Relatorio de Vistoria a Lagoas Entre Outeiro

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RELATRIO DE VISTORIA A LAGOAS ENTRE OUTEIRO (CARDOSO MOREIRA) E A CIDADE DE CAMPOS Arthur Soffiati Por solicitao do Promotor de Justia Dr. Marcelo Lessa Bastos, vistoriei, no dia 24 de dezembro, acompanhado por dois integrantes do Grupo de Apoio Policial do Ministrio Pblico Estadual, as lagoas da Ona, do Lameiro, do Maranho (ou da Boa Vista), Limpa, um banhado ao lado desta, do Jacu e do Cantagalo. A finalidade prioritria da vistoria teve por objetivo examinar se tais lagoas estavam funcionando como reas de escape para as guas resultantes das abundantes chuvas que atingiram a bacia do Rio Paraba do Sul, notadamente o Rio Muria, ltimo dos seus afluentes. O resultado sumrio da vistoria relatado a seguir. Lagoa da Ona a nica lagoa do norte-fluminense embutida entre a zona serrana e o tabuleiro. Era alimentada pelo Rio da Ona, que desembocava nela pela extremidade leste e deflua pela extremidade oeste em direo ao Rio Muria. Era famosa por sua profundidade e biodiversidade, sobretudo com relao ictiofauna, o que permitia uma intensa economia pesqueira. Alm do mais, apresentava uma grande capacidade de rea de escape para guas de cheia, que subiam o curso inferior do Rio da Ona e alojavamse em sua imensa caixa. Por ao do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), a Lagoa da Ona foi totalmente drenada e entregue ao cultivo de cana. A Usina de Outeiro foi a grande beneficiria de tal ao. Com sua falncia, o leito seco da lagoa foi arrendado Usina Sapucaia, que o mantm fechado para o cultivo canavieiro. Em 1997, as chuvas surpreenderam a empresa Sapucaia e encheram a caixa da lagoa. No entanto, uma operao rpida da usina possibilitou o completo esvaziamento da caixa. Na cheia de dezembro de 2008, as guas do Rio Muria avanaram pelo baixo curso do Canal da Ona e, encontrando o sistema de comportas e diques que protege o leito plantado da lagoa, extravasaram em rea baixa e atingiram a localidade de Trs Vendas, que, no dia da vistoria, j com as guas do Muria baixando, continuava semisubmersa. Por outro lado, o canavial da usina estava fortemente protegido da cheia.

2 Lagoa do Lameiro Passou por processo semelhante ao da Lagoa da Ona. O DNOS favoreceu a atividade agropecuria construindo um sistema de drenagem. Houve, porm, conflitos entre os interesses de pequenos produtores rurais e os da Usina Sapucaia, conflito que buscou soluo em juzo. A sentena foi favorvel Usina de Sapucaia no que concerne acusao imputada a ela de ter drenado a lagoa, mas no esclareceu a questo da propriedade das terras oriundas da drenagem. Na vistoria, constatou-se que as guas do Rio Muria, ao subirem em direo lagoa, encontraram a barragem representada pela rodovia BR-356 e pelo sistema de comportas, alcanando a lagoa por um ponto baixo da estrada e rompendo a comporta. Relatou uma moradora de suas margens que a enxurrada parecia o avano do mar. Informou tambm que a usina tentou, em vo, impedir o avano da gua pela comporta. Com o refluxo do Rio Muria, as guas excedentes da lagoa esto voltando ao leito do rio pelo caminho da estrada. A superfcie da lagoa tende a estabilizar-se quando seu nvel igualar-se ao do Muria. Ficou claro que a lagoa oscila segundo o rio e funciona como rea de escape. Na segunda vistoria, empreendida no dia 7 de janeiro de 2009, o Rio Muria voltara a subir com mais virulncia do que em dezembro e transpassou a rodovia no ponto central da depresso, correndo velozmente para a Lagoa do Lameiro. Houvesse uma passagem adequada, as guas poderiam fluir para a lagoa, sem prejuzos estrada. Como o fluxo se apresentou na forma de volumosa enxurrada, o sistema apropriado para a ligao entre o rio e a lagoa uma ponte, em no bueiros celulares. Lagoa do Maranho ou da Boa Vista Trata-se de outro sistema hdrico totalmente drenado e ocupado por canaviais. Mais que lagoa, uma extensa vrzea bem tpica do Rio Muria, que contm muitas outras. Estas vrzeas foram exaltadas por viajantes e pesquisadores. No entanto, a BR356 isolou-as do rio, formando entre este e elas uma barreira sem passagens sob a rodovia que permitam a circulao hdrica. No caso deste sistema, no h uma comporta para escoamento de guas indesejveis ao ruralista, mas uma bomba que retira a gua acumulada dentro dele para o Rio Muria. A vistoria mostrou que a vrzea no foi atingida pela cheia, estando seus canaviais intactos. Um sistema controlado de circulao de guas teria recriado uma

3 enorme rea de escape e contribudo para mitigar o impacto da cheia. Na segunda vistoria, em 7 de janeiro de 2008, ela continuava imune s cheias. Lagoa Limpa O novo Plano Diretor de Campos prev a implantao de uma unidade de conservao para proteger esta magnfica lagoa, embutida numa depresso de tabuleiro. Ela conta ainda com uma delgada mata ciliar, que pode se tornar mais larga, mediante um processo de restaurao e revitalizao vegetacional. Existe um canal a lig-la ao Rio Muria denominado Canal do Cavalo Baio. Uma comporta, que no funciona h cinco anos, segundo informao de pessoa do local, impede a comunicao entre rio e lagoa nos dois sentidos. Na vistoria, constatou-se que o nvel da lagoa subiu quer por chuvas quer por percolao de guas do rio. Contudo, o transbordamento no chegou a ela superficialmente, pois a comporta emperrada no o permitiu. Se ela estivesse funcionando, as guas da cheia teriam avanado at a caixa da lagoa, que ainda conta com excepcional rea de escape. Encontrando resistncia da comporta, as guas do Muria entraram no curso inferior do Canal do Cavalo Baio e transbordaram a ponto de formar um banhado na margem esquerda da lagoa, tambm ele um excelente reservatrio dgua. Um morador local informou que a Usina de Sapucaia tenciona drenar imediatamente, por meio de bombas, as guas do banhado, que, outrora, deveria ser uma extensa vrzea do rio. Na segunda vistoria, dia 7 de janeiro de 2009, este banhado estava absorvendo guas do rio, que transbordara em dois pontos da BR-356. Estes pontos devem ser marcados para a construo de dois grandes sistemas de comportas que possam ser abertos com os alagamentos para a circulao livre da gua montante e a jusante e para sua reteno no banhado, bem mais propcio a culturas de ciclo que curto que a canaviais e a pastos. Lagoa do Jacu Na periferia da rea urbanizada de Campos, esta lagoa era uma vrzea do Rio Paraba do Sul que foi separada dele pela BR-356. No entanto, uma comporta foi construda sob a rodovia para circulao de gua. Na vistoria, verificou-se que a lagoa apresenta um nvel baixo e que guas do Rio Paraba do Sul poderiam ter sido

4 transferidas para ela at o ponto de no afetar nenhuma comunidade. Todavia, esta medida no foi tomada. Lagoa do Cantagalo Integrante do sistema da Lagoa das Pedras, esta lagoa foi drenada totalmente e sofre presso da expanso urbana desordenada pelo Parque So Jos, em Guarus. Em aluso ao bairro, hoje, a antiga e imensa Lagoa do Cantagalo conhecida como Brejo de So Jos. Existe uma comunicao entre ele e o Rio Paraba do Sul por um canal. Na cheia de janeiro de 2007, as guas ultrapassaram a BR-356 e entraram na rea, demonstrando que, no passado, era uma lagoa, como mostram mapas antigos. Na vistoria, observou-se que a rea est seca e que poderia perfeitamente absorver gua de cheia, tanto do Rio Paraba do Sul quanto da Lagoa das Pedras, at o ponto de no afetar os moradores de suas margens. Contudo, esta medida no foi tomada pelo poder pblico municipal. Os casos de Cardoso Moreira, Trs Vendas e Sapucaia Dos trs ncleos habitacionais, o mais afetado pela estao das chuvas , sem dvida, a sede do municpio de Cardoso Moreira. A cidade ergueu-se, progressivamente, sobre o leito de cheia do Rio Muria em ambas as margens, sendo que a parte maior do espao urbano situa-se na margem esquerda. Cercam-na colinas imprprias ao escape de guas extraordinrias, impondo-lhes o Rio Muria como nica sada para elas. Nem a BR-356 exerce qualquer papel de dique, ainda que precrio, pois corre sobre parte elevada margem direita do rio. Na cheia de 2008/2009, a cidade foi alagada quatro vezes, alcanando 90% de sua malha urbana. Foi, sem dvida, o caso mais grave de todos os 22 municpios da regio norte - noroeste fluminense. Trs Vendas um povoado de Campos dos Goytacazes nos limites entre este municpio e o de Cardoso Moreira. Ele cresceu nos ltimos vinte anos sobre uma grande vrzea de inundao do Rio Muria, chegando, hoje, a cerca de 500 casas construdas com omisso ou apoio direto do poder pblico municipal. Por estar localizada atrs da BR-356, seus moradores iludiram-se quanto proteo que ela podia lhes proporcionar, ainda mais reforada por um dique construdo pela Usina Sapucaia na margem esquerda do Rio Muria com funo de proteger os canaviais da empresa. Sucede que as cheias do rio, ano a ano, esto se tornando cada vez mais volumosas e rompem o dique. As guas avanam rapidamente sobre a vrzea em

5 direo rodovia. Esta tem resistido, at hoje, presso hdrica. No entanto, as guas transpem a estrada e alagam o povoado, causando muitas perdas materiais a seu moradores e graves problemas de sade, pois, ao descer o nvel do Muria, as guas da cheia ficam retidas pela estrada, que se torna um dique. O escoamento fazia-se lenta e precariamente por um canal com manilhas subdimensionada. Por ao do Departamento Nacional de Infraestrura e por solicitao do Ministrio Pblico Estadual, na pessoa do Promotor de Justia Marcelo Lessa Bastos, o trecho da estrada sobre o canal foi rompido para escoar mais rapidamente as guas estagnadas e ptridas. Desde o princpio, houve conscincia de que esta medida era provisria e mitigadora, pois no evita novas cheias na localidade. Apenas diminui o tempo de residncia das guas. Alm do mais, com a subida do nvel do rio, o vo poderia facilitar o avano da cheia sobre a localidade. Foi o que aconteceu com uma nova elevao do rio, tornando-se necessria a obstruo do vo com terra. Na vistoria do dia 7 de janeiro de 2009, no sendo possvel chegar a Trs Vendas pelo grande volume dgua que ultrapassou a BR-356, detivemo-nos na localidade de Sapucaia. A usina estava cercada pelas guas do Rio Muria, conquanto o dique em sua margem esquerda continuasse resistindo presso hdrica. Conversando com os moradores do povoado de Sapucaia, que j conta com 300 casas, segundo moradores dela, verificamos que seu grande medo era rompimento do dique, pois, neste caso, as guas represadas alagariam com grande mpeto e rapidez sobre as habitaes. Se, em Cardoso Moreira, a cidade est completamente desprotegida pela estrada e por diques; se, em Trs Vendas, o ncleo habitacional conta com os dois tipos de proteo, que, no entanto, revelam-se insuficientes, em Sapucaia, a localidade situa-se entre a BR356 e o dique construdo junto margem esquerda do Rio Muria. Caso haja rompimento deste segundo, o povoado sofrer grande impacto das cheias. Consideraes finais 1- As guas que transbordaram pela margem esquerda do Rio Muria foram contidas pela BR-356 ou pelos sistemas de conteno instalados em lagoas e vrzeas, espalhando-se entre a margem do rio, estrada e comportas. 2- Os pontos mais crticos de alagamento, pela tica social, foram a cidade de Cardoso Moreira e as localidades de Trs Vendas e Sapucaia. 3- Cumpre observar que as reas baixas onde se ergueram estes ncleos urbanos contriburam para o alagamento.

6 4- Parece no haver dvida de que o impacto da cheia seria nulo ou mitigado caso as lagoas e as vrzeas estivessem livres para absorver as guas da cheia, pois elas prprias apontaram o caminho que costumavam seguir. 5- Os governos municipais esto despreparados para lidar com situaes de cheia, pois costumam entender tais fenmenos como inevitveis fatalidades, olhando mais para o cu do que para a terra, privilegiando mais o imediato que o mediato. Propostas 1- Em carter imediato, impedir que as guas contidas nas Lagoas do Lameiro (depois que elas se nivelarem com o rio e se estabilizarem) e Limpa, bem como no banhado formado margem esquerda desta, sejam drenadas por qualquer meio para o Rio Muria, at melhor exame da situao. 2- Examinar as comportas das Lagoas da Ona, do Lameiro, Limpa, do Jacu e do Cantagalo para o devido manejo, reparos e substituies necessrios, a fim de que elas possam ser ativadas em caso de novas chuvas abundantes. 3- No caso da Lagoa do Maranho ou da Boa Vista, preciso construir um sistema de circulao de guas sob a BR-356, ainda que com prejuzo do canavial nela cultivado. 4- Se e quando as guas ocuparem estas reas de escape, convm mant-las aprisionadas em nvel a ser estudado, durante o ano todo, recuperando, assim, a funo que lhes foi subtrada de pesqueiros e ecossistemas. 5- Nos pontos em que a cheia ultrapassou ou rompeu a estrada para alcanar seu antigo leito de cheia, o correto demarcar o permetro deixado como registro pelas guas e construir um sistema de circulao que, no mnimo, tenha a largura da transgresso hdrica para no estreitar a seo da passagem. Esta a situao da vrzea em que se assentam Trs Vendas e Sapucaia, na verdade uma vrzea de escape para as guas do rio que foi ocupada pelo canavial e pelo ncleo urbano. Alm do mais, adequados para a circulao de guas. 6- Proceder ao exame dos ttulos de propriedade dos leitos das Lagoas da Ona, do Lameiro, do Maranho e do banhado esquerda da Lagoa Limpa. 7- Providenciar a transferncia progressiva de Cardoso Moreira, Trs Vendas e Sapucaia para pontos altos de colina, a fim de livrar definitivamente estas unidades urbanas de impactos de cheia horizontal, como j vm fazendo algumas pessoas, por conta prpria, que aprenderam a inutilidade de desafiar o rio. No prximo perodo de a rodovia BR356, deve ser nivelada em cota alta, pelo menos na rea de vrzeas, com sistemas

7 estiagem, o poder pblico municipal de Campos deve se empenhar na construo de dois conjuntos habitacionais em reas elevadas prximas aos atuais povoados e demolir as casas de Trs Vendas e de Sapucaia construdas na vrzea. Evidente que os novos povoados devero contar com captao, estao de tratamento e rede de distribuio de gua a partir do Rio Muria. Dever contar tambm com rede de coleta e estao de tratamento de esgoto, alm de galerias de guas pluviais. 8- Cana e gado no so atividades corretas para as baixadas de vrzeas. As atividades econmicas mais apropriadas para este ambiente so as culturas de ciclo curto (praticadas entre os perodos de cheias) e a rizicultura. Salvo melhor juzo, este o parecer do relator. Aristides Arthur Soffiati Netto Doutor em Histria Ambiental e Professor Adjunto IV da Universidade Federal Fluminense/Campos Campos dos Goytacazes, 25 de dezembro de 2008/12 de janeiro de 2009

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ANEXOS

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Principais sistemas hdricos margem esquerda do trecho baixo dos Rios Muria e Paraba do Sul 1- Rio Muria 2- Rio Paraba do Sul 3- Lagoa da Ona 4- Lagoa do Lameiro 5- Lagoa do Maranho 6- Lagoa Limpa 7- Lagoa do Cantagalo 8- Lagoa das Pedras 9- Lagoa do Jacu

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Lagoa da Ona

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1- Lagoa do Lameiro 2- Lagoa do Maranho 3- Lagoa Limpa 4- Banhados

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2

1

1- Lagoa do Jacu 2- Lagoa do Cantagalo 3- Lagoa das Pedras

Aspectos da cheia (dezembro de 2008/janeiro de 2009) em Cardoso Moreira. Fotos: Danila Dias Rios Cozendey.

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