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Ester Padovani
RA 001200501436 - 8º semestre
RELATO DE CASO: IMPLICAÇÕES SOBRE A INCLUSÃO
DE UMA ALUNA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA VISUAL
Bragança Paulista
2008
Ester Padovani
RA 001200501436 - 8º semestre
RELATO DE CASO: IMPLICAÇÕES SOBRE A INCLUSÃO
DE UMA ALUNA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA VISUAL
Trabalho apresentado à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso, do Curso de Pedagogia da Universidade São Francisco, sob orientação da Profa. Ms. Liana E. B. Silva Teles, como exigência para conclusão do curso de graduação.
Bragança Paulista
2008
PADOVANI, Ester. Relato de caso: implicações sobre a inclusão de uma aluna portadora de deficiência visual. Monografia defendida e aprovada na Universidade São Francisco pelos professores examinadores em 17 de Dezembro de 2008.
Profª Ms. Liana E. B. Silva Teles
USF – orientadora
Profº Dr. Duglas Wekerlin Filho
USF - examinador
Àquela que me viu na escuridão e me conheceu com tão pouco,
Aos olhos da alma que me tocaram por tão pouco tempo; ao sorriso faceiro e trigueiro da
garotinha que me fez feliz.
AGRADECIMENTOS
Reconheço que este trabalho só foi possível porque Deus me deu todas as condições para
realizá-lo, inclusive sua proteção.
Reconheço o apoio de minha mãe e sua dedicação nos momentos que dobrou seus joelhos
e pediu por mim.
Reconheço o apoio do meu pai que junto com minha mãe não se esquecia das minhas
viagens e dos meus riscos, e juntos lutamos para que eu alcançasse meus objetivos.
Reconheço as minhas amigas Carla, Marilene,Roberta e Tânia pelos sorrisos, por agirem
como molas propulsoras nos momentos em que mais precisei.
Reconheço a distância de todos os meus familiares, e também a compreensão de cada um.
Reconheço os meus mestres, meus educadores e meus professores.
Ao Fernando e ao Vitor pela confiança e credibilidade.
À amiga Liana que me ouviu, me aconselhou e me estimulou durante todo o tempo.
"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino. "Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui.
"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.
"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.
"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia. "Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.
"Diabético" é quem não consegue ser doce. "Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer. E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:
"Miseráveis" são todos que não conseguem falar com Deus.
Mario Quintana
PADOVANI, Ester. Relato de caso: implicações sobre a inclusão de uma aluna portadora de deficiência visual. 2008. Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de Pedagogia da Unidade Acadêmica da Área de Ciências Humanas e Sociais da Universidade São Francisco, Bragança Paulista.
RESUMO
Por meio de pesquisa bibliográfica, este trabalho traz um breve relato do início da educação do portador de deficiências no Brasil, diferencia a educação especial da integração e da inclusão além de trazer contribuições sobre algumas práticas para beneficiar o portador de deficiência visual, e o relato de experiências sobre o trabalho com uma aluna matriculada na então, quarta série do ensino fundamental. É concluído com as considerações teóricas comparadas com a prática.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................08
2. O SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL: OS PRIMEIROS
PASSOS PARA A INCLUSÃO................................................................................11
2.1 O Que é Educação Inclusiva? E o Que é Integração Escolar?........................17
2.2 A Importância da Formação e Postura do Professor Frente à Educação
Inclusiva..................................................................................................................19
2.3 O Portador de Deficiência Visual: Algumas Possibilidades Dentro do
Espaço Escolar.......................................................................................................24
3. RELATO DE CASO............................................................................................29
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................49
8
1. INTRODUÇÃO
Desde seu surgimento, a escola busca satisfazer as necessidades de cada geração,
cada sociedade, cada contexto histórico, e pode contribuir para grandes mudanças e
reestruturações sociais, pois é compreendida como meio de transformação social por estar
presente no seio de um grande contingente de famílias, além de ser reconhecida como
órgão detentor da sabedoria e do conhecimento.
Assim, espera-se que por meio da educação formal na escola, inicie-se o processo de
resgate dos excluídos, ou ‘marginalizados’ da sociedade, como exercício real de cidadania
independente de cor, raça, sexo etc. Quem são os excluídos? A mulher, os afro-
descendentes, os homossexuais, os indígenas, os pobres, as pessoas com comportamentos
atípicos, superdotados, pessoas com necessidades especiais, meninos em situação de rua,
alunos com dificuldade de aprendizagem etc.
Mantoan (2004) afirma que educação para todos é garantir, aos cidadãos, o acesso à
escolaridade, ao saber, ao processo de produção e difusão de conhecimento e
principalmente, a sua aplicação na vivência da cidadania. O cumprimento desses objetivos
requer a existência de temas educacionais planejados e organizados a fim de dar conta da
diversidade dos alunos, de forma a poder oferecer a cada um, respostas pedagógicas
adequadas às suas peculiaridades, às suas características e necessidades específicas.
Os conceitos da autora leva-nos a concluir que, o processo de inclusão requer muito
mais que uma simples matrícula. Incluir significa quebrar paradigmas, contradizer um
sistema que já nasceu sob rudes imposições. E para que isso aconteça existem dois fatores
básicos: a opção filosófica, segundo à qual a instituição ou o educador tomam um
posicionamento frente ao processo, e se responsabilizam pela mudança; é a “luta pela
causa”. O segundo fator essencial é decisão política, isto é, o “querer fazer”.
Analisando esses fatores, podemos afirmar que inclusão é a luta por uma sociedade
cooperativa e colaboradora, em que os indivíduos reconhecem e respeitam a diversidade.
Para alcançar tal sociedade, temos a necessidade de produzir mudanças positivas nas
relações da sociedade brasileira, com os segmentos populacionais historicamente
excluídos.
Silva (2004) destaca que, a escola é o elo entre os excluídos e a sociedade. É o espaço
em que se fazem e produzem relações humanas. É o local onde o aluno pode compreender,
participar das ações e decisões que intentam o bem para todos que vivem numa mesma
comunidade.
9
Assim, para entender toda a diversidade existente nas salas de aula, e cumprir o
proposto que é educação para todos, o sistema educacional precisa sofrer alguns ajustes e
adaptações, que englobam desde prédios físicos até a formação do corpo docente e
inclusive funcionários, pois todos precisam se conscientizar sobre as necessidades desses
alunos, para assim a aprendizagem alcançar melhor qualidade.
Dentro das adaptações, encontramos as mais necessárias para os portadores de
deficiência visual, principalmente na área pedagógica, em que se objetiva garantir que o
aluno tenha direito aos mesmos conhecimentos que os demais.
Compreendemos, no entanto, que não há receita definida para este trabalho, mas dada
a importância do tema, acredita-se que pode contribuir para o ensino-aprendizagem dos
demais alunos que porventura se encontram com dificuldades na aprendizagem, por falta de
informações, opções de trabalho ou reconhecimento de suas limitações pelos seus
professores.
Com a ocorrência cada vez maior da inclusão de alunos portadores de algum tipo de
deficiência nas escolas de ensino regular, há também a necessidade de alterações
curriculares, prediais, atitudinais etc. De um modo geral, esse processo desperta a
curiosidade sobre o percurso dos novos métodos didáticos para o ensino desses alunos.
Assim como provoca questionamentos sobre a assimilação dos conteúdos, a convivência, a
qualidade da aprendizagem, entre outras questões pertinentes.
Em uma abordagem mais restrita, esta pesquisa foca-se na inclusão de uma aluna
portadora de deficiência visual em salas de ensino comum, e fundamenta-se através de
pesquisa bibliográfica baseada em Jannuzzi, Mazzotta, Stainback & Stainback, Mantoan,
Ribas, Pires entre outros. Inclui também relato uma experiência de trabalho que tive com
uma aluna matriculada na quinta série do ensino fundamental em uma escola municipal, no
interior de São Paulo, em caráter de estágio, como monitora educacional.
A questão norteadora desta pesquisa refere-se à importância da inclusão, à adequação
dos conteúdos, das atividades e das abordagens com crianças com necessidades
pedagógicas especiais, dentro das especificidades de cada disciplina, considerando a
dificuldade de recursos, formação docente deficiente, entre outros.
Dada a importância do problema, objetiva-se que por meio desta pesquisa que os
educadores sintam-se motivados ao olhar analítico e diferenciado sobre todos os alunos;
que reflitam sobre a importância da inclusão de crianças portadoras de deficiência visual na
rede regular de ensino; reflitam sobre os benefícios e as dificuldades encontradas na
experiência de trabalho por meio do relato de experiência e sobre a prática do trabalho em
classe heterogênea.
No primeiro capítulo busca-se por meio de um breve histórico, localizar as primeiras
idéias sobre a inclusão, estabelecer as diferenças entre inclusão e integração, e o papel do
10
professor diante de salas heterogêneas. No segundo capítulo, procura-se definir de forma
geral o que é cegueira, e as especificidades de um aluno portador de deficiência visual. No
terceiro capítulo, encontra-se o relato de caso, as experiências de sucesso e os fracassos
na luta por uma aprendizagem baseada na teoria e na prática, considerando a
fundamentação teórica desenvolvida. O trabalho é concluído com as considerações mais
importantes entre a discussão e o relato de caso.
11
2 . O SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL: OS
PRIMEIROS PASSOS PARA A INCLUSÃO
O homem precisa ser socializado para sobreviver, ou seja, carece da educação para
conviver com seus semelhantes. Assim, desde que nasce, ao homem é estabelecido um
processo intenso de aprendizagem, o qual não se extingue ao longo de sua vida.
A escola não surgiu junto com o homem, mas por meio de longos processos de
construções e transformações realizadas pelo homem. A natureza e importância da
educação variaram e se modificaram de acordo com as necessidades sociais e econômicas
das sociedades à qual esteve ou está inserida. Aranha (1989), ao descrever o processo
histórico-filosófico da educação, afirma que na sociedade medieval não havia uma
separação entre adultos e crianças, ou seja, não era comum a preocupação com a
aprendizagem diferenciada, nem tampouco havia restrições quanto a gestos, contatos
físicos ou exposição de partes do corpo dos adultos frente a elas. Crianças conviviam entre
adultos como adultos, inclusive no modo de vestir.
Aranha (1989, p. 83) afirma que: Quando a produção dos bens começa a ultrapassar o necessário para o consumo imediato, com o surgimento dos excedentes, a estrutura da sociedade também se altera, e as divisões de tarefas tendem a acentuar as diferenças sociais. Nesse momento o saber, que antes era coletivo, da tribo, passa a ser privilégio da classe mais rica, sendo inclusive uma forma de fortalecimento do seu poder. Surge então a necessidade da escola como instrumento do saber acumulado.
A autora sustenta ainda que, o processo de aprendizagem pode ocorrer pela educação
informal ou formal. Considera-se informal o processo que não obedece a um conjunto de
normas ou regras controladas e organizadas, mas que ocorrem por experiências e de forma
incerta como no caso da família, da religião, do trabalho, dos meios de comunicação etc.
A escola surge como educação formal, não só pelo controle do Estado, mas também por
constituir-se de um grupo que exerce determinadas funções, dentre eles especialistas que
projetam um processo educacional mais efetivo, organizado e estruturado que os demais.
Tanto na educação informal como a formal, a criança é moldada em acordo com os padrões
sociais vigentes, e conseqüentemente, valores, normas comportamentais, preconceitos,
hábitos etc., que são transmitidos e de certa forma perpetuados pelas gerações futuras.
A autora também afirma que as escolas ou colégios surgiram a partir de ordens
religiosas que tencionavam o controle e a disciplina, além da catequização e a expansão do
cristianismo no mundo. E é a partir dessa concepção que surgem os castigos, a submissão
e a valorização da hierarquia. Assim, surge o modelo da escola tradicional com seus traços
12
tão conhecidos como o rigor da conduta, atividades mais para treino do que para reflexão
etc. Os menos favorecidos ainda integram a maioria de segregados do saber.
Com a Revolução Industrial no início do século XVIII, a crescente comercialização e o
surgimento da divisão social do trabalho, a educação sofre alterações. Aos subordinados
das fábricas cabia a aprendizagem da leitura, da escrita e dos cálculos. Já aos burgueses,
principalmente nas universidades, o foco da aprendizagem eram as ciências para o
desenvolvimento tecnológico.
Observa-se com Paiva (2000, p. 43) que no Brasil, a educação se iniciou sob as
mesmas circunstâncias que os países europeus: “desde que chegaram ao Brasil, os jesuítas
estabeleceram escolas e começaram a ensinar a ler, a escrever e a contar e cantar”.
Confirma-se este fato com o relato de Shugnov & Maciel (2008) cuja afirmação é que em
agosto de 1549, liderados pelo Padre Manuel da Nóbrega, os jesuítas fundaram a primeira
“escola de ler e escrever” no Brasil.
Faria Filho (2000, p. 144) diz que,
Herdamos do período colonial um número muito reduzido de escolas régias ou de cadeiras públicas de primeiras letras. Eram escolas cujos professores eram reconhecidos ou nomeados pelos órgãos de governos improvisados, geralmente, na casa dos professores, os quais, algumas vezes, recebiam uma pequena ajuda para o pagamento do aluguel.
Segundo Saviani (2002) e Faria Filho (2000), a representação do Estado neste processo
era insignificante, porém, a necessidade de fortificar o Estado como independente e
movidos pelos ideais iluministas da Europa, foi promulgada em 15 de Outubro de 1827 a lei
que determinava a criação de “escolas de primeiras letras” (para aprender a ler, a escrever e
a contar), porém, em 1834 no Ato Adicional à Constituição do Império, o governo central
incumbiu os cuidados com as escolas aos governos provinciais, aos quais não aceitaram a
idéia de um sistema de organização e administração, o que nos leva a concluir que cada
província tinha sua própria “estrutura educacional”. Outro aspecto de grande valia, é que
nestas escolas não havia espaço para mulheres, negros, índios e pobres.
Os deficientes foram esquecidos, segregados e escondidos da sociedade enquanto era
conveniente. Mais tarde, ...a defesa da educação dos anormais foi feita em função da economia dos cofres públicos e dos bolsos dos particulares, pois assim se evitariam manicômios, asilos e penitenciárias, tendo em vista que essas pessoas seriam incorporadas ao trabalho (JANNUZZI, 2006, p. 53).
Ou seja, a educação de portadores de algum tipo de deficiência só começou a se
desenvolver a partir do momento em que se percebeu que estes poderiam “gerar lucros” ou
deixassem de ser “parasitas sociais”.
13
Assim, pela influência política e prestígio social do portador de deficiência visual José
Álvares de Azevedo, foi criado pelo Decreto Imperial de 12 de Setembro de 1854, o Imperial
Instituto dos Meninos Cegos (hoje, Instituto Benjamin Constant). Em 26 de setembro de
1857 foi criado o Instituto dos Surdos-Murdos (hoje, Instituto Nacional de Educação de
Surdos-INES). Ambos foram criados por meio do interesses de figuras políticas, e não pela
real necessidade de atender à população. (BUENO, 1993)
Bueno (1993) ainda afirma que pouco tempo depois da criação desses institutos, eles
entraram em processo de deterioração por conflitos sobre a orientação educacional dada
aos alunos, o que exigiu reformulações em seus regulamentos. Também, na França, os
institutos de mesma ordem passaram por reformulações, porém, transformaram-se em
institutos de trabalho, enquanto que no Brasil, tenderam basicamente ao assistencialismo.
Após a proclamação da República, houve expansão com relação à fundação de
instituições privadas em várias partes do país. Em Mazzotta (2001) encontramos que os
primeiros registros sobre a educação pública dos portadores de deficiência física em caráter
de sala especial, constam da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo a partir agosto de
1931. O autor cita outras entidades como o Lar-Escola São Francisco fundada em 1º de
junho de 1943, e a Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) fundada em 14
de setembro de 1950, ambas entidades privadas.
Para atendimento aos portadores de deficiência auditiva, o autor cita o Instituto Santa
Terezinha fundado em 15 de abril de 1929, em Campinas, interior de São Paulo, mantido
por uma ordem religiosa; e, o Instituto Educacional de São Paulo, cujas atividades iniciais
datam de 1955, formado por uma sociedade civil sem fins lucrativos.
No entanto, os maiores avanços da educação especial estavam em sua maioria aos
portadores de deficiência mental, pois se buscava uma maior eficiência dos processos de
ensino com a finalidade de amortecer o fracasso escolar, uma vez que ao aluno era
atribuída a responsabilidade sobre tal, tanto que nos Anais do 1º Congresso Nacional de
Saúde Escolar de 1942, os portadores de deficiência mental eram vistos como “empecilho
ao bom desenvolvimento da escola”.
Bueno (1993) afirma que com a expansão dos Laboratórios de Psicologia, aplicavam-se
testes para separar os alunos ”normais” dos “anormais”, pois a visão de educação especial1
desse período era a de cura, reabilitação e a eliminação de comportamentos julgados como
inadequados. Além disso, a educação estava pautada em procedimentos da medicina para
a reabilitação dos “alunos especiais”.
1 À qual se entende como a educação voltada para atender as especificidades de alunos portadores de algum tipo de deficiência de ordem física, cognitiva ou sensorial (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.934/1996, artigo 58).
14
Após a Segunda Guerra Mundial, as Sociedades Pestalozzi, pelo trabalho de Helena
Antipoff se uniram , em 1971, e criaram a Federação Nacional das Sociedades Pestalozzi no
Brasil. Assim também ocorreu com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
(APAEs) que no início da década de 80 criou a Federação Nacional das APAEs, com mais
de duzentas entidades. A expansão dessas entidades até a década de 60 e 70 foi de grande
importância para a educação, pois passaram a exercer forte influência nas políticas públicas
de educação especial do país e na qualificação técnica de profissionais.
Em relação ao Estado, a educação continuava a passos lentos, tanto a especial quanto
a regular. A partir de 1954, o governo federal lançou as chamadas Campanhas Nacionais. A
primeira, Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro – CESB, nasceu do Instituto
Nacional de Educação de Surdos (o antigo Imperial Instituto dos Surdos-Mudos), e a
segunda, Campanha Nacional de Educação de Cegos, nascido do Instituto Benjamin
Constant, em 1958. Essas, tinham o objetivo de estimular os governos estaduais, municipais
e organizações não-governamentais, a ampliar o atendimento à comunidade (BUENO,
1993).
Em 1961, uma preocupação de forma abrangente com a Educação Especial é expressa
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 4.024), porém “já existe no país uma
organização considerável no atendimento, tanto em instituições particulares de caráter
assistencial, quanto em algumas classes especiais”. (KASSAR, 2004, p. 28)
Mazzotta (2001) descreve que, pela influência das grandes instituições privadas e das
Campanhas Nacionais, em 1972, foi criado no Ministério da Educação e Cultura, o Grupo
Tarefa de Educação Especial destinado a “delinear a política e as linhas de ação do
Governo na área da Educação de Excepcionais”. Em 1973, foi criado o CENESP (Centro
Nacional de Educação Especial) órgão autônomo, consubstanciado pela Secretaria Geral do
Ministério de Educação e Cultura com a “finalidade de promover, em todo o território
nacional, a expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais” (MAZZOTTA, 2001, p.
55).
Em 1974, o CENESP estabeleceu diretrizes para suas ações, de onde decorreram duas
linhas de ações de grande importância: a expansão no atendimento aos portadores de
deficiências e o apoio técnico para que se ministrasse a educação especial. A primeira
deveria se orientar por diagnóstico seguro e avaliação contínua antes do encaminhamento
dos indivíduos a instituições especializadas. A segunda, definiu como indispensáveis para a
qualidade da educação especial, recursos humanos adequadamente preparados,
levantamentos, estudos, pesquisas e programação conjunta da área de educação com as
de saúde, trabalho, justiça e assistência social. (Brasil, MEC/CENESP, 1974, apud Bueno,
1993).
15
Em 1977 foi elaborado novo Plano Nacional de Educação Especial que além de dar
continuidade no plano anterior, acrescentou mais duas: a organização e desenvolvimento de
serviços de educação precoce e o atendimento a educandos com dificuldades de
aprendizagem. É a primeira vez que se pensa nos indivíduos com dificuldades de
aprendizagem e nos superdotados.
Nos anos que se seguem, o Governo Federal por meio de decretos e programas investe
em capacitações de recursos humanos para a educação especial, reformula currículos,
prevê assistência técnica e financeira para construção, ampliação e adaptação das
instituições estaduais e privadas e estipula a organização e desenvolvimento de serviços
educacionais para os superdotados e os que apresentam problemas na aprendizagem.
Apesar de todos esses investimentos, o atendimento foi insuficiente, pois não se alcançou a
qualificação profissional esperada.
E apesar de se tornar oficial a responsabilidade do Governo Federal por meio do
CENESP, poucos portadores de deficiências tiveram acesso a esses serviços em escolas
públicas. Um aspecto relevante da situação, é que o autor questiona a democracia do
ensino, o acesso das classes menos favorecidas, ou mesmo à qualidade do ensino regular.
Bueno (1993, p. 122) limita sua análise sobre as medidas do Governo Federal por meio
do CENESP para a educação especial dizendo que “...carece de fundamento, na medida em
que ocorre um distanciamento entre o discurso do planejador e a realidade concreta da
educação especial no Brasil”.
Em 5 de outubro de 1988, é promulgada a Nova Constituição Brasileira que passa a
garantir no Título VIII, artigo 203 e Inciso IV “a habilitação e reabilitação das pessoas
portadoras de deficiência e a sua promoção a vida comunitária”. A educação é garantida
como direito de todos e dever do Estado e da família, além de atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiências, preferencialmente na rede regular de ensino.
Entre a fundação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos e os dias de hoje, a história da
educação especial no Brasil foi se estruturando, seguindo quase sempre modelos que
primam pelo assistencialismo, pela visão segregativa e por uma segmentação das
deficiências, fato que contribui ainda mais para que a formação escolar e a vida social das
crianças e jovens portadores de alguma deficiência aconteçam em um mundo à parte.
No limiar do século XXI, a humanidade enfrenta sérios conflitos decorrentes do
descompasso entre o avanço vertiginoso da ciência e da tecnologia e a crescente
marginalização social em todos os países, com maior predomínio nos países
subdesenvolvidos. Esses conflitos aguardam soluções urgentes que implicam na definição
de estratégias de ação dos governos e seus órgãos a nível mundial. Diversos países e
órgãos renomados promovem grandes encontros com outros representantes, na tentativa de
encontrar soluções a curto, médio ou longo prazos.
16
Em um desses encontros, o Brasil participa da “Conferência Mundial sobre Educação
para Todos” realizada em 1990, em Jomtien, Tailândia, onde se abordou a necessidade da
educação de qualidade para todos. Compromissos éticos e políticos foram consolidados
num esforço coletivo para garantir a democratização da educação, independente das
diferenças particulares dos alunos.
Em junho de 1994, com o apoio da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura) houve, em Salamanca (Espanha), a Conferência Mundial
sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade. Nessa conferência, foram
abordados vários assuntos envolvendo a deficiência (a política e a organização, os fatores
escolares, a contratação e formação do pessoal docente, os serviços externos de apoio, as
áreas prioritárias, a participação da comunidade, os recursos necessários).
As Declarações refletiram um consenso mundial sobre a necessidade de mudanças
fundamentais que transformem em realidade uma educação capaz de reconhecer as
diferenças, promover aprendizagem e atender às necessidades de cada criança
individualmente. Acrescenta ainda que, as escolas devem ajustar-se às necessidades dos
alunos, quaisquer que sejam as suas condições físicas, sociais, lingüísticas, incluindo
aquelas que vivem nas ruas, as que trabalham, as nômades, as de minorias éticas,
religiosas, os migrantes, os menores de seis anos, os alunos com distúrbios de
aprendizagem, os portadores de deficiência, além das que se desenvolvem à margem da
sociedade.
Costa (2000) avaliando os resultados da Conferência de Jomtien e suas influências na
educação brasileira após uma década, defende que foram resultados positivos, pois, o que
antes era discutido ora pelos governantes, ora pelos educadores e ora pelos pesquisadores,
passou a ser discutido pelos mais diversos setores sociais. Isso caracteriza o envolvimento
da sociedade pela causa, na luta para que todos tenham acesso ao conhecimento.
A exclusão social não é um fato isolado do Brasil, pois encontramos Karagiannis &
Stainback & Stainback (1999) afirmando que nos Estados Unidos em seu processo histórico
também foi registrada a separação do ensino às crianças pobres, afro-americanos e
americanos nativos.
No Brasil, por volta de 2006, a inclusão já era proposta em documentos de políticas
sociais de quase todos os estados, no entanto, pesquisas acadêmicas de pós-graduação de
diversas universidades brasileiras atestaram que a inclusão ainda não era tema prioritário,
além de se sugerir incompreensão conceitual entre inclusão e integração (JANNUZZI,
2006).
O breve histórico revela que as conquistas para a educação do portador de algum tipo
de deficiência sempre foi alcançada por órgãos privados, isto é, pessoas que não tinham
uma relação explícita com o Estado, ou mesmo, como no caso das APAEs, de pais e
17
colaboradores. Também observa-se que embora tenham surgido políticas públicas
destinadas a este grupo, de realmente efetivo foi feito muito pouco. Atualmente, tenta-se
reconhecer os direitos dos portadores de deficiência, mas sabemos que ainda faltam muitas
mudanças culturais para que esses indivíduos sejam reconhecidos pelas suas capacidades,
e não pelas suas deficiências.
2.1. O Que é Educação Inclusiva? E o Que é Integração Escolar?
A Constituição Brasileira de 1988 prevê como dever do Estado o atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular
de ensino. Este e outros dispositivos legais referentes à assistência social, saúde da
criança, do jovem e do idoso levantam questões muito importantes para a discussão da
educação brasileira, não apenas com relação à adaptação de edifícios de uso público,
quebra de barreiras arquitetônicas de todo tipo, transporte coletivo, salário mínimo
obrigatório como benefício mensal às pessoas com deficiência que não possuem meios de
prover sua subsistência e outros.
Ramos (2006, p. 05) também destaca: O programa de Educação Inclusiva consiste em pôr em prática um novo conceito, que tem como base tornar a educação acessível a todas as pessoas e com isso atender às exigências de uma sociedade que vem combatendo preconceitos, discriminação, barreiras entre indivíduos, povos e culturas.
A inclusão, em termos gerais, constitui uma ação ampla que, sobretudo em países em que há diferenças sociais muito grandes, propõe uma educação com qualidade para todos. Na idéia de “todos” incluem-se também os portadores de necessidades especiais.
Considerando o Decreto 3.298/99 que Regulamenta a Lei 7.853/89, referente à Proposta
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, e frente às possibilidades
explicitadas no texto da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, faz-se
necessário redimensionar o atendimento a pessoas com necessidades educacionais
especiais, assegurando o seu acesso, ingresso, permanência e sucesso escolar, bem como
sua terminalidade acadêmica.
Cardoso (1996, p. 32) já afirmava: “... a escola como campo privilegiado de intervenção
política e ideológica traz na sua essência pedagógica a possibilidade de construção de
novos paradigmas e práticas que priorizem a via democrática na escola e na sociedade”.
Logo, a escola é o lugar onde se garantem os primeiros direitos do portador de deficiência
como cidadão, pois é nela que o indivíduo deve ser “resgatado” e reconhecido como ser
humano que tem direito de participar da sociedade tanto quanto os ditos “normais”.
18
A inclusão escolar constitui, portanto, uma proposta politicamente correta que
representa valores simbólicos importantes, condizentes com a igualdade de direitos e de
oportunidades educacionais para todos, em um ambiente educacional favorável.
Vimos nos últimos anos, um considerável crescimento de matrículas de alunos
portadores de alguma deficiência no ensino regular, e a este processo, estão denominando
como educação inclusiva, porém, as pesquisas bibliográficas revelam divergências sobre
esta questão.
Sobre o encaminhamento desses alunos às escolas encontramos Mantoan (2006)
sustentando que há, no mínimo, três direções possíveis: educação especial, integração
escolar e educação inclusiva.
A primeira implica na oposição ao ensino regular, e os alunos com deficiência só teriam
uma opção para seus estudos, ou seja, nas concepções de que a educação deve pautar-se
nos procedimentos da medicina, incorporando os processos de reabilitação.
A segunda, no que se refere à integração escolar, que implica uma inserção parcial, ou
seja, a integração de alunos nas salas de aula do ensino regular, quando estão preparados
e aptos para estudar com seus colegas do ensino geral e sempre com um acompanhamento
direto ou indireto do ensino especial no horário das demais aulas. Mantoan especifica: O processo de integração ocorre em uma estrutura educacional que oferece ao aluno a oportunidade de transitar no sistema escolar – da classe regular ao ensino especial – em todos os seus tipos de atendimento: escolas especiais, classes especiais em escolas comuns, ensino itinerante, salas de recursos, classes hospitalares, ensino domiciliar e outros. Trata-se de uma concepção de inserção parcial, porque o sistema prevê serviços educacionais segregados. (2006, p. 18)
A autora também afirma que na integração escolar não são todos os alunos portadores
de deficiência que podem ingressar no ensino regular, pois há uma seleção prévia sobre a
aptidão dos alunos.
A terceira direção se refere ao ensino inclusivo, que indica a inserção dos alunos com
deficiência nas salas de aula do ensino regular, sem distingui-los ou selecioná-los,
implicando uma transformação das escolas para atender às necessidades educacionais de
todos os alunos, os portadores de alguma deficiência, altas habilidades e os demais e não
apenas de alguns deles.
Nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Parecer n. 17,
2001ª, apud Jannuzzi, 2006, p. 187) encontramos que a inclusão ...em vez de focalizar a deficiência da pessoa, enfatiza o ensino e a escola, bem como as formas e condições de aprendizagem; em vez de procurar no aluno, a origem de um problema, define-se pelo tipo de resposta educativa e de recursos e apoios que a escola deve proporcionar-lhe para que obtenha sucesso escolar; por fim, em vez de pressupor que o aluno deva ajustar-se a padrões de “normalidade” para aprender, aponta para a escola o desafio de ajustar-se para atender à diversidade de seus alunos.
19
Mantoan (2006) afirma também que a sociedade está mudando e se reestruturando, e
com isso uma crise de paradigmas vem em momento oportuno para transformações
necessárias. A escola não pode mais continuar a negar as mudanças sociais. Faz-se
urgente que a escola se volte à educação para a cidadania global, livre de preconceitos, que
valorize e reconheça as diferenças.
O debate atual está centrado nas direções entre integração escolar e inclusão escolar.
O assunto cria inúmeras e infindáveis polêmicas, provoca os professores e profissionais da
área de saúde, e também "mexe" com as associações de pais que adotam posturas de
assistencialismo aos alunos. Afeta também, e muito os professores da educação especial
que se sentem temerosos de perder o espaço que conquistaram nas escolas e redes de
ensino. Os professores do ensino regular consideram-se sem competência para trabalhar,
especialmente quando se refere a alunos com deficiência. Há também um movimento
contrário de pais de alunos sem deficiências, que não admitem a inclusão, por acharem que
as escolas vão baixar ou piorar ainda mais a qualidade de ensino ao receberem esses
novos alunos.
Diante disso, buscou-se algumas considerações sobre o trabalho do professor dentro
da perspectiva inclusiva, como veremos a seguir.
2.2 A Importância da Formação e Postura do Professor Frente à Educação Inclusiva
Um dos grandes desafios para a educação inclusiva nestes tempos de transformações
é a formação de professores. Hoje se fala muito em atualização, capacitação, formação
permanente em serviço, quando não em treinamento de professores.
No entanto, cabe esta reflexão: que tipo de profissional se quer formar? Para quê e para
quem? Que requisitos são essenciais a um educador do tempo moderno?
Respostas a estas perguntas são complexas e têm a ver com a concepção de mundo
que cada um possui. Um dos grandes desafios é rever a concepção de conhecimento,
romper os limites positivistas, concebendo o conhecimento como uma construção dinâmica,
como um recurso a ser mobilizado para desenvolver competências que permitam aos
indivíduos interferir na sua realidade, identificando e resolvendo os problemas e os desafios
colocados pela vida social, de forma autônoma.
Segundo Morin (1996), a sociedade está desarmada para a compreensão das
realidades complexas, porque ao homem foi dada uma educação que lhe ensinou a
fragmentar a realidade, ver os fenômenos isolados, fraturar e separar as coisas. O homem
20
pensa que pode compreender os fenômenos retirando-os de seu contexto,
compartimentando-os em disciplinas.
Logo, entende-se que quando o conhecimento é associado ao contexto social, está se
desvendando a realidade, respaldando-a para uma escola da vida dos tempos modernos.
Nos novos paradigmas para a educação inclusiva, não basta criar espaços,
oportunidades e tecnologias de formação de educadores.
Construir uma educação capaz de ligar os conhecimentos às práticas sociais, orientada
para a construção da cidadania, da autonomia e para a democracia, são aprendizados
necessários aos educadores da atualidade e defendido pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (2001, v. I).
Perrenoud (2005) destaca que existem competências que podem ser trabalhadas para
auxiliar o professor em seu trabalho tornando o cada vez mais profissional. Dentre as dez
citadas está a de conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação, ou seja, “criar
uma organização do trabalho e dos dispositivos didáticos que coloquem cada um dos alunos
em uma situação ótima, priorizando aqueles que têm mais a aprender” (p. 55). O autor
também destaca outras competências como organizar e dirigir as situações de
aprendizagem, trabalhar em equipe, utilizar novas tecnologias, administrar sua própria
formação contínua etc.
Ainda podemos afirmar que cabe ao educador analisar sua prática pedagógica, que é
uma fonte de informação riquíssima e pertinente, quando o objetivo proposto é sua mudança
de postura; identificar os sucessos significativos de ensino-aprendizagem aos quais sua
prática atual o conduz; verificar as regularidades de suas ações docentes e suas
contradições. Questionar-se sobre quais formas de trabalho são mais satisfatórias e levam
os alunos a construírem conhecimentos novos, ou mesmo, que relações existem entre o que
sustenta na teoria e o que efetivamente realiza na prática.
O tratamento das questões relativas ao ensino dos portadores de deficiências na
formação geral dos educadores eliminaria, em grande parte, os obstáculos que se interpõem
entre a escola regular e esses alunos. A formação única para todos os educadores
propiciaria a tão esperada fusão entre a Educação Especial e a regular, nos sistemas
escolares.
A ação do professor, tanto no que se refere ao seu planejamento, como a sua atuação
efetiva na vivência de sala de aula, é determinada pelo seu jeito de pensar a vida, pela sua
visão de mundo, pela leitura que faz da sociedade, da educação, do ensino, do seu papel no
trabalho, de si mesmo enquanto cidadão, de seu compromisso com o aluno, da relação
professor/aluno. Todas essas idéias, essas concepções, constituem uma verdadeira teoria
pessoal, subjetiva, particular, resultado da história de vida de cada um.
Conforme lembra Porter (1997, p. 18):
21
A escola inclusiva não deve ser considerada em termos de alunos deficientes, mas sim, em termos de como é possível desenvolver a prática dos professores enquanto profissionais da educação, num esforço por uma educação de qualidade a todos.
Uma das principais transformações que se apresenta hoje é a necessidade de
constante atualização para os profissionais de diferentes áreas, o que impõe novos desafios
à educação. Essa nova função exige um professor atualizado, que repense suas funções e
competências, redimensione sua relação com o saber e com a cultura deste mundo que se
apresenta tão complexo.
Se estas competências forem levadas em conta, muitas coisas poderão mudar no
sistema educativo atual. Porém, a maior parte delas não está ao alcance dos próprios
profissionais do ensino. São aquelas que têm a ver com as decisões legislativas, os
investimentos em recursos materiais e humanos, os planos de formação, as condições de
trabalho, as condições sociais em geral, etc. Outras estão relacionadas às pessoas
envolvidas mais diretamente na prática, ao seu saber, à sua predisposição e à sua atitude.
Neste contexto, vale ressaltar que a formação dos professores é apontada como um
elemento-chave para a melhoria da educação. Trata-se de repensar o sistema educativo
como um todo, de se atrever a ensaiar outras formas de entender os contextos nos quais se
ensina e se aprende. Como diz Libâneo:
As tentativas de mudanças pedagógicas têm centrado a inovação educacional na reforma de métodos, técnicas e programas, deixando intocadas as práticas, a estrutura da instituição, as relações escolares, as posturas profissionais, os tempos e espaços onde se processa a educação. (2003, p. 25).
Mudar essa tradição implica, realmente, dirigir o foco para os múltiplos e diversos locais
em que acontece o processo educacional num sentido de aventura à permanente
necessidade de descobrir/redescobrir os significados do mundo em que se vive.
Morin (1996) afirma: “É preciso educar para um futuro viável”. O pensamento deste
autor desvela a face ética do projeto humano de construir alternativas para uma
sobrevivência fraterna, onde torna-se desafiador em educação construir, através de
processos educativos, formas igualitárias, solidárias e plurais de convivência entre os
homens. Apresentar essa postura não significa opor-se à visão tradicional, mas fazê-lo de
maneira comprometida, como quem deseja realmente construir algo para a constituição do
“sujeito”.
Então, a escola, como uma instituição voltada para a informação, o conhecimento e a
formação, poderia e deveria ser um espaço que se preocupasse em tornar os alunos mais
solidários e cooperativos, preocupados com o próximo. Assim entendida, ela representaria
22
um lugar favorável a que todos que a procurarem, possam ser bem-vindos para colaborar no
trabalho realizado.
Cada um deveria fazer parte do seu contexto como um membro valorizado e, por sua
vez, alunos e profissionais deveriam apoiar-se mutuamente, como aprendizes ativos,
dinâmicos e recíprocos. Isso porque a educação processa-se e acontece no contato entre
seres humanos, de maneira que as potencialidades, facilidades e dificuldades de cada um
moldam a extensão e o grau do desenvolvimento humano. Daí a importância de se acreditar
nas possibilidades de todas as pessoas, sem distinção; quer no aspecto educacional, no
político ou social, como acontece com as amizades (Bishop et al apud Stainback &
Stainback, 1999).
O ser humano, em geral, tende a pensar que a pessoa portadora de alguma deficiência
não precisa aprender, não precisa formar-se nem se informar. Mas o professor precisa olhar
o aluno com olhos de que este tem capacidade de absorver conhecimentos, de aprender; de
que ele é capaz.
É necessário repensar o significado da prática pedagógica, a fim de tentar evitar os
erros do passado, quando alunos portadores de deficiência eram deixados à margem da
sociedade. É missão da escola garantir a essas crianças apoio e incentivo para que sejam
participantes e colaboradores na planificação e no bem-estar desse novo tipo de sociedade,
porque o valor social da igualdade é consistente e pertinente com a prática do ensino de
qualidade para todos.
Como toda inovação, a inclusão implica em mudanças de paradigmas, de conceitos e
posições, que fogem às regras tradicionais do jogo educacional, ainda fortemente calcadas
na linearidade do pensamento, no primado do racional e da instrução, na transmissão dos
conteúdos curriculares, na seriação dos níveis de ensino.
Entre outras inovações, a inclusão implica também a fusão do ensino regular com o
especial e em opções alternativas/aumentativas da qualidade de ensino para os aprendizes
em geral.
A dignidade, os direitos individuais e coletivos garantidos pela Constituição Federal de
1988 impõem às autoridades e à sociedade brasileira a obrigatoriedade de efetivar essa
política, como um direito público subjetivo, para o qual os recursos humanos e materiais
devem ser canalizados, atingindo, necessariamente, toda a educação básica.
No entanto, contrariando o preceito constitucional “a educação, direito de todos”, uma
grande parcela da população ainda se encontra fora da escola e quando consegue nela
ingressar, defronta-se com a repetência, a evasão e a marginalidade escolar.
As escolas ainda resistem muito à inclusão, no sentido pleno e total, que engloba todos
os alunos, sem exceção, entre os quais os que são ou estão mais severamente
prejudicados. Mas há muitas que já estão aderindo à idéia e modificando seus
23
procedimentos, incrementando seus projetos de ação, aprimorando o trabalho suas equipes
pedagógicas para, incondicionalmente, incluir a todos os aprendizes em suas salas de
aulas, porque é justo e desejável agir assim.
A educação tem hoje um grande desafio: garantir o acesso aos conteúdos básicos que
a escolarização deve proporcionar a todos os indivíduos – inclusive àqueles com
necessidades educacionais especiais.
Ao longo desse trabalho, verificamos a necessidade de se reestruturar os sistemas de
ensino, que devem organizar-se para dar respostas às necessidades educacionais de todos
os alunos. Aos poucos estão surgindo novas mentalidades, cujos resultados deverão ser
alcançados pelo esforço de todos, no reconhecimento dos direitos dos cidadãos. Esse
direito pode ser alcançado por meio da continuidade de implementação da política nacional
para a educação especial.
Conclui-se que para que as escolas sejam verdadeiramente inclusivas, ou seja, abertas
à diversidade, há que se reverter o modo de pensar, e de fazer educação nas salas de aula,
de planejar e de avaliar o ensino e de formar e aperfeiçoar o professor, especialmente os
que atuam no ensino fundamental.
2.3 O Portador de Deficiência Visual: Algumas Possibilidades Dentro do Espaço Escolar
Diante do contexto da inclusão vemos na educação o processo em que portadores de
deficiência visual freqüentam as salas de aula do ensino regular junto às demais crianças. O
professor por sua vez, dentro de uma proposta inclusiva, deve valorizar o espaço
heterogêneo, as particularidades, as potencialidades de cada um. No entanto, faz-se
necessário um conhecimento mais específico que facilitará o trabalho do professor no
tocante às adaptações necessárias para auxiliar na aprendizagem desse aluno.
Sabe-se que a visão tem ocupado posição nobre no que se refere à percepção do
mundo. É através dela, principalmente, que se pode identificar as coisas que estão à sua
volta e se relacionar com outras pessoas. É o sentido de maior destaque na realidade, pois
“Imagem é tudo, sede não é nada”. No entanto, nem todos podem usufruir dos benefícios
que a visão pode proporcionar, e a estes são denominados portadores de deficiência visual.
O Professor do Instituto Benjamin Constant (o mesmo Imperial Instituto dos Meninos
Cegos fundado em 12 de Setembro de 1854) Antônio João Menescal Conde2, descreve na
página do Instituto na internet que
2 Disponível em: http://www.ibc.gov.br/?itemid=94#more
24
Diversamente do que poderíamos supor, o termo cegueira não é absoluto, pois reúne indivíduos com vários graus de visão residual. Ela não significa, necessariamente, total incapacidade para ver, mas, isso sim, prejuízo dessa aptidão a níveis incapacitantes para o exercício de tarefas rotineiras. Falamos em ‘cegueira parcial’ (também dita LEGAL ou PROFISSIONAL). Nessa categoria estão os indivíduos apenas capazes de CONTAR DEDOS a curta distância e os que só PERCEBEM VULTOS. Mais próximos da cegueira total, estão os indivíduos que só têm PERCEPÇÃO e PROJEÇÃO LUMINOSAS. No primeiro caso, há apenas a distinção entre claro e escuro; no segundo (projeção) o indivíduo é capaz de identificar também a direção de onde provém a luz. A cegueira total ou simplesmente AMAUROSE, pressupões a completa perda de visão. A visão é nula, isto é, nem a percepção luminosa está presente. No jargão oftalmológico, usa-se a expressão ‘visão zero’. Uma pessoa é considerada cega se corresponde a um dos critérios seguintes: a visão corrigida do melhor de seus olhos é de 20/200 ou menos, isto é, se ela pode ver a 20 pés (6 metros) o que uma pessoa de visão normal pode ver a 200 pés (60 metros), ou se o diâmetro mais largo de seu campo visual subentende um arco não maior de 20 graus, ainda que sua acuidade visual nesse estreito campo possa ser superior a 20/200. Esse campo visual restrito é muitas vezes chamado “visão em túnel” ou “em ponta de alfinete”, e a essas definições chamam alguns de “cegueira legal” ou “cegueira econômica”. Nesse contexto, caracteriza-se como portador de visão subnormal aquele que possui acuidade visual de 6/60 e 18/60 (escala métrica) e/ou um campo visual entre 20 e 50º. Pedagogicamente, delimita-se como cego aquele que, mesmo possuindo visão subnormal, necessita de instrução em Braille (sistema de escrita por pontos em relevo) e como portador de visão subnormal aquele que lê tipos impressos ampliados ou com o auxílio de potentes ópticos.
Segundo Sá (2007, p. 15),
A cegueira é uma alteração grave ou total de uma ou mais das funções elementares da visão que afeta de modo irremediável a capacidade de perceber cor, tamanho, distância, forma, posição ou movimento em um campo mais ou menos abrangente. Pode ocorrer desde o nascimento (cegueira congênita), ou posteriormente (cegueira adventícia, usualmente conhecida como adquirida) em decorrência de causas orgânicas ou acidentais. Em alguns casos, a cegueira pode associar-se à perda da audição (surdocegueira) ou a outras deficiências.
Assim, independente das origens, o fato é que o portador de deficiência visual perde
seu ponto de assimilação, ou se puder usá-lo é de forma muito restrita. A partir disso, passa
a “enxergar” a partir do que toca, pois utilizará as mãos para tornar menos árduo as
dificuldades oriundas dessa falta sensorial. Não que haja uma substituição da visão pelo
tato, mas sim, por força da necessidade desenvolvem mais a audição, o tato, o olfato e o
paladar.
A autora ainda destaca que a formação de conceitos, as representações mentais, a
comunicação e a estética são adquiridos por meio de impressões, sensações e vibrações
25
detectadas pelo indivíduo e interpretadas pelo cérebro em importantes informações. Assim
como as pessoas que enxergam, os portadores de deficiência visual ...desenvolvem processos particulares de codificação e a habilidade para compreender, interpretar e assimilar a informação será ampliada de acordo com a pluralidade das experiências, a variedade e qualidade do material, a clareza, a simplicidade e a forma como o comportamento exploratório é estimulado e desenvolvido. (SÁ, 2007, p.16)
Apesar de possuir uma restrição que impõe certos limites, o portador de deficiência
visual pode ter uma vida tão agitada quanto a de uma pessoa que enxerga, desde que
consiga interagir com os indivíduos a sua volta. Como qualquer outra pessoa, tem condições
de estudar, trabalhar, namorar, passear, dentre outras tantas atividades que fazem parte da
rotina de qualquer um.
Quando o aluno recebe atendimento especializado como no caso da aluna à qual faz
parte do relato de caso dessa pesquisa, recebe orientações conhecidas como Atividades de
Vida Diária ou “AVD” que são fundamentais para o convívio social e que se referem a
atividades de vida diária, orientação e mobilidade. Gil (2000, p. 11) afirma que O Programa de Atividades da Vida Diária é uma preparação para a vida; capacita para o prazer da autosuficiência, liberta da ajuda e da proteção excessivas e motiva para o crescimento pessoal, por meio de atitudes e valores positivos.
Desde quando nascem as crianças que enxergam, por meio da observação, aprendem
diversas atividades do dia-a-dia como guardar os brinquedos, arrumar a cama, organizar
seus objetos pessoais, auxiliar a mãe ou o pai em algumas tarefas domésticas etc. Aos
portadores de deficiência visual é preciso possibilitar essas mesmas experiências. Gil (2000,
p. 11) afirma que A independência alcançada graças a um bom programa de Atividades da Vida Diária vai muito além das necessidades pessoais básicas, como higiene, alimentação, hábitos à mesa e etiqueta, cuidados com a casa e atividades sociais. Significa desenvolvimento da autoconfiança e valorização das próprias capacidades, aquisição de naturalidade, eficiência e desenvoltura no universo social e uma atitude que favorece a conscientização da sociedade em relação às potencialidades do portador de deficiência.
É por meio do desenvolvimento de orientações como estas que o portador de
deficiência visual alcança autonomia e segurança para desfrutar de seu direito mais valioso:
a vida em sociedade.
Além da AVD, os institutos, associações ou escolas especiais oferecem “instruções”
sobre orientação e mobilidade. WEISHALN (apud Mazzaro, 2003, p. 17) define orientação
como “o processo de utilizar os sentidos remanescentes para estabelecer a própria posição
e o relacionamento com outros objetos significativos no meio ambiente”. E para mobilidade o
26
autor define em “a habilidade de locomover-se com segurança, eficiência e conforto no meio
ambiente, através da utilização dos sentidos remanescentes” (p. 18).
Mazzaro (2003) afirma que para esta aprendizagem os alunos precisam passar pelas
seguintes fases da percepção, análise, seleção, planejamento e execução. Essas fases
referem-se estritamente ao ambiente e a relação com o corpo do indivíduo, isto é, perceber
o ambiente, analisar, selecionar os elementos que correspondem com suas necessidades,
planejar o alcance de seus objetivos a partir dos dados anteriores e finalmente executar a
ação. O autor também ressalta que é de extrema importância que o aluno reconheça o local
para ter a oportunidade de escolher seus próprios caminhos.
Em uma escola por exemplo, é de grande importância que a criança conheça todo o
ambiente escolar, e que os objetos possam permanecer sempre no mesmo local para que a
criança elabore seu “mapa mental”, pois isso facilita sua locomoção.
Garcia (apud Masi, 2003) afirma que a criança portadora de deficiência visual tem poucas
oportunidades de conhecer o próprio corpo e o ambiente a sua volta. Masi (2003) descreve
que é importante os programas de atendimento aplicarem atividades em que os indivíduos
possam conhecer melhor seus corpos.
Diante disso, nas atividades das disciplinas de Artes ou de Educação Física por exemplo,
os professores podem explorar as atividades de forma que os alunos possam se conhecer
fisicamente, saber de seus limites, da capacidade de seus corpos etc.
Uma aspecto de grande relevância é a proteção às mãos da criança, pois elas não são
apenas apoio, mas auxiliares para contato com o mundo. A autora também ressalta que é
de extrema importância que o aluno reconheça o local para ter a liberdade de escolher seus
próprios caminhos.
Lora (2003, p. 61) afirma As pessoas cegas obtêm muitas informações para sua orientação pelas mãos tocando os objetos e os transformando em pontos de referência. A bengala longa nas técnicas de Hoover, se transforma em extensão do dedo indicador para sondar tatilmente a superfície. Os pés percebem pontos de referência quando pisam diferentes tipos de texturas, como a grama, pedregulhos, lajotas, areia, asfalto e outros.
Neste sentido, torna-se de grande importância o uso de pisos rugosos para indicar
acessos, degraus ou rampas, pois além de facilitar a localização de ambientes para os
portadores de deficiência visual, reduzem os riscos de quedas.
Outra importante contribuição da autora refere-se ao uso do sol para orientação. Os receptores térmicos na pele fornecem indicações de orientação, pela indicação dos pontos cardeais. Pela manhã, o sol (calor) incidindo na face ou parte anterior do corpo, indica à pessoa cega que está se dirigindo para o leste; na parte de trás da cabeça e nas costas, para o oeste. Desta forma, o uso do sol como referência possibilita rápida verificação de uma possível troca de direção e a correção imediata da mesma.
27
A autora complementa com Suterko (apud Lora 2003, p. 61) que
chama a atenção dos professores para que os alunos cegos utilizem essas indicações e se mantenham orientados na escola, durante o recreio para preservarem sua independência na mobilidade. A percepção do calor e frio fornecida por lugares ensolarados ou não poderá ajudar a criança cega a identificar sombras de árvores e do prédio escolar, perceber sua aproximação do objetivo que deseja atingir, fornecendo pistas seguras e confiáveis.
Procurou-se citar nesta pesquisa alguns aspectos importantes que podem ou devem ser
trabalhados nas escolas de forma que os alunos portadores de deficiência visual alcancem
cada vez mais autonomia e segurança.
Além das contribuições citadas, podem ser encontradas outras mais complexas e de
grande importância em diversas bibliografias disponíveis pelo site do Ministério da
Educação, como a de, Garcia (2003) que traz diversas técnicas sobre orientação e
mobilidade.
Pensando nas dificuldades do professor para atender o aluno portador de deficiência,
encontramos algumas sugestões da equipe de profissionais da Universidade de São Paulo,
que podem facilitar a relação ensino aprendizagem desses alunos, tais como:
• Encaminhar com antecedência a bibliografia que será utilizada no curso à biblioteca de sua unidade, para que esta providencie a aquisição dos livros e sua devida adaptação;
• O comportamento ideal do professor inclui agir com naturalidade, sem exceder na proteção dada ao aluno ou, no extremo oposto, ignorá-lo;
• Oferecer cópia do material de projeções visuais usado em sala; • Produzir e disponibilizar material em base virtual (internet, disquetes e
outros); • Permitir que suas aulas sejam gravadas; • Disponibilizar um horário de atendimento individual. • Permitir um tempo extra para entrega de trabalhos e na realização de
provas; • Comunicar as instruções gerais oralmente e por escrito; • Oferecer avaliações adequadas às diferentes deficiências, como
provas orais, em letra ampliada ou em braile; • Permitir a utilização de microcomputador para alunos
cegos,tetraplégicos e com paralisias cerebrais; • Adotar para alunos surdos ou com deficiência auditiva outros
mecanismos de avaliação de sua linguagem, levando em consideração as dificuldades resultantes de sua limitação e, nas provas discursivas e de redação valorizar o aspecto semântico do texto sobre o aspecto formal.
• Fornecer ao aluno, com antecedência, textos e livros da bibliografia do curso, para que sejam adequados (em braile, digitação, ampliação, gravação em áudio e outros) conforme necessário;
• Ler em voz alta o conteúdo de projeções visuais e anotações de lousa;
• Descrever imagens, tabelas e gráficos; • Utilizar gráficos e tabelas em relevo ou, sempre que possível,
substituí-los por outro meio de informação;
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• Palavras tabu como “ver” e “olhar” podem ser ditas sem preocupação. (GARCIA, [2005, ?])
Essas ações não significam que o aluno é integrado como afirma Mantoan. Mas são
apenas sugestões que podem facilitar e estimular o desenvolvimento global do aluno. Além
disso, são técnicas simples que podem ser desenvolvidas desde o ambiente em sala de
aula, até nos momentos de descontração do aluno.
Algumas orientações servem até para que escolas com filosofia inclusiva busquem
alternativas de adaptações físicas/prediais para atender com qualidade a todos que a ela
freqüentar.
29
3. RELATO DE CASO
Para que uma determinada concepção torne-se realidade, é preciso que a ideologia
trilhe caminhos que muitas vezes são longos e complexos. Assim, faz-se necessário
conhecer a procedência do relato de caso, que partiu de um projeto oriundo de projetos
maiores, como veremos a seguir.
Fruto da iniciativa do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de 1932 (Saviani,
1999 e Didonet, 2001), o Plano Nacional de Educação aprovado em 09 de janeiro de 2001,
determina que os estados e municípios elaborem seus planos de educação correspondentes
ao plano de educação da União, expressando suas diretrizes, objetivos e metas.
Logo, a educação em todo território nacional está organizada de acordo com diretrizes e
metas gerais, estabelecidas para orientar a formação básica comum a ser assegurada a
toda a população do país. Essas diretrizes traduzem-se em políticas de atendimento e de
funcionamento do sistema escolar, conforme as possibilidades de cada realidade. Assim,
acredita-se que cada prefeitura define seu plano municipal considerando o contexto, limites,
recursos e realidade para definir seus objetivos e metas educacionais, o que lhes dão
caráter único e exclusivo.
Um dos documentos sobre o Plano Municipal de Educação na cidade de Itatiba/SP é a
Pasta de Projetos em vigor no município. Nessa pasta, antes da apresentação dos projetos
encontramos a Diretriz Pedagógica da Secretaria da Educação e o Marco Referencial. Este
último, conhecido também como “Missão” foi elaborado com os diretores das escolas e os
supervisores, e diz: A sociedade que idealizamos precisa ser justa, democrática, solidária,
igualitária, que priorize o respeito à diversidade, às diferenças e à liberdade de ação consciente, resgatando a ética e a cidadania. Para tanto, ela precisa ser um local de oportunidades para dialogar, debater, aprender, compartilhar, refletir, e argumentar além de se “muro”, ou seja, uma escola viva, autônoma, com currículos integrados que não exclua, nem classifique o indivíduo.
Assim, essa escola poderá participar na formação de um ser humano crítico e criativo; ético e solidário; participativo e responsável; feliz e realizado, que tenha sede de saber e desejo de transformação.
Sejamos todos construtores de uma escola pública de qualidade!
Uma proposta educativa que concorde com o ideal de “Missão” consideraria como a
verdadeira aprendizagem, aquela em que os homens procurem a autonomia, e a sala de
aula, deve funcionar como meio educacional que favoreça o ‘senso de comunidade’ que é
uma pré-condição para participar ativamente numa sociedade democrática. Essa
comunidade deve cultivar as habilidades do diálogo e este deve ser estabelecido em
colaboração e participação de todos os envolvidos no processo educacional, o que sugere o
trabalho com projetos.
30
Sobre a aprendizagem por meio de projetos, Wekerlin Filho (2001, p. 20) diz O método de projetos é geralmente considerado um meio pelo qual os estudantes podem desenvolver independência e responsabilidade, prática social e modos democráticos de comportamento. É um produto genuíno do movimento da educação progressiva americana. Essa defende o experimentalismo; o apelo aos interesses dos alunos; a ligação da educação aos objetivos pragmáticos e práticos; o reconhecimento de diferenças individuais no ritmo de aprendizagem e a necessidade de ser um ato intencional e à procura de várias respostas sobre um mesmo tema. Foi descrito em detalhes e delimitado, pela primeira vez, por KILPATRICK (1918), em seu ensaio O Método de Projeto.
A Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº. 9.394/96) prevê que a interdisciplinaridade e a
contextualização dos conteúdos para a formação integral dos alunos, além do trabalho
diversificado. Baseadas nesses ideais, as Diretrizes do município fundamentam o trabalho
com projetos pautados no “aprendizado profundo”, e no “ensino de qualidade”.
Os projetos foram divididos em programas temáticos, e dentro desses programas,
projetos menores que o sustentam, como o Programa de Educação Inclusiva:
− Projeto PEAL – Projeto de Estimulação ao Aluno
− Projeto Reencontro
− Projeto Aprendiz
− Projeto Deficiência Visual
− Projeto Monitoria Educacional
− Projeto de Formação Continuada em Educação Inclusiva
− Projeto Papo com Pais
− Tecnologia Assistida
− Projeto Travessia
− Projeto Atendimento em Equoterapia
O município conta com vinte e sete escolas municipais/municipalizadas de Ensino
Fundamental, porém os projetos não acontecem em todas as escolas, mas conforme a
necessidade da comunidade detectada pela equipe escolar, acrescida de solicitação na
Secretaria de Educação. E assim que se consegue a realização do projeto, a escola passa a
ser responsável desde a divulgação até a promoção do projeto, porém, os materiais
didáticos necessários para as oficinas dos projetos são fornecidos pela Secretaria da
Educação. A avaliação e acompanhamento dos projetos são feitos pelos supervisores
municipais responsáveis pelas unidades escolares.
Os programas contam com o apoio de algumas instituições ou secretarias da cidade,
tais como: Secretaria da Saúde, Instituto Esporte Educação, Secretaria da Cultura, Esportes
e Turismo, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), Instituto Phala (Centro
31
de Desenvolvimento para o Surdo), Instituto Jundiaiense Luiz Braille, FAFE-USP (Fundação
de Apoio à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo) e Centro Qualivida.
Especificamente quanto ao atendimento das pessoas com deficiências, a Lei de
Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96, Art. 4º, III) propõe “o atendimento educacional
especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na
rede regular de ensino”, e prevê, pela primeira vez na história da educação brasileira, a
existência de serviços de apoio especializado na escola regular (art. 58, § 1º), abrindo a
possibilidade ao atendimento em classes, escolas ou serviços especializados, quando não
for possível a integração em classe comum. Além disso, cabe ressaltar que o Plano nacional
de Educação citado anteriormente e a própria LDB advém do Plano Decenal de Educação
Para Todos elaborado em 1993 (DIDONET, 2001).
A Secretaria da Educação conta com uma equipe técnica formada por duas assistentes
sociais, uma fisioterapeuta, uma fonoaudióloga, três psicólogas e uma pedagoga
especializada em Educação Especial. Essa equipe trabalha para fazer com que alunos com
dificuldades de aprendizagem, distúrbios de aprendizagem e necessidades pedagógicas
especiais não fiquem em desvantagem com relação aos outros alunos, por falta, inexistência
ou deficiência de algum membro físico ou sentido.
Dentre os objetivos estipulados a esta equipe encontram-se: mapear as
necessidades educacionais especiais presentes na rede municipal; identificar apoios,
ajustes e respostas educacionais que esses alunos requerem; implementar estas respostas
com ajustes e adaptações curriculares; sugerir adaptações; levantar novos recursos
materiais; manter convênios e parcerias; definir sistema de formação continuada para
professores, coordenadores, diretores, monitoras e especialistas; orientar as escolas na
inclusão dos alunos; organizar encontros com os pais; avaliar ou encaminhar alunos para
outras instituições quando necessário; e participar de cursos, palestras e capacitações.
Além desta equipe técnica, a Secretaria da Educação conta ainda com inúmeros
profissionais que sustentam os diversos projetos do programa. Todos os esforços são
concentrados de forma que possam oferecer ao aluno condições para que consiga viver e
atuar na sociedade. Para os alunos com distúrbios ou dificuldades de aprendizagem, por
exemplo, no período sem da aula, em determinados dias da semana, uma profissional com
objetivos específicos sobre suas ações vai até à escola e administra atividades a esses
alunos, de forma que possam evoluir na aprendizagem.
Os alunos com dificuldades, problemas graves com a visão, ou cegos, possuem
auxílio do Instituto Luiz Braille de Jundiaí/SP. Neste instituto recebem noções de mobilidade,
leitura e escrita no sistema Braille, psicoterapia etc., mas com respaldo da parceria escola-
instituto para um trabalho consistente. Os alunos com surdez contam com aulas de Libras
(Língua Brasileira de Sinais) no Instituto Phala de Itatiba, e para os alunos com alguma
32
deficiência física, inúmeras adaptações já foram realizadas, dentre elas, a compra de um
elevador para uma das escolas da rede, com tendência para estender a outras unidades.
Além desse apoio, a Secretaria da Educação também investiu nos recursos humanos
para esses alunos. Além das capacitações oferecidas aos professores, estagiárias de curso
de Pedagogia (de qualquer instituição e sob processo seletivo) assumem o posto de
monitoras e trabalham dentro das salas de aula, em parceria com as professoras, para que
o aluno consiga a atenção necessária à sua aprendizagem. Essas monitoras também
participam das capacitações e recebem orientações da equipe técnica da Secretaria da
Educação.
No ano de 2006, cursando Pedagogia na Universidade São Francisco, fui informada
do processo seletivo e resolvi participar. O processo foi realizado por entrevista pela Oficina
Pedagógica, com a especialista em Educação Especial. Após a comprovação dos dados
sobre a graduação e interesse da monitora, foi disponibilizada uma lista de alunos e escolas
às quais eles pertenciam, de forma que cada monitora pudesse escolher seu destino.
Dentre esses alunos, havia uma menina de onze anos, portadora de deficiência
visual, que estudava na periferia da cidade. A princípio, por falta de formação e total
desconhecimento, relutei em fazer a escolha, porém, a especialista me incentivou em
aceitar a aluna com o argumento de que seria uma experiência enriquecedora. O que de
fato aconteceu.
Recebi alguns textos como ponto de partida para o trabalho: “Dicas de como lidar
com uma pessoa cega”, “Como ajudar a criança deficiente visual a se sentir confortável em
minha sala?”, o alfabeto no sistema Braille e algumas folhas para a prática de escrita no
sistema. A orientação para todas as monitoras seria fazer com que o aluno compreendesse
o conteúdo dado pela professora, por meio da adaptação das atividades para cada caso em
específico. No caso da deficiência visual, o trabalho da monitora seria transcrever as
atividades para o sistema Braille e fazer todos os ajustes de forma que o aluno conseguisse
ler e compreender, porém, não havia na Oficina Pedagógica orientador para explicar o uso e
as regras do sistema Braille, e a aprendizagem seria por meio da prática.
A especialista também informou que haveria reuniões de capacitação com
especialistas nas principais áreas de deficiência (visual, auditiva, mental e física), por meio
de uma parceria entre a Prefeitura de Itatiba e a Fundação de Apoio à Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo (FAFE-USF). A capacitação em deficiência visual
objetivava o esclarecimento de dúvidas, a aprendizagem sobre as especificidades da
deficiência, as adaptações possíveis e necessárias dentro do espaço escolar, a atuação do
professor frente à inclusão etc. Além dessas reuniões, a especialista responsável faria
visitas nas escolas buscando conhecer o contexto do aluno e as dificuldades encontradas
33
por aluno/professor, aluno/aluno, aluno/espaço escolar (físico); equipe escolar/professor;
equipe escolar/aluno etc.
Além de professores e monitoras, a equipe gestora da escola também participava
dessa capacitação para que todo o processo ocorresse de forma coletiva, com base na
colaboração e cooperação.
Assim, em 16 de fevereiro de 2006, fui até a escola onde a aluna estudava, e fiz o
primeiro contato com uma pessoa com deficiência visual. As expectativas e inquietações
sobre o processo ficaram evidentes tanto para a aluna como para a monitora. A escola
localiza-se na zona suburbana da cidade e o prédio é relativamente novo. O terreno é um
grande espaço, e a escola já possuía alguns recursos “inclusivos” como a rampa para
portadores de deficiência física e banheiros também apropriados. A respeito de materiais
pedagógicos específicos, a escola dispunha apenas de uma máquina para escrita em
Braille, emprestada do Instituto Jundiaiense Louis Braille de Jundiaí.
O pátio da escola era grande e com poucos elementos. Ao entrar pelo portão
principal da escola, se encontrava a secretaria do lado direito e do lado esquerdo, o corredor
que levava à sala da coordenação pedagógica e à direção. Mais adiante, havia a biblioteca
e a sala de vídeo do lado direito, e do lado esquerdo, um laboratório e uma sala para
reuniões. Este pequeno corredor levava-nos ao pátio da escola.
O pátio era grande e espaçoso, sendo que do lado direito havia um palco para
apresentações, e atrás deste, ficava um dos portões de saída, a sala de informática, uma
pequena sala onde guardavam-se alguns materiais usados em oficinas de capacitação,
sanitários, a sala dos professores e também, um pequeno bar, onde as crianças compravam
doces e salgados no intervalo.
Do lado esquerdo ficavam algumas mesas para a merenda, a cantina da escola, os
sanitários dos alunos e a sala de inspeção. As salas de aulas estavam distribuídas em dois
andares e o acesso era garantido por uma rampa larga. Toda essa descrição faz-se
necessária para que o leitor possa, posteriormente, compreender as necessidades da aluna
sobre sua movimentação pela unidade escolar. Não havia nenhuma sinalização que
pudesse lhe auxiliar sobre o espaço e sua localização. A sala da aluna, por exemplo, estava
localizada no piso superior, no final da rampa e do seu lado direito. Era a primeira sala do
corredor direito.
No momento em que cheguei na escola, percebi o tamanho daquele espaço e me
preocupei com a movimentação da aluna. Quando a avistei, percebi que era uma aluna já
no início da adolescência, agitada, falante e que tinha muita disposição para qualquer
atividade. Permanecia sempre com os olhos fechados, e para me conhecer, apenas pegou
na minha mão, mas demonstrou satisfação em saber que teria alguém para auxiliá-la
durante a aprendizagem. Sorria muito e fez inúmeras perguntas pessoais, porém, em uma
34
pausa reflexiva, perguntou se eu conhecia o sistema Braille, e diante da resposta negativa,
sorriu novamente e disse que me ensinaria. Respondi que me esforçaria para ajudá-la.
Fazia uso de bengala para locomover-se, e aparentemente já dominava o instrumento.
A vice diretora me apresentou à professora responsável pela sala, e ela esclareceu
que também não tinha experiência e nem formação sobre o trabalho com deficientes visuais,
o que gerou a sensação de que ambas poderiam aprender juntas. Também afirmou que
precisava muito de alguém que pudesse “interpretar” as respostas das atividades da aluna
para corrigi-las, ou mesmos transcrevê-las para que a aluna tivesse acesso aos conteúdos.
Havia a possibilidade de enviar as produções e atividades para o Instituto Jundiaiense Luis
Braille, mas o tempo de retorno era demasiado grande, o que dificultava o trabalho e a
aprendizagem. Por meio dessa expectativa podia-se perceber a necessidade de formação
para atender professor-aluno.
A professora afirmou que a aluna sempre freqüentou escolas públicas desde a
educação infantil, e que aquele seria o segundo ano que ela teria um recurso humano como
ajuda. Também informou que a deficiência da menina era congênita, por uma herança
genética, e que médicos e especialistas já haviam diagnosticado como sem possibilidades
de cura. No entanto, em relação ao aspecto cognitivo, não apresentava qualquer fator que
comprometesse sua aprendizagem, aliás, se desenvolvia com facilidade e se destacava
entre os demais, principalmente com relação à argumentação.
Para eliminar as idéias de favoritismos ou exclusão e facilitar o trabalho com a
professora, a Doutora Nelly orientou-nos que eu seria apresentada como auxiliar de todos
os alunos, pois assim, o sentido da inclusão seria mais amplo e significativo. Assim fizemos.
Notei que para ir até a sala de aula, a aluna se apoiava em algum colega da classe.
Na sala de aula, conversava com todos os alunos e pedia ajuda quando não conseguia
chegar próximo a algo ou a alguém. Os alunos compreendiam que no intervalo por exemplo,
a aluna precisava de ajuda para localizar a mesa, para receber a merenda ou para encontrar
algum colega. E era auxiliada por eles.
Nos primeiros dias de trabalho foi necessária a observação detalhada de tudo o que
a aluna produzia em sala de aula, seu comportamento, suas dúvidas, e suas necessidades,
para com isso, saber quais suas potencialidades e suas dificuldades.
A aluna já dominava todos os símbolos do sistema Braille e não sentia dificuldade para
decifrá-los, porém, em seus textos ou pequenos escritos, era fácil a localização de erros de
ortografia, gramática, acentuação, pontuação etc. Sob a orientação da especialista, as
atividades do dia eram diferenciadas, isto é, uma parte, a monitora ditava o texto da lousa à
aluna enquanto ela digitava; outra parte, com o texto já digitado pela monitora, a aluna lia a
atividade, e as respostas eram anotadas também pela monitora, que por sua vez informava
a professora sobre as questões colocadas pela aluna, seus erros e dificuldades.
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Diante das dúvidas e dificuldades para compreender a leitura e escrita do sistema, a
equipe pedagógica da escola contatou o Instituto Jundiaiense Louis Braille, e uma pedagoga
visitou a escola e deu algumas orientações para auxiliar na produção dos textos e na leitura
deles.
Nas aulas de Língua Portuguesa os alunos deveriam aprender, além de interpretação e
construção de textos, a escrita correta das palavras, gramática, acentuação etc. Conforme
foram sendo transcritas as atividades, percebeu-se que a aluna escrevia como falava, o que
sugeria a falta de leitura. Pensando nisso, eu e a professora começamos a escolher textos
avaliando a faixa etária e o tipo de assunto, de modo que a leitura pudesse ser agradável e
instigante. Depois da escolha e utilizando uma reglete, eu transcrevia o texto para o sistema
Braille e aluna levava para casa para ler.
Na sala de aula, a professora criou a “Gincana Ortográfica” que consistia num grupo e
quatro integrantes para fazer uma atividade sobre um determinado conteúdo de Língua
Portuguesa. Cada grupo recebia uma única folha de atividade em que deveriam realizar
juntos. Eram orientados a decidir sobre cada uma das respostas a serem registradas. Cada
acerto tinha um valor de pontos que era contabilizado no final. Quando todos terminavam a
atividade, a professora recolhia as folhas e distribuía aleatoriamente aos grupos, cuidando
para que um grupo não pegasse sua mesma folha de atividade.
A correção da atividade era feita na lousa, e os alunos consultavam os dicionários para
conferir as respostas. Os grupos corrigiam as folhas que receberam de acordo com as
respostas pesquisadas e registradas na lousa. Após a correção, as folhas voltavam aos
grupos originais, os participantes contavam seus acertos e os pontos eram registrados em
um pôster que ficava fixado na parede da sala, com os nomes dos grupos.
Os alunos demonstravam grande interesse por essa atividade, e a aluna se interava no
grupo de tal forma, que todos discutiam as respostas e pediam sua opinião. Cabe ressaltar
que nem a professora nem a monitora interferiam nos grupos, e os alunos ficavam livres
para realizar a atividade da melhor forma que encontravam. Havia alguns atritos e
desacordos, no entanto, sempre eram orientados ao diálogo.
Ao praticar essa atividade, a aluna podia perceber, dentro de um grupo, seus erros
ortográficos por exemplo, e corrigi-lo por meio da comprovação de todos. Não havia
dicionário em Braille para a aluna, mas os integrantes do grupo a auxiliavam.
Outra medida para auxiliar a percepção de seus erros, era a utilização da carretilha de
costura (pequena peça circular, encabada e que ao rodar faz marcas pontilhadas em tecidos
ou papéis) como indica Mazzaro (2003). Quando a aluna terminava a atividade, seu texto
era transcrito e assim que localizada uma palavra com erro, essa era grifada com a
carretilha. O texto era devolvido à aluna, e informada da existência de palavras grifadas, a
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aluna relia o texto e corrigia com o auxílio do dicionário. A consulta a este era feita com o
auxilio da monitora que soletrava para que a aluna pudesse fazer a correção.
Alguns dicionários ficavam expostos em uma das mesas da sala para que os alunos
pudessem consultar e realizar as atividades.
Com este e outros métodos de trabalho, percebeu-se que a aluna refletia antes de
digitar, questionava determinadas palavras e observava quando alguém lia ou pronunciava
algo errado. A evolução da aluna era notável dia após dia.
Uma preocupação surgiu quando ao realizar os exercícios de matemática, a aluna
dispunha de um instrumento denominado “soroábaco”, que fora construído por uma
orientadora da Oficina Pedagógica da Secretaria de Educação. Este instrumento era
composto por uma base de madeira, dividido com vários arames paralelos; em cada um,
discorriam nove contas de plástico, muito parecido com o ábaco russo (Figura 1), porém, na
base de madeira estava colado uma base de EVA (Etil Vinil Acetato), para que houvesse
atrito na movimentação das contas, dificultando as possibilidades de erro.
Figura 1(Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81baco)
A professora da sala também desconhecia o instrumento e não tinha informações sobre
como a aluna fazia os cálculos. A aluna se queixava de não conseguir se lembrar de alguns
processos principalmente nas multiplicações e divisões. Diante dessas dificuldades, a
equipe pedagógica da escola solicitou à Oficina Pedagógica orientações para monitora e
professora sobre a utilização do instrumento. Assim, a orientadora técnica agendou algumas
visitas que foram fundamentais para que a aprendizagem da aluna fosse avaliada e
ganhasse novos desafios.
Na disciplina de Geografia encontramos dificuldades para fazer com que a aluna
compreendesse a extensão de territórios, os detalhes quanto a hidrografia em mapas, as
37
diferenças de vegetação etc. Tínhamos alguns materiais como um mapa do Brasil, em EVA,
ao qual os estados eram “montáveis”. Contudo, sentíamos que havia uma distância muito
grande entre o conceito e a realidade. Assim tentávamos fazer pequenas comparações para
induzir às grandes, como no caso das distâncias, que mostramos com régua no chão a
distância de um metro, para exemplificar quantas vezes seriam necessárias aquela distancia
para que a aluna chegasse até à sua casa, partindo da escola. Buscávamos sempre
mostrar, dentro do possível, que para se chegar a algo grande precisamos de pequenas
partes, com isso, os demais alunos também compreendiam melhor os conceitos.
Ainda na disciplina de Geografia, para complementar o trabalho com a sala, a
professora incluiu um filme brasileiro sobre a preservação do meio ambiente, em especial à
Amazônia. Surgiu a preocupação de saber como a aluna compreenderia o filme apenas por
ouvir os diálogos, e percebemos que as colegas que estavam sentadas ao lado da aluna,
falavam os detalhes da imagem, a ação do personagem etc. No final, compreendemos que
ela havia compreendido toda a história, mas não tinha idéia sobre como eram as cores ou
forma dos animais que foram apresentados no filme.
Já havia sido planejado no início do ano uma visita ao zoológico da cidade de
Sorocaba, interior de São Paulo. Novamente nos preocupamos em como transmitiríamos as
informações sobre o local de forma que ela pudesse entender o que era um leão, ou uma
onça; ou mesmo o tamanho de um elefante e a postura do macaco.
Chegando ao local, logo na entrada havia uma série de viveiros com diversas espécies
de pássaros, cujos piados deixaram a aluna excitadíssima e muito curiosa. Fez muitas
perguntas e queria tocar nos animais. Cada detalhe sobre a forma das penas, do bico, das
patas etc. eram descritos conforme ela perguntava. Sabíamos que ela não compreenderia
os contrastes entre as cores, mas tentávamos oferecer informações ao máximo para que ela
pudesse se interar com o ambiente.
Ao andarmos um pouco mais, encontramos uma local onde haviam animais
empalhados e algumas funcionárias que ofereciam oficinas sobre a vida e as
particularidades de alguns animais. Neste local, a aluna pode ter o contato físico com muitos
bichos, dentre eles, uma pequena onça.
Havia também um aquário com tartarugas marinhas que com a ajuda da funcionária, a
aluna pode pegar nas mãos. Sentiu estranheza, mas não teve medo. Dentro do local
também havia um esqueleto humano, e quando soube de sua existência, a aluna quis tocá-
lo. A funcionária do local se incumbiu de explicar e direcionou as mãos da aluna por todo o
esqueleto para que ela sentisse e percebesse os detalhes.
Ao sairmos do local sentimos que aquela visita foi fundamental para que ela
compreendesse tanto a necessidade de preservação, quanto os conteúdos das aulas de
Geografia e o filme que já havia sido trabalhado. Andar pelo zoológico depois da experiência
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que ela tivera foi mais tranqüilo, de forma que agora as informações tinham um maior
contexto, tinham uma referência ao menos para que ela entendesse o que era pêlo ou pena
por exemplo.
Em determinado momento, os alunos da sala que também foram à excursão sentaram-
se em um local gramado e começaram a brincar. Neste momento, deixamos que a aluna
ficasse apenas com eles, sem nossa intervenção e alertamos sobre os cuidados para que
não se machucassem. Os alunos a ensinaram virar cambalhota na grama, e a experiência
foi surpreendente.
A visita ao zoológico muito contribuiu para contextualizar os diversos conteúdos no
ensino de Geografia, mas também colaborou com o desenvolvimento social e emocional da
aluna.
Para o ensino de História, as aulas baseavam-se em discussões e em exemplos reais,
de forma que os alunos discutiam sobre os textos, sobre a versão apresentada, e eram
instigados a pensar sobre o fato sobre várias formas. Sobre o Descobrimento do Brasil, por
exemplo, foram questionados a pensar como os índios que aqui viviam, sobre a
catequização, sobre a imposição de costumes diferentes e sobre a escravidão. Todos
participavam das discussões.
Ainda para o ensino dessas duas últimas disciplinas, a professora propôs o trabalho
com o livro “Josefina e a criança que trabalha” (das autoras Cristina Porto, Iolanda Huzak e
Jô Azevedo, Editora Ática, 2004, 13ª edição). O livro é narrado pela personagem Josefina
que percorre o Brasil mostrando as crianças que trabalham nos mais variados contextos,
sob diversas formas. As crianças aceitaram e acabou tornando-se um projeto. O livro foi lido
em partes, em voz alta e também discutido com todos. Em todas as disciplinas, a professora
utilizava o livro para fazer comparações.
Em matemática, por exemplo, a atividade se referia à aprendizagem de medidas, logo,
no livro “Josefina” relata o trabalho dos meninos que colhiam laranjas. A medida utilizada no
livro para exemplificar a quantidade colhida, servia de exemplo ou de discussão para
determinadas situações problemas propostas aos alunos. Em Ciências foi discutido sobre o
carvão e sua utilização para o benefício dos seres vivos, além das condições de vida das
crianças. Em Língua Portuguesa algumas palavras para o ensino de ortografia e gramática,
eram as mesmas do livro.
A equipe gestora e os professores promoveram uma festa para o aniversário da escola,
com diversas oficinas e exposição de trabalhos dos alunos. A sala resolveu com a
professora fazer maquetes com materiais reciclados para expor o trabalho sobre o livro. Os
alunos reuniram-se em grupos e cada grupo se incumbiu de representar um tipo de trabalho
das crianças: meninos da laranja, meninos do carvão, meninos do sisal, meninos da cana-
de-açúcar etc.
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A aluna participou da construção da maquete e para dar forma aos objetos que ela
desejava construir os colegas da classe a auxiliaram e a maquete foi exposta causando
grande admiração aos visitantes.
Na disciplina de Artes, uma aula por semana era com a professora especialista, à qual
tinha restrições quanto ao ensino inclusivo, pois afirmava não acreditar e recusava-se a
aceitar as orientações dadas pela especialista, ou mesmo as mais simples, oriundas do
Instituto Jundiaiense Luis Braille. Cabe lembrar que essas orientações também provinham
das reuniões pedagógicas e HTPCs (Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo) realizadas na
escola com a equipe gestora.
A maior dificuldade que tivemos, eu e a aluna, foi com relação ao colorir as atividades. A
pedagoga do Instituto Jundiaiense afirmava que era importante a aluna saber que existiam
cores diferentes, que o mundo é composto por cores, no entanto, essa informação era
“questão de estética”, ou seja, era importante que a aluna soubesse que certas
combinações de cores causam estranheza nas pessoas, principalmente em vestimenta ou
acessórios pessoais. Além disso, a pedagoga afirmava que lápis de cor não era um objeto
com funcionalidade para a aluna e que poderia ser substituído por tintas. Sugeriu ainda que
o trabalho em artes se fundamentasse principalmente em texturas e em formatos.
Porém, apesar das orientações, a professora insistia que a aluna colorisse as atividades
com o uso dos lápis de cor e obrigatoriamente em movimentos circulares. Essa atitude da
professora causou certa complicação nas aulas de Artes, pois a aluna tinha dificuldades em
saber onde colorir e qual cor usar. Sabíamos que as orientações permaneciam, porém a
professora recusou-se em aceitá-las.
Para que a aluna percebesse o contorno dos desenhos ou dobraduras passei a
contorná-las com barbante, ou com a carretilha de costura. Quando não era possível uma
adaptação, a aluna sentava-se ao lado de um colega, ou em parceria com a monitora.
Devido à falta de registros sobre a aprendizagem da aluna em determinadas disciplinas
não será possível descrever com maiores detalhes todas as experiências pelas quais
passamos. Mesmo assim, acredita-se ser importante a descrição dos principais fatos, dentro
do possível.
Na disciplina de Ciências, por exemplo, encontramos dificuldades para explicar a
organização e disposição dos planetas dentro do sistema solar. Não havia nenhum outro
recurso que pudesse substituir as figuras, ou seja, toda a compreensão do espaço e do
movimento dos planetas resumiu-se apenas pela descrição, enquanto que os demais alunos
sabiam distinguir todos.
Nas aulas de Educação Física, a aluna participava sempre com o auxílio de um colega
para as atividades. Ela manifestou seu desejo em aprender a pular cordas, no entanto, o
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professor especialista não soube adaptar o objeto e havia uma série de riscos para as
tentativas com o objeto comum.
Os alunos tinham aulas de informática no período contrário ao das aulas, porém a aluna
não pode participar devido a falta de programa específico instalado no computador para que
pudesse usá-lo.
Um fato de grande importância na aprendizagem da aluna refere-se à sua locomoção.
Preocupávamos com a demora em suas idas ao banheiro, ou na hora da merenda, ou nas
brincadeiras nos intervalos etc. No entanto, não sabíamos como auxiliá-la de forma que
pudesse ser a mais independente possível.
Percebi que quando desejava ir ao banheiro, alguém da sala se dispunha a
acompanhá-la, porém nem sempre essa atitude era benéfica, pois alguns alunos afirmavam
que iriam ajudá-la mas acabavam se entretendo nos pátio ou na porta de alguma outra sala
e demoravam a retornar.
Assim, decidimos que apenas a monitora iria auxiliá-la neste sentido. No intuito de
permitir que a aluna alcançasse autonomia, conversei com ela e disse que a partir daquele
momento iríamos buscar pontos de referência (nas partes físicas do prédio da escola) para
que ela pudesse se locomover sozinha, sem o risco de se perder e ficar muito tempo
procurando o caminha de volta à sala de aula.
Tentamos várias alternativas como contar os passos, perceber a rotação do corpo, fazer
outros caminhos (que era inclusive mais longe do que o de costume), posição de colunas de
concreto, vasos de flor, palco etc. Devido ao grande espaço do pátio, o banheiro ficava a
uma distância relativamente grande da sala, além disso, não existia sinalização no piso,
nem ponto estratégico que a pudessem orientar. Assim, durante muito tempo procuramos
encontrar meios para resolver esse problema sem sinal de êxito.
Em uma visita feita à escola, a especialista questionou este aspecto, e revelei minhas
dificuldades. Ela pediu que a aluna se movimentasse da porta da sala, descesse a rampa e
tentasse se localizar. A aluna cumpriu o pedido e se perdeu.
A especialista a encaminhou de volta à sala e mais uma vez pediu para que ela
descesse a rampa. Quando ela chegou ao final da mesma, utilizando as paredes próximas e
uma das colunas de sustentação do prédio, a especialista indicou o caminho e foi junto
auxiliando-a. Na terceira vez que a aluna voltou a descer a rampa conseguiu chegar ao
banheiro sem dificuldades. Esse momento foi comovente tanto para professores como para
a coordenadora pedagógica e para a aluna, pois todos os seus avanços significavam muito
para cada uma de nós.
Sobre as avaliações, eu lia as questões e ela redigia as respostas por meio da máquina
para Braille quando possível. Quando não, eu anotava as respostas sem em nenhum
momento ressaltar explicações ou retomar algum tipo de conteúdo. As avaliações
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aconteciam no mesmo ambiente que os demais alunos, e a aluna era orientada a dizer suas
respostas em voz baixa para não alterar os resultados dos demais. algumas vezes,
fazíamos trocas nos auxílios, isto é, a professora auxiliava a aluna e a monitora ficava com
os demais da classe.
No final do ano letivo, ao fazermos uma retrospectiva sobre o principio do trabalho e o
final, entendemos que muitas mudanças haviam ocorrido, não só nos aspectos cognitivos
mas também nos aspectos sociais e psicológicos da aluna.
Percebemos que a aluna se interava com todos e não tinha medo de ser mal recebida.
No início, tinha receio de tocar o rosto das pessoas para conhecê-las, mas no final
perguntava se podia fazer isso pelo menos nos cabelos.
Também compreendeu que não era preciso ser “encaminhada” aos locais que desejava
ir com algum colega segurando seu braço, pois sabia que se perguntasse a alguém alguns
detalhes sobre o espaço poderia obter algum êxito.
Observamos também que para o uso da bengala, que no início do ano a aluna tinha
dificuldades em seguir as orientações do Instituto Jundiaiense, agora no final já dominava
muito melhor.
Outro aspecto relevante foi o relacionamento da classe com a aluna. Em todos os
momentos a trataram como uma criança igual a todos eles. Brincavam ou implicavam,
auxiliavam ou revelavam que estavam cansados, deletavam-na se ela apresentasse algum
tipo de comportamento que prejudicasse os demais ou eram deletados se ela ouvisse algum
diálogo impróprio, entre tantas outras experiências ocorridas.
Notou-se que o preconceito pode ser percebido muito mais entre os adultos do que
entre as crianças. E isto era evidente nas relações entre eles, pois sempre se propunham
em ajudá-la, mas quando sabiam que ela podia fazer só, a deixavam sem medo de serem
penalizados ou mal entendidos.
A experiência promoveu aprendizagens significativas a todos, pois até mesmo os
funcionários da limpeza da escola não alteravam a mobília ou os vasos com plantas antes
de perguntar se isso prejudicaria a aluna.
Na escola havia vários alunos com algum tipo de deficiência e o trabalho ocorria sempre
em equipe, fato este que nos induz a acreditar que as dificuldades uniu a todos, tanto que
era notável uma maior sensibilidade ao assunto nos diálogos dos professores das séries
iniciais, enquanto que entre os professores dos demais ciclos manifestavam contrariedade e
queixavam-se das políticas inclusivas do município.
Percebeu-se também que as capacitações e orientações de alguém que tinha formação
apropriada foi fundamental para orientar-nos durante o processo. O apoio da especialista,
do Instituto Jundiaiense Luis Braille e da equipe gestora da escola foram muito importantes.
Mesmo assim, sabíamos que faltava-nos uma capacitação mais abrangente e constante.
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Aprendizagens simples como o sistema Braille ou o ábaco, ou a adaptação de
atividades podem fazer grande diferença para o profissional que recebe um aluno portador
de deficiência visual em sua sala de aula, pois ganha-se tempo e diminui-se alguns
transtornos, além de facilitar a avaliação.
Por fim, de acordo com os princípios da escola inclusiva, acredito que mesmo sobre
todas as dificuldades, é um processo muito rico, muito enriquecedor para todos e sob todas
as formas. É um desafio de grande valia, pois além de levar todos a refletir sobre os direitos
e deveres de cada cidadão, remete-nos também aos valores humanos, de reconhecimento
de cada pessoa como sujeito de direitos, construtor do processo histórico.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Incluir para o dicionário pode significar muitas coisas, porém só mesmo quem participa
do processo pode compreender o valor de uma superação, o sorriso por ter alcançado o que
se deseja apenas por acreditar em si mesmo.
No início da pesquisa percebemos que no processo histórico da educação brasileira,
aos portadores de deficiência foram negligenciados muitos direitos, ora pela cultura social
que os entendia como um peso a ser tolerado, ora pelos governantes que não via nessa
causa uma fonte lucrativa.
Também observamos que algumas políticas públicas são oriundas da pressão dos
órgãos privados e mais tarde do triste reconhecimento de que se esses indivíduos
trabalhassem e consumissem pagariam impostos.
Também nota-se que nos poucos programas ou órgãos criados pelo governo tem pouca
permanência e são alterados em pouco tempo. Além disso, os atendimentos foram
considerados em pouco número diante da necessidade da população.
Vemos que algo realmente efetivo só veio acontecer após a Declaração de Salamanca
e de Jomtien. Aumentaram as políticas públicas, as pesquisas se entenderam
significativamente e como conseqüência o aumento em bibliografias sobre o assunto.
Para sustentar leis como a LDB (1996) ou a Constituição de 1988, os municípios têm
tentado se adequar as obrigações com relação ao governo federal. Logo, os portadores de
deficiência chegam às escolas e transformam-se em ícones da inclusão. Onde eles
estiverem, o local ganha nova denominação, e há quem sustente orgulhosamente como um
adepto apenas de uma campanha, afirmando que “aqui se faz inclusão”. No entanto, parece
que a idéia mais importante que é o direito e o acesso ao conhecimento por todos, ainda
não se transformou em ações reais dentro das escolas.
Muitos professores temem a presença dos portadores de deficiências e alegam que
sem formação adequada o trabalho é impossível. Focam-se na deficiência e esquecem do
indivíduo, ou focam-se apenas no portador de deficiência e esquecem dos que por uma
razão ou outra não tiveram as mesmas chances que os demais. Também não significa que
pode-se ensinar sem nenhum auxilio específico, mas o que se percebe é que se faz
necessária a presença de um profissional especializado, mas que não é condição “suprema”
do professor para tal.
Em outra perspectiva questiona-se a falta de parceria entre institutos, associações,
universidades, e tantos outros órgãos com a educação, que poderiam resultar em ações
efetivas e mais abrangentes na busca pelo ensino de qualidade.
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Nota-se que há também uma lentidão da sociedade brasileira em admitir que somos
diferentes, e que esse reconhecimento não está expresso apenas no portador de
deficiências, mas nas regiões, nas classes sociais, na etnia, nas origens, e isso poderia ser
minimizado com as parcerias e a participação da comunidade. Mesmo assim, temos que
considerar que desde a fundação do Imperial Institutos dos Meninos Cegos até os dias de
hoje, houve um relativo avanço sobre a questão.
O relato trouxe contribuições importantes para minha formação tanto intelectual,
profissional quanto pessoal. A pesquisa possibilitou a observação de aspectos muito
importantes sobre o processo inclusivo.
O primeiro deles refere-se ao compromisso da Prefeitura de Itatiba em tornar a inclusão
um objetivo primordial dentro das escolas, complementando com capacitações, parcerias e
intervenções dom os profissionais da Oficina Pedagógica. No entanto, as capacitações com
a especialista por exemplo, não satisfez a contento pois, o número de professores que
desejam atendimento superava o número de horas das capacitações ou visitas.
Das capacitações vieram contribuições teóricas importantes para que esta pesquisa se
tornasse real. Além da deficiência visual, também foram oferecidas capacitações em
deficiência auditiva, mental e físico. Contribuíram com textos, reflexões, sugestões e
principalmente na conceituação sobre o verdadeiro significado de Inclusão.
Além do papel político da proposta inclusiva, merece destaque o desempenho e
parceria entre monitora e professora dentro da sala de aula. Esse aspecto é muito
importante para que haja sucesso no trabalho em equipe. Percebemos que reconhecer as
próprias dificuldades e a necessidade de apoio foi primordial para que buscássemos
alternativas e estudássemos propostas ou sugestões.
Na relação com os demais alunos da classe, entendemos que devíamos dialogar muito,
mas principalmente ouvi-los. Eram curiosos e perguntavam sobre a escrita em Braille, sobre
o instrumento de matemática e não a excluíam de nada. Havia uma posição consolidada de
respeito, colaboração e cooperação. Uns ajudam aos outros e compreendiam que o
problema de um, era problema de todos dentro da sala de aula.
Por várias vezes enfrentamos conflitos, mas eram resolvidos em rodas de conversas
onde cada um expressava o que pensava e sentia em relação ao fato. A aluna também
participava, opinava e tomava atitude de “conselheira” diante do grupo.
A relação da aluna para comigo não poderia ser diferente. Construímos além do
respeito, uma grande amizade que perdura até os dias de hoje. A experiência com ela
permitiu que eu me tornasse mais sensível, e passei a tomar decisões, na maioria das vezes
me colocando na posição do outro.
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Com relação à docência, acredito que os benefícios alcançados ao se reconhecer as
diferenças de cada um e seus ritmos, superam as dificuldades, pois os alunos aprendem
uns com os outros.
Por fim, reescrever essa experiência e avaliar seus processos me trás a esperança de
que no futuro ele seja um pobre comentário, pois que os avanços tanto tecnológicos,
pedagógicos, filosóficos ou culturais ultrapassem em muito o que temos hoje.
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