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Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) 1 RELAÇÕES ENTRE HISTÓRIA E PSICANÁLISE: CONTRIBUIÇÃO PARA HERMENÊUTICA Á LUZ DO MÉTODO FREUDIANO Juliana Sousa Pacheco 1 O debate em torno da cientificidade da História, bem como a sua relação com as demais disciplinas, tornou-se tema relevante para o século XX. Mudanças estruturais e aspectos sociais que denotavam uma ruptura com o Ancien Régime exigiram do historiador um posicionamento diante da História cuidadosamente articulado com outras possibilidades dos saberes. A escola Francesa reafirmou a amplitude documental, o que gerou inúmeros direcionamentos para a feitura da História. O atravessar fronteiriço das ciências foi explorado e executado para uma escrita que procurasse apreender com maior totalidade a História enquanto factual, mas para além da tradicional forma de interpretação dos fatos, o imbricar com demais disciplinas chamadas de ciências auxiliares ocasionou alargamento no horizonte do conhecer, assim, a antropologia e sociologia informaram em muito a História, facilitando a pesquisa e oferecendo oportunidades. Interessa-me a interrogação sobre a relação da História com outro campo de saber, nem sempre tão facilmente considerado: refiro-me à psicanálise. A Psicanálise enquanto um saber da cultura tem a proporcionar métodos e visões do homem inéditas, o que Sigmund Freud nomeou de inconsciente coloca o indivíduo como revelador para História, que visa a compreensão dos indivíduos em relação à civilização, problema fundamental para o século XIX e sem o qual não se entende a primeira metade do século XX, especialmente. Este trabalho, que se encontra em fase inicial, recorrerá à Psicanálise Freudiana na procura de brechas para o alcance de contribuições para a filosofia da História, no recorte da Hermenêutica de Gadamer , local da diversidade interpretativa e cultural, que aceita o surgimento de indícios informativos para a História. Tais contribuições objetivam, por meio da inserção de conceitos Freudianos, buscar tanto a caracterização do indivíduo, quanto uma análise da Kultur. Para tal acuso um primeiro problema, entre outros, para a elaboração de tal trabalho. Pensar Freud enquanto um escritor e desvelar o uso de sua linguagem suscita uma 1 Graduanda em História pela Universidade Federal de Goiás, bolsista CNPQ.

Relacoes Entre Historia e Psicanalise Contribuicao Para Hermeneutica a Luz Do Metodo Freudiano

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Relações entre História e Psicanalise contribuição Para Hermeneutica a Luz Do Metodo Freudiano

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Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)

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RELAÇÕES ENTRE HISTÓRIA E PSICANÁLISE: CONTRIBUIÇÃO PARA

HERMENÊUTICA Á LUZ DO MÉTODO FREUDIANO

Juliana Sousa Pacheco 1

O debate em torno da cientificidade da História, bem como a sua relação com as demais

disciplinas, tornou-se tema relevante para o século XX. Mudanças estruturais e aspectos

sociais que denotavam uma ruptura com o Ancien Régime exigiram do historiador um

posicionamento diante da História cuidadosamente articulado com outras possibilidades dos

saberes. A escola Francesa reafirmou a amplitude documental, o que gerou inúmeros

direcionamentos para a feitura da História.

O atravessar fronteiriço das ciências foi explorado e executado para uma escrita que

procurasse apreender com maior totalidade a História enquanto factual, mas para além da

tradicional forma de interpretação dos fatos, o imbricar com demais disciplinas chamadas de

ciências auxiliares ocasionou alargamento no horizonte do conhecer, assim, a antropologia e

sociologia informaram em muito a História, facilitando a pesquisa e oferecendo

oportunidades. Interessa-me a interrogação sobre a relação da História com outro campo de

saber, nem sempre tão facilmente considerado: refiro-me à psicanálise.

A Psicanálise enquanto um saber da cultura tem a proporcionar métodos e visões do

homem inéditas, o que Sigmund Freud nomeou de inconsciente coloca o indivíduo como

revelador para História, que visa a compreensão dos indivíduos em relação à civilização,

problema fundamental para o século XIX e sem o qual não se entende a primeira metade do

século XX, especialmente.

Este trabalho, que se encontra em fase inicial, recorrerá à Psicanálise Freudiana na procura

de brechas para o alcance de contribuições para a filosofia da História, no recorte da

Hermenêutica de Gadamer , local da diversidade interpretativa e cultural, que aceita o

surgimento de indícios informativos para a História. Tais contribuições objetivam, por meio

da inserção de conceitos Freudianos, buscar tanto a caracterização do indivíduo, quanto uma

análise da Kultur.

Para tal acuso um primeiro problema, entre outros, para a elaboração de tal trabalho.

Pensar Freud enquanto um escritor e desvelar o uso de sua linguagem suscita uma

1 Graduanda em História pela Universidade Federal de Goiás, bolsista CNPQ.

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Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)

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advertência: Freud como pesquisador expõe publicações imediatas, sua experiência clínica

confirma e também nega suas teorias, portanto é uma tensão encontrar em sua obra uma

filiação tradicional que seja fiel e contínua a posicionamentos internos e intrínsecos à

escritura ou sequer próximos. Como a psicanálise encontra-se em um processo de criação, no

mapeamento da obra freudiana, destoam ideias que são revisadas ao longo da vida produtiva

do autor. Nesse sentido, aponto para as convergências com uma “certa tradição”, mas alerto

para a necessidade de investigar as divergências e rupturas em sua obra.

Feita tal consideração, ressalto duas obras que, de modo mais conciso, estão integradas a

esta pesquisa, sendo elas: “O futuro de uma ilusão” e o “Mal- estar na civilização”. Essas

oferecem apontamentos que servem à História, pois, ao mesmo tempo em que o sujeito

histórico aparece em transformação, são ressaltadas e pensadas esferas elementares, até então

obscuras. Essa simultaneidade subjaz na escrita, produzindo um estilhaço do indivíduo e

capturando fragmentos para a análise para que, posteriormente, se reúna os “fragmentos”

para a compreensão de um “todo” humano.

Ao aproximar-se do trabalho de Freud, é interessante desvelar seu método inicial, que

possibilitará o “surgimento” da Psicanálise. Freud, como médico, está mais familiarizado

com as perspectivas biológicas e, até então, imerso numa medicina que pensa seu paciente nas

dimensões fisiológicas. A partir de uma carência, a de pensar a singularidade de doenças

psíquicas, notada em suas observações, recorre a algo não aparente, questionando o que

depois chamaria de inconsciente. Com tais questionamentos, Freud colaboraria para desatar

a severa ligação de doenças mentais às explicações “naturais”. Para tal feito não se distancia

da Kultur, por isso respeita que existem processos únicos e individuais, mas esses são frutos

da imersão homem-sociedade.

Tal trajeto de estudo, e as pesquisas publicadas decorrentes dele, indica que Freud

percebeu a História como a moldura da qual “retira” seus pacientes; deste modo, o

psicanalista sabe que todos os casos não poderão ser codificados e logo catalogados. Sendo

assim, abre mão de tais classificações rígidas para problemas recorrentes como as neuroses, e

investiga os relatos, considerando tanto a fala como o gesto, entre outros comportamentos que

julga necessário. Utiliza métodos que vão dando vazão para uma intimidade que é velada, ou

pouco falada, o que resulta em uma abertura para pensar a sexualidade e sua intervenção no

inconsciente, assim como permite o registro da singularidade de cada paciente. Diante do

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trajeto mencionado e das conclusões de seu “resultado”, compreendo que não é possível

perder de vista a historicidade em Freud: não há, nessa perspectiva, dúvida de que “O mal-

estar na civilização” resulta de um esforço de conciliação entre a experiência clínica, que

individualiza e subjetiva o indivíduo, e a experiência civilizatória da humanidade.

Freud chega à civilização (a mesma que não diferencia da “cultura”) pela busca de

respostas ao “mal” de seus pacientes, mas se depara com casos similares de neuroses e

problemas psíquicos na civilização, então, levanta uma hipótese central, dentre outras: a

civilização não seria o “mal” geral para os indivíduos, este podendo ser identificado na

pulsão libidinal retida pelas cobranças impostas pela experiência civilizatória?

Mas, Freud defensor assíduo da civilização, inclusive pelo que Sérgio Rouanet irá defender

como um herdeiro do pensamento iluminista, tanto na elaboração de sua ciência enquanto na

crença para o progresso e o elogio ao desenvolvimento da ciência, depara-se com situações

limites entre barbárie/civilização. Exemplo disso é a 1° Guerra mundial, momento em que

Freud percebe a experiência violenta para o uso da ciência “sem racionalidade, os “recuos”

humanos em nome do progresso e a desintegração da Áustria, seu local de nascimento.

Esses apontamentos redirecionaram o trabalho de Freud, pois, desde os indícios da 1°

Grande Guerra, escreve sobre o mau uso da ciência e sobre o desapontamento com o

progresso. Afirma que a civilização pode recuar a qualquer fase de seu desenvolvimento,

contrariando assim seu próprio desejo, o de que a civilização esteja sempre em rumo ao

progresso. Sobre a ciência nas reuniões de Quarta-feira em Viena, anuncia seu receio do que

esta pode causar, sendo suspenso seu uso racional; Freud o pensador da ciência racional

começa a deparar-se com a irracionalidade para o uso da mesma.

A psicanálise Freudiana não se esquiva então da política, mas é imbuída dela; a

preocupação contextual, como cita Michel de Certeau, é recorrente para Freud, do mesmo

modo que mesmo declarando tendências as políticas de ordem liberal e afastando-se de

elaborações políticas, faz leituras assíduas sobre o tema. Em sua escrita, podemos perceber

uma articulação ora mais ora menos com a política de seu tempo, isto já produz um primeiro

momento para o qual o historiador deve-se atentar: o encontro com a política faz da

psicanálise um uso engajado, pois elabora-se esta na interlocução dos movimentos sociais e

políticos. E também é com esta análise que Peter Gay nomeia Freud como Psicanalista da

política.

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Esta psicanálise política talvez ocorra pela preocupação inicial de Freud em manter a

relação indivíduo/sociedade, emergente de uma crítica para os tratamentos psíquicos,

inclusive o de Chacort que abstraí o indivíduo e tenta uma análise apenas deste. Para Freud, a

sociedade é a expressão de um contexto de explicações humanas.

E para tais explicações, no desenvolver da psicanálise, numa etapa mais madura, uma das

principais ou a principal descoberta (a do inconsciente) já lança perguntas que movem o

traçado para pensar-se a psique, pois com inconsciente exposto o homem torna-se instigante,

às doenças mentais pairam novas explicações, e, no âmbito dos cientistas da cultura, tal

descoberta redunda em repensar o indivíduo, a partir de novos posicionamentos.

Freud e seu livro sobre os sonhos, a “descoberta” do inconsciente, e o mapeamento de

doenças psíquicas, são aberturas da compreensão do indivíduo, o sonho como resquício

diurno, ou realização do desejo reprimido é uma porta para o inconsciente, e chegar ao

inconsciente e enfrentar o esconderijo humano das produções psíquicas que são expulsas da

dita consciência, seja pela razão ou até mesmo sem tal percepção, é numa redução revelações

que indicam o indivíduo para além do aparente, do que é palpável ou visto, pois existe algo

(inconsciente) interagindo com o homem e mesmo ignorado produz pulsões e internalizações

que modificam o agir humano.

Para citar Peter Gay, faço uso de sua defesa, sendo para este o Historiador também um

psicólogo ou psicanalista, que tenta entender o indivíduo, portanto o conhecer de indivíduo é

indispensável e garante maior compreensão do humano, munir-se de ferramentas que a

psicanálise oferece é resolver os quiméricos problemas de ordem do indivíduo com a

propriedade de penetrar o aprofundamento íntimo do ser, necessário para empreender o

entendimento dos pensamentos, desejos, e representações que dialogam com o ser, mas do

que compreender a ação humana no tempo seria também a compreensão da elaboração

humana no tempo, tempo este tanto como regente de ações e do inconsciente.

Gay não anuncia a tentativa de psicanalizar a historiografia, ou entender individualmente

os inconscientes, mas ter esses conhecimentos ajuda a melhor interpretação da História e no

caso específico de testemunhos é usual e importante tanger no psicológico, para além a

psicanálise não substitui de forma alguma o tradicional conhecimento sobre a História, mas

pode esta caracterizar o rompimento de alguns limites de interpretação.

Para refletir sobre os limites de interpretação mencionados, utilizo Hans-Georg Gadamer

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como o autor que, através da elaboração de sua hermenêutica, pode nos possibilitar a inserção

da psicanálise para o conhecer histórico. Captando suas propostas e contribuições, Gadamer,

em “Verdade e Método”, não fará a citação de um uso da psicanálise Freudiana, mas será um

defensor da Hermenêutica como campo de ampliação de tentativas para interpretação. Com

essa diferenciação, esclarecemos, então, que a recorrência à hermenêutica ocorre por esta

estar interessada também na intenção dos atores.

Para tanto, ao propor que a união da Psicanálise com a Hermenêutica da História permita

alcançar uma escrita da História em que o indivíduo possa ter seu lugar garantido, sem que

isso signifique uma ameaça ao estudo das coletividades, uso Jörn Rüsen Retiro deste autor

um apontamento necessário, que esclarece minha pretensão: o uso da hermenêutica não deve

excluir o caráter analítico para a utilização exclusiva da hermenêutica, portanto há, em Rüsen,

a sugestão para a dialética entre a Hermenêutica e analítica. Ambas de fundamental

importância no processo de escrita da História.

Feita tal ressalva, continuemos a pensar sobre dois aspectos: um já consagrado, tanto como

método para interpretação universal e especifica da História, a hermenêutica; outro, a

Psicanálise, esta ciência ainda pertencente a um campo que é negado como útil a História.

Esclareço, desde já, que a psicanálise ao servir a História não faz menção a uma exclusão de

campos de estudo, mas tenta atingir outra nuance –sendo construído esta ao longo da

experiência com a pesquisa histórica- qual procure no próprio indivíduo justificativas para

ações no tempo.

Sobre a hermenêutica saliento o sobressalto produzido por Friedrich Schleiermacher que

desconstrói que a hermenêutica seja uma rigidez interpretativa de escritos, mas coloca

também problemas para esta de ordem da experiência humana, agora a hermenêutica habita os

locais que falta inteligibilidade, na tentativa de vasculhar entendimento. E essa busca pela

compreensão fora do escrito é um “espaço” para o uso da psicanálise enquanto instrumento de

apreensão humana.

Data esta primeira exposição que caracteriza de modo geral tanto a hermenêutica quanto a

psicanálise, tentarei tecer com mais informações e concisão as duas obras selecionadas para

este trabalho de Sigmund Freud; Segue então uma análise mais restrita as duas obras.

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Para pensar a escrita desses dois livros considerados por Peter Gay como a leitura da

cultura, acuso uma ressalva não ha diferenciação em Freud de cultura para civilização, ambos

conceitos em sua obra são entrelaçados por um mesmo significado.

Em 1927, período entre guerras, Freud já se preocupa com o mundo que está em

desintegração, consciente de que a cultura humana se estende sobre um fina teia que a

sustenta em integração, coagidos pelo repressão que tenta impedir desejos de morte,

violência, movimentos anti-sociais e entre outros, acusa a religião como sendo importante

para o controle de tais coesões humanas, tal identificação não basta, Freud instiga-se a pensar

o lugar psicológico da religião.

Como afirma em Futuro de uma Ilusão sua empreita diante da kultur:

Quando alguém viveu um bom tempo em determinada cultura e fez esforços freqüentes no

estudo de suas origens e do percurso de seu desenvolvimento, chega o dia em que também

sente a tentação de voltar o olhar na outra direção e perguntar qual o destino que aguarda essa

cultura e por quais transformações ela esta destinada a passar. (FREUD, 1927: 35).

Com a afirmação acima, Freud inicia O futuro de uma ilusão, ensaio que dedicou para

tentar empreender a difícil tarefa de realizar interpretações sobre um provável futuro

civilizacional, para tanto não quer alcançar ao futuro por uma previsão, mas sim pela

experiência de estudo, teorizações que tem, correspondências e reuniões intelectuais, após

aprisionar um “sentido” do presente, e acompanhar um período que lhe foi rico para suas

elaborações, a técnica em desenvolvimento e a ciência em progresso, que retiram a crença no

Deus provedor, e colocam as decisões nas mãos humanas, o “desaparecimento” do Deus

realizador e zelador da vida é substituído pelo “homem novo”, sendo este o fazedor de sua

vontade, Deus agora é a mera ilusão - uma preocupação de Freud que desenvolve “razões”

para a qual ainda haja crença no Deus- pois o progresso já permite que a humanidade decida

seu futuro.

Com maior propriedade de pensamento sobre a religião, em Mal-estar na civilização,Freud

se ocupa dessa Ilusão divina que acompanha a cultura, mesmo esta portando um estágio de

desenvolvimento da razão instrumentalizada e reflexiva, de indivíduos “herdeiros” de ideais

iluministas ainda muito vigentes na Europa, um Deus ainda é aclamado pela cultura, um

“sentimento oceânico” assola o homem, Freud então vê que a humanidade anseia por Deus,

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na perspectiva infantil de desejo de proteção, se comodidade e conforto, num extremo a

renúncia da decisão pelo afeto e acolhimento de Deus.

A civilização é associada ao indivíduo, ou seja o Mal-estar, é gerado pelo confronto

sempre existente entre indivíduo/cultura, uma vez que estar na Civilização é abdicar da pulsão

da libido individual; Pois a civilização comporta inúmeros desejos reprimidos para garantir

que sobreviva, e essa repressão por meio das leis e do tabu ², causa a infelicidade de grande

parte dos indivíduos.

E a civilização exerce duplo poder sobre a vida do indivíduo, em primeiro integra o

indivíduo ao um grupo que é regido por ética de não violar leis e não praticar agressividade, a

culpa neste sentido é mantenedora de repressão uma vez que a atitude a se realizar é

ponderada pelo receio de perder o amor ou convivência, esta culpa é relacional ao interno

super-ego (regulador das instâncias psíquicas), e ao externo , ou seja a dinâmica de vivência

com os demais indivíduos, assim a civilização pode “regular” as vidas produzindo segurança

e justeza para os indivíduos, em segundo a civilização para garantir tais efeitos condena a

liberdade, reprime, direciona a libido não mais para a realização do prazer, mas o organiza

para a “proteção” do homem em relação a natureza, e o cuidado entre as vivências em

sociedade.

Feitas tais considerações, ressalvo a importância de fazermos a releitura de um dos mais

significativos autores do século XX, Freud enquanto ser histórico, informa sobre seu tempo, é

inovador com teorias da psique, e nos direciona para olhares da subjetividade que induzem

para leituras do real em junção com o abstrato, diversas linguagens e facetas expõe o

indivíduo e também a civilização para a percepção de novos olhares historicizantes.

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BIBLIOGRAFIA

Fontes documentais:

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. In: Edição brasileira das obr

as psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago

Editora, ano. V. XXI, pp. 73-148.

FREUD, Sigmund. O futuro de uma Ilusão. In: Edição brasileira das obras completas de

Sigmund Freud. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago Editora, ano . V. XXI, pp. 01-

139.

Referências:

CERTEAU, Michel. História e Psicanálise: Entre ciência e ficção. Psicanálise e Ciência.

Belo Horizonte: Autêntica Editora, s/d.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Traços fundamentais de uma hermenêutica

filosófica. Trad. Jayme Salomão. Petropólis, RJ: Vozes, 1997.

GAY, Peter. Freud: uma vida para nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, data

RÜSEN, Jörn. Reconstrução do Passado. Teoria da História II: os princípios da pesquisa

histórica. Trad. Asta-Rose Alcaide. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2007.

SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica. Arte e técnica da interpretação. Petrópolis,

RJ: Vozes, 2009.