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Relações Étnico-Raciais, Estado e Políticas Públicas: algumas reflexões. Alfredo Rocha Barbosa Com a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) a partir da promulgação da lei 10639/2003, aliando-se as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, de acordo com a homologação, em 18 de maio de 2004, do Parecer n.03/2004, de 10 de março, do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação aprovando o projeto de resolução dessas diretrizes que as acompanham, sendo considerado um novo marco na história da educação do país (SILVÉRIO E TRINIDAD, p. 892, 2012). Entendemos que sua totalidade pode colaborar pra transformações importantes que refletirão na mentalidade da sociedade brasileira no que diz respeito ao conhecer e por que não, valorizar a questão étnico-racial nacional. Passados pouco mais de dez anos da lei “dez mil”, como o segmento do Movimento Negro costumou-se a chamar a legislação que determina a inclusão da História e Cultura da África e dos Afro-brasileiros, em todos os currículos nacionais, mesmo com o aumento quantitativo e qualitativo de referencias bibliográficas, sites, e outras mídias que ficam a disposição a todos os públicos, aparentemente presenciamos poucas atividades que privilegiem as relações étnico-raciais, ou

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Artigo apresentado como instrumento da Disciplina Políticas Públicas e Educação

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Relações Étnico-Raciais, Estado e Políticas Públicas: algumas reflexões.

Alfredo Rocha Barbosa

Com a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) a partir da

promulgação da lei 10639/2003, aliando-se as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e

Africana, de acordo com a homologação, em 18 de maio de 2004, do Parecer n.03/2004, de 10

de março, do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação aprovando o projeto de

resolução dessas diretrizes que as acompanham, sendo considerado um novo marco na

história da educação do país (SILVÉRIO E TRINIDAD, p. 892, 2012).

Entendemos que sua totalidade pode colaborar pra transformações importantes que

refletirão na mentalidade da sociedade brasileira no que diz respeito ao conhecer e por que

não, valorizar a questão étnico-racial nacional.

Passados pouco mais de dez anos da lei “dez mil”, como o segmento do Movimento

Negro costumou-se a chamar a legislação que determina a inclusão da História e Cultura da

África e dos Afro-brasileiros, em todos os currículos nacionais, mesmo com o aumento

quantitativo e qualitativo de referencias bibliográficas, sites, e outras mídias que ficam a

disposição a todos os públicos, aparentemente presenciamos poucas atividades que

privilegiem as relações étnico-raciais, ou ainda com freqüência, professores que acreditam

estar atendendo a legislação acabam trabalhando na contramão das diretrizes para as relações

étnico-raciais como presenciamos nas figuras 1 e 2, onde estudantes de uma escola estadual

trabalham com a questão do preconceito racial e acabam por reproduzi-lo.

Figura 1- “Brancos no Pelourinho” Figura 2 - Revanchismo

Fonte – Rede social facebook Fonte – Rede social facebook

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Assim entendemos que um exercício de reflexão sobre as concepções e relações entre

Governo e Políticas Públicas, seriam de fundamental importância, para uma futura análise e

avaliação de determinadas ações governamentais, principalmente nas chamadas políticas

sociais que englobam a questão da educação. Para isso é importante ressaltar a diferença entre

Estado e Governo como nos aponta Hofling (p.31, 2001a).

“Estado como o conjunto de instituições permanentes - como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente – que possibilitam a ação do governo; e Governo, como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período.”

Compreendendo o Estado como mecanismo ou estrutura que serve para tornar

possíveis as ações do Governo, sendo este a síntese dos interesses da sociedade representada

pelos políticos, técnicos e órgãos da sociedade civil determinando assim a orientação de

governos. Importante apontar que o Estado aqui está contextualizado no sistema capitalista,

sem especificar se democrático liberal ou social democrático.

As Políticas Públicas de forma simplificada podem ser entendidas, como ação de um

Estado Hofling (p. 31, 2001b), por meio de um projeto de governo, através de programas,

visando ações para determinados setores da sociedade. Mas importante ressaltar que

embora a responsabilidade seja do Estado, o processo de tomada de decisões envolvem além

de órgãos públicos, também diferentes organizações da sociedade, assim não podendo ser

consideradas como políticas estatais.

Já as Políticas Sociais, estão relacionadas às ações do estado no que diz respeito ao

nível de proteção social, com a finalidade de reduzir as desigualdades sociais promovidas pelo

sistema capitalista.

Dessa maneira pensamos a questão das relações étnico-raciais na educação como uma

Política Pública Social, já que embora de responsabilidade do Estado, possua também a

participação de diferentes segmentos da sociedade como o Movimento Negro, e é preconizada

para atender tanto a população afro-descendente como todos os outros grupamentos humanos

que formam a sociedade brasileira.

Contribuindo para esta leitura podemos apontar as reflexões de Clarice Seixas Duarte

(2007a), onde caracteriza o Estado brasileiro, como um Estado social democrático de direito,

onde são destacados os direitos fundamentais de caráter social em nosso ordenamento

jurídico, cabendo a ele o papel de elaboração e a implementação de políticas públicas.

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Tais políticas como afirma Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (p.39, 2010a), são

implantadas com o objetivo de promover o aperfeiçoamento na sociedade, garantindo e

protegendo direitos, incentivando avanços especificamente sobre a educação para as relações

étnico-racias, no campo de políticas curriculares, evidenciando um projeto de educação que

visa incentivar, fortalecer valores, posturas e atitudes que formem cidadãos com menos

preconceitos. A Constituição Federal de 1988 segundo Duarte (2007b) reconhece e

determina que:

“Trata-se de direitos que devem ser prestados sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (cf. art. 3º, IV da CF/88). Contudo, não obstante o reconhecimento expresso da universalidade dessa categoria de direitos, a sua implementação demanda a escolha de alvos prioritários, ou seja, grupos de pessoas que se encontram em uma mesma posição de carência ou vulnerabilidade. Isso porque o objetivo dos direitos sociais é corrigir desigualdades próprias das sociedades de classe, aproximando grupos ou categorias marginalizadas.”

Ao encontro destas determinações o jeito de ser, viver, pensar dos mais diversos

grupos humanos, incluindo suas raízes mais genuínas devem ser respeitados, valorizados e

incluídos em atividades sistemáticas, tanto na educação infantil até o ensino superior

Gonçalves e Silva (p. 40, 2010b).

Importante ressaltar que isso não significa um afrouxamento do caráter científico ou a

substituição de conteúdos, mas sim um aprimoramento no sentido de completar o

conhecimento científico já existente.

ABORDAGENS DE POLÍTICAS SOCIAIS

ABORDAGEM NEOLIBERAL E MARXISTA NAS POLÍICAS PÚBLICAS

Neste momento do presente estudo procuraremos realizar algumas reflexões sobre as

abordagens Neoliberal e Marxista visando um possível diálogo com as políticas públicas

educacionais relacionadas às relações étnico-raciais. Para isso levaremos em consideração a

obra “A educação como política pública” de Janete M. Lins de Azevedo (2004a).

Abordagem Neoliberal

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Inspirada no liberalismo clássico do século XVII, a abordagem neoliberal, tem sua

gênese no que se costumou denominar de democracia utilitarista, onde reconhece o Estado

neutro com funções reguladoras, atuando como provedor das necessidades essenciais na

educação, na defesa e da aplicação de leis. Onde a própria economia (mercado) seria capaz de

atender as demandas das sociedades, agindo como regulador da sociedade a partir da livre

concorrência, individualismo e competitividade. Onde a geração de riqueza levaria ao bem

estar social.

Ao final do século XIX e início do século XX, sucessivas crises econômicas aliadas à

maior organização do trabalho, associadas ao ideário socialista e desenvolvimento técnico

científico, levaram à reorganização das articulações entre Estado e Mercado, Azevedo (p. 10,

2004b). Estes fatos não levaram à desarticulação do liberalismo, mas pelo contrário a

partir da década de 70, do último século, um novo modelo viria a se configurar sendo

denominado neoliberalismo.

Para aprofundarmos nossas reflexões sobre o neoliberalismo Azevedo apoiou-se em

dois renomados especialistas no assunto, são eles Hayek com a obra “Os Fundamentos da

liberdade” de 1983 e Milton Friedman com seu “Capitalismo e Liberdade” de 1984.

Hayek apud Azevedo (p.11, 2004c), entende que o Estado de direito deve promover

apenas medidas que estabeleçam normas gerais, para não promover nenhum tipo de

discriminação arbitrária entre as pessoas, além disso, compreende que medidas na economia

podem coibir o desenvolvimento econômico e consequentemente o social. Nesse sentido a

idéia de “menos Estado e mais Mercado”, esta associada diretamente aos ideais do liberalismo

clássico.

Friedman apud Azevedo (p.12, 2004d) concorda com Hayek e acrescenta que tal

ingerência do Estado na economia, pode levar a prejuízos as outras esferas da vida privada, e

consequentemente a sociedade, além de caminhar para um autoritarismo que ganha força com

a ampliação dos programas sociais.

Dessa forma os dois autores supracitados, representantes e teóricos do modelo

neoliberal, são defensores do ‘Estado Mínimo’, acreditando na capacidade do mercado de

regulação do capital e do trabalho, entendendo que a intervenção do estado estaria levando a

um desequilíbrio nos planos econômicos, social e moral, na medida que tende a desrespeitar

os princípios da liberdade e da individualidade, Azevedo (p.12, 2004e).

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Em relação às políticas públicas educacionais, as limitações de outras áreas são menos

intensas, inclusive concordam que a Educação é um setor importante no combate a redução da

desigualdade social, reconhece a responsabilidade do governo em garantir o acesso universal

ao nível básico de ensino. Porém, acreditam que o poder público deve dividir ou mesmo

repassar à iniciativa privada a administração deste serviço, sendo esta uma estratégia para o

aquecimento e estimulo ao desenvolvimento qualitativo e quantitativo deste mercado. Onde

as pessoas teriam a liberdade de escolherem onde seus filhos iriam estudar, atendendo o

princípio de liberdade individual. Outro elemento que seria favorecido segundo este

pensamento, é que o corpo burocrático diminuiria assim como os gastos neste setor.

Para os outros níveis de ensino segundo a perspectiva neoliberal, qualquer subsídio à

formação profissionalizante individual, não são admitidas, pois, é entendido como

investimento, dessa maneira, o cidadão terá um retorno com melhores oportunidades de

emprego. Friedman apud Azevedo (p.16. 2004f), em relação aos indivíduos sem recursos

mais habilidosos, indica que podem ser atendidos a partir de financiamentos tanto pela

iniciativa privada, como na pública.

Nesse contexto neoliberal, as políticas públicas são vistas como incentivadoras das

crises que elas buscariam solucionar, excetuando as da área educacional que segundo tal

perspectiva sob a administração da iniciativa privada seria capaz de atender as demandas dos

indivíduos de maneira individual, colaborando assim para seu desenvolvimento.

Abordagem Marxista

Fundamental lembrar que Marx não possuiu como objeto de estudos as políticas

públicas, mas sim as desigualdades sociais decorrentes do sistema capitalista pós-

industrialização, entendendo que no fim do século XIX, não havia se passado o tempo

necessário para ocorrerem acordos entre os grupos antagônicos do sistema capitalista

Partindo desse pensamento também é importante ressaltar que várias são as

ramificações do pensamento marxista que viria a se desenvolver a partir do século XX, sendo

expostos aqui apenas alguns deles. Marx reconhecia a organização do trabalhador como

estratégia que permitiria a obtenção de conquistas, que poderiam amenizar a exploração do

sistema capitalista.

Nesse sentido deixava evidente que mesmo legislando a favor do trabalhador, o Estado

não agia de forma à transformação radical da condição do trabalhador, mas sim de maneira a

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tornar viável a manutenção do sistema. Somente na década de 60 do século passado o

pensamento marxista ganhara fôlego, no sentido de uma releitura no mundo acadêmico,

quando a crise econômica levantará questionamentos sobre a ordem do Estado capitalista,

Azevedo (p. 41, 2004g). As interações sobre as relações Estado Capitalista, capital e

trabalhador tiveram reflexões sob os mais divergentes aspectos sejam, políticos, ideológicos

ou econômicos.

A escola ‘lógica do capital ou derivacionista’, nascida na Alemanha tinha como

preocupação básica demonstrar que a evolução das formas e funções do Estado e os limites e

possibilidades eram derivadas da lógica do processo de acumulação do capital. Sendo o

desenvolvimento do Estado associado a luta contra a baixa de lucro, ou seja, a serviço da

burguesia dominante. Desempenhando um papel aparentemente neutro, porém, configura-se

de maneira coercitiva, garantindo o processo de produção do capital Hirsch apud Azevedo

(p.42, 2004h).

Já a vertente Capitalista Monopolista de Estado, o Estado está a sob o domínio do

capital monopolista, sendo as políticas voltadas para o interesse deste. Nesse ponto contrapõe-

se a vertente derivacionista que entende o estado a serviço de interesses conflituosos do

capital.

Em uma vertente mais política Poulantzas entende o Estado como poder político

momentaneamente das classes dominantes, onde as contradições capitalistas são camufladas

pelo Estado ao ‘eliminar’ o indivíduo.

Diferenciando a luta política e a luta econômica, onde considera que na luta política

grupos pertencentes a mesma classe disputam o poder político, configurando-se assim o

Estado como um representante do interesse geral de grupos concorrentes. Nesse contexto o

Estado Burguês constituído na luta de classes, configura-se como um estado dominado pela

burguesia, onde os interesses das classes subalternas de alguma forma são representados,

cabendo ao trabalhador a retomada deste Estado.

A partir das concepções aqui apresentadas de formar bem simplificada, sobre as

formulações sobre o Estado, entendemos a relevância do necessário engajamento de

professores, coordenadores pedagógicos, diretores e sociedade, para a implantação de

qualquer política pública social, independente se de orientação neoliberal ou marxista. Em

todas elas reconhecemos a existência de grupos menos privilegiados, ora tendo suas demandas

atendidas, ora não.

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Podemos considerar a questão da introdução das relações étnico-raciais nos currículos

oficiais de ensino como um exemplo da demanda de um grupo da sociedade em busca do

reconhecimento de direitos

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública. Campinas, SP: Autores Associados. 2004. (Coleções polêmicas do nosso tempo; vol. 56).

BEHRING, Elaine Rossetti. Abordagens da Política Social e da Cidadania. Programa de Capacitação Continuada para Assistentes Sociais- CEAD/UnB. 2000.

DUARTE, Clarice Seixas. A educação como direito fundamental de natureza social. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 – Especial p. 691 – 713, out. 2007. Disponível em <http//www.cedes.unicamp.br> acesso em: 05 junho de 2014.

GOLÇALVES E SILVA, Petronilha Beatriz. Estudos Afro-brasileiros: africanidades e cidadania. IN ABRAMOWICZ, Anete; GOMES, Nilma Lino. Educação e raça: perspectivas políticas, pedagógicas e estéticas. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. p. 37-56.

HOFLING. Eloisa de Mattos. Estado e Políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, nº55, novembro/2001. p. 30-41.

SILVÉIRO, Valter; TRINIDAD, Cristina Teodoro. Há algo novo a se dizer sobre as Relações Raciais no Brasil contemporâneo. Educ. Soc., Campinas, v. 33, n.120, p. 891-914, jul.-set. 2012. Disponível em <http;//.cedes.unicamp.br>acesso em: 05 junho de 2014.