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Universidade de São Paulo Instituto de Biociências Departamento de Ecologia Vegetal Estudo comparativo de escleromorfismo foliar em indivíduos de mesma espécie presentes no Campo Cerrado e no Cerradão (Cerrado de Emas, Pirassununga, SP) Ana Paula Freitas, Ana Rita Aguilar, Alexandre Toshiro Igari, Fernando L. P. Hasegawa, Gilson Murata, Juliana Cristina Col Paz e Miguel Romero.

Relatório Estudo Comparativo Do Campo Cerrado e Cerradão de Emas

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Universidade de So Paulo

Instituto de Biocincias

Departamento de Ecologia Vegetal

Estudo comparativo de escleromorfismo foliar em indivduos de mesma espcie presentes no Campo Cerrado e no Cerrado

(Cerrado de Emas, Pirassununga, SP)

Ana Paula Freitas, Ana Rita Aguilar, Alexandre Toshiro Igari, Fernando L. P. Hasegawa, Gilson Murata, Juliana Cristina Col Paz e Miguel Romero.

Relatrio apresentado Disciplina de Ecologia Vegetal BIE 312

Grupo 16 Noturno

So Paulo

Novembro/2003

NDICE

I. Introduo.................................................................................................................... 02

II. Objetivo ...................................................................................................................... 07

III. Materiais e Mtodos................................................................................................. 07

III.1. Localizao da rea estudada

III.2. Caractersticas gerais da vegetao

III.3. Microclima

III.4. Transpirao

III.5. ndice de esclerofilia

IV. Resultados ................................................................................................................. 09

III.1. Caractersticas gerais da vegetao

IV.2. Descrio das espcies utilizadas

IV.3. Microclima

IV.4. Transpirao

IV.5. ndice de esclerofilia

V. Discusso .................................................................................................................... 11

VI. Concluso ................................................................................................................. 15

VII. Bibliografia ............................................................................................................. 16

I. INTRODUO

Caracterizao do Bioma do Cerrado

O Cerrado definido por Coutinho (1990) como extensos chapades, cobertos por uma vegetao de rvores pequenas e retorcidas, dispersas em um tapete de gramneas. Os arbustos caractersticos freqentemente apresentam caules recobertos por casca espessa, folhas espessas coriceas e brilhantes ou com um denso revestimento de plos.

O Cerrado brasileiro ocupava originalmente um quinto do territrio nacional e, segundo Coutinho (1990), at algumas dcadas atrs, sua extenso estimada era de 1,8 milho de quilmetros quadrados. Segundo Pivello et al. (1996), so estimadas 5000 espcies de plantas vasculares no Cerrado, a maioria ervas e subarbustos. O Cerrado s superado em nmero de espcies pelas florestas tropicais midas e apresenta tambm uma enorme diversidade estrutural e biolgica.

Dentro do bioma do cerrado, podemos verificar fisionomias diversas. Segundo Eiten (1972), os gegrafos brasileiros distinguem 4 tipos estruturais de cerrado, sucintamente descritos abaixo:

1. Cerrado: Formas arbreas de mdias e altas, com dossel fechado ou semi-aberto.

2. Cerrado senso-estrito: a) Formas arbreas podem formar dossel fechado ou semi-aberto, porm sem ultrapassar 7 metros de altura; b) Formas arbustivas, fechadas ou semi-abertas (com dossel geralmente inferior a 3 metros de altura); c) Arbustivo fechado ou semi-aberto, misturado com rvores esparsas de vrias alturas e abaixo uma camada de arbustos de variadas alturas, em conjunto com um dossel muito rugoso.

3. Campo cerrado: Inclui vrias formas com a cobertura de plantas lenhosas geralmente muito esparsas. a) Formas arbustivas; b) Formas arbreas baixas e abertas; c) Fisionomia de savana tpica, rvores mdias ou baixas, ou arbustos, ou ambos misturados, sobre uma camada contnua ou ligeiramente aberta de gramneas, ervas e subarbustos.

4. Campo limpo: Paisagem com predomnio de gramneas, com ausncia de rvores.

Segundo Coutinho (1990), o gradiente biolgico formado por essas fisionomias determinado por fatores como o solo e a freqncia de queimadas. Contudo, a distribuio dessas fisionomias no em geral linear, mas em mosaico. Esse tipo de distribuio reflete a ocorrncia de manchas de solos frteis e a incidncia irregular das queimadas e da ao antrpica sobre o cerrado. Essas diferentes fisionomias expressam a grande plasticidade do cerrado a fatores ambientais e antropognicos.

O solo do Cerrado geralmente arenoso-argiloso ou argiloso-arenoso, com razoveis graus de permeabilidade, porosidade, arejamento, fraca drenagem e grandes profundidades (Cavalcanti, 1978, Coutinho, 1990). Este solo qualificado como oligotrfico porque muitos dos nutrientes essenciais so encontrados em concentraes muito baixas (Laboriau, 1973). Algumas das caractersticas qumicas que determinam a pobreza nutricional do solo do cerrado so a acidez elevada, a baixa capacidade catinica, baixa soma de bases e alta saturao por alumnio (Coutinho, 1990). Coutinho (1990), considera ainda que as plantas do cerrado devam apresentar adaptaes a solos oligotrficos, j que anlises do teor mineral em seus rgos no indicaram valores muito abaixo do normal das plantas em geral.

A maior parte dos cerrados desenvolve-se sob clima tropical e no h dificuldade na definio das estaes seca e mida, cada uma com aproximadamente seis meses. As chuvas concentram-se no vero (especialmente nos meses de novembro a maro). Nesta estao, as precipitaes geralmente so superiores a 100mm mensais, registrando-se freqentemente 200 ou 300 mm (Cavalcanti, 1978). Durante o inverno seco (de maio a setembro), as chuvas raramente excedem 100mm mensais e os valores das precipitaes em todo esse perodo somam aproximadamente 24% do total anual (Cavalcanti, 1978).

No cerrado a queda das folhas no ocorre simultaneamente e nem sempre caracterstica do perodo seco. A queda de folhas nas plantas do cerrado no est ligada falta de gua no solo, como ocorre na caatinga. (Coutinho et al., 1978). Dessa forma, a senescncia e a queda das folhas das rvores e arbustos parece estar mais ligada a motivos trmicos e/ou fotoperidicos e no ao estresse hdrico (Coutinho, 1990).

Ferri (1955) contrape caracteres xricos da vegetao do cerrado (como a presena de estmatos em depresso, epidermes revestidas por cutculas espessas, presena de numerosos plos e escamas) ao fato da maioria das plantas permanentes do cerrado transpirarem livremente e com altos valores, mesmo no perodo da seca mais pronunciada. Coutinho (1990), ressalta que ao contrrio da caatinga nordestina, os cerrados so muito pobres em espcies carnosas ou espinhosas.

J nos estudos de Rawitscher et al. (1943) era claro que a gua no um fator to limitante do cerrado quanto se presumia at ento. Esse trabalho mostrou que a no ser nos dois primeiros metros de profundidade, o solo conserva-se mido durante todo o ano. As plantas do estrato herbceo/subarbustivo possuem razes superficiais, nos primeiros 10 a 20cm de solo, e esto sujeitas a dessecamento e morte das partes areas devido ao estresse hdrico. Por outro lado, muitos arbustos e rvores apresentam razes a cinco, dez ou at 20 metros de profundidade. Dessa forma elas exploram as camadas permanentemente midas do solo. Muitas dessas plantas rebrotam, crescem e muitas vezes florescem durante a estao seca (Rachid, 1947; Coutinho et al., 1978; Coutinho, 1990).

O efeito do fogo no cerrado vem sendo discutido h muito tempo embora ainda existam poucos trabalhos experimentais a esse respeito. O fogo acelera da remineralizao da biomassa e a transferncia dos nutrientes minerais nela existentes para a superfcie atravs da deposio de cinzas que uma fonte de nutrientes importante para o solo pobre do cerrado (Cavalcanti, 1978; Coutinho, 1990). Contudo, nem todos os nutrientes mobilizados durante uma queimada so transformados em cinzas; boa parte deles perdida como fumaa.

Em 1985, Pivello demonstrou que as queimadas no Cerrado de Emas influenciam a disponibilidade de nutrientes. Nessa situao, a exportao de nitrognio da fitomassa para a atmosfera foi superior a 90%; fsforo e potssio sofreram perdas de 51% e 44%, respectivamente e o enxofre foi reduzido em 40%.

Reserva Biolgica do Cerrado de Emas

A Reserva Biolgica do Cerrado de Emas localiza-se no distrito de Cachoeira de Emas, Pirassununga, SP (2158'S:4723'W, altitude de 575m) e um dos poucos fragmentos de cerrado que restam nesta regio. A regio de Pirassununga apresenta clima tropical sazonal, com vero chuvoso e inverno seco, classificado como clima savnico ou do tipo II segundo Walter & Lieth (Delitti et al. 2000). Os solos so ferralticos, com predomnio do Latossolo Vermelho-Amarelo lico, com manchas mais frteis de Latossolo Vermelho Escuro (Pivello, 1985). O material de origem do cerrado em geral pode variar bastante e incluir rochas pr-cambrianas, silurianas, sedimentos tercirio e quaternrios (Coutinho et al., 1978). Pivello et al. (1996), alerta que as fortes presses do entorno da reserva, como a agricultura e a urbanizao, vm descaracterizando os ecossistemas da reserva.

Na dcada de 40, essa reserva foi palco das primeiras pesquisas experimentais em Cerrado e desde l vem sendo utilizada para fins cientficos e didticos. A reserva possui duas pores, uma cercada com aproximadamente 14,5ha e uma rea no cercada, com cerca de 35ha.

A rea no cercada da reserva coberta por Campo Cerrado e submetida a queimadas anuais ou bianuais enquanto que a rea cercada protegida do fogo desde 1946 (Delitti et al. 2000) e recoberta por Cerrado. Essas duas reas so separadas por uma estrada vicinal no pavimentada.

Segundo Delitti et al., 2000, a rea que atualmente corresponde ao Cerrado apresentava originalmente a mesma fisionomia do Campo Cerrado. Graas proteo do fogo houve diferenciao das estruturas dessa comunidade, em sua fisionomia e na biomassa acumulada. De modo similar, quando submetidos a queimadas freqentes, os cerrades acabam por se abrir e se transformar em campos sujos ou campos limpos (Coutinho, 1990). As reas de cerrado e de campo cerrado apresentam espcies em comum e outras que so exclusivas de cada ambiente.

Esclerofilia

A esclerofilia caracterizada pelo acentuado espessamento das paredes celulares, decorrente de diversos aspectos morfolgicos em vrios tecidos da planta. O grau de esclerofilia expressa a relao entre as quantidades de matria orgnica, nutrientes e energia utilizadas na estruturao de cada unidade foliar (Delitti et al. 2000). Esse carter resultado da interao de caractersticas genticas prprias de cada espcie e fatores ambientais como climticos, edficos e biticos.

Plantas esclerofilas possuem folhas rgidas e pouco flexveis. A consistncia tpica de uma folha esclerofila resulta de sua anatomia. As principais caractersticas anatmicas que tornam uma planta esclerfila so: presena de cutcula espessa, paredes epidrmicas externas e esclerificao abundante nos elementos vasculares e das margens foliares (Turner, 1994).

Rizzini (1997) afirma que a esclerofilia indica a intensidade de diferenciao do limbo foliar e a densidade dos tecidos de sustentao ou mecnicos.

Apesar das vrias definies, a maioria dos autores concorda que o grau de esclerofilia est diretamente relacionado a fatores de tenso ambiental e reflete as caractersticas ecofisiolgicas das plantas e das comunidades em funo de cada tipo de habitat.

II. OBJETIVO

Diante do cenrio apresentado, podemos questionar se as plantas da mesma espcie desenvolvem caractersticas diferentes quando habitam ambientes diferentes.

Portanto, o objetivo do presente estudo verificar se existe diferena no grau de escleromorfismo foliar entre indivduos de mesma espcie no Campo Cerrado e no Cerrado, analisando a influncia dos fatores abiticos e biticos nesta possvel diferenciao de resposta.

III. MATERIAIS E MTODOS

III.1. Localizao da rea estudada

Os estudos foram realizados na Reserva Biolgica do Cerrado de Emas, na cidade de Pirassununga, So Paulo (Figura I.1). A Reserva est localizada a 21 18 S e 47 23 W, em altitude de 600 metros (Pivello & Coutinho, 1992). Duas reas da Reserva foram estudadas: o Cerrado, no qual no ocorrem queimadas desde 1946 e o Campo Cerrado, onde as queimadas so peridicas.

III.2. Caractersticas gerais da vegetao

Foram elaborados trs perfis-diagrama de 2 metros por 5 metros cada, representando, numa escala de 3cm para cada 1m, a vegetao do Campo Cerrado, Cerrado Sensu Strito e do Cerrado.

III.3. Microclima

Foram coletados de hora em hora, das 11:15 horas s 16:15 horas, no Campo Cerrado e Cerrado, as seguintes medidas micrometeorolgicas:

- temperatura do ar em oC, com psicrmetro (bulbo seco);

- temperaturas mximas e mnimas em oC , com termmetro de mercrio;

- evaporao em mm, com evapormetro de Pich;

- umidade relativa do ar em %, com psicrmetro;

- temperatura do solo, em oC, na superfcie e a 10 cm e 20 cm de profundidade, com termmetro de mercrio;

- luminosidade em Lux, com luxmetro, sendo que a cada hora foram realizadas trs medidas e a mdia destas utilizada; e,

velocidade do vento em m/s, com anemmetro, sendo que a cada hora foram realizadas trs medidas e a mdia destas utilizada.

III.4. ndice de transpirao

Para este estudo, foram utilizados os mesmos 8 indivduos para coleta de folhas para o clculo do ndice de Esclerofilia Foliar (IEF). A transpirao foi avaliada pelo mtodo do papel de Cobalto (Figura I.3) com a observao de trs folhas de cada uma das oito plantas, seguindo a metodologia proposta pelo manual Mtodos em Ecologia Vegetal (Meguro, 2000).

III.5. ndice de esclerofilia

Foram selecionadas duas espcies de plantas que estavam presentes tanto no Campo Cerrado como no Cerrado: Xylopia aromatica e Miconia albicans (Figura I.2). Para este estudo, foram coletadas folhas de 2 indivduos de cada espcie em cada ambiente (Tabela III.1) e determinado o grau esclerofilia foliar. Todos os protocolos e observaes seguem o manual de Mtodos em Ecologia Vegetal (Meguro, 2000).

Assim sendo, utilizamos um total de 8 indivduos, sendo 4 representantes da espcie Miconia albicans e 4 representantes da espcie Xylopia aromatica. Dois dos quatro representantes de cada espcie se encontravam no Cerrado e os outros dois no Campo Cerrado. Foram coletadas 10 folhas de cada indivduo, totalizando 40 folhas do ambiente Cerrado, sendo vinte de cada espcie e 40 folhas do ambiente Campo Cerrado, na mesma proporo.

A coleta foi realizada manualmente, destacando-se as folhas mais maduras. Aps a coleta, as espcies amostradas foram identificadas e discutidas segundo caractersticas como textura das folhas, altura, localizao e condies de luminosidade. As folhas foram numeradas e os seus moldes foram desenhados em folha de papel sulfite. Foram armazenadas em sacos de papel para secagem em estufa a 80C no laboratrio. Aps secagem, foi obtido o peso seco (PS) em (g de cada folha utilizando-se balana analtica. Tambm, foi obtido o peso dos moldes para determinao da rea foliar (AF) em mm2, por comparao a um quadrado de papel sulfite de peso e tamanho conhecido. Com estes dados, foi possvel a determinao do ndice de Esclerofilia Foliar (IEF) de cada planta, dividindo-se o PS por AF.

IV. RESULTADOS

IV.1. Caractersticas gerais da vegetao

As figuras II.1, II.2 e II.3 apresentam os perfis diagramas do Cerrado, Cerrado Sensu Stricto e Campo Cerrado.

IV.2. Descrio das espcies utilizadas

Xylopia aromatica: coletada no Campo Cerrado e no Cerrado, com aproximadamente 1,5 metro de altura, com tronco e galhos retilneos, folhas levemente coriceas na face superior e pilosas na inferior.

Miconia albicans: Coletada no Campo Cerrado e no Cerrado, com aproximadamente 1m, com tronco e galhos retilneos, folhas coriceas, pilosas em ambas as faces.

IV.3. Microclima

Observa-se no grfico III.1, que a luminosidade no interior do Cerrado mostrou-se bem inferior que a do Campo Cerrado durante todo o perodo, sendo que a magnitude da intensidade luminosa dentro da mata cerca de 10 vezes menor. A diferena de luminosidade pode ser explicada pela ao do dossel do Cerrado bloqueando boa parte da luz.

A temperatura do ar apresentou uma tendncia de subida no decorrer do dia, sendo que no interior do Cerrado apresentou valores muito semelhantes com os valores apresentados no Campo Cerrado (grfico III.2). O esperado seria encontrarmos temperaturas mais amenas no interior do Cerrado em relao ao Campo Cerrado, no entanto, o dia nublado e chuvoso praticamente anulou o efeito que o maior sombreamento no Cerrado teria na diferena de temperatura do ar entre os dois locais. As temperaturas mnima e mxima do Campo Cerrado (24C e 29,5C) foram semelhantes aos obtidos para o interior da vegetao de Cerrado (24C e 26C).

Assim como era esperado para temperatura, tambm a umidade relativa do ar deveria tambm apresentar diferenas significativas entre as medies dentro do Cerrado e no Campo Cerrado, no entanto, as espectativas no se confirmaram, pelos mesmos motivos do ocorrido com os valores de temperatura do ar. A umidade relativa do ar manteve-se estvel durante todo o perodo de medio com valores muito prximos dentro do Cerrado e no Campo Cerrado (grfico III.3).

Era esperado que a evaporao aumentasse nos dois ambientes a medida que aumentasse a temperatura do ar e diminusse a umidade relativa no decorrer do dia. No entanto, o dia nublado e chuvoso no permitiu que observssemos esta correlao. Ocorreu uma tendncia da evaporao ser superior na regio de Campo Cerrado (grfico III.4).

Como pode de observado no grfico III.5, a velocidade do vento manteve-se nula no interior da mata do Cerrado e mais elevada na regio de Campo Cerrado, durante todo o perodo de estudo.

A temperatura do solo na regio do Campo Cerrado teve uma variao maior em relao ao Cerrado, e neste, a temperatura do solo apresentou-se inferior e com grande estabilidade durante todo o perodo (grfico III.6).

IV.4. Transpirao

Analisando os grficos de transpirao foliar (Grfico.III.10) podemos perceber que ela ocorre predominantemente pela face inferior da folha nas duas espcies estudadas (Xylopia aromatica e Miconia albicans), certamente em funo dos estmatos estarem concentrados nesta face. Alm disso, podemos inferir que as folhas dos indivduos estudados estavam transpirando a taxas bastante elevadas, pois o papel de cobalto utilizado como indicador de transpirao atingia o valor mximo (cor-de-rosa) j no primeiro minuto para a face inferior na maioria das situaes experimentais.

Numa anlise mais atenta, podemos observar tambm que os valores de transpirao para ambas as espcies foi ligeiramente maior ao meio-dia do que s 14:00 h assim como foi tambm ligeiramente maior no Campo Cerrado do que no Cerrado. Normalmente, no seria esperada alguma diferena de transpirao em horrios to prximos, mas a diferena pode ser explicada pela chuva ocorrida prximo tomada de dados das 14:00 h. As diferenas entre os dados obtidos no Campo Cerrado e no Cerrado ficaram de acordo com maiores ndices de evaporao obtidos nas medies de microclima do Campo Cerrado.

IV.5. ndice de escleromorfismo

As tabelas III.2 a III.9, assim como os grficos III.7 a III.9 sumarizam os dados obtidos para plantas do Campo cerrado e Cerrado, referentes peso seco, rea foliar e ndice de esclerofilia.

V. DISCUSSO

Microclima

Quando analisamos os resultados obtidos para temperatura e umidade relativa do ar, percebemos que eles destoam do que seria esperado, ou seja, o Cerrado que deveria apresentar uma temperatura mais baixa e conseqentemente uma maior umidade relativa do ar apresenta valores muito semelhantes, durante todas as observaes, com os valores obtidos no Campo Cerrado. Este resultado deve-se ao fato do dia do experimento estar nublado com chuvas ocasionais, o que fez com que as diferenas de temperatura e umidade relativa do ar entre o Campo Cerrado e o Cerrado no pudessem ficar evidenciadas. Mesmo sem a comprovao dos dados experimentais, bastante evidente que Campo Cerrado e Cerrado apresentam condies microclimticas bastante distintas, com o Cerrado oferecendo um ambiente menos estressante para o desenvolvimento vegetal.

Os resultados obtidos mostraram que o Campo Cerrado apresentou valores relativos a luminosidade, vento e evaporao sempre maiores que os valores obtidos no Cerrado. Estes resultados j eram esperados em funo do fato da cobertura vegetal mais alta, estratificada e densa do Cerrado oferecer um maior sombreamento e um maior bloqueio dos ventos, condies que favorecem uma menor evaporao.

Transpirao

A informao mais importante que pode ser extrada da anlise dos dados de transpirao foliar para o nosso estudo comparativo de escleromorfismo entre indivduos no Campo Cerrado e no Cerrado no a mensurao da diferena de valores de transpirao nos dois ambientes, mas sim a constatao de que no cerrado, contraditoriamente do que seria esperado de um ambiente aparentemente xrico, a vegetao transpira livremente a altas taxas. A este respeito, Ferri (1955) contrape caracteres xricos da vegetao do cerrado (como a presena de estmatos em depresso, epidermes revestidas por cutculas espessas, presena de numerosos plos e escamas) ao fato da maioria das plantas permanentes do cerrado transpirarem livremente e com altos valores, mesmo no perodo da seca mais pronunciada. Esta livre transpirao pode encontrar explicao nos estudos de Rawitscher et al. (1943), onde j era claro que a gua no representa um fator to limitante do cerrado quanto se presumia at ento. Esse trabalho mostrou que a no ser nos dois primeiros metros de profundidade, o solo do cerrado conserva-se mido durante todo o ano.

ndice de esclerofilia foliar

Os dados obtidos revelaram maiores ndices de Esclerofilia Foliar (IEF) em plantas do Campo Cerrado. A mdia obtida para este local foi de 130,79 (g.mm-2, enquanto que para o Cerrado foi de 100,83 (g.mm-2 . Estes dados j nos fornecem os primeiros indcios de que indivduos de mesma espcie podem responder diferentemente quanto ao grau de esclerofilia foliar quando submetidos a tenses ambientais diferentes.

No entanto, foram observados comportamentos distintos nas duas espcies utilizadas no experimento. Xylopia aromatica no apresentou variaes relevantes nos IEF quando comparados indivduos do Campo Cerrado e do Cerrado. J Miconia albicans apresentou variaes bastante expressivas nos IEF dos indivduos dos dois ambientes, como pode ser observado nas tabelas III.10 e III.11 no grfico III.9.

Delitti et al. (2000) realizou tambm um trabalho no Cerrado de Emas comparando o grau de esclerofilia foliar de espcies no Campo Cerrado e no Cerrado. Os autores tambm encontraram IEFs superiores no Campo Cerrado. A diferena entre os trabalhos que no presente estudo, foram escolhidas somente duas espcies que eram representadas nos dois ambientes, enquanto que no trabalho de Delitti et al. (2000), foi selecionado um nmero maior de espcies onde tambm estavam presentes espcies com representao em apenas um dos ambientes.

Neste ponto do presente estudo, j temos informaes suficientes para montar um cenrio sobre a diferenciao de esclerofilia foliar encontrada em indivduos de mesma espcie no Campo Cerrado e no Cerrado.

A primeira informao que compe o cenrio que realmente existe diferena no grau de esclerofilia encontrado nos dois ambientes. No Campo Cerrado as folhas apresentaram IEF superior ao encontrado nas mesmas espcies no Cerrado. Este fato pode ser comprovado tanto experimentalmente (dados obtidos com Miconia albicans), como tambm pelos dados da literatura, como visto em Delitti et al. (2000). No caso da Xylopia aromatica, apesar das diferenas nos IEF registrados no serem marcantes, encontramos na literatura (Miranda-Melo, 2002) resultados que demonstram diferenas expressivas entre as folhas de Xylopia aromatica no Campo Cerrado e no Cerrado.

A segunda informao que, contrariando a expectativa que tnhamos no momento em que o protocolo do experimento foi elaborado, a disponibilidade de gua no parece constituir um fator limitante de primeira importncia para a vegetao do cerrado. Este fato foi constatado a partir dos dados de obtidos de transpirao foliar, que mostraram as folhas transpirando livremente, sem limitao alguma, o que no ocorreria se gua fosse fator limitante.

A terceira informao vem da anlise de microclima, que nos mostra que a formao vegetacional do local determinante para o estabelecimento do microclima e no o contrrio, sendo que o microclima seria responsvel apenas por presses ambientais de curto prazo, as quais teriam um peso muito menor que o macroclima, o solo e o fogo para o cerrado, como visto na literatura citada na introduo.

De posse deste cenrio montado, podemos citar quatro hipteses que poderiam explicar os resultados obtidos:

1. De acordo com Turner (1994), os vegetais esclerofilos so adaptados para conservao de gua.A hiptese de esclerofilia como resposta escassez de gua no Cerrado vm sendo discutida. Trabalhos realizados na dcada de 40 provaram que a gua no fator limitante no Cerrado, pois plantas com razes profundas so capazes de atingir o reservatrio subterrneo (Rawitscher et al., 1943). O principal questionamento a essa teoria diz respeito necessidade de investimento para a produo de razes longas, o que poderia limitar a alocao de recursos para crescimento e reproduo, por exemplo. Sob esse ponto de vista, a carncia hdrica seria um fator limitante. Por isso, alguns autores consideram que caracteres de esclerofilia esto associados com xeromorfia. Algumas caractersticas relacionadas preveno de perda dgua so cutcula cerosa espessa, presena de plos e estmatos em depresses. A esclerofilia seria uma vantagem em ambientes muito quentes e ridos, nos quais a disponibilidade de gua poderia limitar o crescimento da planta. Esta hiptese, no nos parece adequada para explicar o cenrio construdo, pois, como foi demonstrado, tanto os exemplares estudados no Campo Cerrado como os exemplares do Cerrado transpiravam livremente, indicando que as plantas no passavam por estresse hdrico.

2. Ainda segundo Turner (1994), os vegetais esclerofilos podem ser adaptados para preveno de danos. Para durar muito tempo, uma folha precisa ser forte o suficiente para resistir a interaes biticas e abiticas com o ambiente, sem perder sua capacidade fotossinttica. Os principais agentes danificadores so vento, chuva, sol, herbvoros e patgenos. Folhas mais duras, resistentes e espessas so menos suscetveis estes agentes, alm de terem menor digestibilidade, o que as torna menos interessantes para os herbvoros. Folhas com cutcula espessa, por exemplo, esto menos sujeitas radiao UV-B, entrada de patgenos e a perfurao por peas bucais de insetos (Turner, 1994). Rizzini (1997) usa somente a radiao solar para explicar a esclerofilia, como descrito a seguir. Em princpio, a hiptese de preveno a danos tambm poderia ser aplicada aos dados obtidos aqui. Comparando com as condies encontradas no Cerrado, as plantas do Campo Cerrado esto mais expostas aos fatores abiticos (vento, chuva, sol). No entanto, no possvel afirmar nada em relao patogenia e herbivoria, uma vez que no dispomos de dados sobre ndice de herbivoria e ataque por patgenos nos ambientes estudados.

3. Rizzini (1997) afirma que a esclerofilia determinada pela insolao e que espcies esclerfitas possuem folhas coriceas, secas e duras. Essa rigidez foliar causada pela grande quantidade de tecido de sustentao, pelo espessamento da cutcula e pelo enrolamento das margens. Outras caractersticas dos esclerfitos so: epiderme, cutcula, esclernquima, colnquima e sber mais volumosos e grossos; lignificao, suberizao, e cutinizao intensas; presena de plos, nervuras foliares numerosas, salientes, ramificadas e rgidas; ampla paliada. Essa teoria conhecida como hiptese heliomrfica porque as caractersticas citadas so fruto da ao morfogentica do sol. Segundo Rizzini, caracteres esclerofilos abrangem o vegetal como um todo.

O autor afirma que a intensidade da esclerofilia aumenta da mata para o campo. Alm disso, variaes no IEF da mesma espcie so devidas s variaes no ambiente onde a planta cresceu, considerando exposio insolao. Esta hiptese foi utilizada por Delitti et al. (2000) para explicar os IEFs obtidos no Cerrado de Emas. Obviamente, isso tambm se aplica ao presente trabalho. As espcies do Campo Cerrado esto muito mais expostas radiao solar e, por isso, so mais esclerfilas.

4. Segundo a hiptese da esclerofilia oligotrfica, proposta por Arens em 1958, a deficincia mineral justifica a presena de caractersticas esclerenquimticas e o pequeno porte das rvores. Em 1985, Pivello demonstrou que as queimadas no Cerrado de Emas influenciam a disponibilidade de nutrientes. Nessa situao, a exportao de nitrognio da fitomassa para a atmosfera foi superior a 90%; fsforo e potssio sofreram perdas de 51% e 44%, respectivamente e o enxofre foi reduzido em 40%. Esses resultados mostram que o solo do Cerrado est sujeito carncia de nutrientes. O fogo , portanto, o agente responsvel pela diminuio de nutrientes disponveis para as plantas. Por isso, espera-se que o solo do Campo Cerrado, constantemente sujeito a incndios, seja mais pobre em relao ao Cerrado, onde no h queimadas h mais de 40 anos. Segundo Turner (1994), solos pobres em nitrognio e fsforo esto associados presena de espcies esclerfilas. A baixa disponibilidade de nutrientes no solo pode determinar mudanas na anatomia foliar e culminar com variaes no grau de esclerofilia, como verificaram Medina et al. (1990), estudando espcies de floresta tropical. O mesmo fenmeno foi observado neste trabalho: as plantas com maiores IEFs foram coletadas exatamente no ambiente onde o solo mais pobre em termos nutricionais.

VI. CONCLUSO

Os exemplares coletados no Campo Cerrado apresentaram IEFs maiores em relao aos coletadas no Cerrado. Isso ocorre em funo do Campo Cerrado constituir um ambiente com condies climticas mais limitantes. Acredita-se que a evoluo da esclerofilia tem permitido que diversas plantas explorem grande variedade de ambientes com uma grande gama de fatores estressantes. No possvel afirmar qual ou que apenas um dos fatores explorados nas hipteses o condicionante nas diferentes situaes em que vegetais com graus de esclerofilia alterados so encontrados. importante destacar como o desenvolvimento de um experimento simples pode envolver a abertura de diversas frentes de raciocnio com hipteses para se explicar o fenmeno observado.

VII. BIBLIOGRAFIA

ARENS, K. Consideraes sobre as causas do xeromorfismo foliar. Bol. Fac. Filos. Cienc. Let. Univ. So Paulo Ser. Bot. 15:25-56. 1958

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