, teve uma grande importância no processo
ocupacional da região.
A várzea aparece como o primeiro foco de povoamento do espaço amazônico, havendo indícios
de tribos indígenas de várzea com cerca de dois mil anos. Essas etnias indígenas procuraram os
ambientes de rios e igarapés (como fonte de água e alimentos) para fixarem suas aldeias e se
difundirem pela região. A rede hidrográfica da região, contudo, não condicionou somente o
processo de ocupação das tribos indígenas e, posteriormente, dos colonizadores, mas também
orientou o caminho pelo qual iria seguir a economia regional.
Em função da importância da rede hidroviária, a ocupação e o uso econômico da várzea ficaram
evidentes nos primeiros séculos de ocupação e colonização da Amazônia, até a década de 1960.
Houve predominância econômica das atividades de extrativismo, com a exploração de produtos
nativos abundantes na região tais como especiarias como o cacau, espécies oleaginosas, resinas e
demais produtos vegetais do extrativismo, muito valorizados pela sociedade europeia da época).
Seguem os ciclos de metais preciosos, ciclo da borracha, exploração de outros produtos nativos,
da agricultura comercial (ciclo da juta) e, novamente, do extrativismo, com ênfase na pesca. Em
contrapartida, a economia de terra firme passou a se projetar no cenário regional a partir da
segunda metade da década de 60 e, sobretudo, na década de 70, quando a economia da várzea
entrou em declínio com o fim do ciclo da juta. Nessa época, no Brasil, por exemplo, foram
implementadas as políticas de desenvolvimento direcionadas para a Amazônia. Tais políticas
incentivaram a valorização da produção agropecuária, conferindo aos produtos de terra firme
uma maior participação na economia regional.
Nos dias de hoje, a várzea baseia sua economia principalmente nas produções pesqueira e
pecuária, com participação bem inferior se comparada à economia da terra firme no quadro
econômico regional, cuja gama mais variada de produtos (agrícolas, pecuários, extrativistas) dá
maior suporte a essa economia regional. A evolução do quadro político-econômico regional, a
abertura de rodovias e a globalização ampliaram as possibilidades de exploração das terras da
bacia por meio da produção de grãos para o mercado interno e para exportação, e levaram à
passagem da economia baseada na “exploração ribeirinha” para uma economia baseada na
“exploração das estradas”. Esse processo produziu formas específicas de ocupação da Amazônia
nas décadas de 70 e de 80.
No Brasil, a partir de 1964, o regime militar vigente deu nova orientação à ocupação de terras,
através de projetos mais abrangentes que contaram com incentivos fiscais e crédito facilitado
para a compra de grandes extensões de terras na Amazônia, formando numerosos latifúndios.
Esse processo foi materializado pela adoção de planos e programas que objetivaram a
intensificação da apropriação do território e dos seus recursos naturais, como por exemplo, o
POLAMAZÔNIA. Esse processo foi seguido por abertura de estradas como a Transamazônica,
Cuiabá-Porto Velho, Cuiabá-Santarém, Porto Velho-Manaus, entre outras.
Ressalte-se o fato de que os rios têm cumprido um papel fundamental na história da ocupação da
Amazônia e na estruturação de sua vida econômica. Os rios foram durante muito tempo o eixo de
penetração, circulação e povoamento, até que as rodovias, a partir da segunda metade do século
XX, começaram a interiorizar o povoamento. Esse fato tem estreita relação com as ameaças
ambientais aos ecossistemas aquáticos. A região foi ocupada na era colonial a partir do vale do
Rio Amazonas e seus afluentes, impondo-se pelas atividades extrativas, formando um sistema
peculiar que constituiu e marcou a vida econômica da região, que incluiu o ato de subjugar a
68
população indígena nativa. A coleta da borracha ocorria de forma dispersa, tanto nas áreas de
várzea como em terra firme, e a sua comercialização era concentrada nos barracões às margens
dos rios.
No final do século XIX e primeiros anos do século XX, a comercialização da borracha perdeu
força no mercado internacional e, em consequência, houve um período de declínio econômico na
Amazônia. A retomada do crescimento só aconteceu anos mais tarde, quando ocorreu a
revalorização da borracha em decorrência da segunda guerra mundial, com novos fluxos
migratórios de seringueiros. De 1939 a 1945, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a
borracha amazônica voltou a ser objeto de disputa no mercado mundial. Em intervalos de crise,
os ribeirinhos se valeram da coleta de castanha-do-brasil ou castanha-do-pará.
6.2. Ameaças ambientais que afetam os ecossistemas aquáticos
A literatura científica tem sido farta e enfática sobre a relação entre o crescimento da população
humana, com o consequente uso e ocupação do solo, modificando os ambientes naturais pelas
atividades antrópicas. Estima-se que a população humana seja de 35 milhões de habitantes na
Amazônia, 20 milhões somente na parte brasileira. Entre esses vários documentos há o livro
"Conservation for the Twenty-first Century" (Western & Pearl, 1989), resultado de uma
conferência "Conservation 2100", com diferentes pontos de vista de especialistas sobre
conservação e uso sustentável de recursos naturais ocorrida na Rockefeller University, em Nova
York. Enquanto o homem ocupa todos os espaços da biosfera terrestre, os recursos naturais vão-
se exaurindo, surgindo a necessidade imperiosa de se cooperar com a natureza, reconhecendo a
importância dos ecossistemas que prestam serviços ao homem. A Amazônia não tem ficado livre
dessa tendência.
Documentos mais recentes como Global Biodiversity Outlook 3 (GBO-3, 2010) e Millennium
Ecosystem Assessment (Millennium Ecosystem Assessment, 2005) têm identificado as ameaças
ambientais em pelo menos seis grandes grupos:
1. Perda e alteração de ecossistemas
2. Exploração predatória de recursos naturais
3. Introdução de espécies exóticas
4. Aumento de patógenos nos ambientes naturais
5. Aumento de tóxicos ambientais
6. Efeitos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas
Especificamente, estudos têm identificado os efeitos das mudanças climáticas nos ecossistemas
da Amazônia, com consequências negativas para as comunidades humanas que dependem desses
recursos, particularmente os associados aos ecossistemas aquáticos. Revisão da literatura
científica conduzida por Michael Case (disponível pelo acesso
http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&aq=&oq=Regi%c3%b3n+de+Caquet%c3
%a1+de+Amazonia+Colombia&ie=UTF8&rlz=1T4ACEW_enBR363BR442&q=michael+case
%2c+climate+change+impacts+in+the+amazon%3a+review+of+scientific+literature%2c+world
+wildlife+fund&gs_l=hp..1.41l120.0.0.0.4817970...........0.kauvXLhK-Yo) mostra o efeito das
mudanças climáticas sobre:
69
O aumento da temperatura da água, que pode afetar as espécies que dependem da
temperatura, pode também afetar a redução de oxigênio dissolvido na água, podendo
levar a favorecer espécies invasoras exóticas;
A diminuição da precipitação nos meses secos, que pode afetar os ecossistemas
aquáticos, impactando negativamente seus hábitats naturais e a reprodução de peixes;
O ciclo de nutrientes, incluindo matéria orgânica, nos solos e nos ecossistemas aquáticos,
afetando por sua vez a parte biótica do sistema natural;
Maior incidência de eventos extremos, com secas e enchentes mais severas, impactando
negativamente os ecossistemas aquáticos, a biota, e os recursos naturais.
Estudo publicado em Science (Kerr, 2012) mostra que os efeitos das mudanças climáticas estão
exacerbando as estações do ano, com regiões pobres em água ficando ainda mais pobres.
Ambientes sazonalmente inundáveis como o Pantanal estão sujeitos a cheias e secas severas
(Alho, 2012). De fato, os ciclos hidrológicos dos rios da Amazônia constituem fator-chave para o
funcionamento dos ecossistemas aquáticos, e potenciais mudanças nesse ciclo hidrológico de
enchente-cheia-vazante-seca afetam negativamente esses ecossistemas, com riscos para a
biodiversidade e os recursos naturais associados, como a pesca, afetando por seu turno o aspecto
socioeconômico da região.
Estudo recente de 2012 encomendado pelo Banco Mundial e executado pelo Potsdam Institute
for Climate Impact Research (PIK) and Climate Analytics, de Berlim, Alemanha, mostra que a
temperatura do globo pode se elevar por até 4º C por volta de 2060 e que um aquecimento de 2ºC
na Amazônia, até 2050, poderia aumentar drasticamente a incidência dos incêndios florestais,
alterando de forma significativa tanto a cobertura vegetal quanto o clima local
(http://climatechange.worldbank.org/sites/default/files/Turn_Down_the_heat_Why_a_4_degree_
centrigrade_warmer_world_must_be_avoided.pdf).
Este relatório alerta para as projeções de extremas alterações nos hábitats naturais causadas pela
mudança climática com perda da biodiversidade e de recursos naturais. Esse impacto das
mudanças climáticas afetarão os ecossistemas, influindo negativamente no suprimento de água e
alimento, além do aumento de riscos para a saúde humana.
6.3. Lista comentada dos fatores de estresse que afetam os ecossistemas aquáticos
Há fatores que atuam direta ou indiretamente na perda de hábitats. Um dos fatores que atuam
diretamente nos hábitats da biodiversidade é o desmatamento, pelo efeito drástico da conversão
da floresta em área aberta para o pasto do gado ou para o campo de agricultura. O efeito indireto
é a exploração da floresta pelo extrativismo não sustentável, pelas trilhas abertas para o corte
seletivo de madeira, e outros processos de intervenção e perturbação do ecossistema natural.
6.3.1. Fluxo migratório e aumento de doenças endêmicas. O processo migratório na
Amazônia tem-se intensificado como já mencionado neste estudo. São migrantes em geral com
baixos níveis de renda, educação e qualificação profissional, levando à intensificação de uso e
ocupação desordenados do solo, com consequentes carências de saneamento básico e aumento da
densidade familiar. Esses fluxos de gente que chegam à região tendem a aumentar a incidência
de doenças endêmicas como malária, leishmaniose tegumentar, dengue, febre amarela e
arbovirose. A malária e a leishmaniose tegumentar são as principais endemias prevalentes na
região amazônica. O serviço de vigilância sanitária do Ministério da Saúde do Brasil chama a
70
atenção para surtos de malária e outras endemias como a leishmaniose, diante de dispersões e
exacerbações de endemias diante de aumento do fluxo migratório, da movimentação de pessoas,
da atividade no meio rural, ou, ainda, do aquecimento econômico de certas áreas na Amazônia.
Esse fluxo migratório normalmente é motivado por oportunidade de emprego em
empreendimentos diretos ou indiretos de grandes obras de infraestrutura.
6.3.2. Aumento da pressão de caça. O aumento da densidade demográfica e do tamanho
da população humana na Amazônia tende a promover a intensificação da caça e utilização de
produtos da fauna. O extrativismo faunístico é inerente e diretamente proporcional à densidade
demográfica humana. As evidências de depleção dos estoques de caça estão bem documentadas
na literatura acadêmica, indicando a tendência de substituição de poucas espécies de grande porte
por muitas espécies de pequeno porte. Quelônios como a tartaruga-da-amazônia Podocnemis
expansa e o tracajá Podocnemis unifilis sofrem forte pressão de apanha de indivíduos e de seus
ovos, particularmente na estação de estiagem.
6.3.3. Aumento da pressão sobre produtos madeireiros e não-madeireiros. Com o
aumento da demografia em certas regiões, há demanda de madeira para a construção civil e
outros fins; e considerável pressão sobre os recursos não madeireiros tais como açaí (fruto e
palmito), castanha, frutos nativos (consumo in natura e polpas), plantas medicinais, ornamentais,
essências aromáticas, óleos essenciais e resinas. Por essa pressão predatória sobre os recursos
naturais, ocorre uma redução na disponibilidade de alimentos para a fauna silvestre aquática,
podendo comprometer suas populações. Acresce que a retirada de frutos tem implicação direta
na disponibilidade de propágulos das espécies utilizadas, interferindo na dinâmica populacional e
no estabelecimento de novas plantas, com redução da taxa de incremento da floresta ripária.
6.3.4. Aumento da perda da diversidade da flora e alteração de hábitats associados
à água. A pressão não sustentável sobre produtos florestais ao longo dos corpos d'água tende a
acarretar diminuição de riqueza de espécies da região e da abundância de certas espécies de
plantas sob pressão de extrativismo, sendo que espécies raras tendem a serem as primeiras a
desaparecer localmente. Acresce que a mineração, especialmente a de ouro, é um forte estressor
para igarapés e rios de pequeno porte, seguidamente alterando ou destruindo completamente o
leito do corpo d’água, aumentando a turbidez da água, e contaminado água com mercúrio,
impactando a composição limnológica, de macroinvertebrados e outras comunidades ecológicas.
6.3.5. Aumento da perda da diversidade da fauna silvestre e alteração de hábitats
associados à água. As comunidades ecológicas compartilham da energia do sistema natural por
meio de uma complexa interação trófica, em vários níveis, de tal modo que a extração seletiva de
determinadas espécies ou a modificação do habitat, marcadamente a perda da diversidade da
flora, altera essa interação, com consequente perda da diversidade da fauna. Por exemplo, a
intensificação da pesca não sustentável tem levado a caracterizar conflitos entre pescadores e
presença de botos, ariranhas e lontras, que muitas vezes são perseguidos por pescadores.
6.3.6. Aumento do processo de fragmentação das florestas ripárias. O desmatamento
tem evidenciado um processo de fragmentação da cobertura vegetal ao longo dos cursos d'água,
como a floresta aluvial inundável. Onde no passado havia uma cobertura vegetal contínua, agora
ela se mostra segmentada em vários fragmentos florestais. Entre os efeitos associados à
intensificação da perda de cobertura vegetal, destaca-se o agravamento desse processo de
fragmentação da vegetação associada à água, como a floresta aluvial, importante para a
ictiofauna. Esta ação da ameaça ambiental tem gerado uma série de efeitos sobre a biota dos
71
ecossistemas aquáticos, entre eles o isolamento genético de populações em fragmentos. A
interação animal-planta é fruto da longa história natural do processo evolutivo. Essas espécies
interagem de tal forma que passam a compor uma unidade, que é a comunidade ecológica.
Contudo, essa interação segue mecanismos rígidos de processos ecológicos, que poderão ser
afetados pelo processo de fragmentação e simplificação do habitat.
6.3.7. Aumento de espécies invasoras exógenas. Está bem documentado na literatura
científica que espécies como cães e gatos domésticos, cavalos e bovinos têm acompanhado a
colonização de novas áreas pelo homem. Espécies exóticas (oriundas de outras regiões) de
animais e plantas, introduzidas em áreas novas pela abertura de novas frentes de trabalho,
competem com as espécies silvestres, podendo trazer doenças infectocontagiosas e contribuindo
para a destruição e fragmentação dos hábitats aquáticos. As águas dos rios da Amazônia já
contam com organismos invasores introduzidos pelo lastro e pelo casco de grandes embarcações
e outros meios. Entre peixes invasores há registro de Trichogaster trichopterus, um
Osphronemidae asiático, que foi introduzido na região de Iquitos no Peru e hoje é muito
abundante – e há o temor que logo esteja disperso por toda a Amazônia. Além dessa, várias
outras espécies ornamentais exógenas estão em águas brasileiras e provavelmente estarão na
bacia amazônica em breve.
6.3.8. Mudanças climáticas: temperatura. As mudanças climáticas na Amazônia têm
sido detectadas e indicam alterações sofridas no último século, com aquecimento de 0,5 a 0,8°C
nas últimas décadas no século 20, mais especificamente um aquecimento de 0,63° por 100 anos
(Victoria et al., 1998).
6.3.9. Mudanças climáticas: precipitação. A tendência de precipitação na Amazônia
mostra variações entre as partes norte e sul da bacia. O período 1950-1976 foi úmido e desde
2001 a região tem experimentado um período seco.
6.3.10. Mudanças climáticas: desmatamento. O desflorestamento da Amazônia
acarreta mudanças na precipitação da região, não só no padrão pluvial como também com maior
ocorrência de chuvas em áreas desmatadas. Com o desmatamento, as chuvas tendem a decrescer
no final da estação de chuva e a crescer no final da estação de seca (Chagnon & Bras, 2005).
Outros estudos apontam para uma intensificação de chuvas em toda a Amazônia. O fato é que
essas alterações influem nos ecossistemas aquáticos.
6.3.11. Mudanças climáticas: fenômenos El Niño e La Niña. Estes dois fenômenos
meteorológicos têm exercido influência no clima regional. El Niño tem sido associado com
condições secas no norte da Amazônia. La Niña está associado com chuvas e enchentes na
Colômbia e secas no sul do Brasil. Essa mesma tendência é observada para o Pantanal, outro
bioma com importância no fluxo hidrológico de rios para o funcionamento de ecossistemas. No
Pantanal também o fenômeno El Niño está associado a eventos de secas, enquanto La Niña está
associado a ocorrências de cheias (Alho & Silva, 2012).
6.3.12. Mudanças climáticas: previsões futuras. A informação hoje disponível na
literatura científica publicada permite projetar um aumento de 2 a 3º até o ano 2050 na
Amazônia, com menor precipitação durante os meses secos, inclusive com expansão desse
período. Isso poderá acarretar declínio na produtividade primária, obviamente afetando os
ecossistemas aquáticos (Friend et al., 1997). Essa tendência global de aquecimento do clima
poderá levar a uma frequência maior do fenômeno El Niño, com mais seca na Amazônia. Tal
tendência de maior seca poderá levar a alterações nos ecossistemas aquáticos, perda de hábitats e
72
de biodiversidade e, ainda, drástica mudança do bioma com características mais xéricas e menos
hídricas.
6.3.13. Mudanças climáticas: alteração da floresta e dos ecossistemas aquáticos com
perda da biodiversidade e de recursos naturais. Essas mudanças climáticas projetadas, com
base na informação científica disponível, impõem impactos negativos na atual característica da
cobertura vegetal da Amazônia, com reflexos nas alterações dos ecossistemas aquáticos e na
biodiversidade regional. O aquecimento e o efeito de maior seca, conjugados, exercem influência
no processo de evapotranspiração da floresta, o que influencia o clima regional e continental.
Isso tudo impacta negativamente os ecossistemas aquáticos. As consequências socioeconômicas
são também notadas. As manchas de Cerrado existentes na Amazônia tendem a se expandir. A
intensificação de incêndios florestais tende a se agravar.
6.3.14. Mudanças climáticas: aumento na temperatura da água. As informações
disponíveis preconizam que o aumento da temperatura deve também causar aumento da
temperatura da água dos ecossistemas aquáticos da Amazônia. Temperaturas mais elevadas
implicam também em redução de concentrações de oxigênio dissolvido, que são essenciais à
vida aquática. Essas alterações, por exemplo, associadas à introdução de espécies exóticas,
alteram as comunidades ecológicas de peixes, com prejuízos socioeconômicos.
6.3.15. Mudanças climáticas: efeitos no fluxo hídrico. Os ecossistemas aquáticos da
Amazônia, como os ambientes de várzea, são caracterizados por uma sazonalidade anual com a
constante transição entre hábitats terrestres e aquáticos. A produtividade do ecossistema dá
suporte à biodiversidade e aos recursos naturais, como a pesca. A várzea depende do ritmo anual
do fluxo hídrico sazonal. A mudança climática ameaça o regime hídrico porque a água mais
aquecida resulta em mais intensa evaporação da superfície dos corpos d'água e também maior
transpiração da vegetação, acarretando um ciclo de água mais vigoroso. Os efeitos das mudanças
climáticas, fruto da associação de diversos fatores (como os mencionados acima) com o
desmatamento, trazem ameaças severas aos ecossistemas aquáticos. As mudanças no volume
total do fluxo de igarapés, pequenos e grandes rios, com variabilidade na escala de tempo,
afetam a frequência e a intensidade da inundação sazonal. Essa mudança em magnitude na
distribuição temporal do fluxo constitui ameaça aos ecossistemas aquáticos e à biodiversidade.
Mais uma vez convém enfatizar a importância dos recursos dos ecossistemas aquáticos para a
pesca e seu valor socioeconômico. Hoje em dia, o fluxo hídrico já é alterado pelo grande número
de barragens para usinas hidrelétricas de grande porte. Acresce a proliferação de pequenas
centrais hidrelétricas que estão sendo construídas e planejadas para os afluentes do rio
Amazonas, que constituem um enorme conjunto de fatores negativos impactantes para os
ecossistemas aquáticos.
6.3.16. Mudanças climáticas: ciclagem de nutrientes. Os ecossistemas aquáticos são
dependentes dos nutrientes contidos na matéria orgânica (folhas caídas e outros) que são
carreados pela água para os igarapés e rios. As potenciais mudanças na fisionomia da floresta
podem ameaçar o fluxo de nutrientes para os ecossistemas terrestres.
6.3.17. Mudanças climáticas: saúde humana. A mudança na temperatura e na
fisionomia vegetal pode acarretar a proliferação de patógenos, tornando a população humana
ainda mais fragilizada e exposta a contaminações as mais diversas.
73
6.4. Cobertura vegetal associada aos ecossistemas aquáticos
O IBGE (1992) oficializou as diversas fisionomias vegetais da Amazônia. A Floresta Ombrófila
Aberta Submontana distribui-se por toda a Amazônia, ocorrendo com quatro tipos diferentes:
com palmeiras, com cipó, com sororoca e com bambu. São fisionomias situadas acima dos 100m
de altitude e não raras vezes chegando a cerca de 600m. Nessa altitude, ocorre raramente na
região dos ecossistemas aquáticos, contudo, nos vales profundos, de difícil acesso, é possível
encontrar enclaves de vegetação hidrófila com o aparecimento de indivíduos de açaí, sororoca e
paxiúba.
A Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas ocupa em geral os terrenos situados pouco acima
do nível do mar até a cota 100m nas planícies laterais aos rios principais, não inundadas
sazonalmente.
A Floresta Ombrófila Densa Aluvial ocorre ao longo dos cursos d’água. Esta fisionomia vegetal
está bem associada aos ecossistemas aquáticos. A vegetação cresce sobre solos de origem
hidromórfica, mal drenados e rasos. Podem ficar saturados durante as chuvas de inverno,
inundando o terreno. Algumas vezes é possível distinguir os canais de drenagem, produzindo um
relevo irregular em nível local. Nesse tipo de floresta são comuns as espécies que crescem sobre
solos não consolidados como a paxiúba e o açaí. Também é constituída por espécies de rápido
crescimento, em geral de casca lisa, tronco cônico, por vezes com a forma característica de botija
e raízes tabulares (Foto 15).
74
Foto 15. Floresta sazonalmente inundável (várzea). Quando as águas dos cursos dos rios transbordam e inundam as
florestas aluviais os peixes deixam os leitos dos rios para se alimentarem nestes ambientes nas estações de enchente
e cheia. (Foto Cleber Alho)
As florestas secundárias de formação original ombrófila incluem todos os fragmentos de floresta
ombrófila antropizados, de forma parcial ou total, e que se encontram em diversos estágios de
sucessão ecológica.
A Campirana também é um tipo de floresta alterada em regeneração, que é subdividida em três
subgrupos de formações: arbórea densa ou florestada, arbórea aberta ou arborizada e gramíneo
lenhosa.
As Formações Pioneiras com Influência Fluvial e/ou Lacustre são comunidades vegetais,
florestais ou não, das planícies aluviais que refletem os efeitos das cheias dos rios nas épocas
chuvosas ou, então, das depressões alagáveis todos os anos. O dossel é, geralmente, uni-
estratificado nas formações pioneiras arbóreas. O porte e a contribuição do estrato herbáceo são
determinados pela influência fluvial e pela cota altimétrica do terreno. Locais mais baixos e com
maior período de inundação favorecem formações pioneiras herbáceas.
Ambientes de pedrais (como são localmente conhecidos) em alguns rios da Amazônia, tais como
o Xingu, Iriri, Tapajós, Mapuera e Trombetas, é fisionomia especializada, em virtude das
condições limitantes onde ocorrem. Vegetam nas fraturas e falhas das rochas, onde se acumula
algum sedimento arenoso. Na estação de cheia, algumas das plantas ficam parcial ou totalmente
75
submersas. Na época seca, quando a vazão do rio diminui consideravelmente, as falhas e fraturas
dos afloramentos rochosos formam uma rede de canais que controla a drenagem, por onde a água
flui velozmente. A vegetação de pedrais vive fixada nessas falhas.
Entre as espécies que exploram com habilidade esse ambiente de pedrais está o camu-camu ou
caçari (Myrciaria dubia), um arbusto de até 5m de altura, bastante ramificado e com densa
folhagem na época da seca. Essa mirtácea medra nesse ambiente, formando extensas populações.
Seus frutos pequenos são considerados uma das mais importantes fontes de vitamina C da flora
amazônica. Seus frutos servem de alimento para a fauna aquática de peixes e quelônios.
A ocorrência de fitofisionomias de vegetação alteradas pela ação antrópica indicam ameaças à
estrutura e função dos ecossistemas aquáticos (Foto 16).
Foto 16. O corte seletivo de madeira para diversos usos e o desmatamento das florestas ripárias têm causado
impactos negativos relevantes aos nichos alimentares e reprodutivos de peixes. (Foto Cleber Alho)
6.5. Ecossistemas aquáticos amazônicos: indicadores para avaliação
Evidências documentadas, como as do planejamento do Projeto AquaBio, têm mostrado que os
ecossistemas aquáticos da Amazônia estão conectados a recursos naturais e às comunidades
humanas ribeirinhas (incluindo povos indígenas) que dependem desses recursos que estão em
crescente risco, diante de ameaças ou conflitos, tais como:
76
Uso direto e não sustentável de recursos aquáticos que vão desde a coleta de quelônios
(tracajás, tartarugas e outros) e apanha de seus ovos para consumo e comércio e, também,
a pesca (de subsistência, comercial, esportiva e de peixes de aquário). Tal atividade, em
geral predatória, tem levado à escassez de tartarugas em diversos locais antes abundantes,
e a sobrepesca com diminuição de estoques de tambaqui, piramutaba, pirarucu, tetra-
cardeal, entre outros.
Contaminação direta dos corpos d'água de rios, igarapés e lagos, devido a despejo de
dejetos orgânicos e contaminantes ambientais dos centros urbanos em expansão e sem
tratamento adequado desses dejetos líquidos e sólidos, além dos dejetos oriundos de
atividades mineradoras (Fotos 17 e 18).
Mudanças drásticas de ambientes naturais nos ambientes próximos aos ecossistemas
aquáticos, incluindo desmatamentos com conversão da vegetação natural da floresta para
pasto e também para a agricultura, resultando em sedimentação dos corpos d'água,
carreamento de contaminantes como fertilizantes, herbicidas e pesticidas.
Degradação ou mesmo perda total de hábitats de vegetação ripária associada aos
ecossistemas aquáticos, em virtude da expansão humana, incluindo urbanização e usos
diversos das áreas de várzeas, igapós e outros ambientes de influência aquática.
Alteração do fluxo hídrico de rios, por causa da construção de barragens e implantação de
lagos artificiais, em vista da implantação de obras de infraestrutura, como complexos
hidrelétricos.
77
Foto 17. Contaminação de corpos d'água por dejetos líquidos e sólidos principalmente oriundos dos centros urbanos
tem sido identificada por pescadores como uma das ameaças ambientais à pesca. Foto: Cleber Alho
O monitoramento da qualidade de água depende de uma série de fatores e níveis de indicadores
que podem ser aferidos no local. São consideradas características morfométricas (profundidade
máxima, profundidade média, perímetro, declividade), as características hidrológicas (curvas
higrométricas dos rios e seus tributários e ciclo hidrológico anual) e a qualidade da água que
depende da hidrogeoquímica regional e das atividades humanas.
A gestão dos recursos hídricos visa estabelecer bases práticas para gerenciar o sistema, incluindo
todas as características da bacia hidrográfica que se tem em foco e seus usos múltiplos. A
premissa é que as funções do ecossistema, incluindo a qualidade da água, devem ser preservadas
em função dos usos múltiplos que aí ocorrem. É uma tarefa complexa em função das atividades
socioeconômicas e ecológicas aí envolvidas.
Um dos componentes essenciais para a conservação dos ecossistemas aquáticos é a gestão da
qualidade das águas, associada à gestão da bacia hidrográfica. A qualidade da água reflete os
usos e o estado de conservação ou de degradação da bacia hidrográfica. A qualidade da água
reflete ainda os usos múltiplos de um dado ecossistema aquático. Os impactos negativos desses
usos se refletem também nas implicações e no funcionamento limnológico do ecossistema e, em
última análise, nos recursos socioeconômicos ali explotados.
Há variáveis físicas, químicas e biológicas que são geralmente aferidas para o monitoramento da
qualidade da água dos ecossistemas aquáticos. Esses indicadores são: variação da profundidade
dos cursos de água; transparência da água; valores de pH; variação dos valores de condutividade
elétrica; variação dos valores de turbidez; variação dos valores de oxigênio dissolvido; variação
dos valores de temperatura; o nitrogênio total Kjeldahl, que é representado tanto pelo nitrogênio
amoniacal como pelas formas orgânicas dissolvidas e particuladas de nitrogênio; variação dos
valores de fósforo total; variação dos valores de carbono total dissolvido; variação dos valores de
material em suspensão total; variação dos valores de íons totais; metais no sedimento (cromo,
níquel, chumbo, zinco e ferro); demanda bioquímica de oxigênio; variação dos valores de
coliformes totais e fecais; variação dos valores de coliformes totais pela concentração de
fitoplâncton.
Esses indicadores variam em função da sazonalidade, isto é, o período do início das chuvas e o
período de vazante, bem como entre o período do início das chuvas e o período seco. Em pontos
onde há degradação ambiental, como em ecossistemas aquáticos que recebem dejetos de esgotos
urbanos, perto de cidades, ou em locais afetados por atividades agropecuárias com
desmatamentos, há maiores concentrações de nutrientes, principalmente formas nitrogenadas.
Informações obtidas com a coleta de coliformes fecais, clorofila a, carbono orgânico dissolvido e
carbono orgânico total corroboram, em grande parte, os dados físicos e químicos, mostrando
pontos de impacto de matéria orgânica dissolvida e particulada.
As variáveis que podem apresentar maior variação podem ser identificadas como o material em
suspensão, o nitrato, o amônio, o cloreto e o ferro. Essas variáveis estão relacionadas
principalmente com o uso e a ocupação do solo na bacia hidrográfica, quando são observados um
aumento da exploração pecuária e um leve incremento nas populações urbanas e rurais sem a
adequada infraestrutura para o tratamento de efluentes. O aumento do material em suspensão na
78
água está diretamente relacionado com as precipitações na região, com o aumento de solo
exposto e o desmatamento ocorrido no local para plantio de pastagens visando a criação de gado.
Foto 18. A urbanização da Amazônia tem levado à poluição dos corpos d’água perto das cidades, que junto com a
degradação ambiental oriunda de mineração, pecuária, agricultura e outras atividade humanas, contribuem com
consequências negativas para os ecossistemas aquáticos. Foto: Cleber Alho
As comunidades bióticas como os macroinvertebrados bentônicos são também bons indicadores
dos ecossistemas aquáticos. A distribuição e diversidade de macroinvertebrados são diretamente
influenciadas pelo tipo de substrato, pela morfologia do ecossistema, quantidade e tipo de
detritos orgânicos, presença de vegetação aquática, presença e extensão de floresta ripária e,
indiretamente, são afetadas por modificações nas concentrações de nutrientes e mudanças na
produtividade primária.
Existe um grande número de indicadores biológicos visando a avaliação da qualidade de
ecossistemas aquáticos. Dentre eles, os mais comumente usados são aqueles que contemplam as
comunidades de invertebrados aquáticos. Esses sistemas de índices bióticos têm sido
desenvolvidos no intuito de conferir valores (scores) a organismos indicadores e classificar
corpos d’água quanto à sua categoria de conservação.
Em locais onde há degradação dos ecossistemas aquáticos, essas comunidades de
macroinvertebrados sofrem modificações em sua estrutura e composição de espécies. Há
espécies intolerantes à poluição das águas (como Trichoptera, Ephemeroptera, Odonata e
79
Lepidoptera) e outras que se beneficiam de ambientes com alteração de poluentes (como
oligoquetos e chironomídeos).
Vários estudos indicam que a distribuição e diversidade de peixes são influenciadas pela
heterogeneidade do hábitat. Também ambientes aquáticos com maior correnteza contam
potencialmente com maior heterogeneidade de microhábitats importantes para o estabelecimento
de macroinvertebrados bentônicos. Assim, os ecossistemas aquáticos com maior velocidade de
correnteza podem ter maior probabilidade de albergar animais, por causa da maior taxa de
deslocamento causado pelo fluxo de água que ocorre nesses hábitats.
A sazonalidade do ciclo hidrológico também influencia a composição e estrutura da comunidade
ecológica de macroinvertebrados. No período de seca, por exemplo, as condições extremas do
regime hidrológico na região amazônica influenciam diretamente as comunidades de
macroinvertebrados bentônicos, ocasionando uma diminuição na riqueza das espécies e na
diversidade dos organismos. Contudo, fatores como maior condutividade e substrato
essencialmente arenoso podem ser fatores importantes na limitação do desenvolvimento de
comunidades de macroinvertebrados em determinados ambientes.
Outro indicador a ser apontado é o plâncton. Constitui uma forma de vida dos organismos
aquáticos que se desenvolvem em águas paradas ou de pouca correnteza, encontrando-se,
portanto, mais em sistemas lênticos (lagos, lagoas, reservatórios). O plâncton é composto por
bactérias (bacterioplâncton), vegetais (fitoplâncton) e animais (zooplâncton). Esses organismos
desempenham importantes papeis no ecossistema aquático como produtores, como o
fitoplâncton, consumidores e decompositores.
Os plânctons constituem fonte de alimento para a fauna íctica dos ecossistemas aquáticos. Em
sistemas lóticos ou de águas correntes (como rios e riachos) e são pobres em matéria orgânica – é
muito difícil encontrar plâncton, seja fito ou zooplâncton. Nas bacias amazônicas, contudo, por
serem planícies, os sistemas lóticos apresentam grande quantidade de matéria orgânica, tornando
possível o desenvolvimento de plâncton.
6.6. Fauna silvestre associada aos ecossistemas aquáticos, incluindo peixes e pesca
6.6.1Herpetofauna. A herpetofauna (anfíbios e répteis) é considerada um bom indicador
da qualidade dos ecossistemas aquáticos. A Floresta Amazônica é um dos maiores centros de
diversidade da herpetofauna do mundo. A região abriga aproximadamente 430 espécies de
anfíbios e 380 espécies de répteis. É contudo frequente na literatura científica o encontro e a
descrição de uma nova espécie.
Espécies da herpetofauna têm preferência por dois grandes grupos de ambientes, de acordo com
as preferências de habitat: um grupo florestal e outro de áreas abertas. Esse último grupo ocupa
pontos isolados de vegetação aberta, junto à calha dos rios e sujeitos a inundações sazonais,
constituídos por vegetação pioneira arbustiva-herbácea, periodicamente inundada (campos
naturais inundáveis). Algumas espécies de rãs como aquelas do gênero Dendrobates têm alta
especificidade ao habitat e baixa abundância de população e são consideradas espécies
indicadoras da qualidade do habitat.
80
6.6.2. Quelônios aquáticos. Os quelônios aquáticos são importantes nos ecossistemas
aquáticos não só como indicadores, mas principalmente porque são tradicionalmente consumidos
pelas populações ribeirinhas (Alho, 1985). As principais espécies de quelônios que têm valor
biológico e socioeconômico nos ecossistemas aquáticos da Amazônia são: a tartaruga
Podocnemis expansa (Foto 19), o tracajá Podocnemis unifilis, o pitiú Podocnemis
sextuberculata,
Foto 19. A tartaruga-da-amazônia Podocnemis expansa é um quelônio tradicionalmente caçado para consumo de
sua carne e de seus ovos na Amazônia (Foto Cleber Alho).
a irapuca (Podocnemis erythrocephala), o cabeçudo (Peltocephalus dumeriliana), o muçuã
(Kinosternon scorpioides) e a aperema (Rhynoclemmys punctularia).
A tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) tem uma ampla distribuição na Amazônia,
estendendo-se por todo o rio Amazonas e Orinoco e seus afluentes (Foto 20). A tartaruga ocorre
nos países amazônicos Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
É estritamente aquática e só sai da água para realizar a desova. Essa espécie habita os rios, lagos,
pântanos, ilhas e florestas inundáveis, dispersando-se isoladamente por esses ambientes para se
alimentar. São animais capazes de perceber o regime de vazante do rio e detectam o período
apropriado de estiagem (quando as praias ou tabuleiros aparecem), para iniciarem o ritual
comunal de comportamento de desova, numa sincronia entre o regime de vazante do rio e o
desencadeamento do comportamento de nidificação (Alho e Pádua, 1982a). É nessa fase, quando
os animais estão nos tabuleiros desovando, que as pessoas invadem as praias e fazem a
81
"viração", deixando o máximo possível de animais virados de plastrão para cima, carapaça para
baixo, para serem recolhidos, consumidos ou comercializados.
Foto 20. Tracajás (como exibindo comportamento de termorregulação) são tradicionalmente consumidos pelos
povos amazônicos. Os hábitats alimentares como este e os reprodutivos (tabuleiros de desova) devem ser manejados
e protegidos. (Foto Cleber Alho).
A incubação dos ovos na areia dura cerca de 49 dias depois da desova, a uma temperatura média
de 37ºC dentro da câmara de postura. Os filhotes eclodem e, estimulados pelas primeiras chuvas,
abandonam os ninhos de incubação e correm em direção à água (Alho & Pádua, 1982; Alho,
1985). A temperatura de incubação é importante para a determinação do sexo da tartaruga.
Portanto, potencial mudança climática na temperatura pode influenciar o balanço de sexo destes
animais.
6.6.3. Avifauna. A Amazônia conta com uma significativa diversidade de aves, e como
este grupo é bem estudado, algumas espécies associadas à água constituem bons indicadores do
status dos ecossistemas aquáticos. Bons indicadores de qualidade de hábitat podem ser listados
como: a águia–real (Harpia harpyja); o uiraçu-falso (Morphnus guianensis); o jacu-estalo-
escamoso (Neomorphus squamiger), a jacupiranga (Penelope pileata), o limpa-folha-de-bico-
virado (Simoxenops ucayalae) e o puruchém (Synallaxis cherriei).
Algumas espécies de aves associadas aos ecossistemas aquáticos têm distribuições restritas a
estreitas faixas ao longo dos rios. A importância dos rios (e suas planícies de inundação) como
barreiras diminui com sua largura e com o aumento de capacidade de dispersão das aves. É o
82
conhecido “efeito barreira” que é marcadamente notável em espécies que habitam o interior da
floresta, tais como alguns formicarídeos de sub-bosque das florestas (por exemplo Phlegopsis
nigromaculata), cujas populações são efetivamente separadas, mesmo em faixas relativamente
estreitas dos rios.
Espécies de aves indicadoras de hábitats aquáticos estão intimamente associadas a ambientes
ripários. Ocorrem e se utilizam dos recursos presentes na região ribeirinha, entre elas: a cigana
(Opisthocomus hoazin), martim-pescadores Ceryle torquata e Chloroceryle spp., anu coroca
(Crotophaga major), urubuzinho (Chelidoptera tenebrosa), andorinhas Atticora fasciata e
Tachycineta albiventer, cardeal (Paroaria gularis) e, em especial, o tico-tico-cigarra
(Ammodramus aurifrons), espécie que se restringe aos campos das margens e ilhas dos grandes
rios amazônicos.
6.6.4. Mastofauna. Os mamíferos silvestres são importantes não só como indicadores de
hábitats associados aos ecossistemas aquáticos como também representam recursos de
subsistência socioeconômica por meio da caça. Na Amazônia ocorre um grande número de
espécies de mamíferos e, ocasionalmente, esse número vem subindo. É o caso do primata com
pelo negro batizado cientificamente de Cacajao ayresi, ou uacari-do-aracá, com distribuição no
rio Aracá (tributário do rio Negro), na fronteira do Brasil com a Venezuela.
Exemplos de mamíferos indicadores de qualidade de hábitat estão os primatas como o coatá-de-
testa-branca (Ateles marginatus) e o cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus), que são
espécies mais vulneráveis aos efeitos antrópicos, especialmente por suas distribuições
geográficas restritas. Efeitos dos rios amazônicos como barreira que limita a distribuição de
primatas podem ser ilustrados com o caso de Ateles marginatus que é exclusiva do interflúvio
Xingu-Tapajós. Aliás, essa região experimenta ampla colonização humana devido à construção
da rodovia Santarém-Cuiabá. Há algumas espécies de mamíferos de distribuição mais restrita,
como é o caso do cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus), restrito apenas às florestas da
margem esquerda do rio Xingu. Já a espécie de primata cuxiú-preto (Chiropotes satanas) ocorre
apenas nas florestas da margem direita do rio Xingu. Já Callithrix argentata e Saguinus niger,
espécies com preferência por clareiras nas florestas, costumam aumentar sua abundância no caso
de perturbações ambientais.
Na Amazônia existem cinco espécies de mamíferos aquáticos pertencentes a três distintas
Ordens: Sirenia, com uma espécie, o peixe-boi da Amazônia (Trichechus inunguis) (Foto 21), a
Ordem Cetacea, com duas espécies de golfinhos, o boto-vermelho (Inia geoffrensis) e o boto-
tucuxi (Sotalia fluviatilis) e a Ordem Carnivora, com duas espécies de mustelídeos aquáticos, a
ariranha (Pteronura brasiliensis) e a lontra (Lontra longicaudis). Estas espécies são indicadores
de ecossistemas aquáticos.
O peixe-boi é um herbívoro aquático endêmico da Amazônia, e como apresenta comportamento
bastante discreto, é difícil de ser observado no seu ambiente natural. As informações são obtidas
geralmente de forma indireta, por meio de entrevistas com os moradores locais, observação de
locais com presença de macrófitas aquáticas e semi-aquáticas (evidência de locais de
alimentação), presença de fezes, coleta de material ósseo ou carcaças, pele, mixira, fezes e outras
evidências da ocorrência da espécie.
83
Foto 21. Peixe-boi Trichechus inunguis é endêmico da bacia Amazônica, espécie ameaçada na categoria vulnerável.
Ocupa hábitat de várzea durante a cheia e se dispersa para igarapés ou canais de rios e lagos perenes durante a
estação de vazante e seca. (Foto Cleber Alho).
O boto-vermelho e o tucuxi são animais piscívoros, predadores no topo da cadeia alimentar e
perseguem suas presas. Por isso são potenciais espécies para atuar como indicadoras da
qualidade do ambiente aquático quanto à ocorrência de peixes e concentração de contaminantes
ambientais.
6.6.5. Peixes e pesca. O rio Amazonas e seus tributários contêm a maior diversidade de
espécies de peixes entre as regiões ictiogeográficas do planeta, com destaque entre as 426
ecorregiões aquáticas continentais do globo terrestre (Abell et al.,2008).
Fatores históricos da geomorfologia da Amazônia devem ser considerados para o entendimento
da diversidade de peixes da região. Por exemplo, as evidências históricas sobre as ligações da
ictiofauna do rio Xingu com drenagens da periferia Amazônica, mostraram fortes evidências que
suportam a hipótese biogeográfica de macroescala. Essa hipótese relaciona as maiores afinidades
ictiofaunísticas entre os rios Xingu e Amazonas (para o oeste), Xingu, Orinoco e Guianas (para o
nordeste e norte) e Xingu e Tocantins (para o leste) aos eventos geológicos e climáticos que
moldaram as paisagens hidrográficas da Amazônia e sua periferia, especialmente a partir do
soerguimento dos Andes durante o Mioceno e das glaciações do Pleistoceno.
Acrescem, ainda, as sucessivas flutuações climáticas com consequentes alternâncias de períodos
frios e quentes que ocorreram na região amazônica, com variações de chuvas, com reflexo na
cobertura vegetal, levando a fragmentações e posteriores expansões de hábitats.
Os peixes típicos das várzeas amazônicas são o pirarucu Arapaima gigas (Foto 22) e a
pirapitinga Piaractus brachypomus, além de outras espécies como Carnegiella strigata,
Laemolyta varia, Leporinus cylindriformis, Pseudanos trimaculatus, Centrodoras brachiatus,
Trachydoras steindachneri, Dianema longibarbis, Pseudepapterus cucuhyensis, Farlowella
84
amazona, Loricaria cataphracta, Henonemus punctatus, o grande bagre Pseudoplatystoma
tigrinum, e os peixes elétricos Rhamphichthys marmoratus e Sternarchorhamphus muelleri.
São reconhecidas duas categorias de movimento de peixes na Amazônia. Há as espécies
migradoras para as áreas marginais alagadas dos rios, no início da enchente, onde desovam.
Entre estas espécies estão os peixes de escama como o curimatã Prochilodus nigricans e as
espécies de pacu Myleus spp. A outra categoria de movimento dos cartumes é relacionada a
migração de longas distâncias do grandes bagres como a piramutaba (Brachyplatystoma
vaillantii) e a dourada (Brachyplatystoma flavicans).
Entre os peixes que fazem movimento para as margens alagadas dos rios, no início da enchente,
destacam-se ainda as espécies de tucunarés (Cichla spp.) (Foto 23), o aruanã (Osteoglossum
bicirrhosum), o pirarucu (Arapaima gigas) além de outros peixes como pescada, acari e
piranhas. Estas espécies podem realizar pequenos movimentos laterais entre as áreas inundadas e
o canal principal do rio ou mesmo pequenos deslocamentos longitudinais dentro de um mesmo
macrohabitat.
Foto 22. Pirarucu Arapaima gigas muito pescado nos lagos da bacia amazônica. (Foto Cleber Alho).
Os peixes que fazem a migração de piracema, ao longo dos rios, como os grandes bagres, podem
percorrer dezenas ou milhares de quilômetros, para encontrar o sítio de reprodução. No alto
Solimões, Madeira ou Japurá, os bagres desovam entre maio e julho. As larvas desses peixes
aparentemente são carreadas pela correnteza do Amazonas, chegando meses depois ao estuário.
85
Contudo, em alguns rios como no Xingu, as espécies de bagres como o surubim
Pseudoplatystoma fasciatum, a pirarara Phractocephalus hemioliopterus e o filhote
Brachyplatystoma filamentosum parecem não precisar percorrer distâncias tão longas.
Os peixes que percorrem as áreas entre o curso dos rios e as partes sazonalmente inundáveis, no
início da enchente, compreendem os chamados peixes brancos, como o tambaqui (Colossoma), o
pacu (Mylossoma) e a curimatã (Prochilodus) entre outras, e os peixes pretos, com destaque para
o jaraqui (Semaprochilodus) e o matrinchã (Brycon). Os peixes brancos são mais ligados às
várzeas do rio principal, Solimões-Amazonas, ou de seus afluentes de águas brancas, como o
Madeira e o Purus e, realizam migração mais tardia que os peixes pretos, ligados
preferencialmente aos igapós dos afluentes de águas pretas e claras.
A migração não é só para reprodução nas áreas inundadas. Os cardumes procuram também
alimento (frutos caídos da floresta inundável, vegetação flutuante e outros itens) e fazem também
movimento de dispersão. Com o início da vazante os peixes retornam ao leito dos rios.
As migrações, contudo, não são tão padronizadas. Estudos em diversas bacias da Amazônia
mostram características locais. Nos tributários do baixo Amazonas, algumas migrações parecem
bastante distintas daqueles descritos para a Amazônia Central. Estudos sobre as migrações na
bacia do rio Tocantins detectaram a ocorrência de quatro variações nos padrões de migrações (1)
no baixo Tocantins; (2) no médio rio Tocantins e baixo rio Araguaia; (3) no médio Araguaia
abaixo da Ilha do Bananal e no médio – alto rio Araguaia acima da Ilha do Bananal. Afora as
especificidades locais, à semelhança da Amazônia Central, os cardumes no Tocantins e Araguaia
também sobem o canal principal durante toda a vazante. Durante a seca, entretanto, estes
cardumes se desagregam e os peixes pré-maduros se espalham por entre praias, pedrais e pauzadas
do canal principal. Quando o rio começa a subir, os cardumes se reúnem novamente e migram para
dentro dos tributários para desovar nas águas rasas com vegetação recém inundada (grotas).
Nas zonas de inundação, os peixes alimentam-se intensamente durante toda a estação cheia, para
produzir o estoque de gorduras que lhes facultará um novo ciclo migratório, durante o verão
seguinte. Grandes quantidades de caracídeos e silurídeos jovens também podem ser detectados em
lagos marginais. Se por um lado ainda há necessidade de melhor investigação sobre os padrões
particulares de migração, por outro lado deve-se ressaltar que o esforço pesqueiro perturba esses
movimentos migratórios.
O valor do peixe para a pesca recai sobre um número relativamente pequeno de espécies
(estimado em cerca de 200 na Amazônia), em comparação à alta diversidade de peixes regionais.
E o valor de mercado ou de consumo também varia como é regra geral na pesca.
86
Foto 23. Peixes capturados e comercializados na Amazônia. (Foto Cleber Alho)
Importante enfatizar que a pesca para consumo cumpre papel social e econômico na Amazônia,
além de garantir suprimento proteico de baixo custo para as populações humanas mais carentes.
Ao mesmo tempo, a pesca de peixes ornamentais na Amazônia representa uma importante fonte
socioeconômica para a gente local. O mercado de peixes ornamentais vem apresentando uma
demanda crescente no mercado internacional e as espécies amazônicas desempenham papel
preponderante no mercado de peixes de aquário.
A pesca de peixes ornamentais teve início nos anos 30, mas prosperou na década de 50, no
município de Benjamin Constant, fronteira entre Peru e Colômbia, sendo posteriormente
ampliada para todo o Estado do Amazonas, atualmente responsável por cerca de 90% de toda a
produção. O Estado do Pará é o segundo mais importante produtor de peixes ornamentais.
Um outro problema grave que tem ocorrido muito no Brasil, com potencial de se estender para a
Amazônia, é a hibridação de espécies. Por exemplo, o surubi (Pseudoplatystoma fasciatum) e a
cachara (Pseudoplatystoma corruscans) foram hibridizados por piscicultores e escaparam para
os rios. Agora já se capturam híbridos na natureza. Outro caso semelhante é o tambacu, hídrido
de tambaqui e pacu.
87
7. DIRETRIZES PARA O PLANO DE AÇÕES ESTRATÉGICAS
7.1. Procedimentos metodológicos sobre a avaliação das ameaças ambientais e conflitos de
pesca
A identificação e a avaliação das ameaças ambientais é um instrumento voltado para subsidiar o
planejamento de uma determinada atividade potencialmente modificadora do meio ambiente
(neste os ecossistemas aquáticos) para subsidiar a decisão quanto à seleção da melhor entre as
possíveis alternativas de ação para atingir a conservação e o uso sustentável dos recursos
naturais, em particular a pesca. Essa avaliação de certo modo tem um teor subjetivo porquanto se
baseia na análise de pesquisadores especialistas.
A identificação e a avaliação das ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos assume a forma
de um processo – o processo de avaliação dessas ameaças, que se traduz em um conjunto de
procedimentos, alguns de natureza técnico-científica, outros de cunho político-administrativo e
legal. Esse processo tem por primeira finalidade assegurar que tais ameaças ambientais (aos
ecossistemas aquáticos, com destaque para a pesca), sejam previstas e analisadas. A vertente
técnico-científica desse processo de análise se baseia no fato de que a diversidade de peixes da
Amazônia e as espécies que são alvo da pesca são componentes bióticos fundamentais e parte
integrante da estrutura e da função dos ecossistemas aquáticos. A vertente político-administrativa
diz respeito aos procedimentos administrativos, ao aparato que os gerencia e às normas legais
que devem ser obedecidas e os instrumentos consagrados nas técnicas de manejo. Em síntese, o
processo de avaliação das ameaças ambientais tem como finalidade orientar as diretrizes a serem
tomadas no plano de ação estratégica para este componente de ecossistemas aquáticos para o
Projeto GEF-Amazonas.
A revisão bibliográfica conduzida neste estudo, junto com a visita ao campo em três áreas focais
(ou hotspots: alto rio Xingu, baixo rio Tocantins e médio rio Negro) permitiram a identificação
dessas ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos em geral ressaltando, em particular, o
vetor de peixes e pesca para a compreensão da análise.
Desse modo, o termo "ameaça ambiental e conflito de pesca" é definido como os fatores
negativos que impactam os ecossistemas aquáticos, prejudicam a produtividade da pesca e
afetam os aspectos socioeconômicos dos pescadores, contribuindo para caracterizar o uso não
sustentável desse recurso natural. É, portanto, qualquer alteração significativa e prejudicial no
ecossistema aquático – em um ou mais de seus componentes – provocada pela ação humana,
destacando-se aqui a atividade de pesca. Esses fatores negativos que uma dada modificação
derivada de interferência do homem em sua atividade de pesca, tem implicação e consequência
socioeconômica para os povos que dependem desse recurso natural, isto é, do peixe.
Essa relação negativa não só afeta os ecossistemas aquáticos, como também tem implicações
com as interações socioeconômicas com o homem local (ribeirinhos e pescadores). Contudo, as
ameaças ambientais à pesca como também os conflitos de pesca, não são aqui tratados
isoladamente, quanto à sua identificação e avaliação, de vez que cada ameaça identificada, bem
como cada conflito de pesca identificado, conta com inter-relações com outras ameaças e
conflitos. Constitui um complexo de ações negativas conexas à integridade dos ecossistemas
88
aquáticos, à biologia e ecologia da ictiofauna, aos eventos sazonais como o pulso de enchente-
vazante, e à efetiva implementação da legislação e normatização, particularmente no que se
refere à fiscalização, além de outros fatores.
Denomina-se “variável ambiental” a cada um dos fatores que compõem os meios que poderão
ser afetados pela ameaça ambiental que incluem: (1) o ecossistema aquático, (2) os peixes e a
pesca como indicadores do meio biótico desse ecossistema, e (3) o componente socioeconômico
que afeta a vida do homem ribeirinho que depende desse recurso natural.
A identificação e análise desses elementos ou variáveis permitiu a elaboração do diagnóstico
deste estudo, tomando como base os trabalhos de campo nos três hospots já identificados e,
principalmente, tomando a literatura técnico-científica publicada como referências.
Inicialmente, a equipe formada por três especialistas em ecologia e ictiofauna procedeu à
identificação das ameaças ambientais e os conflitos de pesca. Em seguida foram identificadas as
relações com os elementos que potencialmente afetam a ictiofauna e a pesca nos ecossistemas
aquáticos (elementos ecológicos e biológicos, elementos socioeconômicos e elementos da
normatização).
As ameaças ambientais são descritas, na forma de texto, indicando como, onde e quando
ocorrem, identificando as condições em que se tornam significativas, particularmente para a
pesca. Desse modo se procura também identificar a fonte geradora da ameaça e do conflito de
pesca.
A caracterização de cada ameaça é feita por meio de indicadores, de forma a fornecer
informações necessárias não só à subsequente avaliação da ameaça, como também orientar as
ações de conservação propostas para o plano de ações estratégicas, no sentido de mitigar,
compensar ou monitorar as ameaças identificadas.
Quanto à ocorrência da ameaça o indicador analisa a possibilidade do impacto se
materializar em função das seguintes condições:
Certa: alteração negativa com certeza de ocorrência
Provável: alteração com alta possibilidade de ocorrer
Improvável: baixa possibilidade de ocorrer
Quanto à incidência das ameaças:
Direta: a ameaça é a primeira alteração que decorre de uma ação impactante
Indireta: uma ação que decorre secundariamente de uma ação impactante
Quanto à abrangência da ameaça:
Pontual: alteração que se manifesta na área em que se dá o impacto
Local: alteração que se manifesta numa área maior
Regional; alteração de abrangência regional
Quanto a temporalidade de manifestação da ameaça:
Curto prazo: a ameaça se manifesta imediatamente
Médio e longo prazos: a ameaça demanda mais tempo para se manifestar
Quanto à forma de manifestação da ameaça:
Contínua: a alteração é passível de forma ininterrupta
Descontínua: a alteração é passível de ocorrer em intervalos variados de tempo
89
Cíclica: a alteração se manifesta de forma cíclica
Quanto à duração da manifestação da ameaça:
Temporária: manifestação transitória
Permanente: alteração que ocorre permanentemente
Quanto à reversibilidade da ameaça pela ação de conservação:
Curto prazo: quando as ações efetivamente implementadas podem reverter o
efeito da ameaça em curto prazo
Médio/longo prazo; quando o efeito exige prazo maior
Irreversível: quando a ameaça afeta o ambiente (ecossistema aquático) de maneira
irreversível
Quanto à relevância da ameaça:
Baixa; a alteração que impacta os elementos ou variáveis ambientais é passível de
ser percebida ou facilmente detectada, com perda mínima dos elementos
ambientais
Média: média capacidade de percepção com perda média dos elementos
ambientais
Alta: percepção implicando em perdas expressivas dos elementos ambientais
Quanto à magnitude da ameaça, que se refere à grandeza de uma ameaça em termos
absolutos.
Baixa: quando o grau de alteração da qualidade da variável ambiental que será
afetada é baixo.
Média: quando o grau de alteração da qualidade da variável ambiental que será
afetada é médio.
Alta: quando o grau de alteração da qualidade da variável ambiental que será
afetada é alto.
Toda esta análise e avaliação das ameaças são apresentadas em forma de quadros. As ações de
mitigação das ameaças apresentadas (para o plano de ações estratégicas) são aquelas que visam
reduzir os efeitos das ameaças e conflitos de pesca, quando essas ameaças são identificadas
como mitigáveis, isto é, quando potencialmente podem exercer controle no processo que geram
as ameaças e conflitos ambientais.
8. IDENTIFICAÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS AMEAÇAS
AMBIENTAIS QUE IMPACTAM OS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS
O plano de ações estratégicas do Projeto GEF-Amazonas visa fazer face às ameaças ambientais
identificadas e analisadas, e, no caso deste componente de ecossistemas aquáticos, vislumbra a
esperança de que a implantação desse plano venha trazer progresso na pesca sustentável e
melhorar a qualidade de vida da população local que vive desse recurso.
8.1. Ameaça: Alteração e perda de hábitats de peixes devido ao desmatamento da vegetação
ripária
8.1.1. Descrição da Ameaça. Mata ciliar ou ripária é a vegetação que ocorre nas
margens dos rios. Essa mata é fundamental para o ambiente aquático e para os organismos que
90
vivem nos rios por três motivos principais. A integridade das margens é, em grande parte,
sustentada pela vegetação ripária. A sua retirada facilita o carreamento de terra e outros
sedimentos para o leito do rio pela chuva, causando o assoreamento do leito, com a consequente
diminuição da profundidade e da estruturação. Além disso, a mudança na turbidez da água
provoca alteração na penetração de luz e consequentemente na produtividade primária do
manancial. Ainda, altera as habilidades de percepção do meio pelos peixes que se orientam
visualmente para atividades reprodutivas, alimentares, etc., impactando a sua sobrevivência.
Finalmente, diversas árvores da mata ciliar produzem frutos e sementes que são utilizadas por
diversos peixes para alimentação, especialmente na época de cheia. O desmatamento da
vegetação ripária foi extensivamente verificado na região do alto rio Xingu e em partes do baixo
rio Tocantins, durante os trabalhos de campo.
A literatura científica da Amazônia tem apontado a importância do fluxo hidrológico dos rios
para a estrutura e função dos ecossistemas aquáticos da região. Importante ressaltar que os peixes
desempenham papel biótico fundamental nessa estrutura e função dos ecossistemas aquáticos,
em particular nos ambientes de floresta sazonalmente inundável. Essa inter-relação interfere na
disponibilidade de recursos pesqueiros, fato que afeta a natalidade e recrutamento de muitas
espécies de peixes. A extensa área de floresta e outros tipos de vegetação que são sazonalmente
inundáveis, com expansão e encolhimento anual de hábitats, favorece a interação de peixes que
saem do leito dos rios durante a cheia, resultando numa complexa cadeia trófica. A grande
importância desses hábitats inundáveis está também no fato de que servem como berçários para
diversas espécies de peixes de interesse da pesca, como o tambaqui (Colossoma macropolum), o
matrinxã (Brycon amazonicus), o curimatã (Prochilodon nigricans), os jaraquis
(Semaprochilodus insignis, S. brama e S. teaniurus), as sardinhas (Triportheus angulatus e T.
elongatus) entre muitas outras espécies. Relatos de pescadores e outros ribeirinhos associados à
pesca na região do alto rio Xingu e do baixo rio Tocantins descreveram a diminuição da
quantidade de peixes nessas regiões o que, em parte, pode estar associado à perda da mata
ripária.
Quadro 1: Caracterização da ameaça.
Ameaça Alteração e perda de hábitats de peixes devido ao
desmatamento da vegetação ripária
Variável
Ambiental Impactada
Ictiofauna e outros componentes do meio biótico do
ecossistema aquático
Caracterização da ameaça
Ocorrência Certa Considera-se como certa a ocorrência dessa ameaça ambiental
diante da tendência de desmatamentos ou modificações da
floresta ombrófila fluvial e outra tipologia de vegetação ao
longo dos rios, lagos e igarapés. Esta ameaça está bem
evidente nas cabeceiras dos rios da Amazônia que nascem no
Planalto Brasileiro, nos biomas Floresta e Cerrado, onde a
expansão da soja e do pasto para o gado tem levado à
conversão da vegetação natural em ambientes drasticamente
modificados. A floresta ribeirinha constitui recurso ecológico
essencial à biologia de peixes das várzeas amazônicas e, em
consequência, do recurso pesqueiro. As espécies de peixes
91
que ocorrem nos lagos, rios e igarapés exibem dinâmica
complexa de comportamento alimentar e reprodutivo. Na
época da enchente e cheia os peixes entram na vegetação
inundável para se reproduzir, ou suas larvas e alevinos são
carreados pela correnteza da enchente, para dentro da
vegetação sendo inundada. Nesse ambiente inundável os
alevinos encontram alimento e proteção. Na estação de
vazante e seca os peixes retornam junto com a água para o
leito dos rios. As técnicas de pesca consideram essa dinâmica
em função do fluxo dos rios.
Incidência Direta O efeito do desmatamento na perda e alteração dos hábitats
alimentares e reprodutivos de diversas espécies de peixes é
direto, dado que o desaparecimento ou alteração da vegetação
inundável elimina os nichos alimentares e reprodutivas dos
peixes.
Abrangência Pontual O impacto da ameaça ambiental se manifesta em locais onde
há ocorrência de desmatamentos da vegetação riparia ou sua
alteração, como no caso das cabeceiras dos rios Tocantins,
Araguaia, Xingu, e Madeira, sob influência da expansão da
soja e outras culturas e da pecuária. Temporalidade Imediato /
curto prazo Este impacto tem manifestação imediata a curto prazo, dado
que a brusca conversão ou alteração da vegetação em campos
agrícolas ou pasto interfere imediatamente nos hábitats de
peixes.
Forma de
Manifestação
Contínua O efeito se manifestará de forma contínua já que a alteração
ou eliminação desses hábitats ocorre de forma abrupta.
Duração da
Manifestação
Permanente O impacto tem duração permanente porque naquela dada área
os hábitats foram alterados ou eliminados, privando os peixes
desse recurso fundamental do ecossistema aquático.
Quadro 2: Avaliação da ameaça.
Avaliação da Ameaça Reversibilidade Reversível a
longo prazo
É uma ameaça considerada reversível a longo prazo, caso
se proceda a restauração da vegetação alterada ou
suprimida.
Relevância Alta A relevância é alta porque os hábitats são reduzidos ou
suprimidos drasticamente nos locais onde ocorrem essas
ameaças.
Magnitude Alta Em função de ser um impacto reversível a longo prazo a
um custo muito elevado sua magnitude é considerada como
alta.
8.1.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As
medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:
92
Monitoramento e controle de desmatamentos da vegetação ripária, inclusive em
cumprimento à legislação de vários países membro da OTCA;
Conscientização dos produtores rurais sobre a faixa mínima de vegetação ripária;
Incremento da fiscalização da derrubada de vegetação ripária (por exemplo, através de
técnicas de monitoramento com sensoreamento remoto por satélite);
Criação de mecanismos participativos de fiscalização (cooperação das comunidades de
pescadores com os órgãos ambientais).
8.2. Ameaça: Efeito da diminuição da vazão dos rios devido ao desmatamento das áreas de
nascentes
8.2.1. Descrição da Ameaça. O desmatamento extensivo provavelmente representa
o mais importante fator de impacto sobre os ambientes terrestres, com consequências igualmente
importantes para os ambientes aquáticos do entorno. A retirada da floresta de terra firme
aumenta drasticamente a evaporação da água do solo, causando a diminuição da vazão ou
mesmo o desaparecimento de nascentes (Santos et al., 2012), culminando com a diminuição da
vazão dos rios. O desmatamento também desagrega o solo que será parcialmente carreado pelas
chuvas, especialmente quando a faixa de mata ciliar remanescente for pequena (relação com a
Ameaça anterior: Alteração e perda de hábitats de peixes devido ao desmatamento da vegetação
ripária).
O carreamento de terra e outros sedimentos para o leito do rio pela chuva, causa o assoreamento
do leito, com a consequente diminuição da profundidade e perda da estruturação. Grandes
extensões de Cerrado e Floresta já foram removidas na porção sul da Amazônia brasileira,
especialmente nos estados do Pará, Tocantins, Mato Grosso e Rondônia, principalmente para a
pecuária e agricultura extensivas (Figura 9). A região do alto rio Xingu, visitada neste estudo, e
do médio rio Madeira e alto rio Tapajós, visitadas em outra oportunidade, são exemplos de
grandes áreas de desmatamento extensivo. Por outro lado, a mata ciliar ou ripária é composta por
floresta aluvial e cobre as áreas alagáveis junto às margens dos rios. Essa mata é fundamental
para o ambiente aquático e para os organismos que vivem nos rios, pois é sazonalmente alagada
durante a estação da cheia provendo refugio para muitas espécies de peixes que aí se alimentam e
se reproduzem, sendo também a área de berçário onde crescerão os alevinos. Felizmente, uma
grande parte da porção norte da Amazônia é dominada por matas inundáveis, a agricultura sendo
praticada em pequenas roças nas porções de terra firme, junto às comunidades. A dinâmica de
inundação sazonal dominante em grande parte da região, além da baixa qualidade dos solos e a
ausência de culturas adaptadas à condição climática, tornam essas áreas sem vocação para a
agricultura extensiva.
93
Figura 9. Área desmatada (em vermelho) nas cabeceiras do rio Xingu. À esquerda em 1994 e à direita em 2005.
Fonte: Projeto Y Ikatu Xingu.
Com inúmeros exemplos conhecidos na Mata Atlântica no leste e nordeste do Brasil, a
diminuição e desaparecimento de nascentes começa a ser registrado na bacia Amazônica. Em um
estudo na região de Rio Branco, Acre, Santos et al. (2012) demonstraram que nascentes em áreas
desmatadas diminuíram consideravelmente seus níveis de vazão. Durante os trabalhos de campo
do presente estudo, verificou-se que enormes áreas de floresta na parte superior da bacia do rio
Xingu deram lugar a extensas plantações de soja e outros cultivos. Todas as pequenas nascentes
que existem nessas áreas encontram-se agora desmatadas e certamente com severa diminuição da
sua vazão original de água. Esse panorama se repete em toda a porção sul da bacia amazônica
brasileira, em especial na porção superior das bacias dos rios Tocantins, Araguaia, Xingu,
Tapajós e Madeira. A perda de vazão desses rios, associada à mudanças climáticas previstas,
poderão impactar negativamente a operação das Usinas Hidrelétricas existentes e em construção
nos mesmo (ver Ameaça 7: Efeitos das mudanças climáticas sobre os ambientes aquáticos).
Quadro 3: Caracterização da ameaça.
Ameaça Efeito da diminuição da vazão dos rios devido ao
desmatamento das áreas de nascentes
Variável
Ambiental Impactada
Ictiofauna e outros componentes do meio biótico do
ecossistema aquático
Caracterização da ameaça
Ocorrência Certa Considera-se como certa a ocorrência dessa ameaça ambiental
diante da grande área de desmatamentos para agricultura e
pecuária nos estados do Tocantins, Pará, Mato Grosso e
Rondônia. Esta ameaça está particularmente evidente em todo
o curso superior dos rios da Amazônia que nascem no
Planalto Brasileiro.
Incidência Direta O efeito do desmatamento extensivo é direto nos ambientes
94
aquáticos, pois aumenta em ordens de grandeza a evaporação
da água do solo causando a diminuição da vazão e até o
desaparecimento de nascentes e pequenos riachos de primeira
ordem e consequente diminuição na vazão dos riachos e rios
formados por aqueles.
Abrangência Extensa O impacto da ameaça ambiental se manifesta amplamente em
toda a região da vertente sul da bacia amazônica brasileira, em
especial na porção superior das bacias dos rios Tocantins,
Araguaia, Xingu, Tapajós e Madeira. Temporalidade Médio
prazo
Este impacto tem manifestação a médio prazo, dado que a
conversão de florestas em campos agrícolas ou pasto aumenta
a evaporação do solo de forma continuada.
Forma de
Manifestação
Contínua O efeito se manifestará de forma contínua já que a alteração
das florestas em culturas ou pastos é permanente.
Duração da
Manifestação
Permanente O impacto tem duração permanente porque nas áreas em que
os hábitats foram alterados e o aumento da evaporação no solo
aumenta de forma permanente.
Quadro 4: Avaliação da ameaça.
Avaliação da Ameaça Reversibilidade Reversível a
longo prazo
É um impacto considerado reversível a longo prazo, caso
se proceda a restauração da vegetação alterada ou
suprimida.
Relevância Alta A relevância é alta porque os riachos e cursos d’água
afetados não irão se recuperar em curto prazo e irão afetar
todo o sistema hídrico a jusante.
Magnitude Alta Em função de ser um impacto reversível a longo prazo a
um custo muito elevado sua magnitude é considerada como
alta.
8.2.2.Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As
medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:
Monitoramento e controle de desmatamentos extensivo em todas as áreas da bacia
Amazônica, em especial a sua metade sul no Brasil;
Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da
manutenção das florestas ainda existentes para a sobrevivência do ecossistema;
Incremento da fiscalização da derrubada de vegetação ripária (por exemplo, através de
técnicas de monitoramento com sensoreamento remoto por satélite);
Criação de mecanismos participativos de fiscalização (cooperação das comunidades de
pescadores com os órgãos ambientais).
95
8.3. Ameaça: Efeito de contaminantes ambientais na qualidade da água
8.3.1. Descrição da Ameaça. A agricultura extensiva praticada na porção sul da
Amazônia, especialmente no Brasil, utiliza grandes quantidades de fertilizantes de solo.
Diferentes tipos de solos precisam ser corrigidos para adaptar-se a distintos cultivos agrícolas.
Os típicos latossolos do Escudo Brasileiro, como observados na região do alto Xingu, mas
ocorrentes largamente na porção sul da Amazônia, são empobrecidos de nutrientes e necessitam
de correção de pH e de acréscimo de fertilizantes para o plantio da soja, algodão, milho, entre
outros. A engenharia agrícola obviamente procura minimizar o uso destes componentes a fim de
diminuir o custo da produção. No entanto, parte destes corretivos e fertilizantes é sempre
carreada para os riachos e daí para os rios, eutrofizando os mananciais e modificando a dinâmica
da cadeia alimentar dos organismos aquáticos (Winemiller, 1996).
Da mesma forma que os fertilizantes, diversos tipos de herbicidas e pesticidas são empregados
nesses cultivos agrícolas, predominantes na região sul da Amazônia. Estes produtos são
usualmente aplicados com aviões que jogam grandes quantidades sobre as lavouras. Uma vez
aplicados, parte acaba sendo carreada pela chuva para os rios causando diferentes tipos de
envenenamentos nos organismos aquáticos. As grandes extensões de monoculturas observadas
durante o trabalho de campo no rio Xingu, e em outras oportunidades na bacia dos rios Tapajós e
Madeira, são um claro exemplo do que ocorre em toda a vertente sul do rio Amazonas no Brasil.
Além do rio Xingu, grandes áreas florestais foram transformadas em plantações e utilizam
enormes quantidades desses corretivos e pesticidas na cabeceiras dos rio Tocantins, e
especialmente Tapajós, no Mato Grosso e Madeira, em Rondônia.
A mineração de ouro aluvial na bacia Amazônica, especialmente nas bacias dos rios Tapajós e
Madeira, é também um sério problema ambiental que afeta adversamente os organismos
aquáticos e com importante problema para a pesca. A extração do ouro é a principal atividade de
mineração nos afluentes da margem direita do rio Amazonas. Além do fato dos rios serem
completamente dragados e terem o seu fundo e margens completamente destruídos no processo,
os garimpeiros utilizam mercúrio para amalgamar o ouro do substrato, em seguida vaporizando o
mercúrio na atmosfera, para separar o ouro. A vaporização do mercúrio causa envenenamento
severo dos garimpeiros e pessoas próximas e também do ambiente aquático, onde irá parar
trazido de volta pelas chuvas. Malm (1998) estimou que cerca de 2.500 toneladas de mercúrio
tenham sido liberadas, nos últimos 25 anos, para os ecossistemas da parte brasileira da bacia
amazônica pela atividade garimpeira, que atingiu seu auge na década de 80, indo até meados da
década de 90. Deste total, cerca de 40% foi lançado diretamente nos rios e 60% disperso na
atmosfera (Bastos et al, 2006). Embora a mineração de ouro na porção brasileira da bacia do rio
Madeira tenha diminuído bastante a partir de 1995, ao longo da década de 2000 as atividades
continuaram e até mesmo aumentaram no lado boliviano da bacia, o mercúrio liberado drena
para o rio Madeira e seus maiores tributários bolivianos (Maurice-Bourgoin et al., 2000). As
indústrias de cloro-soda, equipamentos eletrônicos, fabricação de tintas, etc. são também
consideradas grandes consumidoras de mercúrio, perfazendo 55% do total consumido. A
transferência desse mercúrio para o ambiente, no entanto, é muito menor que o mercúrio oriundo
dos garimpos.
A biotransformação do mercúrio inorgânico em metilmercúrio (mercúrio orgânico) representa
um sério risco ambiental visto que ele se acumula na cadeia alimentar aquática por um fenômeno
96
chamado biomagnificação, isto é, a concentração do metal aumenta à medida que ele avança nos
níveis tróficos. Portanto, por ter a capacidade de permanecer por longos períodos nos tecidos do
organismo, o mercúrio poderá ser encontrado nos peixes predadores do topo da pirâmide
alimentar em concentrações elevadas, culminando, finalmente, no regime alimentar dos
humanos. Dessa forma, peixes contaminados por mercúrio não são apropriados para o consumo,
trazendo problemas adicionais para a pesca (ANA, 2011).
Em consequência do crescimento demográfico, as concentrações urbanas na Amazônia, tendo
em vista a deficiência ou inexistência de tratamento de esgotos, trazem impactos para os rios,
além de contribuir com a propagação de doenças de veiculação hídrica na população humana.
Embora esse efeito esteja restrito a alguns pontos onde há maior aglomeração humano, nas vilas
e cidades, grande parte dos efluentes domésticos é lançada, sem tratamento prévio, nos rios,
igarapés e lagos da vizinhança. Alguns desses ecossistemas aquáticos já apresentam os efeitos
desses lançamentos, como a diminuição da concentração de oxigênio e a alta densidade de
bactérias do grupo coliformes (inclusive Escherichia coli, característica do trato digestivo de
animais de sangue quente). Esses efeitos podem alterar pontualmente as características
limnológicas do sistema aquático.
Segundo os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (BRASIL, 2005), a
cobertura com rede coletora de esgotos da população urbana nas áreas da margem direita do rio
Amazonas é de 6,1% e a cobertura com tratamento de esgotos é de 1,2%. A maioria da
população (74%) dispõe seus esgotos em fossas (sépticas com sumidouro ou secas) e cerca de
20% da população lança seus esgotos em valas abertas, sendo um sistema misto de escoamento
das águas pluviais e efluentes sanitários. Sendo assim, a poluição de origem doméstica é um dos
principais problemas na região e ocorre de maneira localizada, próxima aos centros urbanos
(ANA, 2011).
Em Rio Branco, no Acre, por exemplo, os mananciais estão comprometidos pelo esgoto, pelo
lixo, pela mineração e pela expansão urbana, situação típica de crescimento urbano desordenado.
A bacia do rio Acre é a mais importante do Estado, por possuir cerca de 70% da população do
estado e abastecer as principais cidades, inclusive a capital. No Estado de Rondônia, de acordo
com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, somente cinco municípios possuem coleta de
esgoto, sendo que quatro não recebem tratamento e são lançados nos rios, inclusive na capital
Porto Velho (ANA, 2011).
Quadro 5: Caracterização da ameaça.
Ameaça Poluição de mananciais hídricos por diferentes
contaminantes
Variável
Ambiental Impactada
Ictiofauna e outros componentes do meio biótico do
ecossistema aquático
Caracterização da ameaça
Ocorrência Certa É considerada como certa a ocorrência dessa ameaça
ambiental, em face das enormes áreas com utilização agrícola
nos estados do Tocantins, Pará, Mato Grosso e Rondônia. A
poluição por resíduos domésticos é também considerada como
97
certa, por conta da falta de tratamento de esgotos das muitas
cidades e vilas ao longo dos principais rios Amazônicos.
Incidência Direta O efeito dos poluentes químicos e domésticos sobre o
ambiente aquático e seus habitantes é direto, sendo alguns
defensivos organoclorados de ação cumulativa nos
organismos vivos a eles expostos. O envenenamento por
mercúrio proveniente de garimpos também tem ação direta
sobre os organismos aquáticos e populações humanas.
Abrangência Extensa O impacto desta ameaça ambiental se manifesta de forma
extensa em toda a região da vertente sul da bacia amazônica
brasileira, em especial na porção superior das bacias dos rios
Tocantins, Araguaia, Xingu, Tapajós e Madeira. Temporalidade Curto
prazo
Este impacto tem manifestação a curto prazo, uma vez que a
ação dos pesticidas, fertilizantes, mercúrio e contaminantes
domésticos tem ação imediata no ambiente aquático.
Forma de
Manifestação
Contínua O efeito se manifesta de forma contínua, já que a utilização de
pesticidas, fertilizantes, mercúrio e a produção de dejetos
domésticos é constante.
Duração da
Manifestação
Permanente O impacto tem duração permanente enquanto os poluentes
estiverem sendo utilizados.
Quadro 6: Avaliação da ameaça.
Avaliação da Ameaça Reversibilidade Reversível a
longo prazo
O impacto é teoricamente reversível a longo prazo, caso
pesticidas e fertilizantes parem de ser utilizados e as vilas e
cidades adotem sistema eficientes de tratamento de
esgotos. Realisticamente falando, entretanto, a
probabilidade disso ocorrer é muito pequena, mesmo a
longo prazo, tornando a ameaça irreversível na prática.
Relevância Alta A relevância geral desta ameaça é considerada alta em face
a enorme quantidade de fertilizantes e pesticidas utilizados
nas lavouras do sul da Amazônia. A relevância da poluição
doméstica é comparativamente baixa.
Magnitude Média Apesar de ser um impacto praticamente irreversível a
longo prazo, a sua ação impactante está restrita ao sul da
bacia e sua magnitude é considerada como média.
8.3.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As
medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:
Monitoramento e controle do uso extensivo e indiscriminado de fertilizantes e pesticidas
em todas as áreas da bacia Amazônica, em especial a sua metade sul no Brasil;
Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da melhoria
das condições de saneamento das capitais e dos principais núcleos urbanos, mediante a
ampliação ou a implementação de sistemas de tratamento de esgotos domésticos, além de
sistemas para tratamento de efluentes industriais e de disposição final de resíduos sólidos;
98
Proibição do uso de mercúrio para separação do ouro nos garimpos;
Desenvolvimento de pesquisa para encontrar forma alternativa de separação do ouro;
Fiscalização sobre venda e utilização de mercúrio;
Conscientização de garimpeiros sobre os malefícios do mercúrio para a saúde e ambiente.
8.4. Ameaça: Efeito de reservatórios de hidrelétricas na diversidade e comunidades de
peixes
8.4.1. Descrição da Ameaça. Represas hidrelétricas impactam as populações de
peixes e outros organismos aquáticos de três maneiras principais. A transformação de um
ambiente lótico em um lago erradica ou reduz significativamente as populações das espécies
reofílicas e ao mesmo tempo fornece as condições para que as espécies lênticas proliferem, dessa
forma alterando a composição da comunidade local. Em uma escala mais ampla, as barragens
regulam o fluxo do rio a jusante, perturbando os ciclos anuais de alimentação e reprodução, e
também interferem nas rotas migratórias de muitos peixes de grande porte que não conseguem
atravessar a barreira criada pela represa.
A operação das usinas hidrelétricas e consequente regulação do fluxo dos rios é provavelmente a
mais séria ameaça às populações a jusante dos reservatórios, especialmente para peixes que não
são grandes migradores. Esse fato foi evidenciado pelo nosso trabalho de campo em Tucuruí. As
flutuações diárias e, especialmente, as semanais, do nível do rio por conta da regulação do fluxo
de água nas turbinas geradoras, causa problemas nas áreas de desova a jusante da represa. A
maior demanda de energia elétrica no inicio de cada noite, bem como a menor demanda pelas
indústrias do país nos finais de semana, acarretam uma regulação da quantidade de água que
passa pelas turbinas e é liberada no rio a jusante, causando um pequeno aumento no nível do rio
a cada noite, e uma razoável diminuição no nível a cada final de semana. Essas variações
perturbam os ciclos naturais de alimentação e, especialmente, reprodução, sendo especialmente
destrutivas na época da desova. Um grande número de espécies de peixes deixa o leito do rio na
época de cheia, entrando na mata inundada ou áreas temporariamente alagadas para efetuar a
desova. Essas mesmas áreas servem de berçário para os alevinos recém-eclodidos, pela alta
produtividade que apresentam e proteção que oferecem. Grande parte dessas áreas são rasas e
pequenas variações no nível do rio, como aquelas produzidas pela retenção da água nos finais de
semana, são suficientes para expor ao ar, e assim matar, os juvenis e ovos colocados pelos peixes
na massa de vegetação. No hotspot visitado no baixo rio Tocantins, por exemplo, há relatos de
muitos casos onde mesmo os adultos de peixes, em grandes números, são retidos sobre
ambientes que secam nos finais de semana, causando grandes mortandades. Exemplos de rios
extremamente piscosos até cerca de 60 anos atrás, e que tem hoje apenas uma pequena fração das
suas populações de peixes, são o Paraná, o São Francisco, o Tocantins e o Uruguai. Todos eles
receberam várias usinas hidrelétricas no seu curso.
Outro sério problema que as represas causam aos peixes migradores é a interrupção das rotas
migratórias e consequente falha ou diminuição acentuada da desova. Durante a migração os
peixes nadam contra a correnteza de água instintivamente, sabendo que a natação contra a
corrente irá levá-los até as cabeceiras, onde seus locais de desova estão localizados. Assim,
quando o rio está correndo, eles apenas têm de nadar contra a corrente. No entanto, ao chegar a
uma represa, a corrente mais atrativa virá dos geradores ou turbinas. Esta é a primeira
99
dificuldade que os engenheiros enfrentam na concepção de uma passagem de peixes: a corrente
de água deve ser forte o suficiente para atrair a atenção dos peixes. Os peixes devem perceber a
saída de água da passagem, como a boca de um afluente. No entanto, a água desviada para a
escada não será utilizada para gerar energia, gerando um difícil trade off entre construir uma
passagem de peixes atraente e gerar mais potência. Supondo que a passagem tenha sido
construída cuidadosamente e os peixes consegue atravessá-la até o reservatório, a mais leve
correnteza dentro do reservatório será capaz de informar aos peixes a direção a seguir, e eles irão
encontrar o caminho até a montante do lago e continuar a sua migração rio acima até os locais de
desova.
No entanto, escadas para peixes foram originalmente concebidas para peixes norte-americanos e
europeus, especialmente os salmões. A sua biologia reprodutiva, baseada em uma única desova
geracional, funciona muito bem com essas passagens para peixes, pois após uma longa e
extenuante migração os peixes desovam em locais calmos, de remansos e águas tranquilas, e
depois morrem. Os ovos irão eclodir e as larvas irão crescer nessa mesma área, e os peixes
jovens apenas irão descer os rios depois de crescerem até certo tamanho e se tornarem fortes.
Normalmente eles passarão o lago e a represa da mesma forma que seus pais subiram, pela
escada. O sucesso das passagens de peixes está baseado no fato de que as migrações são
geracionais (uma vez na vida), os adultos migram em grandes números, então muitos não
passarão pelas barragens, mas muitos outros passarão, e, especialmente, no fato de que ovos e
larvas permanecerão nos locais de desova e os juvenis crescerão antes de passarem para baixo
das barragens.
A situação na América do Sul, no entanto, é completamente diferente por conta da biologia
reprodutiva dos peixes migradores. A estação reprodutiva e, portanto, a migração (piracema),
coincide com a estação das chuvas e inicio da cheia dos rios. Nessa época a correnteza é mais
forte e a turbidez da água é maior. Quando os peixes chegam aos locais de desova nas cabeceiras
dos rios eles desovam diretamente na correnteza, ovos e logo larvas, sendo imediatamente
carreados rio abaixo pela correnteza de água turva. A turbidez é importante para proteger os ovos
e larvas de pequenos peixes predadores enquanto eles viajam rio abaixo na correnteza. Em
poucos dias de viagem rio abaixo os ovos terão eclodido e as pequenas larvas serão empurradas
pelas águas da cheia para as várzeas e florestas inundadas. Nessas áreas de várzea, ricas em
vegetação e com alta produtividade, os peixes irão ficar protegidos e irão crescer antes de ser
recrutados para a população adulta nos rios.
Entretanto, caso exista um reservatório de usina hidrelétrica no rio, ovos e larvas irão chegar
nesse ambiente sem correnteza durante a sua viagem rio abaixo. Muitos ovos não tem capacidade
própria de flutuação, e irão afundar no reservatório, sendo mortos pela pressão ou pela região
anóxica na parte profunda do lago. Aqueles ovos e larvas que não afundarem serão comidos
pelos milhões de lambaris e outros pequenos peixes predadores que prosperam em reservatórios
onde a água não é turva o suficiente para esconder os ovos e larvas. É possível que uma parte dos
ovos e larvas consiga chegar à represa e então desça através das escadas ou mesmo das turbinas.
Alguns irão sobreviver, mas será apenas uma fração da desova feita nas cabeceiras. Represas em
sequencia no mesmo rio representam desafios redobrados para as populações reprodutivas de
peixes migradores.
100
Exemplos verificados nos hotspots deste estudo incluem os grandes bagres da família
Pimelodidae, como o filhote, a dourada, a piramutaba, o surubim, a pirarara, e o jaú, são comuns
e abundantes no trecho imediatamente a jusante da represa da UHE Tucuruí. No entanto,
nenhuma dessas espécies foi registrada nos pontos de desembarque de pescado do reservatório,
como o Porto do Onze, o Porto Novo de Jacundá ou Santa Rosa. É possível que estas espécies
ainda existam no rio Tocantins a montante da represa, mas certamente em quantidades muito
menores do que a jusante e do que costumava ocorrer antes da construção da UHE Tucuruí.
Também, no hotspot do rio Xingu, especificamente no rio Coluene, existe uma Usina
Hidrelétrica. Há relatos de pescadores e de cientistas (Flávio Lima, comunicação pessoal), de
que grandes cardumes de matrinxã chegam até a represa do rio Coluene e se acumulam a jusante
desta por não poder seguir rio acima. Essa parada na rota migratória de espécies de piracema,
como o matrinxã, prejudica a reprodução da espécie. Além disso, há relatos de que comunidades
de pescadores locais se reúnem nessas ocasiões para uma pesca farta e fácil, mesmo durante o
período de defeso da piracema.
Quadro 7: Caracterização da ameaça.
Ameaça Efeito de reservatórios de hidrelétricas na diversidade e
comunidades de peixes
Variável
Ambiental Impactada
Ictiofauna, especialmente peixes de grande porte
Caracterização da ameaça
Ocorrência Certa Esta ameaça é considerada certa, face a existência de diversas
Usinas Hidrelétricas em operação na bacia Amazônica.
Incidência Direta O efeito da regulação do fluxo do rio nos ovos e larvas de
peixes, bem como das próprias represas nas populações de
peixes migradores é direta. Exemplos observados nos
trabalhos de campo incluem o matrinxã da UHE do rio
Coluene e vários bagres de grande porte como o filhote, a
piramutaba, e a dourada no baixo rio Tocantins, junto a UHE
de Tucuruí. Da mesma forma, a flutuação do nível do rio
Tocantins pela regulação da vazão do rio ocasionado pela
operação da UHE Tucuruí foi observada nos trabalhos de
campo. Essa variação afeta adversamente as espécies que
fazem pequenas migrações laterais para desova, como o
curimatã, os jaraquis, as branquinhas e o mapará.
Abrangência Restrita O impacto desta ameaça ambiental se manifesta de forma
ainda restrita na Amazônia, sendo especialmente problemática
nos rio Tocantins, Xingu e Madeira. A construção de novas
usinas hidrelétricas na bacia Amazônica irá aumentar a
abrangência dessa ameaça. Temporalidade Curto
prazo
Este impacto tem manifestação a curto prazo, uma vez que a
ação das hidrelétricas é imediata uma vez que o reservatório é
enchido e a operação iniciada.
Forma de
Manifestação
Contínua O efeito se manifesta de forma contínua, já que a operação das
UHEs não é suspensa em nenhum momento.
101
Duração da
Manifestação
Intermiten
te
O impacto é de duração intermitente, ocorrendo a cada
estação reprodutiva, na época da enchente.
Quadro 8: Avaliação da ameaça.
Avaliação da Ameaça Reversibilidade Irreversível/
Reversível a
longo prazo
O impacto é teoricamente reversível a longo prazo, caso as
UHEs sejam descomissionadas e demolidas após tornarem-
se obsoletas. Estimativas de vida média de uma UHE de
grande porte são de aproximadamente 100 anos, o que
torna a reversibilidade desta ameaça irreversível na prática.
Relevância Muito alta A relevância geral desta ameaça é considerada muito alta,
em face ao forte efeito deletério que provocam nas
populações de peixes não migradores (ou pequenos
migradores) pela regulação do fluxo do rio e de grande
migradores, pela interrupção das rotas migratórias.
Magnitude Média Apesar de ser um impacto praticamente irreversível a
longo prazo, a sua ação impactante está restrita à porção
sudeste da bacia (rios Tocantins, Xingu e Madeira) e sua
magnitude é considerada como média no âmbito de toda a
bacia Amazônica.
8.4.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As
medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:
Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da
construção de sistemas de passagens para peixes (escadas, canais, elevadores) em
hidrelétricas novas e existentes;
Planejamento de longos espaços livres de rio entre as UHEs em sequência em um mesmo
rio;
Desenvolvimento de pesquisa para proposição de ações na operação das UHEs com a
finalidade de reduzir a variação do nível do rio a jusante durante a estação reprodutiva
dos peixes.
8.5. Ameaça: Efeito de obras de infraestrutura na diversidade e comunidades de peixes
8.5.1. Descrição da Ameaça. A construção de novas Usinas Hidrelétricas (UHEs) e
Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) tende a impactar adversamente as populações de peixes
de bacia amazônica, sobretudo as espécies de grande porte e, portanto, de importância na pesca
(Figura 10). Além do Brasil, países como o Peru, Equador e Colômbia, onde se localizam
muitas das cabeceiras dos grandes formadores da bacia Amazônica, possuem planos de
construção de muitas novas UHEs. Em muitos casos, especialmente no Peru, estas novas usinas
deverão ser construídas não por uma demanda nacional de energia, mas para vender energia ao
Brasil. Na Fig. 4 é apresentado um levantamento do potencial hidrelétrico dos rios da América
do Sul. Apenas a localização potencial de novas UHEs é apresentada nesta figura, deixando
enormes áreas livres de novas represas como, por exemplo, grande parte da bacia do alto rio
Paraná, a qual já se encontra totalmente tomado por UHEs. No Brasil, os principais rios da bacia
102
Amazônica com novas UHEs projetadas são o Tocantins, o Xingu, o Madeira e, na margem
norte, os rios Branco, Trombetas e rios costeiros do Amapá.
Figura 10. Projetos propostos de aproveitamento hidrelétrico na América do Sul. Dados compilados do Ministério
de Energia ou Agencia de Planejamento de cada país entre 2009 e 2011. No total, 2.215 projetos estão incluídos
neste planejamento de expansão de aproveitamento hidrelétrico. Em conjunto, estes projetos colocam represas em
673 rios que estão atualmente livres de represas e adicionam novas represas a 388 rios já represados. A compilação
original é derivada de bases de dados oficiais ou de planejamentos estratégicos de energia. (Fonte: data originally
compiled by Paulo Petry of The Nature Conservancy).
O rio Tocantins já possui seis Usinas Hidrelétricas em funcionamento (Tucuruí – examinada no
curso deste estudo, Estreito, Luiz Eduardo Magalhães, São Salvador, Serra da Mesa e Cana
Brava), além de várias outras planejadas (Figura 11). Com a construção de novas UHEs os
problemas existentes no momento deverão ser intensificados. Se ainda existem populações de
grandes bagres (filhote, dourada, piramutaba) e outros peixes migradores nos trechos acima da
UHE Tucuruí, estas tendem a desaparecer com a construção de novas UHEs, especialmente
aquelas entre Tucuruí e Estreito, no curso médio, e das muitas Pequenas Centrais Hidrelétricas
(PCHs) planejadas para o trecho superior do rio Tocantins. Geralmente considera-se que as
PCHs não sejam muito prejudiciais ao meio ambiente, pelo seu pequeno tamanho, quase nula
área de inundação e possibilidade de permitir a migração reprodutiva dos peixes nos picos de
cheia. No entanto, o conjunto das PCHs planejadas para o rio Tocantins deverá ter um forte
efeito nocivo em função do grande número de empreendimentos planejados.
Após o fechamento da UHE Tucuruí registrou-se uma diminuição na diversidade da ictiofauna
na região alagada. Essa diminuição na diversidade na área do reservatório é um fenômeno
103
conhecido e foi estudado por Mérona et al. (2010). Na Tabela 1 estão listadas as famílias de
peixe que foram favorecidas e as que foram prejudicadas pelo enchimento do lago. Ao que
parece, a ecologia trófica dos peixes é a principal responsável pelo sucesso de adaptação das
espécies em um ambiente lêntico, como um lago de represa hidrelétrica. Na Tabela 2 são
mostradas as famílias de peixes favorecidas e prejudicadas, de acordo com o seu grupo trófico.
Tabela 1. Abundâncias relativas dos principais grupos de peixes nas fases de pré (1981/82) e pós (2000/05)
fechamento da barragem de Tucuruí. Em rosa, famílias prejudicadas; verde, famílias favorecidas. Fonte: Mérona et
al. 2010.
Tabela 2. Abundâncias relativas dos principais grupos tróficos nas fases de pré (1981/82) e pós (2000/05)
fechamento da barragem de Tucuruí. Em rosa, grupos prejudicados; verde, grupos favorecidos. Fonte: Mérona et al.
2010.
104
A jusante da represa a diminuição na abundância das espécies de peixes, é devida principalmente
à regulação do fluxo do rio. No caso do rio Tocantins, região visitada durante este estudo, a
diminuição na riqueza e na abundância das espécies é também notória e foi relatada por todos os
pescadores e compradores de peixes entrevistados por ocasião do trabalho de campo no rio
Tocantins. Também, a interrupção das rotas migratórias das espécies de piracema causada pela
construção da represa foi outro fator preponderante que afetou negativamente a comunidade de
peixes. A presença da represa acentuou o isolamento da zona à jusante, impedindo os
deslocamentos rio acima das espécies migradoras e limitando a recolonização da área à jusante
por juvenis provenientes da área à montante. Entretanto, é também provável que as modificações
do regime de enchentes e da qualidade da água tenham acarretado mudanças na abundância dos
peixes. A subida da água no início da enchente chega atrasada na área à jusante e as propriedades
físico-químicas da água são alteradas. Com o represamento, o rio passa a carrear menor
quantidade de sólidos em suspensão e nutrientes, a sedimentação é diminuída e esses fatores
acabam por modificar a cadeia trófica e diminuir a produtividade do meio-ambiente aquático
(Figura 11). Afinal, a ampla redução da área disponível levou a uma redução das populações de
peixes do rio Tocantins (Mérona et al., 2010).
Outra represa de idade semelhante à UHE de Tucuruí é a UHE de Samuel, no rio Jamari,
afluente do rio Madeira na região de Porto Velho, Rondônia. A UHE Samuel entrou em operação
em 1989 e o estudo comparativo da ictiofauna, na sua área de influência, nas fases de pré e pós-
enchimento do lago, mostra que as comunidades de peixes sofreram profundas alterações pelo
represamento: houve redução da diversidade do reservatório, bem como aumento da abundância
de espécies que se beneficiam do ambiente lêntico, como a piranha-preta (Serrasalmus
rhombeus), o tucunaré (Cichla monoculus), o aracu (Schizodon fasciatus), e o mapará
(Hypophthalmus edentatus). Imediatamente a jusante da represa houve um aumento do mandi
(Pimelodus blochi). Além disso, houve redução dos peixes detritívoros e frugívoros e aumento
dos piscívoros. A atividade pesqueira, antes restrita à foz do rio Jamari, foi intensifica na área do
reservatório, o que se tornou um sério obstáculo para o manejo da pesca.
Também tendo entrado em operação em 1989, a terceira grande UHE da Amazônia brasileira é a
de Balbina, no rio Uatumã, próximo à Manaus. Em uma pesquisa sobre os peixes do rio Uatumã
após o enchimento da barragem, registrou 104 espécies de peixes, 17 a menos do que em 1985,
quando foram coletadas 121 espécies. Isso significa uma redução de 15% no número de espécies.
Os pontos de coleta foram os mais próximos possíveis das coletas anteriores à construção da
barragem, respeitando as alterações do leito do rio para o do lago. Na área, havia jaraquis, pacus,
curimatã, aracus, que atualmente vivem apenas abaixo da barragem, uma vez que não podem
mais manter seus ciclos de vida na área alagada, acima da barragem (Efrem Ferreira, INPA).
105
Figura 11. Potencial hidrelétrico do rio Tocantins. A) Localização das UHEs em operação no rio Tocantins; B)
Localização das UHEs em operação mais as planejadas e em construção no rio Tocantins; e C) Localização das
UHEs em operação, planejadas e em construção e PCHs (em vermelho escuro) em operação e planejadas para o rio
Tocantins. 1) UHE Tucuruí, 2) UHE Estreito, 3) UHE Luiz Eduardo Magalhães, 4) UHE São Salvador, 5) Serra da
Mesa, e 6) UHE Cana Brava. Fonte: Reis (2012).
No baixo rio Xingu, por outro lado, a UHE Belo Monte está em fase de construção e depois de
concluída irá afetar a comunidade de peixes reofílicos, especialmente acaris da família
Loricariidae, que vivem na Volta Grande do Xingu, a jusante de Altamira. No rio Madeira, as
novas UHEs de Santo Antônio e Jirau já interromperam a rota migratória de grandes bagres
como a dourada e a piramutaba. Esses bagres ocorrem em toda a Amazônia e a perda do alto rio
Madeira como área de desova não deverá impactar as espécies de maneira severa. A
impossibilidade de essas espécies ultrapassarem essas represas, entretanto, acarretará o seu
declínio em médio prazo na bacia do rio Madeira a montante dessas represas, diminuindo um
recurso alimentar muito importante para as populações humanas da Bolívia.
Quadro 9: Caracterização da ameaça.
Ameaça Efeito de obras de infraestrutura na diversidade e
comunidades de peixes
Variável
Ambiental Impactada
Ictiofauna, especialmente peixes de grande porte
Caracterização da ameaça
Ocorrência Certa Esta ameaça é considerada certa, tento em vista que várias das
UHEs planejadas já estão sendo construídas. As novas usinas
do rio Madeira (Jirau e Santo Antônio) e a Usina de Belo
Monte no rio Xingu já são realidades. Usinas em estudo nos
rio Branco e Trombetas ameaçam as populações de peixe
dessas áreas.
Incidência Direta O efeito da construção de novas UHEs e PCHs nas
populações de peixes migradores e não migradores é direta.
Abrangência Restrita O impacto desta ameaça ambiental se manifesta de forma
restrita na Amazônia, sendo especialmente problemático nos
rio Tocantins, Xingu e Madeira no sul, no rio Branco no norte
e no Peru, na Amazônia ocidental. Temporalidade Curto
prazo
Este impacto tem manifestação a curto prazo, uma vez que as
usinas hidrelétricas são construídas.
106
Forma de
Manifestação
Contínua O efeito se manifesta de forma contínua, já que a operação das
UHEs será contínuo por muitos anos.
Duração da
Manifestação
Intermitente O impacto é de duração intermitente, ocorrendo a cada
estação reprodutiva, na época da enchente.
Quadro 10: Avaliação da ameaça.
Avaliação da Ameaça Reversibilidade Irreversível/
Reversível a
longo prazo
O impacto é teoricamente reversível a longo prazo, caso as
UHEs sejam descomissionadas e demolidas após tornarem-
se obsoletas. Estimativas de vida média de uma UHE de
grande porte são de aproximadamente 100 anos, o que
torna a reversibilidade desta ameaça irreversível na prática.
Relevância Muito alta A relevância geral desta ameaça é considerada muito alta,
em face ao forte efeito deletério que provocam nas
populações de peixes não migradores (ou pequenos
migradores) pela regulação do fluxo do rio e de grande
migradores, pela interrupção das rotas migratórias.
Magnitude Alta Sendo um impacto praticamente irreversível a longo prazo,
a sua ação será somada à das UHEs já existentes, tornado a
magnitude desta ameaça alta.
8.5.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As
medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:
Planejamento de longos espaços livres de rio entre as UHEs em sequência em um mesmo
rio;
Desenvolvimento de pesquisa para proposição de ações na operação das UHEs com a
finalidade de reduzir a variação do nível do rio à jusante durante a estação reprodutiva
dos peixes.
Desenvolvimento de pesquisa para utilização mais eficiente de outras formas de geração
de energia elétrica.
Reforçar a necessidade da efetiva implementação da legislação ambiental Brasileira
relativa ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e ao Relatório de Impacto ao Meio
Ambiente (RIMA) nos empreendimentos altamente impactantes, que determinam
mitigação de impactos e compensação por perdas ambientais.
8.6. Ameaça: Pressão predatória sobre quelônios e outras espécies de hábitos aquáticos
8.6.1. Descrição da Ameaça. Das oito espécies de quelônios que ocorrem nos
hábitats aquáticos da região amazônica a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) e o
tracajá (P. unifilis), são tradicionalmente consumidos e tem seus ovos apanhados pelas
populações ribeirinhas. Diversas armadilhas e outras artes de pesca são especialmente
construídas para a captura de tartarugas e tracajás, e a sua pesca ocorre de maneira extensiva,
apesar da proibição imposta pelo IBAMA. Na região do hotspot de Tucuruí, visitada em nosso
trabalho de campo, por exemplo, pescadores entrevistados relataram a caça costumeira às
tartarugas e tracajás e mostraram a fabricação e o uso de armadilhas incluindo uma lança, ambas
107
desenvolvidas para capturar esses quelônios. No hotspot da região de Barcelos, no rio Negro,
área também visitada por nós, tartarugas, tracajás, e mesmo jabutis (quelônios terrestres) nos
foram mostrados por pescadores entrevistados. Todos os entrevistados conhecem a proibição de
caça de quelônios, mas justificam a suas atividades pela falta de fiscalização. Em nenhum caso
os pescadores relataram ser os quelônios o seu principal meio de sustento, servindo estes apenas
para consumo próprio ou para complementar a renda da pesca de peixes.
As tartarugas-da-amazônia, que atingem grande tamanho, detectam o período da vazante, quando
grandes extensões de praias aparecem, para iniciarem o comportamento de desova coletiva,
numa sincronia entre o regime de vazante do rio e o comportamento de nidificação. Justamente
nesse momento, quando os animais estão desovando nas praias e, portanto, vulneráveis, as
pessoas invadem as praias e fazem a "viração", deixando os animais virados de plastrão para
cima, para logo serem recolhidos, para consumo ou comercialização. Além disso, a apanha dos
ovos é feita após a desova, também para consumo e comercialização, impondo uma pressão
ainda maior sobre a população dessa espécie.
O tracajá, apesar de não atingir o mesmo tamanho da tartaruga-da-amazônia, também é alvo de
caça e de apanha de ovos pelas populações ribeirinhas. Essa espécie é considerada ameaçada de
extinção pela União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) na categoria vulnerável.
Da mesma forma que os quelônios, os jacarés têm sido perseguidos pelas populações humanas
em toda a sua área de ocorrência na Amazônia. Os jacarés são considerados pelos pescadores
animais competidores, prejudicando a pesca e destruindo seus artefatos de pesca. Por outro lado,
suas populações são também afetadas pela alteração e destruição de hábitats aquáticos, e também
pela caça para produção de carne e couro para consumo local e para comércio ilegal. Em muitos
locais da Amazônia tem-se abatido jacarés para servirem de isca na atividade de pesca.
O peixe-boi tem sido caçado para consumo de sua carne em diversos locais da Amazônia.
Ariranhas e lontras são consideradas em muitos lugares da região como competidoras dos
pescadores e, em muitos casos, são abatidas. O mesmo conflito tem sido registrado entre
pescadores e botos.
A pressão de caça sobre outros animais aquáticos é também bastante disseminada na Amazônia,
tanto no Brasil como nos países vizinhos. Peixes boi, por exemplo, são arpoados para consumo
de sua carne quando vêm à superfície para respirar. A capivara, de hábito semi-aquático, e a anta,
que apesar de não ser aquática tem uma relação muito próxima com esse meio, são bastante
caçadas pelos ribeirinhos para consumo da carne. Em países como o Peru e a Bolívia, a caça
desses animais é mais disseminada que no Brasil, sua carne sendo vendida livremente em
mercados municipais nas cidades amazônicas.
Quadro 11: Caracterização da ameaça.
Ameaça Pressão predatória sobre quelônios e outras espécies de
hábitos aquáticos
Variável
Ambiental Impactada
Quelônios, jacarés e mamíferos aquáticos
Caracterização da ameaça
108
Ocorrência Certa Esta ameaça é certa e bem conhecida, tento já levado as
populações de tartarugas, peixes-boi, antas e outros animais a
um declínio populacional , inclusive causando a avaliação de
“ameaçada – vulnerável” para o tracajá.
Incidência Direta O efeito da caça e da apanha de ovos é direto sobre as
populações de quelônios e outros vertebrados aquáticos.
Abrangência Ampla O impacto desta ameaça ambiental se manifesta de forma
ampla em toda a Amazônia, no Brasil e países vizinhos Temporalidade Longo
prazo
Este impacto tem manifestação a longo prazo. A caça e
apanha de ovos são atividades extrativas que sempre
ocorreram na Amazônia, mas tem se intensificado
drasticamente nas últimas décadas com o aumento das
populações humanas.
Forma de
Manifestação
Contínua O efeito se manifesta de forma contínua.
Duração da
Manifestação
Intermitente
/ Permanente O impacto é de duração intermitente nas tartarugas e tracajás,
que são capturados e tem seus ovos apanhados a cada estações
reprodutiva. Nos mamíferos, no entanto, o impacto tem
duração permanente, visto que são caçados em qualquer época
do ano.
Quadro 12: Avaliação da ameaça.
Avaliação da Ameaça Reversibilidade Reversível O impacto é reversível a longo prazo, uma vez que as
populações de quelônios e outros animais aquáticos podem
se recuperar a médio prazo se a caça e apanha de ovos for
sustada.
Relevância Alta A relevância geral desta ameaça é considerada alta,
considerando o efeito de declínio populacional que causa
nas espécies alvo.
Magnitude Média Sendo um impacto reversível e de relevância alta para as
populações alvo, a magnitude desta ameaça é considerada
média.
8.6.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As
medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:
Elaboração de programas de educação ambiental para a conscientização da população de
ribeirinhos sobre a importância das tartarugas e outros animais no ecossistema.
Incrementar os programas existentes de proteção aos quelônios na época da desova e de
cultivo controlado, a exemplo do que já ocorre em algumas praias do rio Negro e outros
locais na Amazônia.
Estabelecer novos programas de cultivo e uso sustentável de recursos naturais com a
tartaruga-da-amazônia.
Ampliação da fiscalização por parte do IBAMA e de agências estaduais sobre a caça e
comercialização de quelônios e mamíferos aquáticos.
109
8.7. Ameaça: Efeitos das mudanças climáticas sobre os ambientes aquáticos
8.7.1. Descrição da Ameaça. Dados preliminares de um estudo em desenvolvimento
pelo WWF sugerem que as mudanças climáticas futuras não estão sendo consideradas de
maneira adequada no planejamento energético de longo prazo ou na avaliação da viabilidade de
projetos hidrelétricos da Amazônia. Secas severas como as que assolaram a Amazônia em 2005 e
2010 tendem a se tornar mais frequentes, e essas alterações climáticas, associadas ao
desmatamento generalizado da região, podem reduzir a vazão do rio Xingu e de outros rios
Amazônicos que drenam o Escudo Brasileiro. Uma eventual redução na vazão do rio Xingu
poderá afetar a produtividade em usinas hidrelétricas como a UHE Belo Monte, como sugerido
pelo estudo da WWF. As consequências de uma redução de vazão do rio Xingu por causa de
mudanças climáticas, entretanto, poderão ser muito mais prejudiciais à fauna aquática, uma vez
que áreas de alimentação e refugio podem tornar-se menos acessíveis anualmente e migrações
reprodutivas rio acima podem não ser desencadeadas por uma vazão reduzida em um ano de
seca. A Tabela 3 mostra as estimativas de diminuição de vazão dos principais rios da vertente sul
da bacia Amazônica até o ano de 2040.
Tabela 3. Variações percentuais das vazões nas bacias hidrográficas da vertente sul da Amazônia, para dois cenários
(B1, mais severo, e A2, menos severo) utilizando os dados da média dos modelos, em comparação com o período
1961-1990. Fonte: ANA, 2010.
Dados levantados por diferentes estudos e sintetizados por (Merengo et al. 2010) indicam
que a situação pode ser preocupante na Amazônia em geral e no rio Negro. Em 2005, uma forte
estiagem – a maior dos últimos 103 anos, somente comparável com a estiagem de 1962-1963 –
atingiu o oeste e o sudoeste da Amazônia. Alguns grandes rios da bacia Amazônica chegaram a
baixar 6 cm por dia. Milhões de peixes morreram e apodreceram nos leitos de afluentes do rio
Amazonas, os quais serviam de fonte de água, alimento e meio de transporte para comunidades
ribeirinhas. As possibilidades de ocorrerem períodos de intensa seca na região da Amazônia
podem aumentar dos atuais 5% (uma forte estiagem a cada 20 anos) para 50% em 2030 e até
90% em 2100. No lado oposto dos extremos climáticos, em 2009 a Amazônia enfrentou uma
enchente de dimensões históricas, superior aos máximos históricos registrados no porto de
Manaus nos últimos 100 anos, maiores que os níveis recordes registrados em 1953. Segundo o
Serviço Geológico do Brasil, o ano de 1953 marcou a história de Manaus como o período da pior
enchente da cidade. Na ocasião, o nível do rio Negro atingiu a marca de 29,68 m, valor que foi
ultrapassado em 2009, atingindo 29,78 m (Merengo et al. 2010). No caso específico do rio
110
Negro, secas muito intensas são mais prejudiciais aos peixes, pois diminuem consideravelmente
a área de igapó, local de refúgio, alimentação, e reprodução dos peixes.
Estudos indicam que a variabilidade de chuvas e vazões de rios na Amazônia e em outras
regiões, com caráter interanual e em escalas de tempo maior, está associada a padrões de
variação da mesma escala de tempo nos oceanos Pacífico e Atlântico. Na Amazônia, o fenômeno
El Niño determina anos com vazões menores que o normal, enquanto que La Niña está associado
a vazões maiores que o normal. Os impactos do El Niño são mais sentidos no norte e centro da
região, e apenas durante eventos muito intensos, como foram as secas de 1925-26, 1982-83 e a
mais recente em 1997-98. Contudo, secas como as de 1963-64 ou 2005 não foram associadas ao
El Niño. Segundo estudos recentes, o aquecimento anormal de quase 1ºC nas águas tropicais do
Atlântico Norte ocasionou a mudança. A seca de 2005 que afetou a Amazônia foi refletida nas
vazões do rio Solimões, que tem a bacia coletora ao sul dessa região, onde as chuvas foram
muito baixas. Até agosto de 2005, os níveis do rio Amazonas em Iquitos (Peru) apresentaram os
valores mais baixos de todo o período histórico de registro (40 anos).
Em setembro de 2005, houve um aumento de 300% nas queimadas, em relação ao mesmo
período de 2004. Os impactos do aumento das queimadas foram desastrosos para as
comunidades ecológicas afetadas, e também para o clima, pois a proliferação dos incêndios
intensificou as emissões de carbono. Estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
mostram que, num quadro de aquecimento global e secas mais frequentes, as florestas da região
amazônica perdem muita umidade, tornam-se muito mais vulneráveis às queimadas, a
mortalidade de árvores aumenta significativamente e há um aumento nas emissões de carbono
para a atmosfera. Em 2005, a seca nos rios da Amazônia causou danos a espécies de mamíferos
aquáticos e peixes, e a falta de chuva nos leitos dos rios tornou a situação das cidades ribeirinhas
precária. A navegação foi suspensa em diversas áreas. A seca constatada em 2005 é certamente
importante, no entanto, no que se refere à extensão do fogo, ela não foi tão intensa quanto a de
1998, que foi causada pelo fenômeno do El Niño registrado em 1997-1998 e que provocou
grandes incêndios na floresta amazônica.
O Brasil figura como o quarto país na lista dos que mais contribuem para o efeito estufa
globalmente, e constatou-se que 75% das suas emissões de dióxido de carbono tiveram como
causa o desmatamento (em especial na região amazônica) (ANA, 2011). Com o desmatamento
existe uma modificação no equilíbrio térmico uma vez que a energia antes utilizada no processo
de transpiração das plantas acaba aquecendo o solo e este provocando um aumento da
temperatura do ar. Atualmente, nas regiões florestadas praticamente cinquenta por cento da
energia solar incidentes é utilizada no processo de transpiração das plantas e na evaporação da
água que fica retida na copa das árvores. Em regiões com floresta densa o total de
evapotranspiração pode chegar até 75% sendo 50% de transpiração e 25% de evaporação da água
retida na copa das arvores, essa distribuição quantitativa depende muito da natureza e estrutura
da floresta considerada. Estudos de modelagem substituindo a floresta Amazônica por plantações
de soja e pastagens indicaram uma variação no equilíbrio hídrico fazendo com que em algumas
regiões, especialmente no Pará, as condições climáticas seriam de clima semiárido caso essas
transformações ocorressem.
Segundo estudos e modelagem realizados, eventos climáticos extremos, como secas induzidas
pelo aquecimento global e pelo desmatamento, podem dividir a Amazônia em duas regiões
111
distintas e transformar em ambiente de savana uma área de 600 mil quilômetros quadrados.
Como exemplo, os cenários futuros gerados pelo modelo do Hadley Centre, que projetam para a
Amazônia um clima tipo savana a partir do ano 2050. Essa “Amazônia seca” possuirá vegetação
tipo savana com maiores índices de evapotranspiração e seus solos tenderão a permanecer mais
secos durante os meses sem água do que solos de regiões muito úmidas, e isso a tornará muito
mais vulnerável a incêndios florestais, o principal agente de conversão de floresta em savana.
Relatório de Clima elaborado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE apresenta
projeções de cenários regionalizados de clima para o Brasil período 2071-2100 e também aponta
para o mesmo processo de savanização. Toda a região sul da floresta Amazônica na interface
entre o bioma Cerrado e a floresta em si, norte do Mato Grosso e Goiás, poderia sofrer um
processo de savanização muito intenso onde a floresta seria substituída por vegetação do tipo
Cerrado. As chuvas diminuiriam, a estação seca aumentaria o que poderia agravar a questão das
queimadas e, com isso, o ecossistema deixaria de ter capacidade de sustentar uma floresta
tropical como hoje é conhecida.
Enfim, os estudos indicam que os níveis dos rios podem ter quedas importantes, causando a
morte de peixes e comprometendo a produção das usinas hidroelétricas e o transporte fluvial, e a
secura do ar pode aumentar o risco de incêndios florestais. Portanto, o aquecimento global
potencialmente afeta os ecossistemas aquáticos, causando a destruição ou a degradação de
hábitat e a perda permanente da produtividade, ameaçando tanto a biodiversidade como o bem-
estar humano. Assim, a fauna de peixes dessas regiões deverá sofrer uma profunda modificação
em sua composição, uma vez que a necessária associação com a floresta deixará de existir, com
reflexos pronunciados sobre a pesca.
Em setembro de 2013 o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática
(Intergovernamental Panel on Climate Change - IPCC) das Nações Unidas (acesso:
http://www.ipcc.ch/report/ar5/mindex.shtml) divulgou resultados de estudos bem mais
pessimistas que o estudo anterior de 2007. O relatório do IPCC revela que os oceanos estão
subindo mais rápido, que a temperatura pode se elevar até 5 graus neste século e que o homem
tem 95% de responsabilidade sobre as mudanças climáticas. O grupo de especialistas apontados
pela ONU não só reforçou as conclusões de que o aquecimento global é uma realidade causada
primariamente – senão exclusivamente – pelo ser humano, como deixou claro que a situação
pode piorar significativamente se não forem feitos esforços para controlar as emissões. A
principal razão da preocupação com os resultados do estudo é a produção de CO2 em larga
escala, resultado do emprego de combustíveis fósseis (petróleo, carvão, etc) que provocam o
efeito estufa.
Quadro 13: Caracterização da ameaça.
Ameaça Efeitos das mudanças climáticas nos ambientes
aquáticos
Variável
Ambiental Impactada
Ictiofauna e outros componentes do meio biótico do
ecossistema aquático
Caracterização da ameaça
Ocorrência Certa Esta ameaça é considerada certa, tento em vista os efeitos das
mudanças climáticas já registradas nas enchentes e secas
112
extremas ocorridas.
Incidência Indireta O efeito das mudanças climáticas é indireta nas populações de
peixes e outros organismos aquáticos que irão sofres as
consequências das cheias e seca extremas e da savanização da
floresta na metade sul da Amazônia.
Abrangência Ampla O impacto desta ameaça ambiental se manifesta de forma
ampla em toda a Amazônia, especialmente na porção sul. Temporalidade Longo
prazo
Este impacto tem manifestação a longo prazo, uma vez que
mudanças climáticas são lentas e seus efeitos são instalados de
forma lenta e cumulativa.
Forma de
Manifestação
Contínua O efeito se manifesta de forma contínua, já que as mudanças
climáticas são irreversíveis.
Duração da
Manifestação
Permanente O impacto é de duração permanente.
Quadro 14: Avaliação da ameaça.
Avaliação da Ameaça Reversibilidade Irreversível O impacto é irreversível mesmo a longo prazo, uma vez
que as mudanças climáticas não podem ser controladas.
Relevância Muito alta A relevância geral desta ameaça é considerada muito alta,
em face ao forte efeito que deverá causa em todo o
ecossistema Amazônico.
Magnitude Muito alta Sendo um impacto irreversível e de altíssima relevância
para o ecossistema, a magnitude desta ameaça é da mesma
forma muito alta.
8.7.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As
medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:
Conscientização dos governos dos países membros da OTCA sobre importância da
floresta e de sua manutenção, como um regulador do clima;
Estudos sobre programas de reflorestamento e recuperação de áreas degradas, com a
finalidade de diminuir a exposição do solo;
Desenvolvimento de programas de educação ambiental e de conscientização sobre as
mudanças climáticas e de como elas afetam a biodiversidade, em especial a
biodiversidade aquática.
Diminuição mundial das emissões de gás carbônico.
9. PRINCIPAIS TEMAS CRÍTICOS QUE AFETAM OS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS
E PRIORIDADES DE AÇÕES
Como conclusão, apresenta-se a seguir uma síntese integradora das ameaças ou conflitos e das
ações propostas, esperando que ações concretas possam ser tomadas no sentido de minimizar e
mitigar os efeitos nocivos das ameaças ambientais e sociais.
113
9.1. Temas associados à ecologia e biologia pesqueira
Em se tratando da pesca na bacia Amazônica observou-se um declínio em quantidade e
qualidade (principalmente diminuição de tamanho médio) do pescado ao longo das últimas
décadas. Os diversos fatores que concorrem para esse declínio estão detalhadamente explicados
neste estudo, mas são baseados, principalmente, no aumento da demanda por peixe, face ao
aumento demográfico da população humana na Amazônia, e consequente sobrepesca, na
alteração e perda de hábitat dos peixes, em função da degradação dos ecossistemas por conta de
desmatamento para agricultura e pecuária, de obras de infraestrutura, como barragens
hidrelétricas, e de contaminação dos ambientes naturais.
O desmatamento é a causa primária mais importante do declínio da qualidade do hábitat terrestre
e aquático na Amazônia, e o que afeta da maneira mais severa as populações de organismos
aquáticos. O desmatamento de grandes extensões de terra para agricultura e pecuária e,
especialmente, o desmatamento da vegetação ripária, afetam diretamente os ciclos reprodutivos e
alimentares dos peixes. A diminuição na vazão dos rios pelo desmatamento extensivo,
especialmente de áreas de cabeceiras, afeta diretamente o ciclo de enchente/cheia/vazante/seca,
pela diminuição do volume de água. Por outro lado, o desmatamento de áreas de vegetação
ripária extirpam locais de reprodução de peixes adultos e de alimentação de peixes jovens. A
sinergia dessas duas ameaças tem pesadas consequências negativas diretas sobre a ecologia
reprodutiva e alimentar dos peixes.
Dessa maneira, o monitoramento, controle e diminuição dos desmatamentos extensivos e de
vegetação ripária em todas as áreas da bacia Amazônica, especialmente na sua metade sul no
Brasil, na Bolívia e no Peru, devem ter alta prioridade nos programas de desenvolvimento dos
governos dos países membros da OTCA. Ao mesmo tempo, ações de recuperação de áreas de
floresta degradadas devem ser estudadas e desenvolvidas, de forma a assegurar o retorno da
cobertura florestal ao longo dos cursos d'água e nas áreas de nascentes. Portanto, a faixa mínima
de floresta ripária nas margens de todos os cursos d’água da Amazônia deve ser preservada ou,
no caso de já haver sido degradada, deve ser recuperada. Produtores rurais devem ser
conscientizados, através de programas de educação ambiental especialmente dirigidos para esse
extrato social, sobre a importância da manutenção dessa faixa florestal. Ao mesmo tempo, a
legislação de cada país membro da OTCA nesse aspecto deve ser revisada e a capacitação
institucional deve ser reforçada nesses países, incluindo a capacitação de pessoal.
Outra causa primária importante para o declínio da qualidade do hábitat aquático na Amazônia, e
que afeta da maneira severa as populações de organismos aquáticos, especialmente peixes,
compreende as grandes obras de infraestrutura, principalmente as usinas hidrelétricas, com suas
barragens de rios e formações de reservatórios. Os dois efeitos mais importantes das UHEs sobre
os peixes, são a barreira formada aos grandes migradores que, na ausência de passagens para
peixes, impede a migração rio acima durante a piracema, e ao mesmo tempo dificulta a descida
dos ovos e larvas das partes mais altas da bacia para as várzeas a jusante, onde os peixes jovens
deverão crescer. O segundo efeito principal, e provavelmente o mais nocivo, das usinas
hidrelétricas, é a regulação da vazão do rio a jusante do barramento. A diminuição da vazão
provocada pela retenção de água no reservatório, especialmente nos finais de semana, quando a
demanda de energia elétrica é menor, causa a exposição ao ar de enormes áreas de vegetação
inundada onde peixes podem ter feito a suas posturas de ovos ou estejam se alimentando,
114
acarretando a morte de ovos e peixes. Esse efeito é fortemente nocivo, pois afeta de maneira
intensa os ovos e juvenis, que constituem a parte mais sensível do ciclo de vida dos peixes. Esse
efeito acaba por modificar profundamente a comunidade de peixes, como relatado acima para a
região da UHE Tucuruí.
Ainda, o enorme potencial hidrelétrico dos rios da Amazônia em suas cabeceiras, nos diversos
países membros da OTCA, aponta para a construção de muitas novas UHEs nos próximos anos.
A ameaça que esses novos empreendimentos deverão constituir aos organismos aquáticos e,
portanto, à pesca na Amazônia, é substancial.
As ações prioritárias para mitigar e compensar os efeitos nocivos das ameaças ambientais das
usinas hidrelétricas sobre os peixes e a consequentemente a pesca na Amazônia, são diversas, e
incluem a participação de diversos atores. As agências de planejamento energético dos países
Amazônicos membros da OTCA devem entender a necessidade de construção de passagens para
peixes em todos os novos empreendimentos hidrelétricos e, se possível, nos já existentes. Ao
mesmo tempo, trechos longos de leito inalterado devem ser preservados entre reservatórios em
sequência no mesmo rio ou mesma bacia hidrográfica. Ainda, programas de monitoramento
devem ser iniciados ou fomentados pelos governos para: (1) encontrar alternativas de operação
das usinas para reduzir a variação da vazão e, consequentemente, a flutuação no nível do rio à
jusante do represamento, pelo menos durante a estação reprodutiva dos peixes; e (2) utilização
mais eficiente de outras formas de geração de energia elétrica.
A terceira causa primária causadora de declínio da qualidade do hábitat aquático na Amazônia é
a contaminação ambiental provocada por diversos tipos de poluentes. Entre estes, os defensivos e
corretivos agrícolas são provavelmente os mais importantes, e com ação negativa mais
impactante sobre os peixes, sobretudo na região sul da bacia Amazônica, no Brasil. A poluição
por resíduos domésticos, apesar de ter ação mais pontual, torna-se expressiva à medida que a
ocupação pela população humana aumenta na Amazônia.
Ações para minimizar esses efeitos devem incluir o monitoramento e estrito controle do uso
extensivo de defensivos e corretivos agrícolas, especialmente na metade sul da Amazônia, bem
como a melhoria das condições de saneamento das cidades e outros núcleos urbanos através de
implementação e ampliação de sistemas de tratamento de efluentes domésticos e industriais.
Além disso, ações voltadas para o controle e diminuição do uso do mercúrio nas áreas de
garimpo devem ser prioridades dos países onde essa atividade ocorre na bacia Amazônica.
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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