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Relatório: O Desmonte da USP Comissão de Pesquisa do Comando de Greve 2018

Relatório · ... atividades em contexto de greve e em contexto de não-greve no curso de Filosofia da USP. A ideia de elaboração de um ... e do correlato estágio de

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Relatório:

O Desmonte da USPComissão de Pesquisa do Comando de Greve

2018

SUMÁRIO

Introdução .........................................................................5

Análise Crítica do Relatório “Um Ajuste Justo”.............7

As Universidades no cenário Nacional..........................12

A USP com todo vapor ao Colpaso................................17

I. Introdução. O presente relatório é fruto de um acúmulo de discussões feitas a partir de grupos

de leituras, atividades em contexto de greve e em contexto de não-greve no curso de Filosofia da USP. A ideia de elaboração de um tal relatório remete a uma demanda que surgiu no curso da filosofia durante a greve dos três setores (docente, discente e de funcionários técnico-administrativos) das três estaduais paulistas (USP, UNICAMP, UNESP). Tal demanda consiste na necessidade de termos um material no qual pudéssemos expor, de forma mais sistematizada e consistente, um diagnóstico do desmonte das Universidades brasileiras e, mais especificamente, da Universidade de São Paulo. A partir de tal diagnóstico, poderíamos explicar a gênese de uma diversidade de lutas em torno de um igualmente diverso conjunto de pautas como reação a tal desmonte. Esse diagnóstico apresentado aqui, aliás, tem como eixo condutor a pauta central da greve estudantil: a permanência, com a finalidade de expor não só a importância da luta por essa pauta, mas sua urgência. Assim, criou-se uma comissão de pesquisa que ficou responsável pela elaboração do presente material.

Dado isso, é necessária uma breve explicação e justificação do movimento argumentativo adotado em nosso diagnóstico. Começaremos com nossa análise do sistema educacional e, de maneira mais precisa, da educação superior, com um diagnóstico que parte de mudanças que ocorrem no plano do capital mundial. Esse ponto de partida da análise se justifica pelo fato de a instância de socialização mundial ser aquela que dita, no nosso atual momento histórico, o reordenamento dos territórios nacionais e das políticas executadas, entrando em contradição com a Soberania do Estado-Nacional e sua respectiva economia nacional, apontando-nos para um novo estágio da socialização capitalista. Assim, no seu estágio atual, o mercado mundial desempenha o papel de uma instância imediata de mediação das relações sociais. Quer dizer, as forças produtivas e relações de produção já ultrapassaram os limites dos Estados Nacionais e de seus respectivos mercados internos (nacionais), tornando-as imediatamente transnacionais. Portanto, a valorização do capital ocorre, ao menos desde a década de 80, em escala imediatamente mundial.

Em decorrência dessa metamorfose na dinâmica histórica das formas de socialização capitalista, a forma de mediação Estado-Nação - imposta historicamente pelo processo de constituição e alargamento do sistema capitalista às diversas regiões do globo, o que pressupunha vários processos de desterritorialização e reterritorialização pelo Estado moderno - entra agora em crise e bate em retirada a partir de colapsos institucionais de diversos aspectos. Desse modo, percebemos que as mudanças nacionais são, na verdade, mudanças imediatamente mundiais, pois resultam de um reordenamento global operado pelo fluxo de capital que dobra as nações ao seu imperativo de acumulação imediatamente mundial. Um dos indícios empíricos deste processo de colapso crescente dos Estados-Nacionais é o fato de a produção de mercadoria nos diversos países ser orientada para o mercado mundial, realizada a partir de uma divisão de trabalho internacional e organizada por empresas transnacionais. Também cabe citar o fato de a riqueza “nacional” ser majoritariamente financeirizada, sendo seu título de propriedade pertencente aos investidores estrangeiros. Assim, não é que o mercado mundial não existia, já que o Capital é, desde sua formação, mundial. Mas o Capital mundial se valorizava a partir da constituição de espaços econômicos e políticos nacionais,

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funcionais ao capital que se encontrava nacionalizado. Nesse quadro de referência histórica, o mercado mundial era visto como comércio exterior. Com o colapso das economias nacionais, é a própria distinção entre interno e externo que já não faz sentido.1

Contudo, a crise do Estado-Nação, como veremos, é igualmente uma crise da acumulação do Capital, que opera agora de forma simulada. Sendo aquilo que se denomina positivamente de globalização, portanto, a crise de uma forma negativa (baseada na violência, dominação, auto-destruição) de sociedade que se manifesta no mesmo momento em que o Capital atinge sua mundialização imediata. Como diz Kurz a respeito da globalização do Capital e do correlato estágio de desenvolvimento das suas forças produtivas:

Microeletrônica, tecnologia de informação e globalização do capital produzem, além de todas as barreiras nacionais e culturais, uma sociedade mundial imediata, mas não positivamente como uma conquista, e sim negativamente como processo de dissecamento econômico: cada vez mais pessoas se tornam "supérfluas", porque não podem mais vender a sua força de trabalho.2

Assim, na terceira fase da revolução industrial, o novo nível de produtividade social do Capital global impôs uma integração dos mercados nacionais a partir de um conjunto de políticas de desregulamentação impostas sob chantagens por organizações internacionais financeiras, como FMI e Banco Mundial. A partir de tais políticas, os estados nacionais se tornaram um espaço mundial funcional aos agentes econômicos transnacionais do Capital global. Nesse processo, diversos agentes da burguesia econômica das antigas economias nacionais não conseguiram cumprir com a exigência de rentabilidade do Capital. A imposição da concorrência imediata no mercado mundial, tendo como pressuposto um novo nível de produtividade social, foi o que produziu um processo de desindustrialização endividada dos países da periferia do capitalismo, e os sobreviventes globais da crise agora só se mantêm, em parte, recorrendo à zonas restritas de rentabilidade e concentração de riqueza, que se contrastam com o crescimento das periferias, saqueando de forma cada vez mais violenta os recursos das nações em decomposição e explorando uma força de trabalho cada vez mais desvalorizada e minoritária do ponto de vista da capacidade de absorção do sistema.

Assim, procuraremos analisar a mudança no campo da educação tendo essa situação histórica como pano de fundo. As mudanças que vivenciamos na educação são elaboradas em organizações mundiais e servem às exigências de um capital cuja valorização se dá num espaço transnacional imediato. Para tal análise, tomaremos como documento base o relatório elaborado pelo Banco Mundial, denominado “Um Ajuste Justo”. Após isso, partiremos para análises mais localizadas que levem em consideração o reflexo dessas políticas mundiais na Universidade de São Paulo.

1 Sobre a globalização, ver KURZ, R. Com todo vapor ao Colapso: “Esta palavra-chave representa a globalização dos mercados, e a produção de um capital mundial imediato. (...) Por isso, este processo não pode ser encarado como as tradicionais relações exteriores de importação e exportação entre economias nacionais coerentes. Esses novos potenciais permitem perpassar ao processo capitalista as tradicionais economias nacionais; rompe-se a coerência da economia nacional tradicional.” In: http://obeco.planetaclix.pt. 2 KURZ, R. Barbárie, Migração e Guerras de Ordenamento Mundial. In: http://obeco.planetaclix.pt. p. 2.

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funcionais ao capital que se encontrava nacionalizado. Nesse quadro de referência histórica, o mercado mundial era visto como comércio exterior. Com o colapso das economias nacionais, é a própria distinção entre interno e externo que já não faz sentido.1

Contudo, a crise do Estado-Nação, como veremos, é igualmente uma crise da acumulação do Capital, que opera agora de forma simulada. Sendo aquilo que se denomina positivamente de globalização, portanto, a crise de uma forma negativa (baseada na violência, dominação, auto-destruição) de sociedade que se manifesta no mesmo momento em que o Capital atinge sua mundialização imediata. Como diz Kurz a respeito da globalização do Capital e do correlato estágio de desenvolvimento das suas forças produtivas:

Microeletrônica, tecnologia de informação e globalização do capital produzem, além de todas as barreiras nacionais e culturais, uma sociedade mundial imediata, mas não positivamente como uma conquista, e sim negativamente como processo de dissecamento econômico: cada vez mais pessoas se tornam "supérfluas", porque não podem mais vender a sua força de trabalho.2

Assim, na terceira fase da revolução industrial, o novo nível de produtividade social do Capital global impôs uma integração dos mercados nacionais a partir de um conjunto de políticas de desregulamentação impostas sob chantagens por organizações internacionais financeiras, como FMI e Banco Mundial. A partir de tais políticas, os estados nacionais se tornaram um espaço mundial funcional aos agentes econômicos transnacionais do Capital global. Nesse processo, diversos agentes da burguesia econômica das antigas economias nacionais não conseguiram cumprir com a exigência de rentabilidade do Capital. A imposição da concorrência imediata no mercado mundial, tendo como pressuposto um novo nível de produtividade social, foi o que produziu um processo de desindustrialização endividada dos países da periferia do capitalismo, e os sobreviventes globais da crise agora só se mantêm, em parte, recorrendo à zonas restritas de rentabilidade e concentração de riqueza, que se contrastam com o crescimento das periferias, saqueando de forma cada vez mais violenta os recursos das nações em decomposição e explorando uma força de trabalho cada vez mais desvalorizada e minoritária do ponto de vista da capacidade de absorção do sistema.

Assim, procuraremos analisar a mudança no campo da educação tendo essa situação histórica como pano de fundo. As mudanças que vivenciamos na educação são elaboradas em organizações mundiais e servem às exigências de um capital cuja valorização se dá num espaço transnacional imediato. Para tal análise, tomaremos como documento base o relatório elaborado pelo Banco Mundial, denominado “Um Ajuste Justo”. Após isso, partiremos para análises mais localizadas que levem em consideração o reflexo dessas políticas mundiais na Universidade de São Paulo.

1 Sobre a globalização, ver KURZ, R. Com todo vapor ao Colapso: “Esta palavra-chave representa a globalização dos mercados, e a produção de um capital mundial imediato. (...) Por isso, este processo não pode ser encarado como as tradicionais relações exteriores de importação e exportação entre economias nacionais coerentes. Esses novos potenciais permitem perpassar ao processo capitalista as tradicionais economias nacionais; rompe-se a coerência da economia nacional tradicional.” In: http://obeco.planetaclix.pt. 2 KURZ, R. Barbárie, Migração e Guerras de Ordenamento Mundial. In: http://obeco.planetaclix.pt. p. 2.

II. Análise crítica do relatório “Um Ajuste Justo” Em novembro de 2017, o Banco Mundial divulgou um relatório destinado

exclusivamente ao Brasil e que se pretende um diagnóstico de escopo amplo dos gastos públicos no Brasil. O relatório identifica como causa do baixo crescimento do país a baixa eficiência e a não equidade no gasto público do país, que estão em correlação. O Brasil, assim, gasta “mais do que pode e, além disso, gasta mal”. Deste diagnóstico segue-se um conjunto de medidas aplicadas em diversos países desde o início do neoliberalismo: corte de gastos em setores sociais, flexibilização do trabalho, terceirização das funções do Estado, pagamento da dívida etc. O foco principal desse reajuste fiscal proposto pelo Banco Mundial é a credibilidade do Brasil frente aos investidores estrangeiros, a partir de garantias de que o país pode pagar suas dívidas. Caso contrário, os investidores perderiam a confiança no Brasil. Além disso, das 160 páginas do relatório, apenas 7 são destinadas à análise do ensino público superior brasileiro. Mas o que diz o diagnóstico do relatório?

O diagnóstico diz, basicamente, que os programas sociais do Estado relativos à resolução da nossa questão social, isto é, da desigualdade social e dos conflitos daí decorrentes, intrínseca ao capitalismo, são ineficientes. É apresentado um conjunto de causas para isso, como: redução de estudantes na educação básica, número excessivo de professores, gasto alto por aluno etc. No caso do Ensino superior, é ainda apresentado que há um gasto crescente com a educação, que não é só ineficiente, mas direcionado para um grupo social rico. Assim, o investimento em ensino superior público de acordo com o Banco Mundial é regressivo, isto é, beneficia mais os ricos do que os pobres e é feito com um gasto por estudantes que poderia ser reduzido se fosse focado apenas na população pobre, cobrando mensalidade dos demais e aumentando, assim, a eficiência de tais gastos. Voltaremos à análise desse argumento. Vale agora ressaltar, apesar de não ser o foco do nosso texto, a causa principal mencionada na diminuição de estudantes matriculadas(os) no ensino básico público: a “transição demográfica”3, pois é um fator usado também para justificar o corte de recursos em outros setores sociais do Estado, como o previdenciário, o da saúde etc. Contudo, é um fator de explicação precário frente a outros como racismo, desigualdade econômica, sucateamento das escolas públicas, ampliação do setor privado etc., que determinam os índices de evasão e da participação das matrículas de instituições públicas e privadas na rede de ensino brasileira, pois tal fator abstrai a população do seu campo social e das formas históricas de relacionamento que constituem esse campo e determinam os fenômenos sociais para os quais o banco busca dar explicações “neomalthusianas” e soluções de gestão da população, tomada como objeto de seus estudos quantitativos.

A título de exemplificação, exporemos aqui ao menos um fator que não é levado em consideração pelo relatório: o racismo estrutural e sua reprodução nas mais diversas instituições. Pesquisas quantitativas mostram como a instituição escolar é determinada pela exterioridade do campo social em sua totalidade, aplicando no seu interior as relações concretas que o produzem e o estruturam. Nesse sentido, essas pesquisas mostram como

3 Um Ajuste Justo: Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público, p. 121. In: https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/publication/brazil-expenditure-review-report

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“estudantes pretos têm uma probabilidade maior de fracasso escolar que seus colegas pardos e brancos”. Interseccionam-se também, neste caso, as relações de gênero, na medida em que os meninos “são mais propensos a repetir e abandonar a escola que as meninas”.4 Isso mostra que o mero acesso à educação não basta para combater a desigualdade social do ponto de vista da formação educacional, pois o processo de exclusão ocorre também depois da entrada no sistema educacional. Os efeitos dessa exclusão ainda podem ser percebidos num outro fenômeno social da nossa sociedade brasileira: o encarceramento em massa, em relação ao qual o racismo e a desigualdade social crescente ligada ao desemprego estrutural nos ajudam a compreender. Se olharmos para o perfil dessa população - mais de 700 mil -, percebemos que 80% não terminou o ensino básico, sendo que a maioria da população carcerária (51%) tem ensino fundamental incompleto, nível de ensino que o relatório aponta como o mais afetado pela redução de matrículas, que expressaria a “queda da taxa de fertilidade”.5 Além disso, notamos que a exclusão continuada após o acesso ao ensino básico, exclusão por sua vez determinada por relações raciais e socioeconômicas, se articula ainda com mecanismos e instituições de repressão e genocídio dessa população, constituindo uma tecnologia social que decide em última instância quem vive e quem morre, quem continua no processo de formação e ascensão e quem não tem outra escolha a não ser instituições de repressão direta, contenção e extermínio.6

O relatório segue argumentando que como o problema do ensino público se reduz a uma questão de baixa eficiência e estando esta correlacionada com o “desempenho”, a solução seria gerir de forma mais “eficiente” os gastos públicos voltados para a educação. O critério da eficiência aparece, assim, como unidade de medida de um ensino de boa qualidade, como diz o relatório: “as escolas com os melhores resultados são, também, as mais eficientes”.7 Uma operação perversa ao nosso ver, pois uma unidade de medida abstrata e quantitativa passa a determinar algo que é da ordem da qualidade. Isso fica evidente com o seguinte trecho:

Além de uma razão aluno-professor relativamente baixa, o sistema público de educação no Brasil é caracterizado por baixa qualidade dos professores e pelos altos índices de reprovação. Todos esses fatores levam a ineficiências significativas. Se todos os municípios e estados fossem capazes de emular as redes escolares mais eficientes, seria possível melhorar o desempenho 8

4 Citamos aqui, no caso, o seguinte estudo quantitativo: LOUZANO, Paula. Fracasso escolar: evolução das oportunidades educacionais de estudantes de diferentes grupos raciais. In: Cadernos Cenpec, v. 3, n.1. 5 Um Ajuste Justo. Op. Cit,, p. 131 6 Sobre essa Forma de “governo seletivo” da população pobre e negra, cujo objetivo seria o combate a “violência urbana”, um governo, portanto, baseado na criminalização e punição da pobreza racializada, que também perpassa pela instituição escolar, ver o estudo sociológico de FELTRAN, G. Valor dos pobres: a aposta no dinheiro como mediação para o conflito social contemporâneo. Cad. CRH. 2014, vol. 27, n.72, pp.495-512. Sobre a construção racista do homem negro violento, que justifica os mecanismos de criminalização da população negra pós-abolição. Ver DAVIS, A. Estupro, racismo e o mito do estuprador negro. In: Mulheres, Raça e Classe. A relação entre criminalização da pobreza racializada e escola é visível a partir do crescimento de escolas geridas por militar e por programas da polícia militar como a “ronda escolar”. 7Um Ajuste Justo. Op. Cit.,p. 124. 8 Ibidem, p. 121.

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“estudantes pretos têm uma probabilidade maior de fracasso escolar que seus colegas pardos e brancos”. Interseccionam-se também, neste caso, as relações de gênero, na medida em que os meninos “são mais propensos a repetir e abandonar a escola que as meninas”.4 Isso mostra que o mero acesso à educação não basta para combater a desigualdade social do ponto de vista da formação educacional, pois o processo de exclusão ocorre também depois da entrada no sistema educacional. Os efeitos dessa exclusão ainda podem ser percebidos num outro fenômeno social da nossa sociedade brasileira: o encarceramento em massa, em relação ao qual o racismo e a desigualdade social crescente ligada ao desemprego estrutural nos ajudam a compreender. Se olharmos para o perfil dessa população - mais de 700 mil -, percebemos que 80% não terminou o ensino básico, sendo que a maioria da população carcerária (51%) tem ensino fundamental incompleto, nível de ensino que o relatório aponta como o mais afetado pela redução de matrículas, que expressaria a “queda da taxa de fertilidade”.5 Além disso, notamos que a exclusão continuada após o acesso ao ensino básico, exclusão por sua vez determinada por relações raciais e socioeconômicas, se articula ainda com mecanismos e instituições de repressão e genocídio dessa população, constituindo uma tecnologia social que decide em última instância quem vive e quem morre, quem continua no processo de formação e ascensão e quem não tem outra escolha a não ser instituições de repressão direta, contenção e extermínio.6

O relatório segue argumentando que como o problema do ensino público se reduz a uma questão de baixa eficiência e estando esta correlacionada com o “desempenho”, a solução seria gerir de forma mais “eficiente” os gastos públicos voltados para a educação. O critério da eficiência aparece, assim, como unidade de medida de um ensino de boa qualidade, como diz o relatório: “as escolas com os melhores resultados são, também, as mais eficientes”.7 Uma operação perversa ao nosso ver, pois uma unidade de medida abstrata e quantitativa passa a determinar algo que é da ordem da qualidade. Isso fica evidente com o seguinte trecho:

Além de uma razão aluno-professor relativamente baixa, o sistema público de educação no Brasil é caracterizado por baixa qualidade dos professores e pelos altos índices de reprovação. Todos esses fatores levam a ineficiências significativas. Se todos os municípios e estados fossem capazes de emular as redes escolares mais eficientes, seria possível melhorar o desempenho 8

4 Citamos aqui, no caso, o seguinte estudo quantitativo: LOUZANO, Paula. Fracasso escolar: evolução das oportunidades educacionais de estudantes de diferentes grupos raciais. In: Cadernos Cenpec, v. 3, n.1. 5 Um Ajuste Justo. Op. Cit,, p. 131 6 Sobre essa Forma de “governo seletivo” da população pobre e negra, cujo objetivo seria o combate a “violência urbana”, um governo, portanto, baseado na criminalização e punição da pobreza racializada, que também perpassa pela instituição escolar, ver o estudo sociológico de FELTRAN, G. Valor dos pobres: a aposta no dinheiro como mediação para o conflito social contemporâneo. Cad. CRH. 2014, vol. 27, n.72, pp.495-512. Sobre a construção racista do homem negro violento, que justifica os mecanismos de criminalização da população negra pós-abolição. Ver DAVIS, A. Estupro, racismo e o mito do estuprador negro. In: Mulheres, Raça e Classe. A relação entre criminalização da pobreza racializada e escola é visível a partir do crescimento de escolas geridas por militar e por programas da polícia militar como a “ronda escolar”. 7Um Ajuste Justo. Op. Cit.,p. 124. 8 Ibidem, p. 121.

Aponta-se um conjunto de índices da baixa qualidade do ensino, mas a solução apresentada em momento algum passa por uma investigação aprofundada sobre o que são as causas e os conteúdos concretos desses índices. O problema tem um único tom: a “eficiência” dos gastos públicos. Ou seja, em momento algum se busca saber o porquê da baixa qualidade dos professores - baixo salário, garantia de direitos, investimento na formação de professores -, ou o porquê das reprovações, reduzindo o índice de reprovação a um mero índice quantitativo, cujo único nexo causal apresentado é com outro índice quantitativo: a eficiência ou não dos gastos do Estado. Nesses termos, diminuir o índice de reprovação a partir dos gastos do Estado, diminuindo, por exemplo, o número de professores por aluno, nada nos diz a respeito da qualidade do ensino. Reduzir o problema da educação a um problema de cálculo gestionário em torno de índices quantitativos, opera uma abstração em relação à realidade social concreta, às qualidades das relações sociais, do processo de formação, de como é feito, a partir de que instituições, sob quais condições materiais, valores sociais, com qual finalidade social etc., como se fosse uma escolha meramente técnica e administrativa, e não política, que envolve o modo de vida social.

Sintetizando algumas medidas de aumento da eficiência e desempenho dos serviços, o relatório apresenta: a emulação por parte das instituições públicas de instituições eficientes, no caso da educação, mas também de outros setores, as instituições privadas são colocadas como modelo, principalmente quando se trata do ensino superior (aumentar a eficiência e desempenho); a restrição do gasto com Universidades mais eficientes e cobrando mensalidade (aumentar a eficiência, desempenho e equidade); a diminuição do número de professores, aumentando o número relativo de alunos, sendo uma das vias para esse objetivo a não reposição de professores aposentados (aumento da eficiência do ensino fundamental e médio); o aumento dos mecanismos de controle meritocráticos para aumentar a qualidade dos professores, como aumento do sistema de avaliação, sistema de bônus, maior vigilância quanto à ausência e frequência etc. (aumento do desempenho, principalmente no ensino básico).9 Todas essas “soluções” estabelecem um nexo entre eficiência e desempenho, o que acaba gerando uma identificação entre o aumento da produtividade (eficiência) com o desempenho, pois os meios para alcançar esse fim são o próprio aumento da produtividade, isto é, os meios próprios das organizações burocráticas empresariais tornam-se um fim em si mesmo.10 Desse modo, todos os mecanismos de maximização da produtividade ou dos resultados (desempenho), reduzidos a índices quantitativos e abstratos, são mecanismos gestionários que aproximam os serviços públicos à atividade empresarial, tratando-se, em resumo, de produzir mais com menos.

Assim, tais índices são índices apenas instrumentais para a justificação do ajuste estrutural que visa diminuir o gasto do Estado e sua racionalização produtivista, estabelecendo um nexo sem nenhuma mediação entre diminuição dos gastos públicos, eficiência e consequente qualidade e justeza dos serviços, mediações que deveriam levar em consideração as “formas” sociais pelas quais as pessoas estabelecem certos tipos de relações entre si, produzem e sustentam um determinado modo de produção social. Ao

9Ibidem, p. 130 10 Ibidem, p. 124

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estabelecer uma relação de causalidade simples entre gastos públicos e qualidade do ensino, por exemplo, o relatório apaga um conjunto de determinantes histórico-sociais da baixa qualidade do ensino público no Brasil, que passam pelo nosso regime político-econômico, pelo racismo e machismo institucional, pelo processo de formação histórica do nosso Estado-Nação, sua relação subordinada no sistema capitalista mundial, que envolve, hoje mais do que nunca, uma subordinação em relação a órgãos internacionais como o próprio Banco Mundial.

O relatório não deixa, contudo, de evidenciar o real interesse por trás desse diagnóstico. Ao falar das Universidades Públicas e da ineficiência dos gastos com a Universidade, o relatório diz que tal diagnóstico: (...) indica a necessidade de introduzir o pagamento de mensalidades em universidades públicas para as famílias mais ricas e de direcionar melhor o acesso ao financiamento estudantil para o ensino superior (programa FIES). 11

Ao reduzir o gasto com o ensino, o que está em jogo é abrir espaço para um avanço da privatização do ensino. O objetivo não tem nada a ver com a qualidade concreta ou não do ensino, pois esta é pensada apenas em termos de cálculo quantitativo. Além de abrir espaço para a privatização do ensino, privatização que se dá em vários sentidos - fazendo com que instituições educacionais, públicas ou não, operarem conforme empresas, mostrando “eficiência”; aumentando o número de empresas privadas no ramo educacional; terceirizando o ensino via Organizações Sociais, ONG’s e demais entidades do terceiro setor -, a redução dos gastos também visa ao pagamento da dívida pública contraída com o Banco Mundial. Não é por outra razão que o relatório quase não toca no fato de mais da metade do orçamento ser gasto com a dívida pública, sendo o gasto com educação ínfimo do ponto de vista da totalidade do orçamento.

Aliás, tal relatório é na verdade um “novo velho” relatório. Ele apenas expressa um conjunto de medidas que já estão sendo implementadas há anos por diversos governos e que só se intensificam. Em 1995, o Banco Mundial, havia escrito um relatório intitulado O Ensino Superior: as lições derivadas da experiência, direcionado aos países em desenvolvimento. Nesse relatório, propõe-se um conjunto de reformas para ensino superior que os países deveriam adotar caso quisessem receber capital de tal órgão financeiro internacional. Essas medidas são ainda as mesmas: redução dos gastos públicos destinados à educação, introdução de mensalidades, introdução mecanismos de gestão “eficiente” para aferir os “resultados” ou “desempenho” etc. Além desse documento de 95, podemos ainda citar um relatório de 1996 elaborado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) intitulado “Ensino Superior na América Latina e no Caribe: um Documento Estratégico”. Trata-se do mesmo objetivo, identificar as principais funções atribuídas a esse ensino, avaliar suas deficiências e problemas, propor reformas e soluções que sirvam de base para uma estratégia de financiamento, levando em conta a larga experiência (do Banco) no ensino superior e na tentativa de reformá-lo.12 A perspectiva pela qual o Banco vê o ensino superior é uma perspectiva operacional ou gestionária. Trata-se de fazer reformas de modo que as Universidade sejam configuradas

11 Ibidem, p. 125 12 Chauí, M. A Universidade Hoje. In: Escritos Sobre a Universidade. Editora: Unesp, 2001, p. 197

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estabelecer uma relação de causalidade simples entre gastos públicos e qualidade do ensino, por exemplo, o relatório apaga um conjunto de determinantes histórico-sociais da baixa qualidade do ensino público no Brasil, que passam pelo nosso regime político-econômico, pelo racismo e machismo institucional, pelo processo de formação histórica do nosso Estado-Nação, sua relação subordinada no sistema capitalista mundial, que envolve, hoje mais do que nunca, uma subordinação em relação a órgãos internacionais como o próprio Banco Mundial.

O relatório não deixa, contudo, de evidenciar o real interesse por trás desse diagnóstico. Ao falar das Universidades Públicas e da ineficiência dos gastos com a Universidade, o relatório diz que tal diagnóstico: (...) indica a necessidade de introduzir o pagamento de mensalidades em universidades públicas para as famílias mais ricas e de direcionar melhor o acesso ao financiamento estudantil para o ensino superior (programa FIES). 11

Ao reduzir o gasto com o ensino, o que está em jogo é abrir espaço para um avanço da privatização do ensino. O objetivo não tem nada a ver com a qualidade concreta ou não do ensino, pois esta é pensada apenas em termos de cálculo quantitativo. Além de abrir espaço para a privatização do ensino, privatização que se dá em vários sentidos - fazendo com que instituições educacionais, públicas ou não, operarem conforme empresas, mostrando “eficiência”; aumentando o número de empresas privadas no ramo educacional; terceirizando o ensino via Organizações Sociais, ONG’s e demais entidades do terceiro setor -, a redução dos gastos também visa ao pagamento da dívida pública contraída com o Banco Mundial. Não é por outra razão que o relatório quase não toca no fato de mais da metade do orçamento ser gasto com a dívida pública, sendo o gasto com educação ínfimo do ponto de vista da totalidade do orçamento.

Aliás, tal relatório é na verdade um “novo velho” relatório. Ele apenas expressa um conjunto de medidas que já estão sendo implementadas há anos por diversos governos e que só se intensificam. Em 1995, o Banco Mundial, havia escrito um relatório intitulado O Ensino Superior: as lições derivadas da experiência, direcionado aos países em desenvolvimento. Nesse relatório, propõe-se um conjunto de reformas para ensino superior que os países deveriam adotar caso quisessem receber capital de tal órgão financeiro internacional. Essas medidas são ainda as mesmas: redução dos gastos públicos destinados à educação, introdução de mensalidades, introdução mecanismos de gestão “eficiente” para aferir os “resultados” ou “desempenho” etc. Além desse documento de 95, podemos ainda citar um relatório de 1996 elaborado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) intitulado “Ensino Superior na América Latina e no Caribe: um Documento Estratégico”. Trata-se do mesmo objetivo, identificar as principais funções atribuídas a esse ensino, avaliar suas deficiências e problemas, propor reformas e soluções que sirvam de base para uma estratégia de financiamento, levando em conta a larga experiência (do Banco) no ensino superior e na tentativa de reformá-lo.12 A perspectiva pela qual o Banco vê o ensino superior é uma perspectiva operacional ou gestionária. Trata-se de fazer reformas de modo que as Universidade sejam configuradas

11 Ibidem, p. 125 12 Chauí, M. A Universidade Hoje. In: Escritos Sobre a Universidade. Editora: Unesp, 2001, p. 197

com vistas à produção de retornos ao investimento feito, o que implica a criação de mecanismos avaliativos pelos quais se “mede” esses resultados que são quantitativos.13

Assim, percebe-se que a universidade “gerenciada” é parte de um projeto político de dimensões transnacionais, que a tecnoburocracia brasileira leva a efeito naquilo que lhe compete e de acordo com as diretrizes de órgãos internacionais.14 Os organismo governamentais ligados à educação apenas executam essa política internacional.

Por fim, há um último elemento que é necessário retomar e tematizar, pois é presente no relatório ao tratar do ensino superior: a concepção da educação como serviço e não como direito, o que implica um outro registro de apreensão da pobreza e da desigualdade social. O encaminhamento do combate à pobreza já não se dá com reformas estruturais, tendo em vista a universalidade dos direitos, mas com políticas focalizadas como o FIES, enquanto o restante, que não é enquadrado na focalização desses programas, deve pagar pelo ensino. Estudantes, tanto os que pagariam, quanto os que receberiam bolsas e financiamento do Estado, não são vistos como sujeitos de direito e cidadãos, mas como consumidores de serviços, ou melhor, isto é colocado em outro registro. As políticas de promoção da cidadania devem, nessa perspectiva, apenas subsidiar o consumo da população pobre a esses serviços. Com essa concepção individualizada de cidadania e relacionada ao consumo, tem-se a emergência da concepção de um sujeito empresário de si mesmo em relação ao qual os programas apenas visam dar uma compensação e administrar a situação de miséria, sem que isso implique em uma transformação profunda da desigualdade social.

Assim, a cidadania é hoje uma questão de gestão e financiamento; poderíamos chamá-la de “cidadania administrável”. Essa definição pressupõe uma nova forma de obscurecimento do conflito, que torna a desigualdade social uma questão de políticas e projetos sociais voltados para o apaziguamento (que também pode significar a manutenção) da pobreza.15 É nesse sentido da consolidação de mecanismos de uma administração da miséria ou da pobreza, a partir da delegação ao setor privado da gestão das políticas públicas e da sua focalização à cidadãos-consumidores, que as políticas dos órgãos internacionais apreendem o caráter “justo” da concepção gestionária do fundo público. O relatório participa dessa mesma compreensão quanto à Universidade Pública e seu papel de combate à pobreza, ou seja, seu léxico de justiça social remete ao discurso mercadológico: delimitação do público consumidor/alvo, por faixa consumidora/segmentos de vulnerabilidade social, metas a serem atingidas/indicadores sociais.16 Para o relatório não se trata de combater a pobreza, mas de geri-la de forma “eficiente” e com orientação para o mercado, sem mudar substancialmente a estrutura desigual da sociedade.17

13 Ibidem. p.199 14 LEOPOLDO, F. A experiência universitária entre dois liberalismos. Tempo Social 1-47, maio de 1999. 15 ABÍLIO. L. A gestão do social e o mercado da cidadania. In: Saídas de Emergência. p. 314 16 Ibidem, p. 315 17 Essa concepção da Universidade como prestadora de serviço, no qual a tematização da pobreza no relatório é elaborada, foi esboçada já na década de 90 pelo Franklin Leopoldo e pela Marilena Chauí. Isso se dá a partir da reestruturação da Universidade a partir de princípios de produtividade. Nesse processo, a

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III. As Universidades no Cenário Nacional De 1995 à 2002 (governo FHC), o número de instituições do ensino superior

passou de 894, sendo 210 públicas e 684 privadas (76,5%) para 1637, sendo 195 públicas e 1.442 privadas (88,1%). Entre os anos de 2003 e 2015 (governo Lula e Dilma) essa tendência de crescimento da educação privada em detrimento da educação pública permaneceu. Em 2003 o total de instituições de ensino superior era 1859, sendo 207 públicas e 1.652 privadas. Em 2015 2.364, sendo 2.069 privadas e 295 públicas. A diferença entre FHC e Lula e Dilma quanto à ampliação do sistema educacional privado decorre do fato de o primeiro ter subsidiado principalmente a criação das instituições sem atentar para a demanda, enquanto nos governos de Lula e Dilma houve um investimento na criação da demanda a partir de programas como FIES e PROUNI. Por exemplo, o crescimento de crédito orçamentário para o FIES de 2004 a 2014 cresceu de 872 milhões para 12,1 bilhões, e a participação de alunos que utilizam o FIES nas instituições pertencentes aos grandes grupos empresariais, como Estácio, Kroton (Anhanguera) e Anima, são bastante relevantes: 46, 59 e 36% respectivamente18, fazendo do ensino um grande negócio, em que parte do seus sucesso decorre da parceria público-privada pela qual o fundo público é transferido para subsidiar o ensino privado a custo zero para este. 19 Essas políticas vão ter como um dos seus efeitos a mudança na relação proporcional da participação dos alunos matriculados em instituições privadas e em instituições públicas do ensino superior. Assim, de 1995 a 2002, o percentual de matriculados em instituições privadas de 60,2% passou para 69,8%. No governo Lula, em 2010 a participação em instituições privadas era de 73,2%, e no governo Dilma, em 2015, era 72,5%.

Se olharmos para os dados a seguir, veremos, portanto, que as medidas sugeridas pelo Banco Mundial e outros órgãos internacionais econômicos já vêm sendo adotadas desde a década de 90 no Brasil. Desde então, temos uma reestruturação do Estado para que este se conforme às exigências do Capital transnacional e em fase de acumulação fictícia. Assim, percebemos que, independente de um aumento tímido20 no investimento Universidade é vista como prestadora de serviços com relevância para o crescimento econômico e ela deve prestar, portanto, conta disso, mostrar seus resultados. Uma Universidade com gestão “eficiente”, isto é, com bom desempenho do posto de vista empresarial, seria, nesse sentido, seria inclusive capaz de promover “justiça social”, subsidiado, no caso das privadas, com dinheiro público, claro, garantindo um custo zero. Sobre isso, por exemplo, ver LEOPOLDO, F. Op. Cit., p.44. 18 Ver p. 613 do texto Ajuste Fiscal e As Universidade Brasileiras: A Nova Investida do Banco Mundial. Cadernos do CEAS, nº 242, p. 602-634 19 Segundo o Diagnóstico FIES, divulgado pelo ministério da fazenda em junho de 2017, em 2015 o número de matriculados nas instituições privadas de ensino a partir do FIES superou o número de matriculados nas instituições públicas. In: http://www.fazenda.gov.br/centrais-de-conteudos/apresentacoes/arquivos/2017/diagnosticofies_junho2017.pdfhttp://www.fazenda.gov.br/centrais-de-conteudos/apresentacoes/arquivos/2017/diagnosticofies_junho2017.pdf 20 De 2000 até 2014, o percentual do investimento público direto em educação em relação ao PIB variou de 4,6% para 6%, sendo mais expressivo na educação básica. Enquanto na superior foi de 0,9% para 1,2%. A partir de 2014 há uma diminuição do total de investimento. Assim, apesar de ter havido um aumento no investimento, nada absurdo em decorrência do aumento do sistema educacional público, este foi tímido em decorrência da sua relação ao orçamento e do seu crescimento, e em relação ao gasto com a Dívida, algo sem precedente histórico. Isso indica que apesar do aumento no investimento na educação nesse período, ele se dá tendo em vista os imperativos da lei de responsabilidade fiscal, contenção e eficiência na gestão

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III. As Universidades no Cenário Nacional De 1995 à 2002 (governo FHC), o número de instituições do ensino superior

passou de 894, sendo 210 públicas e 684 privadas (76,5%) para 1637, sendo 195 públicas e 1.442 privadas (88,1%). Entre os anos de 2003 e 2015 (governo Lula e Dilma) essa tendência de crescimento da educação privada em detrimento da educação pública permaneceu. Em 2003 o total de instituições de ensino superior era 1859, sendo 207 públicas e 1.652 privadas. Em 2015 2.364, sendo 2.069 privadas e 295 públicas. A diferença entre FHC e Lula e Dilma quanto à ampliação do sistema educacional privado decorre do fato de o primeiro ter subsidiado principalmente a criação das instituições sem atentar para a demanda, enquanto nos governos de Lula e Dilma houve um investimento na criação da demanda a partir de programas como FIES e PROUNI. Por exemplo, o crescimento de crédito orçamentário para o FIES de 2004 a 2014 cresceu de 872 milhões para 12,1 bilhões, e a participação de alunos que utilizam o FIES nas instituições pertencentes aos grandes grupos empresariais, como Estácio, Kroton (Anhanguera) e Anima, são bastante relevantes: 46, 59 e 36% respectivamente18, fazendo do ensino um grande negócio, em que parte do seus sucesso decorre da parceria público-privada pela qual o fundo público é transferido para subsidiar o ensino privado a custo zero para este. 19 Essas políticas vão ter como um dos seus efeitos a mudança na relação proporcional da participação dos alunos matriculados em instituições privadas e em instituições públicas do ensino superior. Assim, de 1995 a 2002, o percentual de matriculados em instituições privadas de 60,2% passou para 69,8%. No governo Lula, em 2010 a participação em instituições privadas era de 73,2%, e no governo Dilma, em 2015, era 72,5%.

Se olharmos para os dados a seguir, veremos, portanto, que as medidas sugeridas pelo Banco Mundial e outros órgãos internacionais econômicos já vêm sendo adotadas desde a década de 90 no Brasil. Desde então, temos uma reestruturação do Estado para que este se conforme às exigências do Capital transnacional e em fase de acumulação fictícia. Assim, percebemos que, independente de um aumento tímido20 no investimento Universidade é vista como prestadora de serviços com relevância para o crescimento econômico e ela deve prestar, portanto, conta disso, mostrar seus resultados. Uma Universidade com gestão “eficiente”, isto é, com bom desempenho do posto de vista empresarial, seria, nesse sentido, seria inclusive capaz de promover “justiça social”, subsidiado, no caso das privadas, com dinheiro público, claro, garantindo um custo zero. Sobre isso, por exemplo, ver LEOPOLDO, F. Op. Cit., p.44. 18 Ver p. 613 do texto Ajuste Fiscal e As Universidade Brasileiras: A Nova Investida do Banco Mundial. Cadernos do CEAS, nº 242, p. 602-634 19 Segundo o Diagnóstico FIES, divulgado pelo ministério da fazenda em junho de 2017, em 2015 o número de matriculados nas instituições privadas de ensino a partir do FIES superou o número de matriculados nas instituições públicas. In: http://www.fazenda.gov.br/centrais-de-conteudos/apresentacoes/arquivos/2017/diagnosticofies_junho2017.pdfhttp://www.fazenda.gov.br/centrais-de-conteudos/apresentacoes/arquivos/2017/diagnosticofies_junho2017.pdf 20 De 2000 até 2014, o percentual do investimento público direto em educação em relação ao PIB variou de 4,6% para 6%, sendo mais expressivo na educação básica. Enquanto na superior foi de 0,9% para 1,2%. A partir de 2014 há uma diminuição do total de investimento. Assim, apesar de ter havido um aumento no investimento, nada absurdo em decorrência do aumento do sistema educacional público, este foi tímido em decorrência da sua relação ao orçamento e do seu crescimento, e em relação ao gasto com a Dívida, algo sem precedente histórico. Isso indica que apesar do aumento no investimento na educação nesse período, ele se dá tendo em vista os imperativos da lei de responsabilidade fiscal, contenção e eficiência na gestão

na educação, este foi feito de tal modo a favorecer a mercantilização21 e a conformação gestionária-empresarial do ensino (introdução da lógica empresarial nas Universidades e escolas públicas), sem que isso ameaçasse a acumulação do capital fictício. Quer dizer, foi um consenso intocável de todos os governos a necessidade de pagar a dívida pública a partir da contenção e corte de gastos para atingir a meta de um superávit primário, com manutenção dos juros altos e avanço na “desregulamentação” da economia nacional, cumprindo a exigência estrutural de acumulação do capital fictício. Desse modo, tivemos medidas nas últimas duas décadas como: criação da lei de responsabilidade fiscal, reforma da lei de falência, reformas da previdência etc, com vistas a garantir essa acumulação. É verdade que os governos Lula e Dilma diferem em alguns aspectos dos governos do FHC, principalmente em relação à tecnologia social montada para dar conta do conflito social gerado pela desigualdade social.22 Contudo, é necessário situar essa diferença e o plano objetivo que a possibilitou. Essa diferença não pode ser situada num pretenso neodesenvolvimentismo do Brasil, porque foi mantida toda estrutura macro-econômica pró-acumulação financeira, o que inviabiliza qualquer intenção de projeto nacional, já que a riqueza produzida é integrada imediatamente num mercado mundial onde circula uma riqueza predominantemente financeirizada23; ou de qualquer construção de um Estado Social, pois, como vimos, durante esse período direitos também não deixaram de ser tirados, principalmente os relativos à previdência, que ocupa o segundo lugar nos gastos públicos; e os aumentos verificados nos gastos sociais são bem tímidos do ponto de vista orçamentário, havendo uma predominância no pagamento de juros e amortizações24.

dos gastos públicos. Além disso, segundo a série histórica de 2008-2017 presente no documento Aspectos Fiscais da Educação no Brasil, do Tesouro Nacional, a educação passou a ter seus recursos cortados, chegando em 2017 a um número inferior do investimento feito em 2013. Apesar de segundo o documento a porcentagem da participação no PIB do investimento na educação de 2014 a 2017, em sua análise não se leva em consideração de nesse período o crescimento não só ter diminuído, mas sido deficitário. In: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/318974/EducacaoCesef2/eb3e416c-be6c-4325-af75-53982b85dbb4. Os dados de 2000 a 2014 foram acessados pelo site do MEC 21 Fonte - Censo do Inep de 2016: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/mec-e-inep-divulgam-dados-do-censo-da-educacao-superior-2016/21206 22 Paulani, L.A Experiência brasileira entre 2003 e 2014: Neodesenvolvimentismo? Todavia, não obstante a permanência desse arcabouço geral e da primazia garantida à riqueza financeira mesmo depois de o Partido dos Trabalhadores ter chegado ao poder federal, não se pode dizer que os governos de FHC, por um lado, e os de Lula/Dilma por outro, tenham sido exatamente iguais. p. 147. In: CADERNOS do Desenvolvimento, v. 12, n.20. 23 Sobre a financeirização: Ibidem. Op. Cit., p.145. Nesse texto, Leda mostra que na financeirização há uma separação crescente entre produção de riqueza material e produção de riqueza financeira, ou entre acumulação de dinheiro e produção real. Essa separação é, para nós, um indicador de que a produção material, devido seu alto grau de automatização, já não é suficiente para produzir lucro pela exploração de trabalho e cumprir o princípio que caracteriza o capitalismo: acumular de forma ampliada dinheiro. 24 Sobre dados da dívida, é possível ter acesso a partir do site da Auditoria: https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/03/31/As-commodities-e-seu-impacto-na-economia-do-Brasil.

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Assim, percebemos que o que houve foi a conciliação entre garantia do lucro do Capital transnacionalizado, via pagamento de juros e endividamento crescente do Estado, com programas sociais focalizados e caracterizados pela inclusão via consumo, mas limitados do ponto de vista do combate à desigualdade social, apesar do alívio social significativo que causou às camadas mais pobres. A condição objetiva dessa conciliação se deve ao crescimento econômico (leia-se acumulação de capital), possibilitado pela exportação de matérias-primas e sua absorção principalmente pela China. O que não foi feito sem danos sociais e ecológicos catastróficos, com genocídio e etnocídio da população indígena e camponesa, aumento da concentração de terra e do desmatamento.

Diante da crise de 2008, o pacto ganhou sobrevida graças à chamada política anticíclica, expressa nos dois PAC’s (Programa de Aceleração ao Crescimento). Nesse momento, houve uma intervenção do Estado na geração de demanda, subsidiando a produção de empresas privadas. Mas, ao invés de se configurar como um momento “neodesenvolvimentista”, esse momento foi caracterizado por um paradoxal “keynesianismo neoliberal”25, pois os projetos de infraestruturas e do financiamento imobiliário realizados pelo PAC tinham como pressuposto social uma economia já financeirizada, contando para sua realização com o empréstimo de bancos públicos, o que levou não a um desenvolvimento real, mas a sua simulação a partir da intensificação da financeirização da economia e do endividamento do Estado.26Quer dizer, tratava-se, antes de tudo, de uma “antecipação da produção de valor futuro”27, cujo encontro marcado não se realizou, como bem explicitou a desvalorização que se seguiu. Aliás, nesse período, a geração de emprego se deu sobretudo no setor terciário e de baixa remuneração ligados ao PAC, pois os investimentos eram sobretudo em obras de infra-estrutura, outro índice da durabilidade limitada dessa forma de investimento.28

25 Ver A Implosão do pacto social brasileiro - http://www.krisis.org/2016/a-imploso-do-pacto-social-brasileiro/. 26 Sobre isso, ver o relatório do IPEA de 2015 sobre a evolução do crédito na economia brasileira entre 2003 e 2010. O primeiro momento, de 2003-2007, foi caracterizado por empréstimo a pessoas físicas, ou seja, endividamento privado. O segundo momento, de 2007-2010, foi marcado por um avanço do crédito à pessoas jurídicas. http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3537/1/td2022.pdf. 27 Ver Lohoff, E; Trenkle, N. O Depósito de Lixo do Capital Fictício: Os limites do adiamento da crise do capital financeiro e a loucura da “política de austeridade”. 28 Desde a década de 90 o Brasil vivencia um processo de “desindustrialização endividada”, o que levou a um desemprego estrutural e a um aumento dos trabalhos informais no setor terciário. Um indicador desse processo é a diminuição do investimento na formação bruta de capital fixo (máquinas, infra-estruturas etc). A sua retomada só se deu a partir de 2007, mas sem chegar à resultados como os da década de 80 e anteriores. Além disso, há duas razões para o caráter limitado desse processo. O primeiro, é que o investimento em formação de capital se deu no setor de infra-estrutura, que não é capaz de produzir Capital, mas participa do seu processo de realização na esfera da circulação, fornecendo a esta uma maquinaria social que racionaliza e automatiza cada vez mais a dinâmica de reprodução social. Segundo, se dá num contexto em que a reprodução social é dependente do Capital fictício, e, portanto, esse investimento se dá subordinado às exigências de valorização a curto prazo do Capital em propriedade dos acionistas das empresas, credores, dos especuladores imobiliários etc, e parte dessas obras aqueceu esse processo autodestrutivo. Sobre a formação de Capital fixo, ver PAULANI, L. A inserção da economia brasileira no cenário mundial: uma reflexão sobre a situação atual à luz da história.

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Assim, percebemos que o que houve foi a conciliação entre garantia do lucro do Capital transnacionalizado, via pagamento de juros e endividamento crescente do Estado, com programas sociais focalizados e caracterizados pela inclusão via consumo, mas limitados do ponto de vista do combate à desigualdade social, apesar do alívio social significativo que causou às camadas mais pobres. A condição objetiva dessa conciliação se deve ao crescimento econômico (leia-se acumulação de capital), possibilitado pela exportação de matérias-primas e sua absorção principalmente pela China. O que não foi feito sem danos sociais e ecológicos catastróficos, com genocídio e etnocídio da população indígena e camponesa, aumento da concentração de terra e do desmatamento.

Diante da crise de 2008, o pacto ganhou sobrevida graças à chamada política anticíclica, expressa nos dois PAC’s (Programa de Aceleração ao Crescimento). Nesse momento, houve uma intervenção do Estado na geração de demanda, subsidiando a produção de empresas privadas. Mas, ao invés de se configurar como um momento “neodesenvolvimentista”, esse momento foi caracterizado por um paradoxal “keynesianismo neoliberal”25, pois os projetos de infraestruturas e do financiamento imobiliário realizados pelo PAC tinham como pressuposto social uma economia já financeirizada, contando para sua realização com o empréstimo de bancos públicos, o que levou não a um desenvolvimento real, mas a sua simulação a partir da intensificação da financeirização da economia e do endividamento do Estado.26Quer dizer, tratava-se, antes de tudo, de uma “antecipação da produção de valor futuro”27, cujo encontro marcado não se realizou, como bem explicitou a desvalorização que se seguiu. Aliás, nesse período, a geração de emprego se deu sobretudo no setor terciário e de baixa remuneração ligados ao PAC, pois os investimentos eram sobretudo em obras de infra-estrutura, outro índice da durabilidade limitada dessa forma de investimento.28

25 Ver A Implosão do pacto social brasileiro - http://www.krisis.org/2016/a-imploso-do-pacto-social-brasileiro/. 26 Sobre isso, ver o relatório do IPEA de 2015 sobre a evolução do crédito na economia brasileira entre 2003 e 2010. O primeiro momento, de 2003-2007, foi caracterizado por empréstimo a pessoas físicas, ou seja, endividamento privado. O segundo momento, de 2007-2010, foi marcado por um avanço do crédito à pessoas jurídicas. http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3537/1/td2022.pdf. 27 Ver Lohoff, E; Trenkle, N. O Depósito de Lixo do Capital Fictício: Os limites do adiamento da crise do capital financeiro e a loucura da “política de austeridade”. 28 Desde a década de 90 o Brasil vivencia um processo de “desindustrialização endividada”, o que levou a um desemprego estrutural e a um aumento dos trabalhos informais no setor terciário. Um indicador desse processo é a diminuição do investimento na formação bruta de capital fixo (máquinas, infra-estruturas etc). A sua retomada só se deu a partir de 2007, mas sem chegar à resultados como os da década de 80 e anteriores. Além disso, há duas razões para o caráter limitado desse processo. O primeiro, é que o investimento em formação de capital se deu no setor de infra-estrutura, que não é capaz de produzir Capital, mas participa do seu processo de realização na esfera da circulação, fornecendo a esta uma maquinaria social que racionaliza e automatiza cada vez mais a dinâmica de reprodução social. Segundo, se dá num contexto em que a reprodução social é dependente do Capital fictício, e, portanto, esse investimento se dá subordinado às exigências de valorização a curto prazo do Capital em propriedade dos acionistas das empresas, credores, dos especuladores imobiliários etc, e parte dessas obras aqueceu esse processo autodestrutivo. Sobre a formação de Capital fixo, ver PAULANI, L. A inserção da economia brasileira no cenário mundial: uma reflexão sobre a situação atual à luz da história.

Todo esse período de paradoxal keynesianismo neoliberal também foi possibilitado pela reprimarização da economia voltada para o mercado mundial e pela conjuntura do boom dos preços das commodities. É esse processo que possibilitou, num contexto de “desindustrialização endividada”, que o Brasil mantivesse a simulação de um crescimento econômico sustentado por um endividamento crescente da sociedade como um todo. Foi também tal contexto que possibilitou investimentos na educação, principalmente a partir de 200729 com o PAC, com a criação de Universidades Federais e ampliação do acesso ao ensino superior, que contou também com políticas de concessão de crédito e subsídios ao setor privado. Quando essa conjuntura se esgotou em 2014, tendo início a baixa dos preços das commodities,30 logo se deu a implosão do pacto e a intensificação do corte dos investimentos em setores sociais. Assim, logo no início de 2015 foi anunciado corte na educação31. Em decorrência do corte nas pesquisas, os recursos da CNPq a partir desse ano até 2017 retrocederam a um patamar inferior ao de 2003. A porcentagem do orçamento da CAPES para bolsas a partir de 2015 retrocedeu para um valor inferior ao de 2004.32Do ponto de vista da totalidade do orçamento destinado a CAPES, o valor de 2018 se aproxima de 2012, tendo um corte de quase 3,5 bilhões (um corte de quase 50%) .33 A tendência é que o orçamento reduza ainda mais. Em nota pública, o conselho da CAPE, chegou a informar que está previsto para 2019 um orçamento com um valor que é mais de 500 milhões inferior ao de 2018. A estimativa é que sejam suspensas em torno de 200 mil bolsas34, sendo 93 mil da pós-graduação. Isso afeta também a permanência nas Universidades. Apesar da nota oficial do ministério da educação dizendo que não haveria suspensão de bolsas, nada foi dito quanto ao corte orçamentário previsto.

A financeirização da economia (e também da política) não é, aliás, resultado de um cálculo político consciente, ou de uma conspiração que remeteria aos agentes do sistema financeiro, mas resultado da cega auto-contradição em processo que é o capitalismo. Leda Paulani, em A inserção da economia brasileira no cenário mundial: uma reflexão sobre a situação atual à luz da história, reconstitui o processo histórico de inserção da economia brasileiro no movimento de acumulação do capital mundial. Esse processo só efetivado na medida em que a economia brasileira se tornou uma praça de

29 Segundo o MEC, enquanto a variação em 2007 foi de 40,7% frente a 5,1% de 2001, em 2014 a variação foi de 153,2%. 30 Ver https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/03/31/As-commodities-e-seu-impacto-na-economia-do-Brasil. 31 Sobre o lema pátria educadora, educação teve cortes no orçamento e greves em 2015. http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2015-12/sob-o-lema-patria-educadora-educacao-tem-cortes-no-orcamento-e-greves 32 Esses dados podem ser acessados no estudo Crise de Financiamento das Universidades Federais e da Ciência e Tecnologia Pública. In: http://portal.andes.org.br/imprensa/documentos/imp-doc-1877498921.pdf. 33 A evolução orçamentária da CAPES pode ser acessada aqui: http://www.capes.gov.br/images/stories/download/diversos/11042018-Orcamento-por-PPA-2004-2019.pdf. Na tabela não está explicitado se os valores apresentados levam ou não em consideração a inflação. 34https://educacao.uol.com.br/noticias/2018/08/02/capes-diz-que-so-tem-verba-para-bolsas-de-pos-graduacao-ate-agosto-de-2019.htm

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acumulação financeira do capital mundial para cumprir as exigências de uma nova configuração do capital ou “regime de acumulação”, quer dizer, trata-se de uma mudança qualitativa e sem volta na história do capitalismo. Para isso, foram necessárias medidas de abertura da economia, internacionalizando-a. Portanto, a desregulamentação das economias nacionais coincide historicamente com o desenvolvimento da forma predominantemente fictícia do capital. Mas o que isso implica?

O capital na sua forma fictícia dispensa para sua valorização o investimento direto no setor produtivo, se valorizando principalmente a partir de processos especulativos (mobiliários ou imobiliários) e pela forma do empréstimo. Nesse contexto, o fundo público dos Estados se torna uma fonte de valorização fictícia fundamental. Como a reprodução dos Estados dependem do endividamento crescente, pagando dívidas com o aumento da própria dívida, o objetivo das políticas de austeridades, portanto, não visam o pagamento real, pois acentuam a paralisação da riqueza material dos Estados, decorrente dos cortes de gastos com a produção nacional. Os Estados, nesse contexto, podem apenas simular a capacidade de pagamento da dívida com vistas a continuar atraindo investidores estrangeiros, cumprindo com as exigências dos bancos e mantendo precariamente funcionando a produção social a serviço desse capital, aquecendo, por exemplo, a bolha imobiliária, fornecendo infra-estruturas para esse capital transnacionalizados e simulando um poder de compra ausente via crédito - condição, aliás, da absorção das mercadorias produzidas mundialmente, consumando o ciclo de produção de mais-valia. Assim, apesar do capital financeiro mobilizar recursos materiais e força de trabalho realmente (principalmente no setor terciário), moldando a realidade efetiva social, esta mobilização só se dá com vistas a se manter acesa a luz do mercado e a expectativa de acumulção do capital financeiro por uma subordinada produção real insuficiente do ponto de vista da acumulação real de dinheiro.

Essa situação atual nada mais é, portanto, que a fuga para frente do Capital enquanto seu próprio limite. Os limites consecutivos de acumulação de dinheiro a partir do investimento em capital produtivo, em decorrência do aumento da produtividade social, levou o capital a recorrer a sua forma fictícia de valorização, saqueando cada vez mais os recursos públicos dos Estados, mesmo nos países centrais do capitalismo. O aumento da produtividade social significa a substituição crescente do trabalho humano pela máquina. Contudo, o valor do dinheiro, a sua substância, consiste no dispêndio desse trabalho do qual deriva a cota-parte da mais-valia que define o rendimento do capital que rende juros (crédito). A diminuição do dispêndio de trabalho social significa, assim, a incapacidade do dinheiro de se acumular por investimentos empresariais rentáveis, isto é, que gerem lucro real a partir da apropriação de trabalho não pago. Esse limite absoluto foi atingido historicamente na década de 80, na forma de uma crise de sobreacumulação. Mas como se manteve a exigência formal do sistema de acumular de forma ampliada sempre mais dinheiro, o capital monetário excedente passou a migrar para as estruturas financeiras: bancos, bolsas de valores, especulação imobiliária etc. Mas essa forma de acumulação não é um regime real de acumulação, mas apenas a sua simulação, indicando como fundo um processo de desvalorização crescente do dinheiro. O capital, assim, para garantir sua existência num contexto de crise permanente (se a normalidade é a valorização, a crise é a desvalorização) começa a degradar e excluir cada vez mais parcelas da população mundial a partir da precarização constante de suas instituições, infra-estruturas etc.

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acumulação financeira do capital mundial para cumprir as exigências de uma nova configuração do capital ou “regime de acumulação”, quer dizer, trata-se de uma mudança qualitativa e sem volta na história do capitalismo. Para isso, foram necessárias medidas de abertura da economia, internacionalizando-a. Portanto, a desregulamentação das economias nacionais coincide historicamente com o desenvolvimento da forma predominantemente fictícia do capital. Mas o que isso implica?

O capital na sua forma fictícia dispensa para sua valorização o investimento direto no setor produtivo, se valorizando principalmente a partir de processos especulativos (mobiliários ou imobiliários) e pela forma do empréstimo. Nesse contexto, o fundo público dos Estados se torna uma fonte de valorização fictícia fundamental. Como a reprodução dos Estados dependem do endividamento crescente, pagando dívidas com o aumento da própria dívida, o objetivo das políticas de austeridades, portanto, não visam o pagamento real, pois acentuam a paralisação da riqueza material dos Estados, decorrente dos cortes de gastos com a produção nacional. Os Estados, nesse contexto, podem apenas simular a capacidade de pagamento da dívida com vistas a continuar atraindo investidores estrangeiros, cumprindo com as exigências dos bancos e mantendo precariamente funcionando a produção social a serviço desse capital, aquecendo, por exemplo, a bolha imobiliária, fornecendo infra-estruturas para esse capital transnacionalizados e simulando um poder de compra ausente via crédito - condição, aliás, da absorção das mercadorias produzidas mundialmente, consumando o ciclo de produção de mais-valia. Assim, apesar do capital financeiro mobilizar recursos materiais e força de trabalho realmente (principalmente no setor terciário), moldando a realidade efetiva social, esta mobilização só se dá com vistas a se manter acesa a luz do mercado e a expectativa de acumulção do capital financeiro por uma subordinada produção real insuficiente do ponto de vista da acumulação real de dinheiro.

Essa situação atual nada mais é, portanto, que a fuga para frente do Capital enquanto seu próprio limite. Os limites consecutivos de acumulação de dinheiro a partir do investimento em capital produtivo, em decorrência do aumento da produtividade social, levou o capital a recorrer a sua forma fictícia de valorização, saqueando cada vez mais os recursos públicos dos Estados, mesmo nos países centrais do capitalismo. O aumento da produtividade social significa a substituição crescente do trabalho humano pela máquina. Contudo, o valor do dinheiro, a sua substância, consiste no dispêndio desse trabalho do qual deriva a cota-parte da mais-valia que define o rendimento do capital que rende juros (crédito). A diminuição do dispêndio de trabalho social significa, assim, a incapacidade do dinheiro de se acumular por investimentos empresariais rentáveis, isto é, que gerem lucro real a partir da apropriação de trabalho não pago. Esse limite absoluto foi atingido historicamente na década de 80, na forma de uma crise de sobreacumulação. Mas como se manteve a exigência formal do sistema de acumular de forma ampliada sempre mais dinheiro, o capital monetário excedente passou a migrar para as estruturas financeiras: bancos, bolsas de valores, especulação imobiliária etc. Mas essa forma de acumulação não é um regime real de acumulação, mas apenas a sua simulação, indicando como fundo um processo de desvalorização crescente do dinheiro. O capital, assim, para garantir sua existência num contexto de crise permanente (se a normalidade é a valorização, a crise é a desvalorização) começa a degradar e excluir cada vez mais parcelas da população mundial a partir da precarização constante de suas instituições, infra-estruturas etc.

É nesse cenário de esgotamento e de terra arrasada que se encontra a situação das Universidades Públicas. A massificação do ensino superior promovida nos últimos anos35, e sendo este uma instância de formação da força de trabalho, já não encontra nenhuma funcionalidade do ponto de vista da absorção da força de trabalho formada no mercado. Com o atual nível de desemprego estrutural e a agudização da crise do estado brasileiro, esgotando as políticas de ganhar tempo em relação ao esgarçamento do sistema capitalista, já não se é capaz de promover nenhuma absorção dessa força de trabalho a partir de governos de administração da crise, mesmo que compensatória. Que se pese os atuais cortes de gasto na educação, numa conjuntura de congelamento de 20 anos do orçamento, está diminuindo ainda mais a capacidade de integração a partir da atividade da docência, principalmente no setor público. Esse processo produz ao mesmo tempo uma desvalorização da força de trabalho, agudiza a concorrência e faz com que esse processo de precarização sirva de transição para uma condição de “sujeitos monetários sem dinheiro”, isto é, uma força de trabalho cujo drama é já não encontrar quem a explore.

Não é difícil concluir que o avanço na precarização crescente do ensino superior público pós-implosão do pacto social, em contexto de agudização da crise e apesar dos mecanismos de deslocamento do limites histórico da acumulação do capital (sobretudo financeirização e reprimarização da economia), leva à exclusão das pessoas negras, mulheres indígenas, quilombolas36 e pobres das Universidades em decorrência da precarização das condições de permanência, tanto do ponto de vista da infraestrutura de reprodução da vida humana, quanto do montante de bolsas de pesquisa destinadas às Universidades públicas.

IV. A USP com todo vapor ao Colapso O discurso da crise na USP se apresenta como um discurso técnico-burocrático

que visa dar soluções científicas e, portanto, neutras, para um fenômeno tomado como um dado isolado que é a “crise orçamentária”. Assim, se argumenta que a USP gasta mais do que pode, que o modo como lida com seu orçamento é um modo dispendioso, e que deveria ser solucionado a partir de uma racionalização maior dos gastos orçamentários - um discurso alinhado aquele que se vê na proposta gestionária do Banco Mundial e aquele no nível nacional sobre responsabilidade fiscal, gestão eficiente dos gastos públicos etc.

Essa racionalização prevê a redução do gasto com sua força de trabalho que aparece sob a rubrica da “folha de pagamento” (docentes e funcionários) bem como com atividades que a Universidade realiza e que são responsáveis pela reprodução da força de trabalho não só de seus quadros de servidores, de seus estudantes (que também trabalham

35 É necessário especificar o termo massificação em relação a Universalização. Não se trata de uma crítica ao aumento da universalização do acesso, já que aqui se trata de sua defesa, mas a sua subordinação a uma política voltada para o cumprimento das exigências do mercado, feita com recursos escassos e sob o imperativo do produtivismo, que dá de sobra indícios de do caráter autodestrutivo dessa política e seus efeitos catastróficos. Sobre a diferença entre massificação e universalização, ver BRUNO, L. Educação e desenvolvimento econômico no Brasil. Revista Brasileira de educação, v.16. n. 48 36 Governo Temer corta bolsa para estudantes indígenas e quilombolas. In: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/06/governo-temer-corta-bolsa-para-estudantes-indigenas-e-quilombolas.shtml.

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pra USP), mas também da comunidade ao redor e que fornecem condições para a realização também de pesquisas. É o caso do Hospital Universitário, das creches, da escola de aplicação etc. Essas medidas de “austeridade”, que visam enxugar os gastos por meio da “racionalização”, isto é, calcular todas as atividades de modo a fazer o máximo com menos possível, atacam, por um lado, profundamente o tripé da Universidade de São Paulo: extensão, pesquisa e ensino. Por outro, produz uma precarização do trabalho, como consequência do aumento do produtivismo.

Como explicar esses efeitos? É que a solução apresentada pela reitoria não visa somente uma redução do seu quadro de funcionários, um mero corte de gastos. Mas visa também uma “gestão eficiente” dos seus gastos. Em outros termos, pressupõe introduzir na administração da Universidade os princípios da gestão empresarial: fazer o máximo com o mínimo possível. Daí que não há apenas demissão, mas os quadros demitidos são insuficientemente repostos na forma de trabalhos precarizados via terceirização ou contratos temporários que visam reduzir os custos, mas mantendo metas de produtividade. O que pressupõe: má remuneração, insegurança quanto ao futuro (contratos temporários), responsabilização das(os) trabalhadores pela suas próprias condições de trabalho (exemplo: funcionárias (os) da limpeza que tem que arcar do seu próprio bolso com vários materiais). É o que ocorreu na USP com a segurança, a limpeza, os bandejões e com a docência, mas que tende se estender inclusive para demais setores. No caso do Hospital Universitário, há a proposta de desvincular o Hospital e passar ele para uma Organização Social da Saúde. Uma Organização Social é uma entidade de direito privado sem fins-lucrativos, mas que, nos seus contratos de gestões, se mostram claramente como empresas, ou seja, funcionam a partir do imperativo do ganho empresrial e tem que cumprimir metas de produtividade que são estabelecidas no contrato. Assim, as OS’s precisam gerir um fundo público destinado a um determinado setor da infra-estrutura social (escola, hospital, biblioteca etc) com o mínimo possível. A consequência disso é que os hospitais geridos por Organizações Sociais são extremamente precarizados: baixo número de funcionários, altos índices de sobrecarga, e equipamentos precários (até os equipamentos podem ser terceirizados). Além disso, são formas de administração que apresentam altos índices de corrupção. No caso da creche, há a proposta de monetarizar algo que é um direito a partir de um auxílio creche de 400 reais.

Esses efeitos são apenas índices de um projeto maior (de escala até mesmo transnacional, como vimos). A reitoria encomendou, em parceria com grupos empresariais, um relatório da consultoria norte-americana McKinsey.37 Nesse relatório, se propõe que haja mais Planos de Demissão Voluntária (PIDV), que, somado os dois que houveram, foram responsáveis pela demissão de mais de 3600 servidores. Propõe também que se cobre por estacionamentos, que se terceirize os bandejões restantes e outros setores, e que se cobre pela moradia. Se se atentar bem, boa parte das propostas do relatório estão sendo cumpridas desde 2014. Não é por acaso que, dado essa tendência

37 É possível ter acesso ao relatório aqui: https://www.adusp.org.br/index.php/demousp/3086-relatorio-da-mckinsey-que-custou-r-5-milhoes-propoe-a-usp-foco-em-unidades-chave-expandir-oferta-de-cursos-pagos-e-cobrar-por-dormitorios-estudantis.

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pra USP), mas também da comunidade ao redor e que fornecem condições para a realização também de pesquisas. É o caso do Hospital Universitário, das creches, da escola de aplicação etc. Essas medidas de “austeridade”, que visam enxugar os gastos por meio da “racionalização”, isto é, calcular todas as atividades de modo a fazer o máximo com menos possível, atacam, por um lado, profundamente o tripé da Universidade de São Paulo: extensão, pesquisa e ensino. Por outro, produz uma precarização do trabalho, como consequência do aumento do produtivismo.

Como explicar esses efeitos? É que a solução apresentada pela reitoria não visa somente uma redução do seu quadro de funcionários, um mero corte de gastos. Mas visa também uma “gestão eficiente” dos seus gastos. Em outros termos, pressupõe introduzir na administração da Universidade os princípios da gestão empresarial: fazer o máximo com o mínimo possível. Daí que não há apenas demissão, mas os quadros demitidos são insuficientemente repostos na forma de trabalhos precarizados via terceirização ou contratos temporários que visam reduzir os custos, mas mantendo metas de produtividade. O que pressupõe: má remuneração, insegurança quanto ao futuro (contratos temporários), responsabilização das(os) trabalhadores pela suas próprias condições de trabalho (exemplo: funcionárias (os) da limpeza que tem que arcar do seu próprio bolso com vários materiais). É o que ocorreu na USP com a segurança, a limpeza, os bandejões e com a docência, mas que tende se estender inclusive para demais setores. No caso do Hospital Universitário, há a proposta de desvincular o Hospital e passar ele para uma Organização Social da Saúde. Uma Organização Social é uma entidade de direito privado sem fins-lucrativos, mas que, nos seus contratos de gestões, se mostram claramente como empresas, ou seja, funcionam a partir do imperativo do ganho empresrial e tem que cumprimir metas de produtividade que são estabelecidas no contrato. Assim, as OS’s precisam gerir um fundo público destinado a um determinado setor da infra-estrutura social (escola, hospital, biblioteca etc) com o mínimo possível. A consequência disso é que os hospitais geridos por Organizações Sociais são extremamente precarizados: baixo número de funcionários, altos índices de sobrecarga, e equipamentos precários (até os equipamentos podem ser terceirizados). Além disso, são formas de administração que apresentam altos índices de corrupção. No caso da creche, há a proposta de monetarizar algo que é um direito a partir de um auxílio creche de 400 reais.

Esses efeitos são apenas índices de um projeto maior (de escala até mesmo transnacional, como vimos). A reitoria encomendou, em parceria com grupos empresariais, um relatório da consultoria norte-americana McKinsey.37 Nesse relatório, se propõe que haja mais Planos de Demissão Voluntária (PIDV), que, somado os dois que houveram, foram responsáveis pela demissão de mais de 3600 servidores. Propõe também que se cobre por estacionamentos, que se terceirize os bandejões restantes e outros setores, e que se cobre pela moradia. Se se atentar bem, boa parte das propostas do relatório estão sendo cumpridas desde 2014. Não é por acaso que, dado essa tendência

37 É possível ter acesso ao relatório aqui: https://www.adusp.org.br/index.php/demousp/3086-relatorio-da-mckinsey-que-custou-r-5-milhoes-propoe-a-usp-foco-em-unidades-chave-expandir-oferta-de-cursos-pagos-e-cobrar-por-dormitorios-estudantis.

que assola a Universidade de modo a transformá-la numa espécie de empresa, passou-se a dizer que a Universidade se transformou num “Simulacro de Fábrica”

Vejamos alguns dados do atual sucateamento legitimado pelo discurso da “crise orçamentária”:

Quadro de docentes de Setembro 2014 a Fevereiro 2018 (Relação do quadro docente efetivo x Temporário) elaborado pela ADUSP:

Setembro/2014 Total: 6207 Efetivos: 6142 Temporários: 65 Setembro/2015 Total: 6114 Efetivos: 6038 Temporários: 76 Setembro/2016 Total: 6066 Efetivos: 5902 Temporários: 164 Setembro/2017 Total: 5868 Efetivos: 5673 Temporários: 195 Fevereiro/2018 Total: 5853 Efetivos: 5643 Temporários: 210 Déficit Efetivos: - 499 Variação: - 8.12%

Do ponto de vista da totalidade de docentes, houve uma perda de 354. Boa parte da reposição foi feita com quadros temporários. Assim, do ponto de vista da totalidade de docentes efetivos, houve uma perda de 499 docentes.38 De 2015-2018 foram contratados 128 efetivos. Mas nesse período, foram contratados muito mais temporários. Na aprovação do orçamento de 2018, estava prevista a contratação de 150 docentes por concursos efetivos. Mas, vendo a tabela, percebe-se que essa contratação não consegue suprir o déficit e que o total de docentes diminuiu 8,12% mesmo com as contratações realizadas de 2015-2018. O que indica que o total diminui mais rápido que as contratações.

Para se ater a nossa faculdade, a FFLCH é a segunda que mais perdeu quadros efetivos do ponto de vista absoluto: perda de 43 efetivos desde 2014. Ficando atrás apenas da FEA (48). E a contratação temporária de docentes, está sendo incentivada cada vez mais, e vai se acentuar com a aprovação do novo plano de carreira elaborado por uma comissão montada pelo então ex-reitor Zago, que prevê o fim do RDIDP (Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa) como fundamento do regime de trabalho e a flexibilização dos contratos a partir de uma novo regime de avaliação, que serão mais frequentes, de caráter quantitativo e centralizada, que torna possível a perda do RDIDP se docentes não cumprirem com as metas de produtividade. O RDIDP passa a entrar no registro do bônus e se abre a possibilidade de aumentar regimes temporários de trabalho e a parceria público-privada na pesquisa da Universidade.39

38 Esses dados foram revelados por um amplo levantamento efetuado pela Adusp, que tomou como base as folhas de pagamentos de 2014 a 2018, disponíveis no Portal da Transparência da USP. A tabela preparada pela Adusp pode ser encontrada no site da entidade. 39https://www.adusp.org.br/index.php/carreira-docente/2354-carreira-docente-em-xeque-e-gt-ad-nao-aparece-para-debater. O relatório com as propostas de novo regime de trabalho docente pode ser acessado aqui: http://www.reitoria.usp.br/wp-content/uploads/Propostas-Iniciais-sobre-Valorizacao-da-Docencia-e-Avaliacao1.pdf.

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Quadro da relação de Funcionários Técnico Administrativo x Docentes, de elaboração própria40:

2014 Total: 23.290 Docentes: 6090 Técnico-adm: 17200

Julho/2015 Total: 21772 Doentes: 6129 Técnico-adm: 15643

Julho/ 2016 Total: 21442 Docentes: 6067 Técnico-adm: 15375

Julho/2017 Total: 19762 Docentes: 5902 Técnico-adm: 13860

Maio/2018 Total: 19508 Docentes: 5847 Técnico-adm: 13665

Déficit Déficit: 3782 Variação: -16,24% Déficit: - 3535 T-adm.

Percebe-se que o maior déficit causado pela congelação de contratação da gestão Zago e pelos programas de Incentivo à Demissão Voluntária se faz sentir no corpo de funcionários técnicos-administrativos. Como não se trata só de números, mas de pessoas e de formas de relações sociais que medeiam as relações entre essas pessoas, temos que medir as consequências desse processo.

Do ponto de vista da saúde dos corpos de seus funcionários: adoecimentos de 50% de trabalhadores por LER (Lesão por Esforço Repetitivo), segundo dados da SAS (Superintendência de Assistência Social) causada pela sobrecarga de trabalho devido às demissões; desmonte praticamente completo do HU, o que implica uma precarização do bem-estar social da região não só dos funcionários que o utilizam, mas de toda população do Butantã que não tem condições de pegar por um Hospital de qualidade, já que é o único Hospital da região. Esse corte também levou ao fechamento da Creche Oeste, que é fundamental tanto para a pesquisa de estudantes da Faculdade de Educação quanto para a permanência de estudantes mães e pais na Universidade.

Do ponto de vista político: as demissões enfraquecem a organização de funcionários (as) efetivos (as), pois diminui a potência de seu corpo coletivo e aumenta o medo de punição, como é o caso do corte de pontos de 2016 para funcionárias (os) da SAS, que até hoje não foram revertidos, mesmo a USP perdendo na justiça do trabalho. Por sua vez, a contratação insuficiente e em condições extremamente precárias de trabalho a partir da terceirização implica uma desmobilização maior a partir tanto da fragmentação entre trabalhadoras(es) efetivadas (os) e não efetivadas (os) quanto do risco constante de demissão e punições que o regime de trabalho terceirizado implica. Assim, esse processo de precarização do trabalho na Universidade não é só um processo econômico (corte de gastos e racionalização de seu gasto de forma empresarial), mas também um modo de controle político a partir do medo.

40 Foi utilizado, quanto aos números de 2014, os dados disponíveis no anuários da USP. Dos demais anos, os dados fornecidos pelo portal de transparência da USP, na parte de recursos humanos.

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Quadro da relação de Funcionários Técnico Administrativo x Docentes, de elaboração própria40:

2014 Total: 23.290 Docentes: 6090 Técnico-adm: 17200

Julho/2015 Total: 21772 Doentes: 6129 Técnico-adm: 15643

Julho/ 2016 Total: 21442 Docentes: 6067 Técnico-adm: 15375

Julho/2017 Total: 19762 Docentes: 5902 Técnico-adm: 13860

Maio/2018 Total: 19508 Docentes: 5847 Técnico-adm: 13665

Déficit Déficit: 3782 Variação: -16,24% Déficit: - 3535 T-adm.

Percebe-se que o maior déficit causado pela congelação de contratação da gestão Zago e pelos programas de Incentivo à Demissão Voluntária se faz sentir no corpo de funcionários técnicos-administrativos. Como não se trata só de números, mas de pessoas e de formas de relações sociais que medeiam as relações entre essas pessoas, temos que medir as consequências desse processo.

Do ponto de vista da saúde dos corpos de seus funcionários: adoecimentos de 50% de trabalhadores por LER (Lesão por Esforço Repetitivo), segundo dados da SAS (Superintendência de Assistência Social) causada pela sobrecarga de trabalho devido às demissões; desmonte praticamente completo do HU, o que implica uma precarização do bem-estar social da região não só dos funcionários que o utilizam, mas de toda população do Butantã que não tem condições de pegar por um Hospital de qualidade, já que é o único Hospital da região. Esse corte também levou ao fechamento da Creche Oeste, que é fundamental tanto para a pesquisa de estudantes da Faculdade de Educação quanto para a permanência de estudantes mães e pais na Universidade.

Do ponto de vista político: as demissões enfraquecem a organização de funcionários (as) efetivos (as), pois diminui a potência de seu corpo coletivo e aumenta o medo de punição, como é o caso do corte de pontos de 2016 para funcionárias (os) da SAS, que até hoje não foram revertidos, mesmo a USP perdendo na justiça do trabalho. Por sua vez, a contratação insuficiente e em condições extremamente precárias de trabalho a partir da terceirização implica uma desmobilização maior a partir tanto da fragmentação entre trabalhadoras(es) efetivadas (os) e não efetivadas (os) quanto do risco constante de demissão e punições que o regime de trabalho terceirizado implica. Assim, esse processo de precarização do trabalho na Universidade não é só um processo econômico (corte de gastos e racionalização de seu gasto de forma empresarial), mas também um modo de controle político a partir do medo.

40 Foi utilizado, quanto aos números de 2014, os dados disponíveis no anuários da USP. Dos demais anos, os dados fornecidos pelo portal de transparência da USP, na parte de recursos humanos.

A todo esse processo ainda se acrescenta a PEC do fim da USP. Nos dias 7 de março e 11 de abril de 2017 o Conselho Universitário aprovou o pacote fiscal denominado “Parâmetros de Sustentabilidade”. Esses parâmetros prevê um teto de gasto com servidores de 80% conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000) que também fixa um limite para o gasto de pessoal para que assim se possa cumprir com suas responsabilidades (no Plano Federal, isso significa cortar do setor social para pagar a dívida pública). Se o gasto com folha de pagamento chegar a 80% a reitoria pode congelar e negar reajuste salarial. E se chegar a 85% ela pode diminuir o valor excedente (demitir) Além do teto, foi aprovada como parâmetro uma proporção que deve ser seguida entre as categorias: 40% devem ser docentes. Hoje, docentes representam 30%. Isso significa que para alcançar essa proporção o corpo de funcionários técnico-administrativo terá que diminuir mais em cerca de 5 mil funcionários.

Permanência

A reitoria da Universidade de São Paulo, também passou, nesse contexto de crise, a dizer que a USP gasta demais com permanência e gasta cada vez mais. E que a permanência não é uma responsabilidade da USP. Em uma entrevista, o atual reitor Vahan Agopyan, diz o seguinte: "Somos péssimos administradores para manter residências estudantis, para fazer restaurantes ou para administrar auxílios de bolsas. Não é nossa especialidade. Nós não somos muito eficientes nisso. Precisamos discutir com os poderes públicos que não é a tarefa da universidade ser uma entidade assistencialista." 41

É necessário pensarmos nessa lógica perversa. A USP, que acaba de aprovar cotas, sendo a última a adotar essa política pública, começa agora a ver na permanência um problema, algo em relação ao qual ela não deve se responsabilizar. Aqui devemos nos atentar para dois pontos quanto a essa responsabilização. A primeira é que na entrevista Vahan aponta como saída colocar a permanência como questão que o Estado deveria lidar e não a Universidade. Mas, recentemente, com o relatório final da McKinsey, se coloca como alternativa de “administração” da permanência a cobrança pelas moradias, algo que já ocorre com os alojamentos do CEPE (Centro de Práticas Esportivas). De todo modo, é uma lógica perversa pela qual a USP desloca suas táticas de elitização e embranquecimento da Universidade, visando o sucateamento das condições de permanência de estudantes mais pobres, negros, mulheres, algo que se agrava se forem pais ou mães. Se intersecciona, no caso da permanência, o desmonte do Hospital Universitário, das Creches e da Escola de Aplicação. Poderíamos também pensar no caso do sucateamento de espaços de convivência e lazer, condições para ter-se condições psicológicas saudáveis, num ambiente de forte tendência ao isolamento, a concorrência, a produção de uma frieza em relação a si, ao seu próprio corpo e ao outro.

Vahan prefere tratar a questão da permanência como uma questão administrativa, meramente gestionária, de onde tirar e colocar dinheiro, independente do seu conteúdo e a relação desse conteúdo às necessidades humanas e sociais vitais, primeiramente. Deveria ser prioridade da USP garantir o bem-estar coletivo de seu corpo universitário e adjacentes. Segundamente, essas condições são fundamentais para a própria qualidade do ensino: como as pessoas irão estudar e pesquisar sem condições adequadas para tal? E 41https://educacao.uol.com.br/noticias/2018/02/01/usp-nao-e-entidade-assistencialista-diz-novo-reitor-sobre-ajuda-a-cotistas.htm

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garantir essas condições é indispensável para que a Universidade seja realmente um bem social comum, algo compartilhado e usufruído por todos, algo que vai além de uma concepção pública meramente jurídica e administrativa;

Mas não é nessa direção que a USP parece caminhar. Vejamos os dados adquiridos com a Lei de Acesso à Informação sobre os pedidos por moradia e as vagas concedidas (atenção para o fato de esses dados serem anteriores à aprovação das cotas):

Ano Inscritos Vagas Concedidas 2015 2483 227 2016 3057 230 2017 3832 165

O reitor diz que o gasto com a permanência está aumentando demais. Segundo o anuário da USP, de 2013 a 2016, o gasto com permanência cresceu de R$ 170. 724. 142 para R$ 206.829.920. Contudo, não é difícil nos estranharmos com esse dado: além de não ser um aumento relevante, dado às necessidades sociais de estudantes, cabe nos perguntarmos: para onde está indo esse dinheiro aumentado? Se está aumentando o dinheiro com permanência, e se esse aumento é tão substancial aos olhos da reitoria, porque a situação da moradia se encontra tão precária, com problemas na fiação elétrica, sem fogões, torneiras, com um número insuficiente de máquinas de lavar, infraestrutura tão precária? Se o número de vagas concedidas na moradia estão diminuindo. Se as bolsas estão sendo cortadas? Se o auxílio transporte para a USP butantã foi cortado?

Crise Financeira?

Como dissemos, toda essa austeridade é justificada pelo discurso da crise. Esse discurso diz se tratar de uma questão meramente orçamentária, técnica, de administração do dinheiro que é empregado de forma onerosa, ineficiente, com seus servidores (docentes e funcionários técnico-administrativos) com atividades que supostamente não deveriam ser da alçada da USP (permanência, hospital, creche) e por uma baixa relação com o mercado, um dado que aparece no relatório final da McKinsey. O caráter destrutivo desse discurso é que ele passa a tratar setores relacionados à infraestrutura social e, portanto, à reprodução social de forma mercantil. Isso não implica “vender” a Universidade, de modo que esta se torne propriedade privada, mas transferir o fundo público para empresas e/ou gerí-lo como se fosse uma empresa. É o caso do discurso que diz que Universidade, assim como demais empresas, não deve se responsabilizar por atividades meios, justificando a redução de custos com essas atividades a partir da sua externalização para empresas tercerizadas. Um dado histórico novo na atual fase do capitalismo. Antes, o Estado e seus demais equipamentos, principalmente durante o século XX, tinha a função de maximizar o bem-estar do corpo social, isto é, a vida, o que foi formulado depois como “biopolítica”, garantindo, assim, certas atividades que do ponto de vista do Capital eram improdutivas e foram dissociadas como momento da reprodução e maximização da força de trabalho que passaram a ser responsabilidades do Estado. Essas atividades eram ao mesmo tempo importantes para a reprodução e maximização da força de trabalho e para o controle da população, administrando os conflitos sociais ligados a desigualdade estrutural, relações de opressão etc. Com esse processo que estamos vivendo, se inicia um sentido inverso: privatizar a infra-estrutura é

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garantir essas condições é indispensável para que a Universidade seja realmente um bem social comum, algo compartilhado e usufruído por todos, algo que vai além de uma concepção pública meramente jurídica e administrativa;

Mas não é nessa direção que a USP parece caminhar. Vejamos os dados adquiridos com a Lei de Acesso à Informação sobre os pedidos por moradia e as vagas concedidas (atenção para o fato de esses dados serem anteriores à aprovação das cotas):

Ano Inscritos Vagas Concedidas 2015 2483 227 2016 3057 230 2017 3832 165

O reitor diz que o gasto com a permanência está aumentando demais. Segundo o anuário da USP, de 2013 a 2016, o gasto com permanência cresceu de R$ 170. 724. 142 para R$ 206.829.920. Contudo, não é difícil nos estranharmos com esse dado: além de não ser um aumento relevante, dado às necessidades sociais de estudantes, cabe nos perguntarmos: para onde está indo esse dinheiro aumentado? Se está aumentando o dinheiro com permanência, e se esse aumento é tão substancial aos olhos da reitoria, porque a situação da moradia se encontra tão precária, com problemas na fiação elétrica, sem fogões, torneiras, com um número insuficiente de máquinas de lavar, infraestrutura tão precária? Se o número de vagas concedidas na moradia estão diminuindo. Se as bolsas estão sendo cortadas? Se o auxílio transporte para a USP butantã foi cortado?

Crise Financeira?

Como dissemos, toda essa austeridade é justificada pelo discurso da crise. Esse discurso diz se tratar de uma questão meramente orçamentária, técnica, de administração do dinheiro que é empregado de forma onerosa, ineficiente, com seus servidores (docentes e funcionários técnico-administrativos) com atividades que supostamente não deveriam ser da alçada da USP (permanência, hospital, creche) e por uma baixa relação com o mercado, um dado que aparece no relatório final da McKinsey. O caráter destrutivo desse discurso é que ele passa a tratar setores relacionados à infraestrutura social e, portanto, à reprodução social de forma mercantil. Isso não implica “vender” a Universidade, de modo que esta se torne propriedade privada, mas transferir o fundo público para empresas e/ou gerí-lo como se fosse uma empresa. É o caso do discurso que diz que Universidade, assim como demais empresas, não deve se responsabilizar por atividades meios, justificando a redução de custos com essas atividades a partir da sua externalização para empresas tercerizadas. Um dado histórico novo na atual fase do capitalismo. Antes, o Estado e seus demais equipamentos, principalmente durante o século XX, tinha a função de maximizar o bem-estar do corpo social, isto é, a vida, o que foi formulado depois como “biopolítica”, garantindo, assim, certas atividades que do ponto de vista do Capital eram improdutivas e foram dissociadas como momento da reprodução e maximização da força de trabalho que passaram a ser responsabilidades do Estado. Essas atividades eram ao mesmo tempo importantes para a reprodução e maximização da força de trabalho e para o controle da população, administrando os conflitos sociais ligados a desigualdade estrutural, relações de opressão etc. Com esse processo que estamos vivendo, se inicia um sentido inverso: privatizar a infra-estrutura é

degradar cada vez mais a vida social e minar suas condições de reprodução, abrindo espaço para o avanço de uma forma de gestão da vida social não mais baseado no fazer viver, mas no gerir a morte de vidas precárias e supérfluas que vão crescendo na mesma medida que se aumenta as desigualdades sociais e a concorrência em cima e em baixo para se manter nas condições de vida capitalista-patriarcal-racista.

Quanto ao discurso da crise da Universidade, primeiramente, devemos levar em consideração o seguinte:

Desde 1995 é repassada a mesma alíquota do ICMS, que é 9,57%, do qual 5,029% vai para a USP. Entretanto, a USP de lá pra cá se expandiu muito. Tomar o comprometimento com a folha de pagamento como causa da crise é inverter a relação de causa e efeito, pois esta é o efeito da expansão da Universidade, que implica gastos constante, ao mesmo tempo que depende para seu financiamento de uma taxa fixada a mais de 20 anos e cuja quantidade real de dinheiro repassado é viável conforme a situação do processo de produção capitalista de mercadoria. Vejamos os dados recolhidos pela USP a partir do anuário e do Crueps42:

1995 2015 Variação 2017 Var. Docentes 5.056 5.982 18,3% 5.958 17,8% Técnico-Administrativo

15.105 15.467 2,4% 13.915 -7,8%

Cursos de Graduação 132 279 111,4% Estudantes matriculados/graduação

33.479 58.828 75,7%

Títulos outorgados pós-graduação

2.643 6.682 152,8%

A USP quase duplicou de 1995 a 2015 seu número de graduandos, mais que duplicou os cursos de graduação, de estudantes de pós-graduação, aumentou, consequentemente, seu número de servidores. Criou também novos Campi, como o de Lorena, Santos e a Usp Leste. Contudo, a solução apresentada não é a de lutar por uma aumento do repasse, mas de diminuir o número de servidores e de fazer a USP operar de modo mais produtivista, o que implica consequência destrutivas: maior concentração da riqueza, elitização da USP, aumento da exploração e enfraquecimento das formas de organização política. É importante lembrar que a Unesp e a Unicamp cresceram até mais que a USP e elas recebem ainda menos que a USP. No caso da Unesp, o grau de precarização da Universidade é ainda mais alarmante. Se atentarmos para os dados apresentados até agora o que se percebe é uma expansão da USP que não foi acompanhada por uma expansão proporcional do corpo docente e que o número de funcionários técnico-administrativos ao invés de aumentar, está diminuindo, o número atual de funcionários técnico-adminsitrativos é MENOR que o de 1995. Se em 1995 havia 1.501, hoje há 13665.

42 Esses dados podem ser acessados em: https://www.adusp.org.br/index.php/orcamento/2884-indicadores-e-insuficiencia-financeira-das-universidades-estaduais-paulistas

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Segundamente, a administração é uma forma pela qual se distribui a riqueza social. Contudo, precisamos refletir como essa riqueza está sendo distribuída e o porquê dela ser distribuída de tal forma. Essa seletividade implica colocar em evidência o caráter político por trás do discurso científico da “administração”. Assim, alguns dados nos fazem duvidar quanto à neutralidade científica da crise e da sua solução:

● A Alesp aprovou em 2017 um repasse de 48 milhões para a contratação de funcionários para o HU. Até hoje a USP não destinou esse dinheiro para a contratação.43

● A Alesp aprovou o aumento do teto salarial, que passará a ter como referência o

salário de desembargador do Tribunal de Justiça. Tal aumento é de mais de 8 mil reais no salário do alto escalão da burocracia da USP. Só na USP, a parcela do orçamento comprometida pelo aumento do teto será de 22%. Então fica a pergunta: como não há dinheiro para contratar, reajustar o salário dos funcionários, mas tem para aumentar o teto numa quantidade tão grande assim?

● Propala-se que as Universidade Paulistas recebem o repasse de 9,57% do ICMS. Contudo, há uma parte que não está sendo repassada. Está sendo descontado do cálculo dos 9,57% algumas alíneas do ICMS, como: multas e juros de mora dos tributos; multas e juros de mora da dívida ativa dos tributos; multas por auto de infração; receita da dívida ativa do ICMS; Nota fiscal Paulista etc. Só no primeiro semestre de 2018, esse desconto significou uma perda de 854,21 milhões no repasse (o suficiente para cobrir quatro anos do gasto com permanência anunciado no anuário da USP). Nos últimos 10 anos isso significou 31 bilhões de reais que não foram repassados. 44

● Há também o caso das aposentadorias. A Universidade gasta cada vez mais com

a aposentadoria de docentes, sendo que estes contribuem para a previdência estatal, sendo o Estado que deveria pagar a aposentadoria e não a USP. Isso para não falarmos dos supersalários, das obras faraônicas e dos aumentos de

gastos com o policiamento militar na Universidade que evidencia uma contradição no discurso que prega uma espécie de igualdade formal ou neutralidade científica do cálculo, mas que se evidencia como um processo de destruição da Universidade Pública e de aumento da concentração de renda. O governo da crise do Capital se mostra um governo baseado numa forma de distribuição cada vez mais desigual da riqueza social mediada pelo dinheiro e que se manifesta na Universidade. Isso porque certas formas como “dinheiro”, “administração”, “crise”, aparecem como fatos neutros, isolados e objetos de uma ciência em domínio de agentes competentes para lidar com esses “fatos sociais naturais” como a crise, o dinheiro etc, como se só bastasse dominar certas “leis naturais” da sociedade mercantil para que tudo voltasse ao seu normal. Contudo, a riqueza social

43https://www.adusp.org.br/index.php/desvinculacao-hu-hrac/3097-alesp-corrige-emenda-para-viabilizar-a-destinacao-de-r-48-milhoes-para-hu 44 Estudo feito pelo Professor Francisco Miraglia: https://www.adusp.org.br/index.php/orcamento/3064-golpes-do-governo-estadual-solapam-e-reduzem-o-financiamento-das-universidades-estaduais-paulistas.

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Segundamente, a administração é uma forma pela qual se distribui a riqueza social. Contudo, precisamos refletir como essa riqueza está sendo distribuída e o porquê dela ser distribuída de tal forma. Essa seletividade implica colocar em evidência o caráter político por trás do discurso científico da “administração”. Assim, alguns dados nos fazem duvidar quanto à neutralidade científica da crise e da sua solução:

● A Alesp aprovou em 2017 um repasse de 48 milhões para a contratação de funcionários para o HU. Até hoje a USP não destinou esse dinheiro para a contratação.43

● A Alesp aprovou o aumento do teto salarial, que passará a ter como referência o

salário de desembargador do Tribunal de Justiça. Tal aumento é de mais de 8 mil reais no salário do alto escalão da burocracia da USP. Só na USP, a parcela do orçamento comprometida pelo aumento do teto será de 22%. Então fica a pergunta: como não há dinheiro para contratar, reajustar o salário dos funcionários, mas tem para aumentar o teto numa quantidade tão grande assim?

● Propala-se que as Universidade Paulistas recebem o repasse de 9,57% do ICMS. Contudo, há uma parte que não está sendo repassada. Está sendo descontado do cálculo dos 9,57% algumas alíneas do ICMS, como: multas e juros de mora dos tributos; multas e juros de mora da dívida ativa dos tributos; multas por auto de infração; receita da dívida ativa do ICMS; Nota fiscal Paulista etc. Só no primeiro semestre de 2018, esse desconto significou uma perda de 854,21 milhões no repasse (o suficiente para cobrir quatro anos do gasto com permanência anunciado no anuário da USP). Nos últimos 10 anos isso significou 31 bilhões de reais que não foram repassados. 44

● Há também o caso das aposentadorias. A Universidade gasta cada vez mais com

a aposentadoria de docentes, sendo que estes contribuem para a previdência estatal, sendo o Estado que deveria pagar a aposentadoria e não a USP. Isso para não falarmos dos supersalários, das obras faraônicas e dos aumentos de

gastos com o policiamento militar na Universidade que evidencia uma contradição no discurso que prega uma espécie de igualdade formal ou neutralidade científica do cálculo, mas que se evidencia como um processo de destruição da Universidade Pública e de aumento da concentração de renda. O governo da crise do Capital se mostra um governo baseado numa forma de distribuição cada vez mais desigual da riqueza social mediada pelo dinheiro e que se manifesta na Universidade. Isso porque certas formas como “dinheiro”, “administração”, “crise”, aparecem como fatos neutros, isolados e objetos de uma ciência em domínio de agentes competentes para lidar com esses “fatos sociais naturais” como a crise, o dinheiro etc, como se só bastasse dominar certas “leis naturais” da sociedade mercantil para que tudo voltasse ao seu normal. Contudo, a riqueza social

43https://www.adusp.org.br/index.php/desvinculacao-hu-hrac/3097-alesp-corrige-emenda-para-viabilizar-a-destinacao-de-r-48-milhoes-para-hu 44 Estudo feito pelo Professor Francisco Miraglia: https://www.adusp.org.br/index.php/orcamento/3064-golpes-do-governo-estadual-solapam-e-reduzem-o-financiamento-das-universidades-estaduais-paulistas.

que assume a forma do dinheiro pressupõe sempre uma relação social fundamental que é a relação valor-dissociada, uma forma de relação baseada na acumulação do capital, no racismo, no sistema sexo/gênero etc. Isso quer dizer que o dinheiro não é uma dado neutro, isolado que poderia ser instrumentalizado, mas expressa uma forma de relação social que produz um tipo específico de riqueza social que, a partir das lutas, se conseguiu, com maior ou menor sucesso, determinar formas distintas de sua distribuição. Apesar disso, deve-se ter em mente que é impossível sua “democratização” plena, para isso é necessário abolir o dinheiro enquanto expressão da totalidade das relações sociais de produção objetivadas e assumidas como propriedades do dinheiro enquanto forma fenomênica (concreta) de expressão geral (universal) dessas relações. O dinheiro representa um tipo de relação social coisificada e, por isso, ele é um poder social capaz de mobilizar a totalidade dessas relações de produção e a riqueza social que elas produzem, já que podem ser expressas por um “equivalente” monetário. Evidenciar isso é mostrar que não se trata de meramente de uma crise contornável, mas que essa crise é um efeito dessas relações e está ligada a decisões reiteradas de manter uma sistema baseada na desigualdade e na opressão que está em crise. Há uma forma de se reagir a essa crise que positiva um sistema de injustiças, e esta é a forma adotada pela reitoria, que se preocupa mais com mostrar “resultado”, poupar dinheiro e encher o bolso da sua casta burocrática, do que satisfazer as necessidades sociais concretas por moradia, alimentação, estudo, que é um direito comum de todos aqueles que participam da produção da riqueza social.

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