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Jovens Quilombolas: da identificação à organização 1 Breno Neno Silva Cavalcante 2 Jane Felipe Beltrão 3 (Universidade Federal do Pará) Resumo: O presente trabalho parte do questionamento “o que é ser jovem em uma comunidade quilombola?” e busca, através da observação participante, identificar quais as representações de juventude presentes nos quilombos de Salvaterra e como se opera a construção identitária desses sujeitos como quilombolas. Na construção dessa identidade, considerase a observação dos marcadores sociais da diferença, que contribuem para uma visão mais adequada da complexidade do “ser jovem quilombola”. Ademais, analisamse as conquistas recentes do movimento negro e quilombola em âmbito legal/institucional, e demonstrase o distanciamento do previsto legalmente e a realidade material, na qual é possível verificar diversas violações aos direitos de jovens quilombolas. Em resposta a essas violências, que ocorrem em vários níveis – físico, psicológico e simbólico – ressaltase a agência desses jovens e o empoderamento políticoorganizativo para enfrentar as opressões, através do grupo Abayomi, por exemplo, que visa a formação de novas lideranças e a valorização da cultura africana. Por fim, observase uma mudança na perspectiva de futuro profissional e acadêmico na vida desses jovens, que, por meio da luta do movimento quilombola, têm mais oportunidades de ingressar no ensino superior, à exemplo do Processo Seletivo Especial da Universidade Federal do Pará e do curso de Etnodesenvolvimento. Palavraschave: Jovens Quilombolas, Marcadores Sociais da Diferença, Empoderamento. Abstract: The present work starts from the question “what it is to be a youngster in quilombola community?” and seeks, through participant observation, to identify which representations of youth are within the quilombos at Salvaterra and how their identity constructions as quilombolas operate. In the construction of this identity, the observation of the social markers of difference is taken in consideration, which contributes for a more adequate view of the complexity of “being a young quilombola”. Morevover, this work analyses the recent achievements of the Afro Brazilian and quilombola movements in the legal/institutional field and demonstrates the distance between what is legally established and the material reality, where various violations of the rights of young quilombolas take place. In response to these violations, which happen in different levels –physical, psychological, symbolic, this work highlights the agency of these youngsters and the political/organizational empowerment that helps overcoming the oppressions. This empowerment happens, for example, by the work of the Abayomi group, which stands for the preparation of 1 Trabalho desenvolvido com apoio do programa PIBIC/CNPq. 2 Bolsista do PIBIC/CNPq. Graduand em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Email: [email protected]. 3 Orientadora. Docente da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Bolsista de Produtividade 1C pelo CNPq. Email: [email protected]

Rel Final Breno Bolsa de IC - Atualizado FINALIZADO · JovensQuilombolas:da,identificaçãoàorganização,!! 3! subalternizações!e!resistências!acionadas!por!essas!categorias!enquanto!marcadores!

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Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização1  

 Breno  Neno  Silva  Cavalcante2  

Jane  Felipe  Beltrão3  (Universidade  Federal  do  Pará)  

 

Resumo:   O   presente   trabalho   parte   do   questionamento   “o   que   é   ser   jovem   em   uma  comunidade   quilombola?”   e   busca,   através   da   observação   participante,   identificar   quais   as  representações   de   juventude   presentes   nos   quilombos   de   Salvaterra   e   como   se   opera   a  construção   identitária   desses   sujeitos   como   quilombolas.   Na   construção   dessa   identidade,  considera-­‐se   a   observação   dos   marcadores   sociais   da   diferença,   que   contribuem   para   uma  visão  mais   adequada   da   complexidade   do   “ser   jovem   quilombola”.   Ademais,   analisam-­‐se   as  conquistas   recentes   do   movimento   negro   e   quilombola   em   âmbito   legal/institucional,   e  demonstra-­‐se   o   distanciamento   do   previsto   legalmente   e   a   realidade   material,   na   qual   é  possível   verificar   diversas   violações   aos   direitos   de   jovens   quilombolas.   Em   resposta   a   essas  violências,  que  ocorrem  em  vários  níveis  –  físico,  psicológico  e  simbólico  –  ressalta-­‐se  a  agência  desses   jovens  e  o  empoderamento  político-­‐organizativo  para  enfrentar  as  opressões,  através  do  grupo  Abayomi,  por  exemplo,  que  visa  a  formação  de  novas   lideranças  e  a  valorização  da  cultura   africana.     Por   fim,   observa-­‐se   uma  mudança   na   perspectiva   de   futuro   profissional   e  acadêmico  na  vida  desses  jovens,  que,  por  meio  da  luta  do  movimento  quilombola,  têm  mais  oportunidades   de   ingressar   no   ensino   superior,   à   exemplo   do   Processo   Seletivo   Especial   da  Universidade  Federal  do  Pará  e  do  curso  de  Etnodesenvolvimento.  

 Palavras-­‐chave:  Jovens  Quilombolas,  Marcadores  Sociais  da  Diferença,  Empoderamento.    

Abstract:  The  present  work  starts   from  the  question  “what   it   is   to  be  a  youngster   in  quilombola  community?”  and  seeks,  through  participant  observation,  to  identify  which  representations  of  youth  are  within  the  quilombos  at  Salvaterra  and  how  their  identity  constructions   as   quilombolas   operate.   In   the   construction   of   this   identity,   the  observation   of   the   social   markers   of   difference   is   taken   in   consideration,   which  contributes   for   a   more   adequate   view   of   the   complexity   of   “being   a   young  quilombola”.   Morevover,   this   work   analyses   the   recent   achievements   of   the   Afro-­‐Brazilian  and  quilombola  movements   in  the  legal/institutional  field  and  demonstrates  the   distance   between   what   is   legally   established   and   the   material   reality,   where  various  violations  of  the  rights  of  young  quilombolas  take  place.   In  response  to  these  violations,   which   happen   in   different   levels   –physical,   psychological,   symbolic-­‐,   this  work   highlights   the   agency   of   these   youngsters   and   the   political/organizational  empowerment   that   helps  overcoming   the  oppressions.   This   empowerment  happens,  for  example,  by  the  work  of  the  Abayomi  group,  which  stands  for  the  preparation  of                                                                                                                            1  Trabalho  desenvolvido  com  apoio  do  programa  PIBIC/CNPq.  2  Bolsista   do   PIBIC/CNPq.   Graduand   em   Direito   pela   Universidade   Federal   do   Pará   (UFPA).   Email:  [email protected].    3  Orientadora.   Docente   da   Universidade   Federal   do   Pará   (UFPA)   e   Bolsista   de   Produtividade   1C   pelo  CNPq.  Email:  [email protected]    

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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future  leaders  and  the  valorization  of  the  African  culture.  Finally,  there  is  a  change  in  the  perspectives  of  professional  and  academic   future   in   the   life  of   these  youngsters,  who,   through   the   fight   of   the   quilombola  movement,   have   more   opportunities   of  entering  the  college  education,  for  example  by  accessing  the  Special  Selective  Process  of  the  Federal  University  of  Pará  or  the  Etnodesenvolvimento  course.  

Keywords:   Young   Quilombolas,   Social   Markers   of   Difference,   Empowerment.  

O   artigo   corresponde   às   atividades   realizadas   na   Iniciação   Científica,   no   que  

concerne   à   coleta,   sistematização   e   análise   de   dados   e   insere-­‐se   no   projeto   de  

pesquisa   intitulado   “Pertenças   ocultas   e   ‘etnogêneses’   identitárias   como   faces   de  

etnocídio   ‘cordial’”.4  O   Plano  de   Trabalho   denominando   Identidade   e   representações  

de  juventude  em  comunidades  Quilombolas,  tem  por  objeto  e  sujeitos  de  pesquisa  os  

jovens   quilombolas   que   residem   em   comunidades   localizadas   no   município   de  

Salvaterra,  no  Arquipélago  do  Marajó.  Tais  dimensões  serão  problematizadas  a  partir  

da   categoria   ‘jovem’5  desenvolvida   neste   trabalho,   em   diálogo   transversal   com   os  

diversos   marcadores   sociais   da   diferença, 6  que   são   essenciais   para   a   adequada  

compreensão   das   representações7  de   juventude   e   consequente   cumprimento   dos  

objetivos  da  pesquisa.  

Ademais,  e  antes  de  prosseguir,  é  necessário  estabelecer  algumas  demarcações  

teóricas,  políticas  e  metodológicas  à  respeito  da  pesquisa  desenvolvida.  A  pesquisa,  a  

partir   da   qual   se   desenvolve   o   presente   artigo,   busca   compreender   relações   de  

identidade  e  representações  sociais  de  jovens  quilombolas  a  partir  da  intersecção  das  

categorias  juventude  e  raça/etnia,  no  intuito  de  pluralizar  o  conhecimento  acadêmico  

a   respeito   das   experiências   juvenis   e   evidenciar   as   desigualdades,   opressões,  

                                                                                                                                     4  Cf.  Beltrão,  Jane  Felipe.  2014.  Pertenças  ocultas  e  “etnogêneses”   identitárias  como  faces  de  etnocídio  

“cordial”.   Antropologias   &   Histórias   “em   suspenso”   entre   os   Tembé/Tenetehara   no   Rio   Guamá.  (Proposta   associada   à   bolsa   de   produtividade   em   pesquisa   (nível   1C)   do   CNPq).   Processo:   Nº.  303027/2013-­‐4/CNPq.  (Inédito)  5  Categoria  analítica  geracional  e  relacional  (Bourdieu  2002)  histórica,  social  e  culturalmente  construída.  Tal  formulação  nos  permite  reconhecer  formas  heterogêneas  de  se  conceber  e  vivenciar  ciclos  de  vida,  desumanizadas  por  perspectivas  generalizantes,  ocidentais  e  coloniais.  6  Categoria  usada  nas  Ciências  Sociais  para  explicar  como  são  constituídas  socialmente  desigualdades  e  hierarquias   entre   grupos   sociais   e   indivíduos.   São   exemplos   de   categorias   a   cor/raça,   o   gênero,   a  sexualidade  e  a  classe  social  (Edilene  Pereira  e  Vera  Rodrigues,  2010)  7  Categorias   de   pensamento   construídas   coletivamente   a   partir   de   experiências   do   cotidiano,  constituídas   por   determinado   conjunto   de   regras,   crenças,   signos,   significados   e   concepções   da  realidade  que  permeiam  as  relações  do  grupo  (Sousa,  2014).  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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subalternizações   e   resistências   acionadas   por   essas   categorias   enquanto  marcadores  

sociais  da  diferença.  (Sousa,  2014)8  

Além  disso,  é  necessário  demarcar  o  lugar  de  fala  do  autor,  que  se  coloca  como  

militante   de   um   movimento   social   de   juventude,   e,   portanto,   um   pesquisador-­‐

militante,  com  um  interesse  claro  de  contribuir  com  as  lutas9  da  juventude  quilombola,  

a   partir   da   visibilização   das   agências   desses   jovens   em   contextos   locais.   Feita   essa  

consideração,   digo   que   não   pretendendo   assumir   uma   posição   de   neutralidade   no  

fazer  científico  (até  por  não  enxergar  essa  possibilidade),  como  pesquisador  utilizo  de  

conceitos   e   acúmulos   teóricos   de   movimentos   sociais   e   populares   brasileiros   para  

estabelecer   comparações   e   analisar   os   fatos   políticos   emergentes   das   lutas   do  

movimento  quilombola.  

A  preparação  para  a  pesquisa  teve  início  com  o  curso  de  formação  Vitimização,  

Subalternidade   e   Diferença,   ministrado,   em   fevereiro   de   2015,   por   Mariah   Torres  

Aleixo  e  Camille  Barata,  integrantes  do  grupo  de  estudos  Cidade,  Aldeia  &  Patrimônio,  

coordenado  pela  Profa.   Jane  Felipe  Beltrão.  Nos  meses  seguintes,  o  Grupo  estudou  a  

sentença  prolatada  pelo  Juiz  Federal  Airton  Portela,  sobre  o  não  reconhecimento  dos  

Povos   Indígenas   Borari   e   Arapium   e,   consequentemente,   de   seus   direitos   à   Terra  

Indígena   Maró,   no   município   de   Santarém,   de   modo   a   desconstruir   o   discurso  

presente   na   sentença   e   refletir   sobre   os   argumentos   usados   para   descaracterizar   o  

processo   de   etnogênese10  verificado   naquelas   comunidades.   Ademais,   durante   os  

encontros  do  grupo,  contou-­‐se  com  as  contribuições  de  graduandos  e  pós-­‐graduandos  

para  a  discussão  de   temáticas  afins  e   também  através  de  diversas  apresentações  de  

qualificações,  dissertações,  teses,  artigos  e  experiências  de  campo.  

A  disciplina  Teoria  dos  Direitos  Humanos,  ministrada  no  primeiro  semestre  de  

2015  pelas  professoras  Jane  Beltrão  e  Cristina  Terezo,  no  Programa  de  Pós-­‐Graduação  

em   Direitos   Humanos   da   UFPA,   à   qual   assisti   como   ouvinte,   foi   de   fundamental  

                                                                                                                         8  Cf.  Sousa,  Camila.  2014.  Quilombolas  em  situação  de  violência.  Relatório  técnico-­‐científico  parcial  de  IC  –  CNPq/UFPA.  (Inédito)  9  Neste   artigo   utiliza-­‐se   “luta”,   e   sua   respectiva   qualidade:   “lutador”   ou   “lutadora”;   como   conceito  nativo,  ou  seja,  como  uma  categoria  que  somente  tem  sentido  no  mundo  prático,  efetivo  (Guimarães,  2009)  .  10  Processo  pelo  qual  povos  considerados  extintos  em  documentos  oficiais   recuperam  uma   identidade  étnica   ocultada   e   a   atualizam   como   fonte   de   mobilização   política   e   reorganização   sócio-­‐cultural.  (Pacheco  de  Oliveira,  2006)  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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importância  para  o  entendimento  do  diálogo  entre  Direito  e  Antropologia,  e  os  frutos  

dele  advindos  em  termos  de  uma  melhor  compreensão  dos  direitos  diferenciados11  de  

povos   e   comunidades   tradicionais   e   da   sensibilidade   jurídica 12  necessária   para  

entender  os  seus  sistemas  jurídicos  próprios.  (Geertz,  1998)  

Os  três  campos13  realizados  em  Salvaterra  contribuíram  para  desconstruir  uma  

série  de  preconceitos  e  ajudaram  na  elaboração  do  presente  relatório.  Em  especial,  o  

encontro  da  Abayomi,  14  realizado  nos  dias  14  e  15  de  março  de  2015,  que  teve  lugar  

no  quilombo  de  Vila  União/Campina,  foi  de  suma  importância  para  a  compreensão  do  

protagonismo   político   dos   jovens   e   da   sua   disposição   em   valorizar   a   negritude   e   as  

origens  africanas.  

Igualmente  importante  para  a  formação  foi  o  campo  realizado  no  município  de  

Santa  Maria  do  Pará   (PA),  na  Colônia  do  Prata  e  na  aldeia   indígena  do  Jeju,  onde   foi  

possível  dialogar  sobre  o  processo  seletivo  especial  da  UFPA  e  entre  outros  aspectos  

das   agências   indígenas   locais.   Esse   campo   possibilitou   estabelecer   comparações  

interessantes  entre  os  direitos  diferenciados  quilombolas  e  indígenas,  que  podem  ser  

aprofundadas  em  trabalhos  vindouros.  

O  IV  Encontrão  do  Ijê  Ofè,15  realizado  Belém,  dos  dias  04  a  06  de  junho  de  2015,  

contribuiu   imensamente   para   entender   o   pano   de   fundo   da   formação   das   jovens  

lideranças  da  Abayomi.  Constatou-­‐se  que  a  articulação  entre  as  entidades  de  Direitos  

Humanos,   ONGs   e   movimentos   contra-­‐hegemônicos16  podem,   via   diálogo   político  

                                                                                                                         11  Conjunto   de   direitos   praticados   e   produzidos   por   uma   coletividade   que   não   forma   um   Estado  Nacional,   que   não   positiva   suas   leis   em   códigos   escritos,   que   não   possuem  órgãos   específicos   para   a  elaboração  de  leis  e  tomada  de  decisões.  Mas  que,  no  entanto,  são  direitos  considerados  legítimos  por  essa  mesma  coletividade  (Libardi  de  Souza,  2009).  12  Significados   provenientes   do   campo   jurídico-­‐legal,   que   traduzem   conceitos   de   justiça   específicos,  sentidos   de   direitos   particulares   a   cada   cultura,   variando   de   acordo   com  o   saber   local   (Geertz,   1998,  apud    Libardi  de  Souza,  2009)  13  A  expressão  ‘campo’  será  utilizada  neste  trabalho  como  o  exercício  prático  da  observação  participante  junto  a  comunidades  quilombolas  do  município  de  Salvaterra   (PA).  A  observação  participante  consiste  na   coleta   de   dados   via   participação   direta   do   pesquisador   na   convivência   com   a   comunidade,   que  participa  da  vida  diária  e  observa  os  comportamentos  das  pessoas,  entabulando  conversas  informais  –entrevistas   direcionadas   ou   não   para   alcançar   o   melhor   entendimento   possível   da   realidade   e,   em  seguida,   compara   e   interpreta   as   informações   coletadas   durante   o   período   que   passou   entre   seus  interlocutores.  (Goldenberg,  2004).  14  Expressão  que  em  idioma  Iorubá,  significa  “encontro  precioso”  ou  “o  melhor  que  posso  dar  de  mim”.    A  Abayomi  é  constituída  por    um  grupo  de  jovens  quilombolas  que  atua  em  Salvaterra  (PA).  15    Quer  dizer  “raça  livre”  no  idioma  Iorubá.  16  Aqui   classificados   como  movimentos  que   se  opõem  à   globalização  hegemônica   sustentada  por   três  pilares:  sexismo,  colonialismo  e  capitalismo.  Ver  Santos  (2013).  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

5  

intercultural17  ajudar  na  afirmação  da  identidade18  quilombola,  na  luta  pelo  território  e  

no  “resgate”  da  africanidade.  

Durante  os  “campos”,  fez-­‐se  uso  da  observação  participante,  de  entrevistas  não  

direcionadas  e  da  análise  de  depoimentos  dos   interlocutores  por  meio  de  narrativas  

orais  durante  as   incursões  de  campo.  A  observação  participante  permite  um  contato  

direto  com  a  comunidade  e  com  os  interlocutores,  o  que  facilita  o  fazer  etnográfico  e  

proporciona  um  diálogo  intercultural.  

Para  os  fins  deste  trabalho,   interessa-­‐nos  compreender  a  agência19  dos   jovens  

das   comunidades   quilombolas   de   Salvaterra,   considerando   os   diversos   marcadores  

sociais  da  diferença,  e  de  que  maneira  esses  sujeitos  se  auto-­‐organizam  para  enfrentar  

as  situações  de  violações  de  direitos  e  lutar  por  uma  inclusão  social  de  fato,  com  base  

no  protagonismo  político  e  nas  “brechas”  conquistadas  no  âmbito  legal/institucional.  

As  possibilidades  que  se  abrem  no  âmbito  institucional,  para  que  se  efetive  os  

direitos  dos  quilombolas,  dizem  respeito  à  cultura,  à  educação,  à  saúde  e  ao  território  

e  têm  como  marco  –  adotado  pelo  presente  trabalho,  a  promulgação  da  Constituição  

Federal  Brasileira   (CF),  em  1988,  que  traz  consigo  um  novo  paradigma  para  o  Direito  

brasileiro   com   respeito   aos   direitos   de  povos   etnicamente  diferenciados.  Graças   aos  

institutos  conquistados  e  ao  status   constitucional  que   receberam,  o  Brasil  pode  hoje  

considerar-­‐se  um  país  pluriétnico,  que  admite  a  cultura  dos  quilombos  como  parte  da  

diversidade  nacional.  Tanto  é  assim  que,   segundo  o  §  5°  do  Art.  216  da  Constituição  

Federal   Brasileira,   os   “sítios   detentores   de   reminiscências   históricas   dos   antigos  

                                                                                                                         17  O  termo  pressupõe  que  as  culturas  são   incompletas  e  que  um  diálogo  entre  elas  pode  potencializar  ações  em  favor  da  emancipação  humana.  No  entanto,  é  necessário  atentar  para  a  assimetria  que  pode  decorrer   desse   diálogo,   afinal   uma   das   culturas   –a   ocidental   –   é   hegemônica   no  mundo   e   apresenta  forte   indisposição   ao   diálogo   intercultural.   Para   tanto,   deve-­‐se   fazer   uso   da   Hermenêutica   Diatópica,  que   pretende   ampliar   ao   máximo   a   consciência   da   incompletude   mútua   entre   as   culturas.   (Santos,  2009).  No  caso  deste  artigo,  a  interculturalidade  é  entendida  em  um  contexto  político  de  luta  em  favor  de  pautas  comuns.    18  Utiliza-­‐se   o   conceito   de   Barth,   segundo   o   qual   a   identidade   étnica   é   um   conceito   dinâmico,   que  depende  sempre  do  contexto  e  dos   interesses  em  jogo  e  que  se  transforma  a  partir  das  relações  com  outras   grupos   étnicos,   sejam   elas   coletivas   ou   individuais.   Os   quilombolas,   enquanto   grupo   étnico,  seriam  uma  categoria  de  atribuição  e  identificação  realizadas  pelos  próprios  autores,  o  que  se  coaduna  com  a  chamada  auto-­‐identificação.  Ver  Barth  2011.    19  Usa-­‐se   o   termo   na   concepção   de   Sherry   Ortner   (2011),   que   considera   existem   dois   campos   de  significado   para   tratar   do   conceito:   o   relacionado   à   intencionalidade   e   ao   fato   de   perseguir   projetos  culturalmente   definidos   e   outro   vinculado   a   questão   do   poder   e   à   atuação   no   contexto   de  desigualdades,  assimetria  e  forças  sociais.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

6  

quilombos”  constituem  patrimônio  cultural  brasileiro  e  são  tombados20  como  forma  de  

garantir  a  sua  preservação.    

Da   mesma   maneira,   o   Art.   68   do   Ato   das   Disposições   Constitucionais  

Transitórias  (ADCT),  utilizou  por  primeira  vez,  no  ordenamento  jurídico  pátrio,  desde  o  

período  da  escravidão,  a  expressão  “quilombola”  ou  “remanescentes  de  quilombos”.  

Esse  artigo  reconhece  propriedade  definitiva  aos  “remanescentes  das  comunidades  de  

quilombo”21  que   estejam   ocupando   suas   terras.   Posteriormente,   o   artigo   60   foi  

regulamentado   por   meio   do   Decreto   No.   4.887/2003,   que   traz   em   seu   bojo   uma  

definição   de   quilombo   em   sua   dimensão   territorial.   Sobre   o   tema,   Ilka   Boaventura  

Leite  assim  comenta:  

“[a]s  terras  de  quilombos  correspondem,  pois,  às  áreas  territoriais   identificadas  pelos  grupos  negros  como  experiências  específicas  consolidadas  por  meio  de  vínculos  sociais  e   históricos,   e   noções   de   pertencimento   e   origem   comum   presumida,   convergindo  para  uma  territorialidade  expressa  como  modalidades  próprias  de  organização  social,  parentesco,   sociabilidade  e  valores  culturais  materiais  e   imateriais  de  um  patrimônio  reconhecido  pela  coletividade  que  a  integra.”  (2012:  257)  

A  Lei  10.639/2003,  atualizada  pela  Lei  11.645/2008,  garante  o  ensino  da  cultura  

e   história   afro-­‐brasileira   e   indígena   em   escolas   públicas   e   privadas   do   Brasil,   e   se  

configura  como  um  dos  principais  instrumentos  legais  de  luta  do  movimento  negro22  e  

quilombola   no   Brasil.   Este   dispositivo   impulsiona   a   formulação   de   uma   educação  

intercultural,  a  partir  da  transversalização  desses  conteúdos  em  todas  as  disciplinas  do  

currículo   escolar   e   da   reflexão   crítica   sobre   a   formação   do   país   a   partir   das   lutas   e  

contribuições   dos   negros   e   índios,   o   que   configura   também   um   importante  

instrumento   de   combate   às   discriminações   ainda   vigentes   na   sociedade.   (Oliveira   &  

Beltrão,   2015).   O   artigo   210   da   CF   também   aponta   no   mesmo   sentido   e   garante    

conteúdos  mínimos  no  ensino  fundamental  para  “assegurar  formação  básica  comum  e  

respeito  aos  valores  culturais  e  artísticos,  nacionais  e  regionais”.  

                                                                                                                         20  Segundo  Di  Pietro  (2011),  o  tombamento  é  um  processo  administrativo,  que  se  constitui  como  uma  intervenção  do  Estado  na  propriedade  privada,  tendo  por  objetivo  a  proteção  do  patrimônio  histórico  e  artístico  nacional.  21  As   aspas   se   justificam   pelo   fato   de   a   expressão   ser   ainda   muito   questionada   no   movimento  quilombola  e  na  literatura  sobre  o  tema.  22  O   termo   ‘movimento   negro’   é   aqui   utilizado   como   sendo   a   expressão   de   sujeitos   políticos   que,  articulados  ou  não,   atuam  como  vozes  da   coletividade  negra  no   combate  ao   racismo  e  em  defesa  da  igualdade   racial   no   acesso   a   bens   e   serviços   socialmente   produzidos.   (Guimarães,   1999,   2002,   apud  Oshai,  2015).  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

7  

Outra  conquista,  de  suma  importância  para  a  questão  territorial  quilombola,  foi  

a  Convenção  No.  16923  da  Organização  Internacional  do  Trabalho  (OIT),  editada  a  partir  

da  necessidade  de  os  Povos  Indígenas  e  Tribais  se  auto-­‐determinarem,  assumindo  para  

si  o  controle  de  suas  próprias  formas  de  vida  e  instituições.  Entende-­‐se  que,  por  uma  

questão   de   interpretação   histórica   e   jurídica,   os   povos   e   comunidades   tradicionais  

também  estariam  abarcados  por  essa  Convenção,  no  entanto  há  controvérsias  ainda  

não  resolvidas  no  Judiciário  brasileiro  que  impedem  a  pacificação  desse  entendimento.  

Tais   conquistas   em   âmbito   institucional   demonstram   o   reconhecimento   do  

Estado  Brasileiro  de  que  os  quilombolas  constituem  um  grupo  social  específico  dentro  

do   país,   e   que,   portanto,   merecem   um   tratamento   diferenciado   –direitos  

diferenciados-­‐   para   que   se   garanta   os   direitos   básicos   dentro   dos   quilombos   e   para  

que  se  respeite  a  diversidade  cultural  que  expressam.  

 

Juventude  Quilombola:  identidade  e  sociabilidade  

O  que  é  ser  quilombola?  

A  pesquisa  realizada  ao  longo  do  primeiro  semestre  de  2015  se  orienta  a  partir  

da   seguinte  pergunta:  O  que  é/como  é   ser   jovem  em  uma  comunidade  quilombola?  

Partindo  dessa  interrogação,  as  experiências  de  campo  demonstraram  como  os  jovens  

se  entendem  dentro  da  comunidade,  se  se  identificam  como  quilombolas  e  por  quê,  e  

qual  a  relação  dos  mesmos  com  os  mais  velhos  e  suas  práticas  tradicionais.  

Por   meio   de   um   questionário24  passado   aos   jovens   quilombolas   durante   o   V  

Encontro  da  Abayomi,   realizou-­‐se  um  consulta  aos  participantes  sobre  alguns   temas,  

por   intermédio   das   seguintes   interrogações   e   solicitações:   “Você   conhece   seu  

Quilombo?”;   Como   surgiu   seu   quilombo?”;   Na   sua   comunidade   tem   (opções   para  

assinalar):  (a)  associação  quilombola;  (b)  associação  de  agricultores;  (c)  associação  de  

pescadores;   (d)   grupo  de   jovens;   (e)   grupo  de  danças;   (f)   grupo  de   igreja.  De  acordo  

com   o   que   você   marca,   qual   o   seu   papel   dentro   da   comunidade?   O   que   é   ser  

quilombola?  Você  se  identifica  como  quilombola?  Justifique  sua  resposta.  

                                                                                                                         23  De  acordo  com  Rodrigo  Oliveira   (2015),  essa  Convenção,  de  1989,   foi   incorporada  ao  ordenamento  jurídico  brasileiro  em  2002,  e  traz  em  seu  bojo  um  importante  instrumento  de  diálogo  intercultural,  qual  seja  a  consulta  prévia,  livre  e  informada.    24  Documento  utilizado  pelos  jovens  da  Abayomi  para  obter  informações  sobre  seus  associados.    

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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Para  os   fins  deste   trabalho,   interessa-­‐nos  analisar   sobretudo  as   interrogações  

referentes   à   auto-­‐identificação.   Na   dinâmica   do   encontro,   os   jovens   escreveram  

respostas  às  perguntas  em  um  papel  e,  em  um  segundo  momento,  leram  em  voz  alta  o  

que   produziram;   cada   grupo   representando   um   dos   quilombos   representados   na  

reunião.  As  respostas  eram  variadas,  algumas  relacionando  a  identidade  quilombola  ao  

orgulho  das  raízes,  outras  à  raça  e  algumas  às  práticas  tradicionais  do  cotidiano.  

No  intuito  de  analisar  essas  respostas  a  partir  dos  próprios  termos  usados  pelos  

jovens,   faz-­‐se  uma  divisão  em  “categorias  de   identificação”,  que  mescla   respostas  às  

perguntas  de  número  5  e  6,  respectivamente,  quais  sejam:  “o  que  é  ser  quilombola?”  e  

“você  se  considera  quilombola?   Justifique  sua  resposta.”  É   importante  asseverar  que  

as  preocupações  dos  jovens  coincidem  com  as  minhas  preocupações,  fato  que  facilitou  

em  muito  o  meu  trabalho.  

 

Da  raça    

A  pergunta  5  o  que  é  ser  quilombola?  recebeu  como  resposta  “ser  quilombola  é  

ter  coragem,  raça  e  ter  orgulho  da  cor.”  E,  ainda,  “ser  quilombola  é  reconhecer  a  força  

do  negro  na  sociedade  brasileira.”  

As  respostas  remetem  à  identificação  por  meio  da  afirmação  da  raça,25  conceito  

que   não   será   utilizado   neste   trabalho   em   sua   acepção   biológica,   mas   sim   política,  

como   o   faz   o  Movimento  Negro26  no   Brasil.   A  maioria   dos   pesquisadores   brasileiros  

que   se   ocupam   da   temática   preferem   a   manutenção   do   termo   ‘raça’,   para   que   se  

possa  explicar  o  racismo,  pois  o  mesmo  continua  a  se  basear  na  ‘crença’  da  existência  

de  uma  hierarquia  racial,  estruturada  a  partir  de  conjuntos  raciais  que  ainda  se  fazem  

presentes   nas   representações   sociais   e   no   imaginário   coletivo   no   mundo  

contemporâneo.  

                                                                                                                         25  Entende-­‐se  que  a  biologia  descartou  o  conceito  de  raça  e  demonstrou  sua  não  operacionalidade,  no  entanto,  na  realidade  política  e  social  essa  categoria  ainda  é  amplamente  utilizada.  Nas  ciências  sociais  ela  é   considerada  uma  construção   sociológica  e  uma  categoria   social  de  dominação  e  exclusão,   como  afirma  Kabengele  Munanga  (2003).  26  O   termo   ‘movimento   negro’   é   aqui   utilizado   como   sendo   a   expressão   de   sujeitos   políticos   que,  articulados  ou  não,   atuam  como  vozes  da   coletividade  negra  no   combate  ao   racismo  e  em  defesa  da  igualdade   racial   no   acesso   a   bens   e   serviços   socialmente   produzidos.   (Guimarães,   1999,   2002,   apud    Oshai,  2015)  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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Por   outro   lado,   alguns   autores   substituem   o   conceito   de   ‘raça’   por   ‘etnia’,  

considerado   como   um   termo  mais   cômodo   e   “politicamente   correto”.   Todavia,   essa  

troca   não   muda   em   nada   a   realidade   do   racismo,   pois   não   acaba   com   a   relação  

hierarquizada  entre   culturas  diferentes,  que  é  um  dos   componentes  do   racismo.  Em  

outras  palavras,  o  racismo  praticado  atualmente  nas  sociedades  contemporâneas  não  

precisa  mais  do  conceito  de  raça  ou  da  variante  biológica,  porque  ele  se  reformula  com  

base  nos  conceitos  de  etnia,  diferença  cultural  ou  identidade  cultural,  não  obstante,  as  

vítimas  de  hoje   são   as  mesma  de  ontem  e   as   raças   de  ontem   são   as   etnias   de  hoje  

(Munanga,  2003).  

A   categoria   ‘cor’   é   bastante   discutida   nas   ciências   sociais.   De  maneira   geral,  

pode  ser  relacionada  a  aspectos  objetivos,  biológicos,  fazendo  referência  à  quantidade  

de  melanina  presente  no  corpo  humano.  No  entanto,  a  discussão  sobre  os  usos  sociais  

e  históricos  desse  termo  é  mais  complexa  e  remete  a  hierarquização  das  cores,  usada  

como  forma  de  dominação  do  ser  humano  pelo  ser  humano.   Inclusive  nas  pesquisas  

realizadas  por  Antonio  Guimarães   (2009),   há  militantes  do  movimento  negro  que   se  

identificam  enquanto  ‘negros’,  em  termos  da  raça,  e  ‘pardos’,  no  que  se  refere  à  cor.  

Nota-­‐se  que  o  primeiro  é  utilizado  no  sentido  da  ancestralidade  e  da  posição  política  e  

o  último  no  sentido  corrente  na  sociedade  brasileira,  ou  seja,  do  critério  supostamente  

objetivo  da  cor.  

 A  resposta  que  tem  por  referente  ‘raça’  traz  consigo  uma  carga  política  forte,  

pois  define  o  “ser  quilombola”  a  partir  e  da  qualidade  que  informa  sobre  a  coragem,  

indicando  o  pertencimento  à  raça  que  atribui  valor  à  cor  de  pele.  É  interessante  notar  

que   certas   qualidades   e   valores   como   ‘força’,   ‘coragem’,   ‘resistência’   e   outros  

aparecem  com   frequência  associados  à  questão   racial  e  à  questão  do(a)  negro(a)  no  

Brasil.  A  linguagem  e  o  uso  das  categorias  podem  ser  entendidas  como  uma  forma  de  

empoderamento,   de   valorização   de   um   passado   de   lutas   e   resistência   contra   a  

opressão.  

Esses  três  elementos  são  acionados  pelos  participantes  no  sentido  de  afirmar  a  

identidade  quilombola,  que  também  é  um  conceito  construído  social  e  politicamente,  

e  que  está  em  constante  disputa,  como  se  aborda  mais  à  frente.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

10  

A  segunda  resposta  menciona  diretamente  a  palavra  ‘negro’  e  a  relaciona  a  um  

legado  histórico  em  que  esse  grupo  étnico  assim  classificado  demonstrou  força.  Neste  

trabalho   utilizaremos   a   categoria   ‘negro’   enquanto   identidade   política,   no   sentido  

atribuído   pela   Prof.   Kabengele  Munanga,   que   discorre   da   seguinte  maneira   sobre   a  

referida  expressão:  

“[a]  questão  é  saber  se  todos  têm  consciência  do  conteúdo  político  dessas  expressões  e  evitam  cair  no  biologismo,  pensando  que  os  negros  produzem  cultura  e   identidade  negras   como   as   laranjeiras   produzem   laranjas   e   as   mangueiras   as   mangas.   Esta  identidade   política   é   uma   identidade   unificadora   em   busca   de   propostas  transformadoras  da  realidade  do  negro  no  Brasil.  Ela  se  opõe  a  uma  outra  identidade  unificadora   proposta   pela   ideologia   dominante,   ou   seja,   a   identidade   mestiça,   que  além  de  buscar  a  unidade  nacional  visa  também  a  legitimação  da  chamada  democracia  racial  brasileira  e  a  conservação  do  status  quo.”  (2003,  p.  11)  

 

A  pergunta  6  você  se  identifica  como  quilombola?    e  a  demanda   justifique  sua  

resposta,  foram  respondidas:  “sim,  pois  tenho  orgulho  de  ser  negra  e  valorizar  a  minha  

cultura.”   E   a   jovem   completa   dizendo   que   acha   que   tem  que   lutar   como   os   antigos  

lutaram.   Um   outro   interlocutor,   respondeu   que   se   considera   quilombola   e   que   tem  

orgulho  de  ser  negro,  pois  “meu  pai  e  minha  mãe  também  são.”  

A  primeira  resposta  traz  à  tona  a  questão  da  cultura  “minha  cultura”,  que  pode  

ser   diretamente   relacionada   à   etnia.   Nesse   sentido,   e   assim   como   nas   respostas   à  

pergunta  5,  a  questão  de  “ser  negra(o)”  se  confunde  com  a  proposição  étnica  ou  de  

grupos  étnicos,  acionadas  para  caracterizar  os  quilombolas.    

No  campo  da  Antropologia,  discute-­‐se  que  o  conceito  de  etnia  é  sócio-­‐cultural,  

histórico  e  psicológico,  podendo  ser  classificado  como  um  conjunto  de  indivíduos  que,  

histórica   ou   mitologicamente,   têm   um   ancestral,   uma   língua,   uma   religião,   uma  

cosmovisão   comuns,   apresentando   uma   mesma   cultura   e   habitando   um   mesmo  

território.  (Munanga,  2003)  

Além   disso,   há   o   aspecto   da   continuidade   da   ‘luta’,   ou   seja,   a   identificação  

enquanto   quilombola   tem   relação   direta   com   o   fato   de   lutar   pela   alteração   de   um  

status   quo   que   oprime   esses   sujeitos   historicamente.   Existe,   também,   uma   clara  

menção   à   questão   geracional,   aos   “antigos”,   e   nesse   sentido   a   luta   vem   como  

elemento   complementar   para   entender   que   uma   das   maneiras   de   se   identificar  

quilombola  é  justamente  reconhecendo  um  passado  de  resistência.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

11  

A  segunda  resposta  nos  remete  a  aspectos  semelhantes  aos  da  primeira,  porém  

é   importante   notar   que   a   referência   de   lutadores   e   lutadoras   é   mais   próxima   e  

personificada  na  figura  dos  pais.    

 

Do  fazer  política  

A   pergunta   5   o   que   é   ser   quilombola?   foi   respondida   evocando   que   ser  

quilombola   é   lutar   pelo   direito   coletivo,   “é   não   lutar   só   por   si”   “é   ter   orgulho   e  

valorizar  raízes  e  cultura.”  E,  também,  “é  se  auto-­‐identificar”,  “é  ter  coragem,  raça  ...  

orgulho  da  cor”  reconhecendo  “a  força  do  negro  na  sociedade  brasileira”  ou  seja  “ter  

orgulho  do  que  é,  do  que  faz”  

Quando  os  jovens  se  identificam,  é  possível  observar  uma  relação  direta  entre  a  

militância   política   e   a   luta   coletiva   –   em   oposição   clara   à   luta   pessoal,   individual,   e  

também,  repete-­‐se  o  posicionamento  político  que  refere  o  passado  como  respaldo.  A  

questão   da   afirmação   racial   é   política   e   quanto   mais   lastro   (auto-­‐identificação,  

conquistas   históricas,   reconhecimento)   referir   maior   é   a   possibilidade   de    

(re)afirmação.    

Ainda,   sobre   a   questão   da   auto-­‐identificação,   nota-­‐se   o   nível   de   consciência  

política   expressa   na   resposta,   que   poderia   ser   atribuída   à   militância   do  movimento  

quilombola,   especialmente   a   partir   do   trabalho   da  Malungu,   entidade   que,   desde   a  

década   de   90,   no   Pará,   preocupou-­‐se   em   defender   a   auto-­‐identificação   como  

ferramenta  política   importante  nos  quilombos,   tanto  no  sentido  de  conquistar  maior  

visibilidade  e  participação,  quanto  no  que  tange  à  questão  do  atendimento  a  direitos  

básicos  nas  comunidades.  

Uma  das  respostas  obtidas  remete  à  ideia  de  “cultura”  e  às  “práticas”,  ou  seja,  

ao  “fazer”,  que  é  um  elemento  importante  na  construção  da  identidade  quilombola.  As  

próprias   lideranças  do  movimento  quilombola  no  Pará,   quando   falam   sobre  o   tema,  

mencionam   essa   relação   do   “fazer”   com   a   identidade.   Fernando,   um   dos  

coordenadores   da  Malungu,   presente   no   IV   Encontro   da  Abayomi,   afirmou  que   “ser  

quilombola”  está  presente  nas  ações  do  dia-­‐a-­‐dia  nos  quilombos:  é  pescar,  é   coletar  

açaí,  é  utilizar  os  conhecimentos  ancestrais.  

 

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

12  

Ao  responder  a  pergunta  6  “você  se  identifica  como  quilombola?    e  a  demanda  

para   justificar   a   afirmação,  uma   das   jovens   informou   que   “se   espelha  muito   na   sua  

mãe   e   quer   assumir   o   lugar   dela”,   adiantando  o   sim,   ao   que  outra   acrescentou  que  

tem  “orgulho  de  ser  negra  e  valorizar  a  minha  cultura”.  A  mesma  jovem  comentou  que  

“acha  que  tem  [obrigação]  que   lutar  como  os  antigos   lutaram”.   Indo  mais  adiante  os  

jovens  informam  que  “antes  não  se  consideravam,  mas  agora,  depois  dos  encontros  da  

Abayomi,   se   consideram,   e   concluem   “é   importante   quilombola   ter   respeito   ...  

orgulho”.   Como   informa   outro   interlocutor   “tenho   orgulho   de   ser   negro.  meu   pai   e  

minha  mãe  também  são!”  

Nota-­‐se,   nas   respostas   acima,   uma   acentuada   referência   ao   orgulho   de   ser  

negro  e  quilombola,  mais  uma  vez  misturando  tais  categorias.  Novamente,  a  questão  

da  continuidade  da  luta  aparece  em  referência  à  lutadores  que  os  interlocutores  nem  

sequer  conheceram  –  os  “antigos”  –  e  aos  mais  próximos,  como  o  pai  e  a  mãe.  

Observa-­‐se,   também,  um  senso  de   responsabilidade  e  dever  para  com  a   luta,  

expresso   no   “querer   assumir   o   lugar”.   A   metáfora   do   espelho   remete   ao   exemplo  

pedagógico  que  a  mãe  oferece,  e  que  leva  a(o)  filha(o)  a  tomar  para  si  a  consciência  de  

que  é   importante  estar  organizada(o)  –  expresso  na   frase  “assumir  o   lugar”,  ou  seja,  

ocupar  determinada  posição  ou  cargo  –  e  dar  sequência  à  luta.  

A   resposta   que   coloca   a   Abayomi   no   interior   da   roda   política   faz   referência  

direta   à  mudança   operada   pela   formação   política   oferecida   pelo   grupo,   destacando  

como  a  interlocutora  se  sentia  no  passado  e  como  agora  se  identifica  com  a  política  e  a  

militância  a  qual  conduziria  a  exigência  por  respeito  aos  negros.  Talvez  as  expressões  

queiram  indicar,  no  contexto,  a  urgência  de  que  os  quilombolas  tenham  participação  

ativa  na  sociedade  brasileira  em  geral,  mas  também  pode  ser  entendida  como  reação  à  

opressão  e  ao  preconceito  racial  que  discrimina  e  afasta.  De  todo  modo,  a  situação  que  

se  apresenta  aos  jovens  em  Salvaterra  (PA)  é  que  os  quilombolas  não  são  respeitados,  

portanto  a  situação  precisa  mudar.  

 

De  práticas  e  território  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

13  

A   pergunta   5   o   que   é   ser   quilombola?   Foi   respondida   pelos   jovens   informando   que  

“pertencer   a   um   Quilombo,   [é]   não   negar   as   raízes.   Tem   a   ver   com   a   cultura   dos  

antepassados,  e  não  com  a  cor.”  E  ainda,  significa  “reconhecer  a  origem.”    

A  última  categoria  de  identificação  –  origem,  não  deixa  de  entrelaçar-­‐se  com  as  

outras  duas  –  raízes  e  cultura.  Observa-­‐se  que  mais  elementos  emergem  das   falas,  e  

podem   ser   acrescidos   a   outros,   por   exemplo   raízes/ancestralidade,   que   de   alguma  

forma   relacionam-­‐se   ao   conceito   de   grupo   étnico   e   formas   de   auto-­‐identificação  

coletivas  dos  mesmos  grupos.    

Chama   a   atenção   a   aparente   negação   do   fator   “cor”   como   caracterizador   do  

“ser   quilombola”.   Essa   colocação   tem   ressonância   na   realidade   observada,   pois   a  

equipe   se   deparou,   por   exemplo,   com   jovens   de   cor   branca   e   traços   corporais  

atribuídos   às   pessoas   brancas   nos   quilombos.   Essas   pessoas,   para   o   movimento  

quilombola,  não  deixam  de  ser  quilombolas,  o  que  demonstra  as  nuances  do  conceito  

de   grupo   étnico,   especialmente   considerando   as   múltiplas   possibilidades   de  

casamentos   interétnicos   que   se   fazem   presentes   desde   a   colônia,   portanto   nem  

sempre  os  quilombolas  no  contexto  podem  ser  classificados  como  tal  pelo  fenótipo,  a  

classificação  como  tenho  trabalhado  é  social  e  não  biológica.      

Apesar   de   a   expressão   ‘quilombo’   remeter   diretamente   ao   espaço   físico,   ou  

seja,   ao   território,   há,   em   algum   nível,   uma   ideia   geral   de   que   este   é   um   conceito  

jurídico-­‐político,  especialmente  pós  Constituição  de  1988.  Falando  mais  precisamente,  

a   ideia   de   ‘quilombo’   está   relacionada,   desde   a   abolição   (formal/oficial)   ao   sistema  

escravista   colonial,   à   luta   contra   o   racismo   e   às   políticas   de   reconhecimento   da  

população  afro-­‐brasileira,  pautas  dos  movimentos  negros  e  que  recebem  amplo  apoio  

de  setores  ligados  aos  Direitos  Humanos  no  Brasil.  (Leite,  2012)  

As   expressões   “ser   quilombola”   e   “quilombo”,   na   maior   parte   das   vezes  

utilizadas   seguindo   as   descrições   hegemônicas   e   etnocêntricas27  estão   em   constante  

disputa   social   e   ideológica.   Tais   categorias   são   polifônicas   e   tem   sido   usadas   como  

importantes  marcos   para   as   reivindicações   do  movimento   quilombola   no   âmbito   da  

saúde,   da   cultura,   do   território   e   da   educação.   No   entanto,   essas   reivindicações  

                                                                                                                         27  Tendência   do   ser   humano   a   ver   o  mundo   através   de   sua   cultura,   que   tem   como   consequência   a  propensão  em  considerar  o  seu  modo  de  vida  como  o  mais  correto  e  o  mais  natural.  (Laraia,  2001).  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

14  

encontram   diversas   barreiras   para   serem   negociadas   junto   aos   órgãos   competentes  

para   fazer  o  procedimento  de  titulação  de  terras  ou  mesmo  em  termos  de  aplicação  

das  leis.  

Essa   luta   por   reconhecimento   por   certo   é   a   pauta   principal   de   organizações  

como  a  Malungu  que  lutam  pelo  território.      Essa  questão  tem  relação  com  a  “origem”,  

a  qual  ganha  força  com  o  trabalho  de  aliados  estratégicos  na  Academia  por  meio  dos  

laudos  antropológicos,  por  exemplo.  Outra  relação  que  deve  ser   feita  quando  se  fala  

em  direito  ao  território  é  a  realidade  dos  conflitos  territoriais,  que  avançam  cada  vez  

mais  no  Arquipélago  do  Marajó  ameaçando  quilombolas  e  também  pesquisadores.  

Fazendeiros  criadores  de  gado  e,  mais  recentemente,  arrozeiros,  por  exemplo,  

às   vezes   invadem   ilegalmente   territórios   quilombolas,   colocando   cercas   além   dos  

limites  de  suas  propriedades  e   tentando  cooptar  ou  dividir  a  comunidade  através  de  

propostas   ilegais28  de   trabalho.   Esses   relatos   nos   foram   oferecidos   por   Dona   Vera,  

interlocutora   do   quilombo   do   Bacabal   e   os   mesmos   possuem   ressonância   com   a  

realidade  geral  dos  quilombos  do  Brasil.  Ilka  Boaventura  Leite  discorre  sobre  o  tema:  

“[d]isputas   territoriais   interpostas   por   interesses   externos,   ameaças   de  desaparecimento   desses   espaços   estratégicos   e   sua   fragilidade   perante   os   diversos  mecanismos   de   exploração   mercantilizada   da   terra   encontram   no   reconhecimento  oficial  e  na  regularização  fundiária  uma  forma  de  garantia  e  consolidação  de  direitos  de  uma   cidadania   historicamente   negada   aos   descendentes   dos   africanos   escravizados  (2012,  pp.357-­‐358)  

 

Você   se   identifica   como   quilombola?   Justifique   sua   resposta,   recebeu   dos  

interlocutores,  como  resposta,  um  sonoro  sim,  “porque  essa  é  a  minha  origem  e  vou  

carregá-­‐la   para   sempre.”   E   complemente,   informando   que   nasceu   e   foi   criada   na  

comunidade  quilombola.  

Da  mesma  forma,  nesses  casos,  a  referência  ao  “ser  quilombola”  traz  a  questão  

da  origem  e  de  permanência  pelo  fato  de  que  o  interlocutor  reafirma:  “vou  carregá-­‐la  

para  sempre”.  A  expressão  dá  a  ideia  de  uma  perpetuidade  da  identidade  quilombola,  

que  não  cessaria  com  o  mero  afastamento  geográfico,  por  exemplo.  Essa  identificação  

que   ajusta   a   pessoa   às   origens/raízes,   tem   ressonância   nas   leituras   sobre   o  

                                                                                                                         28  As  propostas  são   ilegais  pois  as  áreas  de  plantio  nos  quilombos,  por  exemplo,   são  de  uso  comum  e  coletivo   da   comunidade,   e   não   poderiam   ser   objeto   de   negociação   bilateral,   como   ocorre   em   alguns  casos.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

15  

Comunitarismo,   linha  de  pensamento  que  se  opõe  ao  Liberalismo  e  que  ganha  corpo  

especialmente   na   década   de   90.   Para   aqueles   autores   e   autoras,   também  

chamadas(os)   coletivistas,   não   se   pode   afirmar   que   os   indivíduos   se   determinam   e  

constroem  suas  noções  de   justiça  apenas  com  base  em  valores  abstratos,  universais,  

sem  raízes  comunitárias  ou  história.29  

A  referência  ao  local  de  nascimento  –  ao  território  –    e  à  criação,  que  pode  ser  

tomada  como  categoria  nativa  que  designa  o  desenvolvimento  pessoal  imerso  em  uma  

determinada  cultural,  com  características  locais  específicas.  

 

Socializando  nas  Comunidades  Quilombolas  

Fora  do  espaço  de  encontros,  os  jovens  quilombolas  também  possuem  formas  

de   sociabilidade30  e   práticas   que   contribuem   na   construção   dessa   identidade.   Essas  

práticas   vão   desde   brincadeiras   e   atividades   laborais   até   a   religiosidade   e   a   relação  

com  a  natureza.  

No  cotidiano  de  algumas  comunidades  existem  iniciativas  recentes  no  sentido  

de  valorizar  a  cultura  africana  e  de  afirmar  a  identidade  quilombola  entre  os  jovens.  No  

quilombo   de   Deus   Me   Ajude,   localizado   no   município   de   Salvaterra,   por   exemplo,  

Pedro,31  jovem   liderança   da   Associação   quilombola   da   comunidade,   impulsionou   a  

criação  da  brinquedoteca  “cantinho  da  alegria”.  Dentre  as  brincadeiras  mencionadas,  

há  uma  específica  para  que  os  jovens  conheçam  melhor  as  práticas  dos  antigos  e  para  

que  mantenham   viva   a   cultura   que   herdaram   dos   antepassados.   É   a   brincadeira   da  

macaca,   também  conhecida  como  amarelinha,  onde,  para  avançar  e  vencer  o   jogo  é  

necessário   responder   a   algumas   perguntas   sobre   a   comunidade.   Pedro   nos  mostrou  

um   papel   que   trazia   a   pergunta:   o   que   são   plantas   medicinais?   E   disse   que   esse  

                                                                                                                         29  A   discussão   entre   liberalismo   e   comunitarismo   e   teoria   da   justiça   é   longa   e   pode   ser   melhor  aprofundada  em  Roberto  Gargarella  (1999).  Sobre  o  debate  referente  ao  multiculturalismo,  à  igualdade  e  ao  pluralismo  ver  Michael  Walzer  (2003).    30  Utiliza-­‐se   aqui   o   conceito   inaugurado   por   George   Simmel.   A   sociação   é   a   maneira   pela   qual   os  indivíduos  formam  uma  unidade  para  satisfazerem  seus  interesses,  sendo  forma  e  conteúdo  elementos  inseparáveis  na  experiência  concreta.  A  sociabilidade  nada  mais  é  que  a  apreciação  do  valor  da  sociação,  ou  seja,  a  “forma  lúdica  da  sociação”  (Simmel,  2009)    31  No   presente   artigo   serão   utilizados   nomes   fictícios   para   conservar   a   identidade   dos   interlocutores.  Essa   foi   a   forma   encontrada   para   preservar   as   relações   de   compromisso   e   confiança   estabelecidas  durante  as  experiências  de  campo.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

16  

aprendizado   através   do   jogo   faz   com   que   os   jovens   valorizem   mais   as   práticas  

tradicionais.  

Em   Pau   Furado,   um   dos   interlocutores   jovens,   que   é   professor   da   escola   da  

comunidade,  comentou  que  os  jovens  gostam  de  jogar  capoeira  e  que  um  professor  de  

fora  do  quilombo  vem  eventualmente  para  dar  oficinas.  Nos  encontros  da  Abayomi,  a  

organização  do  evento  prepara  oficinas  de  trançado,  confecção  de  bijuterias  e  dança,  à  

exemplo   do   Lundú   africano   e   do   Carimbó.   Essa   combinação   de   atividades   acaba  

reforçando   a   herança   africana   e   contribuindo   para   a   construção   da   identidade  

quilombola  entre  os  jovens.  

No   Pau   Furado,   os   jovens   com   os   quais   falamos   se   identificam   como  

quilombolas,   mas   nota-­‐se   alguma   hesitação   ainda   frente   à   pergunta:   você   se   diz  

quilombola   fora   da   comunidade?   Todavia,   nos   foi   relatado   que   os   encontros   da  

Abayomi   tem   ajudado   bastante   no   empoderamento   para   a   construção   dessa  

identidade,  apesar  de  que  somente  uma  minoria  dos   jovens  consegue  participar  dos  

encontros,  devido  à  limitação  de  vagas.  

Em  termos  da  religiosidade,  os  jovens  têm  um  respeito  e  um  envolvimento  em  

seu  cotidiano  com  as  práticas  tradicionais.  As  mães  e  pais  de  santo  e  a  figura  dos  Pajés  

são  comuns  nas  comunidades,  o  que  revela  também  uma  aproximação  com  a  cultura  

dos  antepassados  indígenas  habitantes  de  aldeias  na  hoje  chamada  Ilha  do  Marajó.    

Pedro  nos  relatou  vários  casos  em  que  teve  de  recorrer  à  sabedoria  dos  pajés  

para  se  curar  de  doenças  e  “flechadas”  ocasionadas  por  diferentes  motivos.  Certa  vez,  

ele   sonhou   que   não   deveria   matar   animais   na   comunidade,   no   entanto,   no   dia  

seguinte,   matou   uma   cobra   enquanto   limpava   uma   área   da   Associação.   Como  

consequência,   teve   dores   lancinantes   nos   olhos   a   ponto   de   alucinar,   segundo   seu  

próprio  relato.  O  único  jeito  foi  recorrer  ao  pajé,  que  lhe  recomendou  alguns  remédios  

e   enfatizou   que   obedecesse   o   desejo   manifesto   no   sonho   e   não   matasse   mais   os  

animais.  

Em   outra   ocasião,   Pedro   nos   relatou   que   havia   um   projeto   da   prefeitura   de  

construir  uma  ponte  para  dar  acesso  à  comunidade,  porém  essa  construção  teria  que  

passar  sobre  um  rio.  Esse  rio,  segundo  Pedro,  tem  “Mãe”,  portanto  tem  “dona”,  e  lhe  

parecia  que  a  dona  do  rio  não  estava  satisfeita,  posto  que  destruiu  a  ponte  dez  vezes.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

17  

Em  alguns  dos  momentos  em  que  a  ponte  foi  abaixo,  o  prefeito  quase  se  envolve  em  

um  acidente  fatal.  Pedro  arrematou  dizendo  que  sempre  pede  licença  para  entrar  em  

locais   da   floresta   que   tenham   dona(o),   como   nos   igarapés,   por   exemplo.   Ouvimos  

relatos  no  mesmo   sentido  de  quilombolas   de  outras   comunidades,   que  mantém  um  

respeito  pela  natureza  e  reconhecem  certas  localidades  como  sagradas.  

O   futebol   é,   sem   dúvida,   uma   das   principais   formas   de   sociabilidade   nas  

comunidades  quilombolas.  Em  Pau  Furado,  enquanto  os  mais  velhos  disputam  partidas  

no   campinho,   os   mais   novos   brincam   de   “peru”32  com   outra   bola,   e   a   brincadeira  

envolve  meninas  e  meninos.  É  normal  que  as  mulheres  também  joguem  bola,  o  que  foi  

verificado   em   várias   outras   comunidades,   como   em   Bacabal,   onde   o   pesquisador  

participou  de  um  jogo  de  meninas  contra  meninos.  

Jogar   bola   é   uma   prática   tão   recorrente   nas   comunidades,   que   já   há   uma  

tradição  de  organização  de  campeonatos  entre  os  quilombos  de  Salvaterra.   Jeremias  

nos  contou  que  há  um  sistema  de  organização  desses  torneios  de  futebol.  Cada  time  

investe  entre  300  e  500  reais  na  inscrição,  enquanto  que  um  dos  quilombos  organiza  o  

torneio,  recebendo  toda  essa  quantia.  O  prêmio  são  grades  de  cerveja,  refrigerante  ou  

algum   animal   caçado   anteriormente   à   partida   (na   ocasião,   o   prêmio   foi   carne   de  

porco).  O  dinheiro  da  inscrição  “volta”  aos  times  mais  tarde,  quando  estes  organizam  o  

evento  (a  organização  tem  uma  rotação,  que  viabiliza  economicamente  a  participação  

das  equipes).  

 Às   vezes,   pelo   que   se   pôde   notar,   as   partidas   são   jogadas   ao   som   de  

aparelhagens  de  Brega.  Enquanto  os  homens  jogam  as  partidas  apostadas,  as  mulheres  

ficam  na  margem  do  campo  torcendo,  comentando  o  jogo  e  fazendo  brincadeiras  com  

os  que  jogam  mal.  

Jeremias   nos   contou   também   que   frequentemente   os   jovens   saem,  

especialmente  sábado  à  noite,  para  as  festas  em  Salvaterra  ou  em  outros  quilombos,  o  

que  é  mais  comum.  Essa  independência,  de  poder  ir  à  cidade  quando  quiserem,  parece  

ser  algo  almejado  por  alguns  jovens.  Durante  um  campo  em  Pau  Furado,  o  pesquisador  

pegou  carona  de  moto  com  Antônio,  um  jovem  de  16  anos,  que  revelou  saber  andar  

                                                                                                                         32  O   “peru”,   também   chamado   de   “bobinho”   em   algumas   regiões   do   país,   é   uma   brincadeira   cujo  objetivo  é  impedir  que  o  peru  domine  a  bola.  Enquanto  as  pessoas  tocam  a  bola  uma  à  outra  na  roda,  o  peru  corre  para  tentar  dominá-­‐la.  Se  o  faz,  a  pessoa  que  falhou  no  toque  passa  a  ser  o  peru.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

18  

de  moto  desde  os  12.  Ele  disse  que  aprendeu  com  algumas  pessoas  em  Salvaterra  e  

que   somente   no   princípio   sua   mãe   achava   perigoso   e   tentava   impedi-­‐lo,   mas  

ataulmente   não   via   problemas.   Após   esse   episódio,   os   pesquisadores   tomaram  

conhecimento   de   que   as   filhas   de   Dona   Jessica,   que   têm  mais   ou  menos   a   mesma  

idade  de  Antônio,  também  andam  de  moto  e  dirigem  muito  bem,  segundo  a  mãe.  

Observou-­‐se   dois   episódios   em   que   o   marcador   ‘orientação   sexual’   ficou  

manifesto  na   relação  entre  os   jovens.  A  primeira   foi  após  o   jogo  de   futebol,  quando  

um  pesquisador  da  nossa  equipe  ouviu  alguns  adultos  e  jovens  “caçoando”  da  voz  de  

um  jovem,  da  forma  como  gesticulava  e  do  fato  de  não  jogar  futebol;  insinuavam  que  

ele  era  homossexual.  O   jovem,  em  conversa  com  outro  pesquisador,  deu  a  entender  

que  não  era  homossexual  ao   referir-­‐se  com  certo  aborrecimento  a  uma  situação  em  

que,   no   encontro   da   Abayomi,   teve   de   ficar   “só   com   cueca”33  em   um   alojamento,  

enquanto  o  das  meninas  ficava  afastado.  

A  outra  ocasião  foi  durante  o  IV  encontro  da  Abayomi,  quando  se  estabelecia  o  

“termo  de  convivência”.  Um  dos  acordos  feitos,  para  vigorar  durante  todo  o  encontro  

(quem   o   descumprisse   teria   de   pagar   uma   “prenda” 34 ),   foi   a   proibição   de  

relacionamentos  amorosos.  Ao  anunciar  o  acordo,  o  facilitador35  disse  claramente  que  

estavam  proibidos  abraços  e  beijos  entre  meninos  e  meninas.   Imediatamente,  Pedro  

agregou   que   o   relacionamento   entre   meninas   e   meninas   e   meninos   e   meninos  

também  estava  proibido,  clara  referência  à  possibilidade  de  relações  entre  pessoas  do  

mesmo  gênero.    

A   princípio,   não   foi   possível   observar   detidamente   as   expressões   ou   reações  

dos  jovens  quando  do  anúncio  dessa  proibição,  no  entanto  pareceu  que  a  organização  

se  preocupava  muito  com  a  questão,  pois  a  coordenação  da  Abayomi   foi  enfática  no  

sentido  de  proibir  “beijos  e  abraços”  entre  os  jovens.  

Ademais,  com  respeito  à  questão  da  orientação  sexual,  foi  interessante  notar  a  

intervenção  de  Pedro,  que  é  estudante  do  curso  de  Etnodesenvolivmento  na  UFPA  de                                                                                                                            33  No  contexto,  a  expressão  utilizada  significa  que  o  interlocutor  ficaria  somente  na  presença  de  outros  meninos,  por  isso  a  referência  à  peça  de  roupa  associada  ao  gênero  masculino.  34  É   uma   forma   de   sanção.   Na   ocasião   no   Encontro,   consistia   geralmente   em   fazer   uma   imitação   ou  dançar  alguma  música  no  centro  da  roda.  35  Termo  utilizado  na  tradição  da  educação  popular  para   indicar  que  a  pessoa  apenas  “facilita”  a  troca  de   conhecimentos,   e   não   “deposita”   conhecimento,   como   sugere   a   lógica   do   palestrante   dentro   do  paradigma  que  Paulo  Freire  classifica  como  educação  bancária  (Freire,  2005)  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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Altamira.   Talvez   o   contato   com   as   discussões   LGBT   –   em   conversa   informal   após   o  

terceiro  campo  realizado  em  Salvaterra,  ele  falou  aos  pesquisadores  que  passou  a  ter  

contato  com  o  debate  LGBT  durante  as  aulas  do  curso-­‐  tenham  estimulado  nele  uma  

sensibilidade  em  relação  aos  comentários  dos  colegas  e  às  opressões  vividas  por  esse  

grupo  social.  

Ainda  durante  o  encontro,  no  momento  de   socialização  de  experiências,  uma  

jovem   quilombola   de   Vila   União   disse   que   havia   feito   parte   de   um   programa   da  

PLAN,36  chamado   “levante   as   mãos   pelas   meninas”,   que   incentiva   a   igualdade   de  

gênero   em   vários   países.   Através   dessa   campanha,   Katia   foi   à   Brasília   e   teve   a  

oportunidade   de   falar   dos   problemas   da   sua   comunidade,   expondo   as   situações   de  

violência   pelas   quais   passam   mulheres   e   crianças   no   Arquipélago   do   Marajó   e   em  

outras  localidades  do  estado  do  Pará.    

Katia   nos   contou  que   aprendeu  que  é  preciso   romper   com  o  estereótipos  de  

gênero   criados   para   as   mulheres,   e   disse,   citando   um   exemplo,   que   as   meninas  

também  podem   jogar   futebol   “Antes   só   os  meninos   podiam   jogar   bola”,   comentou.  

Além   disso,   ela   teve   que   estudar   bastante   sobre   os   objetivos   do   milênio   da  

Organização  das  Nações  Unidas  (ONU),  pois  a   ideia  da  ONG  supra  referida  é   incluir  a  

igualdade  de  gênero  entre  esses  objetivos.  

A   jovem   contou  que   teria   possibilidade  de   viajar   à  Nova   Iorque  para   expor   a  

realidade   da   sua   região   durante   a   reunião   da   ONU,   mas   teve   que   dispensar   a  

oportunidade  porque  não  queria  prejudicar  o  seu  curso  de  Química  na  UEPA.  Ela  disse  

que  imagina  que  foi  escolhida  porque  não  tem  medo  de  falar  em  público  e  porque  ela  

“fala   mesmo”,   independente   dos   ouvintes   e   da   situação.   No   entendimento   dela,   a  

personalidade   deve   ter   chamado   a   atenção  no  momento   de   selecionar   qual  menina  

viajaria  aos  Estados  Unidos.  

Os   adultos   possuem   diferentes   opiniões   sobre   os   jovens.   Dona   Marluce,   do  

quilombo   de   Rosário,   nos   contou   que   as   meninas   de   hoje   gostam   de   ficar   “se  

enroscando”   nos  meninos   durante   as   festas   nas   comunidades.   Ela   disse   que   no   seu  

                                                                                                                         36  ONG  internacional  que  luta  pelos  direitos  de  crianças  e  jovens,  em  especial  na  questão  da  igualdade  de   gênero.   Ver   site   da   ONG:   http://plan-­‐international.org/where-­‐we-­‐work/americas/brazil?set_language=pt.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

20  

tempo  ia  às  festas  para  dançar  e  gostava  dos  meninos  que  dançavam  bem.  Às  vezes,  

punha  sapatos  com  um  prego  dentro,  para  pisar  nos  pés  dos  maus  dançarinos.    

Seu   Manoel,   liderança   do   movimento   quilombola37na   região,   nos   contou,  

durante  conversa  no  quilombo  do  Pau  Furado,  do  seu  aborrecimento  com  o  fato  de  os  

jovens  da  Abayomi  terem  reunido  para  organizar  o  evento  dos  dias  14  e  15  de  março,  

e   não   terem   chamado   os   adultos.   Também   ficou   chateado   com   o   fato   de   a  

programação  ter  sido  divulgada,  mas  de  não  constar  qual  seria  o  conteúdo  da  Roda  de  

Diálogos.   Acrescentou   que   os   jovens   deveriam   ter   chamado   os   mais   velhos   das  

comunidades  para  compor  esse  espaço  e  falar  da  história  dos  quilombos,  dos  saberes  

ancestrais   e   etc.   Pode-­‐se   interpretar   essa   reação   como   um   incômodo   gerado   pela  

auto-­‐organização   dos   jovens   e   a   consequente   ausência   de   tutela   ou   orientação   por  

parte  de  militantes  mais  experientes.  

Dona  Maíra  nos  falou  que,  atualmente,  está  afastada  da  MALUNGU38  e  prefere  

ficar   em   casa   cuidando   das   filhas   e   se   dedicando   aos   assuntos   do   Pau   Furado.  

Entretanto,  sente  falta  da  militância  e  espera  que  suas  filhas  também  contribuam  nas  

lutas  como  ela  fez.  Ela  disse  que  tinha  vontade  de  que  suas  filhas  fossem  aos  encontros  

da   Abayomi,   para   que   pudessem   se   organizar   também   e   lutar   pelos   direitos   dos  

quilombolas.  

 

De  violações  de  direitos  e  exclusão  social  

Os   jovens,   nas   comunidades   quilombolas   de   Salvaterra,   sofrem   violações  

cotidianas   em   seus   direitos.   Neste   trabalho,   objetiva-­‐se   demonstrá-­‐las   a   partir   dos  

depoimentos   e   entrevistas   não-­‐direcionadas   realizadas   nas   comunidades,  

considerando  o  que  os  próprios  interlocutores  entendem  como  negativo  e  aquilo  que  

é  tido  como  violação  no  entendimento  do  Direito  Estatal.  

                                                                                                                         37  Seguindo   a   abordagem   de   Oshai   (2015),   referências   ao   movimento   quilombola   são   feitas,  considerando  a   autodenominação  adotada  pelos   agentes  políticos  que   compõem  o  movimento,   cujas  demandas  políticas  têm  78  especificidades  em  relação  às  do  movimento  negro,  sendo  as  titulações  de  territórios  um  exemplo  emblemático  dessas  demandas.  38Coordenação   Estadual   das   Associações   de   Comunidades   Remanescentes   de   Quilombos   do   Estado  do  Pará.  Principal  movimento  social  articulador  das  demandas  dos  quilombolas  no  Pará.  MALUNGU,  do  idioma  Iorubá,  significa  “companheiro”.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

21  

Um   dos   casos   que   talvez   melhor   demonstre   a   situação   de   falta   de   atenção  

básica   ao   alcance   das   comunidades   quilombolas   aconteceu   em   Pau   Furado.   Uma  

jovem,  de  10  anos,   foi   violentada  pelo  primo,  que  é  de   fora  da  comunidade.  Após  o  

caso   de   estupro,   a   criança   teve   de   ser   levada   à   Belém   para   receber   o   atendimento  

médico   devido,   já   que   em   Salvaterra   não   havia   Unidade   Integrada   de   Saúde,   que  

poderia  oferecer  o  serviço  de  acompanhamento  psicológico,  por  exemplo.  

Em   decorrência   da   falta   de   recursos   para   fazer   o   tratamento   necessário,   os  

moradores  de  Pau  Furado  organizaram  um  torneio  de  futebol  entre  os  quilombos,  cujo  

prêmio  era  um  porco.  Com  o  dinheiro  das  inscrições  puderam  contribuir  com  a  família  

da   menina.   A   situação   havia   acontecido   há   pouco   tempo   quando   nos   foi   relatada  

durante  o  campo,  e  todos  comentavam  sobre  o  caso,  inclusive  os  jovens.  Dona  Helena  

narrou  um  episódio  em  que  uma  menina  de  seis  anos,  que  brincava  com  a  menina  que  

foi  alvo  do  estupro,  se  aborreceu  com  a  colega  em  algum  momento  e  disse  que  “por  

isso  ele  tinha  feito  aquilo  com  ela”,  em  referência  ao  ato  do  estuprador.  

Ainda  no  que  diz  respeito  à  saúde,  no  quilombo  do  Bacabal  houve  uma  caso  de  

hanseníase  rara  em  uma  menina  da  comunidade.  Ouvimos  o  relato  de  sua  mãe,  Dona  

Carolina,   que   comentou   que   dificilmente,   no   passado,   alguém   tinha   doenças   como  

câncer   ou   hipertensão.   Ela   atribuiu   essa   possível   mudança   aos   “venenos”   que   hoje  

existem  nas  comidas.  

Outra   grande  dificuldade  diz   respeito   ao   acesso   à   educação.  No  quilombo  de  

Salvá,  que  é  considerado  o  mais   isolado  e  necessitado  de  serviços  básicos,  os   jovens  

têm  que  andar  cerca  de  3  horas  para  chegar  até  a  escola  em  Mangueiras,  o  quilombo  

mais   próximo.  Muitas   pessoas   se  mudam   para  Mangueiras,   por   não   aguentarem   as  

condições   da   comunidade,   que   ainda   não   recebeu   energia   elétrica,   apesar   dos  

inúmeros  ofícios  aos  órgãos  pertinentes.  

Durante  a  primeira   roda  de   conversa  do   IV  Encontro  do  Abayomi,   discutiu-­‐se  

sobre   evasão   escolar.   Os   jovens   disseram   que   há   cinco   razões   que   levam   a   esse  

problema:   trabalho,   dificuldade   de   transporte,   gestão   escolar   e   metodologia   de  

ensino,  desinteresse  dos  alunos  e  gravidez  na  adolescência.    

Com  relação  ao  trabalho,  os   jovens  relataram  que  durante  a  época  da  safra  e  

colheita  de  algumas  frutas,  muitos  têm  que  sair  antes  do  término  das  aulas,  e  acabam  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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prejudicando   o   estudo.   As   principais   atividades   são:   açaí;   abacaxi;   bacuri   e   a   pesca.  

Comentou-­‐se   que   esses   trabalhos   extras   são   demandados   pela   família   e   que   os  

“atravessadores”   chegam  às   18h  para   comprar   açaí,   por   exemplo,   pelo  que   a   coleta  

deve  ser  feita  antes.  

No   que   diz   respeito   ao   transporte,   relatou-­‐se   que   muitos   jovens   são  

desestimulados  a  estudar  porque  as  escolas  ficam  longe  do  local  onde  vivem  (caso  dos  

quilombos  onde  não  há  Ensino  Médio,  por  exemplo),  e  às  vezes  não  é  possível  que  o  

ônibus  venha  apanhá-­‐las.  Também  foi  mencionado  que  alguns  jovens  tem  de  pedalar  

até  a  escola  por  horas  e  passando  por   regiões  perigosas,  às  vezes  debaixo  de  chuva.  

Em  outro  casos,  têm  de  andar  durante  horas  para  chegar  à  escola,  como  no  quilombo  

de  Salvá.  

Nesse   sentido,   Pedro   nos   relatou   que,   quando   era   criança,   ele   seus   amigos  

saiam  do  quilombo  de  Deus  me  Ajude  e  iam  caminhando  até  a  escola  de  ensino  médio,  

em  Salvaterra,  o  que   lhes   custava  muitas  horas  do  dia.  Ele   relata  que  “chegava   lá   já  

pensando  que  horas  teria  que  pegar  a  estrada  pra  voltar”.  Isso  fazia  com  que  ele  e  seus  

colegas   não   conseguissem   absorver   as   informações   passadas   em   sala   de   aula.  

Atualmente,   com   a   construção   da   ponte   e   a   presença   dos   ônibus   escolares   na  

comunidade,  a  situação  melhorou,  relata  o  protagonista.  

Foi  falado  sobre  a  falta  de  estrutura  geral  nas  escolas  e,  em  especial,  da  falta  de  

lanche  em  alguns  dias.   Sobre  esse   tema,  várias  pessoas   relataram  que  pela  parte  da  

manhã   é   mais   fácil,   porque   as   pessoas   contratadas   para   fazer   a   merenda   estão  

presentes,  mas  pela  parte  da  tarde,  muitas  vezes  -­‐como  na  escola  em  que  se  realizou  o  

encontro,  de  Vila  União  -­‐  não  é  possível  servir  lanche.  

A  metodologia   usada   em   sala   de   aula   às   vezes   deixa   os   alunos   entendiados.  

Houve   depoimento   de   um   aluno   que   disse   que,   certo   dia   na   escola,   só   “escrevia   e  

escrevia,  e  que  até  doía  a  mão  porque  era  o  único  que  fazia  durante  a  aula”.  

Comentou-­‐se   também   que   falta   “incentivo,   seminários,   oficinas,   palestras   e  

instrumentos   que   possam   envolver   os   alunos   e   estimular   o   estudo”.   Além  disso,   foi  

ressaltada  a   importância  do   incentivo  dos  pais.  Ademais,   argumentou-­‐se  que  muitos  

alunos  não  tinham  interesse  pelas  aulas  e  pelos  estudos,  e  que  só  queriam  “bagunçar  e  

avacalhar”  as  aulas.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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Muitas  meninas  têm  que  abandonar  os  estudos  para  cuidar  dos  filhos,  trabalhar  

e  cuidar  da  casa.  A  questão  da  gravidez  na  adolescência  foi  destacada  reiteradas  vezes  

pelos  próprios  jovens,  e  inclusive  foi  sugerida  como  tema  para  a  roda  de  conversa  do  

próximo  encontro  do  grupo.  

Pedro   nos   contou   um   pouco   sobre   as   dificuldades   que   enfrenta   no  

Etnodesenvolvimento,   curso   oferecido   para   povos   e   comunidades   tradicionais   em  

Altamira,  pela  UFPA.  Ele  relata  que  já  sofreu  várias  vezes  com  situações  de  racismo  e  

de   exclusão   de   espaços   que   poderia   ocupar   como   aluno  da  Universidade,   como  por  

exemplo   na   situação   da   Casa   dos   Estudantes.   Ele   e   outros   colegas   do   curso   foram  

impedidos  de  usar  os  armários  pelos  alunos  que   já  estavam  ocupando  a  casa  e  eram  

constantemente   discriminados   e   tratados   como   se   não   tivessem  direito   de   estar   ali.  

Pedro  nos   falou  dos  olhares  e  dos  comentários  desagradáveis  e  discriminatórios  que  

receberam.  

Relatou   também   que   algumas   autoridades   e   funcionários   da   própria  

universidade   ofenderam   os   estudantes   do   Curso,   como   na   situação   em   que   a  

professora  que  disse  que  o  curso  era  “avacalhado”.    

Durante  o   IV     Encontrão  do   Ijê  Ofè,   no  espaço   sobre   racismo39,   a   facilitadora  

Angelina   comentou   sobre  várias   situações  pelas  quais  as  pessoas  negras  passam  nas  

escolas   e   fora   delas.   Ela   citou   vários   casos   de   violência,   em   que   os   negros   são  

chamados   de   “macacos”   e   “fedorentos”.   Nos   relatou   que   muitos   sofrem   com   o  

racismo  no  ambiente  escolar,  como  no  exemplo  do  colega  que  se  senta  a  uma  cadeira  

de  distância,   porque  o   colega   “fedia   a  mandioca”.   Ela  disse,   a  partir   de  experiências  

pessoais,  que  as  pessoas  disparam  um  “olhar  que  dói”  para  as  pessoas  negras.  

Outra   intervenção   veio   de   Ana   Claudia,   quilombola   do   Tocantins,   que   estava  

mediando  a  mesa.  Ela  disse  que,  durante  uma  aula  de  Direito  Civil  em  uma  faculdade  

particular,   a   professora   estava   falando   sobre   distribuição   de   renda   e   mencionou   o  

personagem  Robin  Hood.  Intrigada,  ela  levantou  a  mão  e  perguntou  quem  era  aquela  

pessoa.  Todos  os  alunos  olharam  pra  ela  com  espanto  e  a  professora  caminhou  até  a  

                                                                                                                         39  Tendência  em  considerar  que  as  características   intelectuais  e  morais  de  um  determinado  grupo  são  consequencias  diretas  de  suas  características  físicas  ou  biológicas  (Munanga,  2003)  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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sua  carteira  e  disse  “em  que  mundo  você  está?”.  Ela  disse  que,  naquele  momento,  ou  

dava  uma  boa  resposta  à  situação  ou  se  retirava  da  sala  para  nunca  mais  voltar.  

A  jovem  falou  que,  sem  as  formações  que  teve  acesso  no  movimento  negro  e  

quilombola,  não  teria  conseguido  responder  à  questão  da  professora  como  a  situação  

demandava.  No  entanto,  ela  respondeu  que  no  mundo  dela,  que  era  diferente  do  da  

professora,   ela   nunca   tinha   ouvido   falar   em   Robin   Hood   e   que,   se   estava   ali   como  

aluna,   tinha   o   direito   de   ser   aprender   quem   era   aquela   pessoa.   Ela   falou   isso,  mas  

também  pensou  em  dizer  que  ela  conhecia  várias  coisas  que  muitos  ali  nunca  tinham  

vivido,   que   ela   sabia   trabalhar   no   campo,   com   a  mandioca,   que   sabia   uma   série   de  

coisas  sobre  a  natureza,  mas  preferiu  sintetizar  a  sua  resposta.  

Essas   situações   de   racismo   e   de   discriminação   afetam   também   os   jovens  

quilombolas  que  vão  estudar  em  escolas  fora  das  comunidades.  No  entanto,  segundo  

Pedro,  muitas  delas   às   vezes  não  percebem  a  opressão.  Nos   encontros  da  Abayomi,  

porém,  quando  perguntados  sobre  quais  temas  queriam  tratar  no  próximo  evento  do  

grupo,   vários   jovens   elencaram   o   tema   “racismo”,   o   que   é   um   indicativo   da  

importância  que  dão  ao  tema.  

 

Protagonismo  político  e  empoderamento  

Frente  às  violações  de  direitos,  às  opressões  e  à  exclusão  social  que  afetam  os  

quilombolas,   estes   sujeitos   historicamente   têm   se   organizado   para   superar   essas  

situações,   o   que   levou   a   conformação   de  movimentos   em   todos   o   país   a   partir   das  

décadas  de  80  e  90,  que  tiveram  grande  importância  nas  conquistas  presentes  na  CFB.  

No  Pará,  a  MALUNGU  foi  criada  em  1999  e  oficialmente  fundada  em  2004,  e  até  hoje  

atua  em  defesa  dos  direitos  quilombolas,  especialmente  no  que  tange  ao  território.  

Na  esteira  dessas  novas  movimentações  e  vendo  a  necessidade  de  renovar  as  

lideranças   do  movimento,   a  MALUNGU   e   entidades   parceiras   passaram   a   atuar   em  

conjunto   para   realizar   projetos   e   iniciativas   que   pudessem   suprir   essa   necessidade.  

Nesse  contexto  criou-­‐se  o  projeto  Ijê  Ofè,  realizado  pelo  Fórum  da  Amazônia  Oriental  

(FAOR)  em  pareceria  com  a  UNIPOP.  O  projeto  iniciou  em  2011  e  atualmente  atua  em  

4  estados:  Pará,  Amapá,  Tocantins  e  Maranhão.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

25  

Em   linhas   gerais,   o   projeto   se   destina   a   formar   novas   lideranças   para   o  

movimento   quilombola   e,   concomitantemente,   ajudar   na   elaboração   de   projetos   de  

manejo  sustentável  nas  comunidades,  a  serem  aplicados  pelos  próprios  participantes.  

Três   jovens   de   Salvaterra   participaram   desse   projeto,   mas   somente   Maria  

esteve  desde  o  início,  em  2011.  Não  foi  possível  ter  acesso  à  programação  dos  outros  

encontros,   mas   é   interessante   observar   os   temas   das   rodas   de   diálogo   do   IV  

Encontrão,   que   revelam   um   pouco   dos   apontamentos   políticos   que   o   movimento  

negro  e  quilombola  tem  buscado  priorizar,  quais  sejam:  “  avanços  e  retrocessos  da  luta  

contra  o  racismo,  a  busca  da  igualdade  racial  e  efetividade  de  políticas  públicas  para  a  

juventude  quilombola”;   “Extermínio  da   juventude  negra,   debate   sobre   a   redução  da  

maioridade  penal;   e   “A   luta   por  Direitos  Humanos   e   justiça   ambiental   na  Amazônia:  

afirmação  da  identidade  e  defesa  do  território  e  da  agroecologia”.    

Antes  de  iniciar  os  debates,  a  organização  do  encontro  realizou  uma  “mística”40  

de   abertura,   que   consistiu   em   uma   performance   de   uma   militante   do   movimento  

negro,   que   representava   dois   papéis:   o   de   uma   pessoa   racista,   que   exclamava   “sua  

preta”;  “negra”,  em  tom  ofensivo,  e  outro  de  uma  pessoa  empoderada41,  que  repetia  

“sou  negra  sim”,  “sou  preta  sim”,  com  orgulho.  Em  meio  a  essa  interpretação,  outras  

militantes  exclamavam  ofensas  e  fazia  comentários  racistas.  

Em  seguida,  na  dinâmica  de  apresentação  das  delegações,  cada  Estado  fez  uma  

apresentação   de   elementos   típicos   da   sua   cultura.   Pará   e   Tocantins   fizeram  

apresentações  de  dança  e  música.  O  Pará   tocou  e  dançou  Carimbó  e  o  Tocantins   se  

apresentou   com  música   popular   e   percussão.   A   apresentação   do   maranhão   foi   um  

pouco  diferente,  pois  cada  pessoa  do  estado  se  levantou,  se  apresentou,  disse  de  onde  

vinha,  citou  um  lutador  ou  lutadora42  da  sua  comunidade,  e  disse  que  via,  em  alguma  

                                                                                                                         40  Para  um  entedimento  mais   aprofundado   sobre   a  mística,   ver  Ademar  Bogo   (2001)   e   Leonardo  Boff  (2002).  41  Usa-­‐se  o  conceito  de  empoderamento  no  sentido   trabalhado  por  Maria  Gohn   (2004)  qual   seja  o  de  um   grupo   social,   indivíduo   ou   comunidade   que   busca   tomar   para   si   o   protagonismo   de   sua   própria  história.  É  um  processo  de  mobilizações  e  práticas  que  promovem  o  crescimento  gradual  e  melhoria  de  vida,  bem  como  uma  visão  crítica  da  realidade  social.  Outro  conceito  interessante  seria  a  ação  política  de  pessoas  e  grupos  que,  em  função  da  participação,  se  fortalecem  com  vistas  à  superação  de  relações  de  opressão  ou  dominação  social  a  qual  estão  submetidos  (Beltrão,  2015)  42  Como  dito  anteriormente,  os  termos  ‘lutadora’  e  ‘lutador’  são  utilizados  em  um  contexto  particular  e  prático   –conceito   nativo-­‐   de   militância   política,   fazendo   referência   a   uma   atuação   em   prol   de   uma  trasnformação   social,   geralmente   em   nome   de   uma   coletividade.   Pode   ser   alguém   que   reivindica  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

26  

pessoa   ao   lado,   a   pessoa   homenageada.   Logo,   cada   pessoa   dizia   o   nome   do(a)  

lutador(a)  homenageado(a),   contava  um  pouco  da  sua  história  de   resistência  e  dizia,  

por   exemplo   “eu   enxergo   Negro   Cosme   em   você”.   Em   seguida,   todos   repetiam   o  

nome,  por  exemplo:  “Negro  Cosme,  presente,  presente,  presente!”.  Esses  lutadores  e  

lutadoras  eram  tidos  como  heróis  e  heroínas  por  quem  os(as)  apresentava.  

É  interessante  notar  que  as  pautas  de  revindicação  e  as  práticas  metodológicas  

da   educação   popular   de   Paulo   Freire   presentes   nos   espaços   são   semelhantes   às   de  

outros  movimentos  sociais  contra-­‐hegemônicos,  como  os  movimentos  camponeses  do  

Brasil   e   da   América   Latina.   O   Movimento   Sem-­‐Terra   (MST),   por   exemplo,   também  

utiliza   a   mística   como   elemento   sensibilizador,   a   música   popular   como   recurso  

agitativo  e  a  defesa  da   terra  e  da  agroecologia  como  pautas  centrais.     Igualmente,  a  

influência  da  religiosidade  e  a  homenagem  aos  lutadores  e  lutadoras  dos  quilombos  do  

Maranhão  nos   remetem  à   importância  do  passado  e  ao  “fio  da  história”  que  une  os  

lutadores  de  hoje  aos  de  ontem,  assim  como  o  corre  nas  reuniões  e  espaços  do  MST.  O  

grito  “presente,  presente,  presente”  traz  ao  ambiente  a  presença  imaterial  de  heróis  e  

heroínas  e   investe  de   responsabilidade  os  que  estão  de  corpo  presente.  O  Professor  

Boaventura   de   Sousa   Santos,   discutindo   a   questão   da   interculturalidade   das   lutas  

contra-­‐hegemônicas  no  mundo,  assim  comenta  o  tema:  

“Deste   modo   se   gera   um   sentido   intensificado   de   partilha   e   presença   que,   se   for  colocado  ao  serviço  das  lutas  de  resistência  e  libertação  da  opressão,  pode  contribuir  para  fortalecer  e  radicalizar  a  vontade  de  transformação  social.  Não  é  por  capricho  que  as   reuniões,   encontros,   protestos   e   ocupações   de   terras   organizados   por   um   dos  movimentos   sociais   mais   importantes   do   nosso   tempo   –   o   Movimento   dos  Trabalhadores   sem   Terra   (MST)   do   Brasil   –   começam   com   aquilo   a   que   chamam   a  “mística”,  um  momento  de  silêncio,  oração  e  canto,  com  os  militantes  de  mãos  dadas,  em   círculo,   corpos   físicos   individuais   transformando-­‐se   num   copro   físico   coletivo”  (Santos,  2013,  p.  132)  

Esse  diálogo  político  intercultural  contra-­‐hegemônico  é  um  tema  que  pode  ser  

aprofundado   mais   adequadamente   em   trabalhos   futuros   e   exigiria   um   estudo  

etnográfico  e  bibliográfico  mais  atento.    

Graças   à   experiência   formativa   do   Ijê   Ofè,   os   jovens   de   Salvaterra,   reunidos  

com  militantes  mais  experientes  da  MALUNGU,   tiveram  a   ideia  de,   em  2012,   fundar  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     direitos  perante  o  Estado  ou  que  dedica  a  vida  a  uma  causa,  como  no  exemplo  das  lutas  pelo  território  quilombola.  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

27  

um   grupo   de   jovens   permanente   no  município,   capaz   de   estender   essa   formação   e  

valorização  da  cultura  afro-­‐brasileira  para  novas  e  futuras  lideranças  das  comunidades  

quilombolas;  assim  nasceu  o  Abayomi.  

O   IV   encontro   do   Abayomi   teve   lugar   no   quilombo   de   Vila   União/Campina,  

entre   os   dias   14   e   15   de   março.   Além   das   temáticas   das   rodas   de   conversa,   já  

discutidas  acima  neste  trabalho,  houve  também  oficinas  de  confeccção  de  bijuterias  e  

dança   africana   com   os   jovens.   As   meninas,   em   sua   maioria,   ficaram   na   oficina   de  

bijuterias   e   um   grupo   misto   fez   a   oficina   de   Lundú   Africano,   da   qual   eu   também  

participei.  Pela  parte  da  noite,  no  mesmo  dia,  houve  a  apresentação  do  Lundú  com  os  

casais   que   haviam   ensaiado   e   depois   dançamos   carimbó   e   xote   ao   som   da   banda  

“Nativos   Marajoaras”   e   do   Mestre   Damasceno,   grande   expoente   do   Carimbó  

marajoara  e  artista  popular  de  renome  internacional.  

No  último  espaço  do  encontro,   já  no  domingo  do  dia  14,  os   jovens   tiveram  a  

oportunidade  de  avaliar  o  evento.  Em  geral  as  avaliações  foram  positivas,  destacando  

os  aprendizados  e  parabenizando  a  organização.  Nota-­‐se  a  diferença  entre  os   jovens  

que   já   participam   desde   o   início   dos   encontros   da  Abayomi   e   aqueles   que   estão   se  

aproximando  agora.  José  do  quilombo  do  Pau  Furado,  comentou  que  antes  era  tímido  

para   falar   em  público,  mas   com  os   encontros   da  Abayomi   tem  desenvolvido  melhor  

essa   capacidade   e   hoje   já   não   fica   tão   nervoso.   Ele   se   juntou   à   coordenação   da  

Abayomi   e   disse  que   gostaria   de   substituir   a   sua  mãe  no  movimento  quilombola  no  

futuro.  

O  espaço  de  reflexão  sobre  a  própria  realidade  e  uso  da  arte  e  cultura  locais  e  

ancestrais   se   configuram  como  elementos  empoderadores  dos   jovens.  O  discurso  da  

importância   da   organização   e   da   formação   de   novas   lideranças   permeou   todos   os  

espaços   do   encontro,   e   foi   visível   a   importância   que   os  mais   experientes   depositam  

sobre  o  grupo  Abayomi.  

Ao   final  do  encontro,  uma  nova   coordenação   foi   escolhida  e  os   jovens   foram  

convidados  a  fazer  parte  do  grupo.  Muitos  preferiram  não  formar  parte  porque  diziam  

que   não   tinham   tempo   ou   experiência   suficiente.   Isso   deixou   os   organizadores   um  

pouco  frustrados,  especialmente  Maria,  que  declarou  que  se  sentia  muito  triste,  pois  

ela  teria  que  sair  do  cargo  de  presidenta  e  ninguém  havia  se  colocado  para  substituí-­‐la.    

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

28  

 

De  inclusão  social  e  projetos  de  vida  

Além   dos   logros   recentemente   conquistados   no   âmbito   legal,   o   movimento  

quilombola,   em   parceria   com   aliados   estratégicos   na   Academia   e   com   os   povos  

indígenas,   conquistou   o   Processo   Seletivo   Especial   (PSE)   na   UFPA,   bem   como   o  

Etnodesenvolvimento,   curso   destinado   ao   público   de   povos   e   comunidades  

tradicionais,  que  hoje  ainda  está  restrito  ao  campus  de  Altamira.  

Nossa  equipe   tem   feito,  desde  2013,  viagens  à  Salvaterra  para  divulgar  o  PSE  

nas  comunidades  quilombolas,  a  partir  do  convite  dos  movimentos.  A  experiência  tem  

sido  muito  positiva  e  parece  encontrar  legitimidade  nas  famílias  quilombolas.  A  última  

visita   da   equipe,   que   contou   com   rodas   de   conversa   sobre   o   PSE,   foi   em  março   de  

2014:    

[o]   principal   objetivo   das   discussões   foi   dirimir   dúvidas   relacionadas   ao   PSE,  minimizando   assim,   o   desconhecimento   e   o   distanciamento   entre   o   quilombola   e   a  universidade.  O  projeto   consistiu  em  um   trabalho   social   idealizado  e  executado  pelo  grupo   de   pesquisa,   onde   procurou   aproximar   a   universidade   não   somente   dos  possíveis   candidatos,   mas   também   da   comunidade   e,   para   isso,   as   reuniões   e  conversas   foram   sempre   realizadas   envolvendo   pais,   professores,   lideranças  comunitárias  e  os  membros  das  comunidades  envolvidas.  (Relatório,  2014)  

O   interesse   em   ingressar   no   ensino   superior,   por   parte   dos   quilombolas   de  

Salvaterra,   tem  crescido.  Uma  prova  disso   foi  o   fato  de  que  a  minha  presença  no   IV  

Encontro  da  Abayomi  remeteu  os  organizadores  ao  PSE,  mesmo  que  eu  não  estivesse  

ali   com   a   tarefa   previamente   combinada   de   falar   sobre   o   Processo   Seletivo.   De  

qualquer   forma,  por  eu  estar  “representando  a  universidade”  a  situação  se  conduziu  

para  um  ponto  em  que,  durante  o  momento  de  socialização  das  experiências,  eu   fui  

convidado   para   falar   um   pouco   sobre   o   ingresso   no   ensino   superior   e   as   ações  

afirmativas   conquistadas   que   podem   ser   oportunidades   importantes   para   a  

consecução  desse  objetivo.  

Luana   nos   revelou,   durante   um   campo   em   Pau   Furado,   que   a   maioria   dos  

jovens   procura   os   cursos   de   Letras   e   Pedagogia.   Seu   filho,   Zé,   diferentemente   da  

maioria,  pretende  cursar  Medicina  na  UFPA,  mas  sua  mãe   lhe  havia  dito  que  o  curso  

era   muito   caro   e   que   não   teria   estrutura   para   mantê-­‐lo   em   Belém.   Ele   pareceu  

desconhecer   a   possibilidade   do   Auxílio   Permanência   com   valor   diferenciado   para  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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povos  tradicionais,  ainda  que  essa  ajuda  não  seja,  por  si  só,  suficiente  para  viabilizar  a  

permanência  desses  estudantes  em  Belém.  Outra  dificuldade  com  relação  ao  acesso  ao  

ensino  superior  é  o  próprio  desconhecimento  sobre  as  regras  do  edital  e  dos  critérios  

para  a  seleção.  

O   curso   de   Etnodesenevolvimento   também   tem   sido   uma   possibilidade   de  

entrada  da   juventude  quilombola  de   Salvaterra  no  ensino   superior.  Dona   Jessica,  do  

quilombo  do  Pau  Furado,   se   formou  pela  primeira   turma  de  Etnodesenvolvimento  e  

fez  seu  Trabalho  de  Conclusão  de  Curso  sobre  a  mudança  dos  hábitos  alimentares  em  

sua   comunidade.   Ela   comentou   que,   nos   últimos   anos,   os   jovens   têm   comido   mais  

produtos   industrializados   e   a   própria   merenda   escolar   contém   alimentos   com  

produtos  químicos  danosos  à  saúde  humana.  Foi  perceptível  a  alegria  com  a  qual  ela  

mostrou  o  resultado  do  trabalho  à  nossa  equipe,  pois  estava  ciente  da  importância  de  

as  próprias  pessoas  da  comunidade  produzirem  conhecimento  sobre  a  sua  realidade.  

Atualmente,   dois   jovens   estudam  nesse   curso,   que   vem   sendo   cada   vez  mais  

divulgado   pelas   próprias   lideranças.   No   entanto,   as   dificuldades   de   deslocamento   e  

permanência  em  Altamira  ainda  consistem  em  obstáculos  para  os  estudantes.  Frente  à  

essas   dificuldades,   as   lideranças  da   região   têm   se   engajado  na   coleta  de   assinaturas  

para   um   documento   “abaixo-­‐assinado”   que   solicita   a   instalação   de   um   campus   da  

UFPA  com  os  curos  de  Etnodesenvolvimento  e  Educação  do  Campo  em  Salvaterra.    

As  novas  possibilidades  de  futuro  acompanham  difíceis  momentos  de  tomada  

de   decisão   por   parte   dos   jovens   quilombolas.   Além   do   futuro   acadêmico,   cada   vez  

mais   próximo   da   realidade   das   comunidades   de   Salvaterra,   existe   o   dever   com   o  

quilombo  e  a  militância,  que  certamente  se  entrecruzam  com  as  projeções  de  futuro  

profissional  e  familiar.  

Nesse   sentido,   algumas   declarações   são   interessantes   para   refletir.  Maria,   ao  

falar   da   sucessão   do   seu   cargo   de   presidenta   da   Abayomi,   durante   o   encontro   do  

grupo  em  Vila  União,  emocionou-­‐se  e  comentou  que  estava  se  retirando  pois  não  via  

possibilidades   de   continuar  militando,   já   que   tinha   afazeres   em   casa,   no   trabalho   e  

precisava  cuidar  do  seu  filho.  Ficou  evidente  a  importância  que  ela  destinava  ao  grupo  

e  ao  fato  de  estar  ali  para  formar  novas  lideranças  para  o  movimento.  Sua  emoção  se  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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intensificou   quando   ela   viu   que   poucos   jovens   haviam   se   volutariado   para   ocupar  

cargos  na  coordenação  da  Abayomi.  

Dona   Jessica,  que   integrou  a  MALUNGU   desde  o   seu   início,  na  década  de  90,  

comentou  conosco,  durante  um  campo  em  Pau  Furado,  que  sentia  falta  da  militância,  

de   andar   por   aí   de   quilombo   em   quilombo   falando   sobre   a   importância   de   se  

identificar   como   quilombola   e   de   lutar   pela   terra.   Ela   é   recém-­‐formada   pelo  

Etnodesenvolvimento  e  tem  ficado  mais  em  casa  para  cuidar  das  filhas  e  das  questões  

da  sua  comunidade,  quando  sobre  tempo.  

Ela   mencionou   também   que,   no   auge   da   sua   atividade   militante,   teve  

problemas   em   casa.  O  marido   a   traiu,   porque,   segundo   ela,   suas   viagens   e   afazeres  

“abriam  espaço  para  isso”.  Ela  parecia  encarar  a  situação  de  forma  muito  pragmática,  

embora  com  alguma   tristeza  pelo  desfecho.  Todavia,   atualmente  ela  estava  com  um  

marido  muito  bom  que,  segundo  o  seu  relato,  ajudava  em  casa  e  “não  dava  trabalho”.  

Dona   Vera,   também   recém-­‐graduada   pelo   Etnodesenvolvimento,   comentou,  

durante  a  visita  de  nossa  equipe  ao  quilombo  do  Bacabal,  que  depois  de  ingressar  na  

universidade   o   seu   interesse   pela   leitura   em   casa   aumentou  muito,   e   que   às   vezes  

passa  horas  na  rede  lendo  um  livro.  Essa  mudança  de  comportamento  foi  notada  pelo  

marido,  que  vez  ou  outra  comenta  que  ela  “não  desgruda  do  livro”.  

Da  mesma  maneira,  uma  pesquisa   realizada   com  as  discentes  do   curso   supra  

referido,  que  as  entrevistou  sobre  situações  de  violência  doméstica  e  relações  com  os  

maridos,   revela   que   “estudar   fora”   gera   deslocamentos   nos   papéis   de   gênero,   que  

estão   em  andamento   e   se   apresentam  de  maneira   não   linear,     em  âmbito   conjugal.  

Essa  mudança  causa  ciúmes,  traições  e  a  própria  violência  física  por  parte  dos  maridos,  

relatam  as  entrevistadas.    

Em   contrapartida,   o   ingresso   no   curso   universitário   contribui   para   o  

empoderamento  dessas  mulheres,  que  passaram  a  enfrentar  as  situações  de  opressão:  

“Depois  que  comecei  a  vir  estudar  pra  cá,  agora  eu  não  tenho  mais  medo  de  enfrentar  

ele.  Agora,  não!  Eu  não  fico  só  calada”43.  (Mariah  Aleixo,  2015)  

                                                                                                                         43  Depoimento  de  Fátima,  entrevistada  por  Mariah  Torres  Aleixo,  em  18  de  agosto  de  2011.  Extraído  de  Aleixo  (in:  Beltrão  e  Oliveira  ,  2015)  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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A   trajetória   de   Pedro   no   movimento   é   precoce.   Aos   18   anos   ele   assumiu   a  

presidência   da   Associação   de   Deus   Me   Ajude,   e   hoje,   com   22   anos,   é   aluno   do  

Etnodesenvolvimento  e  divide  os  estudos  com  a  Tesouraria  da  Abayomi.  Ele  também  já  

disfruta   de   uma   relação   muito   próxima   com   secretários   e   outras   autoridades   do  

município  que,  segundo  ele,  já  o  respeitam  mais  do  que  antes.  

 

Da  possibilidade  de  conclusão  

O   trabalho   etnográfico   foi   o   referencial   de   partida   para   refletir   sobre   a  

juventude  quilombola  de  Salvaterra.  Através  dele,  pôde-­‐se  constatar  que  as  perguntas  

e   problematizações   do   projeto   de   pesquisa   são   semelhantes   às   próprias   perguntas  

formuladas  pelas  lideranças  jovens  do  movimento  quilombola.  

A   bibliografia   sobre   o   tema   trouxe   elementos   importantes   para   discutir   as  

categorias  de  representação  manifestas  no  trabalho  de  campo  e  ajudou  a  pesquisa  a  

ampliar   o   horizonte   de   análise,   que   considerou   as   lutas   regionais   e   nacionais   do  

movimento  negro  e  quilombola  e  descreveu  problemas  e  desafios  que  se  repetem  em  

nível  local.  

As   violações   pelas   quais   passam   os   jovens   quilombolas   em   Salvaterra   são  

reflexo  de  desigualdades  históricas,  que  alijam  o  povo  negro  de  seus  direitos  básicos  e  

promovem  a  exclusão  do  sistema  de  saúde,  das   instituições  de  ensino  e  dos  espaços  

de   poder.   O   racismo   incrustrado   nas   instituições   também   é   consequencia   desse  

processo   histórico   de   violências,   que   começou   com   o   sequestro   do   povo   negro   do  

continente  africano.    

No  entanto,   é  patente  a   conclusão  de  que,   frente  à   todos  esses  problemas  e  

violações   de  direitos,   a   juventude  quilombola   têm   se   insurgido   e   as   agências   desses  

sujeitos   têm   contribuído   para   lograr   êxitos   em   âmbito   institucional   e   em   termos   de  

formação   política   de   novas   lideranças.   Essa   formação   é   feita   em   diversos   âmbitos,  

desde   o   cultural   até   o   político,   e   permite   que   esses   “novos   quadros”   estejam  

preparados   para   dialogar   com   os   órgãos   do   Estado   e   requerer   direitos   básicos   que  

deviam   ser   garantidos   no   âmbito   dos   quilombos.   A   relação   com   as   secretarias   em  

Jovens  Quilombolas:  da  identificação  à  organização      

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âmbito   municipal,   como   a   de   Turismo,   tem   gerado   novas   perspectivas   na   luta   do  

movimento  quilombola  em  Salvaterra.44  

É  importante  ressaltar  o  protagonismo  da  juventude  no  processo  de  formação  

e  organização  política,  sem  esquecer  dos  “conflitos  geracionais”  que  essa  tomada  de  

responsabilidade   implica.   Administrar   as   relações   entre   os   militantes   mais  

experimentados  e  os  mais  novos  é  sempre  desafiador,  e  pode  gerar  situações  em  que  

os  mais  velhos  se  sintam  “sem  controle”  dos  mais  novos.  

Ademais,  a  entrada  no  Ensino  Superior  por  meio  do  Processo  Seletivo  Especial  e  

do  curso  de  Etnodesenvolvimento  revela  novas  perspectivas  de  formação  acadêmica  e  

política,  que  podem  potencializar  a  ação  militante  nos  quilombos  e  em  organizações  

como   a   Abayomi.   Todavia,   é   preciso   pontuar   que   muitas   vezes   as   demandas  

decorrentes   do   curso   universitário   acabam   conflitando   com   a   militância,   levando   a  

situações   de   desgaste   político   e   pessoal,   que   às   vezes   repercutem   nas   relações  

familiares.  

Nesse  sentido,  é  necessário  pontuar  que  o  afastamento  temporário  da  família  

para   o   estudo   em   outro   muninípio,   por   exemplo,   tem   como   consequencia   a  

transformação   das   relações   domésticas,   que   sempre   pesam   de  maneira   diferente   e  

assimétrica  para  homens  e  mulheres.  No  caso,  como  observado  através  das  falas  das  

interlocutoras,   dá-­‐se   um   processo  muitas   vezes   violento   de  mudança   nos   papéis   de  

gênero  dentro  relações  conjugais.  

À   guisa   de   conclusão,   etende-­‐se   que   o   presente   trabalho   não   esgota   (e   nem  

pretendia  fazê-­‐lo)  a  análise  sobre  a  juventude  quilombola,  que  continuará  sendo  alvo  

de  reflexões  do  autor  e  do  grupo  de  pesquisa.  

 

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Considerando  o   tempo  de  orientação  do  bolsista  no  projeto  o   resultado  alcançado  é  excelente.   Os   dados   coletados   são   de   qualidade   a   análise   realizada   pelo   bolsista  reflete  a  boa  leitura  e  o  lastro  que  possui,  além  do  interesse  pala  pesquisa.  Belém,  10  de  agosto  de  2015.    

 Jane  Felipe  Beltrão