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RELATÓRIO GERAL III Assembleia da Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Oficial Portuguesa TEMA: Jurisdição Constitucional e Protecção dos Direitos Fundamentais TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DE ANGOLA GOVERNO DA PROVÍNCIA DE BENGUELA Benguela – Angola, de 2 a 4 de Junho de 2014

RELATÓRIO GERAL PARA A CONFERÊNCIA DA CJCPLP - STF · se encontram em fases distintas do processo de consolidação das ... representando cerca de 20% do total dos 306 artigos da

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RELATÓRIO GERAL

III Assembleia da Conferência

das Jurisdições Constitucionais

dos Países de Língua Oficial Portuguesa

TEMA: Jurisdição Constitucional e

Protecção dos Direitos Fundamentais

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DE ANGOLA

GOVERNO DA PROVÍNCIA DE BENGUELA

Benguela – Angola, de 2 a 4 de Junho de 2014

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INTRODUÇÃO

Com o presente Relatório pretende-se sistematizar num documento único as respostas que as instituições participantes na 3ª Assembleia das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa (CJCPLP), a realizar de 02 a 05 de Junho, em Benguela, deram ao questionário sobre a “Jurisdição Constitucional e Protecção de Direitos Fundamentais”, tema central desta Assembleia.

O documento apoia-se nos relatórios nacionais que lhe serviram de

base e, sem pretensões de ser um estudo comparativo exaustivo, procura sintetizar os dados e informações neles recolhidos. De igual forma, e na medida do possível, tenta extrair as semelhanças e diferenças que se registam entre os vários modelos nacionais de jurisdição constitucional e protecção dos direitos fundamentais.

A Conferência de Benguela funda-se nos estatutos da CJCPLP, que

prevêem a realização de uma reunião plenária, denominada Assembleia, de dois em dois anos, tendo já ocorrido:

A reunião de Lisboa, de 20 a 21 de Maio de 2010, a primeira Assembleia da Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa, que aprovou os respectivos estatutos e discutiu o tema: “Fiscalização da Constitucionalidade e Estatuto das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa”.

A reunião de Maputo, de 14 a 15 de Maio de 2012, a segunda Assembleia da Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa, que discutiu o tema: “Competência dos Tribunais Constitucionais e dos Tribunais Supremos em Matéria Eleitoral”.

Estas Assembleias têm servido para a troca de experiências no âmbito da cooperação internacional existente entre as jurisdições constitucionais da CPLP. Estamos perante sistemas jurídicos com características próprias, que se encontram em fases distintas do processo de consolidação das correspondentes jurisdições constitucionais. De qualquer modo, estamos diante de países que comungam da mesma fonte de direito, de muitos aspectos históricos e factores identitários, - elementos estes que se vão revelando através de laços privilegiados de amizade e cooperação e que se apresentam- como pontos de comparação. Estes são também elementos que permitem deduzir linhas de força, características e tendências comuns e, consequentemente, traçar um quadro de crescimento de um diálogo que se afigura pertinente e indispensável para todos.

Por outras palavras, revela-se possível e oportuno comparar as várias

experiências nacionais, pois que, para além das particularidades de cada

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sistema, há um denominador comum que facilita ligar a Justiça Constitucional nos países lusófonos, o que constitui uma premissa de enriquecimento interno dos Estados membros.

Na elaboração do presente Relatório Geral fomos confrontados com alguns obstáculos, que se prendem com o facto de alguns países membros não terem respondido a todas as questões constantes do questionário previamente distribuído.

Em todo o caso, pese embora o contratempo, julgamos ter conseguido

produzir um documento de trabalho que, como já assinalado, se insuficiente para reflectir toda a complexidade e riqueza dos sistemas jurídicos analisados, poderá certamente servir de ponto de partida para a reflexão que se propõe sobre a jurisdição constitucional e a protecção dos direitos fundamentais nos países da CJCPLP.

A discussão de um tema que versa sobre a jurisdição constitucional e a

protecção dos direitos fundamentais, quer do ponto de vista filosófico e da ciência do direito, quer do ponto de vista político, apresenta-se ainda hoje, a despeito das pretensões de universalidade, como uma questão complexa.

Em causa está uma situação concreta que engloba não apenas a

realidade política - com espaços culturais heterógeneos, marcada com diversas visões e impactos, por padrões de vida socialmente diferenciados - como pressupõe atender exigências de transformações sociais e civilizacionais que se verificam a nível planetário, em sede de direitos fundamentais.

O essencial dos relatórios internos apresentados em resumo neste

trabalho espelha este entendimento e traduz,simultaneamente, a riqueza da diversidade do nosso tempo e, em particular,dos países,organizados numa comunidade.

Resta, por isso, agradecer os valiosos contributos contidos nos relatórios nacionais, apresentados pelo Tribunal Constitucional da República de Angola, pelo Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil, pelo Supremo Tribunal de Justiça da República de Cabo Verde, pelo Conselho Constitucional da República de Moçambique, pelo Tribunal Constitucional da República Portuguesa , pelo Supremo Tribunal da República de S. Tomé e Príncipe e pelo Tribunal de Recurso da República Democrática de Timor-Leste.

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I – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO E RESPECTIVO REGIME

1. 1. Disposições da Constituição que consagram os direitos fundamentais

O conjunto das Constituições dos países membros da CJCPLP apresenta um vasto catálogo de direitos fundamentais que reflectem uma evolução político constitucional e, quiçá, as influências recíprocas que a família do direito constitucional lusófono exerce entre si.

Não é de estranhar, por isso, a grande convergência em termos de direitos fundamentais que as Constituições dos países aqui em causa acolhem tanto no domínio dos direitos civis e políticos, como no âmbito dos direitos sociais ou até mesmo dos direitos fundamentais de natureza análoga e dos designados direitos fundamentais dispersos.1

Assim, em Angola, os direitos fundamentais vêm consagrados no Título II, Capítulos II e III da CRA, artigos 22º a 88º, ao passo que em Portugal ocupam toda a Parte I, do artigo 12.º ao artigo 79.º.

No Brasil, os dispositivos que consagram os Direitos Fundamentais estão previstos nos artigos 5º ao 11º da Constituição Federal e, em Cabo Verde, na Parte II da Constituição, sob a epígrafe Direitos e Deveres Fundamentais.

Em São Tomé e Príncipe, as disposições sobre direitos fundamentais vão desde o Livro II ao IV da Constituição, do artigo 15.º ao 65º e, em Timor-Leste, a Constituição apresenta o seu catálogo de direitos fundamentais nos artigos 16. ° a 61.°.

Em Moçambique, os direitos fundamentais estão regulamentados no Título II, da Constituição de 2004, que contém 60 artigos (art.º 35 a 95), representando cerca de 20% do total dos 306 artigos da Constituição.

                                                                                                                         1 Direitos fundamentais dispersos são os consagrados na Constituição, mas fora da Parte/Título ou Capítulo destinado aos direitos fundamentais. (Cf. Melo Alexandrino, in Direitos Fundamentais).

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1. 2. Principais categorias de direitos fundamentais vigentes nas ordens jurídicas dos países da CPLP

Tal como ficou patente no número anterior, todos os países membros da CPLP possuem um catálogo alargado de direitos fundamentais, positivados, por regra, a partir de duas grandes categorias, a do direitos, liberdades e garantias e a dos direitos económicos, sociais e culturais, apesar das características específicas das Constituições de cada um .

A República de Angola enquanto Estado democrático de direito promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como indivíduo quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas (art. 2º da CRA).

Por força deste fundamento, a ordem jurídica angolana acolhe os direitos fundamentais e classifica - -os como se segue :

a) direitos individuais e colectivos (Secção I, do Capítulo II, do Título II, da CRA), onde se consagram direitos e liberdades fundamentais, bem como diversos direitos políticos e de participação democrática;

b) direitos económicos, sociais e culturais (Capítulo III, do Título II, da CRA);

Na República Portuguesa, a estrutura classificatória básica adoptada pela CRP assenta na contraposição entre duas grandes categorias: a dos «direitos, liberdades e garantias» (Título II) e a dos «direitos económicos, sociais e culturais» (Título III);

Na República Federativa do Brasil, a Constituição Federal reconhece, nos artigos 5º a 11º, como núcleo básico dos direitos fundamentais da pessoa humana, o direito à vida (III e VI), à liberdade (IV, IX, XIII, XVIII, XIX, XX e XXVII), à igualdade (I, II e VII), à segurança (X, XI e XII) e à propriedade (XXII, XXIII).

Na República de Cabo Verde, tal como na de São Tomé e Príncipe e de Timor-Leste, o catálogo de direitos fundamentais está subdividido em Direitos, Liberdades e Garantias por um lado, e direitos económicos, sociais e culturais por outro.

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1. 3. Distinção entre direitos fundamentais e garantias fundamentais na Constituição

O texto constitucional angolano estabelece uma distinção entre uma concepção substantiva2 – de reconhecimento – e uma concepção adjectiva – de garantia – a respeito dos direitos, liberdades e garantias, patente nas secções integradas no Capítulo I (Secção I - direitos, liberdades e garantias) e Secção II – Garantia dos direitos e liberdades fundamentais);

Assim, à luz da Constituição angolana, os direitos e garantias fundamentais encontram-se consagrados em secções distintas. Os direitos e liberdades fundamentais encontram-se na Secção I, do Capítulo II e as garantias estão previstas na Secção II (Garantia dos Direitos e Liberdades Fundamentais), artigos 56º a 75º, do mesmo capítulo.

No Brasil, em São Tomé e Príncipe e Moçambique, à semelhança da Constituição angolana, as Constituições distinguem os direitos das garantias fundamentais;

Em Portugal, a CRP reconhece a existência de direitos e de garantias, contudo, não só não define estes conceitos, como não agrupa as várias disposições de acordo com tal distinção. Aliás, não se exclui que no mesmo preceito constitucional possam estar incluídos um direito fundamental e uma garantia institucional;

No mesmo sentido, a Constituição Timorense não distingue os direitos das garantias fundamentais, de tal modo que os direitos, deveres, liberdades e garantias pessoais estão elencados na Parte II, do Título II da Constituição, enquanto que os direitos e deveres económicos, sociais e culturais, estão incluídos no Título III.

1. 4. As principais insuficiências, méritos e/ou inovações da Constituição em relação aos direitos fundamentais, comparativamente às demais Constituições dos países membros da CJCPLP

Os processos constituintes dos países membros da CJCPLP decorreram em fases distintas e históricas de que resultaram vários princípios e direitos, que se sucederam no tempo, de acordo com a afirmação de cada estado político, o que de certo modo evidenciou as semelhanças e diferenças de uns para os outros.

                                                                                                                         2Jorge Bacelar Gouveia. Direito Constitucional de Angola. Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Instituto do Direito de Língua Portuguesa. 2014, p. 343.

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Assim podem destacar-se as insuficiências, méritos e/ou inovações, como abaixo se sintetiza:

Angola aponta como méritos da sua Constituição, entre outros, o esforço de estabelecer uma melhor distinção e sistematização entre as diversas categorias de direitos fundamentais e o esforço de separar a matéria das garantias fundamentais dos direitos enquanto tais. Destaca-se ainda o alargamento do princípio da universalidade à esfera social e familiar. Como insuficiência, entre outros, aponta-se a não consagração constitucional dos direitos da categoria dos trabalhadores domésticos e a não integração destes na providência social, conforme faz o Brasil (artigo. 7º parágrafo único da CF/88).

Portugal procedeu a um desenvolvimento muito pormenorizado dos direitos fundamentais na sua Constituição, a ponto de se poder afirmar, que numa visão de conjunto, o quadro de direitos humanos e liberdades individuais reconhecidos na ordem interna se apresenta bem mais completo e desenvolvido do que na generalidade das Constituições. Acresce que o catálogo português tem sido sucessivamente actualizado, no sentido da consagração de direitos que vão ao encontro das novas realidades e tendências. Exemplo disso são os denominados direitos de "terceira geração", como a protecção de dados, a transparência administrativa ou, mesmo, garantias no domínio da bioética.

Na Constituição Timorense, do ponto de vista dos direitos fundamentais, estes correspondem à Parte II da CRDTL, englobando toda essa matéria, com a mais completa epígrafe de "Direitos, deveres, liberdades e garantias fundamentais". Trata-se de um importante sector do texto constitucional, que reflecte vários equilíbrios e que se mostra, de um modo geral, nitidamente filiado numa herança cultural ocidental em matéria de direitos fundamentais. São escassas as inovações que o texto constitucional timorense pôde introduzir neste domínio, avultando os principais temas que têm caracterizado, no século XX, os textos constitucionais que se alinham, numa acepção mista, nas correntes do Estado Social de Direito.

1. 5. Regime dos direitos fundamentais.

Em Angola, tal como em Portugal, Cabo Verde e Moçambique, as Constituições não consagraram uma disciplina jurídico-constitucional unitária dos direitos fundamentais. Estabeleceram, antes, um regime geral (aplicável a todos os direitos fundamentais, quer sejam consagrados como «direitos, liberdades e garantias» ou como «direitos económicos, sociais e culturais», e quer se encontrem no «catálogo dos direitos fundamentais» ou fora desse catálogo, dispersos pelas Constituições) e um regime especial (um

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regime específico dos direitos, liberdades e garantias, ou seja, uma disciplina jurídica de natureza particular, consagrada nas normas constitucionais e aplicável, em via de princípio, aos «direitos, liberdades e garantias» e aos «direitos de natureza análoga»), que se acrescenta àquele. No regime geral, previu-se a existência de princípios comuns a todos os direitos, nomeadamente, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da universalidade (artigo 22.º da CRA, artigo 12.º da CRP e artigo 23.º da CRCV), o princípio da igualdade (artigo 23.º da CRA, artigo 13.º da CRP e 24.º da CRCV).

Por outro lado, as Constituições destes países atribuem aos direitos, liberdades e garantias um regime especial de protecção, de que não gozam os direitos económicos, sociais e culturais (a não ser que constituam direitos de natureza análoga àqueles), nomeadamente, no que se refere à aplicabilidade directa e à vinculação imediata das entidades públicas e privadas. A restrição destes direitos só pode ocorrer nos casos expressamente previstos na Constituição. As restrições que concretamente venham a ocorrer têm de respeitar o princípio da proporcionalidade e de ter como objectivo a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2, da CRP e n.º1 do artigo 57º da CRA). As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias também têm necessariamente de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18.º, n.º 3, da CRP e nº2 do artigo 57º da CRA).

Em São Tomé e Príncipe, a par de Angola, Portugal e Cabo Verde, grosso modo, os direitos, liberdades e garantias têm uma protecção mais acentuada do que os direitos económicos, sociais e culturais.

1. 6. Possibilidade de invalidar actos públicos por invocação dos direitos fundamentais

Na generalidade dos países da CPLP, os direitos fundamentais podem ser invocados para invalidar qualquer tipo de acto público, seja do poder legislativo, do poder administrativo, como igualmente do poder judicial:

Angola e Brasil, em particular, no que toca à impugnação dos actos públicos, além de fiscalizar a constitucionalidade de normas, têm esta prerrogativa complementada com o recurso extraordinário de inconstitucionalidade. Por meio deste recurso, previsto no artigo 49.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, alterado pela Lei n.º 25/10 de 3 de Dezembro, é

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possível invocar os direitos fundamentais para invalidar as sentenças judiciais e os actos administrativos que atentem contra estes direitos (os direitos fundamentais).

Em Portugal, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Moçambique, o Tribunal Constitucional conhece da violação dos direitos fundamentais apenas no contexto da fiscalização da constitucionalidade das normas com um conteúdo que os possa afectar. Sendo o objecto do controlo de constitucionalidade exclusivamente constituído por normas jurídicas, não abrange decisões judiciais em si ou actos políticos stricto sensu, actos administrativos ou actos jurídicos privados.

1. 7. Regime da aplicabilidade dos direitos, liberdade e garantias fundamentais, direitos económicos, sociais e culturais

Em regra, as constituições dos países da CPLP determinam a aplicabilidade directa dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Em Angola, tal como em Portugal, Brasil, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique, a Constituição atribui aos direitos, liberdades e garantias um regime especial de protecção, de que não gozam os direitos económicos, sociais e culturais (a não ser que constituam direitos de natureza análoga àqueles). Este regime contempla, designadamente, uma força jurídica reforçada, porquanto, nos termos constitucionais, gozam do benefício da aplicabilidade directa e da vinculação imediata das entidades públicas e privadas.

A aplicabilidade directa significa que as normas de direitos, liberdades e garantias vinculam juridicamente o Estado e entidades privadas e podem ser invocadas directamente pelos cidadãos contra o Estado.

Diversamente, os direitos económicos, sociais e culturais observam o mesmo regime nos países como Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, que é o de aplicação mediata por terem natureza programática. Em Portugal, estes direitos têm vindo a ganhar, paulatinamente, um regime reforçado, levando a que a distinção entre os direitos, liberdades e garantias fundamentais seja mínima quanto à exigibilidade dos direitos económicos, sociais e culturais pelos cidadãos. No Brasil, a Constituição não estabelece um regime expresso para os direitos económicos, sociais e culturais, daí a doutrina daquele país entender que o regime específico dos direitos, liberdades e garantias se aplica, em toda a sua extensão e com o mesmo alcance, aos direitos económicos, sociais e culturais.

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1. 8. Consagração do princípio da reserva do possível na Constituição

As Constituições dos países da CPLP não consagram expressamente o princípio da reserva do possível. Mas este princípio está implícito em várias normas constitucionais. Por exemplo, em Angola, o art. 28º, nº 2 da CRA é o mais próximo da referida teoria, pela seguinte redacção: “o Estado deve adoptar as iniciativas legislativas e outras medidas adequadas à concretização progressiva e efectiva, de acordo com os recursos disponíveis, dos direitos económicos, sociais e culturais”.

Em Portugal ainda que o legislador constituinte não o refira explicitamente, a doutrina e a jurisprudência reconhecem a sua existência e relevância, configurando-o como uma limitação imanente aos direitos económicos, sociais e culturais. Neste sentido, o princípio da reserva do possível é tido como um dado natural, implícito.

No Brasil, o princípio da reserva do possível foi apenas invocado em decisões do Supremo Tribunal Federal , nomeadamente: Recurso Extraordinário/RE 639337 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 45.

Cabo Verde e Timor-Leste reconhecem a existência deste princípio implícito nos artigos 70.º, n.º 1 da CRCV e 56.º da CTL, que tratam da matéria relacionada com a segurança social, cuja protecção é abrangente a vários sectores da vida social dos cidadãos, para assegurar a dignidade da pessoa humana que as Constituições consagram;

Em Moçambique, o Conselho Constitucional tem tomado posições sobre o assunto referindo que este Órgão na sua jurisprudência tem reiterado a necessidade da observância pelo poder legislativo, executivo e judicial do princípio da reserva do possível nos casos de limitação do exercício dos direitos fundamentais, previstos na Constituição.

II – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL, APLICABILIDADE E INVOCABILIDADE

2. 1. Principais diplomas internacionais e as normas da Constituição complementadas pelo Direito Internacional ou Comunitário na ordem jurídica.

A análise aos diferentes relatórios permite concluir que a generalidade dos países membros da CJCPLP possui um sistema aberto de direitos fundamentais “quer pelo apelo a direitos fundamentais atípicos legais e internacionais, quer pelo apelo à Declaração Universal dos Direitos do Homem3. Consagram, igualmente, o princípio de recepção geral do direito                                                                                                                          3 Cfr .Jorge Bacelar Gouveia, in As Constituições dos Estados de Língua Portuguesa

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internacional, plasmado, no caso de Angola, nos artigos 13º e 26º da CRA, do Brasil, no artigo 5º (inciso II e IIIº) da Constituição Federal, de Cabo-Verde, no artigo 12º daCRCV, de Moçambique, nos artigos 17º, 18º, 42º e 43º da CRM e de Portugal nos artigos 8º e 16º da CRP.

Assim, todos os países analisados, Angola, Brasil, Cabo-Verde, Moçambique, Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor Leste, reconhecem que os direitos fundamentais são complementados pelo direito internacional.

Relativamente à aplicação e ou invocação de diplomas internacionais em matéria de protecção de direitos fundamentais constata-se, igualmente, existir entre os países analisados convergência quanto ao recurso a instrumentos chaves de direito internacional. Desde logo, no que tange à Declaração Universal dos Direitos Humanos (Angola, Cabo-Verde, Moçambique, Portugal, Timor Leste) ou aos princípios estabelecidos na Carta da Organização das Nações Unidas.

Angola e Moçambique referem-se, em concreto, a instrumentos regionais de direitos humanos, como a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, também referenciada por Cabo-Verde, e a Convenção Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança. Por seu turno, Cabo-Verde, Moçambique e Portugal citam, em particular, os Pactos Internacionais celebrados no quadro das Nações Unidas, nomeadamente os relativos aos Direitos Civis e Políticos e aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais e respectivos Protocolos Facultativos.

A Convenção sobre os Direitos da Criança é referenciada por Angola, Cabo-Verde e Moçambique.

Moçambique, além dos diplomas supramencionados, refere-se também, em particular, à Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, à Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, à Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e à Convenção da União Africana relativa a Aspectos Específicos do Problema dos Refugiados em África, entre outros. Portugal, enquanto membro da União Europeia, cita ainda a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

2. 2. Principais direitos fundamentais consagrados na sua Constituição resultados de influência imediata do Direito Internacional ou Comunitário.

É bastante semelhante o catálogo de direitos fundamentais que resulta da influência do direito internacional e que as constituições dos países membros da CJCPLP consagra. No seu relatório Angola identifica, essencialmente, os seguintes direitos fundamentais: o direito à integridade pessoal (artigo 31.º CRA), o direito à identidade, privacidade e intimidade

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(artigo 32.º da CRA), o direito à inviolabilidade do domicílio (artigo 33.º da CRA), o direito à não violação da correspondência (artigo 34.º da CRA);), o direito de constituir família, casamento e filiação (artigo 35.º da CRA; , o direiro à liberdade física e à seguranção pessoal (artigo 36.º da CRA) e o direito de acesso a cargos públicos (artigo 53.ºda CRA). Cabo Verde traz à liça os direitos à vida, à integridade física, à liberdade e segurança social, à intimidade, personalidade e ao bom nome, bem como os direitos de acesso à justiça e de propriedade. Moçambique, por seu lado, arrola os direitos civis e políticos, o direito de acção popular (artigo 81.º, da CRM), o direito dos arguidos a assistência e patrocínio judicial (artigo 62.º da CRM), os direitos associados à prisão preventiva (artigo 65º da CRM) e ou habeas corpus (artigo 66.º CRM).

Em Portugal, o relatório refere que, embora a adopção dos principais instrumentos internacionais de protecção e garantia dos Direitos do Homem na ordem interna só tenha ocorrido em momento posterior ao da entrada em vigor da CRP, na verdade esses instrumentos exerceram, desde logo, uma influência decisiva na elaboração da própria Lei Fundamental portuguesa. A Constituição não só recolheu o desiderato da evolução do processo de garantia e de protecção dos Direitos do Homem verificada no espaço geopolítico onde o País se insere - em especial o constante das convenções internacionais -, mas também procedeu a um desenvolvimento muito pormenorizado desses direitos e garantias.

São Tomé prefere não identificar especificamente os direitos fundamentais que sofrem influência do direito internacional, referindo apenas serem estes os consagrados na Carta dos Direitos Humanos e na Carta Africana, entre outros.

O relatório de Timor Leste observa que a importância dos direitos do homem é plenamente assumida pela Constituição do país, que identifica a República de Timor Leste como um Estado de Direito democrático baseado no respeito pela dignidade da pessoa humana (artigo 1.0, nº1), inclui a protecção dos direitos humanos entre os princípios norteadores do Estado timorense nas relações internacionais (artigo 8.°, nº 1) e incorpora a Declaração Universal dos Direitos do Homem como critério interpretativo dos direitos fundamentais (artigo 23.°, 2.ª parte).Salienta, igualmente, que tal importância é também atestada pela rapidez com que o país ratificou os principais instrumentos internacionais de direitos humanos, instrumentos cujas normas, por força do artigo 9.° da Constituição, vigoram na ordem jurídica timorense e se sobrepõem ao Direito interno de nível infraconstitucional.

2. 3. Direitos decorrentes de legislação internacional aplicados pelos Tribunais sem dependência de invocação pelas partes.

A aplicação pelos tribunais dos direitos resultantes de legislação internacional parece não suscitar problemas de maior nos países analisados, em decorrência do princípio da recepção geral do direito internacional,

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acima referido, ou de norma consitucional que expressamente estabeleça uma tal faculdade, como, por exemplo, no caso de Angola. O artigo 26º, nº 3, da CRA confere a qualquer tribunal a prerrogativa de aplicar, na apreciação de litígios relativos à matéria sobre direitos fundamentais, os instrumentos internacionais ainda que não invocados pelas partes.

Em Cabo Verde, Moçambique e Timor Leste não existe dispositivo constitucional que, de modo expresso, consagre tal possibilidade, ou seja, a aplicação directa de instrumentos internacionais ainda que não invocados pelas partes. Todavia, nos países aqui referidos e como já antes reflectido, as normas de direito internacional integram as respectivas ordens jurídicas, desde que preenchidos os requisitos legais estabelecidos para o efeito, nos termos, no caso de Cabo-Verde, do artigo 12º da CRCV, no caso de Moçambique, do artigo 18º da CRM e, no caso de Timor Leste, do artigo 9º da CTL.

Em Portugal, embora alguns direitos fundamentais previstos na CRP não tenham uma disposição correspondente no direito europeu ou internacional, o número de direitos estabelecidos em instrumentos internacionais que não estão directamente previstos na Constituição Portuguesa é muito escasso. É esta a razão pela qual o Tribunal Constitucional nunca atribuiu às normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ou da Declaração Universal dos Direitos do Homem um valor constitucional autónomo. Ou seja: o Tribunal Constitucional tem o poder de aplicar normas e princípios consagrados em convenções internacionais de que Portugal seja parte ou noutros instrumentos de direito europeu e internacional, mas nunca os usou como forma directa e autónoma de representação de limites constitucionais aos quais possa recorrer aquando da avaliação da constitucionalidade das disposições legais nacionais. Assim, mesmo quando o requerente invoca o conteúdo destes direitos, o Tribunal nunca decidiu no sentido da existência de uma exclusiva ou directa violação do direito europeu ou internacional. As normas destes instrumentos internacionais são sempre usadas em conjunto com regra ou princípio correspondente da CRP. Consequentemente, tais normas assumem um papel secundário na ratio decidendi do caso, lê-se no relatório de Portugal.

2. 4. Conflitos entre as normas do direito interno e as resultantes do direito internacional que foram resolvidos pelos Tribunais.

Em matéria de conflitos entre normas de direito interno e as resultantes do direito internacional, Angola, Moçambique e São Tomé referem a inexistência, até ao momento, de qualquer situação de confronto directo entre as duas categorias de normas referidas, pelo que não apresentam qualquer experiência prática de resolução de conflitos desta natureza. Cabo-Verde também nada referiu sobre este tipo de conflitualidade.

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O Brasil dá conta de pelo menos uma situação de conflito entre o direito interno e o internacional. A Constituição do Brasil de 1988 previa a prisão por pensão de alimentos e para o depositário infiel. A este propósito, em razão da adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), que não acolhia a prisão do depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal entendeu aplicar a Convenção, afastando desta forma a aplicação da Constituição. Tal entendimento, como referido no relatório, encontra-se reflectido na Súmula vinculante 25, com base nas discussões constantes nos recursos extraordinarios /RE’s (349.703; 466.343).

Em Portugal, desde 1989 que, no âmbito da fiscalização concreta, cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional» (artigo 70.º, n.º 1, alínea i), da LTC). Precisando o âmbito deste recurso, o n.º 2 do artigo 72.º da mesma lei dispõe que «o recurso é restrito às questões de natureza jurídico-constitucional e jurídico-internacional implicadas na decisão recorrida».

O aditamento destes preceitos à LTC, levado a cabo pela Lei n.º 85/89, procurou ultrapassar a oposição de julgados existente entre as antigas 1.ª e 2.ª Secções do Tribunal Constitucional, quanto à competência para conhecer da desconformidade entre o direito interno e o direito internacional convencional. O referido recurso abrange apenas a questão da posição que a Constituição atribui às convenções internacionais no quadro normativo da ordem jurídica portuguesa e as questões que se traduzem em determinar a vigência da convenção na ordem jurídica internacional e a sua vinculatividade para o Estado português, mas não a questão material directamente controvertida, consistente em saber se a dita convenção é ou não contrariada pela norma legal em causa, questão que permanece na competência dos tribunais comuns.O Tribunal Constitucional portugês tem afirmado, de modo uniforme e reiterado, que a sua competência, no âmbito da fiscalização concreta, para aferir da compatibilidade de normas de direito ordinário com uma convenção internacional se circunscreve aos casos especificados da al. i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC - recusa de aplicação normativa ou aplicação em desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional -, não cabendo no seu âmbito o recurso de decisão que tenha aplicado norma de direito interno cuja desconformidade com a convenção internacional haja sido suscitada por uma das partes no processo. Por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos específicos, o Tribunal Constitucional não conheceu ainda de recursos interpostos ao abrigo desta disposição legal. Sobre esta matéria o relatório refera ainda que não pode haver fiscalização preventiva, nem fiscalização abstrata, da desconformidade de normas internas com normas de direito internacional.

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Timor Leste, por seu lado, reporta a existência de dois acórdãos (de sentido coincidente) que tiveram como objecto a apreciação da inconstitucionalidade de normas constantes do diploma legislativo que veio a ser a Lei n. ° 9/2003, de 15 de Outubro, sobre Imigração e Asilo. O primeiro dos acórdãos a pronunciar-se sobre a regulamentação da imigração e asilo - Processo nº 2/2003, de 30 de Junho de 2003 - foi proferido em sede de fiscalização abstracta preventiva, nos termos do artigo 149.° da CRDTL. O Tribunal considerou inconstitucionais as normas do artigo 11.° n. ° 1 alíneas a), b), c), f) e g) e a norma do artigo 12.°, por restringirem direitos, liberdades e garantias sem respeito pelas condições impostas pelo artigo 24. ° da Constituição por violarem o princípio da igualdade consagrado no art. 23, n. 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Ao abrigo do artigo 88.° n.ºs 2 e 36 da Constituição da República Democrática de Timor Leste (CRDTL), o Parlamento veio, no entanto, a confirmar o diploma, dando origem a Lei nº 9/2003, de 15 de Outubro. O segundo acórdão - Processo n. ° 3/2003 - foi proferido em sede de fiscalização abstracta sucessiva da Lei nº 9/2003, a requerimento de um grupo de Deputados do Parlamento Nacional, de acordo com o artigo 150.°, alínea e) da CRDTL. O Tribunal reiterou a primeira decisão declarando, agora com força obrigatória geral (artigo 153. ° da CRDTL), a inconstitucionalidade das normas em causa, que, deste modo, desapareceram da ordem jurídica timorense.

2. 5. Relação entre os direitos decorrentes do Direito Internacional invocados pelas partes ou aplicados pelos Tribunais e os direitos fundamentais consagrados na sua Constituição.

As Constituições dos países membros da CJCPLPtêm consagrado um sistema de direitos fundamentais aberto aos direitos e garantias fundamentais decorrentes do direito internacional. Estes, uma vez acolhidos no ordenamento jurídico mediante o mecanismo de ratificação dos tratados internacionais, não se sobrepõem mas juntam-se aos direitos fundamentais consagrados na Constituição. .

No entanto, a aplicação desses direitos não é uniforme nos países aqui referidos, apresentando particularidades específicas, como, por exemplo:

- Angola - são aplicáveis na ordem jurídica nacional outros direitos constantes de leis e regras de direito internacional, de tal sorte que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com os diplomas internacionais de que Angola seja parte;

- Brasil - a invocação ou aplicação dos direitos fundamentais decorrentes do direito internacional só é permitida desde que tenham sido recepcionadas e transformadas em normas internas;

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- Moçambique-os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integradas de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos;

- Portugal - no que respeita à posição do direito internacional público na ordem jurídica nacional, resulta quer dos n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º da Constituição, quer das normas constitucionais atinentes ao sistema de fiscalização da constitucionalidade, que o mesmo ocupa uma posição infra-constitucional. Pois, nos termos do n.º 1 do artigo 277.º da Lei Fundamental, as normas de direito internacional público – seja comum, seja convencional - estão sujeitas à fiscalização abstracta sucessiva e à fiscalização concreta da constitucionalidade. Tanto é assim que, em alguns casos, foi o Tribunal chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional de instrumentos de direito internacional. Foi o que se passou no Acórdão n.º 494/1999 que, no âmbito da fiscalização preventiva, não se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas da Convenção Sobre Segurança Social entre a República Portuguesa e a República do Chile, assinada em Lisboa em 25 de Março de 1999.

- São Tomé e Príncipe - os direitos fundamentais decorrentes do direito internacional não prevalecem sobre o direitos fundamentais consagrados na Constituição;

- Cabo Verde - o art. 12.º, n.º 1, da CRCV estabelece que o direito internacional geral ou comum faz parte integrante da ordem jurídica cabo-verdiana e os tratados e acordos internacionais, validamente aprovados ou ratificados, vigoram na ordem jurídica cabo-verdiana após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem jurídica nacional e enquanto vincularem internacionalmente o Estado de Cabo Verde. Prevalecem sobre todos os actos legislativos e normativos internos de valor infraconstitucional. Existe unanimidade na doutrina que o art. 12.º n.º 1 trata-se de uma norma de recepção automática do direito internacional no ordenamento jurídico cabo-verdiano. Acredita-se estar perante uma cláusula de recepção plena. O art. 17.º, n.º 3, da CRCV estabelece que “As normas constitucionais e legais relativas aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direito do Homem.”

- Timor Leste - a Constituição consagrou o princípio da recepção automática, no n.º 2 do artigo 9.°, ainda que de modo condicionado, ao estabelecer que “as normas constantes de convenções, tratados e acordos internacionais vigoram na ordem jurídica interna mediante aprovação, ratificação ou adesão pelos respectivos órgãos competentes e depois de publicadas no jornal oficial".

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Parece, portanto, ser de concluir que as normas do direito internacional, mesmo as relacionadas com os direitos e garantias fundamentais, não prevalecem sobre as Constituições dos países membros da Conferência antes de recepcionadas nos respectivos ordenamentos jurídicos pelos competentes poderes instituídos.

2. 6. Uso pelos Tribunais Constitucionais da jurisprudência comparada para enriquecer a fundamentação das suas decisões no campo dos direitos fundamentais e respectivas fontes.

É preciso não perder de vista que estamos hoje num mundo globalizado e que a evolução galopante dos meios de comunicação torna a conexão, surpreendentemente, mais real. Daí que toda a actividade jurisdicional no mundo tem vindo, cada vez mais, a sofrer influências de vários ordenamentos jurídicos, particularmente na perspectiva de aproximação das decisões aos valores universais de justiça. . Desta feita:

- O Tribunal Constitucional de Angola, ao proferir as suas decisões, tem feito recurso à jurisprudência comparada para enriquecer a sua fundamentação, nomeadamente a jurisprudência dos órgãos com jurisdição constitucional de Portugal, Brasil, Espanha, Argentina e Alemanha, servindo-se da jurisprudência publicada nos respectivos sites ou na base de dados do Codices da Conferência Mundial das Jurisdições Constitucionais.

- O Conselho Constitucional de Moçambique socorre-se, igualmente, da jurisprudência comparada, embora não a aplicando directamente. O Conselho Constitucional tem consultado jurisprudência de órgãos análogos, nomeadamente dos países de língua portuguesa e nelas se tem inspirado, algumas vezes, para formular os seus juízos relativamente à matéria controvertida.

- No Supremo Tribunal Federal do Brasil, a jurisprudência comparada não constitui fundamento para as decisões desta Corte, mas tem desempenhado um papel exemplificativo na sua actividade jurisdicional.

- O Tribunal Constitucional de Portugal tem feito recurso à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, considerando-a de presença significativa nas suas decisões. Como por exemplo:

1. O “caso Feliciano Bichão c. Portugal” – queixa n.º 40225/04 (de onde resultou a obrigatoriedade de cumprimento mais exigente do princípio do contraditório, devendo efectuar-se a notificação das contra-alegações do representante do Ministério Público, junto do Tribunal Constitucional, aos recorrentes, nos casos em que naquelas se suscitam questões novas que podem obstar ao conhecimento do objecto do recurso);

2. Acórdãos n.ºs 121/97, 416/2003 e 589/2006, em que estava em causa a conjugação entre o direito de defesa do arguido e o segredo de justiça, concretamente, a questão de determinar, durante o inquérito – fase

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processual coberta pelo segredo de justiça (artigo 86.º do Código de Processo Penal) –, qual a amplitude, do direito de acesso aos autos por parte do arguido constitucionalmente exigida. Nestes arestos, o Tribunal, antes de analisar o problema à luz da Constituição, destacou os critérios gerais da jurisprudência do TEDH sobre o n.º 4 do artigo 5.º da CEDH, designadamente, no caso Lamy, e, posteriormente, nos casos Lietzow v. Alemanha, Garcia Alva v. Alemanha e Schöps v. Alemanha, embora não tenha acompanhado em toda a sua extensão a jurisprudência do TEDH. Como se salienta no Acórdão n.º 589/2006, com arrimo na doutrina penalista, o Tribunal Constitucional português entendeu que não pode transpor-se, sem mais, o princípio da igualdade de armas, para se decidir pela violação do artigo 5.º, § 4º, da CEDH, uma vez que o processo penal português não é um processo de partes, obedecendo as intervenções processuais do Ministério Público a critérios estrita objectividade;

3. Acórdão n.º 20/2012, que julgou inconstitucional uma norma do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, quando interpretada no sentido de não ser impugnável, pelo recluso, a decisão administrativa de manutenção do recluso em regime de segurança. Para o efeito, e em desenvolvimento da interpretação que desenvolveu sobre o âmbito de protecção do artigo 30.º, n.º 5 da Constituição, convocou uma decisão do TEDH proferida em processo em que foram demandados o Estado Português (caso Stegarescu e Bahrin c. Portugal), bem como as normas da Recomendação (2006) 2 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros sobre as Regras Penitenciárias Europeias;

4. Acórdão n.º 345/1999, estava em causa a constitucionalidade de uma norma da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, segundo a qual o representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo ou do Tribunal Administrativo de 2.ª Instância (Tribunal Central Administrativo) «assiste às sessões de julgamento e é ouvido na discussão», sem que o recorrente gozasse de igual faculdade. O Tribunal Constitucional, nesse Acórdão e no Acórdão n.º 412/2000, formulou um juízo de inconstitucionalidade à luz do princípio do “processo equitativo”, vertido no artigo 20.º da Constituição Portuguesa e invocou a jurisprudência firmada pelo TEDH a partir do Acórdão “Lobo Machado contra Portugal”, de 20 de Fevereiro de 1996 (tendo mais tarde, pelo Acórdão n.º 157/2001, sido julgada inconstitucional, com força obrigatória geral).

- O Supremo Tribunal de Justiça de São Tomé e Príncipe tem feito apelo à jurisprudência comparada de Portugal, Espanha e do Brasil para fundamentar as suas decisões.

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III - INSTITUIÇÕES PROTECTORAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

3. 1. Outras instituições que asseguram a protecção dos direitos fundamentais

Nos ordenamentos jurídicos dos países membros da Conferência das Jurisdições Constitucionais da CPLP, para além dos Tribunais, existem outras instituições que asseguram a protecção dos direitos fundamentais:

- Angola - esta função é exercida pelo Provedor de Justiça (art.192º da CRA), pela Assembleia Nacional (art. 141º da CRA, conjugado com a alínea i) do art. 67º da Lei Orgânica do funcionamento e do processo legislativo da Assembleia Nacional, por intermédio da 9º Comissão dos Direitos Humanos, Petições, Reclamações e Sugestões dos Cidadãos), pela Procuradoria Geral da República (art. 189º CRA), pela Ordem de Advogados de Angola (art. 195.º da CRA), pelas organizações da sociedade civil e pelo INAC – Instituto Nacional da Criança.

- Portugal - esta função é exercida pelo Provedor de Justiça (art. 23.º da CRP), pela Alta Autoridade para a Comunicação Social (art. 35.º da CRP), pelas instituições constitucionais e pelas entidades privadas criadas por lei, como a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), a Comissão Nacional de Eleições, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, o Conselho de Fiscalização SIRP.

- Cabo-Verde - esta função é exercida pelo Provedor de Justiça (art. 253.º da CRCV), pela Comissão Nacional para os Direitos Humanos e Cidadania (CNDHC), pelo Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género (ICIEG) e pelo Instituto da Criança e do Adolescente (ICCA).

- Brasil - esta função é exercida por todos os Juízes e tribunais do país e demais instituições públicas.

- Moçambique - esta função é exercida pela à Assembleia da República através de mecanismos das petições, pelo Provedor de Justiça e ainda, pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos, pela Ordem dos Advogados, pela Liga dos Direitos Humanos, entre outras associações da sociedade civil.

- S. Tomé e Príncipe - esta função é exercida pelas organizações locais, pelas instituições estatais, pelo Ministério Público e pela Polícia.

- Timor-Leste - esta função é atribuída apenas ao Supremo Tribunal de Justiça.

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Conclui-se que nos países membros da Conferência, com excepção de Timor-Leste, a protecção dos direitos fundamentais é assegurada também por outras instituições não jurisdicionais.

3. 2. Os Tribunais como instituições que tem desempenhado a maior protecção dos direitos fundamentais

De todas as instituições das jurisdições constitucionais da CPLP protectoras dos direitos fundamentais, as que têm desempenhado maior protecção dos direitos fundamentais são os Tribunais Constitucionais ou aqueles que, não sendo Tribunais Constitucionais autónomos, exercem a mesma função, por serem órgãos que proferem decisões de cumprimento obrigatório e vinculativas para todas as entidades públicas e privadas.

Realidade diversa regista-se em Moçambique, onde, segundo o relatório, são escassos os meios processuais previstos na Constituição e na lei relativos ao acesso directo dos cidadãos à jurisdição constitucional para a defesa dos seus direitos. 3. 3. Postura adoptada pelos Tribunais na protecção e divulgação dos direitos fundamentais.

Os Tribunais Constitucionais e os demais com esta função das jurisdições da CPLP são órgãos que administram a justiça em nome do povo e a ratio de administrar a justiça remete-os para uma actividade de resolução de litígios, passiva e não proactiva, pelo que os torna dependentes dos processos que o litigantes levam a sua apreciação.

Os Tribunais de Angola, Portugal e Brasil têm divulgado as suas actividades nas páginas de internet que titulam, nas publicações oficais dos próprios Tribunais e nas conferências que realizam. O Conselho Constitucional de Moçambique tem divulgado as suas actividades através da promoção de palestras e seminários para divulgação do papel da justiça constitucional.

O Tribunal de Recurso do Timor-Leste divulga, apenas, as decisões proferidas no âmbito da fiscalização abstracta preventiva e abastracta sucessiva.

3. 4. Condição ou papel em que os Tribunais intervêm na protecção dos direitos fundamentais (v. g. instituição judicial exclusiva, primeira instância, instância de recurso)

A maior parte dos Tribunais Constitucionais e os demais com as mesmas funções das Jurisdições da CPLP, acolheu nas suas Constituições o sistema de controlo misto (concentrado e difuso), com excepção de Timor-Leste que consagra o sistema concentrado de fiscalização. Assim, o seu

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Tribunal com jurisdição constitucional (o Tribunal de Recurso) intervém na protecção dos direitos fundamentais como única instância de recurso. Nos demais países que acolheram o sistema misto, a intervenção dos tribunais na protecção dos direitos fundamentais é bastante díspar. Nos processos de fiscalização preventiva e sucessiva intervêm, nos termos das respectivas constituições, como instituição judicial exclusiva. Para outras questões de protecção dos direitos fundamentais, por força do princípio do esgotamento, estes Tribunais actuam como instâncias de recurso.

3. 5. As petições intentadas ou apresentadas directamente nos Tribunais pelos cidadãos com vista a protecção dos direitos fundamentais

Tal como referido no ponto anterior, nas jurisdições Constitucionais dos países membros da Conferência, os cidadãos não podem apresentar, nem intentar as suas acções directamente a estes Tribunais, com algumas particularidades em algumas jurisdições.

Em Angola e Portugal os cidadãos podem dirigir petições directamente ao Tribunal Constitucional nos casos de interposição ou retenção do recurso ordinário de inconstitucionalidade de decisões de Tribunais comuns, de primeira instância, que tenham aplicado normas ou que tenham recusado a sua aplicação.

No Brasil, só é admitido aos cidadãos apresentarem petições directamente ao Supremo Tribunal Federal por via de recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

Nos países como Moçambique, S. Tomé e Príncipe e Timor-Leste não é permitido aos cidadãos dirigirem petições directamente ao Tribunal Constitucional.

3. 6. Níveis de instituições que os cidadãos têm de percorrer para alcançar os Tribunais em consequência do princípio do esgotamento dos meios e recursos comuns

Nas jurisdições constitucionais dos países membros da Conferência, as instituições a percorrer até alcançar o Tribunal Constitucional ou outro com as mesmas funções, em consequência do princípio de esgotamento, dependem das especificidades de cada um dos ordenamentos jurídicos em causa. :

Em Angola, o princípio de esgotamento está consagrado no artigo 49º da LPC, introduzido pela Lei n.º 25/10 de 3 de Dezembro. O recurso à jurisdição constitucional pelos cidadãos depende muito da natureza da questão suscitada e, quando não esteja em causa uma norma jurídica, pode percorrer diferentes instâncias, se exemplifica:

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a) Questões de natureza administrativa – Processos desta natureza podem começar nos órgãos da Administração, seguindo a interpelação junto das salas do cível e administrativo dos tribunais provinciais ou junto da câmara do cível, administrativo, fiscal e aduaneiro do Tribunal Supremo, conforme a natureza do órgão administrativo que pratica o acto. Após este itinerário é que pode haver lugar à demanda junto do Tribunal Constitucional, caso seja solicitado;

b) Questões de natureza criminal – Processos desta natureza são conhecidos em primeira instância pelos Tribunais Provinciais e Tribunais Municipais. Seguem depois e se for o caso, em instância de recurso, para o Tribunal Supremo e só depois é que o Tribunal Constitucional poderá intervir, caso seja solicitado;

c) Questões de natureza civil, trabalho, família, questões marítima e outras – Processos desta natureza assemelham-se aos de natureza criminal. Têm sempre início nos Tribunais Provinciais e demais Tribunais especiais, com excepção dos Tribunais Municipais, porque sobre estas matérias não têm competência conferida.

Nos países membros como Portugal, Brasil e Timor-Leste, a par do controlo abstracto da constitucionalidade em que o acesso ao Tribunal Constitucional é directo e sem dependência de qualquer procedimento prévio, administrativo ou judicial, existe o controlo concreto que tem por base uma decisão judicial em que tenha sido suscitada e decidida a questão de inconstitucionalidade, o que na verdade não deixa de revelar as similitudes existentes com o sistema angolano que consagra o recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

Em Moçambique, em relação ao contencioso eleitoral, o Conselho Constitucional aprecia os recursos interpostos das decisões da Comissão Nacional de Eleições, não podendo, neste âmbito, conhecer litígios que não hajam sido previamente dirimidos por este órgão.

Constata-se, portanto, que existe um grau de convergência nos sistemas jurídicos dos países membros quanto aos níveis jurisdicionais que os cidadãos têm de percorrer para alcançar o Tribunal Constitucional em todas as matérias, em que o direito de recorrer aos Tribunais Constitucionais tem necessariamente por base uma decisão judicial. Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor-Leste apenas têm consagrado para Tribunal Constitucional o recurso sobre a constitucionalidade de normas. Diversamente, Angola e o Brasil,

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para além desse mecanismo, têm ainda consagrado o recurso extraordinário de inconstitucionalidade. Moçambique tem a particularidade de aceitar apenas recursos interposto das decisões da Comissão Nacional de Eleições no âmbito do contencioso eleitoral.

3. 7. Percepção dos cidadãos sobre o desempenho dos Tribunais na protecção dos direitos fundamentais.

Na maior parte dos países membros da Conferência das Jurisdições Constitucionais da CPLP, a actuação dos Tribunais Constitucionais na protecção dos direitos fundamentais tem vindo a aumentar a confiança dos cidadãos nessas instâncias, havendo uma percepção positiva. Esta percepção não se verifica em S. Tomé e Príncipe, onde os cidadãos não têm a mesma impressão sobre o desempenho do Tribunal Constitucional em matéria da protecção dos direitos fundamentais devido ao facto desta instituição ter menos de uma década de existência e à acção do Supremo Tribunal de Justiça, que de certo modo lhe retira a dinâmica própria na realização das suas atribuições.

No geral, a percepção sobre a intervenção dos tribunais constitucionais na protecção dos direitos humanos decorre da quantidade de petições que lhes são dirigidas, das opiniões dos cidadãos e e da imprensa, sobretudo nos processos mais mediáticos.

3. 8. Carácter protector dos direitos fundamentais

Quanto ao carácter protector dos direitos fundamentais em Angola, Brasil, Portugal, São Tomé e Timor Leste, os juízes limitam-se ao estricto cumprimento do exercício das suas funções, em conformidade com as competências constitucionais e legais. Porém, os cidadãos angolanos singularmente considerados ou em organizações colectivas, esperam do Tribunal Constitucional maior protecção dos direitos fundamentais, no sentido, por exemplo, de desencadear as competentes acções judiciais ou de publicamente pronunciar-se sobre denúncias públicas de violações de direitos fundamentais. Por sua vez, em Portugal, também os cidadãos esperam a mesma protecção do Tribunal Constitucional , mas os juízes não podem desenvolver actividades político-partidárias de carácter público, devendo abster-se de actividades com exposição pública ou mediática. Já em Moçambique, o Conselho Constitucional tem sido solicitado por cidadãos ou organizações da sociedade civil, nomeadamente partidos políticos, para intervir na solução de questões que estão para além das suas competências.

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3. 9. Possibilidade de os cidadãos recorrerem das decisões dos Tribunais para Tribunais internacionais

Analisados os questionários dos países membros da CJCPLP, constatou-se que as decisões dos Tribunais Constitucionais (de Angola, Brasil, Portugal, Timor Leste, São Tomé e Príncipe) não são passíveis de recurso para Tribunais internacionais.

IV – GARANTIAS DE DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

4. 1. Principais garantias de defesa dos direitos fundamentais

Tendo como ponto de partida a ausência de uma definição que harmonize o conceito de garantia fundamental, a generalidade dos países membros da CJCPLP que apresentaram relatórios consagra, no plano constitucional, diferentes mecanismos de defesa dos direitos fundamentais, sendo de admitir a distinção entre garantias jurisdicionais e garantias não jurisdicionais.

Um outro denominador comum tem que ver com o facto de o acesso à justiça/tribunais ter sido reconhecido, em termos genéricos, como a principal garantia de cariz jurisdicional para a efectivação dos direitos fundamentais, em obediência ao princípio ubi ius, ibi remedium, ou seja, assente na ideia segundo a qual “a todo o direito corresponde um meio de o fazer valer em juízo”, como referido nos relatórios de Angola, Cabo- Verde e Portugal.

A par disso e com a ressalva feita no documento de Portugal no sentido de que «o direito português não conhece meios processuais próprios destinados especificamente a obter a tutela jurisdicional dos direitos fundamentais», alguns dos países analisados também convergem quanto à consagração nos seus ordenamentos jurídicos de outras garantias de natureza jurisdicional que permitem assegurar a protecção dos direitos aqui em causa, embora não as tivessem mencionado no quadro da presente questão. Ou seja, a de identificar as principais garantias de defesa dos direitos fundamentais.

Assim, Angola, Cabo-Verde e Portugal destacam o direito de suscitar junto de qualquer tribunal a questão de (in) constitucionalidade de normas que lesem ou restrinjam direitos fundamentais, tendo em atenção as especificidades decorrentes do sistema de controlo da constitucionalidade vigente nos países aqui referidos.

A acção de responsabilidade da qual resulta a prerrogativa para os particulares de responsabilizar os poderes públicos por acções ou omissões, que lesem direitos, liberdades e garantias fundamentais e de, consequentemente, exigir uma indemnização pelos danos resultantes desses actos é também mencionada por Angola, Cabo-Verde e Portugal. A propósito desta garantia, Angola acentua no seu relatório, que a Constituição

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da República de Angola, ao consagrar o princípio da responsabilidade do Estado, pretendeu atribuir dignidade constitucional a um princípio concretizador do Estado de Direito, de modo a ultrapassar definitivamente aqueles regimes que legitimam a irresponsabilidade dos actos dos poderes públicos.

Angola e Portugal destacam ainda, no plano das garantias jurisdicionais, o direito de acção popular enquanto instrumento particularmente adequado à defesa dos chamados interesses difusos, relativos a bens como o património cultural, a saúde pública, o meio ambiente ou qualidade de vida. Tal como referido nos relatórios dos países supracitados, este é um direito que pode ser usado por qualquer cidadão, individualmente ou associado, independentemente do seu interesse particular ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa.

Além dos mecanismos acima mencionados, é feita referência específica aos institutos de habeas corpus e habeas data (Angola, Brasil e Cabo-Verde) bem como às diferentes manifestações das garantias do processo criminal concretizadas, entre outros, nos princípios da legalidade, da presunção da inocência, do duplo grau de jurisdição e no princípio processual da igualdade (Angola).

O Brasil, no âmbito das garantias jurisdicionais, faz menção, em particular, ao mandado de segurança e ao mandado de injunção. O primeiro é um instituto processual de protecção dos direitos fundamentais específico do ordenamento jurídico deste país, que a Constituição brasileira acolhe no seu artigo 5º (inciso LXIX). Como se colhe do texto constitucional, o mandado de segurança visa reagir contra violações a direitos subjectivos públicos, não amparados por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público. O mandado de injunção, por seu lado, destina-se a reagir contra a impossibilidade de exercício de direitos e liberdades fundamentais decorrente de uma omissão legislativa (norma regulamentadora).

Cabo-Verde desenvolve em pormenor o âmbito e a natureza do recurso de amparo. Considera, em comparação com as demais constituições da CJCPLP, como a principal inovação da Constituição deste país e o instituto de maior repercussão da justiça constitucional no domínio da garantia dos direitos fundamentais. Ao abrigo deste recurso, consagrado no artigo 20º da CRCV, é atribuído a qualquer pessoa o direito de requerer ao Tribunal Constitucional a tutela dos seus direitos, liberdades e garantias fundamentais, constitucionalmente reconhecidos.

No plano dos mecanismos não jurisdicionais de protecção de direitos fundamentais, tanto Portugal como Cabo-Verde referem o direito de petição, o direito de queixa ao Provedor de Justiça e o direito de

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reclamação. Nos dois países aqui mencionados o direito de petição materializa a faculdade reconhecida a qualquer cidadão, de se dirigir a quaisquer autoridades públicas, para apresentar queixas, reclamações ou representações destinadas à defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral e, bem assim, o direito de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respectiva apreciação.

No que toca ao direito de queixa ao Provedor de Justiça, este é entendido, nos dois países, como um direito próximo ao direito de petição, por meio do qual é atribuído a qualquer cidadão, independentemente da idade, nacionalidade ou residência, a prerrogativa de apresentar queixas ao Provedor de Justiça.

Portugal destaca ainda o direito de resistência, previsto no artigo 21º da CRP, como a ultima ratio do cidadão ofendido nos seus direitos, liberdades e garantias, por actos do poder público ou por acções de entidades privadas.

4. 2. Legitimidade activa para requerer a verificação da conformidade com a Constituição em relação a actos legislativos, administrativos e judiciais, com vista ao cumprimento de direitos fundamentais

A questão da legitimidade para requerer a fiscalização da constitucionalidade de actos legislativos, administrativos e judiciais com vista ao cumprimento de direitos fundamentais está estritamente relacionada com o tipo de processo em que esta se verifica.

Os relatórios permitem identificar a vigência de pelo menos quatro tipos de fiscalização da constitucionalidade de actos legislativos nos países em análise, a saber: a) fiscalização abstracta preventiva(Angola, Cabo-Verde, Moçambique, Portugal, Timor Leste); b) fiscalização abstracta sucessiva ( Angola, Cabo-Verde; Moçambique, Portugal e Timor Leste); c) fiscalização concreta (Angola, Cabo-Verde, Portugal e Timor Leste); d) fiscalização da constitucionalidade por omissão (Angola, Portugal e Timor Leste) e e) o processo de declaração de inconstitucionalidade com base no controlo concreto ( Portugal).

Nos casos acima identificados, a legitimidade processual activa é atribuída a um conjunto de entidades públicas e também aos próprios cidadãos, enquanto partes com interesse legítimo em demandar.

Temos assim que, na fiscalização abstracta preventiva, a legitimidade processual activa recai sobre o Presidente da República (Angola, Cabo-Verde, Moçambique, Portugal), um número pré determinado de deputados (Angola, Cabo -Verde, Portugal e Timor Leste) e o Primeiro Ministro (Cabo-Verde, Portugal e Timor-Leste). Em Portugal, o relatório refere que os cidadãos, apesar de não possuírem legitimidade processual activa no âmbito

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deste tipo de processo (fiscalização preventiva), podem requer a uma das entidades com legitimidade que peça ela própria a fiscalização.

No que toca à fiscalização preventiva sucessiva, a legitimidade processual activa é atribuída ao Presidente da República (Angola,Cabo-Verde, Moçambique e Timor Leste), a um número determinado de deputados (Angola, Cabo-Verde, Moçambique e Timor Leste), aos Grupos Parlamentares (Angola), ao Presidente do Parlamento (Cabo-Verde, Moçambique, Portugal e Timor Leste), ao Primeiro Ministro (Cabo-Verde, Moçambique, Portugal e Timor Leste), ao Procurador Geral da República (Angola, Cabo-Verde, Moçambique, Portugal e Timor Leste), ao Provedor de Justiça (Angola, Cabo-Verde, Moçambique, Portugal e Timor Leste) e à Ordem de Advogados, no caso de Angola. Em Portugal, neste tipo de fiscalização, a legitimidade processual activa é igualmente conferida aos cidadãos nos termos acima descritos bem como, em certas situações, aos Representantes da República, às Assembleias Legislativas das regiões autónomas, aos presidentes das Assembleias legislativas das regiões autónomas e a um décimo dos deputados da Assembleia Regional.

Em sede de fiscalização concreta, a recair sobre qualquer tipo de acto normativo "relevante para o processo", o incidente de inconstitucionalidade, nos países analisados, pode ser suscitado pelas partes ( Angola, Cabo-Verde, Portugal e Timor Leste), pelo Ministério Público (Angola, Cabo-Verde, Portugal e Timor Leste) e pelos juízes, ex officio, como salientado no relatório de Portugal.

Ainda no âmbito da fiscalização concreta, o relatório de Angola destaca o recurso extraordinário de inconstitucionalidade como o meio processual idóneo para verificar a constitucionalidade dos actos administrativos e judiciais. Este recurso, regulado na Lei 3/08, de 17 de Junho, tem por objecto: a) sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Lei Constitucional e b) os actos administrativos definitivos e executórios que contrariem os princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição.

A legitimidade processual activa para a interposição do recurso extraordinário de inconstitucionalidade varia em função do seu objecto. Se sentenças, a legitimidade recai para as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário. Se actos administrativos, a legitimidade processual activa é reconhecida às pessoas que tenham legitimidade para os impugnar contenciosamente nos termos da lei.

Na fiscalização da constitucionalidade por omissão, são reconhecidos como sujeitos processuais activos o Presidente da República (Portugal e Timor Leste), o Provedor de Justiça (Portugal e Timor Leste) e, em certos caso, os presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, no

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caso de Portugal. É de sublinhar que, embora o relatório de Angola não faça referência a este tipo de fiscalização, ela está consagrada na ordem jurídica do país, sendo que a legitimidade processual activa para requerer a fiscalização de omissão inconstitucional é deferida ao Presidente da República, a 1/5 dos deputados da Assembleia Nacional em efectividade de funções e ao Procurador Geral da República.

Portugal é o único que se refere ao processo de declaração de inconstitucionalidade com base no controlo concreto, definindo-o como processo de fiscalização abstracta sucessiva de uma norma que já tenha sido julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional pelo menos três vezes em sede de fiscalização concreta. Neste tipo de processo, a legitimidade processual activa pertence aos próprios juízes do Tribunal e ao Ministério Público.

Em São Tomé, a legitimidade processual activa para requerer a fiscalização da constitucionalidade dos actos legislativos, administrativos e judiciais compete, nos termos do artigo 147º, nº2 da Constituição do país, es é reconhecida aos Presidente da República, ao Presidente da Assembleia Nacional, ao Primeiro Ministro, ao Procurador Geral da República, a um décimo dos deputados à Assembleia Nacional, a Assembleia Legislativa Regional e ao Presidente do Governo Regional do Príncipes

Sobre esta mesma questão, o Brasil, por seu lado, referencia o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Procurador Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Partido Político com representação no Congresso Nacional e a Confederação Sindical ou a entidade da classe de âmbito nacional como as entidades detentoras de legitimidade processual activa para propor a acção directa de inconstitucionalidade (ADI) e a acção declaratória de constitucionalidade (ADC).

Como se colhe da doutrina e da Constituição brasileira, estas são acções, que se inserem no domínio da fiscalização abstracta da constitucionalidade, e destinam-se, no caso da ADI, a declarar a inconstitucionalidade da lei ou de acto normativo federal ou estadual e, no caso da ADC; a declarar a constitucionalidade da lei ou de acto normativo federal. Neste tipo de acção, a lei prevê a possibilidade de participação de amicus curiae no processo.

Moçambique destaca no seu relatório o facto de o controlo da constitucionalidade incidir apenas sobre os actos normativos, deixando, assim de fora, os actos administrativos e judiciais.

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4. 3. Mecanismos processuais para levar aos tribunais a necessidade de protecção de direitos fundamentais (v.g. fiscalização preventiva, sucessiva, abstracta, concreta, mista, recurso ordinário, recurso extraordinário, interpretação constitucional, etc.)

A generalidade dos relatórios remete esta questão para o ponto anterior. Ou seja, identifica os processos de fiscalização abstracta preventiva, sucessiva, concreta e mista bem como os recursos ordinário de inconstitucionalidade e o recurso extraordinário de inconstitucionalidade (no caso de Angola) como os meios idóneos para levar aos tribunais a necessidade de protecção dos direitos fundamentais. O Brasil, além do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, menciona também a sua acção directa de inconstitucionalidade por omissão (ADO) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

Moçambique, por seu lado, refere o processo judicial da jurisdição comum ou da especializada como o mecanismo adequado para materializar o objectivo aqui vertido.

4. 4. Consagração na Constituição das garantias de habeas corpus, habeas data, direito de petição, de denúncia, de reclamação, de queixa e de acção popular

Como se extrai da primeira parte deste enunciado as garantias de habeas corpus, habeas data, direitos de petição, de queixa e de acção popular mereceram consagração constitucional nos ordenamentos jurídicos de Angola, Brasil, Cabo Verde e Portugal. S. Tomé refere que o direito de petição não vigora no país e Timor Leste destaca apenas o habeas corpus, o habeas data e o direito de petição.

4. 5. Petições de defesa dos direitos fundamentais junto dos Tribunais, recorrendo a garantias resultantes do Direito Internacional ou Comunitário

A questão de saber se têm surgido petições de defesa dos direitos fundamentais junto do Tribunal do país, recorrendo a garantias resultantes do Direito Internacional ou Comunitário é equacionada em função das especificidades de cada ordenamento jurídico.

No Brasil as partes podem invocar normas decorrentes de tratados internacionais. S.Tomé refere que este tipo de petição só é possível junto da Assembleia Nacional, ao passo que, para Timor Leste e Moçambique, esta é uma situação que não se coloca. Angola assinala que, por regra, os interessados recorrem as garantias previstas na própria Constituição.

Portugal salienta que o regime de recepção do direito internacional público convencional (resultante de tratados celebrados por Portugal ou

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vinculativos para Portugal por terem sido celebrados por organizações internacionais de que o país seja parte integrante) é um regime de recepção automática, dependente, contudo, da sua regular ratificação ou aprovação e da sua entrada em vigor após publicação oficial

É também enfatizado no relatório que o incumprimento das obrigações constitucionais e internacionais por parte do Estado português pode mesmo dar lugar à existência de uma inconstitucionalidade por omissão, que pode ser constatada pelo Tribunal Constitucional. Refere-se, a propósito, o Acórdão 474/2002 (tirado por unanimidade), em que foi verificado o incumprimento da Constituição por omissão parcial das medidas legislativas necessárias para tornar exequível o direito à assistência material dos trabalhadores da função pública em situação de desemprego involuntário, situação em que a quase generalidade dos trabalhadores da Administração Pública não gozava de protecção. A materialização e a jurisdicionalização dos direitos económicos e sociais – uma vez que estão intimamente dependentes da capacidade financeira do Estado – vêem-se, assim, limitadas pelo princípio da reserva do possível.

4. 6. Previsão do recurso de amparo na Constituição ou na legislação ordinária do país e a possibilidade de este ser usado para a defesa de direitos fundamentais

Dos relatórios em análise e como já antes referido, a Constituição de Cabo-Verde é a única a consagrar o recurso de amparo como instituto que especificamente se destina à tutela de direitos fundamentais. Ainda assim, este recurso parece não ter a natureza de uma verdadeira queixa constitucional, pois os interessados só podem dele socorrer-se depois de esgotados os recursos ordinários legalmente previstos.

Nos termos do artigo 20º da CRCV, e como se lê no relatório de Cabo-verde, este recurso pode ser interposto por qualquer cidadão contra actos ou omissões dos poderes públicos lesivos dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, depois de esgotadas todas as vias de recurso ordinário. Pode ser requerido em simples petição, tem carácter urgente e o seu processamento deve ser baseado no princípio da sumariedade. Do seu objecto, como é igualmente referido, ficam de fora os actos de natureza legislativa ou normativa, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 109/ 94 de 24 de Outubro, sendo que esta disposição legal tem sido criticada pela doutrina ao ser comparada com o artigo 20.º da CRCV. A conclusão a que se tem chegado, segundo o relatório, é que todo e qualquer acto ou omissão dos poderes públicos, desde que viole direitos fundamentais, pode ser objecto de recurso de amparo.

Angola, por seu lado, também possui um instituto que se aproxima do amparo, que é o recurso extraordinário de inconstitucionalidade (já referido

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anteriormente), cuja propositura está igualmente subordinada ao princípio do esgotamento dos recursos ordinários previstos por lei.

4. 7. Observância pelos Tribunais, no que toca à protecção dos direitos fundamentais, das exigências do processo célere, contraditório, igualdade de armas, direito à segunda apreciação, assistência judiciária por insuficiência de meios financeiros

No conjunto dos países analisados constata-se que as exigências do processo célere, do contraditório, da igualdade de armas, do direito à segunda apreciação, à assistência judiciária por insuficiência de meios financeiros são genericamente respeitadas. No relatório de Angola é observado que estas são exigências que corporizam princípios basilares na tramitação processual, particularmente no que concerne à fiscalização concreta. No domínio da fiscalização abstracta, preventiva e sucessiva e da inconstitucionalidade por omissão, no relatório de Portugal é feito notar que, não se pode com rigor falar da existência de um processo contraditório, mesmo estando prevista a possibilidade de audição dos órgãos autores da norma sindicada.

4. 8. Os Tribunais e o asseguramento e compatibilização da protecção dos direitos fundamentais com o limite da reserva do possível Algumas decisões onde essa ponderação ficou evidente

O Brasil e Cabo-Verde não se pronunciaram em concreto sobre a forma como os seus tribunais têm assegurado e compatibilizado a protecção dos direitos fundamentais com o limite da reserva do possível. Angola, São Tomé e Timor Leste referiram a ausência de decisões em que a questão do limite da reserva do possível tivesse sido equacionada. No relatório de Moçambique é enfatizada a posição que o Conselho Constitucional tem tomado sobre o assunto, referindo-se que este Órgão na sua jurisprudência tem reiterado a necessidade da observância pelo poder legislativo, executivo e judicial do princípio da reserva do possível nos casos de limitação do exercício dos direitos fundamentais, previsto no artigo da Constituição da República de Moçambique. Sobre este assunto, o relatório exemplifica com as seguintes decisões: Acórdão nº 3 /CC/2007, de 23 de Julho, relativo à apreciação preventiva da constitucionalidade do nº2 do artigo 13º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais; Acórdão nº 27/CC/2009, de 13 de Novembro, relativo à fiscalização preventiva da constitucionalidade do nº 3 do artigo 39º da Lei do Serviço Militar Obrigatório; Acórdão nº7/CC/2011, de 7 de Outubro, referente à apreciação da constitucionalidade de normas do domínio das relações jurídico-laborais, concretamente, das relações individuais de trabalho, o direito de recorrer aos tribunais e o Acórdão nº 5/CC/2008, de 8 de Maio, relativo à apreciação e declaração de

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inconstitucionalidade do Decreto nº 9/2007, de 30 de Abril, que aprova o Regulamento das Empresas Privadas de Segurança.

Portugal exemplifica com o Acórdão 474/2002 mencionado a propósito do recurso a garantias resultantes do Direito Internacional ou Comunitário.

4. 9. Mecanismos ou garantias de execução das decisões dos Tribunais constitucionais quanto à defesa dos direitos Fundamentais

O entendimento subjacente a esta questão (mecanismos de execução das decisões dos tribunais constitucionais no que toca à defesa dos direitos fundamentais) assenta no pressuposto segundo o qual as decisões dos tribunais são de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos, instituições e demais pessoas jurídicas quer nos termos da Constituição, quer nos termos das leis do processo constitucional.

Portugal assinala que, no âmbito da fiscalização concreta da inconstitucionalidade, as decisões do Tribunal Constitucional possuem apenas eficácia inter partes.

V - CASOS DE APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONTRA ÓRGÃOS DO ESTADO

5. 1. Direitos fundamentais mais referidos nas petições junto dos Tribunais em demandas contra órgãos do Estado.

Os direitos fundamentais referidos nas petições dirigidas aos tribunais variam consoante o país em causa. Em Angola, a título de exemplo, face ao princípio do esgotamento das instâncias (artigo 49º § único da Lei de Processo Constitucional), o Tribunal Constitucional, enquanto instituição de recurso, verifica as decisões do Tribunal recorrido (Tribunais superiores), e não a questão material controvertida entre o Estado e os particulares. Assim, em demandas contra o Estado junto deste Tribunal, os direitos fundamentais mais referenciados são os direitos de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, direito a um julgamento justo e conforme à lei, processo equitativo, o direito à igualdade de tratamento e o direito à irreversibilidade das nacionalizações e confiscos.

Dentre estes, o direito mais reclamado e que o Tribunal aplica com maior repetição é o direito a um julgamento justo e conforme à lei.

Em Portugal, mais recentemente, em virtude da crise económica e financeira que se tem feito sentir na Europa e às medidas de austeridade que têm sido aplicadas em Portugal, têm sido suscitadas questões de conformidade constitucional das mesmas, tendo o Tribunal Constitucional sido chamado a pronunciar-se, designadamente, sobre medidas incluídas em

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leis de natureza orçamental relativas ao corte de salários a funcionários públicos e a outros servidores do Estado, a cortes de pensões já em pagamento a beneficiários do sistema público de segurança social, à aplicação de uma contribuição extraordinária sobre pensões e ainda de uma contribuição sobre os montantes pagos a título de subsídio de desemprego e de doença.

Por último, o Tribunal também tem sido frequentemente chamado a apreciar normas de natureza processual penal. Dados de 2010 revelam que, neste ano, aproximadamente 25% dos recursos interpostos incidiram sobre normas neste âmbito, designadamente sobre o princípio da aplicação da lei mais favorável e o princípio da tipicidade.

5. 2. Cinco (5) decisões recentes dignas de referência aplicadas pelos Tribunais.

Analisados os questionários apresentados pelos países membros da Conferência, sobre a questão referenciada foi possível apurar os seguintes resultados:

Angola apresentou como decisões dignas de referência aplicadas pelo seu Tribunal as c seguintes:

1. Acórdão nº 326/2014 - Processo 403/2013 (Recurso extraordinário - Habeas Corpus), Prisão preventiva de menor de idade, violação pelo acórdão recorrido (Trib. Supremo) do art. 67º, nº2 da CRA.

2. Acórdão nº 312/2013 - Processo 296/2012 (Recurso extraordinário - Habeas Corpus), excesso de prisão preventiva, violação pelo acórdão recorrido (Trib. Supremo) dos artigos 57º, 64, 66º nº 1, 67º, nº1 da CRA.

3. Acórdão nº 154/2012 – Processo nº 201-C/2011, em que o Recorrente invocou a violação do direito à igualdade de tratamento, do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e ao princípio da irreversibilidade das nacionalizações e confiscos, consagrados nos artigos 23º, 29º e 97º, todos da CRA, por parte do Tribunal Recorrido.

4. Acórdão n.º 225/2012 – Processo n.º 293-D/2012, recurso de contencioso eleitoral apresentado pelo Partido da Renovação Social (PRS) contra a Comissão Nacional Eleitoral – CNE (órgão recorrido).

5. Acórdão n.º 122/2010 – Processos n.º 158 e n.º 159/2010, Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade contra a decisão proferida pelo Tribunal Provincial de Luanda, no âmbito do processo-crime denominado “Caso SME”.

Por seu turno, Portugal destacou as seguintes:

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1. Acórdão n.º 474/2002, em que  foi julgada (e tida por inconstitucional) a omissão da promulgação de uma medida considerada necessária à efectividade de uma garantia – a concessão de subsídio de desemprego a trabalhadores da função pública;

2. Acórdão n.º 590/2004, que se debruçou sobre a revogação do crédito jovem para aquisição de casa própria;

3. Acórdão n.º 353/2012 que, em matéria respeitante ao direito à retribuição do trabalho, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, em conjunção com o princípio da proporcionalidade, de normas da Lei do Orçamento do Estado para 2012, que suspenderam o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e 14.º meses;

4. Acórdão n.º 177/2002, em que o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da permissão de penhora, até um terço, de prestações periódicas pagas ao executado a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não fosse superior ao salário mínimo nacional;

5. Acórdão n.º 509/2002, em que o Tribunal Constitucional reconheceu ao direito ao mínimo de existência condigna uma dimensão positiva, como direito às prestações estaduais indispensáveis a uma vida com sentido humano, declarando inconstitucional a norma que denegava o rendimento social de inserção (anteriormente designado “rendimento mínimo garantido”) aos jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos.

5. 3. Divulgação das decisões tomadas pelos Tribunais envolvendo instituições públicas, na protecção de direitos fundamentais

Todos os ordenamentos jurídicos estabeleceram princípios da validade das decisões que proferem a sua divulgação, primeiro às partes dos processos em que esta foi proferida e posteriormente para o conhecimento geral. Sobre esta última, os Tribunais tem usado de vários meios a si disponíveis para a materialização do princípio da prevenção geral. Assim, os países membros da CJCPLP têm vindo a usar dos seguintes meios:

O Tribunal Constitucional de Angola:

a) Diário da República, as decisões proferidas em processos de fiscalização abstracta preventiva e sucessiva de normas constantes de diplomas legislativos;

b) Site do Tribunal: http://www.tribunalconstitucional.ao;

c) Colectâneas de Jurisprudência do Tribunal Constitucional;

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d) Bases de dados informatizadas do CODICES;

e) Existe ainda bastante divulgação da jurisprudência nas diversas conferências e seminários organizados pelo Tribunal, de âmbito nacional e internacional.

O Tribunal Constitucional de Portugal:

a) Por publicação na 1.ª Série do Diário da República, entre outras, as decisões que declarem a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de quaisquer normas, bem como as que verifiquem a existência de inconstitucionalidade por omissão (artigo 3.º da LTC);

b) Por publicação na 2.ª Série do Diário da República, todas as decisões que não devam ser publicadas na 1.ª Série e não revistam natureza interlocutória ou não sejam meramente repetitivas de outras anteriores;

c) No portal na internet do Tribunal Constitucional;

d) No portal da Comissão de Veneza, por colaboração;

e) Publicação em suporte de papel, nos Bulletin on Constitutional Case-Law e Bulletin de Jurisprudence Constitutionnelle, da responsabilidade da Comissão de Veneza, acompanhadas de estatísticas quadrimestrais da jurisprudência do Tribunal;

f) Publicação em colectâneas designadas “Acórdãos do Tribunal”;

g) Na Base de Dados de Jurisprudência da Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa, alojada no portal do Supremo Tribunal Federal do Brasil;

h) E noutros espaços criados para o acesso fácil de todos os cidadãos.

O Conselho Constitucional de Moçambique:

a) No Boletim da República; b) Na página electrónica da instituição (www.cconstitucional.or.mz/) e; c) Em colectânea periódica.

O Supremo Tribunal de Justiça de São Tomé e Príncipe manifestou a necessidade de maior divulgação das suas decisões, uma vez que carecem de meios para a divulgação das referidas decisões.

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VI – CASOS DE APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONTRA OS PARTICULARES

6. 1. Os direitos fundamentais mais referidos nas petições nos litígios entre particulares junto dos Tribunais

O Tribunal Constitucional de Angola indicou como direitos mais referidos nos litígios entre particulares, nomeadamente: o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, direito a julgamento justo e conforme à lei, processo equitativo e o direito á igualdade de tratamento, assumindo proeminência o direito a um julgamento justo e conforme à lei.

Portugal indicou como direitos mais referidos nas petições os que se seguem: o direito à habitação, ao arrendamento e ao crédito à habitação; a liberdade religiosa e objecção de consciência; uniões de facto e direito a pensões de sobrevivência; direitos das crianças e regulação do poder paternal.

6. 2. Cinco (5) decisões recentes dignas de referência aplicadas pelos Tribunais

O Tribunal Constitucional de Angola indicou como decisões dignas de referência, nomeadamente: o Acórdão n.º 145/2011 (processo n.º 181/2011-C), em que o Recorrente alegou a violação do direito de acesso à justiça e o direito de julgamento célere, justo e conforme à lei, previstos nos artigos 29.º, n.º 4 e 5 e 72.º da CRA, pelo Tribunal recorrido; Acórdão n.º 149/2011 (processo n.º 151-A/2011), em que o Recorrente invocou a violação do direito a igual tratamento e o direito a que a sua causa seja decidida num prazo razoável e ao processo equitativo, consagrados nos artigos 23.º e 29.º, ambos da CRA, pelo Tribunal recorrido; Acórdão n.º 154/2012 (processo n.º 201-C/2011), em que o Recorrente invocou a violação do direito à igualdade de tratamento, do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e o princípio da irreversibilidade das nacionalizações e confiscos, consagrados nos artigos 23.º, 29.º e 97.º, todos da CRA por parte do Tribunal recorrido; Acórdão n.º 155/2012 (processo n.º 204-B/2011), em que o Recorrente invocou a violação do direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, do julgamento justo e conforme a lei e o princípio da separação de poderes, consagrados nos artigos 29.º, 72.º e 105.º, todos da CRA por parte do Tribunal recorrido; por fim, o Acórdão n.º 235/2013 (processo n.º 215-A/2012), em que o Recorrente invocou a violação do direito à justa indemnização, consignado no artigo 76.º, n.º 4 da CRA.

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Portugal indicou o Acórdão n.º 220/2000, em que o Tribunal Constitucional considerou que a gestão de uma instituição de solidariedade social (uma Misericórdia) por um Inspector das finanças, durante a qual tinham sido praticados actos respeitantes à emissão de facturas falsas e simulação de organização de acções de formação profissional, não fazia parte da vida privada do funcionário relevante para efeitos de protecção constitucional da liberdade da vida privada, sendo pois legítimo efectivar a responsabilidade disciplinar do funcionário pela prática de tais actos.

Em segundo lugar, Portugal apresenta o Acórdão n.º 306/2005, reiterado pelo Acórdão n.º 312/2007, em que se discutiu o direito a alimentos do filho menor, face a impenhorabilidade da pensão do sistema de segurança social que vise possibilitar uma subsistência condigna prevista no Código de Processo Civil (artigo 824.º, n.ºs 1 e 2), tendo procurado uma difícil conciliação entre o dever constitucional dos progenitores assegurarem a sobrevivência dos filhos e a necessidade de garantir a todos os cidadãos uma subsistência condigna, para tutela do princípio da dignidade da pessoa humana.

Em terceiro lugar, o Acórdão n.º 685/2004, em que a questão suscitada era a de saber se a empresa que fornece a água a um consumidor que cumpre regularmente o seu contrato num local de consumo pode privá-lo desse fornecimento pelo simples facto de este faltar ao pagamento de montantes relativos ao consumo e aluguer de contador devidos no âmbito de contrato respeitante a outro local de consumo, tendo o Tribunal concluído que o acesso ao consumo da água e às condições ambientais e de qualidade de vida por ela proporcionadas não pode estar sujeito a uma pura lógica de protecção empresarial, orientada por meios de pressão sobre os consumidores que ultrapassem a exigibilidade do estrito cumprimento dos seus contratos, devendo censurar-se a reacção de corte efectuada pela empresa de fornecimento de água.

Por último, Portugal apresenta o Acórdão n.º 423/87, relativo ao ensino da religião católica nas escolas públicas, imposta pela norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 323/83, de 5 de Julho, para alunos cujos pais não declarassem expressamente desejo contrário. Entendeu o Tribunal Constitucional que uma tal exigência colidia com o princípio da liberdade religiosa, na vertente específica do direito de escolher livremente a confissão que se pretende professar e do direito de guardar reserva pessoal sobre tal

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escolha, mantendo-a indevassável no foro íntimo, declarando a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.

VII – GARANTIAS DO TRIBUNAL NA PROTECÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

7. 1. Garantias dos Tribunais na protecção dos direitos fundamentais

Quanto às garantias do Tribunal na protecção dos direitos fundamentais, em Angola, Brasil, Moçambique, Portugal, São Tomé e Timor Leste as decisões tomadas pelos tribunais, relativas aos direitos fundamentais têm sido cumpridas na integra pelas instituições recorridas. Em Angola, tal situação resulta da tutela jurisdicional garantida à força jurídica das decisões dos tribunais (art. 177º da CRA), da tutela da superioridade e cumprimento obrigatório das decisões do Tribunal Constitucional em relação a todas as instituições públicas e privadas (art. 6º da Lei nº 2/08 de 17 de Junho - Lei Orgânica do Tribunal Constitucional). Também em Portugal, as decisões dos tribunais não têm sido postas em causa, porque são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.

7. 2. Pressões sobre os Tribunais por outros poderes do Estado

Os relatórios de Angola, Moçambique e Timor Leste referem que estes países nunca sofreram pressões de outros poderes estaduais quando em causa estão casos que envolvem direitos fundamentais, sob pena de violação do princípio de independência e imparcialidade. São Tomé e Príncipe afirma ter sofridopressões de forma velada.

Portugal não regista pressões directas sobre o Tribunal Constitucional ou sobre os juízes. Porém, o actual contexto de crise económico-financeira, em que várias medidas de “austeridade” que o Governo fez aprovar (v. g. cortes de salários, de pensões e de prestações sociais, contribuições extraordinárias) vieram a ser sujeitas, por diversas vezes, à fiscalização da constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, suscitou declarações públicas, por parte dos membros do Governo, de comentadores políticos e mesmo de representantes das instituições europeias.

7. 3. Pressão dos media

Quanto à pressão dos media, em Portugal alguns casos de interesse mediático suscitam bastante interesse, proliferando opiniões, e não pressão, nos órgãos e comunicação social. Em Angola, nunca foram exercidas

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pressões sobre o Tribunal, mas igualmente em alguns casos mediáticos e por vezes, os media tem “sugerido” conclusões e sentidos para as decisões a tomar ou critica as decisões tomadas. Em São Tomé, os media por varias vezes exerceram pressões sobre o Tribunal, aquando do exame de casos envolvendo direitos fundamentais. Timor Leste e Moçambique nunca sofreram pressões dos media.

7. 4. Garantia dos juízes face às suas decisões

Em Timor Leste, Angola, Portugal, Brasil, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique os juízes no exercício das suas funções são independentes e apenas devem obediência à Constituição e à Lei. Para a garantia da sua independência, os juízes gozam de garantias de irresponsabilidade previstas por lei. São Tomé entende que não existe nenhuma garantia e que essas não podem existir.

7. 5. Relação dos Tribunais com outros poderes públicos

Em todos os países da CPLP, entre os Tribunais e os poderes executivo, legislativo e as demais instituições do poder judicial, as relações são de cooperação, urbanidade e interdependência institucional.