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1 PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E MUDANÇA CLIMÁTICA OTCA/GEF/PNUMA Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de recursos naturais da bacia do Rio Amazonas Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos amazônicos Os ecossistemas aquáticos (áreas alagáveis) compreendem aproximadamente 20% da Amazônia Foto: Cleber Alho Relatório Semifinal Produtos 6 (Estudo semifinal relativo à Atividade II.1.1) Brasília, Brasil Fundo Para o Meio Ambiente Mundial Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

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PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS

RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO

RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E

MUDANÇA CLIMÁTICA

OTCA/GEF/PNUMA

Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de

recursos naturais da bacia do Rio Amazonas

Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos

amazônicos

Os ecossistemas aquáticos (áreas alagáveis) compreendem aproximadamente 20% da Amazônia Foto: Cleber Alho

RReellaattóórriioo SSeemmiiffiinnaall

Produtos 6 (Estudo semifinal relativo à Atividade II.1.1) Brasília, Brasil

Fundo Para o Meio Ambiente Mundial

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

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PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS

RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO

RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E A

MUDANÇA CLIMÁTICA

OTCA/GEF/PNUMA

Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos

amazônicos

RReellaattóórriioo SSeemmiiffiinnaall

Produto 6 (Estudo semifinal relativo à Atividade II.1.1)

Coordenação da Atividade

Norbert Fenzl

Consultor

Cleber J. R. Alho

Janeiro/2014

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ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS AMAZÔNICOS

RESUMO EXECUTIVO

Este componente do Projeto GEF-Amazonas “Gestão Integrada e Sustentável dos Recursos

Hídricos Transfronteiriços da Bacia Amazônica, Considerando a Variabilidade Climática e a

Mudanças Climática”, é relativo às atividades II.1.1 (Melhorar o conhecimento dos ecossistemas

aquáticos amazônicos) e III.1.1 (Manejo de ecossistemas aquáticos em hotspots).

Dentre os objetivos específicos destes componentes do Projeto estão;

O levantamento da literatura técnico-científica publicada sobre a situação das ameaças

que pesam sobre os ecossistemas aquáticos amazônicos;

A condução de estudos de campo em três hotspots designados com destaque para a

diversidade de peixes e a pesca em suas diversas modalidades, segundo orientação do

Projeto GEF-Amazonas para enlace com o Projeto do Banco Mundial-GEF "Manejo

Integrado dos Recurso Aquáticos da Amazônia – AQUABIO, com o fim de designar as

áreas críticas (hospots) a serem visitadas;

A identificação e avaliação das ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos e

conflitos de pesca visando o manejo sustentável da pesca com base nos estudos dos

hotspots selecionados;

A formulação de um conjunto de ações estratégicas e intervenções para fazerem parte do

PAE do Projeto GEF-Amazonas.

A literatura científica tem enfatizado a relação entre o crescimento da população humana, com o

consequente uso e ocupação do solo, modificando os ambientes naturais pelas atividades

antrópicas na Amazônia. Desse modo, as atividades socioeconômicas tradicionais, como a pesca

e o extrativismo têm sido afetadas pelo avanço mais recente da acentuada migração humana

atraída por novas possibilidades de acesso à terra ou motivada por empreendimentos novos de

infraestrutura, pecuária, agricultura, mineração, pesca comercial ou outra motivação.

A várzea aparece como o primeiro foco de povoamento do espaço amazônico, havendo indícios

de tribos indígenas de várzea com cerca de dois mil anos. Essas etnias indígenas procuraram os

ambientes de rios e igarapés (como fonte de água e alimentos) para fixarem suas aldeias e se

difundirem pela região. A rede hidrográfica da região, contudo, não condicionou somente o

processo de ocupação das tribos indígenas e, posteriormente, dos colonizadores, mas também

orientou o caminho pelo qual iria seguir a economia regional.

Um ecossistema aquático em condições naturais é um sistema dinâmico e equilibrado, cujos

componentes abióticos (solo, água, clima etc.) interagem com os componentes bióticos

(comunidades ecológicas e populações de micro-organismos, plantas e animais). Quando a

necessidade humana é inserida neste sistema, na visão produtor-consumidor, a interatividade das

variáveis de consumo deve ainda ser buscada, com regras de manejo adequado, na busca da

sustentabilidade do sistema, a fim de evitar o uso predatório, não sustentável, de determinado

recurso.

A bacia Amazônica está situada sobre um terreno de origem mista – uma grande área recente de

terras baixas no centro, duas grandes áreas periféricas de rochas ígneas cristalinas e

metamórficas Pré-Cambrianas, o Escudo Brasileiro e o Escudo das Guianas, e os Andes a oeste.

Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa altitude

média na crosta terrestre. Cerca de 50% da área total do continente situam-se abaixo de 250 m de

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altitude. Uma consequência dessa baixa elevação é que porções significativas do continente

estiveram repetidamente expostas a transgressões e regressões marinhas ao longo do curso dos

últimos 120 milhões de anos, afetando drasticamente a extensão e distribuição dos hábitats

disponíveis para os peixes de água doce. A distribuição biogeográfica dos peixes amazônicos

está limitada por características ecológicas e de paisagem, como geomorfologia das bacias,

clima, tipos de hábitat, e química da água. A sazonalidade na Amazônia se refere mais à

precipitação pluviométrica do que à temperatura. A precipitação na região é, de maneira geral,

muito intensa, apesar de não ser homogeneamente distribuída no espaço e no tempo. A estação

chuvosa se estende por cerca de seis meses, com a maior parte da chuva entre janeiro e julho. A

precipitação média anual situa-se entre 1,5 e 2,5m na bacia como um todo, com valores locais

ultrapassando os 4m no noroeste da bacia, na Colômbia, e ao norte da foz do rio Amazonas, no

Amapá. Toda essa pluviosidade é a causa do mais importante aspecto da sazonalidade dos rios

Amazônicos, o regime de enchentes e secas. As águas altas seguem a estação chuvosa, com as

épocas locais de enchente dependendo de fatores geográficos locais e posição na bacia.

A enorme diversidade de peixes Sul Americanos vive em uma série de diferentes hábitats

aquáticos, incluindo grandes rios, pequenos riachos, extensos banhados e áreas alagadas, lagos e

rios de altitude, lagoas costeiras, etc. Esses principais tipos de hábitats aquáticos são baseados

em altitude, gradiente, pluviosidade, temperatura, cobertura vegetal e tipo de solo. A química da

água impõe limites adicionais à distribuição e abundância dos peixes neotropicais, especialmente

na Amazônia. A principal característica regional e de paisagem que influencia a química da água

é a localização das cabeceiras (escudos, Andes, florestas baixas), a cobertura vegetal dominante

(biomas Amazônia ou Cerrado) e o tipo de solo (rochas ígneas antigas ou terreno sedimentar

Andino). A fauna de peixes da bacia Amazônica é a mais rica do mundo e estimativas

conservativas sugerem que existam cerca de 2.200 espécies conhecidas na região. Esse número,

entretanto, é uma clara subestimativa, pois uma parcela significativa da biodiversidade está ainda

por ser descoberta e descrita. Essa enorme e diversa fauna de peixes de água doce é muito antiga

e tem origens históricas distintas.

A diversidade e complexidade de hábitats aquáticos da Amazônia estão associadas à grande

biodiversidade que ocorre nos seus ecossistemas aquáticos, sendo que muitos desses ambientes

mudam drasticamente em função do fluxo hidrológico dos rios (enchente, cheia, vazante e seca).

A dinâmica sazonal das inundações dos rios da Amazônia é um dos principais fatores para a

regulação da intensidade e época da reprodução, recrutamento e produtividade dos peixes e

outros organismos. O pulso hidrológico influencia na disponibilidade de alimento, nas relações

inter e intraespecíficas, nas estratégias reprodutivas, e na disponibilidade de hábitats. A entrada

das águas na planície inundável promove o enriquecimento dos solos, além de aumentar o

número de nichos disponíveis para os peixes. Na vazante, as águas voltam ao canal principal,

propiciando a lavagem da matéria orgânica em decomposição, o que também contribui na

produtividade das águas do rio. As áreas de inundação suportam a produção biológica do

ecossistema aquático e, são responsáveis, diretamente, pela produtividade pesqueira, garantindo

os rendimentos da pesca, pela manutenção da biodiversidade.

Além dos peixes, os quelônios são importantes habitantes dos ecossistemas aquáticos da

Amazônia. São também importantes nos hábitats aquáticos os jacarés e mamíferos aquáticos, não

só como indicadores ambientais, mas também porque interagem no componente biótico na

estrutura e na função dos ecossistemas aquáticos. Tradicionalmente, na Amazônia, há consumo

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de tartaruga e tracajá, além de seus ovos, hábito cultural bastante arraigado às culturas humanas

locais.

A identificação, caracterização e avaliação das ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos

constituem um instrumento importante para compor o plano de ações estratégicas. A

identificação, caracterização e avaliação das ameaças visam, portanto, designar instrumentos

para a execução de políticas e de gestão ambiental para subsidiar o planejamento de uma

determinada ameaça potencialmente modificadora do meio ambiente aquático, em conjunto com

outras que ocorrem nos ecossistemas. Algumas dessas ameaças aos ecossistemas aquáticos são

de natureza técnico-científica, como aquelas que interferem na estrutura e função dos

ecossistemas. Outras são de natureza político-administrativa, como aquelas que podem ser

previstas e evitadas. Neste caso, muitas vezes se referem às normas legais que devem ser

implementadas e obedecidas. Em se tratando de diretrizes para oito países, esse aspecto legal-

administrativo ganha bastante complexidade.

A quantificação do efeito da ameaça analisada é de certo modo subjetiva, envolvendo avaliações

não só de ordem ecológica, mas também socioeconômica. Portanto, a variável ambiental da

ameaça se traduz pela inserção dos meios físico-químico (solo, qualidade da água etc.), biótico

(vegetação inundável, fauna aquática etc.) e socioeconômico (pesca, extrativismo etc.).

Durante a execução dos trabalhos de campo nos três hotspots designados (Alto Xingu, Baixo

Tocantins e Médio Negro) as seguintes ameaças ao meio ambiente e à biodiversidade foram

detectadas, e ações mitigadoras desses impactos são sugeridas: (1) Alteração e perda de hábitats

de peixes devido ao desmatamento da vegetação ripária. Ações: Monitoramento e controle de

desmatamentos; conscientização dos produtores rurais sobre a faixa mínima de vegetação ripária

e criação de mecanismos participativos de fiscalização. (2) Efeito da diminuição da vazão dos

rios devido ao desmatamento das áreas de nascentes. Ações: monitoramento e controle de

desmatamentos extensivos, conscientização dos governos dos países membros da OTCA da

importância da manutenção das florestas ainda existentes, e criação de mecanismos

participativos de fiscalização. (3) Efeito de contaminantes ambientais na qualidade da água.

Ações: monitoramento e controle do uso extensivo e indiscriminado de fertilizantes e pesticidas,

conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da melhoria das

condições de saneamento das capitais e dos principais núcleos urbanos, proibição do uso de

mercúrio para separação do ouro nos garimpos, desenvolvimento de pesquisa para encontrar

forma alternativa de separação do ouro, fiscalização sobre venda e utilização de mercúrio, e

conscientização de garimpeiros sobre os malefícios do mercúrio para a saúde e ambiente. (4)

Efeito de reservatórios de hidrelétricas na diversidade e comunidades de peixes. Ações:

conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da construção de

sistemas de passagens para peixes em hidrelétricas, planejamento de longos espaços livres de rio

entre as UHEs em sequência em um mesmo rio, desenvolvimento de pesquisa para proposição de

ações na operação das UHEs com a finalidade de reduzir a variação do nível do rio a jusante

durante a estação reprodutiva dos peixes. (5) Efeito de obras de infraestrutura na diversidade e

comunidades de peixes. Ações: planejamento de longos espaços livres de rio entre as UHEs em

sequência em um mesmo rio, desenvolvimento de pesquisa para proposição de ações na

operação das UHEs com a finalidade de reduzir a variação do nível do rio a jusante durante a

estação reprodutiva dos peixes, desenvolvimento de pesquisa para utilização mais eficiente de

outras formas de geração de energia elétrica, e reforçar a necessidade da efetiva implementação

da legislação ambiental Brasileira relativa ao EIA e ao RIMA nos empreendimentos. (6)

Ameaças sobre quelônios e mamíferos aquáticos. Ações: elaboração de programas de educação

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ambiental, incrementar os programas existentes de proteção aos quelônios na época da desova e

de cultivo controlado, estabelecer novos programas de cultivo e uso sustentável de recursos

naturais com a tartaruga-da-amazônia, e ampliação da fiscalização por parte do IBAMA e de

agências estaduais sobre a caça e comercialização de quelônios e mamíferos aquáticos. (7)

Efeitos das mudanças climáticas sobre os ambientes aquáticos. Ações: conscientização dos

governos dos países membros da OTCA sobre importância da floresta e de sua manutenção,

como um regulador do clima, estudos sobre programas de reflorestamento e recuperação de áreas

degradas, e desenvolvimento de programas de educação ambiental e de conscientização sobre as

mudanças climáticas.

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Sumário OTCA/GEF/PNUMA .................................................................................................................................................... 1

OTCA/GEF/PNUMA .................................................................................................................................................... 2

1. ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS E BIODIVERSIDADE ...................................................................................... 11

1.1. A Bacia Amazônica .......................................................................................................................................... 11

1.2. Os peixes da Bacia Amazônica......................................................................................................................... 15

1.3. Ecologia e dinâmica dos peixes da bacia Amazônica ....................................................................................... 16

1.4. Os quelônios e outros animais aquáticos da bacia Amazônica ......................................................................... 23

1.6. Mamíferos aquáticos ........................................................................................................................................ 27

2. ÁREAS CRÍTICAS ESTUDADAS: OS HOTSPOTS DESIGNADOS .................................................................. 30

2.1. Conceito e designação das áreas críticas para estudo de campo ....................................................................... 30

3. A BACIA DO RIO XINGU .................................................................................................................................... 34

3.1. A bacia hidrográfica ......................................................................................................................................... 34

3.2. A fauna de peixes do Xingu ............................................................................................................................. 34

3.3. O hotspot do Alto Rio Xingu ............................................................................................................................ 35

4. A BACIA DO RIO TOCANTINS ........................................................................................................................... 43

4.1. A bacia hidrográfica. ........................................................................................................................................ 43

4.2. Os peixes do rio Tocantins ............................................................................................................................... 45

4.3. O hotspot do Baixo Rio Tocantins.................................................................................................................... 46

4.4. Efeito da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. .......................................................................................................... 47

5. A BACIA DO RIO NEGRO ................................................................................................................................... 55

5.1. A bacia hidrográfica ......................................................................................................................................... 55

5.2. Os peixes do Médio Rio Negro ........................................................................................................................ 58

5.3. O hotspot do Médio Rio Negro ........................................................................................................................ 58

6. PROGNÓSTICO SOBRE AS AMEAÇAS AMBIENTAIS AOS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS .................... 65

6.1 Ocupação e uso da várzea .................................................................................................................................. 66

6.2. Ameaças ambientais que afetam os ecossistemas aquáticos ............................................................................. 68

6.3. Lista comentada dos fatores de estresse que afetam os ecossistemas aquáticos ............................................... 69

6.3.1. Fluxo migratório e aumento de doenças endêmicas. ................................................................................. 69

6.3.2. Aumento da pressão de caça. ..................................................................................................................... 70

6.3.3. Aumento da pressão sobre produtos madeireiros e não-madeireiros. ........................................................ 70

6.3.4. Aumento da perda da diversidade da flora e alteração de hábitats associados à água. .............................. 70

6.3.5. Aumento da perda da diversidade da fauna silvestre e alteração de hábitats associados à água. .............. 70

6.3.6. Aumento do processo de fragmentação das florestas ripárias. .................................................................. 70

6.3.7. Aumento de espécies invasoras exógenas. ................................................................................................ 71

6.3.8. Mudanças climáticas: temperatura. ........................................................................................................... 71

6.3.9. Mudanças climáticas: precipitação. ........................................................................................................... 71

6.3.10. Mudanças climáticas: desmatamento....................................................................................................... 71

6.3.11. Mudanças climáticas: fenômenos El Niño e La Niña. ............................................................................. 71

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6.3.12. Mudanças climáticas: previsões futuras. ................................................................................................. 71

6.3.13. Mudanças climáticas: alteração da floresta e dos ecossistemas aquáticos com perda da biodiversidade e

de recursos naturais. ............................................................................................................................................ 72

6.3.14. Mudanças climáticas: aumento na temperatura da água. ......................................................................... 72

6.3.15. Mudanças climáticas: efeitos no fluxo hídrico. ....................................................................................... 72

6.3.16. Mudanças climáticas: ciclagem de nutrientes. ......................................................................................... 72

6.3.17. Mudanças climáticas: saúde humana. ...................................................................................................... 72

6.4. Cobertura vegetal associada aos ecossistemas aquáticos .................................................................................. 73

6.5. Ecossistemas aquáticos amazônicos: indicadores para avaliação ..................................................................... 75

6.6. Fauna silvestre associada aos ecossistemas aquáticos, incluindo peixes e pesca ............................................. 79

6.6.1Herpetofauna. .............................................................................................................................................. 79

6.6.2. Quelônios aquáticos. .................................................................................................................................. 80

6.6.3. Avifauna. ................................................................................................................................................... 81

6.6.4. Mastofauna. ............................................................................................................................................... 82

6.6.5. Peixes e pesca. ........................................................................................................................................... 83

7. DIRETRIZES PARA O PLANO DE AÇÕES ESTRATÉGICAS .......................................................................... 87

7.1. Procedimentos metodológicos sobre a avaliação das ameaças ambientais e conflitos de pesca ....................... 87

8. IDENTIFICAÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS AMEAÇAS AMBIENTAIS QUE

IMPACTAM OS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS ................................................................................................... 89

8.1. Ameaça: Alteração e perda de hábitats de peixes devido ao desmatamento da vegetação ripária ................... 89

8.1.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................... 89

8.1.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. ............................................................ 91

8.2. Ameaça: Efeito da diminuição da vazão dos rios devido ao desmatamento das áreas de nascentes ................ 92

8.2.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................... 92

8.2.2.Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. ............................................................. 94

8.3. Ameaça: Efeito de contaminantes ambientais na qualidade da água ................................................................ 95

8.3.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................... 95

8.3.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. ............................................................ 97

8.4. Ameaça: Efeito de reservatórios de hidrelétricas na diversidade e comunidades de peixes ............................. 98

8.4.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................... 98

8.4.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. .......................................................... 101

8.5. Ameaça: Efeito de obras de infraestrutura na diversidade e comunidades de peixes ..................................... 101

8.5.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................. 101

8.5.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. .......................................................... 106

8.6. Ameaça: Pressão predatória sobre quelônios e outras espécies de hábitos aquáticos ..................................... 106

8.6.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................. 106

8.6.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. .......................................................... 108

8.7. Ameaça: Efeitos das mudanças climáticas sobre os ambientes aquáticos ...................................................... 109

8.7.1. Descrição da Ameaça. ............................................................................................................................. 109

8.7.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. .......................................................... 112

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9

9. PRINCIPAIS TEMAS CRÍTICOS QUE AFETAM OS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS E PRIORIDADES DE

AÇÕES ...................................................................................................................................................................... 112

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................ 114

LISTA DE FIGURAS E FOTOS

Figuras Figura 1. Hidrograma do rio Xingu, na região de Altamira nos anos 2000, 2001, 2007 e 2008, que ilustra o efeito do

fluxo dos rios Amazônicos nos ecossistemas aquáticos no período de um ano.

Figura 2. Migração da dourada (Brachyplatystoma rousseauxii) na bacia Amazônica.

Figura 3. Localização das três áreas críticas designadas (hotspots) para os trabalhos de campo com ênfase nos

ecossistemas aquáticos tomando peixes e pesca como viés para as análises.

Figura 4. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.

Figura 5. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada durante os trabalhos de campo.

Figura 6. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando o rio Coluene imediatamente acima da área visitada.

Figura 7. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada na região do baixo Tocantins.

Figura 8. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada no rio Negro e seus afluentes, destacando os

principais pontos referidos no texto.

Figura 9. Área desmatada (em vermelho) nas cabeceiras do rio Xingu.

Figura 10. Projetos propostos de aproveitamento hidrelétrico na América do Sul.

Figura 11. Potencial hidrelétrico do rio Tocantins

Fotos Foto 1. Tartarugas em fase de subida aos tabuleiros de desova, na estação de estiagem do rio Xingu.

Foto 2. Os jacarés são importantes predadores habitantes dos ecossistemas aquáticos. A caça predatória feita pelo

homem potencialmente afeta negativamente as comunidades ecológicas desses ambientes.

Foto 3. Trabalho de campo para avaliação dos ecossistemas aquáticos.

Foto 4. Margem do rio Sete de Setembro mostrando o desmatamento até a beira do rio. As árvores mais altas são

testemunhos da dimensão que a mata primária possuía antes do desmatamento.

Foto 5. Plantação de soja em fase de colheita junto à área de mineração de areia em riacho tributário do rio Sete de

setembro.

Foto 6. Vista parcial da represa da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.

Foto 7. Vista parcial do Porto do Onze, local de desembarque de pescado do reservatório de Tucuruí.

Foto 8. Vista interna do Porto de Novo de Jacundá, desembarque de pescado do reservatório de Tucuruí.

Foto 9. Vista parcial do mercado de peixes de Baião.

Foto 10. Local de pesca no rio Tocantins, a jusante da UHE Tucuruí.

Foto 11. Área de várzea no baixo rio Tocantins, alagada no período de cheia onde peixes desovam e utilizam como

berçário para juvenis.

Foto 12. Canal do rio Negro em frente à cidade de Barcelos, onde se destaca a Igreja Matriz e o porto.

Foto 13. Demonstração do uso do rapixé na área rasa do igapó.

Foto 14. Demonstração do uso do cacuri na área rasa do igapó.

Foto 15. Floresta sazonalmente inundável (várzea). Quando as águas dos cursos dos rios transbordam e inundam as

florestas aluviais os peixes deixam os leitos dos rios para se alimentarem nestes ambientes nas estações de enchente

e cheia.

Foto 16. O corte seletivo de madeira para diversos usos e o desmatamento das florestas ripárias têm causado

impactos negativos relevantes aos nichos alimentares e reprodutivos de peixes.

Foto 17. Contaminação de corpos d'água por dejetos líquidos e sólidos principalmente oriundos dos centros urbanos

tem sido identificada por pescadores como uma das ameaças ambientais à pesca.

Foto 18. A urbanização da Amazônia tem levado à poluição dos corpos d’água perto das cidades, que junto com a

degradação ambiental oriunda de mineração, pecuária, agricultura e outras atividade humanas, contribuem com

consequências negativas para os ecossistemas aquáticos.

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Foto 19. A tartaruga-da-amazônia Podocnemis expansa é um quelônio tradicionalmente caçado para consumo de

sua carne e de seus ovos na Amazônia.

Foto 20. Tracajás e tartarugas são tradicionalmente consumidos pelos povos amazônicos. Os hábitats alimentares

como este e os reprodutivos (tabuleiros de desova) devem ser manejados e protegidos.

Foto 21. Peixe-boi Trichechus inunguis é endêmico da bacia Amazônica, espécie ameaçada na categoria vulnerável.

Ocupa hábitat de várzea durante a cheia e se dispersa para igarapés ou canais de rios e lagos perenes durante a

estação de vazante e seca

Foto 22. Pirarucu Arapaima gigas muito pescado nos lagos da bacia amazônica. (Foto Cleber Alho).

Foto 23. Peixes capturados e comercializados na Amazônia.

gura 4. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando o rio Coluene imediatamente acima da área visitada. Note

lagos (oxbow lakes) formados pelas mudanças do curso do leito principal do rio dentro da faixa de mata alagável. A

linha vermelha corresponde a 4 km.

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11

1. ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS E BIODIVERSIDADE

1.1. A Bacia Amazônica

A maior estrutura geológica do continente é a Plataforma Sul Americana, um antigo acúmulo de

fragmentos de crosta terrestre que fica por baixo da Amazônia atual e áreas adjacentes, ocupando

cerca de 60% da área do continente. Dentro desta plataforma estão duas grandes áreas de rochas

ígneas cristalinas e metamórficas Pré-Cambrianas, o Escudo Brasileiro e o Escudo das Guianas.

Estes escudos são porções antigas e tectonicamente estáveis da crosta continental e sobreviveram

as divisões e colisões dos continentes e supercontinentes por pelo menos 500 milhões de anos.

Entre as terras altas dos escudos e a cordilheira dos Andes, de formação bem mais recente,

estendem-se as terras baixas da bacia Amazônica, uma grande superfície relativamente plana

com áreas susceptíveis à erosão nos Andes e nos escudos e, em sua maior parte, com depósitos

de erosão em toda a Amazônia central. Os escudos cristalinos tem origem Pré-Cambriana e, há

muito, já perderam a maior parte dos sedimentos facilmente erodíveis, atingindo apenas altitudes

modestas (até cerca de 1.000 m). Dessa forma são drenados por rios com baixa quantidade de

sedimentos e águas claras, como o Xingu, Tocantins, Araguaia, Tapajós, Trombetas etc. (Albert

& Reis, 2011a).

Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa altitude

média na crosta terrestre. Cerca de 50% da área total do continente situam-se abaixo de 250 m de

altitude, 72% abaixo de 500 m e 87% abaixo de 1.000 m. Como uma comparação, no continente

africano apenas 15% da superfície está abaixo de 250m de altitude. Uma consequência dessa

baixa elevação é que porções significativas do continente estiveram repetidamente expostas a

transgressões e regressões marinhas ao longo do curso dos últimos 120 milhões de anos,

drasticamente afetando a extensão e distribuição dos hábitats disponíveis para os peixes de água

doce. Além da imediata extirpação de peixes de água doce de áreas inundadas pelo mar, a

redução do hábitat e das populações reduz a variabilidade genética das espécies e causam

isolamentos genéticos. De maneira oposta, as regressões marinhas causam exposição de grandes

porções de terra e expansão das bacias e áreas de inundação dos rios, permitindo que populações

de peixes se expandam e se diversifiquem. Outra consequência da baixa altitude do continente é

uma ativa história de trocas hidrológicas entre bacias, resultado de capturas de cabeceiras e

anastomoses de rios em áreas de leques aluviais, áreas de inundação e planícies costeiras. Como

uma consequência geral desses processos a fauna de peixes da América do Sul tornou-se a mais

diversa do planeta (Albert & Reis, 2011a).

A formação do complexo hídrico da Amazônia é explicada pela longa história evolutiva da

região. O fato importante é que a declividade da bacia é extremamente baixa em alguns lugares:

1-2 cm/km. Como o relevo é plano, o aumento no nível da água produz alagamento dos vales dos

rios, inundando a terra, a floresta e os lagos adjacentes, mudando a paisagem, com efeitos

sazonais na biodiversidade.

A distribuição biogeográfica dos peixes amazônicos está limitada por características ecológicas e

de paisagem, como geomorfologia das bacias, clima, tipos de hábitat, e química da água. Ainda,

como em todo o planeta, cerca de 80% da superfície da Amazônia é drenada por cursos d’água

de primeira e segunda ordem. Riachos de primeira ordem são os menores tributários de

cabeceiras, e riachos de segunda ordem são formados pela confluência de riachos de primeira

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ordem. Apenas uma pequena fração da superfície terrestre é ocupada por grandes rios (8-12

ordem) e suas áreas de inundação associadas, que ocupam aproximadamente 8% da área da bacia

Amazônica. Ainda assim, essa superfície de áreas periodicamente inundadas do rio Amazonas é

da ordem de 250.000 km2. Nesta bacia, todas as dimensões são gigantescas. Quando o

comprimento total ou mesmo a área da bacia de drenagem são considerados, apenas dois rios da

América do Sul estão entre os dez maiores do mundo, o Amazonas e o Paraná. Entretanto, se a

descarga média dos rios é considerada, cinco rios Sul Americanos estão entre os dez maiores do

planeta – Amazonas, Orinoco, Madeira, Negro e Paraná, que juntos descarregam 393.000 m3 por

segundo no oceano Atlântico. O rio Amazonas sozinho é de longe o mais volumoso do mundo,

com uma descarga de 219.000 m3 por segundo, à frente do Orinoco com 98.000 e do Congo, na

África, com 41.800 m3 por segundo (Reis, 2013).

A análise do fluxo de sedimentos, de sua variabilidade e sua origem, é de fundamental

importância para a estimativa da erosão dos solos e do impacto do desmatamento. A modificação

dos aportes de sedimentos afeta a navegabilidade dos rios em período de águas baixas.

A contaminação dos rios afeta a cadeia alimentar, por elementos tóxicos (como chumbo, cádmio,

cromo, cobre, níquel, estanho, mercúrio etc.), com impactos negativos na biodiversidade e na

saúde das populações humanas ribeirinhas. Por outro lado, os elementos-traço podem ser

utilizados como marcadores dos processos de alteração e de erosão das bacias hidrográficas,

auxiliando no monitoramento das interferências antrópicas na bacia.

O solo tem influência no trânsito entre as águas da chuva e o fluxo dos rios, afetando a qualidade

e a quantidade dos sedimentos levados aos rios pela erosão mecânica ou química. O

conhecimento dessa distribuição espacial dos solos é essencial para a compreensão dos

fenômenos hidrológicos e hidrogeoquímicos.

A variabilidade temporal das características do regime hidrológico sazonal (ciclo hidrológico) e

interanual (variações climáticas) continuam a ser um grande desafio para a região.

Na bacia Amazônica, os rios de água branca caracterizam-se por serem de origem andina,

transportando grandes quantidades de sedimentos erodidos naquela cadeia montanhosa. Os

Andes representam cerca de 10% da superfície da bacia Amazônica, mas fornecem uma grande

parte do fluxo de elementos dissolvidos e a quase totalidade do fluxo de sedimentos. Esse

fenômeno é particularmente visível na bacia do Rio Madeira.

Os rios da Amazônia têm águas de cores diferentes, como é notado no encontro das águas do Rio

Negro com o Rio Solimões, perto de Manaus. Há três tipos: água clara, água branca e água

negra, cuja composição tem efeito na biodiversidade aquática. Os rios de água branca ou

barrenta, como o Amazonas (ou Solimões) nascem nos Andes, região montanhosa, e carreiam

sedimentos e nutrientes desses locais. Um requisito, portanto, é ter relevo na cabeceira. É ainda o

caso dos rios Juruá e Purus que nascem em montanhas do Peru. Os grandes bagres migradores

fazem grandes deslocamentos rio acima para se reproduzirem em rios de águas barrentas. Já os

rios de águas negras, como o Rio Negro, nascem na região da planície amazônica, em locais

planos, e não carreiam sedimentos barrentos, mas muita matéria orgânica (folhas em

decomposição), com menos nutrientes. Esse tipo de água faculta uma característica própria de

biodiversidade. Já os rios de águas claras, como o Tapajós e o Xingu, nascem em áreas de pouco

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relevo, passando seus cursos em trechos pouco inundáveis, conferindo a cor clara de suas águas.

O rio Xingu, por exemplo, passa na transição entre a região de cristalino da Amazônia (solo

rochoso) e a porção da planície, atravessando enorme área de ambiente de pedrais, com

biodiversidade bem própria, inclusive com endemismos de espécies de peixes.

Outra importante característica ecológica da bacia Amazônica é a sua posição sobre o equador,

estendendo-se cerca de 10º norte e 15º sul, com cerca de dois terços do total da bacia no

hemisfério sul. A sazonalidade na Amazônia se associa mais à precipitação pluviométrica do que

à temperatura. A precipitação na Amazônia é, de maneira geral, muito intensa, apesar de não ser

homogeneamente distribuída no espaço e no tempo. A estação chuvosa se estende por cerca de

seis meses, com a maior parte da chuva em janeiro. Julho é geralmente o meio da estação seca,

na maior parte da Amazônia. A precipitação média anual situa-se entre 1,5 e 2,5 m na bacia

como um todo, com valores locais ultrapassando os 4 m no noroeste da bacia, na Colômbia, e ao

norte da foz do rio Amazonas, no Amapá. Toda essa pluviosidade é a causa do mais importante

aspecto da sazonalidade dos rios Amazônicos, o regime de enchentes e secas. As águas altas

seguem a estação chuvosa, com as épocas locais de enchente dependendo de fatores geográficos

locais e posição na bacia (Goulding et al., 2003). Muitos rios das terras baixas amazônicas estão

em período de enchente por cerca de seis a sete meses por ano, com os tributários da margem sul

geralmente enchendo primeiro. Os tributários do Amazonas que drenam o Arco de Fitzcarraldo,

no Peru, e o Escudo Brasileiro (Madeira, Tapajós, Xingu, Araguaia e Tocantins) tem sua cheia

com a estação chuvosa, com o pico entre março e abril. O Negro e o Branco tem seu período de

águas mais altas em junho e julho. No oeste da bacia as águas mais altas são em março e abril, e

se propagam para baixo, de tal maneira que o pico das águas altas chega a Manaus e Santarém

em junho e julho. O período de águas mais baixas geralmente ocorre quatro a seis meses mais

tarde. O nível da água ao longo da bacia Amazônica varia enormemente, com o nível anual em

Tefé, na Amazônia central, variando cerca de 10m entre a cheia e a seca, chegando a mais de

13m no médio Madeira e médio Purus. O período de águas baixas dura de agosto a dezembro na

maior parte da bacia Amazônica, apesar de que as enchentes podem durar até setembro em

alguns tributários da margem norte (Goulding et al., 2003).

A enorme diversidade de peixes Sul Americanos vive em uma série de diferentes hábitats

aquáticos que incluem grandes rios, pequenos riachos, extensos banhados e áreas alagadas, lagos

e rios de altitude, lagoas costeiras, etc (Reis, 2013), com algo entre 25 e 28% de toda a água

superficial livre do planeta localizada na América do Sul (Vari & Malabarba, 1998). Esses

principais tipos de hábitats aquáticos são baseados em altitude, gradiente, pluviosidade,

temperatura, cobertura vegetal e tipo de solo (Olson et al., 1998). Na Amazônia, esses hábitats

incluem rios e riachos de altitude (acima de 500m de elevação), rios e riachos de terra firme alta

(acima de 250m), rios e riachos de terra firme baixa (abaixo de 250m), e rios e lagos de área de

várzea, que alternam entre fases de cheia e seca, incluindo os canais profundos dos grandes rios.

Cada um desses principais tipos de hábitats aquáticos exibe uma composição taxonômica distinta

de espécies de peixes. As extensas terras baixas das bacias do Amazonas e do Orinoco (5.3

milhões de km2 abaixo de 250m de elevação) representam o centro de diversidade para a maioria

dos grupos de peixes Neotropicais.

A química da água impõe limites adicionais à distribuição e abundância dos peixes neotropicais,

especialmente na Amazônia. A principal característica regional e de paisagem que influencia a

química da água é a localização das cabeceiras (escudos, Andes, florestas baixas), a cobertura

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vegetal dominante (biomas Amazônia e Cerrado) e o tipo de solo (rochas ígneas antigas ou

terreno sedimentar Andino). A composição taxonômica e a produtividade dos ecossistemas

variam de maneira bastante previsível com a carga de sedimentos, oxigênio dissolvido,

temperatura, pH, e área de inundação anual (Albert & Reis, 2011a). Os rios de água branca, ricos

em sedimentos, que drenam e erodem os Andes (Amazonas, Madeira, Marañon, Meta, Napo,

Ucayali), tem um perfil taxonômico distinto e alta produtividade quando comparados aos rios de

águas pretas, com baixas cargas de sedimento, ricos em taninos, baixo pH, e que se originam nas

áreas baixas e densamente florestadas (Negro, Tefé, Trombetas).

Finalmente, os rios que drenam as rochas cristalinas antigas dos escudos Brasileiro e das Guianas

têm água clara, baixa carga de sedimentos e alta transparência. Algumas bacias drenam uma

mistura de fontes geográficas e não são prontamente classificáveis em branco ou negro, como o

Içá e o Japurá, com cabeceiras tanto nos Andes com em áreas de florestas de inundação. Apesar

desses tipos principais de águas da bacia Amazônica (branca, preta e clara) exibirem uma

composição taxonômica distinta de peixes, muitas espécies estão presentes em mais de um tipo

de água. A carga de sedimentos afeta fortemente a produtividade primária e a biomassa de

peixes, especialmente por interferir na visibilidade e na condutividade elétrica da água e,

portanto, na habilidade das espécies que usam sinais visuais (Characiformes, cichlídeos) ou

elétricos (gymnotiformes, bagres) para navegar, forragear, escapar de predadores e se

reproduzirem.

As principais atividades econômicas da região amazônica são a pesca, a exploração madeireira, o

extrativismo vegetal, a agricultura e pecuária, o turismo e a mineração. As grandes obras de

infraestrutura, incentivadas pelo Governo para promover o ritmo de desenvolvimento da região

amazônica, como a construção de usinas hidrelétricas, o sistema de transporte, o abastecimento

de água e o saneamento, constituem outro componente de impacto ambiental. Todas essas

atividades se beneficiam do uso dos recursos aquáticos e hídricos, que, embora de proporções

consideráveis, são finitos e encontram-se ameaçados pelo crescimento desordenado desses

setores e atividades, e dos conflitos entre eles. Essas atividades motivam a mobilização humana,

com consequentes efeitos nos recursos naturais dos ecossistemas aquáticos.

A ocupação desordenada dos ambientes formadores dos ecossistemas aquáticos da Amazônia,

além de comprometer a qualidade dos recursos hídricos, a biodiversidade aquática e a produção

pesqueira, ameaça também a qualidade de vida das populações locais, como as comunidades

ribeirinhas, os pescadores artesanais e os grupos indígenas, que utilizam os recursos aquáticos

como fonte de alimentação e subsistência.

As pressões antrópicas têm causado mudanças na troca de substâncias diversas entre os sistemas

aquáticos e terrestres (alteração e erosão) e no balanço dos elementos químicos que circulam

nesse ambiente. Entre essas, os metais pesados, denominados também elementos-traço, são de

extrema importância, devido à sua toxicidade aos organismos vegetais e animais (incluindo ao

ser humano).

A floresta amazônica, que regula local e regionalmente o ciclo hidrológico, garante melhor

distribuição de chuvas e maior estabilidade no regime dos rios, tem sido afetada pelo

desmatamento.

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As seguintes categorias antropizadas, definidas por meio de dados socioeconômicos

compreendem: predomínio de culturas cíclicas, extrativismo vegetal (madeira) e pecuária, usos

diversos de caráter agropecuário, predomínio da pecuária, predomínio da pecuária sobre

extrativismo (madeira); mineração e garimpo.

1.2. Os peixes da Bacia Amazônica

A fauna de peixes da bacia Amazônica é a mais rica do mundo e rivaliza em diversidade com

peixes marinhos de recifes coralinos. Estimativas conservativas sugerem que existam cerca de

2.200 espécies descritas de peixes na bacia Amazônica (Albert & Reis, 2011b). Esse número,

entretanto, é uma clara subestimativa, pois uma parcela significativa da biodiversidade está ainda

por ser descoberta e descrita. De acordo com Reis (2013), a fauna de peixes de água doce da

América do Sul está estimada em mais de 4.000 espécies. Quando toda a região Neotropical é

considerada – incluindo também a América Central ao sul do istmo de Tahuantepec, no México

– o número de espécies de peixes sobe para mais de 5.000, representando quase 10% de todos os

vertebrados conhecidos (Lundberg et al. 2000).

A seguir, apresenta-se uma interessante ilustração do atual ritmo de descoberta e descrição de

novas espécies de peixes. O Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America –

CLOFFSCA (Reis et al., 2003) listou 4.475 espécies válidas de peixes e estimou a existência de

1.550 espécies adicionais, ainda não descritas, com base na experiência dos autores, conjecturas

e conhecimento sobre pesquisas em andamento, elevando o número estimado de espécies

existentes na região Neotropical para 6.025. Nos nove anos decorridos desde a publicação do

CLOFFSCA, cerca de 900 novas espécies de peixes de água doce foram descritas para a região,

perfazendo uma média de uma nova espécie descrita a cada 3,5 dias, e assim elevando o número

de espécies conhecidas para cerca de 5.400 em 2012. Mantido este ritmo de descrição de novas

espécies, a estimativa de 6.025 espécies do CLOFFSCA será atingida em seis anos. Como a

curva de acumulação de descrição de novas espécies está claramente ascendente e não se

aproxima de uma assintótica, pode-se esperar que o número final de peixes de água doce da

região Neotropical possa exceder a estimativa feita por Schaefer em 1998 que era de 8.000

espécies!

Aplicando-se a mesma estimativa de aumento para a fauna de peixes de água doce apenas da

bacia Amazônica, conclui-se que é possível que ela possa exceder 3.200 espécies!

Surpreendentemente, essa estimativa de que cerca de 30% da fauna de peixes de água doce da

América do Sul ainda estão por ser descritas, não é novidade. Há 35 anos, um clássico artigo de

Bohlke et al. (1978) estimou o número de peixes de água doce da América do Sul e chegou a

mesma avaliação de que 30% das espécies ainda estavam por ser descritas. O período decorrido

desde a avaliação de Bohlke et al. testemunhou um número sem precedentes de espécies de

peixes sendo descritas da América do Sul. Ainda assim, 35 anos depois continuamos com a

mesma estimativa da percentagem de espécies que ainda não foram descritas. Os fatores que

explicam o aumento na taxa de descobertas de novas espécies de peixes na América do Sul

foram listados por Ferraris & Reis (2005) referindo-se aos bagres (Siluriformes), mas aplicam-se

igualmente a todos os grupos de peixes: o aumento no número de taxonomistas de peixes, a

exploração mais intensa dos ambientes aquáticos do continente e mudanças no conceito de

espécie, que tendem cada vez mais a discriminar mais finamente as populações.

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Essa enorme e diversa fauna de peixes de água doce é muito antiga e tem origens históricas

distintas (Albert et al., 2011). Os ancestrais marinhos da maioria dos pequenos grupos de peixes

invadiram as águas doces do continente Sul Americano e diversificaram durante o Paleogeno,

principalmente Oligoceno e Mioceno. Os grandes grupos, entretanto, como os Cichlidae e

Ostariophysii, estiveram isolados no continente desde o final da separação do Gondwana, no

Cretáceo, aproximadamente a 100 milhões de anos.

Neste parágrafo, de Reis (2013), sobre a fauna de peixes Neotropicais, apresentam-se entre

colchetes os números correspondentes apenas aos peixes da bacia Amazônica.

“Aproximadamente 340 [140] espécies de água doce, pertencentes a 28 famílias primariamente

marinhas, contrastam com os 1.080 [450] cichlídeos, peixes anuais e barrigudinhos, e os quase

3.800 [1.610] Ostariophysii (characiformes, bagres e peixes elétricos). Os peixes dessas 28

famílias são usualmente referidos como a Divisão Periférica, os quais invadiram e se

especializaram para a vida em água doce. Esses grupos variam de uma a cerca de 100 espécies –

a maioria apresenta 2-6 espécies – e incluem as raias de água doce, enguias, sardinhas, anchovas,

tainhas, peixes-agulha, peixes-rei, peixes-cachimbo, corvinas, gobiões, linguados e baiacus, entre

outros. A Divisão Secundária é composta por famílias de água doce que são proximamente

relacionadas a grupos marinhos, mas são inteiramente confinadas a hábitats continentais, e inclui

os cichlídeos com 480 [270] espécies, os rivulídeos ou peixes anuais, em grande parte

ameaçados de extinção, com 270 [160] espécies, os anablepídeos com 17 [2] espécies, os

cyprinodontídeos com 59 [nenhuma] espécies, e os poecilídeos, ou barrigudinhos, com 250 [20]

espécies. Em contraste, a Divisão Primária é composta pelos Ostariophysii e quatro outras

pequenas famílias que se originaram e diversificaram em hábitats de água doce antes da

separação do Gondwana. Estes são o peixe pulmonado Sul Americano ou piramboia, os

pirarucus – o maior peixe de água doce da América do Sul, as duas espécies de aruanãs, e meia

dúzia de espécies de peixes-folha (Polycentridae). Os Ostariophysii, no entanto, perfazem cerca

de 75% da fauna de peixes de água doce em todo o mundo. Neste grupo estão os lambaris,

piranhas, pacus e seus parentes, os Characiformes, com cerca de 1.700 [810] espécies, os sarapós

e tuviras ou Gymnotiformes, com 180 [100] espécies, e os bagres e cascudos ou Siluriformes,

com 1.900 [700] espécies”.

1.3. Ecologia e dinâmica dos peixes da bacia Amazônica

Uma diretriz conhecida em Ecologia é a de que a biodiversidade – espécies, populações

geneticamente diferenciadas e ecossistemas – não estão igualmente distribuídos ao longo de um

bioma como é o caso da Amazônia.

Outro foco dessa questão é o conceito de eco-região, que vem sendo adotado em várias esferas

de governos, inclusive com mapeamentos. Entende-se por eco-região um conjunto de

comunidades naturais, geograficamente distintas, que compartilham a maioria das suas espécies,

dinâmicas e processos ecológicos, e condições ambientais similares, que são fatores críticos para

a manutenção de sua viabilidade no longo prazo. A complexidade de ambientes conta ainda com os “trampolins ecológicos”, ou “passarelas de

biodiversidade”, também conhecidos como stepping stones, que são áreas de ligação entre

pontos da biodiversidade na matriz ambiental das unidades de paisagens e seus diferentes

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biótopos, com mosaicos heterogêneos, mas que agem de maneira interativa na estrutura e função

do ecossistema. Nesse sentido, há que se ressaltar que a conectividade das unidades de paisagem

permite o fluxo biológico entre elas, dependendo da proximidade dos elementos dos hábitats ou

biótopos, da densidade de corredores e stepping stones que possam facultar a permeabilidade da

matriz ambiental.

A distribuição de espécies, a sua abundância em determinado ambiente ou hábitat, a estrutura de

populações em comunidades ecológicas, a composição de grupos sociais, a interação de espécies

em organização de guildas e muitos outros aspectos do meio biótico contam com um número

variado de fatores ambientais que os limitam ou neles interferem. Por exemplo, a dispersão ou

propagação de plantas se dá por mecanismos diferenciados e, por outro lado, a fauna silvestre

ativamente seleciona o seu habitat preferido por mecanismo específico de comportamento

ecológico. Desse modo, as fitofisionomias, por exemplo, são estruturadas pela distribuição da

fauna por seleção de habitat, por espécies exigentes em microhabitats, em sub-bosque, em dossel

da floresta ripária, espécies dependentes de sombra ou que competem pela luz e assim por diante.

Esse processo também ocorre nos ecossistemas aquáticos, pois dependem das florestas

inundáveis.

A interação entre indivíduos da mesma espécie e entre espécies diferentes se dá em vários níveis:

competição por alimento com predação, por espaço e nicho reprodutivo e outros fatores, numa

escala de tempo histórica ou evolutiva, ou diante do cenário presente. Desse modo, elementos do

meio físico, tais como temperatura e luz, precipitação e regime hídrico são cruciais na

distribuição de espécies. Em ambientes já alterados com a fragmentação da floresta aluvial, os

efeitos de borda, com penetração de luz e modificação da umidade, impactam negativamente a

distribuição e composição das espécies na beirada desses fragmentos florestais. Outros fatores

físicos e químicos que potencialmente alteram a estrutura do solo e os ciclos geobioquímicos têm

influência direta no meio biótico.

A enorme diversidade e complexidade de hábitats aquáticos da Amazônia estão associadas à

grande biodiversidade que ocorre nos seus ecossistemas aquáticos, sendo que muitos desses

ambientes mudam drasticamente em função do fluxo hidrológico dos rios (enchente, cheia,

vazante e seca). Por exemplo, o rio Xingu, um dos hotspots visitados durante os trabalhos de

campo, apresenta o ciclo hidrológico característicos dos rios da região amazônica, com um

mínimo de vazão nos meses de setembro e outubro, e um período de cheia entre março e abril.

Nos meses de verão, com a diminuição do volume de água, as praias de areia e os "pedrais"

ficam expostos. À medida que as chuvas começam, ocorre a elevação da cota do rio. Entre

dezembro e março ocorrem rápidas mudanças do nível do rio, que começa a inundar, primeiro

nas partes mais baixas das margens e ilhas e depois entrando definitivamente nas regiões mais

altas das florestas, formando igapós, ou lagoas marginais (Figura 1).

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Figura 1. Este hidrograma do rio Xingu, na região de Altamira nos anos 2000, 2001, 2007 e 2008, ilustra o efeito do

fluxo dos rios Amazônicos nos ecossistemas aquáticos no período de um ano. As cores do fundo representam a

classificação em períodos. Azul=Enchente; Amarelo=Cheia; Rosa=Vazante; Branco=Seca (Fonte: Norte Energia,

EIA/RIMA de Belo Monte).

Esses ambientes podem ser caracterizados pelos seguintes grupos aquáticos:

Canal do rio: geralmente com largura extensa, dependendo do tributário do Amazonas e da

região, com encostas mais ou menos íngremes e perfil muito variado, muitas vezes profundo e

irregular, com fundo de areia, lodo ou de pedra. Curso sinuoso e irregular com presença de

inúmeras ilhas, que determinam a formação de inúmeros canais menores anastomosados. A

velocidade de correnteza é variável, dependendo do ano, mas sempre importante, quando

comparada com as áreas marginais de inundação.

Remansos ou margens: regiões marginais e pouco profundas do rio, onde a velocidade da água

é menor. A localização, tamanho e número de remansos mudam em função da época do ano,

sendo menos numerosos no período de cheia e geralmente localizados nas áreas alagadas de

Floresta Ombrófila Aluvial ou outro tipo de vegetação. Na época seca, entretanto, os remansos

são mais frequentes e podem ser encontrados próximos às praias ou tabuleiros, nas margens dos

rios.

Lagoas marginais e insulares: corpos de água de pequeno e médio porte cuja maior parte é

temporária e de pouca profundidade e que apresentam geralmente uma ligação com o canal

principal do rio, mas que geralmente seca durante a estação de estiagem.

Áreas inundáveis: ambientes marginais dos rios, ilhas e lagos que podem ser inundados em

maior ou menor grau, durante os meses de enchente-cheia, dependendo da inclinação e da

altitude do terreno. São cobertos na maior parte por Floresta Ombrófila Aluvial ou outro tipo de

vegetação como palmeiras em algumas ilhas.

Igarapés: riachos que drenam nas margens do canal do rio. Apresentam água relativamente

transparente, de coloração variando de parda a cristalina, com fundos de areia e deposição de

restos vegetais, como serrapilheira, troncos e gravetos caídos. Sofrem considerável alteração na

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vazão durante a época de chuvas, quando suas águas também perdem em parte a transparência

sendo que volume de água aumenta consideravelmente.

Furo: constitui um braço de drenagem do rio que possivelmente tenha surgido de uma fratura do

solo ou pela dinâmica hidrológica no local. Concentra em geral um grande volume de água que

drena parte das águas do rio na época de cheia.

O ciclo hidrológico dos rios com os seus pulsos, determinados pela sucessão de períodos secos e

chuvosos, exerce uma extraordinária influência na estruturação da fauna íctica e no

desenvolvimento das suas estratégias de vida. O ingresso da água nas áreas laterais dos corpos

aquáticos implica no enriquecimento dos solos e no aumento considerável da área, nichos e

alimentos disponíveis para os peixes. Com o retorno das águas, ocorre a lavagem da matéria

orgânica em decomposição, o que contribui positivamente para aumentar a concentração de

nutrientes nas águas do rio.

A dinâmica sazonal das inundações dos rios da Amazônia é um dos principais fatores para a

regulação da intensidade e época da reprodução, recrutamento e produtividade dos peixes. O

pulso hidrológico influencia na disponibilidade de alimento para os peixes, nas relações inter e

intraespecíficas, nas estratégias reprodutivas e na disponibilidade de hábitat para a ictiofauna. A

entrada das águas na planície inundável promove o enriquecimento dos solos, além de aumentar

o número de nichos disponíveis para os peixes. Na vazante, as águas voltam ao canal principal,

propiciando a lavagem da matéria orgânica em decomposição, o que também contribui na

produtividade das águas do rio.

As áreas de inundação suportam a produção biológica do ecossistema aquático e, são

responsáveis, diretamente, pela produtividade pesqueira, garantindo os rendimentos da pesca,

pela manutenção da biodiversidade. Vários trabalhos científicos mostram a correlação entre a

produção pesqueira e a integridade e quantidade de áreas sazonalmente alagadas, demonstrando

que uma alteração na disponibilidade destas áreas deverá influenciar diretamente na produção do

sistema como um todo. Particularmente relevante para a compreensão da dependência da

ictiofauna ao pulso de inundação e a complexa dinâmica do ecossistema e sua biota é a

ocorrência das espécies herbívoras, que se alimentam de frutos das florestas de igapó. Somente

no período das cheias, as árvores ficam com água até boa parte de seus troncos e os frutos, então,

podem cair no ecossistema aquático e ser consumidos pelos peixes.

Exemplos de peixes frugívoros, alguns com relevância na pesca, pertencem à ordem dos

Characiformes e a algumas famílias da ordem Siluriformes, como espécies dos seguintes

gêneros: Colossoma, Bryconops, Tocantinsia, Leporinus, Tometes, Myleus e Triportheus. Na

maior parte das árvores que ocorrem nas áreas inundáveis, o período de frutificação acontece

simultaneamente durante a enchente do rio, coincidindo com a entrada dos peixes na planície de

inundação, onde terão acesso aos frutos produzidos. Esta sincronia de frutificação no período da

chuva, pode também evidenciar uma estratégia de dispersão das sementes através da atividade

alimentar dos peixes frugívoros, o que constitui outro aspecto importante para a função

ecossistêmica.

O conhecimento atual da ictiofauna amazônica mostra a existência de um gradiente longitudinal

de ambientes ao longo do rio que, superposto ao grau de conservação e ao ciclo sazonal de

mudanças no nível do rio, delimitam as fontes de alimentos disponíveis para a fauna de peixes,

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bem como explicam as diversas adaptações eco-morfológicas e no comportamento das diferentes

espécies de peixes. Estas adaptações otimizam os mecanismos competitivos e a divisão dos

recursos disponíveis.

Mudanças nos hábitos alimentares são observadas também ao longo do ano, de acordo com a

disponibilidade sazonal de certos recursos. É o caso do pacu-seringa (Characidae, Myleus

rhomboidalis), entre outras espécies de pacus, que durante a enchente come frutos encontrados

nas árvores ou arbustos da floresta inundada, mas durante a seca preda pequenos invertebrados

encontrados no canal do rio. Enfim, o sistema trófico da ictiofauna pode ser sintetizado num

modelo com níveis alimentares distintos: um nível de consumidores primários, com hábitos

herbívoros, e um nível de predadores.

A síntese do conhecimento sobre os ecossistemas aquáticos amazônicos indicam que os fluxos

de energia (ou alimento) entre os compartimentos da teia alimentar têm sua maior fonte na

vegetação aluvial. Portanto, a maior parte dos produtores primários do ecossistema aquático não

se encontra na água, mas na vegetação inundável, que é componente fundamental do ecossistema

aquático. A produtividade deste componente fica disponível para a fauna aquática (peixes

frugívoros e insetívoros que dispersam para as áreas inundáveis) durante o período de inundação.

No leito dos rios estão os peixes piscívoros e migradores, importantes na produção pesqueira.

Um aspecto importante a ser destacado aqui é o papel da diversidade de peixes nos diferentes

níveis tróficos dos ecossistemas aquáticos. Ressalte-se o papel preponderante do nível trófico de

espécies detrívoras, herbíboras, frugívoras, insetívoras e outros hábitos alimentares em

comparação às espécies de peixes piscívoras (predadores), de importância socioeconômica para a

pesca. A quantidade de fluxos entre os compartimentos tróficos destaca a complexidade das

inter-relações (ambientes bióticos e abióticos do ecossistema) e as interdependências desse

sistema, apontando para a relevância da proteção dos ecossistemas aquáticos quando se visa o

aspecto pragmático da pesca e seus benefícios socioeconômicos.

Além da ecologia alimentar, os peixes da Amazônia apresentam uma grande diversidade de

comportamentos reprodutivos. O sucesso da estratégia reprodutiva garante a sobrevivência do

maior número possível de descendentes e é resultado de um longo processo evolutivo, de seleção

natural e adaptação às oscilações sazonais das variáveis ambientais da região. O conhecimento

existente indica que peixes em estádios maduros, que indica pré-desova, ocorrem

majoritariamente durante a estação de enchente. Portanto, parece evidente que a enchente é uma

época crucial para o fechamento do ciclo reprodutivo da maioria das espécies de peixes. Em

resumo, os peixes da Amazônia podem ser classificados em três grandes grupos quanto aos

hábitos alimentares e reprodutivos:

Grupo de equilíbrio: Peixes sedentários, de distribuição local, geralmente

piscívoros ou onívoros. A disponibilidade de alimento para estes peixes sofre

poucas mudanças sazonais. Apresentam época de desova prolongada, fecundidade

menor, ovos maiores, e um grande investimento energético na sobrevivência da

prole através de comportamentos especializados (acasalamento, construção de

ninhos, cuidado parental, etc.). O resultado desta estratégia é a diminuição da

mortalidade nas fases iniciais do ciclo de vida, garantindo um bom recrutamento

dos jovens à população adulta. Isto se traduz numa densidade relativamente

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estável de adultos durante todo o ano. Exemplos: tucunaré, acará, pirarucu.

Grupo de oportunistas: Espécies com ciclos de vida curtos e que atingem a

primeira maturação sexual rapidamente. Possuem desovas parceladas e

numerosas, sem apresentar cuidado da prole. Os jovens conseguem a rápida

colonização de hábitats, mesmo em condições desfavoráveis e sob forte pressão

de predação. Não necessariamente dependem do ciclo hidrológico para a desova.

Exemplos: apapá, piranha, pescada, corvina.

Grupo sazonal: É o grupo mais numeroso de espécies. Apresenta uma adaptação

quase perfeita com as mudanças de nível do rio e o regime anual de chuvas.

Utilizam, principalmente, fontes de energia de origem alóctone (frutos, folhas,

insetos, etc.). Sua densidade populacional varia dependendo da época do ano.

Possuem grande fecundidade, ovos pequenos, não apresentam cuidado com a

prole, concentrando toda a energia em desovar no momento e no local adequado,

para garantir a sobrevivência dos descendentes. Realizam migrações, à procura

desses locais apropriados e desovam durante um período mais ou menos restrito,

quase sempre, no início do período de chuvas. Com isso, estas espécies

aproveitam a entrada das águas na floresta, um habitat rico em alimentos e

apropriado para as primeiras fases de vida dos jovens recrutas. Exemplos:

curimatã, pacu, branquinha, tambaqui, aracu, piau, ueba.

A maior parte dos peixes oportunistas, como os sciaenídeos, não tem preferências muito

específicas para os seus locais de desova, apenas liberando os ovos em locais onde há oxigênio

suficiente e correnteza para garantir a dispersão. Já as espécies que demonstram cuidados

parentais, como alguns cichlídeos, costumam fazer ninhos, às vezes elaborados, e para isto

procuram poços ou locais protegidos dos predadores e com condições aeróbicas aceitáveis.

Sem dúvida os deslocamentos reprodutivos dos peixes representam um dos comportamentos

biologicamente mais complexos da fauna íctica. Praticamente todos os peixes realizam

movimentos dentro do sistema de canais e zona de inundação. Contudo, a “piracema” ou

“arribação” é um movimento regular de migração longitudinal e lateral, diretamente relacionado

à desova ou dispersão de algumas espécies de peixes, na área inundável, com época mais ou

menos precisa, no início da cheia anual.

Os fatores ecológicos que controlam a intensidade da piracema são complexos e as variáveis que

parecem ser mais importantes são: o nível de água e a sua transparência. Assim, parece evidente

que nas áreas desmatadas as condições para a desova são mais desfavoráveis, devido à suspensão

dos sedimentos provindos do solo descoberto, susceptível à erosão.

Os padrões de migração de peixes da Amazônia vêm sendo investigados há vários anos para

alguns rios da região, como o rio Negro, rio Madeira e o sistema Solimões-Amazonas. Os

resultados desses trabalhos demonstram que existe uma intrincada e complexa interação entre o

padrão de migração, o nível do rio e a estrutura dos hábitats de inundação disponíveis.

Alguns pesquisadores dividem a ictiofauna da Amazônia em duas categorias. A primeira inclui

as espécies que realizam migrações durante a época de enchente. Tais espécies fazem desova

total e reproduzem-se no canal ou nas áreas inundadas lateralmente durante o início da enchente.

Incluem-se nesse grupo, duas categorias de peixes: (1) os bagres migradores, (algumas espécies

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da ordem Siluriformes), que realizam migrações de longas distâncias, como a piramutaba

(Brachyplatystoma vaillantii), e a dourada (B. flavicans). Estas espécies percorrem longas

distâncias pelos canais principais dos rios da Amazônia; e (2) peixes de escama (algumas

espécies da ordem Characiformes), tais como Prochilodus nigricans (curimatã),

Semaprochilodus spp. (jaraqui) e Myleus spp. (pacu) que realizam migrações laterais e

longitudinais, mas percorrendo distâncias bem menores (Ribeiro & Petrere, 1990).

O segundo grupo de espécies refere-se às espécies sedentárias, que realizam desova parcial,

apresentam adaptações para permanecer em águas com menos quantidade de oxigênio. Algumas

apresentam comportamentos de acasalamento e cuidado parental da prole. Neste grupo estão

incluídas espécies das famílias Cichlidae (Cichla spp., tucunarés; Geophagus spp., acará),

Osteoglossidae (Osteoglossum bicirrhosum, aruanã) e Arapaimidae (Arapaima gigas, pirarucu),

assim como Sciaenidae (Plagioscion spp. pescada), Doradidae (Hassar orestis botinho),

Loricariidae (Loricaria sp, Hypancistrus spp. acaris) e Serrasalmidae (Serrasalmus spp.,

Pygocentrus sp., piranhas.

Estudos realizados sobre os grandes bagres migradores, como a dourada (Figura 2) e a

piramutaba, indicam que estes peixes estão intimamente associados ao canal do rio e que suas

migrações percorrem milhares de quilômetros, desde o estuário amazônico, onde crescem os

jovens, até o alto Amazonas, Ucayali, Madeira, Japurá, ente outros, onde desovam entre maio e

julho. Pescadores relatam que observam cardumes de dourada subindo o rio Amazonas, todo

ano, a partir de junho, no período de vazante e durante a seca. Outras espécies de bagres, como o

surubim Pseudoplatystoma fasciatum, a pirarara Phractocephalus hemioliopterus e o filhote

Brachyplatystoma filamentosum parecem não precisar percorrer distâncias tão grandes ao longo

do rio, no seu ciclo de vida.

Figura 2. Migração da dourada (Brachyplatystoma rousseauxii) na bacia Amazônica. Área de vida = verde; área de

desova = azul; área de crescimento = amarelo. Fonte: Jacqueline da Silva Batista no Estado de São Paulo.

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Há também a migração rio acima do mapará (Hypophthalmus edentatus e H. fimbriatus). Estas

espécies habitam tanto o rio Amazonas como ambientes fluviais e lacustres. Com relação às

migrações de curta distância, como as que fazem o jaraqui Semaprochilodus spp. e o tambaqui

Colossoma macropomum nos rios da Amazônia, está também diretamente associada à oscilação

do nível do rio e à inundação de áreas da planície aluvial. A estratégia geral consiste em utilizar

diferentes fontes tróficas ao longo das sucessivas estações do ano e do desenvolvimento do

indivíduo: os adultos se alimentam nas florestas alagadas durante a cheia, os recém-nascidos e

jovens procuram alimento e proteção nas mesmas áreas durante o alagamento e, ambos, utilizam

o canal do rio como caminho para o deslocamento entre áreas.

1.4. Os quelônios e outros animais aquáticos da bacia Amazônica

Além dos peixes, os quelônios são importantes habitantes dos ecossistemas aquáticos da

Amazônia. São também importantes nos hábitats aquáticos os jacarés e mamíferos aquáticos, não

só como indicadores ambientais, mas também porque interagem no componente biótico na

estrutura e na função dos ecossistemas aquáticos. Os quelônios que ocorrem nos hábitats

aquáticos da região amazônica compreendem três espécies do gênero Podocnemis: Podocnemis

expansa (tartaruga-da-amazônia), P. unifilis (tracajá) e P. sextuberculata (pitiú). Além destes,

ocorrem outras espécies de quelônios vivendo nos rios, igarapés, poças marginais ou em hábitats

alagáveis enlameados: Chelus fimbriatus (matamatá); Platemys platycephala (jabuti-machado),

Kinosternon scorpioides (muçuã), Rhynoclemmys puncularia (aperema) e Mesoclemmys gibba

(cabeça-torta). As duas outras espécies de quelônios da Amazônia são os jabutis, que ocupam

hábitats terrestres: Chelonoidis carbonaria (jabuti-vermelho), e C. denticulata (jabuti-amarelo).

Tradicionalmente, na Amazônia, há consumo de tartaruga e tracajá, além de seus ovos, hábito

cultural bastante arraigado às culturas humanas locais, talvez adquirida das etnias indígenas.

Estas duas espécies de quelônios aquáticos, no passado, foram também muito utilizadas para a

produção de óleo, porém atualmente o consumo com comercialização ilegal é mais

preponderante (Alho, 1982, 1985; Alho & Pádua, 1982, 1985; Alho et al., 1984; Rebêlo &

Pezzuti, 2001; Vogt, 2001; Fachín-Terán et al., 1996, 2004). Apesar da ilegalidade, em dois dos

hotspots visitados (rio Tocantins e rio Negro) constatou-se captura de quelônios, com material

fabricado artesanalmente para captura de tracajás.

As características fisiográficas da bacia amazônica, associadas ao ciclo hidrológico e à biologia

das espécies aquáticas, condicionam a distribuição dessas espécies em diferentes hábitats, sua

abundância e também a atividade de exploração pelo homem local das espécies de quelônios

aquáticos. Os ecossistemas aquáticos, bem como qualquer ambiente natural, podem ser

considerados ecologicamente relevantes, seja por representar habitat para a flora e fauna locais,

seja pelas funções ecológicas que desempenham (ciclagem de nutrientes e balanço hídrico, por

exemplo). Em espaço geográfico extenso e com baixa ocupação antrópica, ambientes assim se

tornam especialmente relevantes, resultado da continuidade que de modo geral apresentam, bem

como das lacunas de conhecimento sobre seus componentes e sua dinâmica.

A tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) tem uma ampla distribuição na Amazônia,

estendendo-se por todo o rio Amazonas e Orinoco e seus afluentes (Foto 1). Está presente na

Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guianas, Peru e Venezuela. É estritamente aquática e só sai

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da água para realizar a desova. Habita os rios, lagos, pântanos, ilhas e florestas inundáveis

(várzea e igapó). Durante a estiagem dos rios, as populações se encontram confinadas nos leitos

dos rios e lagos relativamente profundos. Durante a subida das águas se dispersam pelas extensas

áreas inundadas que rodeiam os rios e outros corpos permanentes de água. As tartarugas são

capazes de perceber o regime de vazante do rio e detectam o período apropriado de estiagem

(quando as praias ou tabuleiros aparecem), para iniciarem o ritual comunal de comportamento de

desova, numa sincronia entre o regime de vazante do rio e o desencadeamento do

comportamento de nidificação (Alho & Pádua, 1982). É nessa fase, quando os animais estão nos

tabuleiros desovando, que as pessoas invadem as praias e fazem a "viração", deixando o máximo

possível de animais virados de plastrão para cima, carapaça para baixo, para serem recolhidos,

consumidos ou comercializados.

A tartaruga-da-amazônia se reproduz tipicamente em grandes grupos de fêmeas, em praias

tradicionais de desova. Em áreas onde a espécie é pouco abundante, devido a fatores naturais e à

intervenção antropogênica, desova principalmente em pequenos grupos dispersos e também

solitariamente. Depois da desova, os adultos permanecem próximos das praias por cerca de dois

meses antes de iniciar a migração até os lagos adjacentes e as áreas de alimentação, nas margens

de lagos e rios, com vegetação inundável. A tartaruga se destaca, portanto, por apresentar um

comportamento reprodutivo comunal, diferente das outras espécies de quelônios que se

reproduzem individualmente. Exibem sete fases de comportamento reprodutivo, que compõem

um complexo de estratégia reprodutiva com padrões de comportamento altamente estereotipados

(Alho & Pádua, 1982). Essas sete fases são:

1. Agregação das tartarugas nas proximidades dos tabuleiros de desova, na estação de

estiagem, com indivíduos que chegam de diversos lugares dos nichos alimentares

localizados nas áreas de vegetação inundáveis nas margens dos rios, igarapés e lagos;

2. Subida das tartarugas aos tabuleiros;

3. Exploração do tabuleiro;

4. Escavação das covas de postura;

5. Postura;

6. Preenchimento e camuflagem das covas de postura;

7. Retorno à água e dispersão dos animais, retornando aos seus hábitats alimentares.

Foto 1.Tartarugas em fase de

subida aos tabuleiros de

desova, na estação de estiagem

do rio Xingu.

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Os animais se agregam nas águas rasas próximas ao tabuleiro de desova e permanecem aí por

alguns dias até que podem detectar o máximo de vazante, estímulo ambiental que dispara a

subida à praia para inspeção, escolha do sítio de desova e começo do comportamento

estereotipado de postura, fechamento da cova, compactação, camuflagem e retorno à água. Há

uma demonstrada sincronia entre o regime de vazante do rio e o comportamento de nidificação

da tartaruga (Alho & Pádua, 1982). Todas essas fases, durante a estação reprodutiva, tornarão os

animais mais suscetíveis às perturbações que ocorrerão, embora tais perturbações já ocorram na

região. De fato, os principais problemas estão relacionados a dois fatores: a pressão de apanha de

animais e ovos que sofrem as tartarugas face à questão da fiscalização que não pode ser efetiva

para toda a região amazônica; e a questão do uso feito pelo homem de alguns tabuleiros,

inclusive sofrendo impacto da perturbação de navegação próxima à praia de desova.

Durante todas essas fases do comportamento reprodutivo, particularmente nas fases iniciais, os

animais são extremamente sensíveis à perturbação no rio. As tartarugas tendem a abandonar os

tabuleiros onde há perturbação de embarcações, de gente nos tabuleiros ou qualquer outro

distúrbio. Particularmente na fase de agregação, as tartarugas são extremamente suscetíveis à

perturbação que ocorre por conta do aumento de tráfego de embarcações. Nesta fase, os animais

detectam os estímulos ambientais da estiagem e começam e se dispersar de seus hábitats

alimentares nas margens do rio e lagoas, com inundação sazonal da floresta aluvial, para os

tabuleiros de desova.

1.4.1. Alteração da dinâmica populacional da tartaruga-da-amazônia. Os quelônios,

incluindo a Podocnemis expansa, são répteis muito antigos que evoluíram para a forma com

carapaça há cerca de 200 milhões de anos. A família Pelomedusidae, à qual a tartaruga-da-

amazônia pertence, conta com fósseis na América do Norte, indicando que, no passado, esses

animais se dispersaram, mas foram extintos em outras regiões. É uma espécie ectotérmica, que

precisa regular sua temperatura interna com exposição do corpo ao sol. Embora viva na água de

rio, lagoas marginais e igarapés, precisa ir à terra para fazer sua desova nos tabuleiros (praias) na

época de estiagem.

Na fase reprodutiva, a tartaruga-da-amazônia mostra um comportamento coletivo, comunal de

reprodução. Os indivíduos que estão dispersos nos hábitats alimentares (geralmente florestas

marginais inundáveis), detectam o regime de vazante do rio e eles desencadeiam seu

comportamento reprodutivo, inicialmente se agregando nas proximidades de um tabuleiro de

desova, fase localmente conhecida como "boiadura". Após a postura e eclosão, as fêmeas

desaparecem, se dispersando outra vez. Há normalmente uma alta taxa de predação natural sobre

os ovos, por diversos predadores naturais.

Após a eclosão, as tartaruguinhas aguardam uma noite chuvosa na câmara de postura da cova,

onde são capazes de detectar esse estímulo ambiental, e emergem procurando a água do rio. Aí

também há uma alta taxa de predação: por predadores naturais terrestres (aves, mamíferos,

lagartos) e por predadores aquáticos (piranhas, aruanãs e outros peixes, jacarés e outros

predadores). Os poucos filhotes que sobrevivem à predação natural, e que conseguem chegar à

idade reprodutiva, juntam-se às populações de fêmeas adultas que desovam nos tabuleiros.

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Contudo, como já ressaltado, essa taxa de recrutamento na população adulta é extremamente

baixa, e ainda desconhecida no caso da tartaruga-da-amazônia. Cada tartaruga põe de 76 a 98

ovos de uma única vez, mas algumas posturas ultrapassam 100 ovos, dependendo da idade e do

tamanho da tartaruga, com um período de incubação em média de 48 dias.

Os ovos são esféricos, como uma bola de pingue-pongue, mudando de coloração e textura entre

24 e 28 horas após a postura; pesam de 18 a 52 gramas, com média de 32 gramas. Em cada

postura há um ou dois ovos grandes, de mais ou menos 52 gramas, chamados pelos caboclos de

"ovos de óleo", que nunca eclodem. A incubação dos ovos na areia dura cerca de 49 dias depois

da desova, a uma temperatura média de 37ºC dentro da câmara de postura. A temperatura de

incubação é importante para a determinação do sexo da tartaruga. Portanto, possíveis mudanças

climáticas na temperatura podem influenciar o balanço de sexo destes animais. Quando eclodem

na câmara de postura, as tartaruguinhas se movimentam para a superfície da areia, criando uma

espécie de funil na cova, permanecendo à cerca de 20 cm abaixo da superfície. Ficam aí

aguardando o estímulo ambiental - as primeiras chuvas - para saírem todas juntas em direção ao

rio. São extremamente ativas durante a noite, dando preferência às noites escuras, para escapar

dos ninhos para a água, em verdadeiras ondas de tartaruguinhas. Essa estratégia é interpretada

como um meio saciar os predadores naturais de uma só vez, deixando muitos filhotes

sobreviventes. Estima-se que mais de 90% de animais e ovos sejam naturalmente predados e que

menos de 5% sejam recrutados pela população adulta.

O macho é menor que a fêmea e, em alguns lugares da Amazônia, é denominado de "capitão".

Quando adulto, é distinguido facilmente porque possui uma cauda grande, contendo o pênis, que

é o dobro em tamanho da cauda da fêmea. A razão sexual favorece as fêmeas numa proporção

estimada de cerca de 30 fêmeas para cada macho. É ainda desconhecido o lapso de tempo na

história natural desses animais que vai desde que alcançam a água quando recém-eclodidos até a

fase adulta, quando se reproduzem nos tabuleiros de desova. Essa fase da vida da espécie só será

possível de ser conhecida se indivíduos recém eclodidos forem marcados e monitorados até a sua

fase de reprodução, englobando todo o espectro de sua área de vida (home-range), o que

representa um trabalho de pelo menos mais de uma década de duração.

As tartarugas em geral, e a tartaruga-da-amazônia, em particular, são preocupação de

conservação no mundo todo pela suscetibilidade de predação humana e pelo drástico declínio de

suas populações. Há pesada pressão de apanha de animais adultos e coletas de seus ovos pela

população humana local, onde a fiscalização não pode ser efetiva.

Os tracajás (Podocnemis unifilis) são encontrados em rios e florestas inundadas em toda a bacia

amazônica e do rio Orinoco. Exibem maior atividade durante o dia, alimentando-se de folhagens

e frutos caídos na água. Não exibem o comportamento reprodutivo comunal das tartarugas,

fazendo suas posturas individualmente. Põem cerca de 20 ovos por postura, que são enterrados

em bancos de areia e barrancos que são incubados durante 75 a 90 dias, pelo calor do sol. O

tracajá é espécie considerada ameaçada de extinção pela União Internacional de Conservação da

Natureza (IUCN) na categoria vulnerável.

1.5. Jacarés

Os jacarés ou crocodilianos, como os quelônios, têm sido perseguidos pelas populações humanas

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em toda a sua área de ocorrência na Amazônia. Os jacarés são considerados pelos pescadores

animais competidores, prejudicando a pesca e destruindo seus artefatos de pesca. Por outro lado,

suas populações são também afetadas pela alteração e destruição de hábitats aquáticos, e também

pela caça para produção de carne e couro para consumo local e para comércio ilegal (Foto 2).

Foto 2. Os jacarés são importantes predadores habitantes dos ecossistemas aquáticos. A caça predatória feita pelo

homem potencialmente afeta negativamente as comunidades ecológicas desses ambientes (Foto Cleber Alho).

1.6. Mamíferos aquáticos

Na Amazônia existem cinco espécies de mamíferos aquáticos pertencentes a três distintas

Ordens: Sirenia, com uma espécie, o peixe-boi-da-amazônia (Trichechus inunguis); a Ordem

Cetacea, com duas espécies de golfinhos, o boto-vermelho (Inia geoffrensis) e o boto-tucuxi

(Sotalia fluviatilis); e a Ordem Carnívora, com duas espécies de mustelídeos aquáticos, a

ariranha (Pteronura brasiliensis) e a lontra (Lontra longicaudis). A eficiência que os mamíferos

aquáticos da Amazônia exibem em explorar seus hábitats alimentares e reprodutivos reflete a

evolução de suas estruturas anatômica, fisiológica e comportamental. Características

especializadas ao hábitat aquático produziram diferenças específicas entre ariranhas, lontras,

botos e peixes-boi, não só nos ajustes anatômicos como também nos padrões de comportamento

ecológico. Por apresentarem comportamentos distintos e utilizarem os hábitats aquáticos

disponíveis de forma bastante diferenciada, estas espécies de mamíferos aquáticos exibem

diferentes interações com os ecossistemas aquáticos amazônicos.

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O peixe-boi é um herbívoro aquático endêmico da Amazônia, apresentando um comportamento

bastante discreto e difícil de ser observado no seu ambiente natural. As informações são obtidas,

de um modo geral, de forma indireta, por meio de entrevistas com os moradores locais,

observação de locais com presença de macrófitas aquáticas e semi-aquáticas, evidências de

locais de comida, presença de fezes, coleta de material ósseo ou carcaças, e outras evidências de

sua caça e exploração pelo homem.

As ariranhas e lontras da Amazônia, por outro lado, que são mamíferos carnívoros, possuem uma

forte tendência de manter um sistema digestivo simples e uma dentição conservativa para

alimentação basicamente em peixes. Os pés desses mustelídeos contam com estruturas para

natação (membranas interdigitais), possuem corpo longo, pelo fino e denso, pernas curtas e

cauda longa, achatada no sentido dorso-ventral, o que auxilia na natação e no mergulho.

Contudo, as duas espécies desempenham suas atividades também fora d’água. Enquanto as

ariranhas são mais sociais e territoriais, as lontras vivem mais isoladas ou em pares.

Os cetáceos – representados pelos botos nos rios da Amazônia – têm uma longa história

evolutiva e são mamíferos eutérios inteiramente aquáticos. Os membros anteriores são

transformados em nadadeiras e os posteriores são atrofiados, reduzidos a vestígios ósseos

envolvidos por músculos. A parte posterior do corpo é transformada numa cauda que produz a

propulsão na água. As narinas são dorsais e localizadas no topo da cabeça. A forma fusiforme do

corpo é adaptada para movimento veloz na água, com a pele lisa, para reduzir o atrito. A cabeça

do boto é móvel, permitindo movimento. Os botos podem fazer mergulhos profundos e sobem à

superfície para hiperventilar. Durante a fase de respiração, antes do mergulho, o oxigênio é

confinado na hemoglobina e há uma hemoglobina derivativa especial – a mioglobina – associada

com os músculos do animal. Quando mergulha, os batimentos cardíacos são reduzidos e o

sangue oxigenado é orientado principalmente para o cérebro. São animais sociais e se

comunicam por sons que são rapidamente transmitidos na água por emissões de baixa frequência

ou pulsos de ecolocação. Acasalam em geral no período de seca. Durante a cheia saem do leito

dos rios para entrar em lagos e igapós em busca de peixes, particularmente o boto-vermelho. Os

botos têm fascinado os índios e caboclos da Amazônia, com diversas histórias que elevam esses

animais à dimensão humana pela sua inteligência. O boto-vermelho e o tucuxi são animais

piscívoros, predadores do topo da pirâmide alimentar e perseguem suas presas, sendo facilmente

visíveis nos rios e lagos da Amazônia. Por isso são potenciais espécies para atuar como

indicadoras da qualidade dos ecossistemas aquáticos.

Os sirênios – representados pelo peixe-boi-da-amazônia – são mamíferos inteiramente aquáticos

e de hábito alimentar herbívoro, com radiações adaptativas muito antigas. Os sirênios podem

pesar de 300 a 500 quilos. Os membros anteriores ficaram inteiramente atrofiados e perdidos e a

parte posterior do corpo tomou o formato de um grande remo. Vivem em águas tranquilas de

igapós ou lagos, com vegetação flutuante, e os lábios são adaptados para apreender a vegetação a

partir da superfície da água. Como adaptação ao hábito alimentar herbívoro, o ceco intestinal é

alargado, servindo como repositório de fermentação microbiana, e seu intestino tem

comprimento de cerca de 20 a 30 vezes o tamanho do corpo. Sincronizam seus movimentos com

a disponibilidade dos hábitats preferidos, em função do ciclo hidrológico dos rios. Acumulam

gordura durante a estação cheia, cada indivíduo consome até 50 kg de vegetação (gramíneas) por

dia, para suportar o período escasso de alimento na estação seca. As fêmeas mantêm cuidados

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maternais em estreita vigilância do filhote, o que aparentemente é o elo mais coeso de

comportamento da espécie. As populações de peixe-boi estão drasticamente reduzidas pela

pressão de caça. Permanecem por até uma hora embaixo d’água, quando vêm calmamente à

superfície, colocando somente a narina de fora para respirar. É nessa ocasião que são arpoados

para consumo de sua carne.

Outras espécies de mamíferos com alguma associação com o ambiente aquático são os

marsupiais e roedores silvestres, tais como a mucura-d’água do gênero Chironectes e as cuícas

d’água Marmosa lepida, Micoureus demerarae, Marmosops pinheroi, Marmosops noctivagus e

Marmosa murina. Essas espécies se caracterizam por certa dependência de ambientes aquáticos,

visto que as fisionomias vegetais por elas utilizadas estão ligadas aos cursos d’água da região de

estudo, sendo muitas vezes formações aluviais com regime de alagamento sazonal. Micoureus

demerarae ocorre, na Amazônia, principalmente em floresta de terra firme primária ou

secundária e, eventualmente, em floresta inundável. Marmosa lepida ocorre na floresta tropical;

utiliza principalmente o solo e o sub-bosque, explorando também o sub-dossel. Marmosa murina

é espécie noturna, arbórea e solitária; utiliza frequentemente os estratos mais baixos da floresta

em níveis inferiores a cinco metros, podendo descer ao solo para forragear. Metachirus

nudicaudatus vive preferencialmente em matas de galeria. Difere da maioria dos outros

marsupiais por ser exclusivamente terrestre, sendo capaz de percorrer grandes distâncias no solo.

Embora mais característico de florestas maduras, também utiliza matas secundárias e

perturbadas.

A capivara Hydrochoerus hydrochaeris é o maior roedor, de hábito semi-aquático, social, com

forte relação com o regime de enchente-vazante e bastante caçado pelos ribeirinhos. Outro

grande mamífero que se utiliza de ambiente aquático com muita frequência é a anta Tapirus

terrestris. Também, o rato-toró do gênero Echimys é um roedor silvestre de hábito arborícola,

com forte associação com o ambiente aquático, vivendo nas várzeas e igapós. Sua vocalização

típica, ouvida nesses ambientes no crepúsculo, tem sido referida por alguns pesquisadores da

Amazônia. Outro roedor que explora o ambiente aquático é o rato-d’água do gênero Nectomys,

sempre encontrado nas vizinhanças de ambientes aquáticos; tem os pés com membranas

interdigitais, o que lhe confere capacidade para nadar.

A relação entre as espécies de mamíferos aquáticos e a origem dos rios da Amazônia tem sido

objeto de alguns estudos, incluindo a colonização do peixe-boi e dos botos, a partir

provavelmente, de estoques marinhos. Hoje, os mamíferos aquáticos mostram uma sincronia em

seu ciclo de vida com o regime hidrológico dos rios. Quando a cheia sazonal inunda as matas de

várzeas e igapós, a água invadindo por canais, depressões e igarapés, muitos deles escondidos

entre a densa vegetação, os hábitats inundáveis, incluindo lagos temporários e permanentes,

adjacentes aos rios, se interligam num extenso e complexo ambiente aquático de furos, canais e

igarapés. Os caboclos da Amazônia distinguem bem o verão – época da seca, do inverno –

época das chuvas mais intensas e da cheia dos rios. No verão, os igarapés drenam a floresta para

os rios principais, e no inverno enchem-se d’água pela ação das chuvas locais. O início das

chuvas intensas e de enchente representa o gatilho que desencadeia o comportamento dos

mamíferos aquáticos em sua dispersão em busca de novos hábitats e nichos alimentares e

reprodutivos. Nesse período, cardumes de peixes deixam o leito dos rios para se alimentar nas

florestas inundáveis e aí se reproduzirem. Esse movimento é seguido pelas espécies de

mamíferos que se alimentam de peixes como as ariranhas e lontras.

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2. ÁREAS CRÍTICAS ESTUDADAS: OS HOTSPOTS DESIGNADOS

2.1. Conceito e designação das áreas críticas para estudo de campo

O conceito de hotspot vem sendo usado na literatura técnico-científica desde 1988 quando

Norman Myers introduziu o critério para identificar áreas prioritárias para conservação. De fato,

tem havido uma crescente importância e aceitação internacional no emprego deste conceito no

planejamento e manejo para conservação da biodiversidade.

Esse conceito se baseia principalmente em dois critérios: endemismo de espécies e grau de

ameaça ambiental. As espécies endêmicas são mais restritas em distribuição, mais especializadas

e mais susceptíveis à extinção, face às mudanças ambientais provocadas pelo homem, em

comparação às espécies que têm distribuição ampla. O grau de ameaça ambiental é a segunda

base do conceito de hotspot e é fortemente definido pelo grau de perda de hábitat, isto é, quando

a área perde pelo menos 70% de sua estrutura original, onde havia ocorrência de espécies

endêmicas.

Por exemplo, para os cursos d’água ao longo da bacia do Rio Xingu são catalogadas 142

espécies de peixes, das quais 36 são endêmicas (Albert et al., 2011). Grande parte desses

endemismos ocorre nas cabeceiras do Rio Xingu, região também conhecida como Alto Xingu.

Essa região está sob forte impacto da expansão do uso e ocupação do solo, com desmatamentos e

cultivo intensivo de grãos, principalmente soja, além de conversão da vegetação nativa em pasto

para a pecuária bovina. Essas ameaças ambientais têm impactado os ecossistemas aquáticos, com

alteração e perda de hábitats naturais de peixes. Essas evidências aferidas no campo dão

conotação pragmática ao conceito de hotspot.

Desse modo, deve ficar bem claro que a sobrevivência das espécies endêmicas que ocorrem em

determinado hotspot (ou certo tipo de ecossistema aquático, no caso do exemplo acima), depende

do tipo de hotspot em análise, ou do tipo de hábitat natural e íntegro, onde essas espécies

endêmicas ocorrem (Foto 3). Em consequência, se a espécie endêmica ocorre somente naquele

hotspot e não em outro hábitat qualquer, as ameaças ambientais atuando negativamente sobre

esse ecossistema devem ser mitigadas ou eliminadas por intervenções diversas, incluindo plano

de manejo ou outro tipo de plano de ação estratégica de conservação. Essa questão em

conservação da natureza é considerada pela UICN (União Internacional para Conservação da

Natureza) como a linha da doutrina da responsabilidade final (ou ultimate responsibility), como

definido pela Species Survival Commission.

O termo de referência do Projeto GEF-Amazonas recomenda a integração com o objetivo do

Projeto-GEF AquaBio (MANEJO INTEGRADO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA E DOS

RECURSOS HÍDRICOS NA AMAZÔNIA) que estabelece: "promover ações estratégicas para

a implantação da Gestão Integrada da Biodiversidade Aquática e dos Recursos Hídricos − que

internalizem os objetivos de conservação e uso sustentável da biodiversidade aquática nas

políticas e programas de desenvolvimento sustentável da Amazônia."

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Foto 3. Trabalho de campo para avaliação dos ecossistemas aquáticos (Foto; Cleber Alho)

Embora o Projeto AQUABIO não tenha sido inteiramente implementado no campo, parte

específica de seu conceito e objetivo, com relação às áreas críticas (hotspots) é retomado aqui,

como recomenda o Projeto GEF-Amazonas. Neste sentido, uma preocupação apontada pelo

AquaBio é a grande extensão e diversidade dos ecossistemas amazônicos, que faz com que a

eficiência da aplicação de planos e políticas estabelecidas fiquem prejudicadas na medida em que

elas não se ajustam às características locais da ecologia, cultura, e organização social de cada

local. Os ecossistemas aquáticos dos rios de águas brancas, ricos em nutrientes (como os rios

Solimões/Amazonas), e aqueles dos rios de águas claras (e.g. Xingu e Tocantins) e pretas (Rio

Negro), caracterizados pela oligotrofia do ambiente aquático, necessitam de alternativas e

propostas diferenciadas de conservação e uso sustentável dos seus recursos aquáticos.

As ameaças designadas pelo AquaBio compreendem a conjunção de uma série de fatores tais

como:

Uso direto dos recursos aquáticos em níveis não sustentáveis, por atividades de caça

(quelônios, peixe-boi) e pesca (comercial, ornamental, esportiva), apontando sobre-

exploração de algumas espécies tais como tambaqui, piramutaba, tucunaré e pirarucu;

Desmatamento para uso direto da madeira e para implantação de atividades

agropecuárias. Neste avanço da fronteira agrícola, se destacam o uso de técnicas

modernas e mecanizadas para o plantio de soja e algodão e a pecuária extensiva em áreas

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de terra-firme e de búfalos em áreas inundáveis (várzeas), resultando no assoreamento de

rios e igarapés, perda do habitat aquático de várias espécies devido ao corte da vegetação

de galeria, poluição da água por agrotóxicos e óleo de máquinas agrícolas;

Crescente urbanização, com aumento do lançamento nos leitos dos rios de dejetos

orgânicos, além de dejetos sólidos (lixo);

Construção de infraestruturas específicas, tais como hidrelétricas e hidrovias (causando

mudanças no regime hidrológico), linhas de transmissão, estradas, gasodutos e projetos de

irrigação;

Atividades de mineração, incluindo garimpo e extração de areia e seixos.

As áreas designadas para as atividades de trabalho de campo incluem:

Os ecossistemas aquáticos (águas claras) da cabeceira do Rio Xingu

Os ecossistemas aquáticos (águas escuras) da região de Barcelos do (médio/baixo) Rio

Negro

Os ecossistemas aquáticos (águas claras) da região do baixo Rio Tocantins próxima a

Tucuruí.

Os fatores de estresse ou conflitos identificados nesses trechos designados são:

No médio e baixo Rio Negro:

Conflitos entre a pesca ribeirinha e a comercial, especialmente onde as pescarias estão

limitadas a locais fora de áreas protegidas, aumentando desta forma a competição dos

usuários pelo recurso pesqueiro;

Conflitos entre a pesca de subsistência praticada pelos ribeirinhos e a pesca esportiva, já

que alguns rios foram “fechados” para a pesca de subsistência, de forma a assegurar a

disponibilidade de grandes espécimes para a pesca esportiva;

Conflitos entre “piabeiros” (pescadores que se dedicam à captura de peixes ornamentais)

e autoridades ambientais, e também com outros tipos de pescaria.

Nas cabeceiras do Rio Xingu:

Conflitos entre ribeirinhos/pequenos agricultores e as grandes fazendas (de pecuária e

com operações mecanizadas de agricultura);

Conflitos sobre a qualidade ambiental e da saúde entre populações no entorno do Parque

Indígena do Xingu e os povos indígenas que vivem no Parque.

No baixo Rio Tocantins:

Conflitos entre pescadores sobre o uso dos estoques reduzidos de peixes após a

construção da UHE Tucuruí;

Conflitos entre comunidades locais e administradores da usina hidrelétrica sobre a

implementação de medidas apropriadas para compensar os impactos negativos sobre as

atividades econômicas e a qualidade de vida no trecho do rio à jusante da barragem.

Para o fim dos componentes do Projeto GEF-Amazonas, particularmente III.1.1, o enfoque se

faz sobre a ictiofauna amazônica (grupo de espécies de peixes) e seus ecossistemas aquáticos

(grau de ameaça ambiental). Assim, o critério biológico pode ser um elemento da análise do

hotspot, por exemplo, identificando os hábitats ou microhábitats essenciais para alimentação e

reprodução de peixes (indicadores biológicos) e como as ameaças ambientais estão afetando

esses hábitats naturais. Com o enfoque do uso pelo homem dos recursos dos ecossistemas

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aquáticos, como a pesca, a interação com os aspectos socioeconômicos também se faz necessária

na análise dos hotspots.

Neste sentido foram realizados trabalhos de campo nas três áreas designadas: Alto Xingu, Baixo

Tocantins e Médio Rio Negro (Figura 3). Esses trabalhos de campo foram executados por uma

equipe de três consultores (um ecólogo – Cleber Alho e dois ictiólogos – Roberto Reis e Pedro

Aquino). Visaram identificar, selecionar e mapear os temas críticos concernentes ao esgotamento

dos recursos dos ecossistemas aquáticos, com verificações de campo para confrontar com as

ameaças ambientais designadas na literatura, além de promover reuniões com as lideranças

locais de cada hotspot, principalmente as cooperativas de pesca. Essas reuniões e entrevistas

foram promovidas junto às lideranças de pescadores em cada um dos hotspots visitados durante

os trabalhos de campo. Tiveram como objetivo confirmar e ratificar os principais problemas

ligados à sustentabilidade biológica e socioeconômica dos recursos naturais dos ecossistemas

aquáticos sendo utilizados em cada uma das três áreas críticas designadas. O objetivo final foi

para conferir autenticidade e melhor ajuste à realidade local dos hotspots sobre as

recomendações feitas neste documento para o programa de ações estratégicas PAE).

Figura 3. Localização das três áreas críticas designadas (hotspots) para os trabalhos de campo com ênfase nos

ecossistemas aquáticos tomando peixes e pesca como viés para as análises.

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3. A BACIA DO RIO XINGU

3.1. A bacia hidrográfica

O rio Xingu é um dos principais tributários da bacia Amazônica e drena o Escudo Brasileiro,

juntamente com o Tocantins, Araguaia, Tapajós e parte do rio Madeira. A bacia do rio Xingu

compõe a Ecorregião Aquática 322 do mapa das ecorregiões de água doce do mundo de que é

limitada ao norte pela área de Belo Monte, na zona de contato entre a bacia sedimentar

Amazônica e o Escudo Brasileiro, a leste e ao sul pelo divisor de águas com a bacia do rio

Araguaia, ao longo da Serra do Roncador, Serra dos Gradaús e Serra dos Carajas, e a oeste pelo

divisor de águas com a bacia do rio Tapajós, ao longo da Serra Formosa e Serra do Cachimbo. A

elevação ao longo da bacia é muito lenta na maior parte dela, com um aumento da cota em

relação ao nível do mar de cerca de 150 metros ao longo da Volta Grande, entre Belo Monte e

Altamira e mais 150 metros entre Altamira e a confluência dos rios Sete de Setembro e Coluene,

já em sua parte alta, área visitada neste estudo. As suas cabeceiras mais altas nascem no Planalto

de Mato Grosso, a mais de 800 metros de altitude. Na maior parte de seu percurso o rio Xingu

corre sobre terrenos cristalinos de granito e também calcário, o que lhe confere uma quantidade

de sedimentos carreados muito baixa e alta transparência. O clima nesta eco-região é tropical,

com precipitação média anual entre 1.485 e 2.547 mm e com estação de cheia entre novembro e

abril e com temperatura do ar média entre 21,6 e 26,5ºC.

O rio Xingu é a quarta maior bacia hidrográfica da Amazônia (cerca de 7% em área) e um dos

maiores rio de águas claras que drena os planaltos cristalinos e planícies sedimentares do Escudo

Brasileiro, sendo responsável por cerca de 5% da vazão do rio Amazonas. A transparência de

suas águas esverdeadas (por causa de florações de fitoplancton) varia de 0,6 a 4 metros, com pH

entre 4,5 e 7,8. O nível da água começa a subir em setembro ou início de outubro, atingindo o

pico da cheia entre março e abril. A média anual de flutuação do nível do rio é entre dois e cinco

metros. Por causa da baixa carga de sedimentos, o rio é bastante largo na ria, assemelhando-se a

um lago. Marés oceânicas ocorrem até cerca de 100 km acima da sua foz, a qual se encontra a

cerca de 420 km do oceano Atlântico. A parte superior da bacia do rio Xingu, ao sul do paralelo

de 10ºS, que coincide aproximadamente com a divisa Pará-Mato Grosso, situa-se em uma

depressão caracterizada por extensas áreas úmidas que são periodicamente alagadas. Essa área

contém lagos, banhados, florestas sazonalmente alagadas e savanas. Comparando-se com a parte

baixa da bacia, onde o nível de nutrientes é baixo, a parte superior da bacia é mais rica em

nutrientes, suportando maior diversidade de vegetação aquática, moluscos e outros

invertebrados. Cataratas e corredeiras ocorrem principalmente na parte baixa e nos tributários do

rio Xingu, notadamente as cataratas da Serra do Cachimbo e as corredeiras da Volta Grande, que

agem como barreiras para a fauna aquática entre a Amazônia central e o Xingu superior (Hales &

Petry, 2013).

3.2. A fauna de peixes do Xingu

A bacia do rio Xingu está dentro da região ictiogeográfica Guyano-Amazônica, e mais

especificamente na província ictiogeográfica Amazônica (Gery, 1969; Ringuelet, 1975). Esta

bacia contém um grupo de espécies diverso e único da porção leste do escudo Brasileiro (Hales

& Petry, 2013). Em um estudo recente sobre a ictiofauna dos rios Xingu e Tapajós, Buckup et al.

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(2011) coletaram 288 espécies de peixes de pequeno porte no rio Xingu, 128 das quais foram

exclusivas dessa bacia. Essas espécies se distribuíram entre uma espécie de Condrichthyes

(Rajiformes) e 11 ordens da Actinopterygii, das quais os Characiformes representaram cerca de

50% das espécies, seguidos pelos Siluriformes com cerca de 32%, dos Perciformes com cerca de

10% das espécies, entre outras. Ainda, pelo menos dois gêneros de peixes de água doce são

endêmicos da bacia do rio Xingu (Ossubtus e Phallobrycon). Um achado muito positivo nesse

estudo é que nenhuma espécie exótica foi capturada na bacia do Xingu. Considerando as

espécies de médio e grande porte não levantadas e as demais espécies pequenas não amostradas

naquele estudo, estima-se uma riqueza aproximada de 500 espécies para a bacia do rio Xingu.

Ao final deste relatório estão listadas e ilustradas as 25 espécies mais importantes da pesca

esportiva no rio Xingu.

3.3. O hotspot do Alto Rio Xingu

Durante a viagem a campo para o alto rio Xingu priorizou-se a estratégia de inspeção ambiental

direta, através de deslocamento por barco e automóvel. A equipe ficou hospedada na Pousada

Nascente do Xingu, na beira do rio Xingu no município de Canarana, Mato Grosso. A partir

dessa pousada diversas excursões em barco rápido (voadeira) foram empreendidas a diferentes

ecossistemas aquáticos. Entrevistas com lideranças de pescadores e entidades representativas de

pescadores, como Colônias de Pesca, foram efetuadas no sentido de conferir proximidade do

diagnóstico e das ações propostas neste estudo. Ambientes visitados situavam-se nos rios

Coluene e Sete de Setembro, próximas a nascente do rio Xingu, formado pela confluência dos

dois rios acima, e no rio Coronel Vanick, um afluente do rio Sete de Setembro (Figura 4). A

área das nascentes do rio Sete de Setembro, escolhida para representar da região de nascentes do

rio Xingu, foi inspecionada por terra, em veículo apropriado, e comparada com as demais

nascentes do rio Xingu através de imagens de satélite (Figura 5). Todo o trabalho foi registrado

fotograficamente e as áreas visitadas nos rios foram georeferenciadas através de GPS.

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Figura 4. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.

Note a Reserva Indígena do Alto Xingu no canto superior esquerdo. Os trechos de rio marcados com o track de GPS

foram visitados de barco.

A região do alto Xingu representa uma zona de transição entre a Floresta Amazônica típica e o

Cerrado do Planalto Central, com uma composição florística própria. À medida que a floresta

amazônica vai avançando para o sul, sua fisionomia também vai se modificando, por causa do

clima estacional sob o qual essa formação encontra-se hoje. Por isso, apesar de tratar-se de

Floresta Estacional, é distinta florística e fisionomicamente da Floresta Estacional Semidecidual

ou Decidual, com a qual ainda mantém algum contato por meio das florestas de galeria. Por este

motivo, Ivanauskas et al. (2008) sugeriu a denominação de Floresta Estacional Perenifólia para o

tipo vegetacional do alto Xingu. Assim, sob o ponto de vista fitogeográfico, a floresta do alto

Xingu é considerada Amazônica, mas do ponto de vista morfoclimático é uma área de transição

para o domínio do Cerrado.

A área visitada situa-se exatamente sobre a fronteira do desmatamento no município de

Canarana. A inspeção de imagens de satélite mostra que uma grande parte das florestas do alto

Xingu já foi retirada para abrir espaço para a pecuária e, mais recentemente, para a agricultura

extensiva (Foto 4).

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Figura 5. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.

Note a bacia do rio Araguaia no canto inferior direito e a Reserva Indígena do Alto Xingu no canto superior

esquerdo. Os trechos de rio marcados com o track de GPS foram visitados de barco. O Rio Sete de Setembro

próximo à Canarana e o seu riacho afluente próximo à Água Boa foram visitados de carro.

Durante a inspeção da área, algumas fazendas de criação de gado e de plantação de soja foram

visitadas. Nessas visitas os proprietários e/ou funcionários das fazendas foram entrevistados

sobre as suas práticas de agricultura e pecuária, sobre desmatamento da região e sobre a sua

percepção do declínio da quantidade de peixes nos rios e suas possíveis causas. Todos os

fazendeiros e outros trabalhadores entrevistados tendem a atribuir à pesca esportiva

indiscriminada a responsabilidade pela diminuição da quantidade de peixes. De modo geral,

apesar de reconhecerem que defensivos agrícolas e fertilizantes podem ser prejudiciais aos

peixes, não reconhecem o desmatamento como um importante impacto aos ambientes aquáticos.

Essa falta de entendimento da importância da floresta para os ambientes aquáticos está

claramente expressa na mínima faixa de floresta ripária mantida na beira dos rios em várias áreas

inspecionadas (Foto 4).

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Foto 4. Margem do rio Sete de Setembro mostrando o desmatamento até a beira do rio. As árvores mais altas são

testemunhos da dimensão que a mata primária possuía antes do desmatamento. Foto: Roberto Reis.

Durante as excursões de barco no rio Sete de Setembro e, principalmente, rio Culuene, cinco

Pousadas de Pesca foram visitadas e seus proprietários e/ou funcionários foram entrevistados.

Algumas dessas pousadas são bastante bem aparelhadas, possuindo grande número de barcos

(mais de 20), e pista de pouso. Da mesma forma que nas fazendas, estes foram questionados

sobre suas práticas profissionais como guias e promotores de pesca esportiva, pescadores,

desmatamento da região e sobre a sua percepção do declínio da quantidade de peixes nos rios e

suas possíveis causas. Aqueles que vivem na região há muito tempo reconhecem um drástico

declínio na quantidade de peixes nos últimos 10-15 anos. Essa percepção não é tão clara para os

entrevistados que vivem a menos de 15 anos na região.

Apesar do inicio do desmatamento na região ser mais antigo, este era feito prioritariamente para

criação de gado, que não impacta tão severamente os ambientes aquáticos. No entanto, a partir

de cerca de 15 anos atrás muitas das fazendas de criação de gado iniciaram a trocar sua atividade

principal para o plantio de soja ou outros grãos como milho, sorgo e outros, o que introduziu no

ambiente, de forma sistemática e periódica, enormes cargas de defensivos agrícolas e

fertilizantes de solo, além de provocar o incremento do desmatamento e diminuição adicional da

faixa de floresta ciliar ao longo dos rios. Ao contrário dos fazendeiros, as pessoas envolvidas

com a pesca esportiva atribuem o declínio na quantidade de peixes às praticas agrícolas, mas

também não veem o desmatamento como um impacto sério para os ambientes aquáticos.

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A expedição às cabeceiras do rio Xingu foi conduzida durante a estação de cheia, quando o rio

está vários metros acima do nível normal. Os ambientes visitados de barco foram rio de grande

porte (Xingu), rios de médio porte (Sete de Setembro e Culuene), e também rios pequenos, como

o Coronel Vanick. Apesar dos rios estarem sobre o planalto, estes são bastante convolutos e com

muitos meandros, e possuem uma faixa de floresta inundável que varia de um a cinco

quilômetros de largura na parte baixa dos rios Culuene e Sete de Setembro, e de quatro a oito

quilômetros de largura no rio Xingu – semelhantes as áreas de terras baixas da Amazônia central.

Essa floresta é anualmente inundada pela cheia do rio e peixes e outros organismos aquáticos

deixam o leito do rio para se abrigar e alimentar na mata inundada. Nessa mesma época ocorre a

frutificação de um grande número de árvores de mata inundável, fornecendo assim frutos e

sementes como um valioso recurso energético para os peixes que deles se alimentam. Além

disso, uma grande quantidade e diversidade de invertebrados, especialmente insetos, ocupam as

florestas inundadas e são consumidos por numerosas espécies de peixe.

Além dos rios, vários lagos dos rios Coluene e Sete de Setembro foram visitados. Estes lagos

(oxbow lakes) são formados pela dinâmica de mudanças do curso do leito principal do rio dentro

da faixa de mata alagável (Figura 6). Estes lagos são permanentes, permanecendo com água

durante a estação da seca, e se constituem em áreas de refúgio e criação de algumas espécies de

peixes e área de alimentação para outras.

Figura 6. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando o rio Coluene imediatamente acima da área visitada. Note

lagos (oxbow lakes) formados pelas mudanças do curso do leito principal do rio dentro da faixa de mata alagável. A

linha vermelha corresponde a 4 km.

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Também foram visitadas as nascentes do rio Sete de Setembro, em áreas dos municípios de

Canarana e Água Boa. Cerca de 20 km a oeste da cidade de Canarana o rio Sete de Setembro

apresenta um leito variando entre 30 e 60 metros de largura, com meandros dentro de uma área

de floresta inundável de 600-1.200 metros de largura. Mais acima, a oeste da cidade de Água

Boa, um riacho afluente do rio Sete de Setembro foi inspecionado. Esse riacho tem cerca de 20-

30 metros de largura, já não possui área de mata inundável e pouca mata ciliar foi mantida após o

desmatamento. Nesse riacho havia mineração de areia no leito e grandes montes de areia

estavam acumulados esperando compradores. Também, grandes lavouras de soja se localizavam

em todo o entorno desse e de outros mananciais na região (Foto 5). Finalmente, foi inspecionado

um pequeno córrego de primeira ordem, da cabeceira do rio Sete de Setembro. Este córrego

estava parcialmente represado e, como todos na região, era cercado de lavouras de soja. Abaixo

do represamento, no entanto, sua água é corrente e aparentemente limpa, mas potencialmente

poluída com defensivos e fertilizantes agrícolas.

Foto 5. Plantação de soja em fase de colheita junto à área de mineração de areia em riacho tributário do rio Sete de

setembro. Foto: Roberto Reis.

Diversas ameaças aos ambientes aquáticos e peixes do rio Xingu foram identificadas nesta

viagem. As ameaças podem ser classificadas em diretas, como a pesca, coleta de peixes

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ornamentais, retirada de mata ripária e uso de defensivos e fertilizantes agrícolas, com ação

rápida diretamente sobre os peixes; e indiretas, como desmatamento extensivo, mineração no

leito do rio, construção e operação de usinas hidrelétricas e mudanças climáticas.

Pesca esportiva. A pesca esportiva é, de maneira geral, uma atividade de baixo impacto

nas comunidades de peixes, especialmente quando a prática de pescar-e-soltar é utilizada.

Na região do alto Xingu, entretanto, o número de pousadas especializadas em receber

pescadores esportivos e disponibilizar condições para pesca é muito grande. Em uma área

visitada de cerca de 50 km no baixo rio Coluene, por exemplo, existem pelo menos cinco

pousadas com capacidade para receber dezenas de pescadores e de levá-los para pescar

diariamente. Essas pousadas contam com acesso por estrada e por aviões pequenos e tem

até cerca de 20 barcos para piloto e dois pescadores. Relatos de pilotos de barcos de

pesca nessa área reportam varias dezenas de barcos pescando concomitantemente neste

trecho do rio na estação de seca. As quotas individuais de pesca, tanto para pescadores

comerciais como esportivos, tem sido sistematicamente diminuídas nos últimos anos.

Ainda assim, a retirada contínua de peixes pela pesca esportiva é um impacto

considerável para as populações locais. Ainda, uma consequência conhecida da pesca é a

diminuição do tamanho dos peixes. A pesca, especialmente a pesca esportiva,

seletivamente retira da população os exemplares grandes, fazendo com que os peixes

menores, mas já maduros, produzam a nova geração. Com o passar do tempo o tamanho

médio dos peixes da população sob efeito de pesca pode ser sensivelmente diminuído.

Coleta de peixes ornamentais. A coleta de peixes ornamentais no rio Xingu é bastante

importante economicamente, sustentando uma comunidade de pescadores que se

originaram do garimpo de ouro no leito do rio. Essa atividade, no entanto, está restrita ao

baixo Xingu e se concentra na região da Volta Grande, entre Altamira e Belo Monte.

Essa atividade é de baixo impacto para o ambiente aquático, mas tem efeito diretamente

nas populações de peixe pela retirada de indivíduos e representa uma ameaça por

produzir os mesmos efeitos que a pesca comum.

Retirada de mata ripária. Mata ciliar ou ripária é a vegetação que ocorre nas margens dos

rios. Essa mata é fundamental para o ambiente aquático e para os organismos que vivem

nos rios por três motivos principais. A integridade das margens é, em grande parte,

sustentada pela vegetação ripária. A sua retirada facilita o carreamento de terra e outros

sedimentos para o leito do rio pela chuva, causando o assoreamento do leito, com a

consequente diminuição da profundidade e da estruturação. Além disso, a mudança na

turbidez da água provoca alteração na penetração de luz e consequentemente na

produtividade primária do manancial. Ainda, altera as habilidades de percepção do meio

pelos peixes que se orientam visualmente para atividades reprodutivas, alimentares, etc.,

impactando a sua sobrevivência. Finalmente, diversas árvores da mata ciliar produzem

frutos e sementes que são utilizadas por diversos peixes para alimentação, especialmente

na época de cheia.

Fertilizantes de solo agrícolas. Diferentes tipos de solos precisam ser corrigidos para

adaptar-se a distintos cultivos agrícolas. Os típicos latossolos do Escudo Brasileiro na

região do alto Xingu são empobrecidos de nutrientes e necessitam de correção de pH e de

acréscimo de fertilizantes para o plantio da soja e outros grãos. A engenharia agrícola

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obviamente procura minimizar o uso destes componentes a fim de diminuir o custo da

produção. No entanto, parte destes corretivos e fertilizantes é carreada para os riachos e

daí para os rios, eutrofizando os mananciais e modificando a dinâmica da cadeia

alimentar dos organismos aquáticos.

Herbicidas, inseticidas e outros defensivos agrícolas. Da mesma forma que os

fertilizantes, diversos tipos de herbicidas e pesticidas são empregados nos cultivos de

soja, predominantes na região do alto Xingu. Estes produtos são usualmente aplicados

com aviões que jogam grandes quantidades sobre as lavouras. Uma vez aplicados, parte

acaba sendo carreada pela chuva para os rios causando diferentes tipos de

envenenamentos nos organismos aquáticos.

Desmatamento extensivo. O desmatamento extensivo provavelmente representa o mais

importante fator de impacto sobre os ambientes terrestres, com consequências igualmente

importantes para os ambientes aquáticos envolvidos. A retirada da floresta aumenta

drasticamente a evaporação da água do solo, causando a diminuição de fluxo ou mesmo

desaparecimento de nascentes, culminando com a diminuição da vazão dos rios. O

desmatamento também desagrega o solo que será parcialmente carreado pelas chuvas,

especialmente quando a faixa de mata ciliar remanescente for pequena.

Mineração de areia no leito dos rios. A demanda por areia para a construção civil tem

crescido dramaticamente na região do alto Xingu, uma vez que cidades estão crescendo e

se desenvolvendo com o dinheiro da soja que chegou recentemente à região. A mineração

de areia no leito do rio causa a completa destruição do leito e das margens localmente,

causando um impacto severo, porém pontual. As ameaças ao ambiente aquático e à fauna

aquática são severas, mas são, como mencionado, pontuais.

Construção e operação de usinas hidrelétricas. Represas hidrelétricas impactam as

populações de peixes de três maneiras. A transformação de um ambiente lótico em um

lago erradica ou reduz significativamente as populações das espécies reofílicas e ao

mesmo tempo fornece as condições para que as espécies lênticas proliferem, dessa forma

alterando a composição da comunidade local. Em uma escala mais ampla, as barragens

regulam o fluxo do rio a jusante, perturbando os ciclos anuais de alimentação e

reprodução, e perturbando as rotas migratórias de muitos peixes grandes que não

conseguem atravessar a barreira criada pela represa. Nas cabeceiras do rio Xingu,

especificamente no rio Coluene, existe a Usina Hidrelétrica do rio Coluene. Há relatos de

pescadores e de cientistas (Flávio Lima, comunicação pessoal), de que grandes cardumes

de matrinxã chegam até a represa do rio Coluene e se acumulam a jusante desta por não

poder seguir rio acima. Essa parada na rota migratória de espécies de piracema, como o

Matrinxã, prejudica a reprodução da espécie. Além disso, há relatos de que comunidades

de pescadores locais se reúnem nessas ocasiões para uma pesca farta e fácil, mesmo

durante o período de defeso da piracema. No baixo Xingu, por outro lado, a UHE Belo

Monte está em fase de construção e depois de concluída irá afetar a comunidade de

peixes reofílicos, especialmente acaris da família Loricariidae, que vivem na Volta

Grande do Xingu, a jusante de Altamira.

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Mudanças climáticas. Dados preliminares de um estudo em desenvolvimento pela WWF

sugerem que as mudanças climáticas futuras não estão sendo consideradas de maneira

adequada no planejamento energético de longo prazo ou na avaliação da viabilidade de

projetos hidrelétricos da Amazônia. Secas severas como as que assolaram a Amazônia

em 2005 e 2010 tendem a se tornar mais frequentes, e essas alterações climáticas,

associadas ao desmatamento generalizado da região, podem reduzir a vazão do rio Xingu

e de outros rios Amazônicos que drenam o Escudo Brasileiro. Uma eventual redução na

vazão do rio Xingu poderá afetar a produtividade em usinas hidrelétricas como a UHE

Belo Monte, como sugerido pelo estudo da WWF. As consequências de uma redução de

vazão do rio Xingu por causa de mudanças climáticas, entretanto, poderão ser muito mais

prejudiciais à fauna aquática, uma vez que áreas de alimentação e refugio podem tornar-

se menos acessíveis anualmente e migrações reprodutivas rio acima podem não ser

desencadeadas por uma vazão reduzida em um ano de seca.

4. A BACIA DO RIO TOCANTINS

4.1. A bacia hidrográfica.

O rio Tocantins é um dos principais tributários da bacia Amazônica e drena, em sua maior parte,

o Escudo Brasileiro, juntamente com o Xingu, Tapajós e parte do rio Madeira. A bacia de

captação do rio Tocantins drena uma área de 767.000 km2, sendo 343.000 correspondem ao rio

Tocantins e 382.000 ao rio Araguaia, seu principal afluente. O rio Tocantins é bastante

canalizado, com planície de inundação relativamente estreita e densidade de drenagem

moderadamente alta (Mérona et al. 2010). A bacia do rio Tocantins está contida em duas eco-

regiões bastante distintas do mapa das eco-regiões de água doce do mundo de Abell et al. (2008).

A maior parte da bacia do rio Tocantins compõe a Eco-região Aquática 324 (Tocantins-

Araguaia), que é limitada ao norte pela barragem da UHE Tucuruí, justamente nossa base de

operações nesta expedição.

Limita-se a oeste pelas serras do Roncador e dos Gradaús, divisores de água entre as bacias dos

rios Araguaia e Xingu, e ao sul pelo divisor de águas com o rio Paraná no Planalto Central e pela

formação Chapada dos Guimarães, que o separa da bacia do rio Paraguai.Ao leste é separada de

bacias costeiras como o rio São Francisco e rio Parnaíba, pela Chapada das Mangabeiras e pela

Serra Geral de Goiás. A topografia ondulada da bacia do rio Tocantins varia de 1.600 m no

Planalto Central até cerca de 25 m nas terras baixas do Amazonas, junto à sua foz. Corredeiras e

cachoeiras são os hábitats mais comuns ao longo do curso superior, sendo estes hábitats mais

esparsos nos cursos médio e inferior. O último desses ambientes está hoje submerso pela UHE

Tucuruí. Ilhas rochosas e arenosas e extensas praias são características e predominantes da

estação seca no curso médio do rio Tocantins, ao passo que ilhas aluviais predominam no curso

inferior (Mérona et al., 2010). A maior parte da ecorregião é caracterizada pelo clima tropical

quente e úmido, com uma precipitação anual variando de 1.200 a 2.400 mm. A temperatura

média é de 25.5oC, variando entre a mínima de 17 e a máxima de 33

oC (Hales & Petry, 2013).

A parte norte da bacia do rio Tocantins, a jusante da UHE Tucuruí está incluída na Ecorregião

Aquática 323 (Amazonas Estuary & Coastal Drainages), que inclui a área do estuário do rio

Amazonas e bacias costeiras adjacentes, com limite sudeste na bacia do rio Itapicuru e limite

noroeste na bacia do rio Caciporé, na costa do Amapá. Esta região situa-se inteiramente sobre a

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planície aluvial, com altitudes máximas abaixo de 100 m. O pico das chuvas nesta ecorregião

ocorre entre março e abril, mas essas chuvas sazonais tem pouca influência nos níveis da planície

de inundação, devido à influência das marés.

A água salgada não chega até o rio Tocantins, mas o represamento das águas do rio Amazonas

pelas marés oceânicas faz com que estas sejam percebidas na ria do Tocantins. O estuário do rio

Amazonas é enorme em tamanho e volume, descarregando entre 180 e 220 mil m3/s no Oceano

Atlântico, o que corresponde a cerca de 20% de toda a água doce despejada nos oceanos. Por

causa da magnitude dessa descarga, praticamente não há entrada de água salgada no estuário e a

mistura da descarga do rio Amazonas com a água salgada ocorre até 160 km mar adentro, sobre

a plataforma continental. Somente durante períodos de água baixa a água salobra chega até

Belém, mas nunca até o rio Tocantins (Hales & Petry, 2013).

A bacia do rio Tocantins é a terceira maior sub-bacia do rio Amazonas, com uma descarga média

anual de 11.000 m3/s. Da mesma forma que o Tapajós e Xingu, suas águas são claras e pobres

em nutrientes em virtude de drenarem os terrenos cristalinos do Escudo Brasileiro. Na parte

superior da bacia, existem numerosas cataratas e corredeiras, refletindo a geologia desse antigo

escudo. Entretanto, ao contrário do Xingu e Tapajós, que deságuam diretamente no rio

Amazonas, o rio Tocantins deságua no rio Pará, ao sul da ilha de Marajó. Seu principal

tributário, o rio Araguaia, apresenta uma descarga média anual de 6.170m3/s. O rio Araguaia

possui muitas lagoas sazonais, extensas áreas alagadas, e ilhas, incluindo a ilha do Bananal, a

maior ilha fluvial do mundo. Essa é uma área de savana úmida localizada entre os dois ramos do

rio Araguaia, que fica inundada seis meses por ano com menos de dois metros de água. Outros

ambientes aquáticos importantes na bacia do rio Tocantins incluem o reservatório da UHE

Tucuruí e a porção do rio a jusante desse reservatório (Figura 7). Na parte mais baixa da bacia, a

norte de Tucuruí, o nível da água é influenciado pelas marés oceânicas, apesar de que nunca

ocorre entrada de água salgada. Como em outros tributários da margem sul do Amazonas, a

estação de cheias dura de janeiro a maio, com o pico a inundação entre março e abril. A variação

média anual do nível do rio é de cerca de 5-6 m (Hales & Petry, 2013).

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Figura 7. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no

texto.

4.2. Os peixes do rio Tocantins

Da mesma forma que o rio Xingu, a bacia do rio Tocantins está dentro da região ictiogeográfica

Guyano-Amazônica, e mais especificamente na província ictiogeográfica Amazônica (Gery,

1969; Ringuelet, 1975). A sua fauna de peixes contém cerca de 400 espécies distribuídas em 40

famílias, dominadas por Characidae (73 espécies), Loricariidae (39) e Rivulidae (32). Mais de

175 espécies são endêmicas do rio Tocantins, representando um nível de endemismo maior do

que 40%. Famílias com maior grau de endemismo são Characidae (36 espécies), Rivulidae (30) e

Loricariidae (26). Os gêneros de Rivulidae Rivulus e Simpsonichthys são bem representados

entre as espécies endêmicas, com nove e oito espécies, respectivamente. Este último inclui várias

espécies ameaçadas de extinção. Como uma curiosidade, a região superior da bacia do rio

Tocantins contém a mais diversa fauna de peixes de caverna da América do Sul. Historicamente

a bacia do rio Tocantins abrigava espécies migratórias de peixes em sua migração rio acima para

a desova. A construção da UHE Tucuruí impediu a continuidade dessa migração e isolou os

locais de desova de muitas espécies.

A porção da bacia do rio Tocantins ao norte da UHE Tucuruí, por estar livremente conectada ao

restante na bacia Amazônica, abriga algumas espécies de peixes ausente ou raras na porção hoje

isolada pela represa. A porção baixa do Tocantins, assim como toda a área do delta do Amazonas

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no entorno da ilha de Marajó, fornece importantes hábitats de berçário para os grande bagres

migradores da Amazônia, como o filhote ou piraíba (Brachyplatystoma filamentosum), a

piramutaba (B. vaillantii), a dourada (B. rousseauxii), e o jaú (Zungaro zungaro), que fazem

grandes migrações reprodutivas desde o estuário do Amazonas até suas cabeceiras. Algumas

famílias de peixes relictuais que ocorrem na Amazônia estão presentes no baixo rio Tocantins.

Estas incluem a piramboia, ou peixe pulmonado sul americano (Lepidosiren paradoxa), único

representante da família Lepidosirenidae, que é um respirador aéreo obrigatório e hiberna sob o

lodo na estação seca. Outros peixes relictuais incluem o pirarucu (Arapaima gigas,

Arapaimidae), um dos maiores peixes de água doce do mundo com mais de 2 m de

comprimento, e o aruanã (Osteoglossum bicirrhosum, Osteoglossidae).

4.3. O hotspot do Baixo Rio Tocantins

Durante a viagem a campo para o baixo rio Tocantins priorizou-se a estratégia de inspeção

ambiental direta, através de deslocamento por voadeira (barco de alumínio com motor de popa)

ou carro. A equipe ficou hospedada no hotel CRT, na Vila Permanente da Eletronorte junto à

Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no município de Tucuruí, Pará. A partir desse ponto diversas

excursões em voadeira foram empreendidas a diferentes áreas do lago da UHE Tucuruí, como

Porto Novo de Jacundá e Santa Rosa, locais com importantes entrepostos de pescado, bem como

a vilas e cidades na beira do rio Tocantins a jusante da represa, como Joana Peres, na RESEX

Ipaú-Anilzinho e a cidade de Baião. Em deslocamentos de carro foram visitados o mercado de

peixes de Tucuruí e o marcado de peixes do Igarapé do Onze, ao sul de Tucuruí.

Em cada um desses locais foram feitas entrevistas com pescadores, atravessadores de pescado,

vendedores de peixe, administradores de colônias de pescadores e demais integrantes da cadeia

produtiva da pesca. Da mesma forma, entrevistas e discussões foram desenvolvidas com o Sr.

Tacashi, responsável pelo setor de Ictiologia e Pesca da Eletronorte em Tucuruí, que coordena o

trabalho de inventário e estudo de parâmetros alimentares e reprodutivos dos peixes da região de

influência da UHE Tucuruí, tanto a montante como a jusante da represa, e controla o

desembarque de pescado nos diversos portos da região. Todo o trabalho foi registrado

fotograficamente e as áreas visitadas no lago e no rio foram georeferenciadas através de GPS.

A transição de florestas úmidas das terras baixas da Amazônia para a vegetação de florestas

secas e savanas (cerrado) no Planalto Central reflete a heterogeneidade da paisagem da bacia do

rio Tocantins. O cerrado domina as partes mais altas da bacia, enquanto que matas de galeria e

florestas de inundação com buritizais (Mauritia flexuosa) acompanham o curso dos rios e

igarapés. Floresta amazônica de terra firme ocupa as áreas fora das planícies de inundação ao

longo da bacia do rio Tocantins (Hales & Petry, 2013).

A maior parte das áreas de terra firme no entorno do lago da UHE Tucuruí, no entanto, já

apresenta profunda modificação antrópica com retirada da floresta para atividades econômicas,

principalmente a pecuária extensiva (Fig. 1). As florestas do baixo rio Tucuruí, ao norte da UHE,

encontram-se melhor preservadas. A área visitada nesta expedição situa-se exatamente no

entorno da represa de Tucuruí, ponto original das quedas que delimitavam o médio do baixo rio

Tocantins, e local a transição entre a área mais preservada, ao norte, e mais antropizada, ao sul.

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4.4. Efeito da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.

A Usina Hidrelétrica de Tucuruí foi construída na porção baixa do rio Tocantins e inaugurada em

1984, com o fechamento da represa e consequente formação do reservatório (Foto 6). O lago que

se formou tem cerca de 200 km de extensão e aproximadamente 2.875 km2 de área de superfície.

Com a inauguração da segunda fase da UHE Tucuruí em 2008, a capacidade instala de geração

de energia passou a ser de 7.960 MW de potência.

Foto 7. Vista parcial da represa da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Foto: Roberto Reis.

Após o fechamento da represa registrou-se uma diminuição na diversidade da ictiofauna na

região alagada. Essa diminuição na diversidade na área do reservatório é um fenômeno

conhecido e foi estudado por Mérona et al. (2010). A transformação de um ambiente lótico em

um lago erradica ou reduz significativamente as populações das espécies reofílicas e ao mesmo

tempo fornece as condições para que as espécies lênticas proliferem, dessa forma alterando a

composição da comunidade local. Por estes motivos, peixes detritívoros, herbívoros e insetívoros

foram prejudicados e tiveram a sua abundância na área do reservatório diminuída após o

enchimento do lago. Ao mesmo tempo, espécies piscívoras, carnívoras, onívoras e planctívoras

foram favorecidas e aumentaram a sua abundância na área do reservatório após o enchimento do

lago (Mérona et al., 2010). A jusante da represa a diminuição na abundância das espécies de

peixes é devida, principalmente, a regulação do fluxo do rio, que perturba imensamente os ciclos

anuais de alimentação e, principalmente, reprodução dos peixes, e a interrupção de rotas

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migratórias, uma vez que os peixes migradores não conseguem atravessar a barreira criada pela

represa para reproduzir.

A pesca comercial na região da UHE Tucuruí, tanto no reservatório como no rio a jusante da

represa, é basicamente artesanal, com mínima organização de pescadores independentes em

Colônias de Pesca. Não existem cooperativas organizadas de pescadores e a cadeia produtiva do

pescado passa dos pescadores para marreteiros, ou atravessadores, que compram o produto da

pesca nos portos de desembarque e comercializam nos mercados locais ou os transportam para

outras cidades para venda ou beneficiamento.

Três pontos de desembarque de pescado dentro do reservatório da UHE Tucuruí foram visitados,

o Porto do Onze (Foto 7), no extremo norte do reservatório, junto à represa, o Porto Novo de

Jacundá (Foto 8), e o Porto de Santa Rosa, no terço superior do reservatório. Nestes locais foram

identificadas as espécies de peixe desembarcadas ou estocadas no momento da visita, sendo

registradas por fotografia. De maneira geral, havia muita abundância de peixes e diversidade de

espécies, fartura típica da estação, mas incomum ao longo do restante do ano. Três espécies

contribuem com 87% do total de desembarque na região do reservatório: o mapará (60%), a

pescada (15%) e o tucunaré (12%) (Sr.Tacashi, Eletronorte, comunicação pessoal). Tucunaré, no

entanto, corresponde a três espécies – vide lista abaixo.

Foto 7. Vista parcial do Porto do Onze, local de desembarque de pescado do reservatório de Tucuruí.

Foto: Roberto Reis.

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Foto 8. Vista interna do Porto de Novo de Jacundá, local de desembarque de pescado do reservatório da

UHE Tucuruí. Foto: Roberto Reis.

Também, foram feitas entrevistas com pescadores, vendedores, atravessadores e demais

trabalhadores da pesca, com a finalidade de entender o funcionamento da cadeia produtiva do

pescado em cada local, entender os tipos de pesca e apetrechos utilizados localmente, e formar

uma imagem da percepção dos trabalhadores locais sobre as mudanças temporais de longo prazo

na comunidade de peixes e das ameaças sofridas pelos peixes e pelo ambiente aquático. De

maneira geral os pescadores do reservatório consideram o aumento do número de pescadores na

última década e as práticas de pesca predatória, como os principais responsáveis pelo declínio na

diversidade e quantidade de peixes.

Há relatos de que algumas espécies como o pacu-manteiga, o jaraqui e o pirarucu, antes

abundantes, praticamente não ocorrem mais no reservatório. Pescadores mais antigos relatam

uma abundância de peixes muito superior a atual há 20-30 anos, e notam um declínio mais

acentuado nos últimos 10-12 anos. Vários entrevistados condenam o uso do arpão em pesca

subaquática, prática que tem se tornado comum na última década, pois permite a captura das

matrizes de tucunaré – adultos que pouco se alimentam ou se movem durante o período em que

estão incubando ovos ou cuidando da prole, e por este motivo não são capturados por apetrechos

usuais como redes e anzóis. A captura desses indivíduos em reprodução compromete toda a prole

e tem, assim, grande efeito predatório. Da mesma forma, a maior parte dos entrevistados reclama

da ausência de fiscalização da pesca por parte do IBAMA, relatando que fiscais raramente

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aparecem ao longo do ano ou do período do defeso. Por outro lado, todos os entrevistados

afirmaram que o período do defeso (novembro a fevereiro) não é observado pela maioria dos

pescadores da região.

Dois pontos de desembarque de pescado a jusante do reservatório da UHE Tucuruí foram

visitados, o mercado de Tucuruí, imediatamente abaixo da represa, e o mercado da cidade de

Baião (Foto 9), a cerca de 130 km ao norte de Tucuruí. Da mesma forma que nos outros pontos,

foram identificadas e fotografadas as espécies de peixe desembarcadas ou estocadas no momento

da visita. A lista das espécies identificadas nos portos de desembarque a jusante do reservatório

encontra-se no Apêndice 2. Da mesma forma que na área do reservatório, havia muita

abundância de peixes e diversidade de espécies, quantidade incomum ao longo do restante do

ano. Nota-se que na região do rio Tocantins a jusante do reservatório a diversidade de espécies

encontrada foi maior (90% a mais de espécies foram observadas a jusante do que no

reservatório).

Foto 9. Vista parcial do mercado de peixes de Baião. Foto: Roberto Reis.

Igualmente à porção superior, foram feitas entrevistas com pescadores, vendedores,

atravessadores e demais trabalhadores, para conhecer o funcionamento da cadeia produtiva do

pescado, os tipos de pesca e apetrechos utilizados localmente, e entender a percepção dos

trabalhadores locais sobre as modificações na comunidade de peixes e as ameaças a que peixes e

o ambiente aquático estão submetidos. Apesar de haver ocorrido um significativo aumento do

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número de pescadores nos últimos 10-15 anos, os pescadores não atribuem a isso o severo

declínio percebido na quantidade média de espécies. As mesmas espécies, pacu-manteiga,

jaraqui e pirarucu, antes abundantes, são agora consideradas raras a jusante do reservatório. A

utilização do arpão em pesca subaquática também tem se tornado comum nesta área e é

condenada pela maioria dos pescadores. Da mesma forma, a maior parte dos entrevistados

reclama da ausência de fiscalização da pesca por parte do IBAMA e afirmaram que o período do

defeso não é observado pela maioria dos pescadores da região.

De acordo com a maioria dos pescadores entrevistados, entretanto, o principal responsável pelo

acentuado declínio da abundância de peixes após o fechamento da represa da UHE Tucuruí são

as flutuações diárias e, especialmente, as semanais do nível do rio por conta da regulação do

fluxo de água nas turbinas geradoras. Essas variações perturbam os ciclos naturais de

alimentação e, especialmente, reprodução, sendo especialmente destrutivas na época da desova

(outubro-março).

Durante este trabalho visitamos e entrevistamos funcionários de três Colônias de Pescadores da

região do baixo rio Tucuruí: a Colônia Z-53 de Breu Branco, a Colônia Z-43 de Porto Novo de

Jacundá, ambas no interior do reservatório, e a Colônia Z-34 de Baião, a jusante do reservatório.

Os entrevistados afirmaram que houve sensível diminuição na abundância de peixes, tanto no

lago como à jusante deste, especialmente nos últimos 10-15 anos. Todos atribuem a diminuição

na abundância ao aumento de pescadores, a falta de fiscalização e a não observância do período

de defeso. Funcionários da Colônia Z-43 mencionaram, ainda, desorganização administrativa nos

municípios como um impedimento ao adequado ordenamento e organização da cadeia produtiva

da pesca. Como um exemplo, citaram a construção de uma pequena usina de beneficiamento de

pescado em Jacundá, concluída há anos, mas nunca operada por causa de desorganização e

disputas políticas.

A expedição ao baixo rio Tocantins foi conduzida durante a vazante, período no qual os peixes

estão saindo das áreas alagáveis e retornando ao leito do rio e, portanto, de grande fartura para a

pesca. Os ambientes aquáticos visitados foram o reservatório da UHE Tucuruí, especialmente as

suas áreas de margem e inúmeras ilhas cobertas de mata que se formaram como enchimento do

lago. As áreas abertas do lago, mais profundas e que formam ambientes abertos habitados por

peixes pelágicos, como o mapará, também foram visitadas. Visitamos alguns pontos de pesca, à

jusante da represa, ao longo do leito do rio entre as cidades de Tucuruí e Baião (Foto 10).

Planícies de inundação que são utilizadas como áreas de desova e berçário por muitas espécies

de peixes também foram inspecionadas (Foto 11). Ainda, a Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho,

na margem esquerda do rio Tocantins, foi visitada até a vila de Joanas Peres. Nessa área de

reserva a água do rio é preta, demonstrando que esse sistema nasce dentro da floresta, sem aporte

de água da UHE Tucuruí. De maneira geral as margens, tanto do reservatório, como do rio

Tocantins a jusante dele, estão bem preservadas. Mata de terra firme ladeia as margens do

reservatório em praticamente toda a sua extensão. No trecho a jusante, extensas áreas com matas

alagáveis estão preservadas no entorno do rio.

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Foto 10. Local de pesca no rio Tocantins, a jusante da UHE Tucuruí. Foto: Roberto Reis.

Foto 11. Área de várzea no baixo rio Tocantins, alagada no período de cheia onde peixes desovam e utilizam como

berçário para juvenis. Foto: Roberto Reis.

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Diversas ameaças aos peixes e seus ambientes aquáticos foram identificadas durante os trabalhos

de campo. As ameaças podem ser classificadas em diretas, como as diversas modalidades de

pesca, desmatamento e uso de defensivos e fertilizantes agrícolas, com ação rápida diretamente

sobre os peixes; e indiretas, como desmatamento extensivo, construção e operação de usinas

hidrelétricas e mudanças climáticas.

Pesca esportiva. Tucunarés são as espécies mais visadas pela pesca esportiva no rio

Tocantins, especialmente no interior do reservatório da UHE Tucuruí. Apesar de haver

competições de pesca esportiva de tucunarés, essa não constitui uma ameaça importante

face à dimensão da pesca comercial na mesma região.

Crescimento da pesca comercial. A pesca comercial no baixo rio Tocantins, tanto no

interior do reservatório da UHE Tucuruí como no trecho a jusante da represa, apresentou

um forte crescimento ao longo dos últimos 15-18 anos (Aviz, 2006). Na época da

construção da UHE Tucuruí existiam três Colônias de Pescadores na região a jusante de

Marabá. Atualmente existem 12 colônias na mesma região, das quais visitamos três. O

crescimento do número de pescadores afiliados a cada uma dessas Colônias dá uma ideia

do crescimento da atividade. Segundo Juras et al. (2004) no inicio da década de 2000

existiam 1.222 pescadores afiliados à Colônia Z-43 de Jacundá, 1.300 à Colônia Z-53 de

Breu Branco, e 2.460 a Colônia Z-34 de Baião. Em nossas visitas recentes a essas

Colônias identificamos os números de 2.300, 6.200, e aproximadamente 6.000

pescadores afiliados, respectivamente, registrando um crescimento de 290%. É possível

que parte desse crescimento seja em função da criação do auxílio-defeso, através do qual

cada pescador cadastrado recebe do governo federal o valor de um salário mínimo nos

meses de novembro a fevereiro.

Pesca predatória com arpão. A pesca subaquática é feita com máscaras de mergulho e

com o uso de arpão a ar comprimido ou com armas de construção caseira com tiras de

borracha, e tem se tornado comum na região ao longo da última década. Esse tipo de

pesca permite a captura de indivíduos reprodutivos de espécies como os tucunarés –

adultos que pouco se alimentam ou se movem durante o período em que estão incubando

ovos ou cuidando da prole, e que por este motivo não são capturados por apetrechos

usuais como redes e anzóis. A captura desses indivíduos que estão incubando ovos ou

guardando os alevinos compromete de forma severa a população, pois tem grande efeito

destrutivo por matar as matrizes e todos os filhotes.

Falta de fiscalização da pesca. A precariedade da fiscalização dos órgãos de controle da

pesca e, especialmente, do IBAMA, faz com que pescadores inescrupulosos utilizem

técnicas e malhas proibidas nas diferentes modalidades de pesca. Malhas de rede de

tamanho 4, 5 e 6 cm entre-nós são proibidas (apenas malhas acima de 7 cm entre-nós são

permitidas), mas são usadas regularmente por muitos pescadores.

Não observação do defeso de pesca. O defeso, ou época de suspensão da pesca para a

migração reprodutiva (piracema) e desova dos peixes ocorre anualmente entre 1º de

novembro e 28 de fevereiro. Esse período é determinado em função da coincidência do

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período médio de desova da maioria das espécies, mesmo tendo espécies que desovem

antes de novembro e depois de fevereiro. A observação da suspensão das atividades

pesqueiras nesse período é fundamental para que as populações possam se reproduzir. A

pesca dirigida sobre os adultos migradores é muito prejudicial, pois captura os peixes

antes da desova. De acordo com vários relatos na região de Tucuruí, a maioria dos

pescadores não observa o período de defeso, continuando as suas atividades de pesca

normalmente, apesar de receberem o auxílio-defeso do governo.

Desmatamento extensivo. O desmatamento extensivo provavelmente representa o mais

importante fator de impacto sobre os ambientes terrestres, com consequências igualmente

importantes para os ambientes aquáticos envolvidos. A retirada da floresta aumenta

drasticamente a evaporação da água do solo, causando a diminuição de fluxo ou mesmo

desaparecimento de nascentes, culminando com a diminuição da vazão dos rios. O

desmatamento também desagrega o solo que será parcialmente carreado pelas chuvas,

especialmente quando a faixa de mata ciliar remanescente for pequena.

Operação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. A operação e consequente regulação do fluxo

do rio Tocantins é provavelmente uma das mais sérias ameaças às populações de peixes a

jusante do reservatório. Como mencionado acima, as flutuações diárias e, especialmente,

as semanais, do nível do rio por conta da regulação do fluxo de água nas turbinas

geradoras, causa problemas nas áreas de desova a jusante da represa. A maior demanda

de energia elétrica no inicio da noite de cada dia, bem como a menor demanda pelas

indústrias do país nos finais de semana, acarretam uma regulação da quantidade de água

que passa pelas turbinas e é liberada no rio, causando um pequeno aumento no nível do

rio a cada noite, e uma razoável diminuição no nível a cada final de semana. Essas

variações perturbam os ciclos naturais de alimentação e, especialmente, reprodução,

sendo especialmente destrutivas na época da desova (outubro-março). A maioria das

espécies deixa o leito do rio na época de cheia, entrando na mata inundada ou áreas

temporariamente alagadas para efetuar a desova. Essas mesmas áreas servem de berçário

para os alevinos recém-eclodidos, pela alta produtividade e proteção que apresentam.

Grande parte dessas áreas são rasas e pequenas variações no nível do rio, como aquelas

produzidas pela retenção da água nos finais de semana, são suficientes para expor ao ar e

assim matar os juvenis e ovos colocados pelos peixes na massa de vegetação. Há relatos

de muitos casos onde mesmo os adultos de peixes, em grandes números, são retidos sobre

ambientes que secam nos finais de semana, causando grandes mortandades.

Outro sério problema que as represas causam aos peixes migradores é a interrupção

das rotas migratórias e consequente falha ou diminuição acentuada da desova. Grandes

bagres da família Pimelodidae, como o filhote, a dourada, a piramutaba, o surubim, a

pirarara, e o jaú, são comuns e abundantes no trecho imediatamente a jusante da represa

da UHE Tucuruí. No entanto, nenhuma dessas espécies foi registrada nos pontos de

desembarque de pescado do reservatório, como o Porto do Onze, o Porto Novo de

Jacundá ou Santa Rosa. É possível que estas espécies ainda existam no rio Tocantins a

montante da represa, mas certamente em quantidades muito menores do que a jusante e

do que costumava ocorrer antes da construção da UHE Tucuruí.

Construção de novas UHEs e PCHs. O rio Tocantins já possui diversas Usinas

Hidrelétricas em funcionamento, além de várias outras planejadas. Com a construção de

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novas UHEs os problemas existentes no momento deverão ser intensificados. Se ainda

existem populações de grandes bagres e outros peixes migradores nos trechos acima da

UHE Tucuruí, estas tendem a desaparecer com a construção de novas UHEs,

especialmente aquelas entre Tucuruí e Estreito, no curso médio, e das muitas Pequenas

Centrais Hidrelétricas (PCHs) planejadas para o trecho superior do rio Tocantins.

Considera-se que as PCHs não sejam muito prejudiciais ao meio ambiente, pelo seu

pequeno tamanho, quase nula área de inundação e possibilidade de permitir a migração

reprodutiva dos peixes nos picos de cheia. No entanto, o conjunto das PCHs planejadas

para o rio Tocantins deverá ter um forte efeito nocivo em função do grande número de

empreendimentos planejados.

Mudanças climáticas. Dados preliminares de um estudo em desenvolvimento pelo WWF

sobre o rio Xingu e outros rios que drenam o Escudo Brasileiro, sugerem que as

mudanças climáticas futuras não estão sendo consideradas de maneira adequada no

planejamento energético de longo prazo ou na avaliação da viabilidade de projetos

hidrelétricos da Amazônia. Secas severas como as que assolaram a Amazônia em 2005 e

2010 tendem a se tornar mais frequentes, e essas alterações climáticas, associadas ao

desmatamento generalizado da região, podem reduzir a vazão dos rios Amazônicos que

drenam o Escudo Brasileiro. Uma eventual redução na vazão do rio Tocantins poderá

afetar a produtividade em usinas hidrelétricas como a UHE Tucuruí, como sugerido pelo

estudo do WWF. As consequências de uma redução de vazão do rio Tocantins por causa

de mudanças climáticas, entretanto, poderão ser muito mais prejudiciais à fauna aquática,

uma vez que áreas de alimentação e refugio podem tornar-se menos acessíveis

anualmente e migrações reprodutivas podem não ser desencadeadas por uma vazão

reduzida em um ano de seca.

5. A BACIA DO RIO NEGRO

5.1. A bacia hidrográfica

Ao contrário das duas primeiras expedições, que exploraram ambientes aquáticos que drenam o

Escudo Brasileiro, o rio Negro (Foto 12) está inteiramente contido na bacia sedimentar

Amazônica, sendo o maior tributário da margem esquerda do rio Amazonas (Figura 8). A bacia

do rio Negro inclui as Eco-regiões Aquáticas 314 (Rio Negro) e parte da Eco-região 315

(Amazonas Guiana Shield – que inclui o rio Branco e outros tributários menores), do mapa das

eco-regiões de água doce do mundo de Abell et al. (2008). A ecor-egião Rio Negro inclui a bacia

de drenagem do rio Negro

desde Manaus, junto a sua foz, até o sopé da cordilheira dos Andes na Colômbia. Ela inclui a

parte baixa das bacias do rio Branco e do rio Jauaperi, sendo limitada ao norte pela divisa

montanhosa com a bacia do rio Orinoco e ao sul pelo divisor de águas entre as cabeceiras dos

seus afluentes da margem direita e os afluentes da margem esquerda do rio Solimões. O rio

Negro drena três áreas principais: os tributários do norte se originam na porção sul do Escudo

das Guianas, as cabeceiras a oeste nascem no sopé dos Andes Colombianos e os afluentes da

margem direita nascem nas terras baixas da Amazônia brasileira.

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Foto 12. Canal do rio Negro em frente à cidade de Barcelos, onde se destaca a Igreja Matriz e o porto. Foto: Roberto

Reis.

A maior parte dessa bacia está sobre um platô de terras baixas, com 100-250 m a oeste e

descendo para cerca de 50 m de elevação próximo a sua foz. A porção mais alta da bacia é

dominada por afloramentos graníticos do Escudo das Guianas, como as serras de Tapirapecó e

Imeri ao longo da fronteira Brasil-Venezuela, com a mais alta elevação no Pico da Neblina a

quase 3.000 m sobre o nível do mar. Esta ecorregião tem um clima de floresta tropical com uma

temperatura média anual em torno de 26ºC. A precipitação média anual varia entre 1.850 e 3.500

mm, com a maioria das chuvas ocorrendo entre abril e julho (Petry & Hales, 2013).

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Figura 8. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada no rio Negro e seus afluentes, destacando os

principais pontos referidos no texto. As coordenadas geográficas dos pontos mencionados são: Comunidades:

Bacabal: 0°29’08”S 62°55’21”W; Daraquá: 0°30’27”S 63°12’48”W; Ponta da Terra: 0°46’18”S 63°08’34”W.

Pontos de pesca de peixes ornamentais: Igarapé do Zamula: 0°50’15”S 62°45’34”W; Igarapé Murumuru: 0°27’34”S

62°56’08”W; Igarapé Daraquá: 0°27’52”S 63°09’15”W; Igarapé do Mamulé: 0°50’19”S 63°13’48”W.

Rios e igarapés de baixo gradiente atravessam solos sedimentares formados principalmente por

espodossolos sujeitos à inundação sazonal. A água do rio Negro é extremamente pobre em

conteúdo mineral, com condutividade tão baixa como 8 mS, e é extremamente ácida, com pH

variando de 2,9 a 4,2. Maior rio de água preta do mundo, o rio Negro se estende por 2.230 km,

tem uma bacia de captação de 691.000 km2, e uma vazão média de 28.000 m

3/s, o que representa

14% da vazão média anual da bacia Amazônica. Seu principal afluente, o rio Branco é, por outro

lado, um rio de água branca. Embora não seja tão turva como a do rio Amazonas ou rio Madeira,

é barrenta na época das cheias, e os sedimentos são visíveis até cerca de 200 km à jusante da

confluência com o Negro. Na porção superior da bacia a estação das cheias ocorre entre maio e

setembro, com pico em julho. Flutuações do nível da água no curso inferior são ditadas mais

pelo rio Amazonas, e ocorrem um pouco mais cedo. Nessa região, a estação das chuvas vai de

fevereiro a julho, com o pico das águas em junho. A flutuação anual média do rio varia de 4 a 5

m no curso superior e até cerca de 10 m nas partes mais baixas.

Estima-se que uma área de 30.000 km2 da bacia do Negro seja inundada sazonalmente entre 4 e

8 meses do ano. As maiores planícies de inundação ocorrem ao longo dos afluentes da margem

direita, bem como entre a rede de ilhas ao longo do médio e baixo rio Negro. Existem muitos

ambientes insulares ao longo do curso principal do rio Negro, incluindo mais de 600 ilhas na

parte inferior e média do rio. Ao longo do seu curso principal e dos afluentes estão vastas

planícies cobertas por florestas alagadas e campinas e caatingas inundadas (campinaranas), assim

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como muitos lagos de várzea e lagoas marginais ao longo dos canais. Durante a estação seca

enormes praias de areia são encontradas ao longo de toda a extensão dos rios. O fundo dos rios

são rochosos, com grandes rochas ou cascalho na porção superior da bacia, e arenosos na parte

média e inferior. Afloramentos rochosos e cataratas revelam evidências do Escudo das Guianas

em pontos ao longo dos cursos superior e médio do rio Negro (Petry &Hales, 2013).

5.2. Os peixes do Médio Rio Negro

A estimativa atual da riqueza de espécies na bacia do rio Negro ultrapassa 750 espécies descritas.

Das 11 ordens já registradas, Characiformes e Siluriformes representam cerca de 74% das

espécies. Dezenas de novas espécies são conhecidas, uma das quais representa uma nova família

para a ciência. A riqueza total de espécies deve estar próxima a 1.000 espécies. Mais de 90

espécies são consideradas endêmicas da bacia do rio Negro, assim como seis gêneros

monotípicos - Tucanoichthys, Ptychocharax, Atopomesus, Leptobrycon, Niobichthys e

Stauroglanis - atualmente encontrados somente nesta bacia. O rio Negro é o lar de mais de 100

espécies que são utilizadas no comércio de peixes ornamentais. A iridescência de algumas

espécies como o cardinal (Paracheirodon axelrodi), pode ser uma característica adaptativa à

água preta do rio Negro. Fenômenos ecológicos interessantes incluem grandes migrações dos

bagres doradideos, dos characídeos como Brycon e dos prochilodontideos do gênero

Semaprochilodus. O jaraqui (Semaprochilodus insignis), por exemplo, migra das águas pretas do

rio Negro para os rios de água branca para desovar. Há também assembleias únicas de espécies

em depósitos de folhas, e muitas formas miniaturizadas. Espécies relictuais nessa região incluem

o pirarucu (Arapaima gigas, Arapaimidae), um dos maiores peixes de água doce no mundo com

mais de dois metros de comprimento, o aruanã (Osteoglossum bicirrhosum, Osteoglossidae) e o

endêmico aruanã preto (O. ferreirai) (Petry &Hales, 2013).

5.3. O hotspot do Médio Rio Negro

Durante a viagem a campo para o médio rio Negro priorizou-se a estratégia de inspeção

ambiental direta, através de deslocamento por barco e entrevistas com membros das

comunidades. A equipe ficou hospedada no Hotel da Cidade, no município de Barcelos, na

margem direita do rio Negro, Amazonas. A partir dessa cidade diversas excursões em barco

rápido (voadeira) foram empreendidas a áreas de pesca de peixes ornamentais em igarapés e

igapós, comunidades ribeirinhas, e os diferentes ambientes aquáticos do entorno. As áreas

visitadas encontram-se localizadas no rio Negro (igarapé do Zamula [0°50’15”S 62°45’34”W],

na margem esquerda, em frente a Barcelos e igarapé Daraquá [0°27’52”S 63°09’15”W], em

frente à comunidade de Daraquá [0°30’27”S 63°12’48”W]), no rio Aracá (comunidade de

Bacabal [0°29’08”S 62°55’21”W] e igarapé Murumuru [0°27’34”S 62°56’08”W]), bem como na

margem direita, no rio Quiuini (comunidade de Ponta da Terra [0°46’18”S 63°08’34”W] e

Igarapé do Mamulé [0°50’19”S 63°13’48”W]) (Figura 8). Todo o trabalho foi registrado

fotograficamente e as áreas visitadas nos rios foram georeferenciadas através de GPS.

A bacia do rio Negro é formada primariamente por grandes áreas de floresta de igapó, devido ao

elevado número de igarapés e rios de água preta. Este tipo de floresta ocorre em terras que são

inundadas todos os anos e tem solos arenosos, oligotróficos, e pobres em nutrientes. Espécies de

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árvores abundantes incluem a ucuúba (Virola elongata), as matamatás (Eschweilera longipes e

E. pachysepala) e a fava amarela (Pithecellobium amplissimum). Há também áreas de floresta de

várzea, que ocorrem nas várzeas dos rios de água branca como o rio Branco, rio Padauari e rio

Demini, que tendem a conter material em suspensão e nutrientes elevados. As florestas de terra

firme, um terceiro tipo florestal, nunca sofrem inundações e tem uma composição florística

semelhante à floresta de várzea. Espalhadas por estas florestas estão grandes áreas de

campinarana (campina inundável) que formam um mosaico de tipos de vegetação desde savanas

herbáceas até florestas de dossel fechado. Estes ocorrem principalmente em torno de depressões

pantanosas circulares de espodossolos arenosos e pobres em nutrientes.

A área visitada nesta expedição situa-se no médio rio Negro, onde grandes áreas de mata de

igapó e pequenos trechos de terra firme se sucedem. A inspeção de imagens de satélite mostra

que as florestas do médio rio Negro estão muito bem preservadas e apenas recentemente, com o

declínio acentuado da pesca de peixes ornamentais, começam a abrirem-se áreas para agricultura

de subsistência.

Além da cidade de Barcelos, três outras comunidades foram visitadas durante as excursões de

barco no rio Negro, e alguns de seus moradores foram entrevistados. Comunidade de Daraquá:

localizada em uma ilha inundada do próprio rio Negro, até cerca de 10 anos atrás possuía mais

de 20 famílias, todas vivendo exclusivamente da pesca de peixes ornamentais. Com o declínio da

pesca de ornamentais as famílias foram pouco a pouco abandonando a comunidade e mudando-

se para áreas de terra firme, onde outras atividades econômicas são possíveis. Atualmente apenas

uma família, pai e filho, continuam em Daraquá, vivendo da pesca de ornamentais e produção de

artesanato. Comunidade de Bacabal: localizada no curso inferior do rio Aracá, essa comunidade

é formada primariamente por indígenas.

As suas atividades econômicas são principalmente a agricultura (mandioca) e produção de

farinha de mandioca. A criação de animais (porcos) e a pesca de peixes ornamentais,

complementam a renda familiar. Comunidade de Ponta da Terra: localizada próximo à foz do rio

Quiuini, é a maior das três comunidades. Possui uma escola de ensino básico recentemente

construído e bem aparelhado e durante a visita testemunhamos a ocorrência de atividade letiva,

merenda escolar e zeladoria da escola. Da mesma forma que nas anteriores, até cerca de 10 anos

atrás todas as famílias nessa comunidade viviam da pesca de peixes ornamentais. Hoje ninguém

mais na comunidade pratica a pesca de peixes ornamentais e a principal atividade econômica é a

agricultura. Para tanto, uma área considerável de floresta de terra firme foi removida para

acomodar as plantações de mandioca, milho, e outras.

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Foto 13. Demonstração do uso do rapixé na área rasa do igapó. Foto: Pedro Aquino.

A cidade de Barcelos tinha, até cerca de 10 ou 12 anos atrás, cerca de 600 famílias vivendo da

pesca de peixes ornamentais. Esse número está hoje reduzido para menos de dez por cento desse

número, e as principais atividades econômicas passaram a ser a agricultura, comércio e pesca

esportiva – especialmente de tucunarés. A estação de pesca esportiva, que ocorre entre agosto e

fevereiro movimenta a cidade, tanto social como economicamente. Existem diversos hotéis,

barcos-hotéis e pousadas na cidade e no entorno, que somente funcionam neste período. A

companhia aérea que serve a cidade (Azul) aumenta os voos para Barcelos de dois voos

semanais para voos diários na estação da pesca esportiva. Várias pousadas na floresta possuem

hidroaviões para levar os seus hóspedes, alguns vindo diretamente de Manaus. A pesca de

tucunarés tem gerado alguns conflitos com a pesca comercial, uma vez que competem

diretamente tanto pelos peixes como pelos locais de pesca. Assim, existem zonas de pesca

esportiva delimitadas para diferentes operadoras de pesca. Estas muitas vezes não são respeitadas

assim como as áreas de pesca de comunidades locais e comunidades indígenas.

A pesca comercial, por outro lado, é incipiente em Barcelos. Basicamente, todo o pescado

resultante da pesca comercial é vendido e consumido em Barcelos. Não há envio de peixes para

Manaus ou outras cidades. Curiosamente, não há em Barcelos um mercado de peixes ou um

mercado geral onde sejam vendidos peixes. Existem, ao contrário, vários vendedores ambulantes

que percorrem a cidade de bicicleta ou motocicleta com um reboque com gelo, e vendem os

peixes de porta em porta. Um exame e registro fotográfico de alguns desses vendedores, e a

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visita à casa de um vendedor que possuía freezer com peixes para venda, permitiu o

levantamento de 29 espécies de peixes comercializados na época da visita. Pescadores ainda

relataram outras espécies comuns, mas não encontrados nessas visitas (Fotos 13 e 14).

Foto 14. Demonstração do uso do cacuri na área rasa do igapó. A, Cacuri iscado e pronto para instalação. B,

Piabeiro escolhendo a localização para instalação do cacuri. C, Cacuri em posição de pesca no igapó. D, Piabeiro

com caçapa para recolhimento do cacuri. Fotos: Roberto Reis.

A expedição ao médio rio Negro foi conduzida durante o final da estação de cheia, quando o rio

está ainda vários metros acima do nível normal. Os ambientes visitados de barco foram rio de

grande porte (Negro), rios de médio porte (Aracá, Demini, Quiuini), igarapés (Zamula, Daraquá,

Murumuru, Mamulé) e áreas de igapó, ou mata inundada. Todos esses ambientes são de água

preta, exceto o rio Demini que apresenta água branca. As dimensões na Amazônia central são

gigantescas, e o rio Negro é o maior rio de água preta do mundo. Na região de Barcelos a sua

largura está entre quatro e oito km, mas se a área contígua de floresta inundada for considerada, a

largura do corpo de água passa para 30 a 40 km. O rio Negro possui muitas centenas de ilhas,

canais, furos, paranás e lagos, formando um intrincado emaranhado de ambientes aquáticos. Os

rios de médio porte são bastante convolutos e com muitos meandros, canais e lagos, e também

possuem uma extensa área de floresta inundável em suas margens.

Os ambientes de igapó são muito interessantes e fundem-se com os igarapés em uma extensa

área de floresta inundada com até cerca de 10 metros de profundidade de água sobre o solo da

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floresta. Peixes e outros organismos aquáticos deixam o leito do rio para se abrigar e alimentar

na mata inundada. Nessa mesma época ocorre a frutificação de algumas árvores da mata

inundável, fornecendo valioso recurso alimentar para os peixes. Também, uma grande

quantidade de invertebrados, especialmente insetos, ocupam as florestas inundadas e são

consumidos pelos peixes. Finalmente, muitas espécies de peixe utilizam o igapó para

reprodução, que ocorre durante a enchente quando os juvenis ficam protegidos pelo ambiente

inundado.

Durante a inspeção da área, visitamos quatro locais de pesca de peixes ornamentais. Dois na

margem esquerda do rio Negro (igarapé do Zamula e igarapé Daraquá), um no rio Aracá (igarapé

Murumuru), e um no rio Quiuini (igarapé do Mamulé) (Fig. 2). A pesca de peixes ornamentais

ocorre junto à margem do igapó, onde a profundidade é de no máximo 50 cm. Assim, sempre

guiados por um morador local e pescador de peixes ornamentais, seguimos o procedimento usual

de pesca de ornamentais, e entramos com o barco – às vezes apenas uma canoa de madeira a

remo por causa das passagens estreitas entre as árvores – por igarapés, até encontrar a margem

do igapó. Nesses locais observamos e praticamos a pesca de peixes ornamentais, especialmente

cardinais. Basicamente os pescadores utilizam uma rede de mão chamada rapiché (Fig. 5) e um

remo de canoa. A rede é mantida imóvel dentro da água e os peixes são lenta e cuidadosamente

conduzidos com o remo para dentro do rapiché.

Quando o cardume se encontra dentro da rede está é suavemente erguida e os peixes são

apanhados com uma pequena bacia, ou cuia, e colocados dentro de caixas plásticas, ou caçapas.

Alternativamente, pescadores utilizam uma pequena armadilha chamada cacuri (Fig. 6), que é

iscada e deixada na margem do igapó e recolhida mais tarde. Usualmente os peixes são mantidos

por vários dias em pequenos currais ou viveiros feitos de rede plástica, antes de serem

novamente colocados nas caçapas para envio à Barcelos. Em Barcelos acompanhamos o

carregamento de um grande barco (recreio) com caixas plásticas de neons (Paracheirodon

simulans) que foram trazidos do rio Branco em um pequeno barco de pescadores, e seguiam para

Manaus, para exportação.

Diversas pessoas, atores das várias atividades da cadeia produtiva da pesca comercial, esportiva

e ornamental de Barcelos foram entrevistadas. Três dessas pessoas merecem especial destaque

pela sua importância, qualidade das informações prestadas, e profunda experiência com a pesca.

Sr. Robertto L. Souza (Betão): Secretário do Meio Ambiente de Barcelos e ex-Presidente

da Colônia de Pescadores de Barcelos.

Sr. Raimundo Ribeiro: Principal comprador/atravessador de peixes ornamentais de

Barcelos até o colapso da atividade no início da década de 2000. Ex-pescador de peixes

ornamentais e profundo conhecedor de toda a cadeia produtiva da pesca de ornamentais.

Sr. Nivalso Maia. Proprietário do barco que utilizamos para os deslocamentos pelo rio

Negro. Ex-pescador e profundo conhecedor da região, das comunidades, das pessoas e seus

costumes.

Contrariamente ao observado nas duas primeiras expedições, o grau de ameaças ambientais

detectadas aos corpos aquáticos e peixes do rio Negro foi considerado baixo. As mais sérias

ameaças identificadas são ameaças à pesca de peixes ornamentais e a sobrevivência desta

atividade econômica, que já foi de alta importância para a região.

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Ameaças à pesca ornamental. A pesca ornamental já foi a principal atividade econômica

da cidade de Barcelos e de outras comunidades do médio rio Negro, tendo sido iniciada

entre os anos 40 e 50 do século passado. Até o final da década de 90, aproximadamente

60% da economia da cidade de Barcelos estava baseada na pesca de peixes ornamentais,

e cerca de 80% dos seus 20 mil habitantes trabalhava direta ou indiretamente na

atividade. Estima-se que, na época, cerca de 20 milhões de peixes eram exportados todos

os anos a partir de Barcelos, 80% destes sendo da espécie cardinal (Paracheirodon

axelrodi). Segundo uma estimativa desse período, a região do médio rio Negro possuía

uma área produtiva de cerca de 1,5 milhões de ha, em cerca de 300 pesqueiros espalhados

por centenas de quilômetros de rios. Essa área era explorada por 600-700 pescadores, o

que representa uma área de mais de 2.000 ha por pescador (Paulo Petry, TNC, Comun.

Pessoal). Para acompanhar essa atividade e garantir a sua sustentabilidade, foi criado em

1989 o Projeto Piaba, liderado pelo ictiólogo da UFAM, Dr. Labbish Chao, cujo objetivo

fundamental era determinar que sistemas sócio-culturais e ecológicos seriam capazes de

garantir a preservação dos peixes ornamentais e da sua pesca sustentável. As premissas

do Projeto Piaba se baseavam na ideia de que, ao contrário de garimpo, extração de

madeira ou agricultura, a extração de peixes ornamentais não é uma atividade destrutiva.

Muito pelo contrário, pois segundo os responsáveis pelo Projeto Piaba, os piabeiros

(como são conhecidos os pescadores de piabas ou peixes ornamentais) sabem que se

preservarem a floresta também estarão assegurando as suas fontes de rendimento. Essa

percepção está muito claramente expressa no slogan do Projeto Piaba: “Compre um peixe

e salve uma árvore”. Um folheto do Projeto Piaba com as espécies ornamentais mais

importantes da região do médio rio Negro é reproduzido nas Figs. 11 e 12.

Durante os últimos 10-15 anos, no entanto, toda a cadeia produtiva da pesca

ornamental no médio rio Negro entrou em franco declínio. A causa direta e imediata

desse declínio é clara: a forte diminuição na demanda por peixes ornamentais pelos

exportadores. As causas indiretas, subjacentes à diminuição da demanda, entretanto, são

menos claras e tem múltiplas origens. Aparentemente a concorrência dos novos e

crescentes mercados de exportação de peixes ornamentais no Peru, Venezuela e,

principalmente, Colômbia, que praticam preços ainda mais baixos que o Brasil, aumentou

as dificuldades na colocação dos peixes brasileiros pelos exportadores. Em 2003 o preço

pago aos piabeiros em Barcelos era entre 10 e 14 reais por milheiro de cardinais – esse

valor encontra-se hoje entre 12 e 15 reais por milheiro. Além disso, várias das espécies

ornamentais comumente exportadas a partir do rio Negro passaram a ser reproduzidas em

cativeiro a custos reduzidos por países asiáticos, como Malásia e Singapura. Também, a

principal espécie das exportações do rio Negro, o cardinal, passou a ser reproduzido em

cativeiro nos Estados Unidos e na República Tcheca, ainda que em pequena escala.

No entanto, as principais causas que minaram o interesse dos exportadores de

Manaus (em sua maioria brasileiros, mas alguns estrangeiros), foram o custo da

exportação e, principalmente, os seguidos problemas enfrentados com o IBAMA. O alto

custo das tarifas aéreas e o despreparo das companhias aéreas e aeroportos brasileiros

para enviar peixes vivos – por vezes atrasos inesperados acarretavam a morte de milhares

de peixes embalados para exportação – acresciam muito no preço final do produto.

Também, uma reclamação recorrente dos exportadores é o pequeno número de espécies

ornamentais com permissão para exportação pelo IBAMA. Na época, a exploração de

peixes ornamentais continentais era regulada pelas Portarias 062-N/92 e 080-N/94, que

listavam 174 espécies e três gêneros passiveis de exportação de todo o Brasil (menos de

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100 da região do rio Negro). Muitas das espécies que poderiam ser exportadas e garantir

a viabilidade econômica da exportação de peixes ornamentais não o eram, pois não

estavam listadas nas portarias do IBAMA. Arraias e aruanãs, por exemplo, eram espécies

muito procuradas e de alto valor comercial, mas de exportação proibida. Aparentemente,

apesar da pressão ocorrida na época, o IBAMA não teve a sensibilidade e agilidade

necessárias para revisar a lista de espécies com permissão para exportação e normatizar

os processos da atividade, o que acabou contribuindo para o colapso da atividade no

médio rio Negro. A falta de normatização deixava uma lacuna que era explorada tanto

pelos exportadores, que tentavam fazer passar espécies proibidas na suas exportações,

como por agentes do IBAMA, que aceitavam subornos para liberar guias de exportação.

O conjunto desses problemas culminou com o encerramento das atividades de exportação

de muitas empresas de Manaus, que enviavam para a Europa, Ásia e América do Norte os

peixes do rio Negro. O caso específico de Barcelos, entretanto, foi mais grave, pois cerca

de 80% de toda a sua produção de peixes ornamentais era comprada por um único

atravessador, o Sr. Raimundo Ribeiro, que provia emprego e renda para quase 500

famílias, com as quais cultivou relações pessoais por mais de 30 anos. Esse comprador

enviava os peixes para o Sr. Asher Benzaken, da Turkys Aquarium, exportador israelense

radicado em Manaus desde os anos 70, que encerrou as suas atividades no inicio da

década de 2000 em grande parte por causa de dificuldades sistemáticas como o IBAMA,

por não aceitar o modo de operação daquela agência. A Turkys Aquarium era a empresa

com maior volume de exportação porque era muito bem conceituada no mercado exterior

por produzir peixes de alta qualidade, com baixas taxas de mortalidade, possuindo,

inclusive, certificação ISO 14000. Essa cadeia de problemas e a falta de entendimento ou

interesse por parte de autoridades brasileiras de diversas esferas, culminaram com o

colapso de uma atividade econômica sustentável, que preserva o meio ambiente e que

gerava recursos para a subsistência de mais de 600 família na região de Barcelos.

Pesca esportiva. A atividade econômica envolvendo a pesca esportiva tornou-se muito

importante na região de Barcelos com o declínio da pesca de peixes ornamentais.

Geralmente a pesca esportiva é uma atividade de baixo impacto nas comunidades de

peixes. Na região de Barcelos, entretanto, o número de pescadores esportivos durante a

estação de pesca (agosto à fevereiro) é muito grande. Relatos de guias e piloteiros de

barcos de pesca sugerem a visita de milhares de pescadores esportivos a cada ano,

especialmente estrangeiros. Essas informações são corroboradas pelo grande número de

barcos-hotéis, pousadas e operadoras de pesca existentes na região. Como descrito acima,

os ambientes aquáticos do médio rio Negro são muito grandes, mas a retirada contínua de

peixes pela pesca esportiva pode ser um impacto considerável para as populações de

peixes, especialmente de tucunarés, sobre os quais é dirigida a maior parte do esforço de

pesca esportiva. Apesar da alegação de baixas taxas de mortalidade pela pesca esportiva,

não existem dados concretos que corroborem esta situação. Existe uma grande

disparidade nas técnicas de manejo dos peixes por parte dos guias e principalmente por

parte dos pescadores, que contribuem significativamente para a mortalidade dos

exemplares que são soltos após a captura.

Agricultura. A agricultura comercial na região do médio rio Negro é incipiente. No

entanto, com o declínio da pesca de peixes ornamentais ao longo da última década, um

grande número de famílias ribeirinhas está mudando a sua atividade comercial da pesca

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de peixes ornamentais para a agricultura e para a pesca esportiva. Como a paisagem do

médio rio negro é dominada por matas inundáveis, a agricultura é praticada em pequenas

roças nas porções de terra firme, junto às comunidades. A dinâmica de inundação sazonal

dominante na região, além da baixa qualidade dos solos e a ausência de culturas

adaptadas à condição climática da região, no entanto, fazem da bacia do rio Negro uma

área sem vocação para a agricultura extensiva, e esta ameaça é considerada de pequena

importância.

Mudanças climáticas. Dados levantados por diferentes estudos e sintetizados por

(Merengo et al. 2010) indicam que a situação pode ser preocupante na Amazônia em

geral e no rio Negro. Em 2005, uma forte estiagem – a maior dos últimos 103 anos,

somente comparável com a estiagem de 1962-1963 – atingiu o oeste e o sudoeste da

Amazônia. Alguns grandes rios da bacia Amazônica chegaram a baixar 6 cm por dia.

Milhões de peixes morreram e apodreceram nos leitos de afluentes do rio Amazonas, os

quais serviam de fonte de água, alimento e meio de transporte para comunidades

ribeirinhas. As possibilidades de ocorrerem períodos de intensa seca na região da

Amazônia podem aumentar dos atuais 5% (uma forte estiagem a cada 20 anos) para 50%

em 2030 e até 90% em 2100. No lado oposto dos extremos climáticos, em 2009 a

Amazônia enfrentou uma enchente de dimensões históricas, superior aos máximos

históricos registrados no porto de Manaus nos últimos 100 anos, maiores que os níveis

recordes registrados em 1953. Segundo o Serviço Geológico do Brasil, o ano de 1953

marcou a história de Manaus como o período da pior enchente da cidade. Na ocasião, o

nível do rio Negro atingiu a marca de 29,68 m, valor que foi ultrapassado em 2009,

atingindo 29,78 m (Merengo et al. 2010). No caso específico do rio Negro, secas muito

intensas são mais prejudiciais aos peixes, pois diminuem consideravelmente a área de

igapó, local de refúgio, alimentação, e reprodução dos peixes.

6. PROGNÓSTICO SOBRE AS AMEAÇAS AMBIENTAIS AOS ECOSSISTEMAS

AQUÁTICOS

A questão das ameaças ambientais tem-se tornado prioritária face à crescente população humana

e aos consequentes uso e ocupação do solo. Modificação de hábitats aquáticos, perda de

biodiversidade e contaminação de corpos d'água, por exemplo, constituem causas e

consequências do impacto da ação do homem no ambiente natural da Amazônia. A compreensão

de tais ameaças necessariamente se conecta pelas interfaces dos componentes socioeconômicos e

ecológicos da região. Exigem a análise da dinâmica do homem com o ambiente em que vive e as

sequelas que sofre a natureza, em particular os impactos negativos sobre os ecossistemas

aquáticos.

O enfoque multidisciplinar dos riscos ambientais implica necessariamente na aproximação das

ciências sociais e ecológicas para a análise da vulnerabilidade das atividades humanas e da

estrutura e função dos ecossistemas aquáticos. O objetivo maior dessa análise é identificar

potenciais diretrizes para o plano de ação estratégica deste Projeto. Visa fazer face às

necessidades humanas, conciliadas com a proteção dos ecossistemas aquáticos. Isso implica na

análise da dimensão humana do uso de recursos da natureza, como a pesca, e na visão ecológica

da natureza intrínseca dos ecossistemas aquáticos. Ameaças, riscos ou vulnerabilidade

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ambientais devem ser analisados no contexto humano-ecológico no que tange aos sistemas

socioeconômicos versus ecossistemas aquáticos da Amazônia.

O desmatamento na Amazônia se intensificou a partir da abertura da rodovia Transamazônica,

em 1970. As causas para o desmatamento são diversas, mas a pecuária bovina desempenha papel

preponderante, conferindo motivação econômica para o desflorestamento. Até 1980, o

desmatamento no Brasil alcançava cerca de 300 mil km², o equivalente a 6% da área total. Nos

anos oitenta e noventa, foram desmatados aproximadamente 280 mil km², quase dobrando a área

desflorestada. Em 27 anos, nada menos que 432 mil km² foram incorporados ao estoque

desmatado. Cerca de 80% do total desmatado localiza-se em um grande arco que vai do Leste do

Maranhão e Oeste do Pará até o Acre, passando pelo Sudeste do Pará, Norte do Tocantins, Norte

de Mato Grosso e Rondônia.

Por outro lado, as áreas protegidas – Unidades de Conservação e Terras Indígenas – apresentam

taxas reduzidas de desmatamento por suas condições especiais de uso e ocupação. Contudo, tem-

se verificado a intensificação da exploração de recursos naturais, com aumento da pressão de

madeireiros ilegais, pecuaristas e grileiros sobre Unidades de Conservação (UC) e Terras

Indígenas (TI).

Há diversas iniciativas de governos dos países membros da OTCA e de instituições

ambientalistas no sentido de concretizar ações para conservação e utilização sustentável da

diversidade biológica como identificar ações prioritárias; e ainda estabelecer diretrizes e

conceder recursos financeiros para apoiar o Governo e a Sociedade na tomada de decisão sobre

políticas de conservação e utilização sustentável da diversidade biológica. No Brasil, uma dessas

iniciativas, que começou com uma reunião técnica havida em Manaus em 1990, deu origem ao

programa “Avaliação e Identificação de Ações Prioritárias para a Conservação, Utilização

Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade da Amazônia Brasileira”.

Na Amazônia, a atividade de mineração é intensa em algumas regiões. Há também pressão

ambiental causada pelas instalações de hidrelétricas, com seus impactos ambientais, além do

extrativismo florestal não madeireiro, como: castanha-do-pará, babaçu, frutos de palmeiras como

açaí e bacaba, acrescidos ainda da pesca comercial e de subsistência, da coleta de peixes

ornamentais, e da apanha de quelônios como tracajás e tartarugas e seus ovos.

6.1 Ocupação e uso da várzea

A ocupação do solo amazônico pode ser resumida em: áreas de fronteira recente; áreas de

esvaziamento demográfico e econômico; áreas com dificuldades de acesso; áreas sob influência

de rodovias; áreas de planícies fluviais; áreas de grandes projetos de agricultura, pecuária,

mineração, infraestrutura etc. e áreas de conflito pela posse de terras. As áreas de fronteiras

recentes se caracterizam pela acentuada dinâmica da migração humana atraída pela possibilidade

de acesso à terra. As áreas de vazios demográficos são aquelas abandonadas pelo esgotamento de

recursos, sem atrativos econômicos. As áreas ainda pristinas são aquelas com dificuldade de

acesso humano. É bastante conhecido na Amazônia o processo de ocupação humana no modelo

"espinha de peixe" ao longo das rodovias abertas. Desde os primórdios de sua história, o homem

amazônico tem convivido com a complexidade do ecossistema amazônico que, de forma geral,

apresenta ambientes claramente definidos: várzea – a planície inundada sazonalmente; e terra

firme – as terras mais altas, livres de inundação. A várzea, mesmo com uma extensão

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comparativamente menor que a terra firme, teve uma grande importância no processo

ocupacional da região.

A várzea aparece como o primeiro foco de povoamento do espaço amazônico, havendo indícios

de tribos indígenas de várzea com cerca de dois mil anos. Essas etnias indígenas procuraram os

ambientes de rios e igarapés (como fonte de água e alimentos) para fixarem suas aldeias e se

difundirem pela região. A rede hidrográfica da região, contudo, não condicionou somente o

processo de ocupação das tribos indígenas e, posteriormente, dos colonizadores, mas também

orientou o caminho pelo qual iria seguir a economia regional.

Em função da importância da rede hidroviária, a ocupação e o uso econômico da várzea ficaram

evidentes nos primeiros séculos de ocupação e colonização da Amazônia, até a década de 1960.

Houve predominância econômica das atividades de extrativismo, com a exploração de produtos

nativos abundantes na região tais como especiarias como o cacau, espécies oleaginosas, resinas e

demais produtos vegetais do extrativismo, muito valorizados pela sociedade europeia da época).

Seguem os ciclos de metais preciosos, ciclo da borracha, exploração de outros produtos nativos,

da agricultura comercial (ciclo da juta) e, novamente, do extrativismo, com ênfase na pesca. Em

contrapartida, a economia de terra firme passou a se projetar no cenário regional a partir da

segunda metade da década de 60 e, sobretudo, na década de 70, quando a economia da várzea

entrou em declínio com o fim do ciclo da juta. Nessa época, no Brasil, por exemplo, foram

implementadas as políticas de desenvolvimento direcionadas para a Amazônia. Tais políticas

incentivaram a valorização da produção agropecuária, conferindo aos produtos de terra firme

uma maior participação na economia regional.

Nos dias de hoje, a várzea baseia sua economia principalmente nas produções pesqueira e

pecuária, com participação bem inferior se comparada à economia da terra firme no quadro

econômico regional, cuja gama mais variada de produtos (agrícolas, pecuários, extrativistas) dá

maior suporte a essa economia regional. A evolução do quadro político-econômico regional, a

abertura de rodovias e a globalização ampliaram as possibilidades de exploração das terras da

bacia por meio da produção de grãos para o mercado interno e para exportação, e levaram à

passagem da economia baseada na “exploração ribeirinha” para uma economia baseada na

“exploração das estradas”. Esse processo produziu formas específicas de ocupação da Amazônia

nas décadas de 70 e de 80.

No Brasil, a partir de 1964, o regime militar vigente deu nova orientação à ocupação de terras,

através de projetos mais abrangentes que contaram com incentivos fiscais e crédito facilitado

para a compra de grandes extensões de terras na Amazônia, formando numerosos latifúndios.

Esse processo foi materializado pela adoção de planos e programas que objetivaram a

intensificação da apropriação do território e dos seus recursos naturais, como por exemplo, o

POLAMAZÔNIA. Esse processo foi seguido por abertura de estradas como a Transamazônica,

Cuiabá-Porto Velho, Cuiabá-Santarém, Porto Velho-Manaus, entre outras.

Ressalte-se o fato de que os rios têm cumprido um papel fundamental na história da ocupação da

Amazônia e na estruturação de sua vida econômica. Os rios foram durante muito tempo o eixo de

penetração, circulação e povoamento, até que as rodovias, a partir da segunda metade do século

XX, começaram a interiorizar o povoamento. Esse fato tem estreita relação com as ameaças

ambientais aos ecossistemas aquáticos. A região foi ocupada na era colonial a partir do vale do

Rio Amazonas e seus afluentes, impondo-se pelas atividades extrativas, formando um sistema

peculiar que constituiu e marcou a vida econômica da região, que incluiu o ato de subjugar a

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população indígena nativa. A coleta da borracha ocorria de forma dispersa, tanto nas áreas de

várzea como em terra firme, e a sua comercialização era concentrada nos barracões às margens

dos rios.

No final do século XIX e primeiros anos do século XX, a comercialização da borracha perdeu

força no mercado internacional e, em consequência, houve um período de declínio econômico na

Amazônia. A retomada do crescimento só aconteceu anos mais tarde, quando ocorreu a

revalorização da borracha em decorrência da segunda guerra mundial, com novos fluxos

migratórios de seringueiros. De 1939 a 1945, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a

borracha amazônica voltou a ser objeto de disputa no mercado mundial. Em intervalos de crise,

os ribeirinhos se valeram da coleta de castanha-do-brasil ou castanha-do-pará.

6.2. Ameaças ambientais que afetam os ecossistemas aquáticos

A literatura científica tem sido farta e enfática sobre a relação entre o crescimento da população

humana, com o consequente uso e ocupação do solo, modificando os ambientes naturais pelas

atividades antrópicas. Estima-se que a população humana seja de 35 milhões de habitantes na

Amazônia, 20 milhões somente na parte brasileira. Entre esses vários documentos há o livro

"Conservation for the Twenty-first Century" (Western & Pearl, 1989), resultado de uma

conferência "Conservation 2100", com diferentes pontos de vista de especialistas sobre

conservação e uso sustentável de recursos naturais ocorrida na Rockefeller University, em Nova

York. Enquanto o homem ocupa todos os espaços da biosfera terrestre, os recursos naturais vão-

se exaurindo, surgindo a necessidade imperiosa de se cooperar com a natureza, reconhecendo a

importância dos ecossistemas que prestam serviços ao homem. A Amazônia não tem ficado livre

dessa tendência.

Documentos mais recentes como Global Biodiversity Outlook 3 (GBO-3, 2010) e Millennium

Ecosystem Assessment (Millennium Ecosystem Assessment, 2005) têm identificado as ameaças

ambientais em pelo menos seis grandes grupos:

1. Perda e alteração de ecossistemas

2. Exploração predatória de recursos naturais

3. Introdução de espécies exóticas

4. Aumento de patógenos nos ambientes naturais

5. Aumento de tóxicos ambientais

6. Efeitos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas

Especificamente, estudos têm identificado os efeitos das mudanças climáticas nos ecossistemas

da Amazônia, com consequências negativas para as comunidades humanas que dependem desses

recursos, particularmente os associados aos ecossistemas aquáticos. Revisão da literatura

científica conduzida por Michael Case (disponível pelo acesso

http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&aq=&oq=Regi%c3%b3n+de+Caquet%c3

%a1+de+Amazonia+Colombia&ie=UTF8&rlz=1T4ACEW_enBR363BR442&q=michael+case

%2c+climate+change+impacts+in+the+amazon%3a+review+of+scientific+literature%2c+world

+wildlife+fund&gs_l=hp..1.41l120.0.0.0.4817970...........0.kauvXLhK-Yo) mostra o efeito das

mudanças climáticas sobre:

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O aumento da temperatura da água, que pode afetar as espécies que dependem da

temperatura, pode também afetar a redução de oxigênio dissolvido na água, podendo

levar a favorecer espécies invasoras exóticas;

A diminuição da precipitação nos meses secos, que pode afetar os ecossistemas

aquáticos, impactando negativamente seus hábitats naturais e a reprodução de peixes;

O ciclo de nutrientes, incluindo matéria orgânica, nos solos e nos ecossistemas aquáticos,

afetando por sua vez a parte biótica do sistema natural;

Maior incidência de eventos extremos, com secas e enchentes mais severas, impactando

negativamente os ecossistemas aquáticos, a biota, e os recursos naturais.

Estudo publicado em Science (Kerr, 2012) mostra que os efeitos das mudanças climáticas estão

exacerbando as estações do ano, com regiões pobres em água ficando ainda mais pobres.

Ambientes sazonalmente inundáveis como o Pantanal estão sujeitos a cheias e secas severas

(Alho, 2012). De fato, os ciclos hidrológicos dos rios da Amazônia constituem fator-chave para o

funcionamento dos ecossistemas aquáticos, e potenciais mudanças nesse ciclo hidrológico de

enchente-cheia-vazante-seca afetam negativamente esses ecossistemas, com riscos para a

biodiversidade e os recursos naturais associados, como a pesca, afetando por seu turno o aspecto

socioeconômico da região.

Estudo recente de 2012 encomendado pelo Banco Mundial e executado pelo Potsdam Institute

for Climate Impact Research (PIK) and Climate Analytics, de Berlim, Alemanha, mostra que a

temperatura do globo pode se elevar por até 4º C por volta de 2060 e que um aquecimento de 2ºC

na Amazônia, até 2050, poderia aumentar drasticamente a incidência dos incêndios florestais,

alterando de forma significativa tanto a cobertura vegetal quanto o clima local

(http://climatechange.worldbank.org/sites/default/files/Turn_Down_the_heat_Why_a_4_degree_

centrigrade_warmer_world_must_be_avoided.pdf).

Este relatório alerta para as projeções de extremas alterações nos hábitats naturais causadas pela

mudança climática com perda da biodiversidade e de recursos naturais. Esse impacto das

mudanças climáticas afetarão os ecossistemas, influindo negativamente no suprimento de água e

alimento, além do aumento de riscos para a saúde humana.

6.3. Lista comentada dos fatores de estresse que afetam os ecossistemas aquáticos

Há fatores que atuam direta ou indiretamente na perda de hábitats. Um dos fatores que atuam

diretamente nos hábitats da biodiversidade é o desmatamento, pelo efeito drástico da conversão

da floresta em área aberta para o pasto do gado ou para o campo de agricultura. O efeito indireto

é a exploração da floresta pelo extrativismo não sustentável, pelas trilhas abertas para o corte

seletivo de madeira, e outros processos de intervenção e perturbação do ecossistema natural.

6.3.1. Fluxo migratório e aumento de doenças endêmicas. O processo migratório na

Amazônia tem-se intensificado como já mencionado neste estudo. São migrantes em geral com

baixos níveis de renda, educação e qualificação profissional, levando à intensificação de uso e

ocupação desordenados do solo, com consequentes carências de saneamento básico e aumento da

densidade familiar. Esses fluxos de gente que chegam à região tendem a aumentar a incidência

de doenças endêmicas como malária, leishmaniose tegumentar, dengue, febre amarela e

arbovirose. A malária e a leishmaniose tegumentar são as principais endemias prevalentes na

região amazônica. O serviço de vigilância sanitária do Ministério da Saúde do Brasil chama a

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atenção para surtos de malária e outras endemias como a leishmaniose, diante de dispersões e

exacerbações de endemias diante de aumento do fluxo migratório, da movimentação de pessoas,

da atividade no meio rural, ou, ainda, do aquecimento econômico de certas áreas na Amazônia.

Esse fluxo migratório normalmente é motivado por oportunidade de emprego em

empreendimentos diretos ou indiretos de grandes obras de infraestrutura.

6.3.2. Aumento da pressão de caça. O aumento da densidade demográfica e do tamanho

da população humana na Amazônia tende a promover a intensificação da caça e utilização de

produtos da fauna. O extrativismo faunístico é inerente e diretamente proporcional à densidade

demográfica humana. As evidências de depleção dos estoques de caça estão bem documentadas

na literatura acadêmica, indicando a tendência de substituição de poucas espécies de grande porte

por muitas espécies de pequeno porte. Quelônios como a tartaruga-da-amazônia Podocnemis

expansa e o tracajá Podocnemis unifilis sofrem forte pressão de apanha de indivíduos e de seus

ovos, particularmente na estação de estiagem.

6.3.3. Aumento da pressão sobre produtos madeireiros e não-madeireiros. Com o

aumento da demografia em certas regiões, há demanda de madeira para a construção civil e

outros fins; e considerável pressão sobre os recursos não madeireiros tais como açaí (fruto e

palmito), castanha, frutos nativos (consumo in natura e polpas), plantas medicinais, ornamentais,

essências aromáticas, óleos essenciais e resinas. Por essa pressão predatória sobre os recursos

naturais, ocorre uma redução na disponibilidade de alimentos para a fauna silvestre aquática,

podendo comprometer suas populações. Acresce que a retirada de frutos tem implicação direta

na disponibilidade de propágulos das espécies utilizadas, interferindo na dinâmica populacional e

no estabelecimento de novas plantas, com redução da taxa de incremento da floresta ripária.

6.3.4. Aumento da perda da diversidade da flora e alteração de hábitats associados

à água. A pressão não sustentável sobre produtos florestais ao longo dos corpos d'água tende a

acarretar diminuição de riqueza de espécies da região e da abundância de certas espécies de

plantas sob pressão de extrativismo, sendo que espécies raras tendem a serem as primeiras a

desaparecer localmente. Acresce que a mineração, especialmente a de ouro, é um forte estressor

para igarapés e rios de pequeno porte, seguidamente alterando ou destruindo completamente o

leito do corpo d’água, aumentando a turbidez da água, e contaminado água com mercúrio,

impactando a composição limnológica, de macroinvertebrados e outras comunidades ecológicas.

6.3.5. Aumento da perda da diversidade da fauna silvestre e alteração de hábitats

associados à água. As comunidades ecológicas compartilham da energia do sistema natural por

meio de uma complexa interação trófica, em vários níveis, de tal modo que a extração seletiva de

determinadas espécies ou a modificação do habitat, marcadamente a perda da diversidade da

flora, altera essa interação, com consequente perda da diversidade da fauna. Por exemplo, a

intensificação da pesca não sustentável tem levado a caracterizar conflitos entre pescadores e

presença de botos, ariranhas e lontras, que muitas vezes são perseguidos por pescadores.

6.3.6. Aumento do processo de fragmentação das florestas ripárias. O desmatamento

tem evidenciado um processo de fragmentação da cobertura vegetal ao longo dos cursos d'água,

como a floresta aluvial inundável. Onde no passado havia uma cobertura vegetal contínua, agora

ela se mostra segmentada em vários fragmentos florestais. Entre os efeitos associados à

intensificação da perda de cobertura vegetal, destaca-se o agravamento desse processo de

fragmentação da vegetação associada à água, como a floresta aluvial, importante para a

ictiofauna. Esta ação da ameaça ambiental tem gerado uma série de efeitos sobre a biota dos

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ecossistemas aquáticos, entre eles o isolamento genético de populações em fragmentos. A

interação animal-planta é fruto da longa história natural do processo evolutivo. Essas espécies

interagem de tal forma que passam a compor uma unidade, que é a comunidade ecológica.

Contudo, essa interação segue mecanismos rígidos de processos ecológicos, que poderão ser

afetados pelo processo de fragmentação e simplificação do habitat.

6.3.7. Aumento de espécies invasoras exógenas. Está bem documentado na literatura

científica que espécies como cães e gatos domésticos, cavalos e bovinos têm acompanhado a

colonização de novas áreas pelo homem. Espécies exóticas (oriundas de outras regiões) de

animais e plantas, introduzidas em áreas novas pela abertura de novas frentes de trabalho,

competem com as espécies silvestres, podendo trazer doenças infectocontagiosas e contribuindo

para a destruição e fragmentação dos hábitats aquáticos. As águas dos rios da Amazônia já

contam com organismos invasores introduzidos pelo lastro e pelo casco de grandes embarcações

e outros meios. Entre peixes invasores há registro de Trichogaster trichopterus, um

Osphronemidae asiático, que foi introduzido na região de Iquitos no Peru e hoje é muito

abundante – e há o temor que logo esteja disperso por toda a Amazônia. Além dessa, várias

outras espécies ornamentais exógenas estão em águas brasileiras e provavelmente estarão na

bacia amazônica em breve.

6.3.8. Mudanças climáticas: temperatura. As mudanças climáticas na Amazônia têm

sido detectadas e indicam alterações sofridas no último século, com aquecimento de 0,5 a 0,8°C

nas últimas décadas no século 20, mais especificamente um aquecimento de 0,63° por 100 anos

(Victoria et al., 1998).

6.3.9. Mudanças climáticas: precipitação. A tendência de precipitação na Amazônia

mostra variações entre as partes norte e sul da bacia. O período 1950-1976 foi úmido e desde

2001 a região tem experimentado um período seco.

6.3.10. Mudanças climáticas: desmatamento. O desflorestamento da Amazônia

acarreta mudanças na precipitação da região, não só no padrão pluvial como também com maior

ocorrência de chuvas em áreas desmatadas. Com o desmatamento, as chuvas tendem a decrescer

no final da estação de chuva e a crescer no final da estação de seca (Chagnon & Bras, 2005).

Outros estudos apontam para uma intensificação de chuvas em toda a Amazônia. O fato é que

essas alterações influem nos ecossistemas aquáticos.

6.3.11. Mudanças climáticas: fenômenos El Niño e La Niña. Estes dois fenômenos

meteorológicos têm exercido influência no clima regional. El Niño tem sido associado com

condições secas no norte da Amazônia. La Niña está associado com chuvas e enchentes na

Colômbia e secas no sul do Brasil. Essa mesma tendência é observada para o Pantanal, outro

bioma com importância no fluxo hidrológico de rios para o funcionamento de ecossistemas. No

Pantanal também o fenômeno El Niño está associado a eventos de secas, enquanto La Niña está

associado a ocorrências de cheias (Alho & Silva, 2012).

6.3.12. Mudanças climáticas: previsões futuras. A informação hoje disponível na

literatura científica publicada permite projetar um aumento de 2 a 3º até o ano 2050 na

Amazônia, com menor precipitação durante os meses secos, inclusive com expansão desse

período. Isso poderá acarretar declínio na produtividade primária, obviamente afetando os

ecossistemas aquáticos (Friend et al., 1997). Essa tendência global de aquecimento do clima

poderá levar a uma frequência maior do fenômeno El Niño, com mais seca na Amazônia. Tal

tendência de maior seca poderá levar a alterações nos ecossistemas aquáticos, perda de hábitats e

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de biodiversidade e, ainda, drástica mudança do bioma com características mais xéricas e menos

hídricas.

6.3.13. Mudanças climáticas: alteração da floresta e dos ecossistemas aquáticos com

perda da biodiversidade e de recursos naturais. Essas mudanças climáticas projetadas, com

base na informação científica disponível, impõem impactos negativos na atual característica da

cobertura vegetal da Amazônia, com reflexos nas alterações dos ecossistemas aquáticos e na

biodiversidade regional. O aquecimento e o efeito de maior seca, conjugados, exercem influência

no processo de evapotranspiração da floresta, o que influencia o clima regional e continental.

Isso tudo impacta negativamente os ecossistemas aquáticos. As consequências socioeconômicas

são também notadas. As manchas de Cerrado existentes na Amazônia tendem a se expandir. A

intensificação de incêndios florestais tende a se agravar.

6.3.14. Mudanças climáticas: aumento na temperatura da água. As informações

disponíveis preconizam que o aumento da temperatura deve também causar aumento da

temperatura da água dos ecossistemas aquáticos da Amazônia. Temperaturas mais elevadas

implicam também em redução de concentrações de oxigênio dissolvido, que são essenciais à

vida aquática. Essas alterações, por exemplo, associadas à introdução de espécies exóticas,

alteram as comunidades ecológicas de peixes, com prejuízos socioeconômicos.

6.3.15. Mudanças climáticas: efeitos no fluxo hídrico. Os ecossistemas aquáticos da

Amazônia, como os ambientes de várzea, são caracterizados por uma sazonalidade anual com a

constante transição entre hábitats terrestres e aquáticos. A produtividade do ecossistema dá

suporte à biodiversidade e aos recursos naturais, como a pesca. A várzea depende do ritmo anual

do fluxo hídrico sazonal. A mudança climática ameaça o regime hídrico porque a água mais

aquecida resulta em mais intensa evaporação da superfície dos corpos d'água e também maior

transpiração da vegetação, acarretando um ciclo de água mais vigoroso. Os efeitos das mudanças

climáticas, fruto da associação de diversos fatores (como os mencionados acima) com o

desmatamento, trazem ameaças severas aos ecossistemas aquáticos. As mudanças no volume

total do fluxo de igarapés, pequenos e grandes rios, com variabilidade na escala de tempo,

afetam a frequência e a intensidade da inundação sazonal. Essa mudança em magnitude na

distribuição temporal do fluxo constitui ameaça aos ecossistemas aquáticos e à biodiversidade.

Mais uma vez convém enfatizar a importância dos recursos dos ecossistemas aquáticos para a

pesca e seu valor socioeconômico. Hoje em dia, o fluxo hídrico já é alterado pelo grande número

de barragens para usinas hidrelétricas de grande porte. Acresce a proliferação de pequenas

centrais hidrelétricas que estão sendo construídas e planejadas para os afluentes do rio

Amazonas, que constituem um enorme conjunto de fatores negativos impactantes para os

ecossistemas aquáticos.

6.3.16. Mudanças climáticas: ciclagem de nutrientes. Os ecossistemas aquáticos são

dependentes dos nutrientes contidos na matéria orgânica (folhas caídas e outros) que são

carreados pela água para os igarapés e rios. As potenciais mudanças na fisionomia da floresta

podem ameaçar o fluxo de nutrientes para os ecossistemas terrestres.

6.3.17. Mudanças climáticas: saúde humana. A mudança na temperatura e na

fisionomia vegetal pode acarretar a proliferação de patógenos, tornando a população humana

ainda mais fragilizada e exposta a contaminações as mais diversas.

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6.4. Cobertura vegetal associada aos ecossistemas aquáticos

O IBGE (1992) oficializou as diversas fisionomias vegetais da Amazônia. A Floresta Ombrófila

Aberta Submontana distribui-se por toda a Amazônia, ocorrendo com quatro tipos diferentes:

com palmeiras, com cipó, com sororoca e com bambu. São fisionomias situadas acima dos 100m

de altitude e não raras vezes chegando a cerca de 600m. Nessa altitude, ocorre raramente na

região dos ecossistemas aquáticos, contudo, nos vales profundos, de difícil acesso, é possível

encontrar enclaves de vegetação hidrófila com o aparecimento de indivíduos de açaí, sororoca e

paxiúba.

A Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas ocupa em geral os terrenos situados pouco acima

do nível do mar até a cota 100m nas planícies laterais aos rios principais, não inundadas

sazonalmente.

A Floresta Ombrófila Densa Aluvial ocorre ao longo dos cursos d’água. Esta fisionomia vegetal

está bem associada aos ecossistemas aquáticos. A vegetação cresce sobre solos de origem

hidromórfica, mal drenados e rasos. Podem ficar saturados durante as chuvas de inverno,

inundando o terreno. Algumas vezes é possível distinguir os canais de drenagem, produzindo um

relevo irregular em nível local. Nesse tipo de floresta são comuns as espécies que crescem sobre

solos não consolidados como a paxiúba e o açaí. Também é constituída por espécies de rápido

crescimento, em geral de casca lisa, tronco cônico, por vezes com a forma característica de botija

e raízes tabulares (Foto 15).

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Foto 15. Floresta sazonalmente inundável (várzea). Quando as águas dos cursos dos rios transbordam e inundam as

florestas aluviais os peixes deixam os leitos dos rios para se alimentarem nestes ambientes nas estações de enchente

e cheia. (Foto Cleber Alho)

As florestas secundárias de formação original ombrófila incluem todos os fragmentos de floresta

ombrófila antropizados, de forma parcial ou total, e que se encontram em diversos estágios de

sucessão ecológica.

A Campirana também é um tipo de floresta alterada em regeneração, que é subdividida em três

subgrupos de formações: arbórea densa ou florestada, arbórea aberta ou arborizada e gramíneo

lenhosa.

As Formações Pioneiras com Influência Fluvial e/ou Lacustre são comunidades vegetais,

florestais ou não, das planícies aluviais que refletem os efeitos das cheias dos rios nas épocas

chuvosas ou, então, das depressões alagáveis todos os anos. O dossel é, geralmente, uni-

estratificado nas formações pioneiras arbóreas. O porte e a contribuição do estrato herbáceo são

determinados pela influência fluvial e pela cota altimétrica do terreno. Locais mais baixos e com

maior período de inundação favorecem formações pioneiras herbáceas.

Ambientes de pedrais (como são localmente conhecidos) em alguns rios da Amazônia, tais como

o Xingu, Iriri, Tapajós, Mapuera e Trombetas, é fisionomia especializada, em virtude das

condições limitantes onde ocorrem. Vegetam nas fraturas e falhas das rochas, onde se acumula

algum sedimento arenoso. Na estação de cheia, algumas das plantas ficam parcial ou totalmente

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submersas. Na época seca, quando a vazão do rio diminui consideravelmente, as falhas e fraturas

dos afloramentos rochosos formam uma rede de canais que controla a drenagem, por onde a água

flui velozmente. A vegetação de pedrais vive fixada nessas falhas.

Entre as espécies que exploram com habilidade esse ambiente de pedrais está o camu-camu ou

caçari (Myrciaria dubia), um arbusto de até 5m de altura, bastante ramificado e com densa

folhagem na época da seca. Essa mirtácea medra nesse ambiente, formando extensas populações.

Seus frutos pequenos são considerados uma das mais importantes fontes de vitamina C da flora

amazônica. Seus frutos servem de alimento para a fauna aquática de peixes e quelônios.

A ocorrência de fitofisionomias de vegetação alteradas pela ação antrópica indicam ameaças à

estrutura e função dos ecossistemas aquáticos (Foto 16).

Foto 16. O corte seletivo de madeira para diversos usos e o desmatamento das florestas ripárias têm causado

impactos negativos relevantes aos nichos alimentares e reprodutivos de peixes. (Foto Cleber Alho)

6.5. Ecossistemas aquáticos amazônicos: indicadores para avaliação

Evidências documentadas, como as do planejamento do Projeto AquaBio, têm mostrado que os

ecossistemas aquáticos da Amazônia estão conectados a recursos naturais e às comunidades

humanas ribeirinhas (incluindo povos indígenas) que dependem desses recursos que estão em

crescente risco, diante de ameaças ou conflitos, tais como:

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Uso direto e não sustentável de recursos aquáticos que vão desde a coleta de quelônios

(tracajás, tartarugas e outros) e apanha de seus ovos para consumo e comércio e, também,

a pesca (de subsistência, comercial, esportiva e de peixes de aquário). Tal atividade, em

geral predatória, tem levado à escassez de tartarugas em diversos locais antes abundantes,

e a sobrepesca com diminuição de estoques de tambaqui, piramutaba, pirarucu, tetra-

cardeal, entre outros.

Contaminação direta dos corpos d'água de rios, igarapés e lagos, devido a despejo de

dejetos orgânicos e contaminantes ambientais dos centros urbanos em expansão e sem

tratamento adequado desses dejetos líquidos e sólidos, além dos dejetos oriundos de

atividades mineradoras (Fotos 17 e 18).

Mudanças drásticas de ambientes naturais nos ambientes próximos aos ecossistemas

aquáticos, incluindo desmatamentos com conversão da vegetação natural da floresta para

pasto e também para a agricultura, resultando em sedimentação dos corpos d'água,

carreamento de contaminantes como fertilizantes, herbicidas e pesticidas.

Degradação ou mesmo perda total de hábitats de vegetação ripária associada aos

ecossistemas aquáticos, em virtude da expansão humana, incluindo urbanização e usos

diversos das áreas de várzeas, igapós e outros ambientes de influência aquática.

Alteração do fluxo hídrico de rios, por causa da construção de barragens e implantação de

lagos artificiais, em vista da implantação de obras de infraestrutura, como complexos

hidrelétricos.

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Foto 17. Contaminação de corpos d'água por dejetos líquidos e sólidos principalmente oriundos dos centros urbanos

tem sido identificada por pescadores como uma das ameaças ambientais à pesca. Foto: Cleber Alho

O monitoramento da qualidade de água depende de uma série de fatores e níveis de indicadores

que podem ser aferidos no local. São consideradas características morfométricas (profundidade

máxima, profundidade média, perímetro, declividade), as características hidrológicas (curvas

higrométricas dos rios e seus tributários e ciclo hidrológico anual) e a qualidade da água que

depende da hidrogeoquímica regional e das atividades humanas.

A gestão dos recursos hídricos visa estabelecer bases práticas para gerenciar o sistema, incluindo

todas as características da bacia hidrográfica que se tem em foco e seus usos múltiplos. A

premissa é que as funções do ecossistema, incluindo a qualidade da água, devem ser preservadas

em função dos usos múltiplos que aí ocorrem. É uma tarefa complexa em função das atividades

socioeconômicas e ecológicas aí envolvidas.

Um dos componentes essenciais para a conservação dos ecossistemas aquáticos é a gestão da

qualidade das águas, associada à gestão da bacia hidrográfica. A qualidade da água reflete os

usos e o estado de conservação ou de degradação da bacia hidrográfica. A qualidade da água

reflete ainda os usos múltiplos de um dado ecossistema aquático. Os impactos negativos desses

usos se refletem também nas implicações e no funcionamento limnológico do ecossistema e, em

última análise, nos recursos socioeconômicos ali explotados.

Há variáveis físicas, químicas e biológicas que são geralmente aferidas para o monitoramento da

qualidade da água dos ecossistemas aquáticos. Esses indicadores são: variação da profundidade

dos cursos de água; transparência da água; valores de pH; variação dos valores de condutividade

elétrica; variação dos valores de turbidez; variação dos valores de oxigênio dissolvido; variação

dos valores de temperatura; o nitrogênio total Kjeldahl, que é representado tanto pelo nitrogênio

amoniacal como pelas formas orgânicas dissolvidas e particuladas de nitrogênio; variação dos

valores de fósforo total; variação dos valores de carbono total dissolvido; variação dos valores de

material em suspensão total; variação dos valores de íons totais; metais no sedimento (cromo,

níquel, chumbo, zinco e ferro); demanda bioquímica de oxigênio; variação dos valores de

coliformes totais e fecais; variação dos valores de coliformes totais pela concentração de

fitoplâncton.

Esses indicadores variam em função da sazonalidade, isto é, o período do início das chuvas e o

período de vazante, bem como entre o período do início das chuvas e o período seco. Em pontos

onde há degradação ambiental, como em ecossistemas aquáticos que recebem dejetos de esgotos

urbanos, perto de cidades, ou em locais afetados por atividades agropecuárias com

desmatamentos, há maiores concentrações de nutrientes, principalmente formas nitrogenadas.

Informações obtidas com a coleta de coliformes fecais, clorofila a, carbono orgânico dissolvido e

carbono orgânico total corroboram, em grande parte, os dados físicos e químicos, mostrando

pontos de impacto de matéria orgânica dissolvida e particulada.

As variáveis que podem apresentar maior variação podem ser identificadas como o material em

suspensão, o nitrato, o amônio, o cloreto e o ferro. Essas variáveis estão relacionadas

principalmente com o uso e a ocupação do solo na bacia hidrográfica, quando são observados um

aumento da exploração pecuária e um leve incremento nas populações urbanas e rurais sem a

adequada infraestrutura para o tratamento de efluentes. O aumento do material em suspensão na

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água está diretamente relacionado com as precipitações na região, com o aumento de solo

exposto e o desmatamento ocorrido no local para plantio de pastagens visando a criação de gado.

Foto 18. A urbanização da Amazônia tem levado à poluição dos corpos d’água perto das cidades, que junto com a

degradação ambiental oriunda de mineração, pecuária, agricultura e outras atividade humanas, contribuem com

consequências negativas para os ecossistemas aquáticos. Foto: Cleber Alho

As comunidades bióticas como os macroinvertebrados bentônicos são também bons indicadores

dos ecossistemas aquáticos. A distribuição e diversidade de macroinvertebrados são diretamente

influenciadas pelo tipo de substrato, pela morfologia do ecossistema, quantidade e tipo de

detritos orgânicos, presença de vegetação aquática, presença e extensão de floresta ripária e,

indiretamente, são afetadas por modificações nas concentrações de nutrientes e mudanças na

produtividade primária.

Existe um grande número de indicadores biológicos visando a avaliação da qualidade de

ecossistemas aquáticos. Dentre eles, os mais comumente usados são aqueles que contemplam as

comunidades de invertebrados aquáticos. Esses sistemas de índices bióticos têm sido

desenvolvidos no intuito de conferir valores (scores) a organismos indicadores e classificar

corpos d’água quanto à sua categoria de conservação.

Em locais onde há degradação dos ecossistemas aquáticos, essas comunidades de

macroinvertebrados sofrem modificações em sua estrutura e composição de espécies. Há

espécies intolerantes à poluição das águas (como Trichoptera, Ephemeroptera, Odonata e

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Lepidoptera) e outras que se beneficiam de ambientes com alteração de poluentes (como

oligoquetos e chironomídeos).

Vários estudos indicam que a distribuição e diversidade de peixes são influenciadas pela

heterogeneidade do hábitat. Também ambientes aquáticos com maior correnteza contam

potencialmente com maior heterogeneidade de microhábitats importantes para o estabelecimento

de macroinvertebrados bentônicos. Assim, os ecossistemas aquáticos com maior velocidade de

correnteza podem ter maior probabilidade de albergar animais, por causa da maior taxa de

deslocamento causado pelo fluxo de água que ocorre nesses hábitats.

A sazonalidade do ciclo hidrológico também influencia a composição e estrutura da comunidade

ecológica de macroinvertebrados. No período de seca, por exemplo, as condições extremas do

regime hidrológico na região amazônica influenciam diretamente as comunidades de

macroinvertebrados bentônicos, ocasionando uma diminuição na riqueza das espécies e na

diversidade dos organismos. Contudo, fatores como maior condutividade e substrato

essencialmente arenoso podem ser fatores importantes na limitação do desenvolvimento de

comunidades de macroinvertebrados em determinados ambientes.

Outro indicador a ser apontado é o plâncton. Constitui uma forma de vida dos organismos

aquáticos que se desenvolvem em águas paradas ou de pouca correnteza, encontrando-se,

portanto, mais em sistemas lênticos (lagos, lagoas, reservatórios). O plâncton é composto por

bactérias (bacterioplâncton), vegetais (fitoplâncton) e animais (zooplâncton). Esses organismos

desempenham importantes papeis no ecossistema aquático como produtores, como o

fitoplâncton, consumidores e decompositores.

Os plânctons constituem fonte de alimento para a fauna íctica dos ecossistemas aquáticos. Em

sistemas lóticos ou de águas correntes (como rios e riachos) e são pobres em matéria orgânica – é

muito difícil encontrar plâncton, seja fito ou zooplâncton. Nas bacias amazônicas, contudo, por

serem planícies, os sistemas lóticos apresentam grande quantidade de matéria orgânica, tornando

possível o desenvolvimento de plâncton.

6.6. Fauna silvestre associada aos ecossistemas aquáticos, incluindo peixes e pesca

6.6.1Herpetofauna. A herpetofauna (anfíbios e répteis) é considerada um bom indicador

da qualidade dos ecossistemas aquáticos. A Floresta Amazônica é um dos maiores centros de

diversidade da herpetofauna do mundo. A região abriga aproximadamente 430 espécies de

anfíbios e 380 espécies de répteis. É contudo frequente na literatura científica o encontro e a

descrição de uma nova espécie.

Espécies da herpetofauna têm preferência por dois grandes grupos de ambientes, de acordo com

as preferências de habitat: um grupo florestal e outro de áreas abertas. Esse último grupo ocupa

pontos isolados de vegetação aberta, junto à calha dos rios e sujeitos a inundações sazonais,

constituídos por vegetação pioneira arbustiva-herbácea, periodicamente inundada (campos

naturais inundáveis). Algumas espécies de rãs como aquelas do gênero Dendrobates têm alta

especificidade ao habitat e baixa abundância de população e são consideradas espécies

indicadoras da qualidade do habitat.

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6.6.2. Quelônios aquáticos. Os quelônios aquáticos são importantes nos ecossistemas

aquáticos não só como indicadores, mas principalmente porque são tradicionalmente consumidos

pelas populações ribeirinhas (Alho, 1985). As principais espécies de quelônios que têm valor

biológico e socioeconômico nos ecossistemas aquáticos da Amazônia são: a tartaruga

Podocnemis expansa (Foto 19), o tracajá Podocnemis unifilis, o pitiú Podocnemis

sextuberculata,

Foto 19. A tartaruga-da-amazônia Podocnemis expansa é um quelônio tradicionalmente caçado para consumo de

sua carne e de seus ovos na Amazônia (Foto Cleber Alho).

a irapuca (Podocnemis erythrocephala), o cabeçudo (Peltocephalus dumeriliana), o muçuã

(Kinosternon scorpioides) e a aperema (Rhynoclemmys punctularia).

A tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) tem uma ampla distribuição na Amazônia,

estendendo-se por todo o rio Amazonas e Orinoco e seus afluentes (Foto 20). A tartaruga ocorre

nos países amazônicos Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.

É estritamente aquática e só sai da água para realizar a desova. Essa espécie habita os rios, lagos,

pântanos, ilhas e florestas inundáveis, dispersando-se isoladamente por esses ambientes para se

alimentar. São animais capazes de perceber o regime de vazante do rio e detectam o período

apropriado de estiagem (quando as praias ou tabuleiros aparecem), para iniciarem o ritual

comunal de comportamento de desova, numa sincronia entre o regime de vazante do rio e o

desencadeamento do comportamento de nidificação (Alho e Pádua, 1982a). É nessa fase, quando

os animais estão nos tabuleiros desovando, que as pessoas invadem as praias e fazem a

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"viração", deixando o máximo possível de animais virados de plastrão para cima, carapaça para

baixo, para serem recolhidos, consumidos ou comercializados.

Foto 20. Tracajás (como exibindo comportamento de termorregulação) são tradicionalmente consumidos pelos

povos amazônicos. Os hábitats alimentares como este e os reprodutivos (tabuleiros de desova) devem ser manejados

e protegidos. (Foto Cleber Alho).

A incubação dos ovos na areia dura cerca de 49 dias depois da desova, a uma temperatura média

de 37ºC dentro da câmara de postura. Os filhotes eclodem e, estimulados pelas primeiras chuvas,

abandonam os ninhos de incubação e correm em direção à água (Alho & Pádua, 1982; Alho,

1985). A temperatura de incubação é importante para a determinação do sexo da tartaruga.

Portanto, potencial mudança climática na temperatura pode influenciar o balanço de sexo destes

animais.

6.6.3. Avifauna. A Amazônia conta com uma significativa diversidade de aves, e como

este grupo é bem estudado, algumas espécies associadas à água constituem bons indicadores do

status dos ecossistemas aquáticos. Bons indicadores de qualidade de hábitat podem ser listados

como: a águia–real (Harpia harpyja); o uiraçu-falso (Morphnus guianensis); o jacu-estalo-

escamoso (Neomorphus squamiger), a jacupiranga (Penelope pileata), o limpa-folha-de-bico-

virado (Simoxenops ucayalae) e o puruchém (Synallaxis cherriei).

Algumas espécies de aves associadas aos ecossistemas aquáticos têm distribuições restritas a

estreitas faixas ao longo dos rios. A importância dos rios (e suas planícies de inundação) como

barreiras diminui com sua largura e com o aumento de capacidade de dispersão das aves. É o

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conhecido “efeito barreira” que é marcadamente notável em espécies que habitam o interior da

floresta, tais como alguns formicarídeos de sub-bosque das florestas (por exemplo Phlegopsis

nigromaculata), cujas populações são efetivamente separadas, mesmo em faixas relativamente

estreitas dos rios.

Espécies de aves indicadoras de hábitats aquáticos estão intimamente associadas a ambientes

ripários. Ocorrem e se utilizam dos recursos presentes na região ribeirinha, entre elas: a cigana

(Opisthocomus hoazin), martim-pescadores Ceryle torquata e Chloroceryle spp., anu coroca

(Crotophaga major), urubuzinho (Chelidoptera tenebrosa), andorinhas Atticora fasciata e

Tachycineta albiventer, cardeal (Paroaria gularis) e, em especial, o tico-tico-cigarra

(Ammodramus aurifrons), espécie que se restringe aos campos das margens e ilhas dos grandes

rios amazônicos.

6.6.4. Mastofauna. Os mamíferos silvestres são importantes não só como indicadores de

hábitats associados aos ecossistemas aquáticos como também representam recursos de

subsistência socioeconômica por meio da caça. Na Amazônia ocorre um grande número de

espécies de mamíferos e, ocasionalmente, esse número vem subindo. É o caso do primata com

pelo negro batizado cientificamente de Cacajao ayresi, ou uacari-do-aracá, com distribuição no

rio Aracá (tributário do rio Negro), na fronteira do Brasil com a Venezuela.

Exemplos de mamíferos indicadores de qualidade de hábitat estão os primatas como o coatá-de-

testa-branca (Ateles marginatus) e o cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus), que são

espécies mais vulneráveis aos efeitos antrópicos, especialmente por suas distribuições

geográficas restritas. Efeitos dos rios amazônicos como barreira que limita a distribuição de

primatas podem ser ilustrados com o caso de Ateles marginatus que é exclusiva do interflúvio

Xingu-Tapajós. Aliás, essa região experimenta ampla colonização humana devido à construção

da rodovia Santarém-Cuiabá. Há algumas espécies de mamíferos de distribuição mais restrita,

como é o caso do cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus), restrito apenas às florestas da

margem esquerda do rio Xingu. Já a espécie de primata cuxiú-preto (Chiropotes satanas) ocorre

apenas nas florestas da margem direita do rio Xingu. Já Callithrix argentata e Saguinus niger,

espécies com preferência por clareiras nas florestas, costumam aumentar sua abundância no caso

de perturbações ambientais.

Na Amazônia existem cinco espécies de mamíferos aquáticos pertencentes a três distintas

Ordens: Sirenia, com uma espécie, o peixe-boi da Amazônia (Trichechus inunguis) (Foto 21), a

Ordem Cetacea, com duas espécies de golfinhos, o boto-vermelho (Inia geoffrensis) e o boto-

tucuxi (Sotalia fluviatilis) e a Ordem Carnivora, com duas espécies de mustelídeos aquáticos, a

ariranha (Pteronura brasiliensis) e a lontra (Lontra longicaudis). Estas espécies são indicadores

de ecossistemas aquáticos.

O peixe-boi é um herbívoro aquático endêmico da Amazônia, e como apresenta comportamento

bastante discreto, é difícil de ser observado no seu ambiente natural. As informações são obtidas

geralmente de forma indireta, por meio de entrevistas com os moradores locais, observação de

locais com presença de macrófitas aquáticas e semi-aquáticas (evidência de locais de

alimentação), presença de fezes, coleta de material ósseo ou carcaças, pele, mixira, fezes e outras

evidências da ocorrência da espécie.

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Foto 21. Peixe-boi Trichechus inunguis é endêmico da bacia Amazônica, espécie ameaçada na categoria vulnerável.

Ocupa hábitat de várzea durante a cheia e se dispersa para igarapés ou canais de rios e lagos perenes durante a

estação de vazante e seca. (Foto Cleber Alho).

O boto-vermelho e o tucuxi são animais piscívoros, predadores no topo da cadeia alimentar e

perseguem suas presas. Por isso são potenciais espécies para atuar como indicadoras da

qualidade do ambiente aquático quanto à ocorrência de peixes e concentração de contaminantes

ambientais.

6.6.5. Peixes e pesca. O rio Amazonas e seus tributários contêm a maior diversidade de

espécies de peixes entre as regiões ictiogeográficas do planeta, com destaque entre as 426

ecorregiões aquáticas continentais do globo terrestre (Abell et al.,2008).

Fatores históricos da geomorfologia da Amazônia devem ser considerados para o entendimento

da diversidade de peixes da região. Por exemplo, as evidências históricas sobre as ligações da

ictiofauna do rio Xingu com drenagens da periferia Amazônica, mostraram fortes evidências que

suportam a hipótese biogeográfica de macroescala. Essa hipótese relaciona as maiores afinidades

ictiofaunísticas entre os rios Xingu e Amazonas (para o oeste), Xingu, Orinoco e Guianas (para o

nordeste e norte) e Xingu e Tocantins (para o leste) aos eventos geológicos e climáticos que

moldaram as paisagens hidrográficas da Amazônia e sua periferia, especialmente a partir do

soerguimento dos Andes durante o Mioceno e das glaciações do Pleistoceno.

Acrescem, ainda, as sucessivas flutuações climáticas com consequentes alternâncias de períodos

frios e quentes que ocorreram na região amazônica, com variações de chuvas, com reflexo na

cobertura vegetal, levando a fragmentações e posteriores expansões de hábitats.

Os peixes típicos das várzeas amazônicas são o pirarucu Arapaima gigas (Foto 22) e a

pirapitinga Piaractus brachypomus, além de outras espécies como Carnegiella strigata,

Laemolyta varia, Leporinus cylindriformis, Pseudanos trimaculatus, Centrodoras brachiatus,

Trachydoras steindachneri, Dianema longibarbis, Pseudepapterus cucuhyensis, Farlowella

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amazona, Loricaria cataphracta, Henonemus punctatus, o grande bagre Pseudoplatystoma

tigrinum, e os peixes elétricos Rhamphichthys marmoratus e Sternarchorhamphus muelleri.

São reconhecidas duas categorias de movimento de peixes na Amazônia. Há as espécies

migradoras para as áreas marginais alagadas dos rios, no início da enchente, onde desovam.

Entre estas espécies estão os peixes de escama como o curimatã Prochilodus nigricans e as

espécies de pacu Myleus spp. A outra categoria de movimento dos cartumes é relacionada a

migração de longas distâncias do grandes bagres como a piramutaba (Brachyplatystoma

vaillantii) e a dourada (Brachyplatystoma flavicans).

Entre os peixes que fazem movimento para as margens alagadas dos rios, no início da enchente,

destacam-se ainda as espécies de tucunarés (Cichla spp.) (Foto 23), o aruanã (Osteoglossum

bicirrhosum), o pirarucu (Arapaima gigas) além de outros peixes como pescada, acari e

piranhas. Estas espécies podem realizar pequenos movimentos laterais entre as áreas inundadas e

o canal principal do rio ou mesmo pequenos deslocamentos longitudinais dentro de um mesmo

macrohabitat.

Foto 22. Pirarucu Arapaima gigas muito pescado nos lagos da bacia amazônica. (Foto Cleber Alho).

Os peixes que fazem a migração de piracema, ao longo dos rios, como os grandes bagres, podem

percorrer dezenas ou milhares de quilômetros, para encontrar o sítio de reprodução. No alto

Solimões, Madeira ou Japurá, os bagres desovam entre maio e julho. As larvas desses peixes

aparentemente são carreadas pela correnteza do Amazonas, chegando meses depois ao estuário.

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Contudo, em alguns rios como no Xingu, as espécies de bagres como o surubim

Pseudoplatystoma fasciatum, a pirarara Phractocephalus hemioliopterus e o filhote

Brachyplatystoma filamentosum parecem não precisar percorrer distâncias tão longas.

Os peixes que percorrem as áreas entre o curso dos rios e as partes sazonalmente inundáveis, no

início da enchente, compreendem os chamados peixes brancos, como o tambaqui (Colossoma), o

pacu (Mylossoma) e a curimatã (Prochilodus) entre outras, e os peixes pretos, com destaque para

o jaraqui (Semaprochilodus) e o matrinchã (Brycon). Os peixes brancos são mais ligados às

várzeas do rio principal, Solimões-Amazonas, ou de seus afluentes de águas brancas, como o

Madeira e o Purus e, realizam migração mais tardia que os peixes pretos, ligados

preferencialmente aos igapós dos afluentes de águas pretas e claras.

A migração não é só para reprodução nas áreas inundadas. Os cardumes procuram também

alimento (frutos caídos da floresta inundável, vegetação flutuante e outros itens) e fazem também

movimento de dispersão. Com o início da vazante os peixes retornam ao leito dos rios.

As migrações, contudo, não são tão padronizadas. Estudos em diversas bacias da Amazônia

mostram características locais. Nos tributários do baixo Amazonas, algumas migrações parecem

bastante distintas daqueles descritos para a Amazônia Central. Estudos sobre as migrações na

bacia do rio Tocantins detectaram a ocorrência de quatro variações nos padrões de migrações (1)

no baixo Tocantins; (2) no médio rio Tocantins e baixo rio Araguaia; (3) no médio Araguaia

abaixo da Ilha do Bananal e no médio – alto rio Araguaia acima da Ilha do Bananal. Afora as

especificidades locais, à semelhança da Amazônia Central, os cardumes no Tocantins e Araguaia

também sobem o canal principal durante toda a vazante. Durante a seca, entretanto, estes

cardumes se desagregam e os peixes pré-maduros se espalham por entre praias, pedrais e pauzadas

do canal principal. Quando o rio começa a subir, os cardumes se reúnem novamente e migram para

dentro dos tributários para desovar nas águas rasas com vegetação recém inundada (grotas).

Nas zonas de inundação, os peixes alimentam-se intensamente durante toda a estação cheia, para

produzir o estoque de gorduras que lhes facultará um novo ciclo migratório, durante o verão

seguinte. Grandes quantidades de caracídeos e silurídeos jovens também podem ser detectados em

lagos marginais. Se por um lado ainda há necessidade de melhor investigação sobre os padrões

particulares de migração, por outro lado deve-se ressaltar que o esforço pesqueiro perturba esses

movimentos migratórios.

O valor do peixe para a pesca recai sobre um número relativamente pequeno de espécies

(estimado em cerca de 200 na Amazônia), em comparação à alta diversidade de peixes regionais.

E o valor de mercado ou de consumo também varia como é regra geral na pesca.

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Foto 23. Peixes capturados e comercializados na Amazônia. (Foto Cleber Alho)

Importante enfatizar que a pesca para consumo cumpre papel social e econômico na Amazônia,

além de garantir suprimento proteico de baixo custo para as populações humanas mais carentes.

Ao mesmo tempo, a pesca de peixes ornamentais na Amazônia representa uma importante fonte

socioeconômica para a gente local. O mercado de peixes ornamentais vem apresentando uma

demanda crescente no mercado internacional e as espécies amazônicas desempenham papel

preponderante no mercado de peixes de aquário.

A pesca de peixes ornamentais teve início nos anos 30, mas prosperou na década de 50, no

município de Benjamin Constant, fronteira entre Peru e Colômbia, sendo posteriormente

ampliada para todo o Estado do Amazonas, atualmente responsável por cerca de 90% de toda a

produção. O Estado do Pará é o segundo mais importante produtor de peixes ornamentais.

Um outro problema grave que tem ocorrido muito no Brasil, com potencial de se estender para a

Amazônia, é a hibridação de espécies. Por exemplo, o surubi (Pseudoplatystoma fasciatum) e a

cachara (Pseudoplatystoma corruscans) foram hibridizados por piscicultores e escaparam para

os rios. Agora já se capturam híbridos na natureza. Outro caso semelhante é o tambacu, hídrido

de tambaqui e pacu.

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7. DIRETRIZES PARA O PLANO DE AÇÕES ESTRATÉGICAS

7.1. Procedimentos metodológicos sobre a avaliação das ameaças ambientais e conflitos de

pesca

A identificação e a avaliação das ameaças ambientais é um instrumento voltado para subsidiar o

planejamento de uma determinada atividade potencialmente modificadora do meio ambiente

(neste os ecossistemas aquáticos) para subsidiar a decisão quanto à seleção da melhor entre as

possíveis alternativas de ação para atingir a conservação e o uso sustentável dos recursos

naturais, em particular a pesca. Essa avaliação de certo modo tem um teor subjetivo porquanto se

baseia na análise de pesquisadores especialistas.

A identificação e a avaliação das ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos assume a forma

de um processo – o processo de avaliação dessas ameaças, que se traduz em um conjunto de

procedimentos, alguns de natureza técnico-científica, outros de cunho político-administrativo e

legal. Esse processo tem por primeira finalidade assegurar que tais ameaças ambientais (aos

ecossistemas aquáticos, com destaque para a pesca), sejam previstas e analisadas. A vertente

técnico-científica desse processo de análise se baseia no fato de que a diversidade de peixes da

Amazônia e as espécies que são alvo da pesca são componentes bióticos fundamentais e parte

integrante da estrutura e da função dos ecossistemas aquáticos. A vertente político-administrativa

diz respeito aos procedimentos administrativos, ao aparato que os gerencia e às normas legais

que devem ser obedecidas e os instrumentos consagrados nas técnicas de manejo. Em síntese, o

processo de avaliação das ameaças ambientais tem como finalidade orientar as diretrizes a serem

tomadas no plano de ação estratégica para este componente de ecossistemas aquáticos para o

Projeto GEF-Amazonas.

A revisão bibliográfica conduzida neste estudo, junto com a visita ao campo em três áreas focais

(ou hotspots: alto rio Xingu, baixo rio Tocantins e médio rio Negro) permitiram a identificação

dessas ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos em geral ressaltando, em particular, o

vetor de peixes e pesca para a compreensão da análise.

Desse modo, o termo "ameaça ambiental e conflito de pesca" é definido como os fatores

negativos que impactam os ecossistemas aquáticos, prejudicam a produtividade da pesca e

afetam os aspectos socioeconômicos dos pescadores, contribuindo para caracterizar o uso não

sustentável desse recurso natural. É, portanto, qualquer alteração significativa e prejudicial no

ecossistema aquático – em um ou mais de seus componentes – provocada pela ação humana,

destacando-se aqui a atividade de pesca. Esses fatores negativos que uma dada modificação

derivada de interferência do homem em sua atividade de pesca, tem implicação e consequência

socioeconômica para os povos que dependem desse recurso natural, isto é, do peixe.

Essa relação negativa não só afeta os ecossistemas aquáticos, como também tem implicações

com as interações socioeconômicas com o homem local (ribeirinhos e pescadores). Contudo, as

ameaças ambientais à pesca como também os conflitos de pesca, não são aqui tratados

isoladamente, quanto à sua identificação e avaliação, de vez que cada ameaça identificada, bem

como cada conflito de pesca identificado, conta com inter-relações com outras ameaças e

conflitos. Constitui um complexo de ações negativas conexas à integridade dos ecossistemas

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aquáticos, à biologia e ecologia da ictiofauna, aos eventos sazonais como o pulso de enchente-

vazante, e à efetiva implementação da legislação e normatização, particularmente no que se

refere à fiscalização, além de outros fatores.

Denomina-se “variável ambiental” a cada um dos fatores que compõem os meios que poderão

ser afetados pela ameaça ambiental que incluem: (1) o ecossistema aquático, (2) os peixes e a

pesca como indicadores do meio biótico desse ecossistema, e (3) o componente socioeconômico

que afeta a vida do homem ribeirinho que depende desse recurso natural.

A identificação e análise desses elementos ou variáveis permitiu a elaboração do diagnóstico

deste estudo, tomando como base os trabalhos de campo nos três hospots já identificados e,

principalmente, tomando a literatura técnico-científica publicada como referências.

Inicialmente, a equipe formada por três especialistas em ecologia e ictiofauna procedeu à

identificação das ameaças ambientais e os conflitos de pesca. Em seguida foram identificadas as

relações com os elementos que potencialmente afetam a ictiofauna e a pesca nos ecossistemas

aquáticos (elementos ecológicos e biológicos, elementos socioeconômicos e elementos da

normatização).

As ameaças ambientais são descritas, na forma de texto, indicando como, onde e quando

ocorrem, identificando as condições em que se tornam significativas, particularmente para a

pesca. Desse modo se procura também identificar a fonte geradora da ameaça e do conflito de

pesca.

A caracterização de cada ameaça é feita por meio de indicadores, de forma a fornecer

informações necessárias não só à subsequente avaliação da ameaça, como também orientar as

ações de conservação propostas para o plano de ações estratégicas, no sentido de mitigar,

compensar ou monitorar as ameaças identificadas.

Quanto à ocorrência da ameaça o indicador analisa a possibilidade do impacto se

materializar em função das seguintes condições:

Certa: alteração negativa com certeza de ocorrência

Provável: alteração com alta possibilidade de ocorrer

Improvável: baixa possibilidade de ocorrer

Quanto à incidência das ameaças:

Direta: a ameaça é a primeira alteração que decorre de uma ação impactante

Indireta: uma ação que decorre secundariamente de uma ação impactante

Quanto à abrangência da ameaça:

Pontual: alteração que se manifesta na área em que se dá o impacto

Local: alteração que se manifesta numa área maior

Regional; alteração de abrangência regional

Quanto a temporalidade de manifestação da ameaça:

Curto prazo: a ameaça se manifesta imediatamente

Médio e longo prazos: a ameaça demanda mais tempo para se manifestar

Quanto à forma de manifestação da ameaça:

Contínua: a alteração é passível de forma ininterrupta

Descontínua: a alteração é passível de ocorrer em intervalos variados de tempo

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Cíclica: a alteração se manifesta de forma cíclica

Quanto à duração da manifestação da ameaça:

Temporária: manifestação transitória

Permanente: alteração que ocorre permanentemente

Quanto à reversibilidade da ameaça pela ação de conservação:

Curto prazo: quando as ações efetivamente implementadas podem reverter o

efeito da ameaça em curto prazo

Médio/longo prazo; quando o efeito exige prazo maior

Irreversível: quando a ameaça afeta o ambiente (ecossistema aquático) de maneira

irreversível

Quanto à relevância da ameaça:

Baixa; a alteração que impacta os elementos ou variáveis ambientais é passível de

ser percebida ou facilmente detectada, com perda mínima dos elementos

ambientais

Média: média capacidade de percepção com perda média dos elementos

ambientais

Alta: percepção implicando em perdas expressivas dos elementos ambientais

Quanto à magnitude da ameaça, que se refere à grandeza de uma ameaça em termos

absolutos.

Baixa: quando o grau de alteração da qualidade da variável ambiental que será

afetada é baixo.

Média: quando o grau de alteração da qualidade da variável ambiental que será

afetada é médio.

Alta: quando o grau de alteração da qualidade da variável ambiental que será

afetada é alto.

Toda esta análise e avaliação das ameaças são apresentadas em forma de quadros. As ações de

mitigação das ameaças apresentadas (para o plano de ações estratégicas) são aquelas que visam

reduzir os efeitos das ameaças e conflitos de pesca, quando essas ameaças são identificadas

como mitigáveis, isto é, quando potencialmente podem exercer controle no processo que geram

as ameaças e conflitos ambientais.

8. IDENTIFICAÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS AMEAÇAS

AMBIENTAIS QUE IMPACTAM OS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS

O plano de ações estratégicas do Projeto GEF-Amazonas visa fazer face às ameaças ambientais

identificadas e analisadas, e, no caso deste componente de ecossistemas aquáticos, vislumbra a

esperança de que a implantação desse plano venha trazer progresso na pesca sustentável e

melhorar a qualidade de vida da população local que vive desse recurso.

8.1. Ameaça: Alteração e perda de hábitats de peixes devido ao desmatamento da vegetação

ripária

8.1.1. Descrição da Ameaça. Mata ciliar ou ripária é a vegetação que ocorre nas

margens dos rios. Essa mata é fundamental para o ambiente aquático e para os organismos que

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vivem nos rios por três motivos principais. A integridade das margens é, em grande parte,

sustentada pela vegetação ripária. A sua retirada facilita o carreamento de terra e outros

sedimentos para o leito do rio pela chuva, causando o assoreamento do leito, com a consequente

diminuição da profundidade e da estruturação. Além disso, a mudança na turbidez da água

provoca alteração na penetração de luz e consequentemente na produtividade primária do

manancial. Ainda, altera as habilidades de percepção do meio pelos peixes que se orientam

visualmente para atividades reprodutivas, alimentares, etc., impactando a sua sobrevivência.

Finalmente, diversas árvores da mata ciliar produzem frutos e sementes que são utilizadas por

diversos peixes para alimentação, especialmente na época de cheia. O desmatamento da

vegetação ripária foi extensivamente verificado na região do alto rio Xingu e em partes do baixo

rio Tocantins, durante os trabalhos de campo.

A literatura científica da Amazônia tem apontado a importância do fluxo hidrológico dos rios

para a estrutura e função dos ecossistemas aquáticos da região. Importante ressaltar que os peixes

desempenham papel biótico fundamental nessa estrutura e função dos ecossistemas aquáticos,

em particular nos ambientes de floresta sazonalmente inundável. Essa inter-relação interfere na

disponibilidade de recursos pesqueiros, fato que afeta a natalidade e recrutamento de muitas

espécies de peixes. A extensa área de floresta e outros tipos de vegetação que são sazonalmente

inundáveis, com expansão e encolhimento anual de hábitats, favorece a interação de peixes que

saem do leito dos rios durante a cheia, resultando numa complexa cadeia trófica. A grande

importância desses hábitats inundáveis está também no fato de que servem como berçários para

diversas espécies de peixes de interesse da pesca, como o tambaqui (Colossoma macropolum), o

matrinxã (Brycon amazonicus), o curimatã (Prochilodon nigricans), os jaraquis

(Semaprochilodus insignis, S. brama e S. teaniurus), as sardinhas (Triportheus angulatus e T.

elongatus) entre muitas outras espécies. Relatos de pescadores e outros ribeirinhos associados à

pesca na região do alto rio Xingu e do baixo rio Tocantins descreveram a diminuição da

quantidade de peixes nessas regiões o que, em parte, pode estar associado à perda da mata

ripária.

Quadro 1: Caracterização da ameaça.

Ameaça Alteração e perda de hábitats de peixes devido ao

desmatamento da vegetação ripária

Variável

Ambiental Impactada

Ictiofauna e outros componentes do meio biótico do

ecossistema aquático

Caracterização da ameaça

Ocorrência Certa Considera-se como certa a ocorrência dessa ameaça ambiental

diante da tendência de desmatamentos ou modificações da

floresta ombrófila fluvial e outra tipologia de vegetação ao

longo dos rios, lagos e igarapés. Esta ameaça está bem

evidente nas cabeceiras dos rios da Amazônia que nascem no

Planalto Brasileiro, nos biomas Floresta e Cerrado, onde a

expansão da soja e do pasto para o gado tem levado à

conversão da vegetação natural em ambientes drasticamente

modificados. A floresta ribeirinha constitui recurso ecológico

essencial à biologia de peixes das várzeas amazônicas e, em

consequência, do recurso pesqueiro. As espécies de peixes

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que ocorrem nos lagos, rios e igarapés exibem dinâmica

complexa de comportamento alimentar e reprodutivo. Na

época da enchente e cheia os peixes entram na vegetação

inundável para se reproduzir, ou suas larvas e alevinos são

carreados pela correnteza da enchente, para dentro da

vegetação sendo inundada. Nesse ambiente inundável os

alevinos encontram alimento e proteção. Na estação de

vazante e seca os peixes retornam junto com a água para o

leito dos rios. As técnicas de pesca consideram essa dinâmica

em função do fluxo dos rios.

Incidência Direta O efeito do desmatamento na perda e alteração dos hábitats

alimentares e reprodutivos de diversas espécies de peixes é

direto, dado que o desaparecimento ou alteração da vegetação

inundável elimina os nichos alimentares e reprodutivas dos

peixes.

Abrangência Pontual O impacto da ameaça ambiental se manifesta em locais onde

há ocorrência de desmatamentos da vegetação riparia ou sua

alteração, como no caso das cabeceiras dos rios Tocantins,

Araguaia, Xingu, e Madeira, sob influência da expansão da

soja e outras culturas e da pecuária. Temporalidade Imediato /

curto prazo Este impacto tem manifestação imediata a curto prazo, dado

que a brusca conversão ou alteração da vegetação em campos

agrícolas ou pasto interfere imediatamente nos hábitats de

peixes.

Forma de

Manifestação

Contínua O efeito se manifestará de forma contínua já que a alteração

ou eliminação desses hábitats ocorre de forma abrupta.

Duração da

Manifestação

Permanente O impacto tem duração permanente porque naquela dada área

os hábitats foram alterados ou eliminados, privando os peixes

desse recurso fundamental do ecossistema aquático.

Quadro 2: Avaliação da ameaça.

Avaliação da Ameaça Reversibilidade Reversível a

longo prazo

É uma ameaça considerada reversível a longo prazo, caso

se proceda a restauração da vegetação alterada ou

suprimida.

Relevância Alta A relevância é alta porque os hábitats são reduzidos ou

suprimidos drasticamente nos locais onde ocorrem essas

ameaças.

Magnitude Alta Em função de ser um impacto reversível a longo prazo a

um custo muito elevado sua magnitude é considerada como

alta.

8.1.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As

medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

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Monitoramento e controle de desmatamentos da vegetação ripária, inclusive em

cumprimento à legislação de vários países membro da OTCA;

Conscientização dos produtores rurais sobre a faixa mínima de vegetação ripária;

Incremento da fiscalização da derrubada de vegetação ripária (por exemplo, através de

técnicas de monitoramento com sensoreamento remoto por satélite);

Criação de mecanismos participativos de fiscalização (cooperação das comunidades de

pescadores com os órgãos ambientais).

8.2. Ameaça: Efeito da diminuição da vazão dos rios devido ao desmatamento das áreas de

nascentes

8.2.1. Descrição da Ameaça. O desmatamento extensivo provavelmente representa

o mais importante fator de impacto sobre os ambientes terrestres, com consequências igualmente

importantes para os ambientes aquáticos do entorno. A retirada da floresta de terra firme

aumenta drasticamente a evaporação da água do solo, causando a diminuição da vazão ou

mesmo o desaparecimento de nascentes (Santos et al., 2012), culminando com a diminuição da

vazão dos rios. O desmatamento também desagrega o solo que será parcialmente carreado pelas

chuvas, especialmente quando a faixa de mata ciliar remanescente for pequena (relação com a

Ameaça anterior: Alteração e perda de hábitats de peixes devido ao desmatamento da vegetação

ripária).

O carreamento de terra e outros sedimentos para o leito do rio pela chuva, causa o assoreamento

do leito, com a consequente diminuição da profundidade e perda da estruturação. Grandes

extensões de Cerrado e Floresta já foram removidas na porção sul da Amazônia brasileira,

especialmente nos estados do Pará, Tocantins, Mato Grosso e Rondônia, principalmente para a

pecuária e agricultura extensivas (Figura 9). A região do alto rio Xingu, visitada neste estudo, e

do médio rio Madeira e alto rio Tapajós, visitadas em outra oportunidade, são exemplos de

grandes áreas de desmatamento extensivo. Por outro lado, a mata ciliar ou ripária é composta por

floresta aluvial e cobre as áreas alagáveis junto às margens dos rios. Essa mata é fundamental

para o ambiente aquático e para os organismos que vivem nos rios, pois é sazonalmente alagada

durante a estação da cheia provendo refugio para muitas espécies de peixes que aí se alimentam e

se reproduzem, sendo também a área de berçário onde crescerão os alevinos. Felizmente, uma

grande parte da porção norte da Amazônia é dominada por matas inundáveis, a agricultura sendo

praticada em pequenas roças nas porções de terra firme, junto às comunidades. A dinâmica de

inundação sazonal dominante em grande parte da região, além da baixa qualidade dos solos e a

ausência de culturas adaptadas à condição climática, tornam essas áreas sem vocação para a

agricultura extensiva.

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Figura 9. Área desmatada (em vermelho) nas cabeceiras do rio Xingu. À esquerda em 1994 e à direita em 2005.

Fonte: Projeto Y Ikatu Xingu.

Com inúmeros exemplos conhecidos na Mata Atlântica no leste e nordeste do Brasil, a

diminuição e desaparecimento de nascentes começa a ser registrado na bacia Amazônica. Em um

estudo na região de Rio Branco, Acre, Santos et al. (2012) demonstraram que nascentes em áreas

desmatadas diminuíram consideravelmente seus níveis de vazão. Durante os trabalhos de campo

do presente estudo, verificou-se que enormes áreas de floresta na parte superior da bacia do rio

Xingu deram lugar a extensas plantações de soja e outros cultivos. Todas as pequenas nascentes

que existem nessas áreas encontram-se agora desmatadas e certamente com severa diminuição da

sua vazão original de água. Esse panorama se repete em toda a porção sul da bacia amazônica

brasileira, em especial na porção superior das bacias dos rios Tocantins, Araguaia, Xingu,

Tapajós e Madeira. A perda de vazão desses rios, associada à mudanças climáticas previstas,

poderão impactar negativamente a operação das Usinas Hidrelétricas existentes e em construção

nos mesmo (ver Ameaça 7: Efeitos das mudanças climáticas sobre os ambientes aquáticos).

Quadro 3: Caracterização da ameaça.

Ameaça Efeito da diminuição da vazão dos rios devido ao

desmatamento das áreas de nascentes

Variável

Ambiental Impactada

Ictiofauna e outros componentes do meio biótico do

ecossistema aquático

Caracterização da ameaça

Ocorrência Certa Considera-se como certa a ocorrência dessa ameaça ambiental

diante da grande área de desmatamentos para agricultura e

pecuária nos estados do Tocantins, Pará, Mato Grosso e

Rondônia. Esta ameaça está particularmente evidente em todo

o curso superior dos rios da Amazônia que nascem no

Planalto Brasileiro.

Incidência Direta O efeito do desmatamento extensivo é direto nos ambientes

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aquáticos, pois aumenta em ordens de grandeza a evaporação

da água do solo causando a diminuição da vazão e até o

desaparecimento de nascentes e pequenos riachos de primeira

ordem e consequente diminuição na vazão dos riachos e rios

formados por aqueles.

Abrangência Extensa O impacto da ameaça ambiental se manifesta amplamente em

toda a região da vertente sul da bacia amazônica brasileira, em

especial na porção superior das bacias dos rios Tocantins,

Araguaia, Xingu, Tapajós e Madeira. Temporalidade Médio

prazo

Este impacto tem manifestação a médio prazo, dado que a

conversão de florestas em campos agrícolas ou pasto aumenta

a evaporação do solo de forma continuada.

Forma de

Manifestação

Contínua O efeito se manifestará de forma contínua já que a alteração

das florestas em culturas ou pastos é permanente.

Duração da

Manifestação

Permanente O impacto tem duração permanente porque nas áreas em que

os hábitats foram alterados e o aumento da evaporação no solo

aumenta de forma permanente.

Quadro 4: Avaliação da ameaça.

Avaliação da Ameaça Reversibilidade Reversível a

longo prazo

É um impacto considerado reversível a longo prazo, caso

se proceda a restauração da vegetação alterada ou

suprimida.

Relevância Alta A relevância é alta porque os riachos e cursos d’água

afetados não irão se recuperar em curto prazo e irão afetar

todo o sistema hídrico a jusante.

Magnitude Alta Em função de ser um impacto reversível a longo prazo a

um custo muito elevado sua magnitude é considerada como

alta.

8.2.2.Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As

medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Monitoramento e controle de desmatamentos extensivo em todas as áreas da bacia

Amazônica, em especial a sua metade sul no Brasil;

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da

manutenção das florestas ainda existentes para a sobrevivência do ecossistema;

Incremento da fiscalização da derrubada de vegetação ripária (por exemplo, através de

técnicas de monitoramento com sensoreamento remoto por satélite);

Criação de mecanismos participativos de fiscalização (cooperação das comunidades de

pescadores com os órgãos ambientais).

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8.3. Ameaça: Efeito de contaminantes ambientais na qualidade da água

8.3.1. Descrição da Ameaça. A agricultura extensiva praticada na porção sul da

Amazônia, especialmente no Brasil, utiliza grandes quantidades de fertilizantes de solo.

Diferentes tipos de solos precisam ser corrigidos para adaptar-se a distintos cultivos agrícolas.

Os típicos latossolos do Escudo Brasileiro, como observados na região do alto Xingu, mas

ocorrentes largamente na porção sul da Amazônia, são empobrecidos de nutrientes e necessitam

de correção de pH e de acréscimo de fertilizantes para o plantio da soja, algodão, milho, entre

outros. A engenharia agrícola obviamente procura minimizar o uso destes componentes a fim de

diminuir o custo da produção. No entanto, parte destes corretivos e fertilizantes é sempre

carreada para os riachos e daí para os rios, eutrofizando os mananciais e modificando a dinâmica

da cadeia alimentar dos organismos aquáticos (Winemiller, 1996).

Da mesma forma que os fertilizantes, diversos tipos de herbicidas e pesticidas são empregados

nesses cultivos agrícolas, predominantes na região sul da Amazônia. Estes produtos são

usualmente aplicados com aviões que jogam grandes quantidades sobre as lavouras. Uma vez

aplicados, parte acaba sendo carreada pela chuva para os rios causando diferentes tipos de

envenenamentos nos organismos aquáticos. As grandes extensões de monoculturas observadas

durante o trabalho de campo no rio Xingu, e em outras oportunidades na bacia dos rios Tapajós e

Madeira, são um claro exemplo do que ocorre em toda a vertente sul do rio Amazonas no Brasil.

Além do rio Xingu, grandes áreas florestais foram transformadas em plantações e utilizam

enormes quantidades desses corretivos e pesticidas na cabeceiras dos rio Tocantins, e

especialmente Tapajós, no Mato Grosso e Madeira, em Rondônia.

A mineração de ouro aluvial na bacia Amazônica, especialmente nas bacias dos rios Tapajós e

Madeira, é também um sério problema ambiental que afeta adversamente os organismos

aquáticos e com importante problema para a pesca. A extração do ouro é a principal atividade de

mineração nos afluentes da margem direita do rio Amazonas. Além do fato dos rios serem

completamente dragados e terem o seu fundo e margens completamente destruídos no processo,

os garimpeiros utilizam mercúrio para amalgamar o ouro do substrato, em seguida vaporizando o

mercúrio na atmosfera, para separar o ouro. A vaporização do mercúrio causa envenenamento

severo dos garimpeiros e pessoas próximas e também do ambiente aquático, onde irá parar

trazido de volta pelas chuvas. Malm (1998) estimou que cerca de 2.500 toneladas de mercúrio

tenham sido liberadas, nos últimos 25 anos, para os ecossistemas da parte brasileira da bacia

amazônica pela atividade garimpeira, que atingiu seu auge na década de 80, indo até meados da

década de 90. Deste total, cerca de 40% foi lançado diretamente nos rios e 60% disperso na

atmosfera (Bastos et al, 2006). Embora a mineração de ouro na porção brasileira da bacia do rio

Madeira tenha diminuído bastante a partir de 1995, ao longo da década de 2000 as atividades

continuaram e até mesmo aumentaram no lado boliviano da bacia, o mercúrio liberado drena

para o rio Madeira e seus maiores tributários bolivianos (Maurice-Bourgoin et al., 2000). As

indústrias de cloro-soda, equipamentos eletrônicos, fabricação de tintas, etc. são também

consideradas grandes consumidoras de mercúrio, perfazendo 55% do total consumido. A

transferência desse mercúrio para o ambiente, no entanto, é muito menor que o mercúrio oriundo

dos garimpos.

A biotransformação do mercúrio inorgânico em metilmercúrio (mercúrio orgânico) representa

um sério risco ambiental visto que ele se acumula na cadeia alimentar aquática por um fenômeno

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chamado biomagnificação, isto é, a concentração do metal aumenta à medida que ele avança nos

níveis tróficos. Portanto, por ter a capacidade de permanecer por longos períodos nos tecidos do

organismo, o mercúrio poderá ser encontrado nos peixes predadores do topo da pirâmide

alimentar em concentrações elevadas, culminando, finalmente, no regime alimentar dos

humanos. Dessa forma, peixes contaminados por mercúrio não são apropriados para o consumo,

trazendo problemas adicionais para a pesca (ANA, 2011).

Em consequência do crescimento demográfico, as concentrações urbanas na Amazônia, tendo

em vista a deficiência ou inexistência de tratamento de esgotos, trazem impactos para os rios,

além de contribuir com a propagação de doenças de veiculação hídrica na população humana.

Embora esse efeito esteja restrito a alguns pontos onde há maior aglomeração humano, nas vilas

e cidades, grande parte dos efluentes domésticos é lançada, sem tratamento prévio, nos rios,

igarapés e lagos da vizinhança. Alguns desses ecossistemas aquáticos já apresentam os efeitos

desses lançamentos, como a diminuição da concentração de oxigênio e a alta densidade de

bactérias do grupo coliformes (inclusive Escherichia coli, característica do trato digestivo de

animais de sangue quente). Esses efeitos podem alterar pontualmente as características

limnológicas do sistema aquático.

Segundo os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (BRASIL, 2005), a

cobertura com rede coletora de esgotos da população urbana nas áreas da margem direita do rio

Amazonas é de 6,1% e a cobertura com tratamento de esgotos é de 1,2%. A maioria da

população (74%) dispõe seus esgotos em fossas (sépticas com sumidouro ou secas) e cerca de

20% da população lança seus esgotos em valas abertas, sendo um sistema misto de escoamento

das águas pluviais e efluentes sanitários. Sendo assim, a poluição de origem doméstica é um dos

principais problemas na região e ocorre de maneira localizada, próxima aos centros urbanos

(ANA, 2011).

Em Rio Branco, no Acre, por exemplo, os mananciais estão comprometidos pelo esgoto, pelo

lixo, pela mineração e pela expansão urbana, situação típica de crescimento urbano desordenado.

A bacia do rio Acre é a mais importante do Estado, por possuir cerca de 70% da população do

estado e abastecer as principais cidades, inclusive a capital. No Estado de Rondônia, de acordo

com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, somente cinco municípios possuem coleta de

esgoto, sendo que quatro não recebem tratamento e são lançados nos rios, inclusive na capital

Porto Velho (ANA, 2011).

Quadro 5: Caracterização da ameaça.

Ameaça Poluição de mananciais hídricos por diferentes

contaminantes

Variável

Ambiental Impactada

Ictiofauna e outros componentes do meio biótico do

ecossistema aquático

Caracterização da ameaça

Ocorrência Certa É considerada como certa a ocorrência dessa ameaça

ambiental, em face das enormes áreas com utilização agrícola

nos estados do Tocantins, Pará, Mato Grosso e Rondônia. A

poluição por resíduos domésticos é também considerada como

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certa, por conta da falta de tratamento de esgotos das muitas

cidades e vilas ao longo dos principais rios Amazônicos.

Incidência Direta O efeito dos poluentes químicos e domésticos sobre o

ambiente aquático e seus habitantes é direto, sendo alguns

defensivos organoclorados de ação cumulativa nos

organismos vivos a eles expostos. O envenenamento por

mercúrio proveniente de garimpos também tem ação direta

sobre os organismos aquáticos e populações humanas.

Abrangência Extensa O impacto desta ameaça ambiental se manifesta de forma

extensa em toda a região da vertente sul da bacia amazônica

brasileira, em especial na porção superior das bacias dos rios

Tocantins, Araguaia, Xingu, Tapajós e Madeira. Temporalidade Curto

prazo

Este impacto tem manifestação a curto prazo, uma vez que a

ação dos pesticidas, fertilizantes, mercúrio e contaminantes

domésticos tem ação imediata no ambiente aquático.

Forma de

Manifestação

Contínua O efeito se manifesta de forma contínua, já que a utilização de

pesticidas, fertilizantes, mercúrio e a produção de dejetos

domésticos é constante.

Duração da

Manifestação

Permanente O impacto tem duração permanente enquanto os poluentes

estiverem sendo utilizados.

Quadro 6: Avaliação da ameaça.

Avaliação da Ameaça Reversibilidade Reversível a

longo prazo

O impacto é teoricamente reversível a longo prazo, caso

pesticidas e fertilizantes parem de ser utilizados e as vilas e

cidades adotem sistema eficientes de tratamento de

esgotos. Realisticamente falando, entretanto, a

probabilidade disso ocorrer é muito pequena, mesmo a

longo prazo, tornando a ameaça irreversível na prática.

Relevância Alta A relevância geral desta ameaça é considerada alta em face

a enorme quantidade de fertilizantes e pesticidas utilizados

nas lavouras do sul da Amazônia. A relevância da poluição

doméstica é comparativamente baixa.

Magnitude Média Apesar de ser um impacto praticamente irreversível a

longo prazo, a sua ação impactante está restrita ao sul da

bacia e sua magnitude é considerada como média.

8.3.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As

medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Monitoramento e controle do uso extensivo e indiscriminado de fertilizantes e pesticidas

em todas as áreas da bacia Amazônica, em especial a sua metade sul no Brasil;

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da melhoria

das condições de saneamento das capitais e dos principais núcleos urbanos, mediante a

ampliação ou a implementação de sistemas de tratamento de esgotos domésticos, além de

sistemas para tratamento de efluentes industriais e de disposição final de resíduos sólidos;

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Proibição do uso de mercúrio para separação do ouro nos garimpos;

Desenvolvimento de pesquisa para encontrar forma alternativa de separação do ouro;

Fiscalização sobre venda e utilização de mercúrio;

Conscientização de garimpeiros sobre os malefícios do mercúrio para a saúde e ambiente.

8.4. Ameaça: Efeito de reservatórios de hidrelétricas na diversidade e comunidades de

peixes

8.4.1. Descrição da Ameaça. Represas hidrelétricas impactam as populações de

peixes e outros organismos aquáticos de três maneiras principais. A transformação de um

ambiente lótico em um lago erradica ou reduz significativamente as populações das espécies

reofílicas e ao mesmo tempo fornece as condições para que as espécies lênticas proliferem, dessa

forma alterando a composição da comunidade local. Em uma escala mais ampla, as barragens

regulam o fluxo do rio a jusante, perturbando os ciclos anuais de alimentação e reprodução, e

também interferem nas rotas migratórias de muitos peixes de grande porte que não conseguem

atravessar a barreira criada pela represa.

A operação das usinas hidrelétricas e consequente regulação do fluxo dos rios é provavelmente a

mais séria ameaça às populações a jusante dos reservatórios, especialmente para peixes que não

são grandes migradores. Esse fato foi evidenciado pelo nosso trabalho de campo em Tucuruí. As

flutuações diárias e, especialmente, as semanais, do nível do rio por conta da regulação do fluxo

de água nas turbinas geradoras, causa problemas nas áreas de desova a jusante da represa. A

maior demanda de energia elétrica no inicio de cada noite, bem como a menor demanda pelas

indústrias do país nos finais de semana, acarretam uma regulação da quantidade de água que

passa pelas turbinas e é liberada no rio a jusante, causando um pequeno aumento no nível do rio

a cada noite, e uma razoável diminuição no nível a cada final de semana. Essas variações

perturbam os ciclos naturais de alimentação e, especialmente, reprodução, sendo especialmente

destrutivas na época da desova. Um grande número de espécies de peixes deixa o leito do rio na

época de cheia, entrando na mata inundada ou áreas temporariamente alagadas para efetuar a

desova. Essas mesmas áreas servem de berçário para os alevinos recém-eclodidos, pela alta

produtividade que apresentam e proteção que oferecem. Grande parte dessas áreas são rasas e

pequenas variações no nível do rio, como aquelas produzidas pela retenção da água nos finais de

semana, são suficientes para expor ao ar, e assim matar, os juvenis e ovos colocados pelos peixes

na massa de vegetação. No hotspot visitado no baixo rio Tocantins, por exemplo, há relatos de

muitos casos onde mesmo os adultos de peixes, em grandes números, são retidos sobre

ambientes que secam nos finais de semana, causando grandes mortandades. Exemplos de rios

extremamente piscosos até cerca de 60 anos atrás, e que tem hoje apenas uma pequena fração das

suas populações de peixes, são o Paraná, o São Francisco, o Tocantins e o Uruguai. Todos eles

receberam várias usinas hidrelétricas no seu curso.

Outro sério problema que as represas causam aos peixes migradores é a interrupção das rotas

migratórias e consequente falha ou diminuição acentuada da desova. Durante a migração os

peixes nadam contra a correnteza de água instintivamente, sabendo que a natação contra a

corrente irá levá-los até as cabeceiras, onde seus locais de desova estão localizados. Assim,

quando o rio está correndo, eles apenas têm de nadar contra a corrente. No entanto, ao chegar a

uma represa, a corrente mais atrativa virá dos geradores ou turbinas. Esta é a primeira

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dificuldade que os engenheiros enfrentam na concepção de uma passagem de peixes: a corrente

de água deve ser forte o suficiente para atrair a atenção dos peixes. Os peixes devem perceber a

saída de água da passagem, como a boca de um afluente. No entanto, a água desviada para a

escada não será utilizada para gerar energia, gerando um difícil trade off entre construir uma

passagem de peixes atraente e gerar mais potência. Supondo que a passagem tenha sido

construída cuidadosamente e os peixes consegue atravessá-la até o reservatório, a mais leve

correnteza dentro do reservatório será capaz de informar aos peixes a direção a seguir, e eles irão

encontrar o caminho até a montante do lago e continuar a sua migração rio acima até os locais de

desova.

No entanto, escadas para peixes foram originalmente concebidas para peixes norte-americanos e

europeus, especialmente os salmões. A sua biologia reprodutiva, baseada em uma única desova

geracional, funciona muito bem com essas passagens para peixes, pois após uma longa e

extenuante migração os peixes desovam em locais calmos, de remansos e águas tranquilas, e

depois morrem. Os ovos irão eclodir e as larvas irão crescer nessa mesma área, e os peixes

jovens apenas irão descer os rios depois de crescerem até certo tamanho e se tornarem fortes.

Normalmente eles passarão o lago e a represa da mesma forma que seus pais subiram, pela

escada. O sucesso das passagens de peixes está baseado no fato de que as migrações são

geracionais (uma vez na vida), os adultos migram em grandes números, então muitos não

passarão pelas barragens, mas muitos outros passarão, e, especialmente, no fato de que ovos e

larvas permanecerão nos locais de desova e os juvenis crescerão antes de passarem para baixo

das barragens.

A situação na América do Sul, no entanto, é completamente diferente por conta da biologia

reprodutiva dos peixes migradores. A estação reprodutiva e, portanto, a migração (piracema),

coincide com a estação das chuvas e inicio da cheia dos rios. Nessa época a correnteza é mais

forte e a turbidez da água é maior. Quando os peixes chegam aos locais de desova nas cabeceiras

dos rios eles desovam diretamente na correnteza, ovos e logo larvas, sendo imediatamente

carreados rio abaixo pela correnteza de água turva. A turbidez é importante para proteger os ovos

e larvas de pequenos peixes predadores enquanto eles viajam rio abaixo na correnteza. Em

poucos dias de viagem rio abaixo os ovos terão eclodido e as pequenas larvas serão empurradas

pelas águas da cheia para as várzeas e florestas inundadas. Nessas áreas de várzea, ricas em

vegetação e com alta produtividade, os peixes irão ficar protegidos e irão crescer antes de ser

recrutados para a população adulta nos rios.

Entretanto, caso exista um reservatório de usina hidrelétrica no rio, ovos e larvas irão chegar

nesse ambiente sem correnteza durante a sua viagem rio abaixo. Muitos ovos não tem capacidade

própria de flutuação, e irão afundar no reservatório, sendo mortos pela pressão ou pela região

anóxica na parte profunda do lago. Aqueles ovos e larvas que não afundarem serão comidos

pelos milhões de lambaris e outros pequenos peixes predadores que prosperam em reservatórios

onde a água não é turva o suficiente para esconder os ovos e larvas. É possível que uma parte dos

ovos e larvas consiga chegar à represa e então desça através das escadas ou mesmo das turbinas.

Alguns irão sobreviver, mas será apenas uma fração da desova feita nas cabeceiras. Represas em

sequencia no mesmo rio representam desafios redobrados para as populações reprodutivas de

peixes migradores.

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Exemplos verificados nos hotspots deste estudo incluem os grandes bagres da família

Pimelodidae, como o filhote, a dourada, a piramutaba, o surubim, a pirarara, e o jaú, são comuns

e abundantes no trecho imediatamente a jusante da represa da UHE Tucuruí. No entanto,

nenhuma dessas espécies foi registrada nos pontos de desembarque de pescado do reservatório,

como o Porto do Onze, o Porto Novo de Jacundá ou Santa Rosa. É possível que estas espécies

ainda existam no rio Tocantins a montante da represa, mas certamente em quantidades muito

menores do que a jusante e do que costumava ocorrer antes da construção da UHE Tucuruí.

Também, no hotspot do rio Xingu, especificamente no rio Coluene, existe uma Usina

Hidrelétrica. Há relatos de pescadores e de cientistas (Flávio Lima, comunicação pessoal), de

que grandes cardumes de matrinxã chegam até a represa do rio Coluene e se acumulam a jusante

desta por não poder seguir rio acima. Essa parada na rota migratória de espécies de piracema,

como o matrinxã, prejudica a reprodução da espécie. Além disso, há relatos de que comunidades

de pescadores locais se reúnem nessas ocasiões para uma pesca farta e fácil, mesmo durante o

período de defeso da piracema.

Quadro 7: Caracterização da ameaça.

Ameaça Efeito de reservatórios de hidrelétricas na diversidade e

comunidades de peixes

Variável

Ambiental Impactada

Ictiofauna, especialmente peixes de grande porte

Caracterização da ameaça

Ocorrência Certa Esta ameaça é considerada certa, face a existência de diversas

Usinas Hidrelétricas em operação na bacia Amazônica.

Incidência Direta O efeito da regulação do fluxo do rio nos ovos e larvas de

peixes, bem como das próprias represas nas populações de

peixes migradores é direta. Exemplos observados nos

trabalhos de campo incluem o matrinxã da UHE do rio

Coluene e vários bagres de grande porte como o filhote, a

piramutaba, e a dourada no baixo rio Tocantins, junto a UHE

de Tucuruí. Da mesma forma, a flutuação do nível do rio

Tocantins pela regulação da vazão do rio ocasionado pela

operação da UHE Tucuruí foi observada nos trabalhos de

campo. Essa variação afeta adversamente as espécies que

fazem pequenas migrações laterais para desova, como o

curimatã, os jaraquis, as branquinhas e o mapará.

Abrangência Restrita O impacto desta ameaça ambiental se manifesta de forma

ainda restrita na Amazônia, sendo especialmente problemática

nos rio Tocantins, Xingu e Madeira. A construção de novas

usinas hidrelétricas na bacia Amazônica irá aumentar a

abrangência dessa ameaça. Temporalidade Curto

prazo

Este impacto tem manifestação a curto prazo, uma vez que a

ação das hidrelétricas é imediata uma vez que o reservatório é

enchido e a operação iniciada.

Forma de

Manifestação

Contínua O efeito se manifesta de forma contínua, já que a operação das

UHEs não é suspensa em nenhum momento.

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Duração da

Manifestação

Intermiten

te

O impacto é de duração intermitente, ocorrendo a cada

estação reprodutiva, na época da enchente.

Quadro 8: Avaliação da ameaça.

Avaliação da Ameaça Reversibilidade Irreversível/

Reversível a

longo prazo

O impacto é teoricamente reversível a longo prazo, caso as

UHEs sejam descomissionadas e demolidas após tornarem-

se obsoletas. Estimativas de vida média de uma UHE de

grande porte são de aproximadamente 100 anos, o que

torna a reversibilidade desta ameaça irreversível na prática.

Relevância Muito alta A relevância geral desta ameaça é considerada muito alta,

em face ao forte efeito deletério que provocam nas

populações de peixes não migradores (ou pequenos

migradores) pela regulação do fluxo do rio e de grande

migradores, pela interrupção das rotas migratórias.

Magnitude Média Apesar de ser um impacto praticamente irreversível a

longo prazo, a sua ação impactante está restrita à porção

sudeste da bacia (rios Tocantins, Xingu e Madeira) e sua

magnitude é considerada como média no âmbito de toda a

bacia Amazônica.

8.4.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As

medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da

construção de sistemas de passagens para peixes (escadas, canais, elevadores) em

hidrelétricas novas e existentes;

Planejamento de longos espaços livres de rio entre as UHEs em sequência em um mesmo

rio;

Desenvolvimento de pesquisa para proposição de ações na operação das UHEs com a

finalidade de reduzir a variação do nível do rio a jusante durante a estação reprodutiva

dos peixes.

8.5. Ameaça: Efeito de obras de infraestrutura na diversidade e comunidades de peixes

8.5.1. Descrição da Ameaça. A construção de novas Usinas Hidrelétricas (UHEs) e

Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) tende a impactar adversamente as populações de peixes

de bacia amazônica, sobretudo as espécies de grande porte e, portanto, de importância na pesca

(Figura 10). Além do Brasil, países como o Peru, Equador e Colômbia, onde se localizam

muitas das cabeceiras dos grandes formadores da bacia Amazônica, possuem planos de

construção de muitas novas UHEs. Em muitos casos, especialmente no Peru, estas novas usinas

deverão ser construídas não por uma demanda nacional de energia, mas para vender energia ao

Brasil. Na Fig. 4 é apresentado um levantamento do potencial hidrelétrico dos rios da América

do Sul. Apenas a localização potencial de novas UHEs é apresentada nesta figura, deixando

enormes áreas livres de novas represas como, por exemplo, grande parte da bacia do alto rio

Paraná, a qual já se encontra totalmente tomado por UHEs. No Brasil, os principais rios da bacia

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Amazônica com novas UHEs projetadas são o Tocantins, o Xingu, o Madeira e, na margem

norte, os rios Branco, Trombetas e rios costeiros do Amapá.

Figura 10. Projetos propostos de aproveitamento hidrelétrico na América do Sul. Dados compilados do Ministério

de Energia ou Agencia de Planejamento de cada país entre 2009 e 2011. No total, 2.215 projetos estão incluídos

neste planejamento de expansão de aproveitamento hidrelétrico. Em conjunto, estes projetos colocam represas em

673 rios que estão atualmente livres de represas e adicionam novas represas a 388 rios já represados. A compilação

original é derivada de bases de dados oficiais ou de planejamentos estratégicos de energia. (Fonte: data originally

compiled by Paulo Petry of The Nature Conservancy).

O rio Tocantins já possui seis Usinas Hidrelétricas em funcionamento (Tucuruí – examinada no

curso deste estudo, Estreito, Luiz Eduardo Magalhães, São Salvador, Serra da Mesa e Cana

Brava), além de várias outras planejadas (Figura 11). Com a construção de novas UHEs os

problemas existentes no momento deverão ser intensificados. Se ainda existem populações de

grandes bagres (filhote, dourada, piramutaba) e outros peixes migradores nos trechos acima da

UHE Tucuruí, estas tendem a desaparecer com a construção de novas UHEs, especialmente

aquelas entre Tucuruí e Estreito, no curso médio, e das muitas Pequenas Centrais Hidrelétricas

(PCHs) planejadas para o trecho superior do rio Tocantins. Geralmente considera-se que as

PCHs não sejam muito prejudiciais ao meio ambiente, pelo seu pequeno tamanho, quase nula

área de inundação e possibilidade de permitir a migração reprodutiva dos peixes nos picos de

cheia. No entanto, o conjunto das PCHs planejadas para o rio Tocantins deverá ter um forte

efeito nocivo em função do grande número de empreendimentos planejados.

Após o fechamento da UHE Tucuruí registrou-se uma diminuição na diversidade da ictiofauna

na região alagada. Essa diminuição na diversidade na área do reservatório é um fenômeno

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conhecido e foi estudado por Mérona et al. (2010). Na Tabela 1 estão listadas as famílias de

peixe que foram favorecidas e as que foram prejudicadas pelo enchimento do lago. Ao que

parece, a ecologia trófica dos peixes é a principal responsável pelo sucesso de adaptação das

espécies em um ambiente lêntico, como um lago de represa hidrelétrica. Na Tabela 2 são

mostradas as famílias de peixes favorecidas e prejudicadas, de acordo com o seu grupo trófico.

Tabela 1. Abundâncias relativas dos principais grupos de peixes nas fases de pré (1981/82) e pós (2000/05)

fechamento da barragem de Tucuruí. Em rosa, famílias prejudicadas; verde, famílias favorecidas. Fonte: Mérona et

al. 2010.

Tabela 2. Abundâncias relativas dos principais grupos tróficos nas fases de pré (1981/82) e pós (2000/05)

fechamento da barragem de Tucuruí. Em rosa, grupos prejudicados; verde, grupos favorecidos. Fonte: Mérona et al.

2010.

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104

A jusante da represa a diminuição na abundância das espécies de peixes, é devida principalmente

à regulação do fluxo do rio. No caso do rio Tocantins, região visitada durante este estudo, a

diminuição na riqueza e na abundância das espécies é também notória e foi relatada por todos os

pescadores e compradores de peixes entrevistados por ocasião do trabalho de campo no rio

Tocantins. Também, a interrupção das rotas migratórias das espécies de piracema causada pela

construção da represa foi outro fator preponderante que afetou negativamente a comunidade de

peixes. A presença da represa acentuou o isolamento da zona à jusante, impedindo os

deslocamentos rio acima das espécies migradoras e limitando a recolonização da área à jusante

por juvenis provenientes da área à montante. Entretanto, é também provável que as modificações

do regime de enchentes e da qualidade da água tenham acarretado mudanças na abundância dos

peixes. A subida da água no início da enchente chega atrasada na área à jusante e as propriedades

físico-químicas da água são alteradas. Com o represamento, o rio passa a carrear menor

quantidade de sólidos em suspensão e nutrientes, a sedimentação é diminuída e esses fatores

acabam por modificar a cadeia trófica e diminuir a produtividade do meio-ambiente aquático

(Figura 11). Afinal, a ampla redução da área disponível levou a uma redução das populações de

peixes do rio Tocantins (Mérona et al., 2010).

Outra represa de idade semelhante à UHE de Tucuruí é a UHE de Samuel, no rio Jamari,

afluente do rio Madeira na região de Porto Velho, Rondônia. A UHE Samuel entrou em operação

em 1989 e o estudo comparativo da ictiofauna, na sua área de influência, nas fases de pré e pós-

enchimento do lago, mostra que as comunidades de peixes sofreram profundas alterações pelo

represamento: houve redução da diversidade do reservatório, bem como aumento da abundância

de espécies que se beneficiam do ambiente lêntico, como a piranha-preta (Serrasalmus

rhombeus), o tucunaré (Cichla monoculus), o aracu (Schizodon fasciatus), e o mapará

(Hypophthalmus edentatus). Imediatamente a jusante da represa houve um aumento do mandi

(Pimelodus blochi). Além disso, houve redução dos peixes detritívoros e frugívoros e aumento

dos piscívoros. A atividade pesqueira, antes restrita à foz do rio Jamari, foi intensifica na área do

reservatório, o que se tornou um sério obstáculo para o manejo da pesca.

Também tendo entrado em operação em 1989, a terceira grande UHE da Amazônia brasileira é a

de Balbina, no rio Uatumã, próximo à Manaus. Em uma pesquisa sobre os peixes do rio Uatumã

após o enchimento da barragem, registrou 104 espécies de peixes, 17 a menos do que em 1985,

quando foram coletadas 121 espécies. Isso significa uma redução de 15% no número de espécies.

Os pontos de coleta foram os mais próximos possíveis das coletas anteriores à construção da

barragem, respeitando as alterações do leito do rio para o do lago. Na área, havia jaraquis, pacus,

curimatã, aracus, que atualmente vivem apenas abaixo da barragem, uma vez que não podem

mais manter seus ciclos de vida na área alagada, acima da barragem (Efrem Ferreira, INPA).

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105

Figura 11. Potencial hidrelétrico do rio Tocantins. A) Localização das UHEs em operação no rio Tocantins; B)

Localização das UHEs em operação mais as planejadas e em construção no rio Tocantins; e C) Localização das

UHEs em operação, planejadas e em construção e PCHs (em vermelho escuro) em operação e planejadas para o rio

Tocantins. 1) UHE Tucuruí, 2) UHE Estreito, 3) UHE Luiz Eduardo Magalhães, 4) UHE São Salvador, 5) Serra da

Mesa, e 6) UHE Cana Brava. Fonte: Reis (2012).

No baixo rio Xingu, por outro lado, a UHE Belo Monte está em fase de construção e depois de

concluída irá afetar a comunidade de peixes reofílicos, especialmente acaris da família

Loricariidae, que vivem na Volta Grande do Xingu, a jusante de Altamira. No rio Madeira, as

novas UHEs de Santo Antônio e Jirau já interromperam a rota migratória de grandes bagres

como a dourada e a piramutaba. Esses bagres ocorrem em toda a Amazônia e a perda do alto rio

Madeira como área de desova não deverá impactar as espécies de maneira severa. A

impossibilidade de essas espécies ultrapassarem essas represas, entretanto, acarretará o seu

declínio em médio prazo na bacia do rio Madeira a montante dessas represas, diminuindo um

recurso alimentar muito importante para as populações humanas da Bolívia.

Quadro 9: Caracterização da ameaça.

Ameaça Efeito de obras de infraestrutura na diversidade e

comunidades de peixes

Variável

Ambiental Impactada

Ictiofauna, especialmente peixes de grande porte

Caracterização da ameaça

Ocorrência Certa Esta ameaça é considerada certa, tento em vista que várias das

UHEs planejadas já estão sendo construídas. As novas usinas

do rio Madeira (Jirau e Santo Antônio) e a Usina de Belo

Monte no rio Xingu já são realidades. Usinas em estudo nos

rio Branco e Trombetas ameaçam as populações de peixe

dessas áreas.

Incidência Direta O efeito da construção de novas UHEs e PCHs nas

populações de peixes migradores e não migradores é direta.

Abrangência Restrita O impacto desta ameaça ambiental se manifesta de forma

restrita na Amazônia, sendo especialmente problemático nos

rio Tocantins, Xingu e Madeira no sul, no rio Branco no norte

e no Peru, na Amazônia ocidental. Temporalidade Curto

prazo

Este impacto tem manifestação a curto prazo, uma vez que as

usinas hidrelétricas são construídas.

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106

Forma de

Manifestação

Contínua O efeito se manifesta de forma contínua, já que a operação das

UHEs será contínuo por muitos anos.

Duração da

Manifestação

Intermitente O impacto é de duração intermitente, ocorrendo a cada

estação reprodutiva, na época da enchente.

Quadro 10: Avaliação da ameaça.

Avaliação da Ameaça Reversibilidade Irreversível/

Reversível a

longo prazo

O impacto é teoricamente reversível a longo prazo, caso as

UHEs sejam descomissionadas e demolidas após tornarem-

se obsoletas. Estimativas de vida média de uma UHE de

grande porte são de aproximadamente 100 anos, o que

torna a reversibilidade desta ameaça irreversível na prática.

Relevância Muito alta A relevância geral desta ameaça é considerada muito alta,

em face ao forte efeito deletério que provocam nas

populações de peixes não migradores (ou pequenos

migradores) pela regulação do fluxo do rio e de grande

migradores, pela interrupção das rotas migratórias.

Magnitude Alta Sendo um impacto praticamente irreversível a longo prazo,

a sua ação será somada à das UHEs já existentes, tornado a

magnitude desta ameaça alta.

8.5.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As

medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Planejamento de longos espaços livres de rio entre as UHEs em sequência em um mesmo

rio;

Desenvolvimento de pesquisa para proposição de ações na operação das UHEs com a

finalidade de reduzir a variação do nível do rio à jusante durante a estação reprodutiva

dos peixes.

Desenvolvimento de pesquisa para utilização mais eficiente de outras formas de geração

de energia elétrica.

Reforçar a necessidade da efetiva implementação da legislação ambiental Brasileira

relativa ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e ao Relatório de Impacto ao Meio

Ambiente (RIMA) nos empreendimentos altamente impactantes, que determinam

mitigação de impactos e compensação por perdas ambientais.

8.6. Ameaça: Pressão predatória sobre quelônios e outras espécies de hábitos aquáticos

8.6.1. Descrição da Ameaça. Das oito espécies de quelônios que ocorrem nos

hábitats aquáticos da região amazônica a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) e o

tracajá (P. unifilis), são tradicionalmente consumidos e tem seus ovos apanhados pelas

populações ribeirinhas. Diversas armadilhas e outras artes de pesca são especialmente

construídas para a captura de tartarugas e tracajás, e a sua pesca ocorre de maneira extensiva,

apesar da proibição imposta pelo IBAMA. Na região do hotspot de Tucuruí, visitada em nosso

trabalho de campo, por exemplo, pescadores entrevistados relataram a caça costumeira às

tartarugas e tracajás e mostraram a fabricação e o uso de armadilhas incluindo uma lança, ambas

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107

desenvolvidas para capturar esses quelônios. No hotspot da região de Barcelos, no rio Negro,

área também visitada por nós, tartarugas, tracajás, e mesmo jabutis (quelônios terrestres) nos

foram mostrados por pescadores entrevistados. Todos os entrevistados conhecem a proibição de

caça de quelônios, mas justificam a suas atividades pela falta de fiscalização. Em nenhum caso

os pescadores relataram ser os quelônios o seu principal meio de sustento, servindo estes apenas

para consumo próprio ou para complementar a renda da pesca de peixes.

As tartarugas-da-amazônia, que atingem grande tamanho, detectam o período da vazante, quando

grandes extensões de praias aparecem, para iniciarem o comportamento de desova coletiva,

numa sincronia entre o regime de vazante do rio e o comportamento de nidificação. Justamente

nesse momento, quando os animais estão desovando nas praias e, portanto, vulneráveis, as

pessoas invadem as praias e fazem a "viração", deixando os animais virados de plastrão para

cima, para logo serem recolhidos, para consumo ou comercialização. Além disso, a apanha dos

ovos é feita após a desova, também para consumo e comercialização, impondo uma pressão

ainda maior sobre a população dessa espécie.

O tracajá, apesar de não atingir o mesmo tamanho da tartaruga-da-amazônia, também é alvo de

caça e de apanha de ovos pelas populações ribeirinhas. Essa espécie é considerada ameaçada de

extinção pela União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) na categoria vulnerável.

Da mesma forma que os quelônios, os jacarés têm sido perseguidos pelas populações humanas

em toda a sua área de ocorrência na Amazônia. Os jacarés são considerados pelos pescadores

animais competidores, prejudicando a pesca e destruindo seus artefatos de pesca. Por outro lado,

suas populações são também afetadas pela alteração e destruição de hábitats aquáticos, e também

pela caça para produção de carne e couro para consumo local e para comércio ilegal. Em muitos

locais da Amazônia tem-se abatido jacarés para servirem de isca na atividade de pesca.

O peixe-boi tem sido caçado para consumo de sua carne em diversos locais da Amazônia.

Ariranhas e lontras são consideradas em muitos lugares da região como competidoras dos

pescadores e, em muitos casos, são abatidas. O mesmo conflito tem sido registrado entre

pescadores e botos.

A pressão de caça sobre outros animais aquáticos é também bastante disseminada na Amazônia,

tanto no Brasil como nos países vizinhos. Peixes boi, por exemplo, são arpoados para consumo

de sua carne quando vêm à superfície para respirar. A capivara, de hábito semi-aquático, e a anta,

que apesar de não ser aquática tem uma relação muito próxima com esse meio, são bastante

caçadas pelos ribeirinhos para consumo da carne. Em países como o Peru e a Bolívia, a caça

desses animais é mais disseminada que no Brasil, sua carne sendo vendida livremente em

mercados municipais nas cidades amazônicas.

Quadro 11: Caracterização da ameaça.

Ameaça Pressão predatória sobre quelônios e outras espécies de

hábitos aquáticos

Variável

Ambiental Impactada

Quelônios, jacarés e mamíferos aquáticos

Caracterização da ameaça

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Ocorrência Certa Esta ameaça é certa e bem conhecida, tento já levado as

populações de tartarugas, peixes-boi, antas e outros animais a

um declínio populacional , inclusive causando a avaliação de

“ameaçada – vulnerável” para o tracajá.

Incidência Direta O efeito da caça e da apanha de ovos é direto sobre as

populações de quelônios e outros vertebrados aquáticos.

Abrangência Ampla O impacto desta ameaça ambiental se manifesta de forma

ampla em toda a Amazônia, no Brasil e países vizinhos Temporalidade Longo

prazo

Este impacto tem manifestação a longo prazo. A caça e

apanha de ovos são atividades extrativas que sempre

ocorreram na Amazônia, mas tem se intensificado

drasticamente nas últimas décadas com o aumento das

populações humanas.

Forma de

Manifestação

Contínua O efeito se manifesta de forma contínua.

Duração da

Manifestação

Intermitente

/ Permanente O impacto é de duração intermitente nas tartarugas e tracajás,

que são capturados e tem seus ovos apanhados a cada estações

reprodutiva. Nos mamíferos, no entanto, o impacto tem

duração permanente, visto que são caçados em qualquer época

do ano.

Quadro 12: Avaliação da ameaça.

Avaliação da Ameaça Reversibilidade Reversível O impacto é reversível a longo prazo, uma vez que as

populações de quelônios e outros animais aquáticos podem

se recuperar a médio prazo se a caça e apanha de ovos for

sustada.

Relevância Alta A relevância geral desta ameaça é considerada alta,

considerando o efeito de declínio populacional que causa

nas espécies alvo.

Magnitude Média Sendo um impacto reversível e de relevância alta para as

populações alvo, a magnitude desta ameaça é considerada

média.

8.6.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As

medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Elaboração de programas de educação ambiental para a conscientização da população de

ribeirinhos sobre a importância das tartarugas e outros animais no ecossistema.

Incrementar os programas existentes de proteção aos quelônios na época da desova e de

cultivo controlado, a exemplo do que já ocorre em algumas praias do rio Negro e outros

locais na Amazônia.

Estabelecer novos programas de cultivo e uso sustentável de recursos naturais com a

tartaruga-da-amazônia.

Ampliação da fiscalização por parte do IBAMA e de agências estaduais sobre a caça e

comercialização de quelônios e mamíferos aquáticos.

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8.7. Ameaça: Efeitos das mudanças climáticas sobre os ambientes aquáticos

8.7.1. Descrição da Ameaça. Dados preliminares de um estudo em desenvolvimento

pelo WWF sugerem que as mudanças climáticas futuras não estão sendo consideradas de

maneira adequada no planejamento energético de longo prazo ou na avaliação da viabilidade de

projetos hidrelétricos da Amazônia. Secas severas como as que assolaram a Amazônia em 2005 e

2010 tendem a se tornar mais frequentes, e essas alterações climáticas, associadas ao

desmatamento generalizado da região, podem reduzir a vazão do rio Xingu e de outros rios

Amazônicos que drenam o Escudo Brasileiro. Uma eventual redução na vazão do rio Xingu

poderá afetar a produtividade em usinas hidrelétricas como a UHE Belo Monte, como sugerido

pelo estudo da WWF. As consequências de uma redução de vazão do rio Xingu por causa de

mudanças climáticas, entretanto, poderão ser muito mais prejudiciais à fauna aquática, uma vez

que áreas de alimentação e refugio podem tornar-se menos acessíveis anualmente e migrações

reprodutivas rio acima podem não ser desencadeadas por uma vazão reduzida em um ano de

seca. A Tabela 3 mostra as estimativas de diminuição de vazão dos principais rios da vertente sul

da bacia Amazônica até o ano de 2040.

Tabela 3. Variações percentuais das vazões nas bacias hidrográficas da vertente sul da Amazônia, para dois cenários

(B1, mais severo, e A2, menos severo) utilizando os dados da média dos modelos, em comparação com o período

1961-1990. Fonte: ANA, 2010.

Dados levantados por diferentes estudos e sintetizados por (Merengo et al. 2010) indicam

que a situação pode ser preocupante na Amazônia em geral e no rio Negro. Em 2005, uma forte

estiagem – a maior dos últimos 103 anos, somente comparável com a estiagem de 1962-1963 –

atingiu o oeste e o sudoeste da Amazônia. Alguns grandes rios da bacia Amazônica chegaram a

baixar 6 cm por dia. Milhões de peixes morreram e apodreceram nos leitos de afluentes do rio

Amazonas, os quais serviam de fonte de água, alimento e meio de transporte para comunidades

ribeirinhas. As possibilidades de ocorrerem períodos de intensa seca na região da Amazônia

podem aumentar dos atuais 5% (uma forte estiagem a cada 20 anos) para 50% em 2030 e até

90% em 2100. No lado oposto dos extremos climáticos, em 2009 a Amazônia enfrentou uma

enchente de dimensões históricas, superior aos máximos históricos registrados no porto de

Manaus nos últimos 100 anos, maiores que os níveis recordes registrados em 1953. Segundo o

Serviço Geológico do Brasil, o ano de 1953 marcou a história de Manaus como o período da pior

enchente da cidade. Na ocasião, o nível do rio Negro atingiu a marca de 29,68 m, valor que foi

ultrapassado em 2009, atingindo 29,78 m (Merengo et al. 2010). No caso específico do rio

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110

Negro, secas muito intensas são mais prejudiciais aos peixes, pois diminuem consideravelmente

a área de igapó, local de refúgio, alimentação, e reprodução dos peixes.

Estudos indicam que a variabilidade de chuvas e vazões de rios na Amazônia e em outras

regiões, com caráter interanual e em escalas de tempo maior, está associada a padrões de

variação da mesma escala de tempo nos oceanos Pacífico e Atlântico. Na Amazônia, o fenômeno

El Niño determina anos com vazões menores que o normal, enquanto que La Niña está associado

a vazões maiores que o normal. Os impactos do El Niño são mais sentidos no norte e centro da

região, e apenas durante eventos muito intensos, como foram as secas de 1925-26, 1982-83 e a

mais recente em 1997-98. Contudo, secas como as de 1963-64 ou 2005 não foram associadas ao

El Niño. Segundo estudos recentes, o aquecimento anormal de quase 1ºC nas águas tropicais do

Atlântico Norte ocasionou a mudança. A seca de 2005 que afetou a Amazônia foi refletida nas

vazões do rio Solimões, que tem a bacia coletora ao sul dessa região, onde as chuvas foram

muito baixas. Até agosto de 2005, os níveis do rio Amazonas em Iquitos (Peru) apresentaram os

valores mais baixos de todo o período histórico de registro (40 anos).

Em setembro de 2005, houve um aumento de 300% nas queimadas, em relação ao mesmo

período de 2004. Os impactos do aumento das queimadas foram desastrosos para as

comunidades ecológicas afetadas, e também para o clima, pois a proliferação dos incêndios

intensificou as emissões de carbono. Estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

mostram que, num quadro de aquecimento global e secas mais frequentes, as florestas da região

amazônica perdem muita umidade, tornam-se muito mais vulneráveis às queimadas, a

mortalidade de árvores aumenta significativamente e há um aumento nas emissões de carbono

para a atmosfera. Em 2005, a seca nos rios da Amazônia causou danos a espécies de mamíferos

aquáticos e peixes, e a falta de chuva nos leitos dos rios tornou a situação das cidades ribeirinhas

precária. A navegação foi suspensa em diversas áreas. A seca constatada em 2005 é certamente

importante, no entanto, no que se refere à extensão do fogo, ela não foi tão intensa quanto a de

1998, que foi causada pelo fenômeno do El Niño registrado em 1997-1998 e que provocou

grandes incêndios na floresta amazônica.

O Brasil figura como o quarto país na lista dos que mais contribuem para o efeito estufa

globalmente, e constatou-se que 75% das suas emissões de dióxido de carbono tiveram como

causa o desmatamento (em especial na região amazônica) (ANA, 2011). Com o desmatamento

existe uma modificação no equilíbrio térmico uma vez que a energia antes utilizada no processo

de transpiração das plantas acaba aquecendo o solo e este provocando um aumento da

temperatura do ar. Atualmente, nas regiões florestadas praticamente cinquenta por cento da

energia solar incidentes é utilizada no processo de transpiração das plantas e na evaporação da

água que fica retida na copa das árvores. Em regiões com floresta densa o total de

evapotranspiração pode chegar até 75% sendo 50% de transpiração e 25% de evaporação da água

retida na copa das arvores, essa distribuição quantitativa depende muito da natureza e estrutura

da floresta considerada. Estudos de modelagem substituindo a floresta Amazônica por plantações

de soja e pastagens indicaram uma variação no equilíbrio hídrico fazendo com que em algumas

regiões, especialmente no Pará, as condições climáticas seriam de clima semiárido caso essas

transformações ocorressem.

Segundo estudos e modelagem realizados, eventos climáticos extremos, como secas induzidas

pelo aquecimento global e pelo desmatamento, podem dividir a Amazônia em duas regiões

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111

distintas e transformar em ambiente de savana uma área de 600 mil quilômetros quadrados.

Como exemplo, os cenários futuros gerados pelo modelo do Hadley Centre, que projetam para a

Amazônia um clima tipo savana a partir do ano 2050. Essa “Amazônia seca” possuirá vegetação

tipo savana com maiores índices de evapotranspiração e seus solos tenderão a permanecer mais

secos durante os meses sem água do que solos de regiões muito úmidas, e isso a tornará muito

mais vulnerável a incêndios florestais, o principal agente de conversão de floresta em savana.

Relatório de Clima elaborado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE apresenta

projeções de cenários regionalizados de clima para o Brasil período 2071-2100 e também aponta

para o mesmo processo de savanização. Toda a região sul da floresta Amazônica na interface

entre o bioma Cerrado e a floresta em si, norte do Mato Grosso e Goiás, poderia sofrer um

processo de savanização muito intenso onde a floresta seria substituída por vegetação do tipo

Cerrado. As chuvas diminuiriam, a estação seca aumentaria o que poderia agravar a questão das

queimadas e, com isso, o ecossistema deixaria de ter capacidade de sustentar uma floresta

tropical como hoje é conhecida.

Enfim, os estudos indicam que os níveis dos rios podem ter quedas importantes, causando a

morte de peixes e comprometendo a produção das usinas hidroelétricas e o transporte fluvial, e a

secura do ar pode aumentar o risco de incêndios florestais. Portanto, o aquecimento global

potencialmente afeta os ecossistemas aquáticos, causando a destruição ou a degradação de

hábitat e a perda permanente da produtividade, ameaçando tanto a biodiversidade como o bem-

estar humano. Assim, a fauna de peixes dessas regiões deverá sofrer uma profunda modificação

em sua composição, uma vez que a necessária associação com a floresta deixará de existir, com

reflexos pronunciados sobre a pesca.

Em setembro de 2013 o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática

(Intergovernamental Panel on Climate Change - IPCC) das Nações Unidas (acesso:

http://www.ipcc.ch/report/ar5/mindex.shtml) divulgou resultados de estudos bem mais

pessimistas que o estudo anterior de 2007. O relatório do IPCC revela que os oceanos estão

subindo mais rápido, que a temperatura pode se elevar até 5 graus neste século e que o homem

tem 95% de responsabilidade sobre as mudanças climáticas. O grupo de especialistas apontados

pela ONU não só reforçou as conclusões de que o aquecimento global é uma realidade causada

primariamente – senão exclusivamente – pelo ser humano, como deixou claro que a situação

pode piorar significativamente se não forem feitos esforços para controlar as emissões. A

principal razão da preocupação com os resultados do estudo é a produção de CO2 em larga

escala, resultado do emprego de combustíveis fósseis (petróleo, carvão, etc) que provocam o

efeito estufa.

Quadro 13: Caracterização da ameaça.

Ameaça Efeitos das mudanças climáticas nos ambientes

aquáticos

Variável

Ambiental Impactada

Ictiofauna e outros componentes do meio biótico do

ecossistema aquático

Caracterização da ameaça

Ocorrência Certa Esta ameaça é considerada certa, tento em vista os efeitos das

mudanças climáticas já registradas nas enchentes e secas

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extremas ocorridas.

Incidência Indireta O efeito das mudanças climáticas é indireta nas populações de

peixes e outros organismos aquáticos que irão sofres as

consequências das cheias e seca extremas e da savanização da

floresta na metade sul da Amazônia.

Abrangência Ampla O impacto desta ameaça ambiental se manifesta de forma

ampla em toda a Amazônia, especialmente na porção sul. Temporalidade Longo

prazo

Este impacto tem manifestação a longo prazo, uma vez que

mudanças climáticas são lentas e seus efeitos são instalados de

forma lenta e cumulativa.

Forma de

Manifestação

Contínua O efeito se manifesta de forma contínua, já que as mudanças

climáticas são irreversíveis.

Duração da

Manifestação

Permanente O impacto é de duração permanente.

Quadro 14: Avaliação da ameaça.

Avaliação da Ameaça Reversibilidade Irreversível O impacto é irreversível mesmo a longo prazo, uma vez

que as mudanças climáticas não podem ser controladas.

Relevância Muito alta A relevância geral desta ameaça é considerada muito alta,

em face ao forte efeito que deverá causa em todo o

ecossistema Amazônico.

Magnitude Muito alta Sendo um impacto irreversível e de altíssima relevância

para o ecossistema, a magnitude desta ameaça é da mesma

forma muito alta.

8.7.2. Ações Ambientais Propostas para o Plano de Ações Estratégicas. As

medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA sobre importância da

floresta e de sua manutenção, como um regulador do clima;

Estudos sobre programas de reflorestamento e recuperação de áreas degradas, com a

finalidade de diminuir a exposição do solo;

Desenvolvimento de programas de educação ambiental e de conscientização sobre as

mudanças climáticas e de como elas afetam a biodiversidade, em especial a

biodiversidade aquática.

Diminuição mundial das emissões de gás carbônico.

9. PRINCIPAIS TEMAS CRÍTICOS QUE AFETAM OS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS

E PRIORIDADES DE AÇÕES

Como conclusão, apresenta-se a seguir uma síntese integradora das ameaças ou conflitos e das

ações propostas, esperando que ações concretas possam ser tomadas no sentido de minimizar e

mitigar os efeitos nocivos das ameaças ambientais e sociais.

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113

9.1. Temas associados à ecologia e biologia pesqueira

Em se tratando da pesca na bacia Amazônica observou-se um declínio em quantidade e

qualidade (principalmente diminuição de tamanho médio) do pescado ao longo das últimas

décadas. Os diversos fatores que concorrem para esse declínio estão detalhadamente explicados

neste estudo, mas são baseados, principalmente, no aumento da demanda por peixe, face ao

aumento demográfico da população humana na Amazônia, e consequente sobrepesca, na

alteração e perda de hábitat dos peixes, em função da degradação dos ecossistemas por conta de

desmatamento para agricultura e pecuária, de obras de infraestrutura, como barragens

hidrelétricas, e de contaminação dos ambientes naturais.

O desmatamento é a causa primária mais importante do declínio da qualidade do hábitat terrestre

e aquático na Amazônia, e o que afeta da maneira mais severa as populações de organismos

aquáticos. O desmatamento de grandes extensões de terra para agricultura e pecuária e,

especialmente, o desmatamento da vegetação ripária, afetam diretamente os ciclos reprodutivos e

alimentares dos peixes. A diminuição na vazão dos rios pelo desmatamento extensivo,

especialmente de áreas de cabeceiras, afeta diretamente o ciclo de enchente/cheia/vazante/seca,

pela diminuição do volume de água. Por outro lado, o desmatamento de áreas de vegetação

ripária extirpam locais de reprodução de peixes adultos e de alimentação de peixes jovens. A

sinergia dessas duas ameaças tem pesadas consequências negativas diretas sobre a ecologia

reprodutiva e alimentar dos peixes.

Dessa maneira, o monitoramento, controle e diminuição dos desmatamentos extensivos e de

vegetação ripária em todas as áreas da bacia Amazônica, especialmente na sua metade sul no

Brasil, na Bolívia e no Peru, devem ter alta prioridade nos programas de desenvolvimento dos

governos dos países membros da OTCA. Ao mesmo tempo, ações de recuperação de áreas de

floresta degradadas devem ser estudadas e desenvolvidas, de forma a assegurar o retorno da

cobertura florestal ao longo dos cursos d'água e nas áreas de nascentes. Portanto, a faixa mínima

de floresta ripária nas margens de todos os cursos d’água da Amazônia deve ser preservada ou,

no caso de já haver sido degradada, deve ser recuperada. Produtores rurais devem ser

conscientizados, através de programas de educação ambiental especialmente dirigidos para esse

extrato social, sobre a importância da manutenção dessa faixa florestal. Ao mesmo tempo, a

legislação de cada país membro da OTCA nesse aspecto deve ser revisada e a capacitação

institucional deve ser reforçada nesses países, incluindo a capacitação de pessoal.

Outra causa primária importante para o declínio da qualidade do hábitat aquático na Amazônia, e

que afeta da maneira severa as populações de organismos aquáticos, especialmente peixes,

compreende as grandes obras de infraestrutura, principalmente as usinas hidrelétricas, com suas

barragens de rios e formações de reservatórios. Os dois efeitos mais importantes das UHEs sobre

os peixes, são a barreira formada aos grandes migradores que, na ausência de passagens para

peixes, impede a migração rio acima durante a piracema, e ao mesmo tempo dificulta a descida

dos ovos e larvas das partes mais altas da bacia para as várzeas a jusante, onde os peixes jovens

deverão crescer. O segundo efeito principal, e provavelmente o mais nocivo, das usinas

hidrelétricas, é a regulação da vazão do rio a jusante do barramento. A diminuição da vazão

provocada pela retenção de água no reservatório, especialmente nos finais de semana, quando a

demanda de energia elétrica é menor, causa a exposição ao ar de enormes áreas de vegetação

inundada onde peixes podem ter feito a suas posturas de ovos ou estejam se alimentando,

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acarretando a morte de ovos e peixes. Esse efeito é fortemente nocivo, pois afeta de maneira

intensa os ovos e juvenis, que constituem a parte mais sensível do ciclo de vida dos peixes. Esse

efeito acaba por modificar profundamente a comunidade de peixes, como relatado acima para a

região da UHE Tucuruí.

Ainda, o enorme potencial hidrelétrico dos rios da Amazônia em suas cabeceiras, nos diversos

países membros da OTCA, aponta para a construção de muitas novas UHEs nos próximos anos.

A ameaça que esses novos empreendimentos deverão constituir aos organismos aquáticos e,

portanto, à pesca na Amazônia, é substancial.

As ações prioritárias para mitigar e compensar os efeitos nocivos das ameaças ambientais das

usinas hidrelétricas sobre os peixes e a consequentemente a pesca na Amazônia, são diversas, e

incluem a participação de diversos atores. As agências de planejamento energético dos países

Amazônicos membros da OTCA devem entender a necessidade de construção de passagens para

peixes em todos os novos empreendimentos hidrelétricos e, se possível, nos já existentes. Ao

mesmo tempo, trechos longos de leito inalterado devem ser preservados entre reservatórios em

sequência no mesmo rio ou mesma bacia hidrográfica. Ainda, programas de monitoramento

devem ser iniciados ou fomentados pelos governos para: (1) encontrar alternativas de operação

das usinas para reduzir a variação da vazão e, consequentemente, a flutuação no nível do rio à

jusante do represamento, pelo menos durante a estação reprodutiva dos peixes; e (2) utilização

mais eficiente de outras formas de geração de energia elétrica.

A terceira causa primária causadora de declínio da qualidade do hábitat aquático na Amazônia é

a contaminação ambiental provocada por diversos tipos de poluentes. Entre estes, os defensivos e

corretivos agrícolas são provavelmente os mais importantes, e com ação negativa mais

impactante sobre os peixes, sobretudo na região sul da bacia Amazônica, no Brasil. A poluição

por resíduos domésticos, apesar de ter ação mais pontual, torna-se expressiva à medida que a

ocupação pela população humana aumenta na Amazônia.

Ações para minimizar esses efeitos devem incluir o monitoramento e estrito controle do uso

extensivo de defensivos e corretivos agrícolas, especialmente na metade sul da Amazônia, bem

como a melhoria das condições de saneamento das cidades e outros núcleos urbanos através de

implementação e ampliação de sistemas de tratamento de efluentes domésticos e industriais.

Além disso, ações voltadas para o controle e diminuição do uso do mercúrio nas áreas de

garimpo devem ser prioridades dos países onde essa atividade ocorre na bacia Amazônica.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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