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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO E DOUTORADO OBSERVATÓRIO DO DIREITO À SAÚDE: DEMOCRACIA, SEPARAÇÃO DE PODERES E O PAPEL DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO PARA A EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÙDE. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS AMERICA LATINA OBSERVATÓRIO DA JUSTIÇA BRASILEIRA RELATÓRIO FINAL DA PESQUISA PORTO ALEGRE, DEZEMBRO, 2010.

Relatório Observatório do Direito à Saúde: Democracia, Separação de Poderes e o Papel do Judiciário Brasileiro para a Eficácia e Efetividade do Direito à Saúde

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O presente relatório traz o resultados iniciais da pesquisa "Observatório do Direito à Saúde: Democracia, Separação de Poderes e o Papel do Judiciário Brasileiro para a Eficácia e Efetividade do Direito à Saúde", desenvolvida pela Observatório da Justiça Brasileira

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO E DOUTORADO

OBSERVATÓRIO DO DIREITO À SAÚDE:

DEMOCRACIA, SEPARAÇÃO DE PODERES E O PAPEL

DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO PARA A EFICÁCIA E

EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÙDE.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS – AMERICA LATINA OBSERVATÓRIO DA JUSTIÇA BRASILEIRA

RELATÓRIO FINAL DA PESQUISA

PORTO ALEGRE,

DEZEMBRO, 2010.

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CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS DA AMÉRICA LATINA (CES/AL)

O Centro de Estudos Sociais da América Latina nasce de um profícuo diálogo entre

pesquisadores do CES - Coimbra (Portugal), da UFMG (Minas Gerais, Brasil) e de outras localidades do Brasil e da América Latina.

OBSERVATÓRIO DA JUSTIÇA BRASILEIRA

EIXO TEMÁTICO:

A JUDICIALIZAÇÃO E O EQUILÍBRIO DE PODERES NO BRASIL. (FOCO: OBSERVATÓRIO DO DIREITO À SAÚDE)

Projeto:

OBSERVATÓRIO DO DIREITO À SAÚDE DEMOCRACIA, SEPARAÇÃO DE PODERES E O PAPEL DO JUDICIÁRIO

BRASILEIRO PARA A EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE.

Objeto:

DEMOCRACIA, SEPARAÇÃO DE PODERES, EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO

DIREITO A SAÚDE NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO.

CONVOCAÇÃO Nº 001/2010

RELATÓRIO FINAL (20/12/2010)

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RELATÓRIO FINAL DA PESQUISA

COORDENADOR DA PESQUISA:

PROF. DR. INGO WOLGA NG

SARLET. Pesquisadores: Prof. Dr. Carlos Alberto Molinaro. Prof. Dr. José Maria Rosa Tesheiner. Prof. Dr. Thadeu Weber. Bolsista CAPES (pós-doutoramento): Dr. Cristiano Müller. Doutorando: Me. Phillip Gil França. Mestrandos: Caroline Dimuro Bender. Eliane Cristina Huffel Campos. Frederico Leonel Nascimento e Silva. Frederico Loureiro de Carvalho Freitas. Helena Raab Fochi. Graduandas: Joana Cavedon Ripoll. Luiasa Niencheski. Renata Guadagnim.

* Menção especial de agradecimento deve ser feita ao Mestrando Jeferson Ferreira Barbosa

pela inestimável colaboração na pesquisa e na formatação do presente projeto.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO GERAL .......................................................................................................................6

1 METODOLOGIA ..........................................................................................................................12

2 PESQUISA QUANTITATIVA ........................................................................................................14

2. 1 Introdução ...........................................................................................................................14

2.2 Tipos de decisões .................................................................................................................15

2.3 Exame do mérito e aspectos eminentemente processuais. ................................................17

2. 4 Objetos, temas das Decisões. .............................................................................................21

2.5 Tutela Indiv idual e Coletiva..................................................................................................26

2.6 Decisão do STF foi favorável a quem?.................................................................................27

2.7 Responsabilidade dos Entes Federados ...............................................................................29

2.8 Reconhece Interferência nos demais poderes? ...................................................................31

2.9 Técnicas processuais utilizadas para a concretização do direito à saúde ...........................32

Considerações Finais ..................................................................................................................33

3 PESQUISA QUALITATIVA ...........................................................................................................35

3.1 RECONSTRUÇÃO DO OBJETO DO DIREITO À SAÚDE NO DIREITO BRASILEIRO E

COMPARADO, A PARTIR DA ANÁLISE DAS PRESTAÇÕES MATERIAIS PLEITEADAS PELA VIA JUDICIAL. ...................................................................................................................................35

3.1.1 Introdução .....................................................................................................................35

3.1.2 Fornecimento de Medicamentos de Alto Custo e/ou Experimentais – O problema do

acesso a medicamentos não previstos pelos órgãos estatais ................................................42

3.1.3 Internações Hospitalares UTI‟s/CTI‟s ............................................................................46

3.1.4 Cláusulas Contratuais no Regime de Saúde Complementar e Ressarcimento ao SUS.48

3.1.5 Tratamentos Excepcionais no Exterior ..........................................................................49

3.1.6 Cláusula da “Reserva do Possível” e Direito à Saúde: O Posicionamento do Supremo

Tribunal Federal ......................................................................................................................50

3.2 REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS E RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS PARA PRESTAÇÕES DE SAÚDE. ............................................................................57

3.2.1 Introdução .....................................................................................................................57

3.2.2 Jurisprudência Pró-Responsabilidade Solidária .............................................................58

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3.2.3 Jurisprudência Pró-Repartição de Competências ..........................................................59

3.2.4 Posições Intermediárias .................................................................................................61

3.2.5 Configurações e consequências processuais.................................................................62

3.2.6 Evolução da Jurisprudência ...........................................................................................67

Considerações Finais ...............................................................................................................71

3.3 A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO CONTEXTO DO ESTADO SOCIOAMBIENTAL......................................................................................................................72

3.3.1 Introdução .....................................................................................................................72

3.3.2 No âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) .................................................73

3.3.3 No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ..............................................87

3.3.4 No âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).......................92

3.3.5 No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) .99

Considerações finais......................................................................................................... 101

3.4 ASPECTOS PROCESSUAIS ACERCA DA TUTELA DO DIREITO À SAÚDE. ......................... 102

3.4.1 Introdução ................................................................................................................... 102

3.4.2 A Judicilização da saúde e a atuação do Judiciário frente as ações civis públicas ..... 103

3.4.3 Legitimidade ativa para propositura de ação civil pública .......................................... 107

3.4.4 As técnicas processuais utilizadas para a concretização do direito à saúde .............. 111

Considerações Finais ........................................................................................................ 116

3.5 TITULARIDADE DO DIREITO À SAÚDE ............................................................................. 118

3.5.1 Introdução ................................................................................................................... 118

3.5.2 Titularidade do Direito à Saúde ................................................................................... 123

3.5.3 Titularidade do Estrangeiro ......................................................................................... 126

3.5.4 Legitimidade do Ministério Público e a Hipossuficiência ............................................. 130

3.5.5 Ação Civil Pública e a Hipossuficiência ........................................................................ 131

Considerações Finais ............................................................................................................. 133

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INTRODUÇÃO GERAL

“Judicialização e equilíbrio de poderes” é a área temática que foi

atribuída aos pesquisadores, que agora concluem este relatório, e

que teve como foco principal a denominada judicialização do

direito à saúde. Deste modo, não tratou da possibilidade de

existência de um hiperativismo judicial no trato das questões da

concretização do direito à saúde, o que será feito oportunamente, centrando-se na

investigação das decisões judiciais afetas ao tema e aos fundamentos teóricos dos

respectivos julgados. Na perspectiva dos pesquisadores a ideia de judicialização deveria

ser substituída pela de “dialogo construtivo” entre todos os poderes, mais precisamente

funções e competencias que interagem na construção de políticas públicas e de sua

pertinente efetivação em uma legítima “clearing house” de direitos e deveres que

revela a Jurisdição.

O tema proposto é de extraordinária relevância nos dias atuais, especialmente

tendo em conta o federalismo cooperativo brasileiro estabelecido pela Carta de 1988.

Este relatório, que procede daqueles anteriormente apresentados (15/09/2010 e

20/10/2010), intenta demonstrar um resultado qualitativo de amostras selecionadas e

relativas à tormentosa discussão dos limites que devem ser conferidos a atuação dos

Tribunais quando aparentemente afrontam os demais poderes da nação. Com efeito,

aqui não se investigou o fenômeno da juridicidade1 da intervenção jurisdicional na

concretização dos direitos confrontada com uma rígida noção de divisão de poderes e

funções no Estado contemporâneo, duvida-se, mesmo, desta rigidez, o que será objeto

de narrativa em texto conclusivo oportunamente apresentado como prosseguimento da

argumentação iniciada com esta investigação. Aqui se apresenta somente alguns

enunciados epistêmicos, fundados na observação empírica, relativamente à

reconstrução do direito à saúde mediante analise das prestações materiais submetidas

pela via judicial; à repartição de competências e responsabilidade solidária dos entes

federados; os aspectos processuais das demandas; a identificação da titularidade do

direito à saúde e, finalmente a sua concretização no contexto de um Estado

Socioambiental e Democrático de Direito.

Contudo, nesta introdução, antecipadamente impossível não fazer referência a

algumas questões que dizem com a separação de poderes, com o federalismo, com a

1 Aqui entendida como qualidade do que é jurídico e de conformidade com os princípios ou com as

formas do direito.

Judicialização? Ou, um Diálogo

Construtivo!

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função jurisdicional e, especialmente, com o nem sempre bem compreendido “ativismo

judicial”.

A separação de poderes (funções e competências) no Estado tem endereço

certo: a manutenção de alguma simetria estrutural de controle mútuo entre os

processos sociais emancipatórios (o percurso na busca dos bens indispensáveis para

suprir as necessidades) e os processos estatais

regulatórios (ou, a pavimentação do percurso que

possibilite a igualdade de acesso aos bens).

Manter alguma simetria torna possível a

convivência social e também mais estável o

“projeto de poder” que sustenta o Estado como

idealidade, ou instituição, e como conformação

possível de objetivos comuns daqueles que

compartem o projeto. Em pleno século XXI não

mais são autorizadas as *articulações que

promovem uma rígida separação de poderes,

funções e competências cometidas ao Estado, aos

órgãos estatais ou seus agentes; vigoram e

imperam os princípios da colaboração e da

subsidiariedade. Ademais, a separação de poderes

na atualidade está submetida por variantes multidimensionais: contexto global,

nacional, regional e local, pois os poderes se comunicam e necessitam cada vez mais de

interação e velocidade no tráfico das informações necessárias para as articulações

políticas nesses diversificados cenários, o que faz atual a célebre afirmação incluída no

The Federalist n. 51: defense must… be made commensurate to the danger of attack.

Ambition must be made to counteract ambition2. Assim, as questões que envolvem as

diversas esferas de poder exigem procedimentos de blindagem de valores de

determinados segmentos sociais, notadamente os menos favorecidos, bem como

alguma ousadia para confrontar pretensões de dominação sustentadas por outros

* Andrew Wroe, Separation of Powers; in, Paul Barry Clarke and Joe Foweraker (Eds.). Encyclopedia of

Democratic Thought. London: Routledge, 2001. 2 The Federalist No. 51. The Structure of the Government Must Furnish the Proper Checks and Balances

Between the Different Departments. Independent Journal. Wednesday, February 6, 1788. [James

Madison] (a defesa tem de ser... proporcional ao perigo de ataque. A ambição serve para contrabalançar

a ambição). < http://www.constitution.org/fed/federa51.htm>.

“A grande premissa da

separação dos poderes é que os

indivíduos têm o potencial para

prejudicar os outros, e o

potencial pode tornar-se

realidade quando o poder se

concentra em uma pessoa,

facção, ou instituição. Portanto,

na separação de poderes, o

principal objetivo é evitar a

tirania e promover a

salvaguarda da liberdade

através de garantia que impeça

a qualquer de acumular poderes

despóticos.”*

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interesses, especialmente os mais favorecidos. Em qualquer caso, observe-se que o

objeto imediato da “separação de poderes” tem como núcleo duro a proteção da

liberdade, bem maior da cidadania e condição indispensável para pensar-se uma

sociedade democrática, ordenada por fins que promovam a dignidade da vida na sua

dimensão individual e social, afastada desta forma toda pretensão ao absolutismo,

opressão e ocultação dos direitos humanos e de direitos fundamentais.

Nada obstante não se poder mais encontrar uma eficaz sustentação política na

concepção clássica da Tripartição dos Poderes do Estado, esta tem larga história3,

sendo que nas ciências políticas e no direito constitucional ainda remanescem seus

traços mais significativos. É através dela que são identificadas as funções do Estado que

são exercidas por diferentes organismos e agentes políticos. No constitucionalismo

contemporâneo ela supõe uma garantia para o próprio Estado e para a cidadania (que

fica protegida por um marco legal que impede ou dificulta o abuso de poder e as

possíveis atuações arbitrárias das instituições públicas). A ideia que permanece

fragmenta o Poder do Estado (como se o poder pudesse ser fragmentado) nos poderes

legislativo, executivo e judicial. O legislativo (exercitado pelos parlamentos) está

encarregado de redigir, promulgar, reformar e (ab)derrogar as leis. O executivo

(atribuído ao governo) tem a missão de cumpri-las ou vetá-las (se os parlamentos não

derrubarem o veto). O Judicial (atribuídos à Jurisdição, aos Tribunais), resolve os

conflitos e administra a justiça.

Pela Carta de 1988, a República brasileira constitui-se em uma federação (art.

1º, cabeça; art. 18), aliás, Estado federado que surge na Constituição de 1891, e está

composta por quatro espécies de entes federados dotados de autonomia, duas dessas

espécies de entes típicos (União e Estados-membros) e duas de entes atípicos (Distrito

Federal e Municípios) dotados de autonomia. Como consequência da autonomia dos

3 A doutrina da separação de poderes foi desenvolvida no decorrer dos séculos. Um dos primeiros

pensadores que teorizaram sobre ela foi um inglês chamado James Harrigton (1661-1677) que descreveu

um sistema político utópico fundado na divisão dos poderes públicos, como poder ser observado na sua

obra “The Commonwealth of Oceana” (1656) que pode, facilmente, ser lida graças ao Projeto Gutenberg,

no formato de e-book (in, http://www.gutenberg.org/files/2801/2801-h/2801-h.htm#2H_4_0007). Mais

tarde, John Locke deu tratamento mais aprofundado sobre o tema, no seu “The Second Treatise of Civil

Government” (1690), onde articulava que os poderes legislativo e executivo são conceitualmente

diferentes, ainda que nem sempre fosse necessário separá-los em instituições políticas distintas, de outro

modo não distinguia o poder judicial (o trabalho no original pode ser lido no excelente e -book

disponibilizado pela University of Adelaide, in, http://ebooks.adelaide.edu.au/l/locke/john/l81s/). O

conceito atual provém de Montesquieu em uma de suas principais obras, “De l‟esprit des lois” (1748)

onde fica assentada a tríplice divisão (Montesquieu não util iza do termo separação), que desde então se

converteu no eixo fundamental das constituições contemporâneas.

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entes federados inexiste subordinação entre eles; todos retiram sua autonomia do texto

da constituição, vale dizer, das competências que lhes são por ela outorgadas, também

não há precedência de um ente federado sobre o outro, sim distribuição de

competências em caráter privativo ou concorrente, observe-se que no exercício de suas

atribuições, fixadas constitucionalmente, o município é tão autônomo quanto, e.g.,

como a União no exercício de suas competências. Ademais, o mesmo texto

constitucional dá perenidade para a separação de poderes e para a forma federativa de

Estado (III e I, do § 4º do Art. 60).

Por certo, o tema do federalismo (poderes, funções e competências), está

intimamente relacionado com a interpretação constitucional, construção jurídica e

separação dos poderes. Da mesma forma, uma hermenêutica constitucional

responsável e comprometida com o social, o desvelamento do direito e uma irradiação

dos princípios democráticos a todos os setores da vida nacional acabaram por produzir

um fenômeno novo: uma original forma de acesso aos direitos fundamentais com a

busca de efetivação plena desses com a prestação jurisdicional já despregada de um

caráter estritamente legalista e pontuada por uma atuação que objetiva a redução das

desigualdades. Essa nova conformação dada ao Estado na sua vertente de Estado-Juiz

parece que, por vezes, se hipertrofia e invade as tradicionais atividades dos demais

poderes-função acometidos ao Estado. A questão é das mais complexas e, ao mesmo

tempo, mais fascinantes na Teoria Política, na do Estado e no Direito Constitucional,

pois põe em risco e por isso mesmo, resistida, concepções tradicionais compreendiam

o Estado na perspectiva de um ontologismo subjetivista e cartesianismo que afirmava

que o supremo poder do Estado deve pautar a sua atividade mediante ações

imediatamente vinculantes à sua esfera de atribuição. O discurso era o da

independência e harmonia de poderes (funções), aliás, como está, ainda, no art. 2º da

Carta de 1988. O problema, parece, está na interpretação desses dois substantivos

(independência e harmonia). O primeiro diz com absoluta ausência de relação de

subordinação, o segundo implica uma combinação de elementos diferentes e

individualizados, mas ligados por uma relação de pertinência. Nesta perspectiva,

independência se refere à soberania (aqui a popular, e aquela que atribui ao Estado

legitimidade para ser sujeito de direito internacional), e harmonia alude a um conjunto

de regras (escritas ou não) que formata um sistema. O poder do Estado é uno,

independente e afirmado pela sua soberania exercida em dois planos distintos, no plano

internacional onde está obrigado a pautar o seu comportamento, como sujeito de

direito, segundo os princípios constitucionais contidos no art. 4º da Carta Magna, e no

plano territorial, onde se localiza a primazia da vontade popular (todo o poder emana

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Judicial independence is

a pre-requisite to the rule

of law and a

fundamental guarantee

of a fair trial. A judge

shall therefore uphold

and exemplify judicial

independence in both its

individual and

institutional aspects.*

do povo... § único do art. 1º) que o constitui (poder). Esta unidade de poder,

reconhecido induz à autoridade. Autoridade que se organiza para o cumprimento de

funções e competências bem delineadas e sistematizadas no texto constitucional.

Na atualidade existe uma aparente, mas tão só aparente hipertrofia da função

jurisdicional, do protagonismo do Estado-Juiz. Parece que as suas decisões invadem

todos os segmentos da vida e da política nacional. Contudo, uma observação detida vai

conduzir o olhar para outra realidade (e realidade aqui é o que pode ser percebido),

isto é, para a singeleza da operação do direito. O Estado-Juiz é o mesmo Estado-

Administrador ou Estado-Legislador. Todos os agentes políticos atribuídos por este

Estado, no limite de suas funções e competências, exercem os mesmos papéis na

produção dos objetivos nacionais (art. 3º da Carta de 1988), objetivos que não são só

meros programas políticos, mas estão simetricamente harmonizados com os

fundamentos do Estado brasileiro (art. 1º e incisos). Portanto, na busca da plena

realização desses mandamentos não pode ser vista nenhuma intrusão de uma função

sobre outra, nenhum alargamento de poder ou autoridade, sim o cumprimento dos

deveres constitucionais acometidos ao Estado.

O Estado-Juiz, o poder judiciário no exercício de suas funções e competências

age por intermédio de seu agente político: o magistrado. E, aí atua o Estado (soberano)

na plena concretização dos objetivos constitucionais e

afirmação dos direitos fundamentais na sua dimensão

individual e social, esta última, expressão máxima dos

objetivos constitucionais. Neste sentido, e somente neste

sentido, o magistrado confunde-se com o Poder soberano

do Estado. Tal situação conduziu a uma teorização possível

deum protagonismo do magistrado na condução e

concreção dos anseios da cidadania (única soberana de

fato, pois dela decorre o poder), que foi denominado de

ativismo judicial, aliás, expressão tomada de empréstimo

da filosofia moral, o denominado atualismo, isto é, aceitar o lugar imediato, observar o

passado que opera de uma maneira distinta e sucessiva sobre nós, e colocar-se do

ponto de vista do presente, do atual, para justificar plenamente o mundo percebido. O

magistrado afirma a autonomia do Estado-Juiz afirmando a sua própria autonomia e

Princípio 1 do Código de Bangalore (A independência da magistratura é um pré-requisito para o Estado

de Direito e garantia fundamental de um julgamento justo. Um juiz deverá, portanto, preservar e servir de exemplo da autonomia judiciária tanto em seus aspectos individuais e institucionais ).

< http://www.unodc.org/pdf/corruption/bangalore_e.pdf>.

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aquela da instituição a que está vinculado. Autodeterminação que colabora para a

democracia e para a realização dos fins estatais. Autonomia do Estado-Juiz que

possibilita uma igualdade sem fronteiras a todos nos Tribunais4.

No caso do direito à saúde surge com densidade ações que poderiam ser

qualificadas como ativismo judicial. Intentar-se-á provar, no texto que seguirá a este

Relatório, que, em primeiro lugar, o termo ativismo não é apropriado e, em segundo

lugar, a atuação do Estado-Juiz na efetivação dos direitos fundamentais não se

confunde com as atividades políticas dos demais agentes e instituições do Estado e

tampouco ultrapassa os limites constitucionais atribuídos às funções e competências

estatais.

4 Ensuring equality of treatment to all before the courts is essential to the due performance of the judicial

office (Garantir a igualdade de tratamento para todos perante os tribunais é essencial para o devido cumprimento das funções jurisdicionais). Princípio 5 do Código de Bangalore.

< http://www.unodc.org/pdf/corruption/bangalore_e.pdf>.

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1 METODOLOGIA

A investigação que ora provisoriamente finda revela uma articulação que

tem em conta uma abordagem quantitativa das principais decisões dos tribunais

superiores (ênfase no STF) pronunciada e enriquecida com uma dimensão qualitativa

dos julgados das Cortes. Na pesquisa quantitativa foram analisados tópicos referentes

aos tipos de decisão; ao exame do mérito e de aspectos eminentemente processuais;

objetos, temáticas de fundo das decisões; responsabilidade dos Entes Federados para

prestações de saúde; tutela individual ou coletiva; qual das partes foi beneficiada pela

decisão; técnicas processuais utilizadas para a concretização do direito à saúde;

reconhecimento ou não de existência de interferência entre os poderes. A pesquisa

quantitativa abrange os anos de 2009 até agosto de 2010 e está delimitada ao Supremo

Tribunal Federal5. O levantamento de decisões foi realizado no site do Tribunal

utilizando-se as palavras-chave “direito” e “saúde”.

Em virtude da amplitude dos argumentos de busca utilizados (“direito” e

“saúde”), foram estabelecidos critérios para exclusão de algumas decisões do universo

da pesquisa, por não estarem diretamente vinculadas ao tema proposto, porque o

objeto da ação, o bem que se buscava obter por meio da ação judicial não era relativo

ao direito à saúde. Por exemplo: a) decisões relativas ao regime de contratação de

servidores públicos, sua remuneração, incorporações, gratificações, percepções de

diferenças; b) decisões em que a controvérsia predominante girava em torno de

matéria tributária não relativa diretamente ao direito à saúde; c) decisões relativas à

prova no processo penal e também as relativas à competência para julgamento em

matéria penal; d) decisões relativas à definição de competências dos órgãos do poder

judiciário. A exclusão dessas decisões foi realizada, na medida em que se verificasse

5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF).

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>.

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não haver uma conexão mais direta com o tema proposto. Questões relativas, por

exemplo, a competências dos órgãos do poder judiciário e ao plano tributário que

tenham contemplado uma dimensão de discussão e de conexão direta com o direito à

saúde foram contempladas pela pesquisa.

O próprio regramento de certos recursos, de certos procedimentos, por vezes

cita termos como “saúde pública”. Um exemplo disso são as decisões relativas aos

pedidos de suspensões (suspensão de liminar, suspensão de segurança, entre outras).

Também pode ocorrer de o próprio nome da parte que litiga judicialmente conter o

termo saúde. Por exemplo, o nome “Ministério da Saúde”. As exclusões também

tiveram vínculo com questões como essas.

Seguindo esses parâmetros chegou-se a uma amostra de 232 decisões judiciais

que abrangem o ano de 2009 e os oito primeiro meses de 2010. Os registros foram

cadastrados em um banco de dados construído a partir de uma planilha (Microsoft Excel

2007©). Os dados foram organizados de modo a permitir o uso da tabela dinâmica,

obtendo-se assim os relatórios quantitativos dos registros.

A pesquisa qualitativa representa um esforço de alargamento e de

enriquecimento do contexto estudado, por isso a investigação contempla julgados do

Supremo Tribunal Federal (STF)6, Superior Tribunal de Justiça (STJ)7, Tribunal Regional

Federal da 4ª Região (TRF4)8 e Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

(TJRS)9.

O levantamento de decisões foi realizado nos sites dos respectivos tribunais.

Esse levantamento parte de uma busca de julgados referentes aos anos de 2009 e

2010, posteriormente, enriquece-se a pesquisa com o rastreamento de decisões citadas

como precedentes nos próprios julgados. A pesquisa também compreende a análise de

julgados que são citados por outras pesquisas e julgados mencionadas por ferramentas 6 <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp> 7 <http://www.stj.jus.br/SCON/> 8 http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/pesquisa.php> 9 <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>

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disponibilizadas pelos próprios tribunais a exemplo da ferramenta do STF chamada “a

constituição e o Supremo” 10 e dos informativos e seções de notícias dos sites dos

tribunais. Foram combinados esses vários critérios com a finalidade de reforçar a leitura

em termos de evolução da jurisprudência.

2 PESQUISA QUANTITATIVA

2. 1 Introdução

A presente abordagem quantitativa propõe o desafio de realizar uma cartografia

inicial das demandas judiciais relativas ao direito à saúde com o objetivo de conhecer o

seu perfil e características e a forma como vem sendo abordadas na esfera judicial. A

presente pesquisa quantitativa constitui um esforço que fornece suporte para possíveis

análises qualitativas e contextuais dos temas que apresenta.

O modo como o judiciário enfrenta as demandas relativas a saúde pode estar

relacionado a questões como os tipos de decisão utilizadas, o enfrentamento de mérito

ou reconhecimento de óbices processuais. Também pode estar relacionado com as

técnicas processuais que mais reconhece, prevê ou mantém.

Verificar a variedade e frequência dos temas de fundo das decisões, se a tutela é

individual ou coletiva, verificar a posição do judiciário a respeito da repartição de

competências e da pretensa interferência na esfera de outros poderes, investigar a

quais atores do processo judiciais as decisões tendem a favorecer são também

elementos que ajudam a formar um mapa, ainda que preliminar da assim denominada

“judicialização do direito à saúde”.

10 < http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/sumariobd.asp>

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2.2 Tipos de decisões

A análise dos dados permite dizer que há uma significativa importância das

decisões monocráticas. Percebe-se também que as decisões colegiadas (Acórdãos) são

o tipo de decisão menos frequente. Quanto às decisões da presidência verificou-se que

possuem uma frequencia superior ao dobro da que ocorreu com relação aos acórdãos.

A decisão da presidência possui muita semelhança com a monocrática se for tomada

como referência a composição do órgão julgador, assim como a monocrática, esse tipo

de decisão não é tomada por órgão colegiado (composto por mais de um julgador). A

análise por meio de uma perspectiva temporal permite perceber que as decisões da

presidência podem abranger questões significativas em termos de posição. Por

exemplo, uma comparação meramente ilustrativa e sumária que pode ser feita é a da

STA 9111 e a da SS 320512 decididas pela então Ministra Presidente do STF, Ellen

Gracie, em 2007; as quais podem guardar certa medida de contradição entre si, em que

pese as diferenças contextuais das demandas13 e mesmo os requisitos próprios

aplicáveis aos pedidos de Suspensão (de tutela antecipada, de segurança) os quais

ressaltam o exame particular de cada caso. No primeiro caso decidiu-se favoravelmente

às repartições de competências no SUS, no segundo decidiu-se favoravelmente à

responsabilidade solidária dos entes da federação.

Era de se esperar que as decisões colegiadas tivessem uma margem mais

expressiva de importância, tendo em vista que a própria estrutura do tribunal indicaria

11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões da Presidência. Suspensão de Tu tela Antecipada. STA 91

/AL – ALAGOAS. Relator: Ellen Gracie. DJ 05 mar. 2007. PP-00023 RDDP n. 50, 2007, p. 165-167.

Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28STA$.SCLA.%20E%2091.NU

ME.%29&base=basePresidencia>. Acesso em 13 out. 2010. 12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões da Presidência. Suspensão de Segurança. SS 3205 /

AM – Amazonas. Relator: Ellen Gracie. DJ 08/06/2007 PP-00023 RDDP n. 53, 2007, p. 175-177.

Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoTexto.asp?id=2113414&tipoApp=RTF

>. Acesso em 27 out. 2010. 13Haverá um exame mais aprofundado dos casos no estudo qualitativo sobre a responsabilidade solidária

dos entes e repartição de competências.

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em princípio decisões mediante acórdão, quer dizer, tomadas por mais de um julgador.

Entretanto, a diferença é de tal magnitude que é plausível pensar na possibilidade de

que, em tais tipos de decisões, surjam posições que não reflitam necessariamente a

posição do órgão julgador como um todo. Abaixo segue tabela e gráfico referente aos

tipos de decisões.

Tipos de Decisão Frequência

Acórdão 11

Dec. Monocrática 196

Dec. Presid. 25

Total geral 232

5%

84%

11%

Frequência/Tipos de Decisão

Acórdão Dec. Monocrática Dec. Presid.

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Tipo de Decisões e Ano Frequência

2009 128

Acórdão 7

Dec. Monocrática 109

Dec. Presid. 12

2010 104

Acórdão 4

Dec. Monocrática 87

Dec. Presid. 13

Total geral 232

2.3 Exame do mérito e aspectos eminentemente processuais.

Os dados apontam que em 72% dos casos, os fundamentos da decisão, a razão

principal do dispositivo da decisão, estiveram assentados em aspectos eminentemente

processuais. Restou apenas 28% dos casos em que os fundamentos assentaram-se

primordialmente em razões de mérito. Esse dado nos revela como o tribunal abordou e

trabalhou os temas que chegaram a sua apreciação. Isso pode nos revelar uma forma

indireta de decidir, evitando-se adentrar ao cerne (ao mérito) das questões levadas à

corte.

Entretanto, constatou-se uma sensível diminuição de 2009 para 2010 da

frequência de decisões assentadas em aspectos eminentemente processuais e um

sensível aumento das decisões assentadas em razões de mérito. Uma possível leitura

para esse mudança pode ser realizada se fizermos uma conexão com a audiência

pública sobre saúde realizada no STF. A audiência pública foi convocada em 05 de

março de 200914. Nessa audiência foram ouvidos “50 especialistas, entre advogados,

14 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Despacho de Convocação de Audiência Pública, de 05 de março de

2009. Disponível em <

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Despacho_Convocatorio.pdf >.

Acesso 12 out. 2010.

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defensores públicos, promotores e procuradores de justiça, magistrados, professores,

médicos, técnicos de saúde, gestores e usuários do sistema único de saúde, nos dias

27, 28 e 29 de abril, e 4, 6 e 7 de maio de 2009” 15. Essa iniciativa por si só demonstra

abertura e interesse do tribunal em conhecer das questões substâncias, das questões

técnicas e das particularidades dos vários enfoques relativos ao sistema de saúde e que

influenciam o direito à saúde. O impacto da audiência faz-se sentir, por exemplo, em

recentes decisões como a STA 17516 apreciada pelo Tribunal Pleno e na qual são

expressamente mencionadas informações colhidas na audiência pública e na qual são

ponderadas questões como os protocolos, registro na ANVISA , e a possibilidade de

efetivação do direito à saúde por meio da via judicial.

Abaixo segue tabelas e o gráfico destinados a ilustrar a questão relativa

predominância do exame do mérito ou de aspectos eminentemente processuais.

Mérito vs Processual Frequência

Asp. Eminentemente Processuais 167

Mérito 65

Total geral 232

15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Audiência Pública – Saúde. Disponível em <

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude>. Acesso em 12

out. 2010. 16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela

Antecipada número 175 Ceará. Tribunal Pleno. Relator: Gilmar Mendes. Julgado em 17 mar. 2010.

Dje número 76. Divulgação 29 abr. 2010. Publicação 30 abr. 2010. Disponível em <

http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610255>. Acesso em 01 nov. 2010.

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Mérito vs Processual conforme o ano Frequência

Asp. Eminentemente Processuais 168

2009 104

2010 64

Mérito 64

2009 24

2010 40

Total geral 232

Dentro do tópico referente à classificação dos aspectos processuais verificou-se

predominância da opção “ofensa indireta/aplicação de súmula”.

Aspecto Processual Frequência

Amicus Curie 4

Caso especial (outro) 12

Legitimidade MP 18

Ofensa Indireta/Aplicação de Súmula 133

Total geral 168

Asp. Eminentemente Processuais

72%

Mérito28%

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Na tabela abaixo, que relaciona a frequência dos aspectos processuais com o

ano, pode-se perceber que há uma diminuição da opção “ofensa indireta/aplicação de

súmula”, tal tendência pode estar relacionada com o que já foi constatado, o aumento

da fundamentação que embasa predominantemente no mérito.

Amicus Curie2%

Caso especial (outro)

7%Legitimidade MP

11%

Ofensa Indireta/Aplicação

de Súmula80%

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Aspecto Processual e ano Frequência Amicus Curie 4

2009 4

Caso especial (outro) 12

2009 5

2010 7

Legitimidade MP 18

2009 9

2010 9

Ofensa Indireta/Aplicação de Súmula 133

2009 85

2010 48

Total geral 167

2. 4 Objetos, temas das Decisões.

Como objetos, temas mais recorrentes das decisões judiciais constatou-se em

primeiro lugar medicamentos com 78 ocorrências (47 relativas a 2009 e 31 a 2010), em

segundo lugar plano e seguro saúde com 73 ocorrências (39 relativas a 2009 e 34 a

2010), em terceiro lugar a temática do ressarcimento ao SUS com 23 ocorrências (15

relativas a 2009 e 8 a 2010) e em quarto lugar pedidos de cirurgia e acompanhamento

cirúrgico com 12 ocorrências (8 relativas a 2009 e 4 a 2010). Abaixo segue tabela e

gráfico relativo aos objetos, aos temas das decisões.

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Temas/Objetos Frequência

Medicamentos 78

Plano de Saúde /Seguro Saúde 73

Ressarcimento SUS 23

Cirurgia/Acomp. Cirúrgico 12

Tratamento 11

Hospitalização 10

Saúde e Ambiente 10

Trat fora do dom./no exterior 10

Tributário 9

Responsabilidade Civil 8

Alimentação/Higiene 7

Exame 7

Internação (diferença de classe) 4

Intevenção como Amicus curie 4

Transporte 3

Infraestrutura Hospitalar 3

Prótese/Órtese 3

Penal 2

Recursos Humanos 2

Home Care 2

Transplante 2

Corte de Serviço 2

Fornecimento de Aparelho 2

Saúde e segurança do trabalho 2

Vigilância Sanitária e Regulação 2

Assist. Social 1

Tratamento de Esgoto 1

Aparelho “estimulador medular epidural” 1

Apreensão de medicamentos 1

Atendimento de menores vítimas de violência

1

Dano Moral/Direito à Saúde 1

Livre exercício do trabalho e regulação 1

Pagamento/Precatório Alimentar 1

Regulação e Assist. à Saúde de Servid. 1

Suspensão Aux. Doença 1

Trabalho e dignidade 1

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Foi realizada uma análise conjunta dos dois temas mais recorrentes

“medicamentos” e “plano de saúde/seguro saúde”. Como a forma de organização dos

registros permite que seja marcado mais de um tema, mais de um objeto para cada um

dos processos, então, fez-se uma checagem e descobriu-se que para apenas quatro

casos de medicamentos havia marcação simultânea para o campo referente aos planos

e seguros de saúde. Por isso fez-se a soma do resultado dos dois campos e a posterior

subtração dos quatro casos. Assim a frequência de casos, o número de casos

corresponde exatamente ao número de processos. Para verificar a relação com o

universo total de processos, então, subtraiu-se do total de 232 processos o resultado

final dessa operação (147 casos). O resultado a que se chegou foi o de que esses dois

itens mais frequentes totalizaram mais de 63% dos casos.

A seguir consta a tabela e o gráfico representativo dessa situação:

0

20

40

60

80

1

Gráfico dos onze objetos/temas mais recorrentes

Medicamentos

Plano de Saúde /Seguro Saúde

Ressarcimento SUS

Cirurgia/Acomp. Cirúrgico

Tratamento

Hospitalização

Saúde e Ambiente

Trat fora do dom./no exterior

Tributário

Responsabilidade Civil

Alimentação/Higiene

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Medicamentos e planos em comparação com o total Quantidade

Medicamentos + Plano de Saúde /Seguro Saúde 147

Demais temáticas 85

Total de Casos 232

Analisando os temas/objetos em relação à preponderância de elementos de

mérito ou de aspectos processuais nas decisões quanto aos quatro itens mais

demandados percebe-se certa equivalência entre os resultados para “medicamentos” e

para “plano/seguro saúde”. A diferença surge quando se analisa a questão relativa ao

“ressarcimento SUS” que contém predominantemente decisões que avaliam o mérito.

Diferença também surge quando se avalia pedidos relativos à

“cirurgia/acompanhamento cirúrgico”, categoria na qual todos os casos correspondem a

“aspectos eminentemente processuais”. Um dado importante é o de que apenas um

dos casos que se enquadram nesse campo não se enquadra também no campo

referente a “plano/seguro saúde”. Seguem as tabelas representativas desses tópicos:

63%

37%

Medicamentos + Plano de Saúde /Seguro Saúde Demais temáticas

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Pedidos de medicamentos

Asp. Eminentemente Processuais 61

Mérito 17

Total geral 78

Plano /seguro saúde

Asp. Eminentemente Processuais 54

Mérito 19

Total geral 73

Ressarcimento SUS

Asp. Eminentemente Processuais 7

Mérito 16

Total geral 23

Cirurgia/Acomp.Cirúrgico

Asp. Eminentemente Processuais 12

Total geral 12

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2.5 Tutela Individual e Coletiva

Conforme é possível verificar na tabela e gráfico representativos que seguem os

recursos examinados pelo STF tratam predominantemente de tutela individual do direito

à saúde.

Frequência da tutela individual e da coletiva

Coletiva 42

Individual 190

Total geral 232

18%

82%

Frequência da tutela individual e da coletiva

Coletiva Individual

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2.6 Decisão do STF foi favorável a quem?

Em um contexto geral as decisões que tem como temática de fundo pedidos de

bens relativos ao direito à saúde tendem a beneficiar o autor ou paciente individual que

postula uma determinada prestação, seja ela demandada em face do Estado ou de

prestador privado de saúde.

A decisão foi favorável a quem?

Associação 2

Empresa 6

Estado 65

Não se aplica 1

Paciente/Autor 157

Paciente/Autor (Coletividade) 1

Total geral 232

1% 3%

28%

0%

68%

0%

A decisão foi favorável a quem?

Associação Empresa Estado Não se aplica Paciente/Autor Paciente/Autor (Coletividade)

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Com relação às demandas originadas devido à necessidade de obter

medicamentos, podendo-se considerar que o recurso examinado pelo STF tenha tido

essa questão como temática de fundo, percebe-se que as decisões foram

predominantemente favoráveis aos autores das demandas. Com relação aos pedidos de

medicamentos, percebe-se que como atores recorrentes temos o Estado e o

“Autor/Paciente” (pessoa física). Disso pode-se inferir que a maioria das decisões

tendem a ser desfavoráveis ao Estado. E, na seara dos medicamentos a polarização

mais comum tende a ser a do indivíduo contra o Estado, isso também em conexão com

a constação de que a maioria das decisões tratam de tutela individual.

A decisão foi favorável a quem? (medicamentos)

Empresa 1

Estado 9

Paciente/Autor 68

Total geral 78

Recursos que possuem como tema de fundo a questão da esfera privada de

prestações de saúde tendem a ser decididos favoravelmente aos autores, que nesse

contexto ocupam a posição de consumidores. Entretanto, nesse caso, existe uma dois

tipos de polarização de interesses. A primeira é a do consumidor contra as empresas

privadas, a segunda é a do Estado frente às empresas privadas. O Estado, via de regra,

buscando o ressarcimento de valores que, em tese, seriam devidos pelas empresas

porque consumidores vinculados a planos privados teriam utilizado a rede pública de

assistência à saúde.

A decisão foi favorável a quem? (planos e seguros de saúde privados)

Empresa 4

Estado 23

Paciente/Autor 46

Total geral 73

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No parágrafo anterior foi descrito exatamente a configuração da discussão

relativa à questão do ressarcimento ao SUS. E, nesse contexto, está situada a posição

presominantemente favorável ao Estado, dizendo, na verdade, que é devido o

ressarcimento.

Contar de A decisão foi favorável a quem? (Ressarcimento SUS)

Estado 22

Paciente/Autor 1

Total geral 23

2.7 Responsabilidade dos Entes Federados

Percebe-se que a grande maioria das decisões não aborda diretamente a

questão da responsabilidade dos entes federados no que se refere às prestações de

saúde. Entretanto a totalidade das decisões que abordam aponta para fundamentos

favoráveis à tese da responsabilidade solidária de todos os entes do plano federativo

(União, Estados, Municípios e Distrito Federal). Isso permite aferir que esta é a posição

atual do STF na matéria. Em apoio a essa evidência pode-se citar o recente julgamento

do agravo regimental na suspensão de tutela antecipada 17517, que possuiu como

relator o Ministro Gilmar Mendes e que foi submetido à apreciação do Tribunal Pleno. A

decisão posicionou-se no sentido de uma responsabilidade solidária e a votação se deu

de forma unânime, negando, assim, provimento ao recurso da União. Como o caso foi

apreciado pelo Tribunal Pleno pode-se sugerir que a posição adotada é representativa

da posição da corte. Entretanto, como se percebe da leitura da decisão, é preciso

17 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela

Antecipada número 175 Ceará. Tribunal Pleno. Relator: Gilmar Mendes. Julgado em 17 mar. 2010.

Dje número 76. Divulgação 29 abr. 2010. Publicação 30 abr. 2010. Disponível em <

http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610255>. Acesso em 03 nov. 2010.

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observar o fato de que na suspensão não há amplo exame do mérito e de que a análise

é restrita ao caso concreto.

Responsabilidade dos Entes Federados Frequência

Não Aborda 210

Posição Pró-Responsabilidade Solidária 22

Total geral 232

Conforme tabela abaixo, a questão foi enfrentada com maior frequência no ano

de 2010, em que pese a pesquisa ter abrangido somente os oito primeiro meses. Isso

aponta para a hipótese de que a audiência pública sobre saúde tenha despertado a

discussão sobre o tema, inclusive, talvez tenha despertado, em especial, a atenção dos

julgadores, tendo em vista que existem outros caminhos a extrair consequência prática

equivalente, por exemplo, vislumbrou-se anteriormente a relevância dos óbices

processuais. Há a possibilidade de serem utilizados como uma forma indireta de

decidir, sem adentrar no cerne das questões.

Posição Pró-Responsabilidade Solidária

2009 7

2010 15

Total geral 22

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2.8 Reconhece Interferência nos demais poderes?

Na ótica do judiciário não há interferência na esfera dos demais poderes,

nomeadamente, do legislativo e do executivo. Isso é o que se infere dos dados

levantados e que indicam que um percentual próximo a 100% de decisões não

reconhecem haver tal interferência.

Reconhece Interferência nos demais poderes?

Não 231

Sim 1

Total geral 232

100%

0%

Reconhece Interferência nos demais Poderes?

Não Sim (vazio)

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2.9 Técnicas processuais utilizadas para a concretização do direito à saúde

Frente às resistências para o cumprimento das ordens judiciais, existem três

grupos de possíveis medidas ou técnicas processuais que podem ser empregadas com o

objetivo de impor o cumprimento e em concreto concretizar o direito reconhecido:

“prisão/coerção”; “bloqueio/sequestro de valores”; aplicação de “multa/astreintes”. O

que se percebe das tabelas abaixo é que as decisões do STF tem uma propensão maior

de manter decisões que preveêm a aplicação do bloquei/sequestro de valores, tendo

em vista a predominância das vezes em que essa medida foi mantida em relação às

demais possibilidades.

Decisão Impõe, prevê ou mantém Prisão/coerção?

Não 221

não se aplica 2

Sim 9

Total geral 232

Decisão Impõe, prevê ou mantém Bloqueio/Sequestro de Valores?

Não 189

não se aplica 2

Sim 41

Total geral 232

Decisão Impõe, prevê ou mantém Multa /Astreintes?

Não 212

não se aplica 2

Sim 18

Total geral 232

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Considerações Finais

Percebe-se uma predominância de decisões do tipo monocrática, o que pode

parecer um paradoxo se levar em conta que o STF é um órgão colegiado. Isso pode

estar relacionado com a crescente quantidade de demandas que chegam ao tribunal e

com a repetitividade dos casos. Todavia os dados levam a sugerir que decisões

relevantes em termos de posicionamento podem ter origem justamente de uma decisão

tomada de uma forma monocrática (decisões monocráticas e da presidência).

A predominância de decisões que fixam a razão de decidir em aspectos

eminentemente processuais pode revelar uma forma indireta de determinar qual

pretensão de mérito deve prevalecer. A leitura dos óbices processuais pode envolver

também um juízo implícito sobre o mérito.

Percebeu-se uma variada gama de pleitos relacionados à saúde, os quais vão de

medicamentos a questões relacionadas ao trabalho e dignidade. Percebeu-se uma

expressiva dominância de problemas relativos às categorias “medicamentos” e “planos

de saúde/Seguro Saúde”. Entretanto a expressividade desses temas não conduz à

conclusão de que os demais sejam pouco importantes. Tanto quanto possível é

necessário que as políticas públicas busquem a solução integrada dos problemas. A

expressividade de demandas de medicamentos não sugere que o enfoque seja somente

abastecer o Estado de medicamentos, essa é apenas uma das iniciativas que devem ser

levadas a cabo de forma responsável. É necessária também uma abordagem de

prevenção, que configura um tipo de investimento pouco visível e, justamente por isso,

pouco atrativa na a esfera político-institucional.

As decisões tratam, predominantemente de questões relativas à tutela individual

do direito à saúde.

Os recursos de pessoas físicas, tanto frente ao Estado quanto aos prestadores

privados de serviços de saúde tendem a ser resolvidos de forma favorável àqueles e em

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detrimento destes. De outro lado os pleitos do Estado frente às empresas privadas

buscando ressarcimento de valores ao SUS tende a ser resolvido favoravelmente ao

Estado.

Há uma crescente discussão sobre a responsabilidade dos entes da federação.

Atualmente, a posição do STF é a de que todos dos entes que compõe a esfera

federativa são responsáveis solidários pelas prestações de saúde. Esse debate é dos

mais importantes porque seria realmente difícil falar em integração e sinergia nas

políticas públicas se, no mais básico dos patamares, no plano da organização federativa

não houver uma atuação compatível com um sistema público de saúde que prevê uma

comunhão de esforços entre as esferas federal, regional e local.

A ótica dos pronunciamentos judiciais tendem a não reconhecer haver

interferência na esfera dos demais poderes.

Como técnica processual de concretização do direito à saúde que com mais

frequência foi mantida pelo STF constatou-se o bloqueio/sequestro de valores.

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3 PESQUISA QUALITATIVA

3.1 RECONSTRUÇÃO DO OBJETO DO DIREITO À SAÚDE NO DIREITO BRASILEIRO E

COMPARADO, A PARTIR DA ANÁLISE DAS PRESTAÇÕES MATERIAIS PLEITEADAS PELA

VIA JUDICIAL.

3.1.1 Introdução

O Direito à saúde assume uma intrínseca vinculação ao direito fundamental à

vida18, e a manutenção desta com qualidade, como corolário do princípio da dignidade

da pessoa humana19, de modo que a determinação de seu significado e regime jurídico

dialoga com outras condicionantes jurídico-axiológicas, o que, de resto, é conspícuo na

reiterada produção jurisprudencial referente ao direito à saúde20. A noção de direito à

saúde deve-se originalmente a dois desenvolvimentos históricos, inicialmente com o

movimento de saúde pública iniciado no século XIX, e posteriormente com o 18 Para Germano Schwartz, desde uma perspectiva sistêmica luhmaniana, a saúde é identificada como

um sistema dentro de um sistema maior (vida), que com este interage, significando uma meta a ser

alcançada e que varia de acordo com sua própria evolução e com o avanço dos demais sistemas com os

quais se relaciona, em espacial o Estado e a própria sociedade. SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 37-9. 19 Em termos de definição jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana que dialoga com uma

noção de vida saudável, Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

p. 63. 20 Não apenas no Brasil, onde a jurisprudência é farta em vincular o Direito à saúde ao Direito à vida,

como dão conta, dentre outras, as decisões AgR-RE 271286-8 RS, min. Rel. Celso de Mello, 12.09.2000,

RE 195192-3 RS, min. Rel. Marco Aurélio, 22.02.2000, RE 232335 RS, min. Rel. Celso de Mello,

01.08.2000, SS 3741 CE, min. Rel. Gilmar Mendes, 27.05.2009, todas em sede de Supremo Tribunal

Federal, mas também em termos de Direito estrangeiro, como na Corte Constitucional da República da

Colômbia, nas ações de tutela T-749/2001, T-1123/2000 e, com especial destaque, a T-760, julgada aos

31 de julho de 2008, na Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina, mediante os recursos

extraordinários 302:1284, de 06.11.1980, 310:112, de 27.01.1987, e 323:1339, de 01.06.2000, no

Tribunal Constitucional do Peru, mediante as Ações de Amparo 3330-2004-AA/TC, julgada em

11.07.2005, e 2016-2004-AA/TC, julgada em 5.10.2004, no Tribunal Constitucional Federal da Alemanha,

com a decisão proferida pelo primeiro senado BvR 347/98, de dezembro de 2005, na Corte Constitucional

da África do Sul, mediante o Landmark case CCT 8/02, decidido em 05.07.2002, dentre outros.

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reconhecimento, no século XX, dos direitos sociais. Atualmente, pela sua positivação

expressa em mais de 60 Constituições, além dos documentos internacionais e demais

Constituições que garantem direitos relacionados à saúde, muitos sustentam que o

direito à saúde adquiriu status de direito universal e que já se constitui como um

elemento costumeiro do direito internacional21.

O direito à saúde pode ser considerado, pelo seu conteúdo e relevância prática,

como um direito primário por excelência, do qual o próprio gozo e fruição dos demais

direitos fundamentais resta, pelo menos em parte significativa, dependente, inclusive os

direitos de liberdade22. Trata-se de um direito, que para além desta característica de

condição de possibilidade do exercício pleno dos demais direitos, traz em seu bojo, pela

sua estrutura normativa e possibilidade eficacial, a noção de transcendentalidade, no

sentido de que, a mera proteção nacional, isolada, sem a devida cooperação inter-

regional e internacional, não se torna suficiente para sua efetiva concretização23.

O direito à saúde assume, pelo menos, três dimensões quanto às ações e

prestações que compõem seu conteúdo, a saber, a curativa, preventiva e

promocional24. Estas dimensões tem o condão de abranger tanto o aspecto “negativo”

do direito à saúde, consubstanciado na noção de respeito e proteção, quanto o lado

21 GROSS, Aeyal M. The Right to Health in an Era of Privatisation and Globalisa tion – National and

International Perspectives, in: EREZ, Daphne Barak; GROSS, Aeyal M (Orgs.). Exploring Social Rights.

Between Theory and Practice. Oregon: HART Publishing, 2007. p. 292-5. 22 Cf. HUSTER, Stefan. Gesundheitsgerechtigkeit: Public Health im Sozialstaat, in: Juristen Zeitung,

18/2008. p. 859. Neste sentido também se posicionou o Ministro Celso de Mello em recente voto

proferido na ocasião do julgamento de decisões selecionadas da Audiência Pública sobre saúde, realizada

no Supremo Tribunal Federal, em abril de 2009, “O direito à saúde representa um pressuposto de quase

todos os demais direitos, e é essencial que se preserve esse estado de bem-estar físico e psíquico em

favor da população, que é titular desse direito público subjetivo de estatura constitucional, que é o direito

à saúde e à prestação de serviços de saúde”. 23 LOUREIRO, João Carlos. Direito à (Proteção da) Saúde, in: Revista da Defensoria Pública, ano 1, nº 1

jul./dez. 2008. p. 36-7. Neste sentido, o autor afirma a necessária construção de uma rede normativa

mundial “manto normativo do mundo”, limitando-se a soberania nacional, sem descurar do princípio da

não-ingerência, de modo a combater certas doenças que extrapolam os interesses nacionais, como, por

exemplo, a síndrome respiratória aguda. 24 FIGUEIREDO, Mariana Fichtiner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 81.

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promocional e positivo relacionado à ideia de qualidade de vida. Neste iter é que se

posicionou a Organização Mundial da Saúde ao definir, no preâmbulo da sua

Constituição, datada de 16 de julho de 1946, o termo saúde como “estado de completo

bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência de doenças”. Ainda que o

termo “bem-estar”, assim como “qualidade de vida”25, envolva um componente

subjetivo dificilmente quantificável, estes indicam, no mínimo, uma abertura conceitual

do termo saúde, ensejando a integração de outros elementos, ou posições jurídicas,

que não somente a proteção e promoção da saúde física do indivíduo, mas também os

aspectos relacionados à proteção do meio ambiente, o direito à educação, o direito à

moradia, o direito ao saneamento básico, direito ao trabalho e à saúde no trabalho, o

direito da seguridade social, direito à saúde psíquica, a garantia de uma morte digna,

direito à informação sobre o estado de saúde, direito à assistência social e de acesso

aos serviços médicos, dentre outros26. O direito à saúde, à evidência, não se limita tão

somente aos serviços de saúde, mas a todos os fatores que podem eventualmente

afetar à saúde do indivíduo, sendo que seu conteúdo é composto por duas dimensões

distintas, quais sejam as condições contextuais que afetam à saúde, e os cuidados

médicos27.

Apesar de alta complexidade de se auferir a determinação do conteúdo do direito

à saúde, ou seja, do plexo de ações e/ou prestações deduzidas a priori desta posição

jurídica jusfundamental28, o seu enquadramento como direito autônomo, desindexado

de outros direitos e garantias fundamentais, perde espaço, tanto em termos de direito

25 Para Francisco Carlos Duarte, o direito à saúde integra o conceito de qualidade de vida, na medida que

as pessoas em bom estado de saúde não são as que recebem bons cuidados médicos, mas sim aquelas

que moram em casas salubres, comem uma comida sadia, em um meio que lhes permite dar à luz,

crescer, trabalhar e morrer. Cf. DUARTE, Francisco Carlos. Qualidade de Vida: a função social do Estado.

Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, n. 41, junho/1994, p. 173. 26 Cf. SCHWARTZ, op. cit., p. 41. 27 GROSS, op. cit., p. 295. 28 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. op. cit., p. 81.

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nacional29, quanto em termos do direito internacional dos direito humanos30. Nesse

ínterim, propugna-se que a saúde engloba não só o tratamento de doenças, mas sim a

busca da qualidade de vida e bem estar, seja através do tratamento das enfermidades,

seja através de programas de combate à propagação de doenças, seja ainda no

aspecto atinente à proteção e promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado

e saudável31.

O presente eixo de pesquisa destina-se à análise do assim designado âmbito de

proteção do Direito à Saúde, no direito brasileiro. Parte-se do pressuposto de que a

garantia da maior eficácia e efetividade dos direitos fundamentais depende,

fundamentalmente, de uma adequada delimitação jurídico-dogmática do conteúdo

protegido pela norma, o que, no caso específico do Direito à Saúde, implica a

circunscrição da sua dimensão prestacional e defensiva, sob a perspectiva individual e

coletiva.

Para os fins desta pesquisa, propõe-se uma análise tópica das decisões judiciais

em matéria de Saúde, no Brasil, especialmente no âmbito dos Tribunais Superiores.

Com isto, objetiva-se fornecer elementos que favoreçam, de modo geral, o controle das

29 Segundo o entendimento de José Luiz Bolzan de Morais, a saúde relaciona-se com a própria noção de

cidadania, que não prescinde, por sua vez, de uma certa qualidade de vida, que deve objetivar a

democracia, igualdade, respeito ecológico e o desenvolvimento tecnológico, de modo a proporcionar o

bem coletivo. Cf. MORAIS, José Luiz Bolzan. de. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 1997. 30 Aqui, basta aludirmos à abertura conceitual supracitada do direito à saúde levada a cabo pela

Organização Mundial da Saúde “A saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não

consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade”, assim como pela referência à sua vinculação

com o direito à alimentação, habitação, saneamento, recreio, promoção das condições econômicas e de

trabalho, e de outros fatores de higiene do meio ambiente (Constituição da Organização Mundial da

Saúde OMS/WHO, art. 2, i).

31 Cf., MOLINARO, Carlos Alberto. Direito Ambiental. Proibição de Retrocesso. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2007. p. 103-4. Para o autor, a garantia de um “mínimo existencial ecológico”,

consubstanciador, juntamente com a segurança jurídica e a dignidade da pessoa humana, de um

princípio da retrogradação socioambiental, constitui, entre outros, a condição estruturante de um Estado

Socioambiental e Democrático de Direito, garantidor de um ambiente equilibrado e saudável, tendo como

norte o direito fundamental à vida e a manutenção das bases que a sustentam, na qual podemos incluir o

direito fundamental à saúde.

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decisões judiciais relativas ao Direito à Saúde, no direito brasileiro, a partir da fixação

de balizas de interpretação fornecidas pelo próprio Poder Judiciário.

Colocando-se, portanto, essencialmente como problema hermenêutico cujo trato

aponta para – conforme os limites desta pesquisa – a análise de jurisprudência

relacionada ao tema, tem-se como marco inicial e central o exame do conjunto de

decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, em 17.03.2010, que corresponde,

significativamente, aos resultados da Audiência Pública sobre Direito à Saúde, realizada

em abril de 2009, naquela Corte.

Nesta oportunidade, o Supremo Tribunal Federal definiu rumos hermenêuticos à

atuação dos juízes e Tribunais Brasileiros, ao indeferir nove recursos interpostos pelo

Poder Público contra decisões judiciais que determinaram, ao Sistema Único de Saúde

(SUS), o fornecimento de remédios de alto custo e tratamentos não oferecidos a

pacientes com doenças graves, ainda que tal concessão estivesse condicionada à

cautela e a critérios de necessidade, em razão do perigo de grave lesão à ordem

administrativa e ao consequente comprometimento do SUS. A Corte compreendeu,

ainda, que os medicamentos - embora de caráter experimental - são sindicáveis

judicialmente, mesmo que ainda não testados pelo Sistema de Saúde Brasileiro (SUS).

Foi, ademais, identificado o caráter incompleto e falível dos protocolos clínicos e

diretrizes terapêuticas do Sistema Único de Saúde, devendo ser revisados

periodicamente, permitindo-se a sua contestação judicial.

Ainda nesta oportunidade, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se sobre a

questão da Responsabilidade Solidária dos entes federados, em matéria de saúde,

reafirmando o então disposto na EC nº 29/2000 sobre a aplicação de recursos mínimos

para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde e estabelecendo que “o

fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os

recursos financeiros dos entes da Federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e

o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre

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eles. Ações e os serviços de saúde são de relevância pública, integrantes de uma rede

regionalizada e hierarquizada, segundo o critério da subsidiariedade, e constituem um

sistema único” (STA 175, Voto Min. Gilmar Mendes). [grifou-se]

Em relação à titularidade do Direito à Saúde, cuja controvérsia insere-se,

igualmente, no espaço de delimitação do conteúdo protegido pela norma de direito

fundamental, o Supremo Tribunal Federal compreendeu que a redação do artigo 196,

da Constituição Federal Brasileira deve ser interpretada de modo a reconhecer tanto

uma dimensão coletiva, característica dos direitos sociais, como uma dimensão

individual. Não reconhecer o caráter subjetivo do Direito à Saúde seria, por assim dizer,

revelar a inocuidade de uma perspectiva programática da norma, apta à apenas

direcionar os Poderes Públicos, sem com isto gerar efeitos reais, o que, em larga

medida, fragilizaria a própria força normativa da Constituição. Neste seguimento, vale,

contudo, a ressalva de que “esse direito subjetivo público é assegurado mediante

políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer

procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde,

independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um

direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a

saúde” (STA 175, Voto Min. Gilmar Mendes). [grifou-se]

Em razão dos objetivos propostos, nada oblitera - senão recomenda - que a

análise se estenda, igualmente, ao âmbito do Superior Tribunal de Justiça, onde se

encontram também importantes precedentes relacionados, especialmente, à nomeada

eficácia privada do Direito à Saúde. Sobre o tema, lançando mão de uma interpretação

generosa do Direito à Saúde, o STJ já reconheceu, em diversas ocasiões, o dever

prestacional dos planos privados face aos seus contratantes, no que diz com a

realização de tratamentos e cirurgias, ainda que por motivo de doença anterior à

adesão ao plano, por exemplo, nos chamados casos de “omissão irrelevante”, isto é,

quando o segurando não tinha, à época do contrato, ciência de seu real estado de

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saúde, razão pela qual deixa de declarar-se portador de determinada patologia; bem

como no que se refere às internações emergenciais ou anteriores ao período de

carência do contratante, gerando indenização por danos morais a recusa indevida à

cobertura médica pleiteada pelo segurado.

Os objetivos do eixo são: estabelecer quais os critérios judiciais utilizados na

análise das demandas relativas ao Direito à saúde na jurisprudência interna e em

termos de Direito comparado e internacional, bem como os aportes da doutrina

nacional e alienígena para a formação do conteúdo e objeto do direito fundamental à

saúde (delimitação do âmbito de proteção e promoção do direito à saúde), como base

epistemológica à sua “judicialização”. Dar ênfase às decisões de maior impacto, com

vistas, inclusive, à produção de um artigo científico, em especial, à posição do STF em

relação às decisões proferidas em sede da Audiência Pública sobre direito à saúde: os

agravos regimentais nas Suspensões de Tutela Antecipada 175, 211 e 278; nas

Suspensões de Segurança 3724, 2944, 2361, 3345, 3355 e na Suspensão de Liminar

47. Definir a orientação do STF quanto à concessão de medicamentos, tratamentos de

alto custo, experimentais, possível contestação judicial dos protocolos clínicos e

diretrizes terapêuticas do Sistema Único de Saúde, vagas em UTI, fila de transplantes,

etc. O Recurso Extraordinário 580264, sobre a imunidade tributária estadual de

sociedade de economia mista que presta serviços de saúde; a Ação Cautelar 2577, que

intenta suspender decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) que obrigou a

entidade a indenizar, por danos morais, um paciente que contraiu o vírus HIV durante

período que ficou internado em Hospital; Identificar e Analisar as decisões al ienígenas

sobre Direito à saúde como os casos, por exemplo, da Colômbia, da Alemanha

(especialmente BvR 347/98, de 2005). Identificar qual é o objeto do Direito à saúde,

desde a análise dos argumentos e critérios estabelecidos pró ou contra à concessão via

judicial das demandas relativas à saúde, inclusive em relação, mais especificamente, ao

pleito por medicamento fora da lista oficial do governo.

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3.1.2 Fornecimento de Medicamentos de Alto Custo e/ou Experimentais – O

problema do acesso a medicamentos não previstos pelos órgãos estatais

A jurisprudência brasileira tem se manifestado diversas vezes acerca do

fornecimento de medicamentos de alto custo, tanto no que diz com os já previstos em

políticas públicas, como nos protocolos e diretrizes terapêuticas do SUS ou no programa

de dispensação de medicamentos excepcionais, quanto os medicamentos em fase

experimental, sem comprovação de eficácia e/ou sem registro nos órgãos oficiais do

governo. Com efeito, analisaremos, especialmente, o posicionamento jurisprudencial

dos Tribunais Superiores (STF/STJ) em relação às demandas por medicamentos de alto

custo, no lapso temporal compreendido entre 2000 e 2010, – ainda que com algumas

referências a casos pretéritos que serviram como paradigma ao tema – colacionando a

argumentação utilizada para o seu deferimento ou indeferimento.

A decisão que, sem dúvida, abordou o tema de forma mais abrangente foi a

Suspensão de Tutela Antecipada 175 AgR/CE, cujo relator foi o ministro Gilmar Mendes,

julgada em 17 de março de 2010. Tratou-se, em linhas gerais, do ajuizamento de ação

por intermédio do Ministério Público Federal em favor de jovem com doença

neurodegenerativa rara, comprovada clinicamente e por exame laboratorial,

objetivando o fornecimento pelo Estado de medicamento denominado Zavesca

(princípio ativo miglustat), cujo tratamento revela-se de alto custo (R$ 52.000,00, ao

mês), não previsto nos protocolos e diretrizes terapêuticas do SUS, apesar de aprovado

pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e pela Agência Europeia de

Medicamentos. De acordo com os documentos coligidos nos autos do processo, o

medicamento pleiteado era o único capaz de deter a progressão da doença de

Niemann-Pick Tipo C, aliviando, assim, os sintomas e sofrimentos neuropsiquiátricos da

paciente, de modo a lhe possibilitar um aumento de sobrevida e/ou melhora da sua

qualidade de vida.

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A União utilizou, preponderantemente, como argumento à suspensão da tutela o

princípio da separação de poderes, uma vez que o Poder Judiciário estaria usurpando

da Administração o exercício precípuo de formulação de políticas públicas, a não

inserção do medicamento Zavesca na lista de protocolos e diretrizes do SUS, não

estando contemplado pela política farmacêutica da rede pública, a ineficácia do

medicamento pleiteado para o tratamento da doença Niemann-Pick Tipo C – apesar de

não comprovar a impropriedade do fármaco –, a ilegitimidade ativa do Ministério

Público Federal e passiva da União, visto que a responsabilidade solidária dos

integrantes do SUS não está ainda normatizada, além de suscitar grave lesão à ordem,

à economia e à saúde públicas.

Com efeito, esta decisão pode ser entendida como marco jurisprudencial,

relativamente à definição de rumos hermenêuticos à atuação dos juízos e Tribunais

brasileiros. Esta decisão encontra-se no bojo de uma análise conjunta (Plenária) do

Supremo Tribunal Federal que indeferiu nove recursos interpostos pelo Poder Público

contra decisões judiciais que determinavam ao Sistema Único de Saúde o fornecimento

de remédios de alto custo e tratamentos não oferecidos a pacientes com doenças

graves.

Com amparo no material coletado da Audiência Pública, verificou-se que a

chamada “judicialização” da saúde dá-se mais pela falta de execução das Políticas

Públicas já existentes do que pela sua ausência, mitigando, destarte, o argumento da

separação dos poderes. Nas palavras do ministro Gilmar Mendes, ipsis litteris “(...) na

maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta

em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em

vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já

estabelecidas. Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos

de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à

formulação de políticas públicas”.

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Outra diretriz consignada na decisão, justamente em decorrência ao

entendimento acima referido, é a que privilegia o tratamento fornecido pelo SUS em

detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, ressalvada a comprovação da

ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente. Neste sentido, o Supremo

Tribunal Federal não vedou ao Poder Judiciário a concessão de medida diversa à

custeada pelo SUS, que poderá ser fornecida a determinada pessoa desde que esta

comprove que a indispensabilidade do tratamento pleiteado. Quedou pacífico o fato de

que a medicina baseada em evidências científicas, adotada pelo Sistema Único de

Saúde brasileiro através dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, podem ser

contestados na esfera judicial, devendo estes ser submetidos à revisão periódica e

novas elaborações.

Ainda neste contexto, ou seja, quando não há política pública específica de

serviços de saúde, a decisão fez expressa distinção entre os tratamentos puramente

experimentais e os novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de saúde

brasileiro. Relativamente aos tratamentos experimentais, aqueles sem comprovação

científica de sua eficácia, e que são realizados por laboratórios ou centros médicos de

ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas, a participação nesses tratamentos

rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode

ser condenado a fornecê-los. De fato, essas drogas, como, de resto, afirmado na

Audiência Pública, não podem ser compradas em nenhum país, porque nunca foram

aprovadas ou avaliadas, sendo que o acesso a elas deve ser disponibilizado apenas no

âmbito de estudos clínicos ou de programas de acesso expandido, de modo que não é

possível obrigar o SUS a costeá-las. Neste sentido, o laboratório que realiza a pesquisa

deve continuar a fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo

clínico, mesmo após seu término. De outra banda, os novos tratamentos (aqueles ainda

não incorporados pelo SUS) podem eventualmente ser pleiteados pela via judicial. Com

efeito, a inexistência de Protocolo Clínico no SUS, especialmente frente ao fato de que o

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conhecimento médico não é estanque, e de que sua evolução é muito rápida e de difícil

acompanhamento pela burocracia administrativa, não pode significar violação ao

princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções

acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada.

Neste caso, frisou-se a imprescindibilidade da devida instrução processual, com ampla

produção de provas, tornando a medida cautelar, neste sentido, em meio inidôneo de

efetivação do direito em sede judicial.

Por fim, o argumento, única e exclusivamente baseado no alto custo do

medicamento, não pode servir como critério de indeferimento da demanda, justamente

face à Política de Dispensação de Medicamentos Excepcionais que, fundamentalmente,

objetiva o acesso da população acometida por enfermidades raras aos tratamentos

disponíveis.

Outras decisões no âmbito do STF também trataram sobre a concessão de

medicamentos de alto custo, como dão conta os exemplos da Suspensão de Segurança

2944, de relatoria da ministra Ellen Graice, julgada em 17 de agosto de 2006, deferindo

pedido pelo fornecimento gratuito pelo Estado da Paraíba de Citrato de Sildefanil, que,

embora não previsto na lista de medicamentos a serem fornecidos à população

(Portaria Ministerial 1.318 de 2002) e de elevado custo, o seu não fornecimento

acarretaria risco à vida do impetrante, que sofria de doença relacionada à hipertensão

pulmonar, e a Suspensão de Segurança 3345/RN, min. Rel. Ellen Graice, julgada aos 13

de setembro de 2007, que determinou o fornecimento pelo Estado do Rio Grande do

Norte do medicamento Fortéo (Tereparatida) à impetrante, portadora de doença

crônico-degenerativa, nada obstante a sua não previsão orçamentária e seu elevado

custo financeiro32.

32 Neste sentido, ver as seguintes decisões no âmbito do Supremo Tribunal Federal: SS 2793/MT, min.

Rel. Nelson Jobim, julgada aos 21 de setembro de 2005; SS 2842/MT, min. Rel. Nelson Jobim, julgada

aos 06 de fevereiro de 2006; Pet 1246 MC/SC, min. Rel. Celso de Mello, julgada aos 31 de janeiro de

1997; RE 198265/RS, min. Rel. Celso de Mello, julgado aos 19 de setembro de 2001; RE 273834/RS, min.

Rel. Celso de Mello, julgado aos 23 de agosto de 2000; RE 393175 AgR/RS, min. Rel. Celso de Mello,

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3.1.3 Internações Hospitalares UTI’s/CTI’s

O objeto do direito à saúde, na jurisprudência brasileira, não se resume apenas à

concessão de medicamentos, mas também abrange o direito a internações em

Unidades de Terapia Intensiva (UTI‟s) e em Centros de Terapia Intensiva (CTI‟s). Com

efeito, uma das principais decisões sobre a matéria foi proferida recentemente pelo

Supremo Tribunal Federal, na ocasião da Suspensão de Liminar 228/CE, cuja relatoria

coube ao ministro Gilmar Mendes, e cujo julgamento se deu em 14 de outubro de 2008.

Tratou-se de pedido de suspensão de liminar, ajuizada pela União, contra decisão

proferida pelo Juízo da 18ª Vara Federal de Sobral (Ação Civil Pública nº

2007.81.03.000799-0) e mantida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, a qual

determinou à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Sobral a transferência de

todos os pacientes necessitados de atendimento em Unidades de Tratamento Intensivo

(UTI‟s) para hospitais públicos ou particulares que disponham de tais Unidades, assim

como o início de ações tendentes à instalação e ao funcionamento de 10 leitos de UTIs

adultas, 10 leitos de UTIs neonatais e 10 leitos de UTIs pediátricas.

Na origem, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Ceará ajuizaram

ação civil pública, com pedido de liminar, buscando garantir à população dos 61

municípios que compõem a Macro-Região Administrativa do SUS de Sobral o acesso aos

serviços médicos de urgência necessários ao tratamento intensivo quando em condições

julgado aos 12 de dezembro de 2006; AI 452312/RS, min. Rel. Celso de Mello, julgado aos 31 de maio de

2004; RE 557548/MG, min. Rel. Celso de Mello, julgado aos 08 de novembro de 2007; RE 195.192-3/RS, min. Rel. Marco Aurélio, julgado aos 22 de fevereiro de.2000, dentre outros. No âmbito do Superior

Tribunal de Justiça, podemos colacionar os seguintes julgados: RMS 17903/MG, min. Rel. Edson Vidigal,

julgado aos 02 de maio de 2005; REsp 684.646, min. Rel. Luiz Fux, julgado aos 05 de maio de 2005;

REsp 658323, min. Rel. Luiz Fux, julgado aos 03 de fevereiro de 2005; STA 59 AgR/SC, mi. Rel. Edson

Vidigal, julgada aos 25 de outubro de 2004; AgRg na SS 1408, min. Rel. Edson Vidigal, julgado aos 25 de

outubro de 2004; RMS 17425/MG, min. Rel. Eliana Calmon, julgado aos 14 de setembro de 2004; REsp

625329/RJ, min. Rel. Luiz Fux, julgado aos 03 de agosto de 2004; RMS 11183/PR, min. Rel José Delgado,

julgado aos 22 de agosto de 2000; Resp 57608/RS , min. Rel. Antônio de Pádua Ribeiro, julgado aos 16

de setembro de 1996; AI 874718/RS, min. Rel. Teori Albino Zavascki, julgado aos 07 de fevereiro de

2008; REsp 338373/PR, min. Rel. Laurita Vaz, julgado aos 10 de setembro de 2002; Resp 353147, min.

Rel. Franciull i Netto, julgado aos 18 de agosto de 2003, dentre outros.

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de grave risco à saúde. Alegaram que, após a instauração do Inquérito Civil Público,

constatou-se um quadro de saúde pública extremamente agravado na região, a qual só

disponibiliza 9 leitos para atendimento aos pacientes do SUS.

A decisão liminar que a União buscou suspender, ao determinar que todos os

pacientes que necessitem de atendimento em Unidades de Tratamento Intensivo

fossem transferidos para hospitais que as possuíssem e que fossem realizadas as ações

necessárias para providenciar a instalação e o funcionamento de 10 leitos de UTIs

neonatal, 10 leitos de UTIs pediátrica e 10 leitos de UTIs adulta na macro-região de

Sobral, fundamentou-se em política pública já concretizada neste sentido33.

Outras decisões corroboram este entendimento, citando-se, a título

exemplificativo, as decisões em sede de Superior Tribunal de Justiça, nas quais o direito

à saúde pressupõe a possibilidade de internação do paciente em UTI‟s, havendo direito

de pleitear o pagamento do Estado por internação em tais Unidades realizada na Rede

Privada34, a declaração de abusividade das cláusulas contratuais de planos de seguro de

saúde limitativas do tempo de internação35, e a legitimidade ativa do Ministério Público

para ajuizar ação visando internação hospitalar e tratamento de saúde em UTI, em

demanda individual, e como direito indisponível36.

33 Portaria nº 3.432/GM, de 12 de agosto de 2002, do Ministério da Saúde, “Todo hospital que atenda

gestante de alto risco deve dispor de leitos de tratamento intensivo adulto e neonatal”. A Portaria MS/GM

nº 1.101, de 13.06.2002, que estabelece os parâmetros de cobertura assistencial no âmbito do SUS,

especifica a quantidade mínima de leitos de Unidades de Tratamento Intensivo de acordo com o número

de habitantes de cada região; e a Portaria MS/GM nº 3.432, de 13.08.1998, alterada pela Portaria nº

332, de 28.03.2000, que estabelece critérios de classificação para as Unidades de Tratamento Intensivo,

torna obrigatória a existência de leitos de UTI neonatal nas unidades que possuam maternidade de alto

risco. 34 REsp 1198486, min. Rel. Eliana Calmon, julgado em 19 de agosto de 2010. 35 REsp 361415, min. Rel. Luis Felipe Salomão, julgado em 15 de junho de 2009. 36 REsp 899820/RS, min. Rel. Teori Albino Zavascki, julgado em 24 de junho de 2008.

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3.1.4 Cláusulas Contratuais no Regime de Saúde Complementar e

Ressarcimento ao SUS

Por diversas vezes os Tribunais brasileiros se manifestam no sentido de

declararem como abusivas cláusulas contratuais que, na visão do Judiciário, atentam

contra o direito à saúde37. A maior parte delas dizem respeito ao afastamento prévio de

tratamento a moléstias infectocontagiosas de notificação compulsória, como é o caso da

AIDS/HIV (AgRg no Resp 265872/SP, min. Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado

em 18 de setembro de 2003; AgRg no Resp 251722/SP, min. Rel. Antônio de Pádua

Ribeiro, julgado em 22 de outubro de 2001; Resp 255064/SP, min. Rel. Carlos Alberto

Menezes Direito, julgado em 05 de abril de 2001), assim como as que limitam o tempo

de internação (Resp 251024/SP, min. Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 27

de setembro de 2000 e Resp 158728/RJ, min. Rel. Carlos Alberto Menezes Direito,

julgado aos 16 de março de 1999). Em relação a esta última, o Superior Tribunal de

Justiça já editou súmula no sentido de declarar como abusiva cláusula contratual de

plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar de segurado (súmula

302/STJ).

Com efeito, trata-se, como desenvolvido no item 2.6, da chamada “eficácia

horizontal” do direito à saúde, que, embora, no caso, seja objeto de um contrato entre

particulares, tem recebido proteção judicial, especialmente com base no código de

defesa do consumidor e nas normas constitucionais de tutela do direito à saúde. Este

posicionamento dos Tribunais dialoga também com a própria noção de função social

dos contratos. O contrato, assim como os principiais institutos clássicos do direito

privado, como dá conta o exemplo do direito de propriedade, vem, especialmente a

37 Dentre outros, Superior Tribunal de Justiça: AI 1051037, min. Rel. Aldir Passarinho Júnior; julgada em

10 de março de 2009; AI 1103208, min. Rel. Sidnei Benetti, julgada em 27 de fevereiro de 2009; AI

1057060, min. Rel. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), julgada em 25 de

fevereiro de 2009; AI 1075075, min. Rel. João Otávio de Noronha, julgada em 12 de março de 2009;

REsp 1046355, min. Rel. Massami Uyeda, Terceira Turma, julgada em 15 de maio de 2008; REsp

519.940, min. Rel. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgada em 17 de junho de 2003.

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partir da denominada função social do Direito, engendrada no constitucionalismo do

início do século XX, sofrendo alterações nas suas bases estruturais de legitimação

jurídica. Se dantes, num contexto marcado pela teoria política e filosófica liberal e

individualista, de matriz kantiana, o contrato baseava-se tão somente na vontade

individual dos contratantes, aptos a determinarem a forma e o conteúdo do objeto

contratado, limitado apenas pela estrita legalidade, cujos efeitos só diziam respeito a

esta relação intersubjetiva, contemporaneamente o contrato, para a sua validação

jurídica constitucional e legal, necessita, também, atender a uma função social.

3.1.5 Tratamentos Excepcionais no Exterior

Em recentíssima decisão da lavra da ministra Carmen Lúcia, RE 542641/DF,

julgada em 28 de maio de 2010, ficou assente o posicionamento do Supremo Tribunal

Federal em relação à possibilidade ou não do Estado custear ao demandante

tratamento excepcional no exterior. Com efeito, nesta decisão não ficou descartada, a

princípio, o direito a tratamento de saúde no exterior, mormente quando se tratar de

risco à vida do paciente. Contudo, tal possibilidade ficaria restrita à ocorrência de certas

circunstâncias, como a não existência de tratamento similar da doença no Brasil, e que

tal tratamento, a ser realizado no exterior, tenha a sua eficiência demonstrada pela

comunidade médica nacional38.

Neste mesmo sentido, na Suspensão de Segurança 2.998, min. Rel. Ellen Graice,

julgada em 29 de novembro de 2006, foi deferido tratamento no exterior a paciente,

cuja estadia na França para submissão a procedimento cirúrgico foi custeada pelo

38 Neste mesmo sentido, cf., RE 421402/DF, min. Rel. Dias Toffoli, julgado em 06 de maio de 2010.

Tratava-se de tratamento da doença Retinose Pigmentar, a ser realizada na República de Cuba. O

ministro colacionou, ainda, outro argumento, referente à viabilidade econômica da pretensão, uma vez

que “há que se observar que o direito social da proteção à vida e à saúde assegurado pela Constituição

traduz-se em objetivo a ser alcançado pela sociedade, mas deve ser avaliado dentro das possibilidades

reais do sistema previdenciário do país.

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Estado do Rio Grande do Norte, mediante a entrega ao impetrante da importância de

R$ 50.037,30. Tratava-se de paciente hipossuficiente, e que tal tratamento médico era

indispensável à sua sobrevivência. Ademais, o procedimento técnico (Ablação por

Laser) apenas era realizado pela equipe médica do Hospital Antoine-Béclère, conforme

atestado pelo laudo médico do Hospital Universitário de Brasília – HUB.

3.1.6 Cláusula da “Reserva do Possível” e Direito à Saúde: O Posicionamento

do Supremo Tribunal Federal

Ao se tratar da efetivação judicial do direito à saúde, e dos direitos sociais de

uma forma geral, comumente se aborda o tema a partir da sua dimensão econômica,

imersa num conflito objetivo entre necessidades infinitas e meios finitos39. Trata-se da

chamada “reserva do possível”, construção teórica que condiciona a efetivação dos

direitos sociais – originalmente vinculada à efetivação dos direitos sociais derivados a

prestações Teilhaberechte –, à capacidade financeira do Estado40.

Com efeito, a teoria da “reserva do possível” ganhou contornos jurídicos mais

precisos a partir do desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional Federal

da Alemanha, destacando-se a multicitada decisão BVerfGE 33, 303 (333), chamada

popularmente de decisão “numerus clausus”. Tratou-se, na ocasião, do direito de

acesso à vaga no ensino superior, na qual firmou-se o entendimento de que, além da

disponibilidade orçamentária, era necessário a razoabilidade da prestação, no sentido

de se aferir o que o indivíduo pode exigir razoavelmente da sociedade41. Neste sentido,

39 WALLERATH, op. cit., p. 157. 40 O princípio da reserva do possível “vorbehalt des möglichen”, para a doutrina alemã, não se reporta

apenas à capacidade econômica do Estado, mas também ao respeito à liberdade de conformação do

legislador de decidir sobre políticas públicas prioritárias, cf., por todos, MURSWIEK, Dietrich. Grundrechte

als Teilhaberechte, soziale Grundrechte, in: ISENSEE, Josef; KIRCHHOF, Paul (Orgs.). Handbuch des Staatsrechts, vol. V, 2º ed. C.F. Müller, Heidelberg, 2000. p. 267 e ss. 41 Cf., SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria Geral dos Direitos

Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 287.

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a “reserva do possível”, na esteira do que leciona Ingo Sarlet, se desdobra numa

tríplice dimensão, abrangendo a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a

efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos

materiais e humanos, relacionando-se com a distribuição das receitas e competências

tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, dentre outras; e c) na

perspectiva do titular de um direito a prestações sociais, a “reserva do possível”

envolve o problema da proporcionalidade da prestação e de sua razoabilidade.

Como visto, a chamada “reserva do possível” não abrange apenas o viés

econômico da concretização dos direitos sociais, mas também outras possibilidades de

ordem jurídica e institucional, podendo servir, neste sentido, como possível critério

balizador por ocasião de colisões entre direitos fundamentais, desde que preservado,

em qualquer hipótese, o núcleo essencial de ambos os direitos42. Cumpre destacarmos

que, para o caso específico do direito à saúde, além da escassez de recursos

financeiros, o qual torna-se cada vez mais evidente à medida em que avança o

processo de desenvolvimento da tecnologia médica, há também a questão da

disponibilidade de órgãos, pessoal especializado e equipamentos, além da questão

legal/constitucional da repartição de competências.

Como exposto acima, não negamos o impacto econômico dos direitos sociais, e a

eventual utilização da “reserva do possível” como argumento no cenário jurídico

brasileiro, já que, nem mesmo na Alemanha, economia central da União Europeia,

dispensa-se o debate acerca dos limites orçamentários à efetivação dos direitos sociais,

de modo que essa questão, especialmente no Brasil, deve ser levada a sério. Todavia, o

que se impõe é a análise crítica do posicionamento impeditivo da intervenção judicial no

âmbito da efetivação dos direitos sociais, tendo como fundamento a escassez de

recursos e a competência parlamentar em matéria orçamentária, no sentido de

formulação de políticas públicas e alocação de recursos.

42 SARLET; FIGUEIREDO, op. cit., p. 203.

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Primeiramente, o potencial da teoria da “reserva do possível”, do ponto de vista

jurídico-constitucional brasileiro, deve ser significativamente atenuado, especialmente

no que diz com o embate entre direitos sociais e limites orçamentários, já que direitos

fundamentais sociais não se condicionam, ou, melhor, não estão em estrita

dependência do legislador ordinário, como, de resto, se apresentam os direitos

derivados a prestações, de matriz infraconstitucional. Ademais, o fato de que o direito à

saúde não constitui um direito absoluto não significa, necessariamente, que este deva

ser limitado pela capacidade econômica do Estado, mas que possa, eventualmente,

sofrer limitações frente à proteção e garantia de outro direito fundamental43.

De outra banda, ainda que admitamos o argumento da escassez recursal como

argumento apto a limitar a fruição dos direitos sociais, pelo disposto no art. 5º, § 1º, da

CF/88, caberia ao Poder Público, em última análise, a comprovação da falta efetiva dos

recursos indispensáveis à satisfação dos direitos a prestações, de modo que, o

argumento a priori, de que o Estado brasileiro não tem meios financeiros para arcar

com as demandas sociais, sem comprovação fática para o caso concreto, é de pronto

descartado44.

Com efeito, a limitação estrita das possibilidades do Direito pela economia é

objeto de estudo científico desde a doutrina marxista, que relega o Direito à mera

43 Sustentado a tese da viabilidade de limitação do direito à saúde por este não ser absoluto frente às

possibilidades orçamentárias do Estado, dentre outros argumentos, cf. AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha – Em Busca de Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez de Recursos e as

Decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 38.

44 SARLET, Ingo Wolfgang. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do Possível, Mínimo Existencial e

Direito à Saúde: algumas aproximações, in: Revista da Defensoria Pública, ano 1, jul/dez de 2008. p.

205. Neste sentido também ROCHA, op. cit., p. 451. Segundo a autora “Obrigatoriedade do Estado de

comprovar a não-existência dos recursos para todas as medidas que seriam necessárias para o

cumprimento das normas constitucionais garantidoras dos direitos sociais, econômicos e culturais , bem

como de demonstrar que não despendeu, injustamente, os recursos existentes, ou não os desviou para

outras medidas que seriam secundárias – ainda que fossem públicas – em relação àquelas que seriam

primárias e impositivas para a concretização dos dire itos fundamentais”.

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condição de superestrutura ideológica da classe dominante45. A teoria da análise

econômica do Direito46, ao atribuir, para o campo de Direito, maior significação à

categoria eficiência do que à categoria legalidade/constitucionalidade, acaba

condicionando todo o sistema jurídico pela lógica da infraestrutura das relações

econômicas. Neste particular, Lima Lopes, ao criticar o uso indevido de categorias

externas à lógica jurídica, destaca que ainda que seja mais eficiente, do ponto de vista

econômico, abandonar parte da população à própria sorte, eliminar sujeitos não

desejados, impedir o acesso de etnias a certos lugares e assim por diante, a

obrigatoriedade ou não de tais ações não pode ser respondida com o critério do

custo47.

A jurisprudência brasileira tem se posicionado, na sua grande maioria, no sentido

de dar plena eficácia ao dispositivo constitucional que garante o direito à saúde, quando

contrastado pela alegação dos limites orçamentários do Estado48. Neste sentido, há

jurisprudência farta a respeito, citando-se desde a remota (1997), embora

paradigmática, decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, ao julgar o

Agravo de Instrumento nº 97.000511-3, Rel. Des. Sérgio Paladino, na qual entendeu-se

45 Na esteira do que leciona Karl Marx, o Direito não pode ser entendido como um sistema mais elevado

do que a estrutura econômica e do que o desenvolvimento cultural de uma determinada sociedade por

ela (infra-estrutura) condicionado. Cf. MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. Comentários à Margem

do Partido Operário Alemão. Porto Alegre: L&PM, 2001. P. 107. 46 A maior parte dos juristas e economistas, ao utilizar a expressão Análise Econômica do Direito, se

refere, geralmente, à aplicação de métodos econômicos, especialmente de microeconomia, a questões

legais. Nada obstante, há diversas Escolas e ramos da ciência em que o termo é abordado em diversos

sentidos. Entre nós, cf., TIMM, Luciano Benetti. Qual a Maneira mais Eficien te de Prover Direitos

Fundamentais: uma perspectiva de direito e economia?, in: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano

Benetti. Direitos Fundamentais, Orçamento e “Reserva do Possível”. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2010. p. 53-6; CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e Análise Econômica do Direito. Uma Visão

Crítica. São Paulo: Campus Editora, 2008. 47 LOPES, op. cit., p. 271-2.

48 Daniel Wang, em estudo empírico acerca do posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação

ao impacto econômico das decisões judicias em matéria de direitos sociais, aponta que a preocupação da

Corte Suprema em relação aos limites orçamentários, designadamente no que diz com o fornecimento de

medicamentos, apenas começou a ser sistematicamente enfrentada a partir do ano de 2007. Cf. WANG,

Daniel Wei Liang. Escassez de Recursos, Custos dos Direitos e Reserva do Possível na Jurisprudência do

STF, in: SARLET; TIMM, op. cit., p. 353.

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que o direito à saúde, garantido na Constituição, é suficiente para ordenar ao Estado,

liminarmente, o custeio de tratamento (experimental), nos EUA, de menor, vítima de

distrofia muscular progressiva de Duchenne, ao custo de U$ 163.000,00, de modo que

“ao julgador não é lícito, com efeito, negar tutela a esses direitos naturais de

primeiríssima grandeza sob o argumento de proteger o Erário”, até a recente decisão

em sede de Supremo Tribunal Federal, STA 175, julgada em 2010, de relatoria do

ministro Gilmar Mendes, a qual deferiu tratamento, ao custo de R$ 52.000,00 mensais,

não previsto nos protocolos e diretrizes terapêuticas do SUS, a jovem portadora de

doença neurodegenerativa rara Niemann-Pick Tipo C.

Principalmente em relação às decisões mais recentes, o Supremo Tribunal

Federal tem abordado o tema do possível impacto econômico nas finanças públicas de

decisões judicias que versam sobre a efetividade dos direitos fundamentais sociais, em

especial do direito à saúde, sem que, com isso, o direito tenha sido inviabilizado,

inclusive em termos de demanda individual49. No landmark case de relatoria do ministro

Celso de Mello, ADPF 45/200450, que vem atuando como o grande precedente nas

decisões sobre o eventual embate entre finanças públicas e acesso a prestações de

saúde, o Tribunal entendeu que, expressamente se referindo à cláusula da “reserva do

possível”, se mostraria “ilícito ao Poder Público que, mediante indevida manipulação de

49 Destoando da maior parte das decisões, estão a STA 91/AL, julgada aos 26 de fevereiro de 2007, e a

SS 3073/RN, julgada aos 09 de fevereiro de 2007, ambas de relatoria da ministra Ellen Graice,

fundamentadas na limitação de recursos e na necessidade de racionalização dos gastos para o

atendimento de um maior número de pessoas. Conforme a decisão, apenas os medicamentos

contemplados na portaria 1318 do Ministério da Saúde seriam, no caso, de fornecimento obrigatório pelo

Estado. Isto representaria, no entender da ministra, o respeito a uma decisão alocativa tomada no

âmbito da Administração Pública. 50 ADPF 45/MC – DF, min. Rel. Celso de Mello, julgada aos 29 de abril de 2004. Tratou-se de arguição de

descumprimento de preceito fundamental promovida contra veto emanado do Presidente da República ao

§ 2º do art. 55 (posteriormente renumerado para art. 59), de proposição legislativa que se converteu na

Lei nº 10.707/2003 (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária

anual de 2004. O dispositivo vetado possuía o seguinte conteúdo material: “§ 2º Para efeito do inciso II

do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do

Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela

das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza.”

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sua atividade financeira e/ou político-administrativa, criar obstáculo artificial que revele

o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o

estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições

materiais mínimas de existência. Desse modo, a cláusula da “reserva do possível” –

ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível (grifo nosso) – não

poderia ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de

suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental

negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos

constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade”.

Da argumentação sob o prisma econômico, podemos aferir que a cúpula do

Poder Judiciário brasileiro não anui com o argumento de que o direito à saúde não pode

ser contrastado com outros critérios, inclusive de índole econômico-financeira, mas que

tal juízo de ponderação deve ser exercido a partir de demonstrações objetivas para o

não atendimento de demandas referentes ao direito à saúde51. Neste sentido, o

argumento baseado única e exclusivamente no alto custo do tratamento/medicamento

não é considerado, pelo STF, como motivo para o não deferimento da demanda na

esfera do direito à saúde52. A atuação do Judiciário na garantia da prestação individual

de saúde, prima facie, estaria condicionada ao não comprometimento do

51 Entendimento este que também é compartilhado por parte da doutrina, cf. dentre outros, ROCHA, op.

cit. p. 451. “...obrigatoriedade do Estado de comprovar a não-existência dos recursos para todas as

medidas que seriam necessárias para o cumprimento das normas constitucionais garantidoras dos

direitos sociais, econômicos e culturais, bem como de demonstrar que não despendeu, injustamente, os

recursos existentes, ou não os desviou para outras medidas que seriam secundárias – ainda que fossem

públicas – em relação àquelas que seriam primárias e impositivas para a concretização dos direitos

fundamentais; SARLET, op. cit., p. 205 “...levar a a „reserva do possível‟ significa também, especialmente

em face do disposto no art. 5º, § 1º, da CF/88, que cabe ao Poder Público o ônus da comprovação da

falta efetiva dos recursos indispensáveis à satisfação dos direitos a prestações, assim como da eficiente

aplicação dos mesmos”. 52 Cf., como decisão paradigma, STA 175 AgR-CE, min. Rel. Gilmar Mendes, julgada aos 17 de março de

2010.

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funcionamento do Sistema Único de Saúde53. Contudo, entende o Tribunal que não há

interferência indevida quando a ordem judicial defere prestação de saúde já prevista no

SUS. Quando o pedido está fora daquilo previsto na política pública, afirmou que se

deveria ponderar o objeto do pedido com a capacidade do sistema de saúde de arcar

com as despesas da parte, mas também com as despesas de todos os outros cidadãos

que se encontrem em situação idêntica54.

Ainda que as decisões do Supremo Tribunal Federal, versando sobre escassez de

recursos, “reserva do possível” e custos dos direitos, não tenham produzido, até o

momento, um rol extensivo de critérios, objetivos e claros – ensejando, inclusive,

decisões contraditórias55, implicando em prejuízo para a Administração Pública, que terá

dificuldade na previsão para o planejamento de políticas públicas, assim como para o

cidadão, que tem menos clara a dimensão do que pode exigir do Poder Judiciário, e,

inclusive, para os próprios juízes, que necessitam de parâmetros mais seguros e

coerentes para as suas decisões56–, vislumbra-se, pelo menos, a direção na qual as

decisões estão sendo proferidas, de modo a dar prevalência, ainda que prima facie, ao

direito fundamental à saúde.

53 Cf., dentre outras, SL/CE 228, min. Rel. Gilmar Mendes, julgada aos 14 de outubro de 2008; STA

238/TO, min. Rel. Gilmar Mendes, julgada aos 21 de outubro de 2008; STA/AL 277, min. Rel. Gilmar

Mendes, julgada aos 01 de dezembro de 2008. 54 Cf., STA 223/PE, min. Rel. Ellen Graice, julgada aos 12 de março de 2008. Neste caso, o Tribunal

entendeu que a concessão via judicial de tratamento a ser realizado no exterior, por médico estrangeiro,

pelo fato de não estar previsto nos procedimentos do Sistema Único de Saúde, e por ser altamente

dispendioso para o Estado em termos financeiros, violaria a ordem pública, especialmente por ter sido

concedida sem a instauração prévia de um procedimento administrativo. 55 A título exemplificativo, cf. as contradições das decisões nas Suspensões de Tutela Antecipada 138 e

91, ambas de relatoria da ministra Ellen Graice. No primeiro caso, referente a uma demanda individual,

houve concessão do pedido por ter como fundamento a gravidade e necessidade da continuação do

tratamento, pondo em risco à vida do demandante, ao passo que no segundo caso, desenvolvida em

ação coletiva, ainda que inserta no mesmo contexto, a demanda foi indeferida, pelo fato do medicamento

não constar em política pública de distribuição. A esse respeito, ver a pesquisa de Florian Hoffmann e

Fernando Bentes sobre o baixo êxito das demandas coletivas, especialmente em ação civil pública, no

âmbito do direito à saúde. A Litigância Judicial dos Direitos Sociais no Brasil: uma Abordagem Empírica, in: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (coord.). Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 383-416.

56 WANG., op. cit., 370.

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3.2 REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS E RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES

FEDERADOS PARA PRESTAÇÕES DE SAÚDE.

3.2.1 Introdução

A Constituição define que é “competência comum da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios” cuidar da saúde57, sendo definido mais adiante, no

art. 196, como um “... direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas

sociais e econômicas...”. A Lei 8080/90, seguindo diretriz do art. 198 da Constituição

estabelece como um dos princípios e diretrizes a descentralização político-administrativa

e, nesse tópico, prevê ainda “ênfase na descentralização dos serviços para os

municípios” e a “regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde”.

A organização dos serviços públicos deve ocorrer de modo a evitar duplicidade

de meios para fins idênticos. Entretanto, não são previstos somente elementos de

distribuição de tarefas entre os entes da federação, mas também elementos de

convergência. Nesse aspecto destaca-se como princípio e diretriz os seguintes

elementos: (a) a “integração em nível executivo das ações de saúde”; (b) a

“conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à

saúde da população”; (c) a “capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis

de assistência” 58.

Esses elementos iniciais permitem situar o objeto do presente estudo, qual seja,

o embate, na esfera judicial, das teses da responsabilidade solidária e da repartição de

competências entre as esferas federativas para as prestações de saúde. Busca-se

conhecer os elementos centrais das diversas posições a respeito do tema. 57 Art. 23, II. BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 21 Abr. 2010. 58 BRASIL. Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm>. Acesso em 21 Abr. 2010.

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Posteriormente, por meio de uma leitura ampliada da jurisprudência, procura-se

investigar os desdobramentos e implicações processuais. Por último dirige-se o olhar

para a origem e evolução deste intenso e importante debate.

3.2.2 Jurisprudência Pró-Responsabilidade Solidária

Nesse tópico serão apresentados os elementos centrais da jurisprudência que

fundamenta no sentido de que há responsabilidade solidária entre os entes da

federação perante aqueles que postulam judicialmente prestações de saúde. Um dos

fatores a apontar é que a responsabilidade solidária decorreria da competência comum

prevista no artigo 23, inciso II da Constituição Federal. O sentido da descentralização

dos serviços e dos recursos financeiros (art. 198, inciso I, da CF) seria o objetivo de

melhorar a qualidade e o acesso aos serviços59. Pode-se dizer também que o próprio

art. 196 da CF estabeleceria uma obrigação para o Estado em sua acepção genérica,

abrangendo todos os entes federados60. A repartição de responsabilidades não seria

59 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões da Presidência. Suspensão de Tutela Antecipada. STA

348 / AL – Alagoas. Relator: Gilmar Mendes. DJe-227 Divulg. 02 dez. 2009 Public. 03 dez. 2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões da Presidência. Suspensão de segurança. SS 3854 / MG –

Minas Gerais. Divulg. 15 dez. 2009 Public. 16 dez. 2009. Relator: Gilmar Mendes. DJe- 235. No

mesmo sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões da Presidência. Suspensão de segurança.

SS 3751. Relator: Gilmar Mendes. DJe- 077 Divulg. 27 abr. 2009 Public. 28 abr. 2009. BRASIL.

Supremo Tribunal Federal. Decisões da Presidência. Suspensão de segurança. SS 3741. Relator: Gilmar

Mendes. DJe- 102 Divulg. 02 jun. 2009 Public. 03 jun. 2009. 60 Assim fundamentou o Ministro José Delgado defendendo posição que não prevaleceu na decisão. A

decisão foi pró-repartição de competências e excluiu a União do processo. BRASIL. Superior Tribunal de

Justiça. Acórdão. Recurso Especial n. 873196 / RS 2006/0166974-9. Relator p. acórdão: Teori

Albino Zavascki. Julgado em 03 maio. 2007. Publicado no DJe em 24 maio 2007. p. 328 . Disponível em:

<

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=678413&sReg=200601669749&sDat

a=20070524&formato=PDF>. Acesso em 14 out. 2010. QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da

4ª Região. Acórdão. Apelação/Reexame Necessário n. 2004.72.01.004841-8/SC. Relator: Maria

Lúcia Luz Leiria. Julgado em 29 set. 2009. Publicado no Diário de Justiça em 15 out. 2009 . Disponível

em: < http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=3010914>. Acesso em

07 jun. 2010. No mesmo sentido das posições anteriores e afirmando que a responsabilidade solidária

decorreria dos artigos 196 e 198, §1º da CF consta: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão.

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oponível aos cidadãos e às pessoas, a distribuição de atribuições seria meramente

administrativa, não podendo limitar o acesso ao direito fundamental à saúde61 ou,

expressando de outra forma, o indivíduo não deveria ficar preso e impossibilitado “num

cipoal de normas legais e infralegais” que definem a competência, além do mais, a

repartição de competências nem sempre seria muito clara62.

3.2.3 Jurisprudência Pró-Repartição de Competências

Os elementos argumentativos centrais relativos às decisões pró-repartição de

competências serão elencados, de forma sintetizada, a seguir. Em primeiro lugar

poderia ser dito que não deveria ser uma escolha da parte ou de seu procurador a

questão a respeito de quem e onde demandar judicialmente, pensar diferente permitiria

múltiplos pedidos em órgãos do poder judiciário, podendo ocorrer o andamento de mais

de um processo e inclusive a concessão de duplo benefício nos órgãos do judiciário.

Além do mais, seria compreensível que se exigisse a prestação material de quem, ao

menos em tese, estaria institucionalmente obrigado63.

Recurso Especial n. 773657 / RS (2005/0134491-7). Relator: Francisco Falcão. Julgado em 08

nov. 2005. Publicado no DJ em 19 dez. 2005, p268. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=592661&sReg=200501344917&sDa

ta=2 0051219&formato=PDF>. Acesso em 15 out. 2010. 61 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Embargos

Infringentes n. 70033253071. Relator: Francisco José Moesch. Julgado em 18 dez. 2009. Publicado

no Diário de Justiça em 30 dez. 2009 . Disponível em: <

http://www3.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download/exibe_documento_att.php?ano=2009&codigo=2220

639>.Acesso em 07 jun. 2010. 62 Na decisão há consideração desse elemento, embora não seja favorável, de forma irrestrita, à

responsabilidade solidária. QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Agravo

de instrumento 2009.04.00.010742-9/SC. Relator: João Pedro Gebran Neto. Julgado em 27 out.

2009. Publicado no Diário de Justiça em 19 nov. 2009 . Disponível em: <

http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3095742>. Acesso em 07

jun. 2010. 63 A decisão também não se posiciona pró-repartição de competências de forma irrestrita. QUARTA

REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Agravo de instrumento

2009.04.00.010742-9/SC. Relator: João Pedro Gebran Neto. Julgado em 27 out. 2009. Publicado no

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Com relação aos medicamentos, o fornecimento daqueles não constantes das

listas definidas no âmbito administrativo comprometeria o cumprimento da política

pública; o atendimento a situações individualizadas diminuiria a possibilidade de

atendimento básico ao restante da coletividade64.

No que diz respeito à União, com referência à assistência farmacêutica direta,

caberia apenas o repasse de recursos financeiros, ficando a aquisição e a dispensação a

cargo dos demais entes, por isso não seria legitimada passiva (deveria ser excluída do

processo judicial), levando em conta também que a repartição de competências seria

condição essencial de qualquer sistema, não apenas para evitar sobreposições, mas

também como forma de garantir, da melhor maneira possível, o acesso universal e

igualitário aos serviços de saúde65.

A parte deveria, antes de buscar o judiciário, ter buscado diretamente do órgão

competente do SUS a prestação material pretendida. A partir da recusa seria possível

Diário de Justiça em 19 nov. 2009 . Disponível em: <

http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3095742>. Acesso em 07

jun. 2010. 64 Versão sumária de argumentos apresentados na STA 91, o caso será analisado de forma mais

detalhada no tópico “configurações e consequências processuais”. Cabe o alerta que na decisão a

configuração processual parece ter influenciado fortemente. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões

da Presidência. Suspensão de Tutela Antecipada. STA 91 /AL – ALA GOAS. Relator: Ellen Gracie. DJ 05

mar. 2007. PP-00023 RDDP n. 50, 2007, p. 165-167. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28STA$.SCLA.%20E%2091.NU

ME.%29&base=basePresidencia>. Acesso em 13 out. 2010. Esse tópico apresenta uma conexão da

discussão sobre as competências e responsabilidade solidária com a discussão acerca dos pedidos de

medicamentos não previstos nas políticas públicas, tópico que não será estudado em razão de fugir ao

âmbito dessa pesquisa. 65 Nesse sentido decidiu o STJ no seguinte precedente: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão.

Recurso Especial n. 873196 / RS 2006/0166974-9. Relator p. acórdão: Teori Albino Zavascki.

Julgado em 03 maio. 2007. Publicado no DJe em 24 maio 2007. p. 328 . Disponível em: <

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=678413&sReg=200601669749&sDat

a=20070524&formato=PDF>. Acesso em 14 out. 2010. Mas cabe o alerta de que na situação

excepcional, por exemplo, dos programas estratégicos esse critério pode não funcionar (nesses casos os

medicamentos têm a aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde e são repassados para os Estados,

os quais têm a responsabilidade de fazer o armazenamento e distribuição aos municípios). MINISTÉRIO

DA SAÚDE. Programas Estratégicos. Disponível em <

http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=25311>. Acessado em 21 Abr. 2010.

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identificar quem demandar66. Quanto a esse último tópico é necessário adiantar um

comentário: tal postura seria plenamente correta se houvesse garantia de que sempre a

administração forneceria comprovante escrito sobre a negativa de atendimento do

pedido, mas tal garantia não existe. Caso se fizesse tal exigência ficaria dificultado o

acesso para apreciação judicial daquele que não conseguiu que a administração

fornecesse prova da negativa de atendimento do pedido.

3.2.4 Posições Intermediárias

Algumas decisões posicionam-se no sentido de observar a repartição de

competências estabelecidas entre os entes da federação ou de aceitar a tese da

responsabilidade solidária, entretanto com alguma reserva, alguma exceção ou, até

mesmo, com alguma abertura. Na apelação cível 7002513889267 entende-se que seria

equivocado impor ao estado o fornecimento de medicamento que não seria de sua

competência68. A demanda foi proposta contra estado e município. A particularidade do

caso reside no fato de que, quanto aos medicamentos que não constavam de nenhuma

das listas, determinou a produção de mais provas para apurar a gravidade da doença, a

66 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Agravo de instrumento

2009.04.00.010742-9/SC. 67 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Apelação Cível

n. 70025138892. Relator: Alexandre Mussoi Moreira. Julgado em 11 mar. 2009. Publicado no Diário de

Justiça em 31 mar. 2009 . Disponível em: <

http://www3.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download/exibe_documento_att.php?ano=2009&codigo=2456

03>. Acesso em 07 jun. 2010. 68 O sentido dessa jurisprudência parece ser complementado pela decisão relativa ao agravo de

Instrumento número 2009.04.00.010742-9 quando fundamenta que responsabilidade seja aferida de

acordo com o medicamento solicitado, nesse caso o responsável seria aquele encarregado pela aquisição

e dispensação de acordo com a respectiva lista. QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª

Região. Acórdão. Agravo de instrumento 2009.04.00.010742-9/SC. Relator: João Pedro Gebran

Neto. Julgado em 27 out. 2009. Publicado no Diário de Justiça em 19 nov. 2009 . Disponível em:<

http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3095742>. Acesso em 07

jun. 2010.

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eficácia do tratamento ministrado e a possibilidade de substituição por medicamentos

da rede pública.

Há posição69 na qual se aceita a tese da responsabilidade solidária somente

quanto aos medicamentos contemplados nos Protocolos Clínicos do Ministério da Saúde

e que fundamenta no sentido de que teria de ser demonstrada situação excepcional

para que justificasse determinação de prestação estranha à política pública.

Na decisão relativa ao agravo de instrumento 2009.04.00.010742-970 o relator

fundamenta que quanto aos medicamentos excepcionais haveria litisconsórcio passivo

necessário entre Estado e União porque competiria “ao primeiro a distribuição e, por

vezes, a aquisição dos medicamentos, com repasse de valores pela União”. Na mesma

linha de raciocínio aponta que ocorreria o mesmo com os medicamentos para

tratamento de câncer fornecido nos Centros de Alta Complexidade em Oncologia

porque caberia ao Ministério da Saúde “o repasse dos recursos para o custeio dos

procedimentos”. Entretanto, seria de competência dos Estados a eleição dos CACONs.

Essas questões que dizem sobre o mérito, o cerne da organização administrativa

do sistema de saúde têm também implicações e conexões importantes na esfera do

processo judicial.

3.2.5 Configurações e consequências processuais

69 Conforme o voto, em parte vencido, da Desembargadora Mara Larsen Chechi. RIO GRANDE DO SUL.

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Embargos Infringentes n.

70033253071. Relator: Francisco José Moesch. Julgado em 18 dez. 2009. Publicado no Diário de

Justiça em 30 dez. 2009 . Disponível em: <

http://www3.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download/exibe_documento_att.php?ano=2009&codigo=2220

639>.Acesso em 07 jun. 2010. 70 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Agravo de instrumento

2009.04.00.010742-9/SC. Relator: João Pedro Gebran Neto. Julgado em 27 out. 2009. Publicado no

Diário de Justiça em 19 nov. 2009 . Disponível em: <

http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3095742>. Acesso em 07

jun. 2010.

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Quando da análise da jurisprudência, percebeu-se que seria plausível que, na

variação das posições, o contexto ou configuração processual e o contexto fático dos

processos, poderia exercer uma influência importante. Caso isso não se configure

realmente, mesmo assim, pode-se dizer que tal leitura é relevante porque é salutar que

esse aspecto seja tomado em consideração nas decisões.

Por exemplo, na STA 9171 o Estado de Alagoas requer a suspensão da execução

de tutela antecipada concedida em ação civil pública que determinou “o fornecimento

de medicamentos necessários para o tratamento de pacientes renais crônicos em

hemodiálise e pacientes transplantados”. O estado argumenta a ocorrência de grave

lesão à economia pública. A liminar impugnada seria genérica ao determinar que o

Estado fornecesse “todo e qualquer medicamento necessário ao tratamento dos

transplantados renais e pacientes renais crônicos”, impondo a entrega de

medicamentos que não seriam da competência do ente federado. O “fornecimento de

medicamentos, além daqueles relacionados na Portaria n.º 1.318 do Ministério da

Saúde e sem o necessário cadastramento dos pacientes [inviabilizaria] a programação

do Poder Público”, o que comprometeria o adequado cumprimento da política pública.

O pedido de suspensão de tutela antecipada foi deferido parcialmente para limitar a

responsabilidade aos medicamentos constantes da portaria. A relatora apontou que a

ação contemplou medicamentos que não seriam de responsabilidade do Estado, mas do

Município de Maceió. Como elementos de fundamentação apontou que a gestão da

política nacional de saúde buscaria atingir o maior número possível de beneficiários,

que o direito à saúde referir-se-ia, em princípio, à efetivação de políticas públicas que

alcançassem a população como um todo e não a situações individualizadas e que a

71 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões da Presidência. Suspensão de Tutela Antecipada. STA 91

/AL – ALAGOAS. Relator: Ellen Gracie. DJ 05 mar. 2007. PP-00023 RDDP n. 50, 2007, p. 165-167.

Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28STA$.SCLA.%20E%2091.NU

ME.%29&base=basePresidencia>. Acesso em 13 out. 2010.

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responsabilidade do Estado em fornecer os recursos necessários à reabilitação da saúde

de seus cidadãos não poderia vir a inviabilizar o sistema público de saúde. Fundamenta

também que a tutela atingiria, por sua amplitude, esferas de competência distintas e

que a sua execução estaria “diminuindo a possibilidade de serem oferecidos serviços de

saúde básicos ao restante da coletividade”.

De outro lado na STA 138 / RN72, também julgada pela Ministra Ellen Gracie, o

estado traz uma argumentação bastante semelhante, ao dizer que não estaria se

negando “a fornecer todo e qualquer medicamento ao paciente”, mas apenas propondo

a indicação de outros similares, que estivessem relacionados na listagem oficial do

Ministério da Saúde e que ao atender o pleito individual estaria diminuindo as

possibilidades do atendimento básico à população em geral. Entretanto, nesse caso, a

Ministra, negou o pedido de suspensão sob o fundamento de que o autor não teria

condições financeiras de arcar com os custos do tratamento, de que o autor fora

submetido a outros tratamentos sem o efeito esperado, de que o relatório médico

indicava risco à vida. Em que pese as evidências apontadas no processo, esse caso

também nos faz refletir se a própria configuração do processo também não teria

influenciado na resposta positiva do Judiciário. No caso anterior a ação civil pública

tendencialmente teria um caráter mais geral (mais coletivo) e nesse caso a demanda

era específica: um único paciente, por meio de uma ação individual buscava um

tratamento específico para sua doença. Esse tipo de contraste sugere que o judiciário

pode ter receio de demandas de caráter coletivo73.

72 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões da Presidência. Suspensão de Tutela Antecipada. STA

138 / RN – Rio Grande do Norte. Relator: Ellen Gracie. DJ 19 set. 2007 PP-00024. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28STA$.SCLA.%20E%20138.N

UME.%29&base=baseMonocraticas>. Acesso em 09 jun. 2010. 73 A pesquisa de Hoffmann e Bentes identifica baixo nível de êxito nas ações coletivas sobre saúde.

HOFFMANN, Florian F.; BENTES, Fernando R. N. M. A Litigância Judicial dos Direitos Sociais no

Brasil: uma Abordagem Empírica. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (coord.).

Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie . Ed. Lumen Juris:

Rio de Janeiro. 2008. 1.139 p. p. 383-416.

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Por meio da leitura da SS 320574, que possui um contexto bastante semelhante

ao do processo acima, pode-se ressaltar que, no que se refere aos pedidos de

suspensão de execuções (suspensão de tutela antecipada, suspensão de segurança),

haveria um reforço da tendência de particularização das decisões, de decidir segundo o

caso-a-caso, porque seria uma medida excepcional. Nessa decisão a relatora explicita a

lógica de sua decisão, a qual parece dialogar com a decisão referente à STA 91 que foi

favorável à repartição de competências, qual seja a de que a discussão acerca das

competências não poderia preponderar em relação ao direito à saúde contido no art.

196 da CF que obriga todas as esferas a atuarem de forma solidária. Entretanto,

mesmo fazendo uma análise contextual, permanece certo nível de contradição entre as

decisões tomadas, o que traz o questionamento sobre a possibilidade de a relatora ter,

na verdade, modificado a sua posição.

Na medica cautelar 1401575 fica ressaltado o aspecto do risco à vida. Nesse caso

o Ministério Público recorre ao STJ para buscar o fornecimento de medicamento para

menor de idade. A decisão foi, de forma unânime, favorável ao pedido do Ministério

Público. Consultando as informações processuais no site do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul76 foi possível confirmar que a ação possui como réu

apenas o Estado do Rio Grande do Sul. Nesse precedente decide-se no sentido de uma

responsabilidade solidária dos entes federados (na decisão fundamenta-se que todos os

entes seriam competentes para o cuidado com a saúde). E um dos elementos centrais

da fundamentação da decisão foi que a improcedência da medida cautelar levaria à

74 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões da Presidência. Suspensão de Segurança. SS 3205 /

AM – Amazonas. Relator: Ellen Gracie. DJ 08 jul. 2007 PP-00023 RDDP n. 53, 2007, p. 175-177.

Disponível em <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28SS$.SCLA.%20E%203205.NU

ME.%29&base=basePresidencia>. Acesso em 27 out. 2010. 75 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Medida Cautelar n. 14.015 - RS (2008/0066255-

3). Relator: Eliana Calmon. Julgado em 17 fev. 2009. Publicado no DJe em 24 mar. 2009 . Disponível

em: <

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=768480&sReg=200800662553&sDat

a=20090324&formato=PDF>. Acesso em 14 out. 2010. 76 <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc>

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perda do objeto a ser julgado em recurso especial pendente, tendo em vista o risco à

vida.

Dentro do rol de consequências processuais pode-se incluir também a questão

de que ao aderir a uma ou a outra tese (responsabilidade solidária versus repartição de

competências), estar-se-á decidindo também a respeito da legitimidade passiva77 e a

consequência prática dessa decisão é a possibilidade de haver exclusão de entes

federados do pólo passivo (da posição de réu) nos processos judiciais. E isso pode ter

influência, inclusive, na competência para o julgamento da matéria nos órgãos do poder

judiciário78. Pode ocorrer, por exemplo, o deslocamento da competência para julgar a

matéria da justiça federal para a estadual se a União for excluída da lide, do processo.

Na apelação cível 7002513889279, o relator decide a princípio favoravelmente à

repartição de competências, mas quanto aos medicamentos não constantes de

nenhuma das listas determinou a realização de mais provas a respeito da gravidade da

doença, da eficácia do tratamento ministrado e da possibilidade de substituição por

medicamentos da rede pública. Esse precedente demonstra uma dimensão importante

da questão da responsabilidade solidária e da repartição de competência: as questões

técnicas podem influenciar de forma decisiva no cabimento ou não dos pleitos. Nesse

77 No REsp 773657/RS Município havia recorrido ao STJ argumentando que não possui legitimidade

passiva (não deveria constar como réu) porque não era competente para a entrega de medicamentos

especiais e excepcionais. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial n. 773657 /

RS (2005/0134491-7). Relator: Francisco Falcão. Julgado em 08 nov. 2005. Publicado no DJ em 19 dez.

2005, p268. Disponível em: <

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=592661&sReg=200501344917&sDat

a=20051219&formato=PDF>. Acesso em 15 out. 2010. 78 Como se ressalta na seguinte decisão: QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Acórdão. Agravo de instrumento 2009.04.00.010742-9/SC. Relator: João Pedro Gebran Neto.

Julgado em 27 out. 2009. Publicado no Diário de Justiça em 19 nov. 2009 . Disponível em: <

http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3095742>. Acesso em 07

jun. 2010. 79 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Apelação Cível

n. 70025138892. Relator: Alexandre Mussoi Moreira. Julgado em 11 mar. 2009. Publicado no Diário de

Justiça em 31 mar. 2009 . Disponível em: <

http://www3.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download/exibe_documento_att.php?ano=2009&codigo=2456

03>. Acesso em 07 jun. 2010.

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sentido, é importante sanar as dúvidas que aparecem no curso dos processos. A

tendência negativa da responsabilidade solidária vista de uma forma irrestrita, é

exatamente a de desviar o olhar para esses importantes detalhes, o de se transformar,

para todos os casos, em fórmula genérica e pronta, de aplicação mecânica,

configurando um grave defeito que reclama um resgate de sentido para a tese referida.

É justamente esse aspecto o foco do próximo capítulo.

3.2.6 Evolução da Jurisprudência

A decisão referente ao RE-AgR 271286/RS80 foi um dos primeiros precedentes

importantes em matéria de direito à saúde. Ele é citado tanto nos trabalhos de pesquisa

sobre saúde81, quanto, reiteradamente, pelas próprias decisões judiciais82. Trata de

pedido referente a tratamento de paciente com HIV/SIDA. Na decisão do Ministro Celso

de Mello um dos principais pontos é a questão da responsabilidade solidária e da

repartição de competência entre os entes da federação, nesse sentido argumenta que a

norma do art. 196 da Constituição Federal possui por destinatários todos os entes

políticos da organização federativa. Nove anos depois o Ministro Gilmar Mendes retoma

80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. RE

271286 AgR / RS - Rio Grande do Sul. Relator: Celso de Mello. DJ 24 nov. 2000 PP-00101.

Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538>. Acesso

em 15 jun. 2010. No mesmo sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões da Presidência.

Recurso Extraordinário. RE 232335 / RS – Rio Grande do Sul. Relator: Celso de Mello. DJ 25 ago.

2000. P - 00099. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE$.SCLA.%20E%20232335.

NUME.%29&base=basePresidencia>. Acesso em 15 jun. 2010. 81 Por exemplo na pesquisa de SCHEFFER, Mário; SALAZAR, Andrea Lazzarini; GROU, Karina Bozola. O

remédio via Justiça. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.Disponível em <

http://www.saberviver.org.br/pdf/remedio_via_justica.pdf >. Acesso 05 out. 2010. 82 Por exemplo, é citada pela recente decisão a seguir: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões da

Presidência. Suspensão de segurança. SS 3751. Relator: Gilmar Mendes. DJe- 077 Divulg. 27 abr. 2009

Public. 28 abr. 2009. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em 14 out. 2010.

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esse precedente e explicita que nela houve o reconhecimento de uma relação jurídica

obrigacional entre o Estado e o indivíduo83.

Esse precedente mostra que não é tecnicamente aleatório o reconhecimento da

responsabilidade solidária e demonstra um exemplo prático de diálogo entre direito

público e privado e também do crescente uso de instrumentos de direito privado nas

relações estabelecidas pela administração pública84. A responsabilidade solidária ou

obrigação solidária implica o reconhecimento de que cada um dos entes é responsável

pela totalidade da prestação de saúde requerida, entretanto, o resultado prático é que

aquele que forneceu a prestação tem o direito de reaver dos demais a sua cota. Tal

fundamento seria mais típico ao direito privado e em nosso ordenamento jurídico possui

embasamento nos artigos 264, 275 e 283 do Código Civil. Esse contexto no remete à

tendência atual de convergência entre direito público e privado, que inclusive se

denomina de publicização do direito privado e de privatização do direito público85.

Anteriormente a essa famosa decisão do Ministro Celso de Mello, que data do

ano de 2000, existe um conjunto de decisões, as quais igualmente tratam de pedido de

medicamentos para o tratamento de portadores de HIV/AIDS e foram decididas nos

anos de 1998 e 1999 pelo STF86. Essas decisões, ao que parece, estão na base que

83 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões da Presidência. Suspensão de segurança. SS 3751.

Relator: Gilmar Mendes. DJe- 077 Divulg. 27 abr. 2009 Public. 28 abr. 2009. Dis ponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em 14 out. 2010. 84 ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo Contrato Administrativo. Coimbra: Almedina. 2003. 85 NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado.

In: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 86 BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Decisão da Presidência. Agravo de Ins trumento. AI 232469 / RS

– Rio Grande do Sul. Relator: Marco Aurélio. Julgamento 12 dez 1998. DJ 23 Fev. 1999. Disponível em

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI$.SCLA.%20E%2023246

9.NUME.%29&base=basePresidencia>. Acesso em 28 Out. 2010. BRASIL.Supremo Tribunal Federal.

Decisão da Presidência. Recurso Extraordinário. RE 236644 / RS - Rio Grande do Sul. Relator:

Maurício Corrêa. Julgamento 05 ago. 1999. DJ Data set. 1999. P-00081. Disponível em <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE$.SCLA.%20E%20236644.

NUME.%29&base=basePresidencia>. Acesso 28 out. 2010. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão

da Presidência. Agravo de Instrumento. A I 238328 / RS – Rio Grande do Sul. Relator: Marco Aurélio.

Julgamento 30 Mar. 1999. DJ 11 maio 1999. PP-00030 RTJ VOL-00200-01 PP-00325. Disponível em <

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formou essa jurisprudência famosa, principalmente com relação ao Recurso

extraordinário número 242.859-3 porque se trata de acórdão e, por isso, reflete mais

claramente a posição do órgão julgador como um todo. De uma forma bem resumida

pode-se dizer, por meio de uma leitura dessas decisões e também da decisão do

Ministro Celso de Mello87, que a tese da responsabilidade solidária dos entes da

federação nasce em um contexto ainda marcado pelo embate entre duas teses básicas.

A primeira a de que as normas constitucionais seriam meramente programáticas e de

que, portanto, deveriam aguardar regulamentação posterior (infraconstitucional), a

segunda a de que as normas constitucionais possuem eficácia imediata. Adotando-se a

primeira tese o estado poderia opor aos cidadãos que buscam o judiciário, como forma

de defesa, a sua própria omissão – portanto tiraria benefício de sua própria torpeza e

poderia manter a omissão como forma de não efetivar direitos. Esse contexto básico é

importante considerar porque pode determinar o motivo pelo qual, ainda hoje,

permanece forte a tese da responsabilidade solidária, vista de uma forma irrestrita. A

questão é que, quando surgiu, era mais problemática a questão da regulamentação e a

constituição poderia efetivamente, com muito maior probabilidade virar uma promessa

inconsequente, usando a expressão famosa da decisão do Ministro Celso de Mello

(embora ainda seja fato que continuemos e continuaremos a correr esse grande risco).

Agora, talvez, a tese da responsabilidade solidária poderia ser matizada, temperada,

conforme o contexto.

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI$.SCLA.%20E%20238328.

NUME.%29&base=basePresidencia>. Acesso em 28 out. 2010. BRASIL. Supremo Tribunal Federal.

Decisão da Presidência. Recurso Extraordinário. RE 247900 / RS – Rio Grande do Sul. Relator: Marco

Aurélio. Julgamento 20 Set. 1999. DJ Data 27 out. 1999. P-00028. Disponível em<

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE$.SCLA.%20E%20247900.

NUME.%29&base=basePresidencia>. Acesso em 28 out. 2010. BRASIL. Supremo Tribunal Federal.

Acórdão. Recurso Extraordinário n. 242.859-3 Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Ilmar Galvão.

Julgamento 29 jun. 1999. DJ 17 jun. 1999. Disponível em <

http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=257184>. Acesso em 28 out. 2010. 87 referente ao agravo regimental no recurso extraordinário número 271286.

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A busca inicial de jurisprudência realizada tendo como base o ano de 2009 levou

a conhecer o debate sobre a tese de que haveria uma responsabilidade linear que

alcançaria a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Por esse motivo foi

realiza uma busca específica no Sítio do Supremo Tribunal Federal88 para verificar se

essa tese tinha algum respaldo na Suprema Corte e sobre como ocorreu a sua origem.

Como resultado do levantamento e rastreamento encontrou-se o recurso extraordinário

número 195.192-389, datado do ano de 2000, esse foi o precedente mais antigo

localizado a respeito dessa posição e, ao que parece marca a sua origem porque se

verificou que é uma decisão citada como precedente90. Entretanto, a concepção de uma

responsabilidade linear não é justificada nessa decisão, conta apenas na ementa com a

referência de que “o Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear

alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. Essa decisão

parece guardar uma lógica cartesiana que não se compatibiliza com a lógica de um

sistema91 que transborda o simples pensamento em linha reta. Quando se lê o trabalho

de Werneck Vianna92 podemos ver um paradoxo bem semelhante, o paradoxo de

perceber uma lógica antiga tentando reger um sistema novo. A Constituição de 1988

traz elementos que reforçam a descentralização e seria resultado das próprias forças

federativas em oposição ao modelo unitário e centralizador do regime militar,

88< http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp> Utilizou-se os termos

“saúde” e “linear” 89 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Recurso Extraordinário número 195.192-3 Rio

Grande do Sul. Relator: Marco Aurélio. Jugado 22 fev. 2000. DJ. 31 mar. 2000. PP-00060. Disponível

em < http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=234359>. Acesso em 28 out.

2010. 90 Por exemplo no AI 817938 / RS - Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento. Relator(a): Min. Ricardo

Lewandowski. Julgamento: 29/09/2010. DJe-194 Divulg14 out. 2010 Public. 15 out. 2010 e RE 277573 /

RJ – Rio de Janeiro. Recurso Extraordinário. Relator(a): Min. Nelson Jobim. Julgamento: 21 set. 2000. DJ

26 out. 2000. P – 00057. 91 Lógica sistêmica: no direito poderíamos traduzir o termo de forma mais apropriada com a expressão

“sistemática”. 92 VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins. Dezessete anos de

judicialização da política. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, v. 19, n. 2. nov. 2007.p. 45.

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entretanto em seu trabalho o autor aponta a retomada de uma tendência

centralizadora, que surge agora de um processo não intencional, surge das demandas

dos movimentos sociais e da sociedade civil e o autor cita como um dos exemplos a

própria criação do Sistema Único de Saúde.

Dessa forma percebe-se que a tese da responsabilidade solidária surge em um

contexto de busca pela realização prática de direitos fundamentais reconhecidos pela

constituição e de aproximação entre o direito público e o direito privado e do

consequênte enfraquecimento da distinção entre um e outro.

Considerações Finais

Os elementos apontados pela pesquisa indicam que o posicionamento que

melhor compatibiliza as necessidades da pessoa humana, que precisa recorrer ao poder

judiciário para obter uma prestação de saúde, e a organização do sistema público de

saúde seria o de determinar que as prestações sejam entregues, a princípio, pelos

órgãos competentes. Entretanto, sempre mantendo um olhar especial para o contexto

processual e fático dos casos levados a julgamento e, sempre que necessário,

solicitando os esclarecimentos técnicos necessários.

Nas situações limite onde seja difícil aferir ou onde haja significativa dúvida

sobre qual esfera seja a responsável e quando exista risco à vida deve-se optar pela

tese da solidariedade, entretanto, direcionando a ordem judicial a um dos entes

federados deixando assinalada a possibilidade de a ordem ser direcionada aos demais

entes que compõe o processo e acerca do direito ao ressarcimento.

O que deveria mudar na jurisprudência atual acerca da posição pró-

responsabilidade solidária é tão somente a sua aplicação mecânica, generalizada que

descura de um olhar às particularidades e possibilidades do caso concreto. A lógica que

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fundamenta essa posição há que permanecer: a efetivação fática dos direitos

fundamentais e o reconhecimento da primazia da pessoa humana.

3.3 A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO CONTEXTO DO ESTADO

SOCIOAMBIENTAL.

3.3.1 Introdução

A concretização do direito fundamental e social à saúde está, também e

especialmente, vinculada à proteção do meio ambiente. O termo “saúde”, atualmente,

é considerado pela grande maioria dos autores na sua mais ampla acepção. Sob essa

perspectiva abrangente, torna-se evidente a íntima relação entre saúde e meio

ambiente, uma vez que o conceito de saúde envolve questões climáticas, geográficas,

entre outras determinantes ambientais, bem como trabalho, alimentação e educação.

Há, não apenas uma ligação estreita entre ambiente e saúde, mas esses

interesses, muitas vezes, também se confundem, na medida em que um é pressuposto

do outro. Assim, é necessário não mais pensar os problemas da saúde e do meio

ambiente de forma isolada, tendo em vista que por si própria, a área da saúde não tem

como satisfazer suas necessidades e atender seus objetivos.

A proteção ambiental é indispensável para a concretização do direito à saúde, na

medida em que, por exemplo, o acesso à água potável, garantido por meio do

saneamento básico, é elemento integrante do conteúdo do direito à saúde. A própria

Constituição brasileira, no art. 225, situa o ambiente equilibrado como “essencial à

sadia qualidade de vida”.

O direito à saúde e ao meio ambiente conseguiram firmar-se, com bases sólidas,

na Constituição Federal de 1988. Esses dois direitos fundamentais abarcam uma dupla

perspectiva – objetiva e subjetiva – e, apesar de não ser pacífico esse entendimento,

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aceitar que o direito ao ambiente e à saúde não podem ser elevados à categoria de

legítimo direito fundamental, implica em reduzir enormemente o seu regime jurídico.

Mais de duas décadas após a promulgação da última e mais democrática

Constituição brasileira, torna-se viável analisar se a consagração do direito-dever

fundamental ao meio ambiente e da nova política de saúde, significou, efetivamente,

uma mudança de paradigma no entendimento do judiciário brasileiro. Passados tantos

anos da constitucionalização do ambiente, é possível verificar se os tribunais

compreendem a dimensão ambiental da Constituição, isto é, se reconhecem que a

proteção ambiental constitui um dos obetivos essenciais do Estado brasileiro, o que

certamente seria fonte de auxílio na concretização do direito à saúde.

3.3.2 No âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF)

A fim de restringir os julgados do Pretório Excelso ao tema objeto da pesquisa,

utilizou-se como critérios as palavras-chave saúde e meio ambiente e o espaço

temporal estipulado (ano de 2009). Do total de 72 decisões coletadas, apenas 11 se

mostraram pertinentes ao propósito do estudo, ao passo que 61 decisões foram

excluídas da análise. Na tentativa de buscar precedentes importantes referentes ao

tema, procedeu-se à leitura dos Informativos elaborados a partir de notas tomadas nas

sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, e à busca de decisões por meio da

ferramenta disponível no site do STF conhecida como “Constituição e o Supremo”.

Dentre as demandas consideradas, conforme o recorte metodológico

estabelecido, percebe-se que 3 demandas versam sobre a proibição do uso de materiais

e equipamentos para construção civil constituídos de amianto. A Resolução do Conselho

Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, n.º 348, promulgada em 16 de agosto de 2004,

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alterou a Resolução n.º 307 de 2002 e incluiu o amianto na classe de resíduos

perigosos e prejudiciais à saúde. O art. 3, IV, da Resolução n.° 307 passa a vigorar,

então, com a seguinte redação:

“Classe “D”: são resíduos perigosos aqueles oriundos do

processo de construção, tais como tintas, solventes, óleos e

outros ou aqueles contaminados ou prejudiciais à saúde oriundos de demolições, reformas e reparos de clínicas radiológicas, instalações industriais e outros, bem como

telhas e demais objetos e materiais que contenham amianto ou outros produtos nocivos à saúde.”93

Contudo, cabe referir à existência de duas espécies de amianto. O primeiro tipo,

conhecido como amianto crisotila ou amianto branco, tem sua comercialização,

industrialização e extração regulado pela Lei Federal n.° 9055/95. Ao passo que a

segunda espécie, chamada de anfibólico ou amianto marrom/azul, é vedada para fins

de produção, industrialização e comercialização. E é exatamente uti lizando-se desta

diferenciação, que a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria ajuíza a

Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.°10994 a fim de requerer a

suspensão da eficácia da Lei Municipal n.° 13113/01. A argüente afirma que a norma

municipal impugnada, ao dispor sobre a proibição do uso do amianto, afronta o

princípio federativo e o princípio da livre iniciativa, uma vez que impõe gravame aos

consumidores da cidade de São Paulo, retirando-lhes os benefícios da concorrência.

Alega o reconhecimento no âmbito internacional, por meio da Convenção 162 da OIT,

da viabilidade técnica e científica do uso do amianto crisotila de maneira a preservar a

saúde dos empregados, bem como cita decisão da Agência de Proteção Ambiental 93Resolução n.° 348/04. Disponível em:

<http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res04/res34804.xml>. Acesso em 14 de nov. 2010. 94BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática. Medida Cautelar em Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental. ADPF 109 MC / SP- São Paulo. Relator: Ricardo

Lewandowski. DJ 14 abril. 2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADPF%28109.NUME.+OU+

109.DMS.%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas >. Acesso em 3 dez. 2010.

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Americana (EPA - Environmental Protection Agency) em que “o amianto não é

classificado como cancerígeno nas normas para água”. Aduz como conseqüência

positiva do uso do material pelas indústrias nacionais, a geração de mais 200 mil

empregos diretos e indiretos. No entanto, de maneira oposta a tese apresentada pela

argüente, o relator do caso indefere o pedido de medida liminar, expondo que diversos

são os estudos científicos que comprovam a periculosidade do amianto à saúde pública.

Quanto à alegação da suposta invasão de competência reservada à União, o relator

concluiu que a Legislação Municipal questionada não é inconstitucional, tendo em vista

ser competência concorrente dos entes federativos, a teor do art. 24, VI e XII, da

Constituição, legislar sobre a proteção à saúde e de defesa do meio ambiente. Neste

tocante, cumpre ressaltar que, diferentemente do exposto no art. 31 da Constituição

Alemã, não há no direito brasileiro o princípio de que o direito federal rompe com o

direito estadual (Bundesrecht bricht Landesrecht), uma vez que, segundo o exposto

pelo relator da questão, a legislação municipal impugnada não deve se subordinar a Lei

Federal n.° 9055/95.

No mesmo sentido se posicionaram membros da Corte na ADI 393795 ao

salientar os graves danos à saúde provocados pelo amianto. Lembraram que o

compromisso assumido pelo Brasil, através da Convenção 162 da OIT, de desenvolver e

implementar medidas para proteger o trabalhador exposto ao amianto, representa uma

norma protetiva de direitos fundamentais, em especial o direito à saúde e o direito ao

meio-ambiente equilibrado. O ministro relator do caso, Marco Aurélio, então, indeferiu a

medida liminar pleiteada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria

para suspender a eficácia da Lei 12.684/2007, do Estado de São Paulo que proíbe o uso

de materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto. Nota-

se que, frente à controvérsia de usurpação de competências, o STF posiciona-se no 95 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconsti tucionalidade.

ADI 3937 MC / SP- São Paulo. Relator: Marco Aurélio. DJ 09 de out. 2008. 04/06/2008. PP- 00059.

Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=553763>. Acesso em

3 dez. 2010.

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sentido de que, em matéria de proteção do meio ambiente e em matéria de defesa da

saúde pública, nada impede que a legislação estadual e a legislação municipal sejam

mais restritivas do que a legislação da União e a legislação do próprio Estado, em se

tratando dos municípios.

No entanto, a relatoria da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.°335696,

referente ao mérito da lide, se posicionou de maneira antagônica aos julgados

anteriormente expostos. A demanda objetivava o afastamento da incidência da Lei

n.°12.589/2004, do Estado do Pernambuco, a qual também proibia a fabricação, o

comércio e o uso de materiais, elementos construtivos e equipamentos constituídos por

amianto ou asbesto, no âmbito daquela unidade federativa. O ministro relator, então,

entendeu que a legislação federal em vigor (Lei n.° 9.055/95), que traça as normas

gerais a esse respeito, nos termos do art. 24, § 1º da CF, não veda a comercialização

nem o uso do referido silicato. Isto é, posicionou-se no sentido de que a legislação

estadual impugnada invade a competência da União para legislar sobre normas gerais

de produção e consumo, meio-ambiente e controle de poluição, proteção e defesa da

saúde, bem como extrapola a competência legislativa suplementar dos Estados-

membros. Ademais, considerou que a lei estadual questionada, ao obstar que os órgãos

públicos estaduais adquirissem materiais derivados do amianto, usurpa a área de

atuação do Chefe do Poder Executivo.

Identificados os principais pontos, pode se asseverar que, embora estes 3

achados tenham como núcleo central a controvérsia sobre a proibição do manejo dos

produtos que contenham amianto, apenas os 2 primeiros fundamentam suas decisões

apontando os indiscutíveis prejuízos e ameaças à saúde advindos da circulação do

produto. Já o 3° caso, baseia sua decisão sob a égide dos critérios de competência

96 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI

3356/PE – Pernambuco. Relator: Eros Grau. DJe 114. Julgado em 17 jun. 2008. Disponível

em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%283356.NUME.+

OU+3356.DMS.%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas >. Acesso em 3 dez. 2010.

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legislativa, sem não utilizar como motivo preponderante para dirimir o conflito, os

fatores pertinentes à saúde pública.

Outra questão examinada pelo STF refere-se97 à proibição da queima da palha

de cana-de-açúcar em razão da violação à ordem e à saúde pública. No processo que

originou a SL 305, discutiu-se a suposta usurpação, pelo Município de Barretos, de

competência atribuída pela Constituição da República, com exclusividade, à União e aos

Estados-membros para legislar sobre a proteção ao meio ambiente, mais

especificamente sobre a queima da palha de cana-de-açúcar. O Município de Barretos

enfatizou que, em virtude da queima da palha da cana-de-açúcar, ocorreu o aumento

do número de atendimentos, nos hospitais públicos, de crianças com problemas

respiratórios. Sustentou, ademais, que as queimadas liberariam uma enorme

quantidade de compostos químicos potencialmente cancerígenos e que provocariam

danos ao meio ambiente, em virtude da liberação de gases poluentes. Por seu turno, o

Tribunal indeferiu o pedido de liminar interposto pela demandante, pois teria

consagrado a tese da competência dos entes municipais para a proibição da queima da

palha da cana-de-açúcar nos seus respectivos territórios. No entanto, o relator

explicitou que conforme o art. 24, inciso VI, da Constituição Federal, a União, os

Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente para legislar sobre a

proteção do meio ambiente. Logo, não teria o Município de Barretos competência para

proibir a queima da cana-de-açúcar em seu território, caso em que a lei municipal

impugnada na ação de origem, ao proibir totalmente as queimadas, contraria o disposto

na legislação estadual.

Não obstante os esforços do Município de Barretos em proibir a queima da palha

e, assim, tutelar a qualidade ambiental, é possível perceber que, na decisão

97 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão de Presidência. Suspensão de Liminar. SL 305/SP -SÃO

PA ULO. Relator: Gilmar Mendes. DJe 146. Julgado em 27 jul. 2009. Disponível em:<

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28SL%28305.NUME.+OU+305.

DMS.%29%28%40JULG+%3E%3D+20090101%29%28%40JULG+%3C%3D+20091231%29%29+E+S.

PRES.&base=basePresidencia>. Acesso em 03 dez. 2010.

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supracitada, os ditames de competência legislativa, eivados de constitucionalidade,

preponderaram para o desfecho da decisão. Cumpre ressaltar que, o Código Florestal

proíbe expressamente a queima de palha de cana-de-açúcar e demais formas de

vegetação. Conforme a lei e entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a queima só

é possível quando autorizada previamente pelos órgãos ambientais competentes. Isto

porque, as queimadas são incompatíveis com os objetivos de proteção do meio

ambiente e da saúde pública, estabelecidos na Constituição Federal.

Em se tratando da incolumidade do meio ambiente, sob a perspectiva ampla do

seu conceito, o STF apreciou caso 98 envolvendo o meio ambiente laboral. Como se

sabe, o meio ambiente do trabalho busca promover melhorias nos aspectos ambientais

e de saúde e foi neste sentido que a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande

do Sul - FIERGS ajuizou ação visando à declaração de inconstitucionalidade de

dispositivos sobre o direito à saúde, da Lei Complementar Municipal n.° 395/1996 que

disciplina ações de inspeção, segurança e medicina do trabalho. A questão central

reside em saber se, após o advento da Constituição Federal de 1988, as ações em

saúde do trabalhador e a respectiva vigilância nos ambientes de trabalho inserem-se no

conceito de inspeção do trabalho. A princípio, uma vez fixado o caráter trabalhista

destas ações, incidiria a regra prevista no inciso XXIV do art. 21 da CF/88, cuja

competência é privativa da União. No entanto, a Lei n.° 8.080/90 ao inserir o ambiente

de trabalho dentre aqueles cuja proteção se encontra a cargo também do Sistema

Único de Saúde, não desnaturou a competência da União, pois o legislador apenas

atribuiu ao SUS a atividade de colaboração, dentro, evidentemente, da órbita de sua

atuação, na proteção do ambiente de trabalho, dentre diversos outros. Por seu turno, a

FIERGS alega que a vedação, proferida no acórdão objeto de revisão neste Recurso

Extraordinário, da competência ao SUS para inspecionar os ambientes e processos de 98 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática. Recurso Extraordinário. RE 447480/RS –

Rio Grande do Sul. Relator: Cármen Lúcia. DJe 235. Julgado em 25 nov. 2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28447480.NUME.+OU+4

47480.DMS.%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em 03 dez. 2010.

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trabalho, contrariam as prioridades estabelecidas na Carta Magna. Após citar alguns

julgados proferidos na Corte a respeito da controvérsia questionada, o ministro relator

indefere o recurso e conclui expondo que “quanto à inspeção do trabalho, não há

dúvida de que tal atribuição não assiste ao Estado, mesmo sendo este participante do

Sistema Único de Saúde – SUS, pois o art. 200, inciso VIII, expõe claramente sua

condição de colaborador para a proteção do meio ambiente de trabalho, sendo a

regulamentação, a fiscalização e o controle das ações e serviços de saúde, reservados à

Lei, conforme preceitua o art. 197, da Constituição Federal. Cabe ressaltar que a Lei

8.080/90, que regula o art. 197, da Carta Federal, não confere competência aos

Estados para legislar sobre a proteção da saúde do trabalhador ou disciplinar a

inspeção do trabalho.”

No que tange à proteção dos recursos hídricos, o RE 59672399 trata de questões

referentes à vigilância sanitária e à saúde pública. Tendo em vista que a água é um

bem público de livre apropriação, porém finito, a Política Nacional de Recursos Hídricos

foi instituída a fim de conter sua degradação da qualidade e sua diminuição da

quantidade. Amparados sob este liame, os recorrentes, Município de Erechim e o

Ministério Público Estadual, alegaram violação do disposto nos artigos 23, II, VI e XI, e

225, caput, CF, no julgado do Tribunal de Justiça. Sustentaram a competência

administrativa do Município para exercer o poder de polícia em matéria ambiental, uma

vez que a Lei Maior não limitou o poder de polícia municipal às questões de saúde

pública. O relator se posicionou no mesmo sentido da tese apresentada pelo Parquet

estadual ao afirmar que a fiscalização do município inclui também aspectos ambientais.

Isto porque a fiscalização do município, dessa forma, não ficaria restrita a questões

concernentes à saúde pública, estendendo-se para todas as vicissitudes inerentes ao

meio ambiente, na medida em que este conceito abrange os recursos hídricos. Nesse 99 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática. Recurso Extraordinário. RE 596723/RS -

Rio Grande do Sul. Relator: Eros Grau. DJe 228. Julgado em 17 nov. 2009. Disponível

em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28596723+.NUME.+

OU+596723+.DMS.%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas >. Acesso em 03 dez. 2010.

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diapasão, a atuação municipal envolverá aspectos ambientais, a exemplo da destinação

dos resíduos líquidos, da verificação da possibilidade de contaminação de todo lençol

freático, do impacto da exploração da água subterrânea nos demais recursos

ambientais, especialmente na vegetação em seu entorno e nos recursos minerais.

Relativamente ao saneamento básico, no tocante a rede de esgotos, 2 achados

reportam-se à violação de conduta imposta à Companhia de Saneamento Básico do

Estado de São Paulo consistente na realização de obras para conter a poluição em face

de lançamento, sem prévio tratamento, de esgotos.

No processo que originou o RE 310038100, foi proposta Ação Civil Pública para

que a ora recorrente, SABESP, executasse obra destinada ao tratamento dos efluentes

advindos de esgotos domésticos. Foi excluída a determinação quanto ao tipo de

tecnologia a ser utilizada pela Companhia, em vista da existência de discricionariedade

neste ponto. Por sua vez, a Companhia, ao interpor o Recurso Extraordinário alegou

violação ao art. 2º da Magna Carta de 1988. O Recurso Extraordinário não foi

reconhecido em virtude de não restar constatada ofensa ao princípio da separação dos

poderes. Isso porque uma das funções conferidas pela Carta Política ao Poder Judiciário

é, justamente, a de controlar os excessos cometidos pela Administração Pública – o que

ocorreu in casu. Assim, o STF posicionou-se no sentido de que Tribunal não extrapolou

sua competência. De fato, o acórdão recorrido considerou o ato omissivo da SABESP

ilegal e abusivo, vez que em afronta às normas de proteção ao meio ambiente e à

saúde pública. Por fim, restou demonstrada a poluição causada pela recorrente ao rio

Guariba, devido ao lançamento, sem prévio tratamento, de esgotos, causando prejuízos

ao equilíbrio ecológico e ao abastecimento de água da população local.

100 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática. Recurso Extraordinário. RE 310038/SP –

São Paulo. Relator: Carlos Britto. DJe 021. Julgado em 07 dez. 2009. Disponível

em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28310038.NUME.+O

U+310038.DMS.%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas >. Acesso em 03 dez. 2010.

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No segundo achado, a SABESP interpôs o RE 576425101 com fundamento na

violação ao caput e aos incisos II, LIV e LV do art. 5º; ao art. 196 bem como ao art.

225 da Magna Carta. No caso concreto, o acórdão decidiu pela imposição de multa à

SABESP pelo funcionamento irregular de emissário de esgoto e obtenção de licença

como esfera autônoma da CETESB. No entanto, por remeter a questões processuais, foi

negado seguimento ao presente RE por se fazer necessário o reexame do conjunto

fático-probatório dos autos, providência vedada pela Súmula 279 do STF.

Ademais, no universo das decisões selecionadas, encontraram-se dois processos

cujas demandas procuravam conjugar os interesses econômicos de maneira

proporcional e equilibrada com a proteção do ambiente e da saúde:

O AI 762885102 versa especificamente sobre o embargo à movimentação e ao

embarque de soja geneticamente modificada em razão de motivos hierárquicos e

administrativos do Porto de Paranaguá e Antonina. A Administração dos Portos

argumenta que “é constitucionalmente previsto que toda e qualquer ação ou decisão,

seja pública ou privada, deve sempre verificar o impacto negativo sobre o meio”.

Afirma, também, que “a ordem econômica deve observar os princípios de defesa do

meio ambiente, ou seja, nenhuma atividade econômica pode sobrepor-se ao equilíbrio

ambiental; naquele, o direito social à saúde garante à população alimentos saudáveis,

livres de qualquer poluição, seja química ou genética.” Do exposto, o STF posicionou-se

pelo não seguimento do agravo, pois a pretensa afronta ao art. 225 da Constituição da

República não foi objeto de debate e decisão prévios pelo tribunal de origem. A decisão

101 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática. Recurso Extraordinário. RE 576425/SP -

SÃO PA ULO. Relator: Carlos Britto. DJe 195. Julgado em 30 set. 2009. Disponível

em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28576425.NUME.+O

U+576425.DMS.%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas >. Acesso em 03 dez. 2010. 102 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática. Agravo de Instrumento. A I 762885/PR –

Paraná. Relator: Cármen Lúcia. DJe 125. Julgado em 03 agos. 2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28762885.NUME.+OU+7

62885.DMS.%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas >. Acesso em 03 dez. 2010.

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baseou-se apenas nessas normas, sem que houvesse a análise do caso concreto com

fundamento nos princípios de proteção ao meio ambiente.

Outro julgado103 que visa, primariamente, garantir a saúde primária da sociedade

bem como evitar a poluição ambiental, fundamenta-se na necessidade de implantação

de rede de esgoto no Município de Chapecó. No caso concreto, o acórdão impugnado

concluiu não ser atribuição do Poder Judiciário a imposição de realização de obras ao

Município, ainda que reconhecidamente importantes à preservação do meio ambiente.

Isto porque entendeu que o disposto nos artigos 196 e 225 da CF são normas

puramente programáticas (dizem respeito a diretrizes futuras a serem implementadas

pelo Poder Público), não podendo o Judiciário estabelecer as prioridades das políticas

de governo. Entretanto, o MP alega que os referidos dispositivos constitucionais

encerram, na verdade, comandos que se dirigem ao Poder Público, compelindo-o à

efetivação das políticas públicas ali encartadas, para as quais o legislador constituinte

dirigiu ênfase especial. Entretanto, o STF determinou que, face à necessidade de

garantia de um padrão mínimo de efetivação dos direitos fundamentais, sem que haja

violação ao princípio da separação dos poderes, deve o Poder Judiciário assegurar a

implantação de rede de esgoto municipal, de modo a evitar a poluição ambiental e a

garantir a saúde primária da comunidade. Desta forma, esta decisão paradigmática

reconhece que a elaboração de políticas socioeconômicas que visam à concretização do

direito constitucional à saúde, invariavelmente significa escolhas distributivas que são

típicas opções políticas e, ao mesmo tempo, estabelece a competência do Judiciário de

agir em tais casos, não como um substituto do legislador democrático, mas em seu

papel constitucional, como um executor de políticas públicas e promulgadas pelo

Legislativo e Executivo.

103 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática. Recurso Extraordinário. RE 406192/SC –

Santa Catarina. Relator: Ellen Gracie. DJe 022. Julgado em 22 dez. 2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28406192.NUME.+OU+4

06192.DMS.%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas >. Acesso em 03 dez. 2010.

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Emblemático é o julgado submetido a exame do STF referente à importação e

exportação de pneumáticos. A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

n.°101104, ajuizada pelo Presidente da República, pretendeu discutir se decisões

judiciais que autorizam a importação de pneus usados ofendem os direitos

fundamentais à saúde e ao ambiente. Em 11/03/2009, a Ministra relatora ao iniciar o

exame de mérito, salientou que, na espécie em causa, se poria, de um lado, a proteção

aos preceitos fundamentais relativos ao direito à saúde e ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, cujo descumprimento estaria a ocorrer por decisões

judiciais conflitantes; e, de outro, o desenvolvimento econômico sustentável, no qual se

abrigaria, na compreensão de alguns, a importação de pneus usados para o seu

aproveitamento como matéria-prima, utilizada por várias empresas que gerariam

empregos diretos e indiretos. Na sequência, a Min. Cármen Lúcia deixa consignado

histórico sobre a utilização do pneu e estudos sobre os procedimentos de sua

reciclagem, que demonstraram as graves consequências geradas por estes na saúde

das populações e nas condições ambientais, em absoluto desatendimento às diretrizes

constitucionais que se voltam exatamente ao contrário, ou seja, ao direito à saúde e ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado. Asseverou que, se há mais benefícios

financeiros no aproveitamento de resíduos na produção do asfalto borracha ou na

indústria cimenteira, haveria de se ter em conta que o preço industrial a menor não

poderia se converter em preço social a maior, a ser pago com a saúde das pessoas e

com a contaminação do meio ambiente. Fez ampla consideração sobre o direito ao

meio ambiente – salientando a observância do princípio da precaução pelas medidas

impostas nas normas brasileiras apontadas como descumpridas pelas decisões ora

impugnadas –, e o direito à saúde. A relatora, levando em consideração a dificuldade

104 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

ADPF 101/DF - DISTRITO FEDERA L. Relator: Cármen Lúcia. DJe 142. Julgado em 25 jun. 2008.

Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADPF%28101.NUME.+OU+1

01.DMS.%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em 14 jun. 2010.

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na decomposição dos elementos que compõem o pneu e de seu armazenamento, os

problemas que advém com sua incineração, o alto índice de propagação de doenças,

como a dengue, decorrente do acúmulo de pneus descartados ou armazenados a céu

aberto, o aumento do passivo ambiental – principalmente em face do fato de que os

pneus usados importados têm taxa de aproveitamento para fins de recauchutagem de

apenas 40%, constituindo o resto matéria inservível, ou seja, lixo ambiental –,

considerou demonstrado o risco da segurança interna, compreendida não somente nas

agressões ao meio ambiente que podem ocorrer, mas também à saúde pública, e

inviável, por conseguinte, a importação de pneus usados. Concluiu que, apesar da

complexidade dos interesses e dos direitos envolvidos, a ponderação dos princípios

constitucionais revelaria que as decisões que autorizaram a importação de pneus

usados ou remoldados teriam afrontado os preceitos constitucionais da saúde e do meio

ambiente ecologicamente equilibrado e, especificamente, os princípios que se

expressam nos arts. 170, I e VI, e seu parágrafo único, 196 e 225, todos da CF. Em

24/06/2009, conforme consta no Informativo n.° 552, o Tribunal, por maioria, julgou

parcialmente procedente pedido formulado na ADPF e declarou inconstitucionais, com

efeitos ex tunc, as interpretações, incluídas as judicialmente acolhidas, que permitiram

ou permitem a importação de pneus usados de qualquer espécie, aí insertos os

remoldados. Ficaram ressalvados os provimentos judiciais transitados em julgado, com

teor já executado e objeto completamente exaurido. Entendeu-se, em síntese, que,

apesar da complexidade dos interesses e dos direitos envolvidos, a ponderação dos

princípios constitucionais revelaria que as decisões que autorizaram a importação de

pneus usados ou remoldados teriam afrontado os preceitos constitucionais da saúde e

do meio ambiente ecologicamente equilibrado e, especificamente, os princípios que se

expressam nos artigos 170, I e VI, e seu parágrafo único, 196 e 225, todos da CF. O

ministro Marco Aurélio foi o único ministro a reprovar a admissibilidade da ação no

Supremo. Ele lembrou que a Lei 9.882/99 não admite a ADPF quando houver outro

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meio de sanar a lesividade praticada pelo poder público. Segundo ele, existem outros

meios para impugar as decisões que permitem a importação de pneus usados, não

sendo o caso de ADPF.

Outra decisão cujo objeto do pedido versa sobre a importação de carcaças dos

pneus usados é a Suspensão de Tutela Antecipada n.°171105. A decisão impugnada

afastou a proibição imposta no art. 40 pela Portaria SECEX assegurando a importação

de pneumáticos em favor da agravante. Esta, por seu turno, aduz que a importação de

pneus usados, diante do teor do Art. 12-A da Portaria n.°301/12 do CONAMA, não

representa qualquer dano ambiental. Alega que a empresa participa de diversos

projetos sociais a fim de compensar a agressão ambiental. Ademais, a atividade

desenvolvida pela indústria de reforma de pneus é ambientalmente sustentável, diminui

o passivo ambiental do país, pois está em conformidade com os critérios estabelecidos

pelas Portarias CONAMA n. 258/99 e 301/02 ao comprovar a destinação

ambientalmente adequada de cinco pneus usados inservíveis para cada quatro pneus

usados importados. Por seu turno, a ministra, ao deferir a medida cautelar, entendeu

haver grave lesão à ordem pública, tendo em conta a proibição geral de importação de

bens de consumo ou matéria-prima usada, bem como a ocorrência de grave lesão ao

manifesto inafastável interesse público decorrente da efetiva possibilidade, no caso, de

danos irreparáveis ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à saúde. Ademais,

destacou que o debate que se desenvolve na origem transpõe os interesses

circunscritos à atividade de determinado setor da economia adquirindo dimensão maior

diante do problema global de gestão e tratamento dos pneumáticos usados

(classificados em termos ambientais como resíduos sólidos), com manifesto e

inafastável interesse público decorrente da efetiva possibilidade, no caso, de danos

irreparáveis à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225). Tudo 105 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Ag.Reg. na Suspensão de Tutela Antecipada. STA 171

AgR/PR – Paraná. Relator: Ellen Gracie. DJe 036. Julgado em 12 dez. 2007. Disponível

em:<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=512005>. Acesso em 30 jul.

2010.

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porque o exercício da atividade empresarial, tendo o lucro como sua finalidade legítima

e amparado pelo ordenamento jurídico, deve ser compatível com os demais princípios

constitucionais, notadamente com os fundamentos inscritos no art. 170, com especial

ênfase para a proteção à saúde e ao meio ambiente. Levanta o dado de que, apenas no

ano de 2005, a importação de pneus usados representou uma transferência

desnecessária para o território brasileiro de mais de 3 milhões (ou aproximadamente 15

toneladas) de pneumáticos inservíveis provenientes, em sua quase totalidade, da

Comunidade Européia. A indústria fabrica por ano cerca de 50 milhões de pneus, pneus

que são utilizados e que se transformam em carcaças não passíveis de aproveitamento

ante a situação das estradas brasileiras. Os pneus são praticamente destruídos. Daí

importarem-se carcaças para, em cima delas, haver a recauchutagem e a posterior

colocação desses pneus no mercado, para utilização. Contrapondo-se, os favoráveis à

importação, alegam não existir lei proibindo essa espécie de comercialização, apenas

simples portaria que não pode fazer às vezes de lei no sentido formal e material.

Ademais, o número de pneus descartados sempre aumenta. Se pararem a importação,

a produção nacional de pneus será maior. O fato é que o pneu usado na produção

nacional passa por dois ciclos de transformação e o pneu importado só passa por mais

um. Por fim, não houve unanimidade no julgamento. A ministra relatora negou

provimento, sendo acompanhada pelo ministro Carlos Britto. O ministro Lewandowski

deu provimento ao agravo, vencidos também, Eros Grau, Marco Aurélio.

Por último, mas não menos relevante, está o julgado sobre a agressão aos

preceitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente decorrente dos resíduos sólidos.

Tanto que em 2010, foi promulgada a Lei 12.305, que alterou a Lei 9.605 de 1998 e

institui a Política Nacional dos Resíduos Sólidos. No caso concreto, o Agravo de

Instrumento106 foi interposto contra decisão que não admitiu Recurso Extraordinário. No

106 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática. Agravo de Instrumento. A I 778591/SP –

São Paulo. Relator: Cármen Lúcia. DJe 023. Julgado em 16 dez. 2009. Disponível

em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28Agravo+de+Instrument

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acórdão impugnado, objeto de intenção revisional em sede de RE, o apelado insurgiu-

se contra os efeitos da Resolução SMA 33/2005, que foi revogada pela Lei Estadual

12.300, de 2006. Esta lei, por sua vez, instituiu a Política Estadual de Resíduos Sólidos

em São Paulo, editada para regulamentar os cuidados ambientais e de saúde pública

referentes a materiais e dejetos resultantes de saúde. Apesar da demanda fazer

referência a legislações pertinentes ao universo do presente estudo, a resolução da

demanda se resumiu à análise de questões processuais, uma vez que a Resolução

atacada perdeu vigência no ordenamento jurídico.

3.3.3 No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Das decisões selecionadas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que

relacionam saúde e meio ambiente, destaca-se o Resp 1094873107, que trata sobre a

queima da cana-de-açúcar. Primeiramente foi ajuizada uma ação civil pública pelo

Ministério Público do Estado de São Paulo com o objetivo de proibir a prática da queima

da cana-de-açúcar em razão dos inúmeros prejuízos decorrentes dessa atividade tanto

para a saúde dos trabalhadores quanto para o meio ambiente. Dessa forma, o

Ministério Público, além de pleitear a abstenção de tal prática, ainda requer a

condenação dos infratores mediante indenização. Os destinatários da ação, já em via

recursal, alegaram que o art. 27, parágrafo único, do Código Florestal expressamente

menciona a possibilidade de se obter permissão do Poder Público para a prática de

queimadas em atividades agropastoris se as peculiaridades regionais assim indicarem,

e que existe divergêngia jurisprudencial entre julgados do STJ acerca do assunto. A

o%28778591+.NUME.+OU+778591+.DMS.%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso

em 30 jul. 2010. 107 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão Monocrática. Recurso Especial n. 1.094.873 - SP

(2008/0215494-3). Relator: Humberto Martins. Julgado em 28 out. 2008. Publicado no DJ em 23 abr.

2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&

processo=1094873&b=DTXT#DOC4>. Acesso em 8 dez. 2010.

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discussão principal em sede recursal se deu em torno do alcance do art. 27, parágrafo

único do Código Florestal, isto é, se as plantações de cana de açúcar se incluem “nas

demais formas de vegetação” de que trata o referido artigo. A Segunta Turma do STJ,

no REsp 439456/SP108 e no REsp 161433/SP109 considera que a disposição do art. 27 da

Lei n. 4.771/85 proíbe o uso de fogo em todas as espécies, independentemente de

serem culturas permanentes ou renováveis.

No entanto, nem todas as decisões são no mesmo sentido desse. A Primeira

Turma do STJ, no REsp 294.925/SP110, v.g., além de ter priorizado o interesse

enconômico em detrimento da proteção ambiental e da proteção da saúde do

trabalhador, firmou posicionamento no sentido de que o artigo 27, parágrafo único do

Código Florestal proíbe apenas a queimada de florestas e vegetação nativa e não da

palha da cana. Embora esse julgado seja dissonante em relação a interpretação do art.

27 da Lei n. 4.771/85, em nenhum momento afirmou ser possível a queimada da palha

de cana desprovida de licença ambiental, situação que comprovaria a discordância

jurisprudencial.

Contudo, apesar da existência de alguns julgados díspares, a interpretação

majoritária quanto ao alcance do art. 27 da Lei 4.771/85 inclui as culturas agrícolas no

âmbito de proibição da utilização de fogo, de modo que a permissão dessa prática

necessariamente deve passar pelo crivo do Poder Público, ou seja, depende de prévia

autorização. A possível permissão concedida pela Administração, porém, se restringe à

108 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial n. 578878 SP (2003/0153766-6).

Relator: João Otávio de Noronha. Julgado em 03ago 2006. Publicado no DJ em 26 mar. 2007. p.217.

Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo

_visualizacao=null&processo=439456&b=ACOR>. Acesso em 8 dez. 2010. 109 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial n. 161433/SP (1997/0093885-9).

Relator: Ari Pargendler. Julgado em 27 out 1998. Publicado no DJ em 14 dez 1998. p.210. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=

null&processo=161433&b=ACOR>. Acesso em 8 dez. 2010. 110 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial n. 294925 / SP (2000/0138211-0).

Relator: Milton Luiz Pereira. Julgado em 03 out 2002. Publicado no DJ em 28 out 2003. p. 190. Disponível

em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc

.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=294925&b=ACOR >. Acesso em 8 dez. 2010.

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prática de “queima controlada”, regulamentada pelo Decreto n. 2.661/98, e só será

dada se for indispensável para atender as peculiaridades regionais.

Por esses motivos, considerando que as queimadas das palhas de cana-de-

açúcar foram realizadas sem prévia licença ambiental, ou seja, ilicitamente, foi dado

parcial provimento ao Resp 1094873, afastando a condenação ao pagamento da

indenização e mantendo a obrigação de não fazer consubstanciada na abstenção da

utilização de fogo para a realização de quaiquer atividades, sob pena da multa diária

estabelecida na sentença.

Em relação à suspensão de obras potencialmente poluidoras, merece registro a

SLS 1140111, na qual se discute acerca dos possíveis danos ambientais decorrentes

emissão de efluentes líquidos da Estação de Tratamento de Esgoto na Lagoa dos

Barros, situada nos Municípios de Santo Antônio da Patrulha/RS e Osório/RS. Em ação

civil pública, o Ministério Público Estadual, liminarmente, pediu a suspensão das obras

referentes à Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Osório para evitar o futuro

dano ambiental. A liminar foi deferida em 1 grau e parcialmente revogada pelo

Presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na medida em que este

permitiu a continuação das obras, sem, contudo, suspender a decisão de primeira

instância que impediu o início do lançamento dos efluentes na Lagoa dos Barros. A

Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler – FEPAM, vinculada à

Secretaria Estadual do Meio Ambiente, a Companhia Riograndense de Saneamento –

CORSAN, sociedade de economia mista, e o Município de Osório – RS ingressam com a

SLS 1140 justamente porque pretendem modificar o ponto da liminar que impede o

início do lançamento dos efluentes na Lagoa dos Barros, tendo em vista os benefícios

que o empreendimento é capaz de trazer à saúde pública.

111 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão Monocrática. SUSPENSÃO DE LIMINA R E DE

SENTENÇA nº 1.140 - RS (2009/0205534-3). Relator: Cesar Asfor Rocha. Julgado em 21 out 2009.

Publicado no DJ em 26 out 2009. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=001140&b=DTXT>.

Acesso em 8 dez. 2010.

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O tratamento de esgoto sanitário é extremamente importante para a

sociedade, principalmente em relação à prevenção de doenças e à diminuição da taxa

de mortalidade infantil. Por isso, a instalação da Estação de Tratamento de Esgoto

(ETE) de Osório significa um grande avanço para população e também para o

ambiente, uma vez que vai minimizar o grave problema do lançamento in naturade

esgotos domésticos nos corpos hídricos sem tratamento.

Evidentemente a substituição de esgoto in natura por efluentes de esgoto

tratado causa menos dano ambiental, além disso, o tratamento de esgoto colabora para

reduzir doenças e mortes ligadas diretamente à ausência de saneamento básico. Por

todas essas razões, na SLS 1140, restou deferido o pedido o pedido para suspender, na

parte que impede o lançamento dos efluentes na Lagoa dos Barros, a liminar concedida

em primeiro grau.

Percebe-se que nessa decisão, ao enteder que a emissão de efluentes na

Lagoa dos Barros decorrente do sistema de tratamento de esgoto benefica tanto a

saúde pública quanto o meio ambiente, na medida em que o despejo de esgoto in

natura na Lagoa representa ainda mais prejuízos ambientais do que a emissão dos

efluentes tratados, o julgador foi bastante razoável e conseguiu conciliar a realização da

saúde pública com a proteção ambiental, sem radicalismos.

Outro caso em que se discute acerca da suspensão de obras de implantação de

estação de tratamento de esgoto encontra-se no Agravo Regimental na Suspensão de

Liminar e de Sentença n. 928112, no qual a empresa Águas Minerais Santa Clara S/A,

detentora da concessão de exploração de jazida de água mineral subjacente ao terreno

desapropriado para a construção do sistema de esgoto, requer a paralisação do feito,

em virtude de ser área de Reserva Ecológica onde há lençol subterrâneo de água

112 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar e

de Sentença n. 928 (2008/0165510-3). Relator: Cesar Asfor Rocha. Julgado em 28 mai 2009. Publicado

no DJ em 10 ago 2009. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=928&b=ACOR>.

Acesso em 8 dez. 2010.

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mineral. Em contrapartida, a realização da obra tem como objetivo recuperar a bacia do

Rio Beberibe, em Pernambuco, tendo em vista que atualmente os esgotos domésticos

poluem diretamente o solo da área, provocando infiltrações, erosões, e, inclusive

aumentando o nível de poluição das águas, o que, consequentemente, traz riscos à

saúde pública, v.g., a ocorrência de doenças como cólera, febre, hepatite e diarréia.

Assim, comprovado nos autos que os devidos cuidados em relação ao meio

ambiente estão sendo tomados mediante a intervenção de órgãos técnicos competentes

e que a suspensão da obra de construção da estação de esgoto tem potencial lesivo à

saúde da população e ao próprio meio ambiente, o relator decidiu pela manutenção da

obra. Nesse julgado, bem como no anterior, ficou claro que a defesa do ambiente

conjugada com a proteção da saúde da população é o melhor caminho a ser seguido,

uma vez que saúde e ambiente caminham juntos e, preferencialmente, na mesma

direção.

Também encontraram-se julgados no STJ a respeito da contaminação do ar,

como é o caso do Resp 1060753113, no qual a Rodrimar S/A Transportes Equipamentos

Industriais e Armazéns Gerais, empresa que, em tese, teria contaminado o ar com

carbonato de cálcio, objetiva modificar a decisão que indeferiu a prova pericial para

verificar se a substância é realmente poluente. O recurso foi provido, tendo em vista

que o suposto poluidor é quem deseja fazer prova de que não infringiu a lei ambiental.

Apesar da questão ter sido solucionada de modo suscinto e sem maiores discussões, é

importante ressaltar que no voto, a ministra relatora se posicionou firmemente no

sentido de proteger o ambiente, salientando a importância do princípio da precaução

em matéria ambiental, o qual preceitua que, em situação de incerteza científica no que

diz respeito ao prejuízo ambiental de determinada atividade, o meio ambiente possui o

benefício da dúvida. 113 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial n. 1060753 - SP (2008/0113082-

6). Relator: Eliana Calmon. Julgado em 01 dez 2009. Publicado no DJ em 14 dez 2009. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1060753&b=ACOR>

. Acesso em 8 dez. 2010.

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3.3.4 No âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4)

Tendo como marco temporal o período estipulado nos demais Tribunais judiciais

e utilizando como critério de pesquisa as palavras “saúde” e “meio ambiente”,

destacaram-se as seguintes decisões que serão sinteticamente analisadas.

Percebe-se que o Tribunal Regional Federal da 4° Região atua positivamente no

sentido de tutelar um ambiente saudável e propício para o desenvolvimento das

relações sociais. Tanto é assim, que a decisão 114 prolatada pela 4° Turma enfatiza que

“incumbe aos poderes públicos o dever fundamental solidário de atuar de maneira

eficiente na implementação de políticas públicas para garantir a higidez ambiental e a

saúde da população.” A demanda em destaque objetivava a implantação de sistema de

tratamento de esgoto adequado em toda região por parte do Município e da Companhia

de Fornecimento de Água a fim de fornecer condições ambientalmente saudáveis à

coletividade. Ademais, no desenvolver do voto, a relatora destaca o dever fundamental

que incumbe aos órgãos públicos, bem como à sociedade de preservar o meio

ambiente. Explicita que o direito fundamental à saúde foi objeto de especial atenção do

legislador constituinte sendo um dos principais direitos fundamentais prestacionais, o

qual impõe a todos os entes federativos, como dever solidário, a adoção de políticas

públicas eficazes para o alcance da Justiça Social e do bem estar de todos. Ainda,

afirma que a questão da legitimidade da decisão em matéria de implementação de

políticas públicas ambientais e de saúde pública reside na “compreensão e na

justificação adequada da norma contexto, ou seja, da norma fundamental construída

para o caso concreto de acordo com o contexto fático da demanda, da riqueza de

dados do caso concreto, da realidade atualizada dos programas estatais e do status de

desenvolvimento econômico e social dos entes federativos envolvidos diretamente. ” Do 114 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Apelação Cível nº

2004.72.00.017675-8/SC. Relator: Marga Inge Barth Tessler. Julgado em 26 agos. 2009. Publicado

no Diário de Justiça em 09 set. 2009. Disponível em: <

http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=2959171&termosPesquisa

dos=saude|meio|ambiente>. Acesso em 28 de Nov. 2010.

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exposto, a relatora posiciona-se pela necessidade das obras sistema de tratamento de

esgoto adequado pelos demandados, que se comprometeram a implantar o sistema de

esgoto na região.

Outro achado a respeito da implantação de rede de esgotos, e cuja decisão foi

embasada segundo os mesmo fundamentos é a Apelação n.° 2006.71.00.036348-6115.

Em síntese, a apelação foi interposta contra decisão proferida em ação civil pública a

qual objetivava assegurar o adequado saneamento das praias de Torres, Capão da

Canoa e Imbé, cuja implementação decorre da conjunção de esforços dos municípios,

da União e da FUNASA. Isto porque a União e a FUNASA têm o dever de

implementarem políticas públicas em saneamento ambiental, de forma integrada com

os Municípios, consoante o disposto na Constituição Federal. A FUNASA, por sua vez,

contestou alegando que não haveria comprovação nos autos de que o estado da

qualidade da água das praias de Torres, Capão da Canoa e Imbé, apesar da

precariedade do sistema de esgotamento sanitário, estivessem comprometendo a

balneabilidade das águas desses municípios de forma a afetar a saúde dos cidadãos

que as utilizam. De outra banda, a União alegou falta de interesse jurídico e invocou

postulados sobre a natureza política da distribuição das verbas federais para ações em

saneamento e da limitação de recursos (reserva do possível). Desta forma, a Turma

opinou pelo indeferimento do recurso, uma vez que a causa para a falta ou insuficiência

de tratamento de esgoto nos municípios seria a necessidade de maiores recursos

financeiros, deveres que competem também à União e à FUNASA, as quais devem atuar

de forma integrada com os municípios em se tratando de ações de saneamento básico

a fim de evitar graves danos ambientais e à saúde da população.

115 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Apelação/Reexame

Necessário nº 2006.71.00.036348-6/RS. Relator: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Julgado

em 17 nov. 2009. Publicado no Diário de Justiça em 26 set. 2009. Disponível em: <

http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=2856184&termosPesquisa

dos=20067100036348-6|2006.71.00.036348-6>. Acesso em 29 nov. 2010.

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Já o Agravo de Instrumento n.° 2009.04.00.032605-0116 tem como objeto a

construção de estação de tratamento de esgoto, em virtude de estar situada perto da

Reserva Extrativista. Ocorre que foi deferida tutela antecipada, suspendendo o auto de

infração em decorrência da realização de obra de saneamento básico na zona de

amortecimento de Reserva Extrativista, sem prévia autorização do seu órgão gestor.

Pontuou com acertou a relatora da demanda ao expor que de um lado, figura a

necessária proteção das unidades de conservação, inclusive daquelas definidas como de

uso sustentável, dentre as quais está a presente reserva extrativista - definida como

“área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no

extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de

animais de pequeno porte”, voltada a “proteger os meios de vida e a cultura dessas

populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade”. De outro

lado, contudo, está a também impositiva implantação de sistemas de esgoto e demais

itens de saneamento básico, em favor da população florianopolitana, de forma a

assegurar, mais plenamente, não apenas a saúde do povo, como também a proteção

do próprio meio ambiente, evidentemente fragilizado pelo lançamento de dejetos sem o

devido planejamento, tratamento, etc. Cumpre ressaltar que a relevância ambiental da

implementação de sistemas de esgotamento sanitário é reconhecida pelas próprias

autoridades da área, de tal forma que a Resolução CONAMA n. 377/06 prevê, até

mesmo, um processo de licenciamento ambiental simplificado para tanto. Assim,

considerando que as obras de saneamento estão diretamente vinculadas à saúde

pública e ao caráter mitigador da atividade de tratamento de esgotos sanitários e

considerando a atual situação dos recursos hídricos no país, cuja carga poluidora é, em

grande parte, proveniente de lançamento de esgotos domésticos sem prévio

116 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Agravo De Instrumento nº

2009.04.00.032605-0/SC. Relator: Marga Inge Barth Tessler. Julgado em 16 dez. 2009. Publicado no

Diário de Justiça em 26 jan. 2010. Disponível em: <

http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3145651&termosPesquisa

dos=20090400032605-0|2009.04.00.032605-0>. Acesso em 29 nov. 2010.

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tratamento, a Turma, então, votou pelo provimento do agravo, para submeter à

realização da obra de saneamento básico.

Relativamente à esfera criminal, foi apreciada a Apelação Criminal Nº

2005.72.04.001664-3117 na qual foi destacada que é imputado por crime de poluição o

agente que, mesmo após a paralisação das atividades de empresa mineradora, não

toma as medidas necessárias para evitar que os efluentes químicos depositados no

estabelecimento continuem a contaminar curso d'água existente em suas cercanias. O

relator fez referência ao exposto na decisão do juízo de primeiro grau de que “o fato do

rio supostamente já se encontrar poluído não afasta a caracterização do delito,

porquanto a conduta certamente prejudicou ainda mais a condição da água, impedindo

uma possível regeneração espontânea da natureza.” Sendo assim, a 8° Turma decidiu

que o agir do empreendimento e de seu administrador, à época dos fatos, ensejou a

poluição potencialmente prejudicial à saúde humana, através da contaminação do Rio

Fiorita por efluentes industriais.

No que tange aos fatos ameaçadores à saúde constituídos através da construção

ilegal de empreendimento imobiliário, a decisão 118 proferida pela 4° Turma do TRF da

4° Região enfatiza que o empreendedor, a Fundação de Amparo à Tecnologia e ao Meio

Ambiente (FATMA) e o Município de Bombinhas não curaram, minimamente, quanto à

preservação do meio ambiente, promovendo construção em faixa de praia, sem

autorização da União, devendo ser condenados à retirada do empreendimento com a

reparação dos danos, verificados no local. Isto porque “o risco de graves danos ao meio

117 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Apelação Criminal nº

2005.72.04.001664-3/SC. Julgado em 15 jul. 2009. Publicado no Diário de Justiça em 23 jul. 2009.

Disponível em: <

http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=2880623&termosPesquisa

dos=20057204001664-3|2005.72.04.001664-3>. Acesso em 29 nov. 2010. 118 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Apelação Cível nº

2003.04.01.029745-6/SC. Julgado em 18 nov. 2009. Publicado no Diário de Justiça em 19 jan. 2010.

Disponível em:

<http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3049131&termosPesqui

sados=20030401029745-6|2003.04.01.029745-6>. Acesso em 29 nov. 2010.

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ambiente, com perigosa poluição dos recursos hídricos utilizados pela população da

região, funda fato ameaçador para a saúde e vida de toda ela.”

Também, na Apelação Cível n.° 2006.72.08.003864-2119 a Ação Civil Pública foi

ajuizada com o intuito de condenar os réus a reparar o dano causado ao meio ambiente

em virtude das edificações construídas em área de preservação permanente. A relatora

fundamentou sua decisão aduzindo que restou demonstrado que os imóveis, objeto da

controvérsia, encontram-se construídos sobre área de restinga. Ademais, não é porque

já construído ilegalmente que se terá chancelado oficialmente construção com

irreparável dano ambiental a patrimônio da humanidade (restinga), independentemente

de já se localizarem aí outras obras ilegais, que enriquecem aos infratores em

detrimento da sociedade e do meio ambiente. A relatora não acatou a tese da

prescritibilidade alegada pela parte ré, na medida em que chancelaria a continuidade de

ocorrência de atos prejudiciais ao meio ambiente e na manutenção da degradação

ambiental ocasionada ao longo do tempo. Concluiu sustentando que o caso versa sobre

um direito fundamental, difuso e umbilicalmente ligado ao direito à vida, a vida

saudável, sendo imprescritível a ação para indenizar tal dano justamente porque é ele

um dano à saúde coletiva.

No âmbito da importação da carcaça de pneus usados, este achado remete ao

emblemático caso da Argüição Declaratória de Preceito Fundamental n.°101, julgado

pelo STF. No Agravo de Instrumento n.° 2009.04.00.015004-9120, a 3° Turma do TRF

da 4° Região conclui que as alegações acerca da remessa aos países desenvolvidos de

119 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Apelação Cível nº

2006.72.08.003864-2/SC. Relator: Maria Lúcia Luz Leiria. Julgado em 08 set. 2009. Publicado no

Diário de Justiça em 24 set. 2009. Disponível em: <

http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=2958308&termosPesquisa

dos=20067208003864-2/sc|2006.72.08.003864-2/sc>. Acesso em 29 nov. 2010. 120 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Agravo de Instrumento nº

2009.04.00.015004-9/PR. Relator: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Julgado em 24 nov. 2009.

Publicado no Diário de Justiça em 25 fev. 2010. Disponível em: <

http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3205428&termosPesquisa

dos=20090400015004-9|2009.04.00.015004-9>. Acesso em 29 nov. 2010.

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quantidade equivalente ou superior ao montante de pneus inservíveis importados, bem

como sua destinação, não tem o condão de afastar a proibição estabelecida no

ordenamento jurídico vigente. O que as normas em vigor proíbem é a importação dos

produtos em questão, independentemente de haver ou não a remessa de pneus

inservíveis nacionais ao exterior. Isto porque, a empresa recorrente apresentou

propostas alternativas que condicionassem a importação dos pneus usados à prévia

exportação dos pneus inservíveis para outros países. Cumpre lembrar que a convenção

de Basiléia preconiza a redução de movimento transfronteiriço de resíduos perigosos ao

mínimo compatível com a administração ambientalmente saudável e eficaz desses

resíduos e que seja efetuado de maneira a proteger a saúde humana e o meio

ambiente dos efeitos adversos que possam resultar desse movimento. O Tribunal se

posicionou no sentido de que, “mesmo que o Sistema de Gestão Ambiental de Pneus

(SGAP) criado pelo recorrente preveja que a destinação prévia dos pneus se dê através

da exportação dos mesmos, o fato é que quanto menos pneus ingressarem no país

menor o risco de dano ao meio ambiente e a saúde humana, além de existir a

possibilidade de implementação da produção nacional, ainda que mediante a

necessidade de dois ciclos de transformação.” Do exposto, a Turma, por maioria,

decidiu negar provimento ao recurso, vencido o relator do caso o qual votou pelo

provimento do efeito suspensivo a fim de não fosse comprometida a atividade da

empresa postulante, eis que considerou válidas as propostas trazidas pela empresa de

importar pneus usados em condições técnicas de reforma, condicionada à exportação

prévia de pneus inservíveis para destinação final nos países que exportam pneus

reformáveis.

Diferente é o caso da Apelação Cível n.° 2002.71.03.001365-4121 em que a

questão da saúde pública é colocada em discussão em razão dos danos provocados

121 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Apelação Cível nº

2002.71.03.001365-4/RS. Relator: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Julgado em 20 out. 2009.

Publicado no Diário de Justiça em 26 nov. 2009. Disponível em:

Page 98: Relatório Observatório do Direito à Saúde: Democracia, Separação de Poderes e o Papel do Judiciário Brasileiro para a Eficácia e Efetividade do Direito à Saúde

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pela passagem de trens. Em síntese, a ação civil pública foi movida com o intuito de

responsabilizar a destinatária da ordem por dano ambiental e à segurança pública, em

razão do ruído provocado pela passagem de trem em local habitado. Segundo o art. 23,

VI, da CF, a exigência de respeito a níveis máximos de ruídos é forma utilizada pela

Administração para garantir condições adequadas ao sossego e por conseqüência à

saúde pública no Município, ou seja, proteção dos seus munícipes diante de eventual

risco de comprometimento do meio ambiente local. Assim, uma vez que restou provada

a ocorrência de poluição sonora em níveis superiores aos permitidos por lei, consoante

o laudo técnico desenvolvido pela Patrulha Ambiental, o relator da lide decide que os

trens da autora da apelação devem transitar dentro do horário permitido para os níveis

de ruído que produzem.

Há também um julgado que versa sobre a condenação de Município que

mantinha lixão nas margens da estrada, o que causava graves problemas e afetava a

saúde das populações do entorno especialmente da comunidade indígena de Monte

Caseiros. A irrazoabilidade da situação resta demonstrada no fato de que os índios não

podiam tomar banho ou lavar roupas, sequer cozinhar. Desta forma, a Turma do TRF

4° confirmou a sentença e considerou correta aplicação da multa, tanto pela Fepam

quanto pelo Ibama. Ademais, a tese levantada pelo município autor, no sentido de que

é inadmissível a imposição de multa entre pessoas de direito público interno não

merece prosperar, na medida em que a autonomia dos municípios refere-se à questão

legislativa e assuntos de interesse local (art. 18 da CF/88), restando excluída a questão

do meio ambiente, que é bem de uso comum do povo.

<http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3117883&termosPesqui

sados=20027103001365-4|2002.71.03.001365-4>. Acesso em 29 nov. 2010.

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3.3.5 No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

(TJRS)

Em relação à falta de serviço de coleta de lixo e seu respectivo depósito em local

inadequado no Município de Uruguaiana, o Ministério Público, em litisconsórcio com a

FEPAM, ajuizou Ação de Execução de Obrigação de Fazer contra o Município,

requerendo a execução do serviço da coleta de lixo através de pessoa jurídica de direito

privado que oferecer o menor preço, mediante seqüestro dos valores que se fizerem

necessários. Tendo em vista que foram tomadas algumas medidas pela prefeitura para

amenizar o problema do lixão, o Município requer, no Agravo de Instrumento n.

70028767960122, que a medida de remoção dos resíduos para local licenciado fora do

Município seja suspensa. Todavia, o Ministério Público se manisfestou no sentido de

que, apesar de terem sido promovidas algumas medidas pelo Município, não se pode

extrair nada de concreto para lidar de imediato com o esgotamento da capacidade

espacial do atual lixão para acomodar mais volume de resíduos sólidos. Dessa forma,

por unanimidade, foi negado provimento ao agravo.

No que tange a implementação de rede de esgoto, na apelação cível n.

70030325963123, o TJ, apesar de reconhecer a importância do sistema público de

esgotamento sanitário tanto para a saúde da população como para o ambiente,

entende que a implantação da rede de esgotos depende da disponibilidade financeira

do Poder Público e do juízo de conveniência e oportunidade próprios dos atos de

administração.

122 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Agravo de

Instrumento 70028767960. Relator: Mara Larsen Chechi. Julgado em 11 mar. 2009. Publicado no

Diário de Justiça em 21 mai. 2009 . Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris >. Acesso

em 08 dez. 2010. 123 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Apelação Cível

n. 70030325963. Relator: GENARO JOSÉ BARONI BORGES. Julgado em 11 nov. 2009. Publicado no

Diário de Justiça em 01 dez. 2009 . Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris >. Acesso

em 08 dez. 2010.

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Em primeira instância, na pretensão aduzida pelo Ministério Público, em ação

civil pública, a COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO – CORSAN, foi

condenada a apresentar e executar Projeto de Construção de Rede de Esgoto Cloacal, a

fim de possibilitar que os moradores da Rua Pedro Santini (Município de Santa Maria)

tenham acesso ao serviço. Na apelação, a CORSAN sustenta que a instalação de fossas

sépticas e de poço sumidouro seria a melhor solução do ponto de vista técnico, e que a

legislação vigente que trata da matéria assim dispõe. Além disso, afirma que a sentença

de primeiro grau intervem de modo exagerado no poder discricionário da CORSAN e do

Município de Santa Maria.

O desembargador relator deu provimento à apelação da CORSAN, firmando

entendimento de que não há lei que obrigue o poder público, por si ou por

concessionária, a construir rede coletora de esgoto sanitário, ainda que obra

indispensável. Ademais, asseverou que caso fosse mantida a condenação da apelante,

estar-se-ia violando o Princípio da Separação dos Poderes, de modo que a alternativa

sugerida pela CORSAN, de instalação do sistema de fossa séptica e sumidouro para

colher os efluentes, seria a mais viável.

Acerca das condutas individuais que afetam o meio ambiente, destaca-se a

apelação cível n. 70021146121124. O Ministério Público ajuizou ação civil pública contra

o Município de Carazinho e contra o Sr. SEZEFREDO NOGUEIRA DOS REI com o

objetivo de impedir que o réu continue depositando resíduos sólidos a céu aberto em

sua residência e, consequentemente, degradando o ambiente. O Município, por sua vez,

conforme o pedido do Ministério Público, deveria providenciar a desratização e

desinsetização do local. Em grau de apelação, o Município alega que já vem cumprindo

todas as providências solicitadas pela Promotoria, desde que instalado o Inquérito Civil,

quais sejam: limpeza da área, desratização e desinsetização. No entanto, o réu 124 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Apelação Cível

n. 70021146121. Relator: . ARNO WERLANG. Julgado em 29 abr. 2009. Publicado no Diário de Justiça

em 02 jun. 2009 . Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris >. Acesso em 08 dez.

2010.

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Sezefredo continua depositando resíduos sólidos no local, sujando a área com restos de

lixo, sem dar cumprimento ao determinado na sentença. Assim, entende que é inútil

qualquer esforço da municipalidade, no sentido de, em conjunto com o réu Sezefredo,

tentar resolver a questão, pois este não modifica a sua conduta, mesmo que orientado,

por diversas vezes, não havendo qualquer interesse na solução do problema.

Contudo, o relator do acórdão entende que “resta evidente a responsabilidade

do ente público municipal pela preservação do meio ambiente e não somente do

proprietário do terreno, cabendo ao Município utilizar-se do seu poder de polícia de

modo a coibir as atividades nocivas praticadas pelos seus habitantes” e que “sendo a

higiene pública e a proteção do meio ambiente competências municipais de alta

relevância, deve o Município se utilizar de todos os recursos previstos na Constituição e

na legislação infraconstitucional de modo a garantir de maneira eficaz a saúde de cada

um dos seus habitantes e da coletividade em geral, bem como preservar o ambiente

natural que integra o seu território, sendo de todo infundadas as suas alegações. ” Por

essas razões foi negado provimento à apelação. Nesse caso, ficou evidente que o dever

de agir em prol do meio ambiente é, fundamentalmente do ente federativo, o qual não

pode abster-se ou ficar inerte diante de violações individuais ao ambiente.

Considerações finais

Ainda há um caminho muito longo a percorrido para que os direitos à saúde e

ao meio ambiente saudável definitivamente deixem unicamente seu plano normativo e

retórico para fazer parte da realidade vivida pelos brasileiros. No entanto, o Direito é

um campo do conhecimento que, ao moldar-se as novas necessidades sociais, pode

ajudar a construir um diálogo intersetorial, que incorpore, de forma permanente, a

proteção ambiental à área da saúde.

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O judiciário, dentro de suas limitações, com certeza pode ser fonte de auxílio na

resolução de problemas sociais, ainda que pontuais, como é o caso da saúde e do meio

ambiente, tendo em vista que a consolidação desses direitos na Constituição brasileira

relaciona-se com a realização da dignidade humana, e não outra coisa pretende a atual

normatividade constitucional se não o reconhecimento de um mínimo de proteção a

esses direitos, que é subjetivo.

Entre as várias decisões comentadas, percebe-se que, na maioria delas, os

tribunais tem atuado de forma bastante ativa, reconhecendo a importância da proteção

do ambiente para a saúde pública. Ainda que alguns julgados firmem posicionamento

no sentido de que o judiciário não tem legitimidade para interferir nas decisões políticas

relacionadas à proteção ambiental, ou que se apeguem a questões processuais para

não conhecer algum recurso ou ação que tem como tema central o ambiente e a saúde

pública, na maior parte dos casos, a jurisprudência tem mostrado evolução no seu

entendimento a respeito da dimensão ambiental da Constituição brasileira. Por fim,

pode-se dizer que o Judiciário é um instrumento efetivo de promoção do direito à saúde

e ao meio ambiente.

3.4 ASPECTOS PROCESSUAIS ACERCA DA TUTELA DO DIREITO À SAÚDE.

3.4.1 Introdução

O presente ensaio representa reflexões sobre o resultado do levantamento

jurisprudencial do eixo processual do Observatório de Saúde.

Para tanto, questiona-se se o processo cria ou implementa políticas públicas,

qual a forma de utilização das ações individuais e das ações civis públicas na

concretização do direito à saúde, bem como, quais os entes legitimados para

propositura destas últimas.

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Ainda, indaga-se acerca de quais as técnicas processuais utilizadas para

efetivação deste direito e os reflexos causados na independência dos poderes.

3.4.2 A Judicilização da saúde e a atuação do Judiciário frente as ações civis

públicas

Inicialmente, importante consignar que será analisado o trato do judiciário ao

tema do direito à saúde e a sua efetivação125, tendo em vista o seu caráter fundamental

de direito social inserido na Constituição Federal de 1988.

Na prática forense, tem-se observado que inúmeras são as ações propostas

perante o Judiciário pretendendo a efetivação do Direito à saúde, aqui considerado em

sua perspectiva lato sensu, na forma como regulamentada na Constituição Federal, em

seu artigo 196126.

125“Dessa forma, não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais” . Voto do Ministro Humberto Martins, no

AgRg no Resp 1136549/ RS. 126Conforme voto proferida pela Ministra Ellen Gracie, em decisão paradigmática e amplamente

mencionada pela jurisprudência recente do STF, STA 91/AL, Dje 05/03/2007, “Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações individualizadas ”. Nessa decisão a então Presidente do STF

acolhe parcialmente o pedido de suspensão de tutela antecipada proposta pelo Es tado de Alagoas.

Dentre os fundamentos que levaram a Min. Ellen Gracie acolher parcialmente o pedido de suspensão,

está o pedido de fornecimento de medicamentos que não estão regulamentados pela Portaria n. 1.318 do

Ministério da Saúde, conforme depreende-se do trecho do voto da Ministra Ellen Gracie: “É que, conforme asseverou em suas razões, "(...) a ação contempla medicamentos que estão fora da Portaria n.° 1.318 e, portanto, não são da responsabilidade do Estado, mas do Município de Maceió, (...)" (fl. 07), razão pela qual seu pedido é para que se suspenda a "(...) execução da antecipação de tutela, no que se

refere aos medicamentos não constantes na Portaria n.° 1.318 do Ministério da Saúde, ou subsidiariamente, restringindo a execução aos medicamentos especificamente indicados na inicial, (...)" (fl. 11)”. Sobre a matéria, interessante fazer o contra ponto com a decisão proferia na STA 138 (STA no

138/RN, Presidente Min. Ellen Gracie, DJ 19.9.2007), tendo em vista o indeferimento do da suspensão

de tutela antecipada, pelos seguintes fundamentos: “Assim, no presente caso, atendo-me à

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Nesta etapa, pretende-se demonstrar a visão da temática sob a ótica da

jurisprudência pátria, que externaliza alguns parâmetros adotados e já consolidados

sobre a legitimidade e a postura atual do Poder Judiciário frente aos casos de inércia

estatal no cumprimento de sua função para a implementação e amplo acesso ao direito

à saúde, tendo em vista a interpretação do artigo 196 da Constituição Federal adotada

pelos Tribunais Superiores, que estabelece:

O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição

Federal como (1) „direito de todos‟ e (2) „dever do Estado‟, (3)

garantido mediante „políticas sociais e econômicas (4) que visem

à redução do risco de doenças e de outros agravos ‟, (5) regido

pelo princípio do „acesso universal e igualitário‟ (6) „às ações e

serviços para a sua promoção, proteção e recuperação‟.127

A idéia da Judicialização da saúde pode trazer consigo o entendimento de que a

função jurisdicional estaria usurpando tarefas de competência do Poder Executivo e

Legislativo, tendo em vista a notória dificuldade de implementação dos Direito Sociais

expressos na Carta Magna por parte desses poderes.

O acórdão proferido no julgamento da SL 47 AgR/PE, publicado no Dje em

30/04/2010, é referencial elucidativo quanto à judicialização da saúde, isto porque,

aborda entendimento consolidado na Corte do STF oriundo da Audiência Pública-Saúde

(realizada nos dias 26, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009), onde restou

hipossuficiência econômica do autor, à enfermidade em questão, à ineficácia de outros tratamentos já ministrados, à urgência na utilização do medicamento AVASTIN , devidamente registrado junto à ANVISA , entendo que, em face dos pressupostos contidos no art. 4º da Lei 8.437/92, a ausência do medicamento solicitado poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e à vida do paciente, ocorrendo, pois, o denominado perigo de dano inverso, o que demonstra, em princípio, a plausibil idade

jurídica da pretensão liminar deduzida na ação sob o procedimento ordinário em apreço ”.. 127BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Suspensão de Tutela antecipada número 175. Relator:

Gilmar Mendes, disponibilizada no site:

ttp://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28STA+%28175%2ENUME%2E

+OU+175%2EDMS%2E%29%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia, acesso em 30/11/2010.

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estabelecido que a intervenção do Poder Judiciário, na enorme maioria dos casos, não

ocorre em razão de omissão absoluta em matéria de políticas públicas envolvendo o

tema saúde, mas em face da necessidade da efetivação de políticas públicas já

previstas, porém não realizadas.

A origem deste entendimento restou consolidada no julgamento da ADPF 45

MC/DF, paradigmático e norteador de praticamente todas as decisões posteriores sobre

o tema, que estabeleceu que de fato, não se inclui, originariamente, dentre as funções

institucionais do Poder Judiciário, a atribuição de formular e implementar políticas

públicas, pois esta é uma atribuição dos Poderes Legislativo e Executivo.”Tal

incumbência no entanto, embora em bases excepcionas, poderá atribuir-se ao Poder

Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos

político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal

comportamento, a eficácia e integridade de direitos individuais e/ou coletivos

impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de

conteúdo programático”.

Da análise dos acórdãos pesquisados, é possível identificar a posição dos

tribunais, no que tange a legitimidade da postura do Judiciário ao apreciar as ações

civis públicas cuja pretensão é justamente a implementação de políticas públicas

esquecidas pelos demais poderes da federação. O que ocorre na prática representa um

verdadeiro fenômeno social, político e econômico, com o Ministério Público sendo o

grande legitimado, com o maior número de ações envolvendo a proteção dos interesses

coletivos ao defender o cumprimento do preceito constitucional do direito à saúde, por

tratar-se de direito transindividual, ou seja, de interesse de todos os cidadãos

brasileiros128.

128Nesse sentido: Brasil. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Recurso Extraordinário número

611708. Relatora: Ministra Carmen Lúcia. Julgamento 22/04/2010. DJe. n.77 Divulg.30/04/2010 Public.

03/05/2010.

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJuris prudencia.asp?s1=%28RE+%28611708%2ENUME

%2E+OU+611708%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas>. acesso em

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106

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Importante salientar que dentre os acórdãos analisados no âmbito do Superior

Tribunal de Justiça, pode-se observar que o instrumento da ação civil pública também

tem sido aplicado na proteção do direito à saúde em relação a sujeitos determinados,

ou seja, em situações em que o direito lesado não está inserido no âmbito da

coletividade como um todo, mas em face de interesse individualmente determinado.129

É paradigmatática a decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes no

julgamento da STA 175, onde estabeleceu critérios que devem ser observados ao

apreciar ações envolvendo a controvérsia da saúde e a função estatal. Em seu voto, o

Ministro reforçou a importância de observar a existência ou não de política estatal que

abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Para o Ministro Gilmar Mendes,

quando o Judiciário defere uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e

econômicas formuladas pelo SUS, não é correto falar-se em criação de política pública,

mas apenas está determinando o seu cumprimento. Nessas situações, a existência de

um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser

evidente.130

06/12/2010. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento n. 667882. Relator: Min. Dias

Toffoli. DJe n. 35 Divulg. 25/02/2010 Public. 26/02/2010 -

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI+%28667882%2ENUME

%2E+OU+667882%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas>. Acesso em

06\10\2010. 129Brasil. Supremo Tribunal Federal. Acórdão do Agravo de Instrumento número 735151/RS.

Relator: Ministro Celso de Mello. DJe-101 Divulg. 04/06/2010 Public. 07/06/2010. Disponibilizado no site:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28735151%2ENUME%2E

+OU+735151%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas>. Acesso em

03/12/2010; Brasil. Supremo Tribunal Federal. Acórdão do Agravo de Instrumento número

674930/SP. Relator: Ministro Dias Toffoli. DJe-036 Divulg. 26/02/2010 Public. 01/03/2010.

Disponibilizado no site:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28674930%2ENUME%2E

+OU+674930%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas>. Acesso em

03/12/2010. 130Brasil. Supremo Tribunal Federal. Acórdão da Suspensão de Tutela Antecipada 175. Relator:

Ministro Gilmar Mendes. DJe-182 Divulg. 25/09/2009 Public. 28/09/2009. Disponibilizado no site:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28STA+%28175%2ENUME%

2E+OU+175%2EDMS%2E%29%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia>Acesso em 30\11\2010.

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3.4.3 Legitimidade ativa para propositura de ação civil pública

Dentro do eixo temático “aspectos processuais acerca da tutela do direito à

saúde”, uma das hipóteses pesquisada foi concernente à legitimidade para propositura

de ações civis públicas (ACPs) para pleitear tutela do direito à saúde, mormente após a

Lei 11.448/2007 que ampliou os legitimados ativos ad causam ao alterar o art. 5º da

Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).

A essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte

qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF,

art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário

naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar

o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social,

seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de

comportamento governamental desviante.131

Os resultados obtidos revelaram, portanto, que é reconhecida a legitimidade

ativa do Ministério Público para a propositura de ação visando o implemento de políticas

públicas na área da saúde, para direitos difusos132 e coletivos, inclusive individuais

131BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A G.REG. no Recurso Extraordinário (A GRre n. 271286

AgR/RS). Relator: Min.Celso de Mello. Julgado em 12 set. 2000. Publicado no DJ em 24 nov.

2000, pp-00101. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28271286.NUME.+OU+27128

6.ACMS.%29&base=baseAcordaos>. Acesso em 07 dez. 2010. 132AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. GARANTIA CONSTITUCIONAL.

LEGITIMIDADE DO MPF. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. UNIÃO. ESTADO. MUNICÍPIO. ATENDIMENTO

PELO S ISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. NECESSIDADE. Tratando o pedido de fornecimento de medicamento

disponibilizado pelo SUS, a adequação desse sistema ao fornecimento de medicamentos para as

situações de exceção, deve ser coordenada entre as três esferas políticas: União, Estado e Município, não

sendo permitido, dado o texto constitucional, imputar-se a responsabilidade a apenas um dos

operadores. Possui legitimidade ativa o Ministério Público Federal em se tratando de ação civil pública

que objetiva a proteção de interesses difusos (direito à saúde, assegurado constitucionalmente) e a

defesa de direitos individuais homogêneos (obtenção de medicamento gratuito). Precedente desta Corte.

O fornecimento de medicamentos especiais é cabível quando receitado por médico integrante do SUS,

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homogêneos,133 sem que isso represente usurpação de competência da defensoria

pública ou da advocacia privada134.

Há reconhecimento da legitimidade extraordinária do Ministério Público para

propositura de ação civil pública que tenha por objeto tutela de direitos de pessoa

individualmente considerada, v.g., para obtenção de prótese auditiva a portador de

necessidades especiais.135,136

em atendimento no âmbito do sistema. QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Agravo de Instrumento n. 2009.04.00.025887-0/SC. Relator Des.Jorge Antônio Maurique. DE 31

maio 2010. Disponível em: <

http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor

=200904000258870&chkMostrarBaixados=S&selOrigem=TRF&hdnRefId=26b93adc98abb9e12bd47698aa

842a3f&txtPalavraGerada=JURI>. Acesso em 08 dez. 2010. 133BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 497858. Relator: Min.Joaquim

Barbosa. Julgado em 30 set. 2010. Publicado no DJe em 07 out. 2010. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%22defensoria+p%FAblica%

22+e+sa%FAde+e+legitimidade+e+%22a%E7%E3o+civil+p%FAblica%22%29+NAO+S%2EPRES%2E

&base=baseMonocraticas>. Acesso em 08 dez. 2010. 134BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag.Reg no Recurso Extraordinário ( RE 554088 AgR ).

Relator: Min. Eros Grau. Julgado em 03 jun. 2008. Publicado no DJe 112 em 20 jun. 2008. Disponível em:

<

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28554088.NUME.+OU+554088.

ACMS.%29&base=baseAcordaos>. Acesso em 08 dez. 2010. 135A decisão teve como relator o Juiz Federal convocado, Min. Carlos Fernando Mathias, merecendo

parcial destaque de sua ementa: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

PROTEÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍS ICA, MENTAL OU SENSORIAL. SUJEITOS

HIPERVULNERÁVEIS. Fornecimento de prótese auditiva. Ministério PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA ad

causam. LEI 7.347⁄85 E LEI 7.853⁄89.1. Quanto mais democrática uma sociedade, maior e mais livre

deve ser o grau de acesso aos tribunais que se espera seja garantido pela Constituição e pela lei à

pessoa, individual ou coletivamente. 2. Na Ação Civil Pública, em caso de dúvida sobre a legitimação para

agir de sujeito intermediário – Ministério Público, Defensoria Pública e associações, p. ex. –, sobretudo

se estiver em jogo a dignidade da pessoa humana, o juiz deve optar por reconhecê-la e, assim, abrir as

portas para a solução judicial de litígios que, a ser diferente, jamais veriam seu dia na Corte. (...) 13. O

Ministério Público possui legitimidade para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a

ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada. Precedentes do STJ. 14. Deve-se, concluir, por

conseguinte, pela legitimidade do Ministério Público para ajuizar, na hipótese dos autos, Ação Civil

Pública com o intuito de garantir fornecimento de prótese auditiva a portador de deficiência. 15. Recurso

Especial não provido.”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 931513/RS.

Relator: Carlos Fernando Mathias (Juiz Convocado do TRF da 1ª Região). Relator para acórdão:Min.

Herman Benjamin. Julgado em 25 nov. 2009. Publicado no DJe 27 set. 2010. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=931513&b=ACOR>.

Acesso em 08 dez. 2010. 136 “O tema objeto do presente recurso já foi enfrentado pela colenda Primeira Turma deste Tribunal e o

entendimento esposado é de que o Ministério Público tem legitimidade para defesa dos direitos

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A fundamentação quanto à legitimidade do MP está escorada, basicamente nos

art. 127 e art. 129 da CF; art. 5º e art. 21 da Lei 7347/85; art. 25, IV, alínea 'a', Lei

8625/93.137

Assim também está a Defensoria Pública, igualmente legítima, por sua atuação

visar interesses da coletividade, nos termos do art. 5º, II, da Lei 7347/85; redação

dada pela Lei 11.448/2007.138 Além da norma infraconstitucional, o art. 134, caput e

art. 5º, da Constituição Federal, determinam que a Defensoria Pública é instituição

essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa dos necessitados.

Existem duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade139 em face da legitimidade

de atuação da Defensoria Pública para defesa de direitos coletivos, sob a alegação de

que haveria usurpação de suas funções quando do atendimento de pessoas que fogem

a limitação imposta pela própria Constituição. Entretanto, independentemente dos

julgamentos das ações de controle de constitucionalidade, constata-se que o Poder

Judiciário tem reconhecido, como dito, a legitimidade da defensoria pública para tutela

de direitos coletivos relativos à saúde. 140

individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada (art.

127, CF/88). Nessa esteira de entendimento, na hipótese dos autos, em que a ação visa a garantir o

fornecimento de medicamento necessário e de forma contínua a criança para o tratamento de nefropatia

do refluxo, há de ser reconhecida a legitimação do Ministério Público, a fim de garantir a tutela dos

direitos individuais indisponíveis à saúde e à vida.”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso

Especial n. 688052/SP. Relator: Humberto Martins. Julgado em 03 ago.2006. Publicado no DJe 17

ago. 2006. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=688052&b=ACOR>.

Acesso em 08 dez. 2010. 137RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Apelação Cível

n. 70033842725. Relator: Des.Alzir Felippe Schmitz. Julgado em 07 out. 2010. Publicado no DJ em 15

out. 2010. Disponível em:

<http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download/exibe_documento_att.php?ano=2010&codigo=190

0331>. Acesso em 07 dez. 2010. 138RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Apelação Cível

n. 70025843632. Relator: Des. Alexandre Mussoi Moreira. Julgado em 26 ago. 2009. Disponível em:

<http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download/exibe_documento.php?codigo=1387999&ano=200

9>. Acesso em 07 dez. 2010. 139ADI 3943 e ADI 4452 140BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 563987/RS. Relator: Carlos Ayres

Britto. Julgado em 03 fev. 2009. Publicado no DJe 20 fev. 2009. Disponível em: <

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Às associações a legitimidade ativa também é reconhecida141,142,143. São

legítimas as associações, mormente após a ampliação dos legitimados para propositura

das ações coletivas, para a defesa dos interesses dos seus associados, exatamente

como prevê o art. 5º, inc.V, da Lei 7347/85 e constitucionalmente como determina o

art. 8º, inciso III.

Não foram localizadas ações com objeto alinhado à pesquisa, que tenham sido

propostas pelos demais legitimados.

Ainda que novas pesquisas (por triagem na seleção obtida ou por alteração dos

critérios do eixo) possam, eventualmente, alterar as respostas obtidas, inclusive as

negativas, foi possível constatar, quanto à legitimidade ativa que, à exceção do

Ministério Público e da Defensoria Pública, as associações representativas e os demais

legitimados foram infimamente localizados; indicando, em princípio, um problema

cultural da sociedade organizada.

Portanto, é possível vislumbrar que o Ministério Público é o responsável pela

imensa maioria das ações civis públicas e em menor número, a Defensoria. Situações

amplamente acolhidas pelos Tribunais144, já que a atuação daqueles está inserida no

contexto constitucional, conferindo-lhes ampla legitimidade para manejo da ação civil

pública tendente à obtenção de implemento das políticas públicas já existentes.

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28563987+.NUME.+OU+5

63987+.DMS.%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em 08 dez. 2010. 141QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível n. 2003.71.00.037105-

6/RS. Relator Des.Nicolau Konkel Júnior. DE 30 set. 2009. Disponível em: <

http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor

=200371000371056&chkMostrarBaixados=S&selOrigem=TRF&hdnRefId=4667a05f595a27240c83582c6e

02609e&txtPalavraGerada=JURI>. Acesso em 08 dez. 2010. 142RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Agravo n.

596063230. Relator: Des. Arnaldo Rizzardo. Julgado em 26/06/1996. Disponível em: <

http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em 08 dez. 2010. 143REsp 1177453/RS. 144Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Superior

Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

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Por fim, os precedentes analisados apontam a uma tendência de ampliação da

utilização das ações coletivas pelos demais legitimados, mormente em face das

alterações realizadas pela Lei 11.448/2007.

3.4.4 As técnicas processuais utilizadas para a concretização do direito à

saúde

No que diz respeito aos meios empregados no trato jurisdicional do direito à

saúde, notadamente algumas técnicas processuais utilizadas para a efetivação destes

direitos, optou-se por verificar um binômio de questões que demonstra bem o limiar

entre a separação de poderes e a conseqüente discussão sobre a existência ou não de

uma judicialização da saúde: a execução indireta145 e o bloqueio de verbas.

Isso porque é muito comum a ocorrência de situações em que indivíduos

solicitam ao Estado, em seu sentido lato, a prestação de um direito à saúde e este, por

diversos motivos que vão desde a desorganização administrativa até a inexistência de

meios para o cumprimento do pedido, deixa de efetivar o direito do cidadão, mesmo

em casos em que um Estado-juiz já determinou o cumprimento da prestação.

São nestes casos que as técnicas processuais de execução ou cumprimento se

justificam.

No âmbito do estudo, foi privilegiada a pesquisa da utilização da multa como

meio de coerção, uma das tantas formas de execução indireta146.

145Execução indireta é aquela em que há uma coação estatal para que a parte cumpra espontaneamente

a obrigação. São exemplos a instituição de multa por descumprimento, também conhecida como

astreintes e a ameaça de prisão. 146Cf. TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC. Art. 461; CDC. Art. 84.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 191, onde refere: “O provimento mandamental normalmente

será acompanhado da ameaça de imposição de alguma outra medida processual coercitiva (multa, prisão

civil etc.), além daquelas primordialmente postas como mecanismos de censura à desobediência (sanções

penais, administrativas...). Quando isso ocorre, a medida processual de coerção, além de funcionar como

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Assim, foi possível verificar que a imposição de astreintes por descumprimento

de decisões judiciais envolvendo o direito à saúde é prática antiga e bastante comum.

Veja-se, a título de exemplo, o Recurso Especial nº 878.805-RS147, julgado em

maio de 2006, onde a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, analisando caso em

que o Estado do Rio Grande do Sul negou fornecimento de medicamento imprescindível

a um paciente, entendeu plenamente aplicável a técnica de astreintes como forma de

coagir o ente público a cumprir com a obrigação.

As instâncias ordinárias costumam utilizar-se deste instrumento de coação

naqueles processos em que a determinação judicial não é atendida, principalmente em

situações de maior urgência, como os de solicitação de entrega de medicamentos 148,

realização de procedimentos cirúrgicos149, ou de internação psiquiátrica150.

Os fundamentos dos julgados relatados, no sentido da possibilidade de aplicação

de multa contra entes públicos, são a existência de previsão legal e a relevância e

urgência do direito tutelado. Sobre a relevância, o entendimento é de que o direito à

saúde merece a máxima efetividade e em relação à urgência, a justificativa para a

coação é de que a multa é uma forma de possibilitar a rápida implementação do direito.

técnica de indução de conduta do destinatário, presta-se a chancelar a autoridade estatal do ato que a

veicula”. 147BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 878.805-RS. Relator: Humberto

Martins,. Julgado em 05 out. 2006. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=878705&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2 >.

Acesso em 03 nov. 2010. 148RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº

70029253382. Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. Julgado em 21 mai. 2009. Disponível em

disponível em <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em 22 set. 2010. 149 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº

70031573595. Relator: Luiz Felipe Silveira Difini. Julgado em 28 out. 2009. Disponível em disponível

em <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em 22 set. 2010. 150RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento

nº 70028730117. Relator Carlos Roberto Lofego Caníbal. Julgado em 25 set. 2009. Disponível em

disponível em <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em 22 set. 2010.

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O pedido de Suspensão de Segurança nº 3962151, recentemente julgado pela

presidência do Supremo Tribunal Federal é significativo para demonstrar que este

fenômeno processual ainda é utilizado.

Contudo, observando decisões de algumas Câmaras do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul, notou-se uma nítida mudança de posicionamento quanto

à utilização das astreintes como meio de coerção152.

Isto se deve ao fato de que a estipulação de multa termina por onerar o ente

público, beneficiando apenas a parte que solicitou o provimento mandamental, posto

que esta é a legitimada para superveniente execução em caso de descumprimento.

Assim, verifica-se um gradual prestígio à técnica de bloqueio ou sequestro de

valores153 diretamente na conta do demandado, lastreada na cláusula geral do art. 461

do CPC, visando a obtenção do resultado prático equivalente àquele que seria obtido

com o cumprimento voluntário da obrigação e que ao fim e ao cabo, possibilita, ao

beneficiado a compra ou custeio de fármaco ou serviço médico similar, ao mesmo

tempo em que se desonera o Estado do pagamento de eventuais astreintes, que

somente reverteriam proveito aos litigantes.

151No caso, a presidência do Supremo Tribunal Federal entendeu não ser hipótese de suspensão de

segurança, mantendo assim, a multa estipulada pelo órgão a quo.BRASIL. Supremo Tribunal Federal.

Suspensão de Segurança nº 3962. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgado em 07 abr. 2010.

Disponível em <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%283962%2ENUME%2E+O

U+3962%2EDMS%2E%29%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia >. Acesso em 12 set. 2010. 152Os seguintes acórdãos são exemplos dessa postura de afastar a incidência da multa:

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº

70037934320. Relator: Rui Portanova. Julgado em 30 set. 2010. Disponível em

<http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em 04 nov. 2010.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº

70037934320. Relatora: Rejane Maria Dias de Castro Bins. Julgado em 30 set. 2010. Disponível em

<http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em 04 nov. 2010. 153Excelente exemplo é a Apelação Cível Nº 70031768310. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70031768310. Relatora: Matilde Chabar Maia.

Julgado em 06 mai. 2010. Disponível em <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em 04 nov.

2010.

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Contudo, essa técnica que acaba beneficiando o tesouro público, ao passo que

evita uma desnecessária sangria de recursos, acaba abalando diretamente um dos

pilares do próprio Estado, qual seja, o princípio da separação de poderes.

Afinal, a medida judicial que impõe o sequestro de valores, nada mais faz do que

gerir as finanças públicas dos entes com função administrativa. De certa forma, quando

o juiz determina o bloqueio de determinada quantia dos cofres do Estado para custeio

de um caso específico, não só impõem ao gestor público a aplicação daquelas verbas,

como também, retira do agente competente a possibilidade de escolher de onde sairá a

quantia destinada ao cumprimento da obrigação154.

Em relação a utilização das astreintes, ainda é necessário dizer que o Judiciário

trata com timidez o tema da responsabilidade por sanção processual. Pois o

entendimento pacífico é de que o Estado é o destinatário da multa por descumprimento

e não o gestor ou agende político155. Esse posicionamento parte das premissas que o

agente não é parte do processo e não participou do contraditório, bem como, não

existe qualquer disposição legal apta para direcionar a incidência da multa à pessoa do

gestor público.

Também no âmbito dos Tribunais Superiores, verificou-se que o Supremo

Tribunal Federal tem sido conservador nos julgamentos de casos em que o Estado é

condenado ao pagamento de multa por descumprimento.

Embora existam hipóteses de manutenção da multa como forma de coerção, sob

fundamento da pronta efetivação do direito fundamental à saúde156, na maioria dos

154Faz-se a ressalva de que esta observação não guarda integral relação com o caso decidida na STA n º

175 do STF, onde o debate girou em torno da implementação da política, pois na hipótese agora em

análise, de seqüestro, há uma “ingerência” ainda maior entre os poderes, pois o próprio Judiciário, via

sistema monetário, retira a quantia necessária para a efetivação da tutela. 155Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 747.371-DF. Relator: Jorge Mussi.

Julgado em 06 abr. 2010. Disponível em

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=747371+&b=

ACOR>. Acesso em 22 nov. 2010. 156É o caso da STA 434/BA, onde a multa foi mantida. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspenção

de Tutela Antecipada nº 434/BA. Relator: Gilmar Mendes Julgado em 26 abr. 2010. Disponível em <

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casos157 verifica-se a suspensão da medida coercitiva sob alegação de que a multa pode

trazer grava lesão à ordem e economia pública158.

Nestas situações, o Supremo Tribunal Federal tem mantido a determinação

consubstanciada em mandamento de obrigação de fazer, mas excluído o meio

coercitivo. Em outras palavras, há ordem, mas sem coação.

Do exposto, em análise breve, parece que a preocupação do tribunal tem sido

efetivar o direito fundamental à saúde prestigiando as técnicas processuais que a

legislação pátria dispõem, ao mesmo tempo em que se preocupa em manter o delicado

equilíbrio entre poderes, ora mantendo ordens de bloqueio e multas coercitivas, ora

suspendendo-os, de acordo com as peculiaridades do caso concreto.

Uma ultima observação sobre a utilização de técnicas processuais ainda se faz

necessária. Durante a pesquisa foi constatado que o Supremo Tribunal Federal tem

mantido um posicionamento bastante formalista quanto ao conhecimento de Recursos

Extraordinários que versam sobre o direito à saúde.

É grande a quantidade de Recursos que sequer chegam a ser conhecidos na

Corte Suprema, geralmente por impedimentos relativos à proibição de análise de

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28434%2ENUME%2E+OU

+434%2EDMS%2E%29%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia >. Acesso em 22 set. 2010. 157Por exemplo, as STA 347/SC; STA 344/RN ou SL 256/TO. BRASIL. Supremo Tribunal Federal.

Suspenção de Tutela Antecipada nº 347/SC. Relator: Gilmar Mendes. Julgado em 16 set. 2009.

Disponível em <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28347%2ENUME%2E+OU

+347%2EDMS%2E%29%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia>. Acesso em 22 set. 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspenção de Tutela Antecipada nº 344/RN. Relator: Gilmar

Mendes. Julgado em 25 ago. 2009. Disponível em <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28344%2ENUME%2E+OU

+344%2EDMS%2E%29%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia>. Acesso em 22 set. 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspenção de Liminar nº 256/TO. Relator: Min. Gilmar Mendes.

Julgado em 20 abr. 2010. Disponível em

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28256%2ENUME%2E+O

U+256%2EDMS%2E%29%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia>. Acesso em 22 set. 2010. 158Pois como já referido, a astreinte é direcionada ao órgão público e não ao agente.

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matéria de fato ou probatória, ou então, em razão do entendimento de que os objetos

dos recursos dizem respeito a matérias que não ofendem diretamente a Constituição 159.

Considerações Finais

Ao fim, conclui-se que a postura atual do Judiciário, no que tange a legitimidade

em apreciar e determinar a implementação de políticas públicas através de ações civis

públicas não representa inserção, nem rompe com os princípios do Estado Democrático

de Direito e da Separação dos Poderes, pois, não se está criando novas políticas -

usurpando função característica da discricionariedade dos Poderes Executivo e

Legislativo -, na realidade, está simplesmente cumprindo com o ideal contido no

dispositivo constitucional que assegura o direito à saúde a todos os cidadãos.

Ainda, entende-se que a legitimidade do Ministério Público deve ser a mais ampla

possível em se tratando de direitos individuais indisponíveis ou sobre direitos coletivos

lato sensu. Da mesma forma, parece a Defensoria Pública e as demais entidades

representativas da sociedade civil devem ter reconhecidas sua legitimidade para

propositura de ações coletivas.

Quanto as técnicas processuais utilizadas notou-se que a utilização de multas

coercitivas como forma de coação ao cumprimento de obrigações ainda são bastante

comum, embora exista uma forte tendência pela troca desta forma de execução

indireta, em privilégio do método de seqüestro de valores, monetariamente menos

gravoso ao Estado.

159A título de exemplo, pode ser citado o RE 595.507/MG. O relatório quantitativo anteriormente

apresentado demonstra claramente essa tendência de não conhecimento. BRASIL. S upremo Tribunal

Federal. Recurso Extraordinário nº 595.507/MG. Relarora: Carmem Lúcia. Julgado em 15 dez.

2009, disponível em

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28595507%2ENUME%2E+OU

+595507%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>. Acesso em 22 nov. 2010.

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Parece que esta é uma opção bastante acertada, pois enquanto não houver

responsabilização dos agentes públicos pelo não cumprimento de ordens judiciais, a

multa só servirá para onerar o Estado. Quando ao seqüestro, por ser medida bastante

agressiva, parece que tem de ser reservado apenas para situações de extrema

urgência.

Por fim, sobre a constatação de que o Supremo Tribunal Federal tem adotado

uma postura restritiva quanto ao método de conhecimento de recursos, cumpre referir

que não é de hoje que esse tipo de restrição acontece. Devido à imensa carga de

trabalho, a Corte Constitucional tem restringido cada vez mais o acesso. Contudo,

parece que deveria existir maior abertura quando se tratando de direito à saúde, de

excepcional importância, pois o moderno processo reclama uma adequação da forma à

substância para uma perfeita efetividade dos direitos.

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3.5 TITULARIDADE DO DIREITO À SAÚDE

3.5.1 Introdução

O Direito à Saúde caracteriza-se como um direito fundamental e um direito

originário subjetivo a prestação, cuja existência se dá quando: partindo da garantia

constitucional de certos direitos, se reconhece, simultaneamente, o dever do Estado na

criação dos pressupostos materiais, indispensáveis ao exercício efetivo destes direitos; e

a faculdade de o cidadão exigir, de forma imediata, as prestações constitutivas desses

direitos160. Por trata-se de um direito a prestação, a efetivação do Direito à Saúde

depende de uma atividade mediadora dos poderes públicos.

Na razão de Canotilho, à medida que o Estado vai materializando as suas

responsabilidades e vai procedendo de maneira a assegurar aos cidadãos as prestações

essenciais, isso acaba gerando direitos derivados, a saber, o direito de igual acesso,

obtenção e utilização de todas as instituições públicas criadas pelos poderes públicos; e

o direito de igual participação nas prestações fornecidas por estes serviços ou

instituições à comunidade. Um direito subjetivo de natureza defensiva, no entanto

surge com o intuito de combater a discriminação, viabilizando-lhe o acesso à prestação,

e para ser reconhecido um direito derivado a prestações, apenas ocorrerá se não puder

ser eliminada a ofensa ao princípio isonômico de outra maneira161.

O Direito à Saúde está intimamente relacionado com outros direitos

fundamentais independentemente protegidos, assim como com a concreção destes

direitos, tal é o caso do direito à vida, à dignidade da pessoa humana, moradia,

educação, alimentação, tal qual com tantos outros.

160 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição . 7ª edição. Coimbra:

Edições Almeida, 2005. Pg. 477. 161 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2010. Pgs. 301 e 302.

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É no artigo 196 da Constituição Pátria que o Direito à Saúde é consagrado como

direito de todos e dever do Estado, além de impor aos poderes públicos um grande

número de questões a fim de garantir e promover políticas nesse sentido, tal qual

estabelecer acesso universal e igualitário a esta prestação. O que a Constituição vem a

assegurar é que, em início, todos possam ter as mesmas condições de acesso ao

sistema público de saúde e não um direito subjetivo definitivo a qualquer forma de

prestação que o Estado venha a oferecer.

É nesta seara de prestação que surge a relevância de determinar o limite das

prestações reclamadas pelo particular perante o Estado, sendo importante saber se aos

poderes públicos cabe um atendimento global ou limitado a alguma questão em

específico ou a níveis de serviços prestados.

A parca definição de haver ou não uma limitação no direito a prestações de

saúde é que levou os indivíduos a demandá-los em juízo, quando da não concretização

de seu fornecimento. A demanda dos Direitos à Saúde e a sua denegação, em caso de

não serem eles levados a efeito, são de absoluta relevância, uma vez que a denegação

destes direitos pode vir a implicar em comprometer o próprio direito à vida e o direito à

dignidade da pessoa humana, devido à ampla correlação entre eles, impróprio seria,

condenar ao sofrimento, a morte e a uma vida indigna aquele que não tem condições

de buscar, por si próprio, a concreção de seus próprios direitos.

Considerando o exposto, é no momento em que o direito prestacional a saúde

não é concretizado e as pessoas que deles precisam insurgem-se contra os Tribunais

Nacionais a fim de vê-los efetivados que se evidencia a importância do estudo da

titularidade do Direito à Saúde.

Este estudo almeja averiguar quem são os indivíduos que pleiteiam seus direitos,

de que forma eles os fazem, se individualmente ou coletivamente, se por intermédio de

alguém que os represente e seja capaz de suprir suas deficiências e diminuir sua

situação de hipossuficiência frente ao maquinário do Estado Social organizado. É

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através desta análise que poderá ser evidenciado de que forma são abarcados estes

titulares e como se dá o seu acesso à justiça em busca de prestações que podem existir

e serem ineficazes ou não alcançarem aquele que dela precisa ou simplesmente de

prestações que não são disponibilizadas ou suficientemente organizadas.

Foi no âmbito destas demandas em juízo que foram levadas as questões de

Direito à Saúde aos Tribunais Superiores, estes se posicionaram por reconhecer a saúde

como um direito fundamental e exigível em Juízo. Essa orientação evidencia-se no

Agravo Regimental no RE nº 271.286-8/RS162 (trata-se de caso de paciente portador

de HIV), onde é reforçado o disposto no art. 196 da CF, de que o direito público

subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à

generalidade das pessoas e trata-se de bem jurídico constitucionalmente tutelado, por

cuja integridade cabe ao Poder Público velar e programar políticas sociais e econômicas

que visem a garantir aos cidadãos o acesso universal e igualitário à assistência

farmacêutica e médico-hospitalar. Além disso, salienta ser o direito à saúde direito

fundamental que assiste a todas as pessoas e representa conseqüência constitucional

indissociável do direito à vida.

Segundo este entendimento, o RE 393.175 AgR163 reconhece o dever

constitucional do estado de concretizar a promoção do Direito à Saúde, que representa

consequência constitucional indissociável do direito à vida, conforme estabelecido nos

artigos 5º “caput” e 196 da Constituição Federal. No presente caso, a integridade do

direito essencial mostrou-se correlacionada e dependente do fornecimento gratuito de

medicamentos indispensáveis a manutenção da saúde em favor de pessoas que não

podem provê-los.

162 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Agravo Regimental no RE nº 271.286-8/RS de

Relatoria do Ministro Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, Segunda Turma, DJ de 24-11-2000.

Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538> Acesso em

6/12/2010. 163 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Agravo Regimental no RE nº393.175/RS,

Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/12/2006. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=402582>. Acesso em 6/12/2010.

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No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, podemos salientar o Recurso

Ordinário em MS nº 11.183/PR164, em que se afirma ser dever do Estado assegurar a

todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental (CF – arts. 6º

e 196). Diante da negativa ou omissão do Estado em prestar atendimento à população

carente, que não possui meios para a compra de medicamentos indispensáveis a sua

sobrevivência, cabe a jurisprudência estabelecer preceitos para que estes possam

alcançar as prestações das quais necessitam.

No mesmo sentido, encontramos decisões no TJRS, a saber, Apelação Cível Nº

70038789343165, decisão que se refere ao acesso às ações e serviços de saúde, que é

universal e igualitário (CF - art. 196), do que deriva a responsabilidade solidária e linear

dos entes federativos. A saúde, estabelecida como direito social fundamental do

homem, tem sua aplicação imediata e incondicionada, o que permite que o indivíduo

possa exigir as prestações asseguradas. Por não haver distinção entre os entes

federados, cada um e todos, indistintamente, são responsáveis pelas ações e serviços

de saúde, o que não importa em compartimentar sua prestação.

Em decisão da Apelação Cível Nº 598043289166, o Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul, reconhece, em termos de Direito à Saúde, a obrigação de fornecimento

de remédios por qualquer dos entes federativos, conforme estabelecido no artigo 196

da Constituição Federal. A norma que tem por base o artigo 196 da Constituição

164 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Ordinário em MS nº 11.183/PR, acórdão

de relatoria do Ministro José Delgado, julgado em 22/08/2000. Disponível em

<http://www.stj.jus.br/SCON/servlet/BuscaAcordaos?action=mostrar&num_registro=199900838840&dt_

publicacao=04/09/2000>. Acesso em 6/12/2010. 165 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Apelação Cível

Nº 70038789343, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José

Baroni Borges, Julgado em 06/10/2010. Disponível em <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>.

Acesso em 6/12/2010. 166 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Apelação Cível

Nº598043289, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tupinambá Miguel Castro do

Nascimento, Julgado em 26/08/1998. Disponível em <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>.

(Acórdão não possui Inteiro Teor). Acesso em 6/12/2010.

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Federal tem todos os elementos necessários a sua aplicação e por tal é de eficácia

plena, caracterizando-se em norma auto-aplicável por excelência.

Recentemente, o TRF4, em decisão do Agravo de Instrumento

nº2009.04.00.011230-9167 reconhece a eficácia imediata da prestação positiva de

fornecimento a medicação via SUS. A decisão trata da admissão da eficácia direta da

norma constitucional que assegura o direito à saúde, ao menos quando as prestações

são de grande importância para seus titulares e inexiste risco de dano financeiro grave,

o que inclui o direito à assistência médica vital, que prevalece, em princípio, inclusive

quando ponderado em face de outros princípios e bens jurídicos.

Com base no já exposto é que se evidencia a importância do estudo das decisões

proferidas pelos Tribunais Superiores (STF e STJ), assim como daquelas oriundas do

TRF4 e do TJRS, pois é através da análise desta que se poderá chegar a um adequado

estudo da titularidade, suas definições, limitações e aplicação no âmbito das decisões

jurisprudenciais. É através deste estudo amplo que poderemos constatar até onde

chega à suficiência dos pleiteantes e quando estes titulares acabam sendo substituídos

por outros com maior possibilidade de atuação frente à hiperssuficiência do Estado

organizado.

Como objetivo deste estudo há a necessidade de estabelecer quais são os

titulares do Direito à Saúde através de análise das demandas relativas ao Direito à

Saúde na jurisprudência interna, bem como averiguar as contribuições que a doutrina

nacional vem a acrescentar à crescente “judicialização da saúde”.

Por ocasião desta chamada “judicialização da saúde” é importante identificar

quem são aqueles que a demandam, dando enfoque às decisões de maior impulso,

averiguando quais são os limites aos quais estes titulares estão adstritos e até que

167 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Agravo de Instrumento

nº2009.04.00.011230-9, Relator Nicolau Konker Júnior, Terceira Turma, data do julgamento:

09/02/2010. Disponível em

<http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3270702>. Acesso em

6/12/2010.

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ponto podem ser representados em juízo em questões em que se apresentam como

hipossuficientes.

É também relevante, definir quais são as orientações, a respeito de titularidade

de Direito à Saúde, estabelecidas pelos Tribunais cujas demandas estão em análise e

averiguar as transformações de entendimento que estes tiveram, colocando em foque a

apreciação de leading cases.

3.5.2 Titularidade do Direito à Saúde

É reconhecido no caput do artigo 5º, da Constituição Federal sob influência

dominante do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF),

como titular de direitos, qualquer pessoa, tanto fazendo ser ela brasileira ou estrangeira

residente no país.

Muito comum é que se confunda os destinatários com os titulares dos direitos

fundamentais, muitas vezes essas expressões acabem sendo utilizadas como se

sinônimos fossem, entretanto, estas denominações, quanto a sua definição trazem

poucas semelhanças entre si, cumpre, por tal, diferenciá-las.

Considera-se titular do direito, sob o ponto de vista da dimensão subjetiva dos

direitos e garantias fundamentais, quem figura como sujeito ativo da relação jurídico-

subjetiva, são os titulares do chamado poder de agir, pode-se entender, também, que

os titulares são os detentores da possibilidade de exercício dos direitos fundamentais.

Enquanto destinatário é a pessoa em face da qual o titular pode exigir o respeito,

proteção ou promoção do seu direito, ou seja, destinatário é o sujeito passivo, é a ele

que cabem as obrigações oriundas das normas dos direitos fundamentais.

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O direito subjetivo consagrado por uma norma de direito fundamental se

manifesta por uma relação trilateral que envolve o titular, o objeto e o destinatário do

direito.168

A titularidade de um direito, isto é, a condição de ser sujeito de direitos

fundamentais, tem de abranger a apropriada capacidade de exercitá-la, e por tal, tais

expressões encontram-se intimamente interligadas, sendo importante distingui-las.

É do entendimento de Canotilho que esta distinção pode ser obtida do direito

privado. Capacidade jurídica consiste na aptidão para ser sujeito de relações jurídicas, e

capacidade de exercício ou capacidade de agir, isto é, disposição do sujeito para cuidar

diretamente dos seus próprios direitos e interesses exercitando atos jurídicos

relacionados com a titularidade de direitos e obrigações.169

O exercício de direitos fundamentais não estará relacionado a qualquer limite de

idade naqueles direitos fundamentais que não implicarem em necessidade de

conhecimento ou tomada de decisão, pois nestes a capacidade de exercício abarca e

pressupõe mesmo a capacidade de direitos. Quando a titularidade dos direitos

fundamentais estiver relacionada à maioridade ou emancipação, ela deve harmonizar-se

com a regulamentação da lei civil e a idade mínima por ela requisitada.

A diretriz geral que se pode abstrair no que diz respeito aos direitos

fundamentais dos menores é que são iguais aos dos adultos, observando-se suas

exceções quando da natureza do direito examinado se puder localizar a legitimidade de

restrições especificas de garantias, liberdades e direitos.

A titularidade não pode ocorrer sem que haja a possibilidade de exercício do

respectivo direito fundamental, o que quer dizer que pode haver titularidade sem

exercício, mas não sem a possibilidade de exercício.

168 NUNES, Anelise Coelho. A Titularidade dos Direitos Fundamentais na Constituição Federal de

1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. Pg. 42. 169 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição . 7ª edição. Coimbra:

Edições Almeida, 2005. Pg. 424.

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Relativo à capacidade de exercício, em determinados momentos os titulares de

certos direitos fundamentais vão ser pessoas específicas, como por exemplo, os direitos

políticos, que são de exclusividade dos nacionais, que são os únicos que podem

exercê-los.

Muitas prerrogativas fundamentais no que diz respeito à titularidade dos direitos

a saúde foram asseguradas em julgamentos nos tribunais brasileiros no decorrer dos

anos. No Recurso Extraordinário em Agravo Regimental nº 271.286170, reforçado o

entendimento de que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa

jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela Constituição da

República (art. 196) e trata-se de bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja

integridade cabe ao Poder Público velar e programar políticas sociais e econômicas que

visem a garantir aos cidadãos o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica

e médico-hospitalar. O direito à saúde, além de qualificar-se como direito fundamental

que assiste a todas as pessoas, representa consequência constitucional indissociável do

direito à vida.

O reconhecimento dos titulares dos direitos fundamentais descende de um

processo de interpretação realizado a partir do caput do artigo 5º da Constituição

Federal. A fim de gerar o reconhecimento do titular do direito fundamental, é preciso

valer-se de um método sistemático à concretização do processo de interpretação da

norma.

O texto Constitucional não pode ser interpretado literalmente, mas é necessário

utilizar-se de interpretação sistemática e hermenêutica. Os direitos fundamentais são

reconhecidos a todos, de um modo geral (nacionais e estrangeiros), assim como é

possível que seja reconhecido à pessoa jurídica e entes despersonalizados (contanto

que observadas certas especificidades). Reúne-se a esta interpretação o princípio da 170 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº

271.286, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, Segunda Turma, DJ de 24-11-2000.

Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538>. Acesso em

6/12/2010.

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máxima efetividade, onde a uma norma constitucional deve ser atribuída a maior

eficácia. Em conclusão, ao ser necessário a realização de interpretação da Constituição,

deve-se buscar a ampliação do âmbito de aplicação das normas constitucionais.

3.5.3 Titularidade do Estrangeiro

A Constituição Federal faz menção expressa a estrangeiros residentes, fazendo

com que seja de grande importância determinar o alcance da titularidade de direitos

fundamentais a estrangeiros não residentes no Brasil.

Uma forma de interpretação mais extensiva trata das definições de estrangeiro

residente e não residente e privilegia o indivíduo em prejuízo do Estado, assim como

reforça os princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia e universalidade.

Entendem-se estrangeiros residentes como todos aqueles que não sendo brasileiros

natos ou naturalizados, encontram-se, ainda que temporariamente no País, tendo com

este uma conexão de certa permanência171.

A fim de desdobrar o entendimento de titularidade de direitos fundamentais a

qualquer estrangeiro (ainda que não residente), é preciso fazê-lo à luz do princípio da

universalidade em estreita ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana,

pelo qual se poderia compreender que no mínimo todos aqueles direitos fundamentais

que tiverem sua base na dignidade da pessoa humana são alcançáveis a estrangeiros.

O princípio da universalidade determina que em havendo qualquer dúvida, deve-

se privilegiar o indivíduo e uma interpretação mais benéfica a ele, prevalecendo à

presunção de que a titularidade de um direito fundamental é atribuída a todas as

pessoas sem qualquer exceção172.

171 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2010. Pg. 213. 172 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra:

Edições Almeida, 2005. Pg. 417.

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Muito antes de a Constituição Federal de 1988 reconhecer como devida a

proteção dos direitos e garantias fundamentais ao estrangeiro residente no Brasil, o

Supremo Tribunal o fez, no julgamento do Recurso Extraordinário – RE 70087/SP173,

nesta decisão, foi considerado brasileiro, para todos os efeitos legais, o menor

estrangeiro residente no País, filho de pais estrangeiros naturalizados brasileiros e

residentes no Brasil.

A esta decisão seguiu-se o julgamento do HC 74.051174, que assegura aos

estrangeiros residentes no país, direitos e garantias fundamentais. E mais recentemente

o RE 590663 AgR175. Decisão de relevância consistente na possibilidade constitucional

de o estrangeiro figurar como titular de determinados direitos estabelecidos na Carta

Magna, e por não ser a norma que regulamenta o referido inciso de matéria reservada

a União, a iniciativa deve caber aos Estados-membros. O Agravo de Instrumento

nº2005.04.01.032610-6176 assegura ao estrangeiro tratamento gratuito e transplante de

saúde a ser prestado pelo SUS, tratando do significado do art. 5º da CF, que consagra a

igualdade de tratamento entre brasileiros e estrangeiros, exigindo que o estrangeiro

esteja sob a ordem jurídico-constitucional brasileira, não importando em que condição.

Até mesmo o estrangeiro em situação irregular no País, encontra-se protegido e a ele

são assegurados os direitos e garantias fundamentais, não se está a exigir o domicílio

do estrangeiro no Brasil.

173 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Recurso Extraordinário – RE 70087/SP,

Relator(a): Min. Amaral santos, Primeira Turma, julgado em 18/02/1971. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=166009>. Acesso em 06/12/2010. 174 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. HC 74.051, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma,

julgamento em 18-6-1996. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=74951>. Acesso em 6/12/20 10. 175 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. RE 590663 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU,

Segunda Turma, julgado em 15/12/2009. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=607727>. Acesso em 06/12/2010. 176 QUARTA REGIÃO. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Agravo de Instrumento

nº2005.04.01.032610-6, Relatora Vânia Hack de Almeida, Terceira Turma, data da decisão:

29/08/2006. Disponível em

<http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?numeroProcesso=200504010326 106&data

Publicacao=01/11/2006>. Acesso em 6/12/2010.

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Embora o estrangeiro residente apenas apareça no artigo 5º da Magna Carta

como destinatário, não são apenas estes os direitos que lhe são garantidos. Cabem-lhe

também os direitos sociais, especialmente os trabalhistas, tal é que os estrangeiros têm

especial reconhecimento de direito fundamental de acesso a cargos e empregos

públicos previstos no inciso I do artigo 37 e no §1º do artigo 207, ambos da

Constituição Federal177. Em decisão, o Supremo Tribunal Federal reforçou o

entendimento de assegurar o acesso de estrangeiros a cargos públicos no Recurso

Extraordinário 544.655 em Agravo Regimental178, sendo preceito de eficácia limitada,

dependendo de regulamentação específica.

A expressão estrangeiro residente no Brasil, no entanto, deve ser vista no

sentido de que a Constituição Federal unicamente pode asseverar a validade e gozo dos

direitos fundamentais dentro do território brasileiro, o que não exclui o estrangeiro em

trânsito pelo Brasil, que também possui acesso aos remédios constitucionais. Por tal,

estariam protegidos tanto os estrangeiros residentes quanto os não residentes, em

trânsito, pois todos seriam titulares de direitos humanos fundamentais.179

Com o objetivo de ilustrar a garantia dos direitos do estrangeiro, pode-se

colacionar aqui a decisão da Ext 1.028180, em que se enfoca a necessidade de proceder

a um tratamento igualitário de brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, de forma

que o que está estabelecido no art. 5 da CF deve ser estabelecido levando-se em conta

seus respectivos incisos. E reforça que em se tratando de extradição de estrangeiro, o

pedido deve encontrar-se suficientemente embasando e instruído.

177 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2010. Pg. 211. 178 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário

544.655, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgamento em 9-9-2008. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=554201>. Acesso em 6/12/2010. 179 NUNES, Anelise Coelho. A Titularidade dos Direitos Fundamentais na Const ituição Federal de

1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. Pg. 81. 180 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Ext 1.028, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10-

8-2006, Plenário, DJ de 8-9-2006. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=362763>. Acesso em 6/12/2010.

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Ainda que a Magna Carta refira-se unicamente a estrangeiros residentes no País,

não se pode ignorar a declaração de direitos fundamentais feita pela mesma, que

abrange múltiplos direitos que radicam diretamente no princípio da dignidade do

homem. O referido princípio encontra-se consubstanciado no artigo 1º, inciso III e é

estimado pela Constituição Federal como o fundamento central do Estado democrático

brasileiro, que não pode e não deve ter sua aplicação em suspenso em virtude da

nacionalidade da pessoa.

Os cidadãos estrangeiros, no âmbito dos princípios, não podem, sob qualquer

hipótese, serem privados de:

- Direitos, liberdades e garantias que não podem ser suspensas ainda que

em situação de regime de exceção (estado de sítio e estado de emergência),

- Direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza equivalente

estritamente relacionadas com o desenvolvimento da personalidade humana.

Anteriormente à vigência da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal

Federal já seguia está linha de proteção aos direitos de estrangeiros, residentes ou não.

No Recurso Extraordinario 33.319181, é garantido ao estrangeiro não residente o direito

de propriedade. No Recurso de Mandato de Segurança 8844182, o uso de ação de

mandato de segurança é assegurado a estrangeiros, ainda que não residente.

Com a vigência da Constituição Federal de 1988, o entendimento do Supremo

Tribunal Federal permaneceu inalterado, reforçando a proteção ao estrangeiro não

residente, como podemos ver na decisão da Extradição 633183, na qual é assegurado ao

estrangeiro não residente os direitos fundamentais. Em sua fundamentação, o Ministro

181 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Recurso Extraordinario 33.319, Relator(a): Min.

Cândido Motta, Primeira Turma, julgado em 12/09/1957. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=133842>. Acesso em 6/12/2010. 182 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Recurso de Mandato de Segurança 8844,

Relator(a): Min. Ribeiro Da Costa, Tribunal Pleno, julgado em 22/01/1962. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=108416>. Acesso em 6/12/2010. 183 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Extradição 633, Relator(a): Min. Celso De Mello,

Tribunal Pleno, julgado em 28/08/1996. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=324836>. Acesso em 6/12/2010.

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Celso de Mello leciona: “ O fato de o estrangeiro ostentar a condição jurídica de

extraditando não basta para reduzi-lo a um estado de submissão incompatível com a

essencial dignidade que lhe é inerente como pessoa humana e que lhe confere a

titularidade de direitos fundamentais inalienáveis. (...) Em tema de direito extradicional,

o Supremo Tribunal Federal não pode e nem deve revelar indiferença diante das

transgressões a regime das garantias processuais fundamentais. É que o Estado

brasileiro (...) assumiu, nos termos do mesmo estatuto político, o gravíssimo dever de

sempre conferir prevalência aos direitos humanos (art. 4º, II). (...)”.

3.5.4 Legitimidade do Ministério Público e a Hipossuficiência

Recentemente, durante a chamada “judicialização do direito à saúde”, é

crescente o número de demandas pleiteando a concretização do direito à saúde por

pessoas individualizadas. Estas pessoas individualizadas, titulares de direitos, ao

demandar ao Poder Público (União, Estado, Distrito Federal e Município), objetivando

que este preste os serviços de saúde, pelos quais é responsáveis proporcionar, acabam

sendo levadas a uma posição de hipossuficiência frente ao demandado.

A hipossuficiência dos titulares de direito à saúde, se caracteriza e se mostra

cada vez mais predominante nas demandas nacionais, não são poucas as lides em que

se reconhece a legitimação do Ministério Público, objetivando garantir a tutela dos

direitos individuais indisponíveis à saúde e à vida.

Em Recurso Especial 688052 / RS184, em que para assegurar o direito à vida e à

saúde de uma criança, considerado direito individual indisponível, por ser pessoa

184 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial 688052 / RS, Relator: Min.

Humberto Martins. Segunda Turma, Julgamento em: 03/08/2006. Disponível em

<http://www.stj.jus.br/SCON/servlet/BuscaAcordaos?action=mostrar&num_registro=200401311980&dt_

publicacao=17/08/2006>. Acesso em 6/12/2010.

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individualmente considerada, é reconhecido ao Ministério Público à legitimação

extraordinária.

No mesmo sentido Recurso Especial 716712 / RS185, a questão também se

apresenta para abordar o direito à saúde, que é direito indisponível, em função do bem

comum maior a proteger. É questionada a legitimidade do Ministério Público, em razão

de creditar-se esta matéria a Defensoria Pública. É reconhecida a legitimidade do

Ministério Público, pois ainda que esteja tutelando o interesse de uma única pessoa, o

direito à saúde não atinge apenas o requerente, mas todos os que se encontram em

situação equivalente, ou seja, de interesse público primário, indisponível.

3.5.5 Ação Civil Pública e a Hipossuficiência

Objetivando a concreção das prestações de Direito à Saúde por intermédio da

judicialização e devido à posição de hipossuficiência dos titulares de direito que as

pleiteiam, muitas vezes é reconhecida a legitimidade do Ministério Público para intentar

e interceder pela efetivação destes direitos.

No entanto, quando tratar-se de interesses difusos, coletivos ou individuais

homogêneos, caberá ao Ministério Público, em sede de legitimação extraordinária

propor Ação Civil Pública, de maneira a ver assegurados e prestados estes interesses

necessitados.

A legitimação do Ministério Público para defender estes interesses difusos via

Ação Civil Pública ancora-se no art. 5º, inciso I, da Lei nº 7.347/1985. O mesmo artigo

5º, inciso I, da referida Lei, recentemente tornou-se objeto de Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI nº 3943, ainda não decidida) devido à sustentação, por

185 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial 716712 / RS, Relator(a): Min.

Eliana Calmon, Segunda Turma, Julgamento em: 15/09/2009. Disponível em

<http://www.stj.jus.br/SCON/servlet/BuscaAcordaos?action=mostrar&num_registro=200500064461&dt_

publicacao=08/02/2010>. Acesso em 6/12/2010.

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parte do Ministério Público de que não cabe a Defensoria Pública atuar em interesses

difusos, coletivos ou individuais homogêneos como possuidor de legitimação

extraordinária.

Sustenta o Ministério Público, que de acordo com suas atribuições, estabelecidas

nos artigos 5º, LXXIV e 134, caput, da Constituição Federal, a Defensoria Pública cabe

somente atender necessitados que comprovarem individualmente sua carência

financeira, ou seja, os atendidos pela Defensoria Pública devem ser individualizáveis e

identificáveis. No entanto, pleiteia o Ministério Público que, ainda que se entenda que a

Defensoria Pública possui legitimação extraordinária para propor Ação Civil Pública, que

esta se limite a interesses coletivos ou individuais homogêneos, excluindo-se a sua

legitimação para ajuizar Ação Civil Pública em relação a interesses difusos, pois isto

não seria constitucionalmente possível.

No tangente a legitimação extraordinária do Ministério Público, podemos citar

duas decisões relevantes do Superior Tribunal de Justiça na busca pela efetivação dos

Direitos à Saúde dos titulares hipossuficientes.

A primeira é o REsp 688052 / RS186, em que o entendimento é de que o

Ministério Público tem legitimidade para defesa dos direitos individuais indisponíveis,

mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada (art. 127,

CF/88). Em, se tratando, a ação de garantir o fornecimento de medicamento necessário

e de forma contínua a criança para o tratamento, reconhece-se a legitimação do

Ministério Público, objetivando garantir a tutela dos direitos individuais indisponíveis à

saúde e à vida.

186 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. REsp 688052 / RS, de relatoria do ministro

Humberto Martins, de decisão datada do dia 03/08/2007. Disponível em

<http://www.stj.jus.br/SCON/servlet/BuscaAcordaos?action=mostrar&num_registro=200401311980&dt_

publicacao=17/08/2006>. Acesso em 6/12/2010.

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A segunda decisão que pode ser citada é o REsp 716712 / RS187, em que

reforça-se que o direito à saúde, é direito indisponível, em função do bem comum

maior a proteger. É questionada a legitimidade do Ministério Público, em razão de

creditar-se esta matéria a Defensoria Pública. É reconhecida a legitimidade do Ministério

Público, pois ainda que esteja tutelando o interesse de uma única pessoa, o direito à

saúde não atinge apenas o requerente, mas todos os que se encontram em situação

equivalente, ou seja, de interesse público primário, indisponível.

Considerações Finais

Através do estudo conjunto de doutrina e jurisprudência, tanto nacional quanto

alienígena, resta-se evidenciado que algumas definições no

âmbito da titularidade estão muito bem definidas e asseguradas. O estudo comparado

trouxe a força definitiva de algumas questões e termos de grande relevância para o

estudo e no âmbito das decisões jurisprudenciais pode-se destacar, por um lado uma

forte consolidação de alguns entendimentos e por outro lado dúvidas que começam a

se insurgir, como a provocação trazida pela ADI 3943 que vem a questionar a

legitimação extraordinária da Defensoria Pública para a promoção de Ação Civil Pública.

É no âmbito dos Tribunais Nacionais, que encontramos alguns dos mais

pertinentes resultados para o estudo. Foi possível constatar alguns entendimentos já

consolidados, principalmente no que diz com a problemática da titularidade de direitos

do estrangeiro e a amplitude que esta possa alcançar; entendimentos esses que vem se

solidificando desde antes mesmo da vigoração da atual Magna Carta.

187 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. REsp 716712 / RS, de relatoria da ministra Eliana

Calmon , decisão em 15/09/2009. Disponível em

<http://www.stj.jus.br/SCON/servlet/BuscaAcordaos?action=mostrar&num_registro=200500064461&dt_

publicacao=08/02/2010>. Acesso em 6/12/2010.

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É reconhecido ao Ministério Público e a Defensoria Pública (atualmente sob

contestação) a legitimidade extraordinária de levantar-se e promover Ação Civil Pública

em objetivando a proteção daquele titular que se apresenta em posição de

hipossuficiência frente ao Estado Social organizado, quando se tratando de interesses

difusos, coletivos ou individuais homogêneos, consoante do art 5º, incisos I e II da Lei

7.347/85.

No REsp 811608 / RS188, o Ministério Público aparece como legitimado em Ação

Civil Pública objetivando a implementação de políticas públicas concretas de serviços de

saúde a minorias indígenas. Já na Apelação Cível Nº 70030823389189, o Ministério

Público não teve a sua legitimação reconhecida, por tratar-se de interesse individual e

individualizado, embora em decisão do RE 407902 / RS190 a legitimação do referido

órgão seja reconhecida, ainda que se tratando de pessoa individualizada.

No que tange a busca pelo direito prestacional à saúde, não foi constatada uma

limitação desta prestação. Os Tribunais parecem analisar caso a caso as necessidades

de cada um daqueles titulares que demandam seus direitos, sopesando até que ponto

as prestações buscadas podem ser ou não alcançadas a eles sem que isso os prive de

seus direitos à saúde, a sua dignidade e a própria vida. A Jurisprudência reconhece a

responsabilidade e o dever da prestação do direito à saúde aos entes federados, sendo

considerada a norma auto-aplicável, mesmo antes de vigorar a Carta Magna de 88,

como se evidencia na Apelação Cível Nº 597246552191. Na Apelação Cível Nº

188 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Apelação Cível REsp 811608 / RS. Relator Ministro

Luiz Fux. Primeira Turma. Julgamento em 15/05/2007. Disponível em

<http://www.stj.jus.br/SCON/servlet/BuscaAcordaos?action=mostrar&num_registro=200600123528&dt_

publicacao=04/06/2007>. Acesso em 7/12/2010. 189 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Apelação Cível 70030823389, Vigésima Primeira

Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 30/09/2009.

Disponível em <http://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em 7/12/2010. 190 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. RE 407902 / RS. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO.

Órgão Julgador: Primeira Turma. Julgamento: 26/05/2009. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=601644>. Acesso em 8/12/2010. 191 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Apelação Cível

Nº 597246552, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tupinambá Miguel Castro do

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70015466857/2006192 é reconhecida a legitimação passiva do Estado do Rio Grande do

Sul, pois o direito à saúde é assegurado a todos, devendo aqueles que necessitam

recebê-lo do ente público, cabendo ao Estado proceder com o fornecimento de

medicamentos indispensáveis a manutenção da saúde àquele que dela precisa e dela

não pode fazer uso devido a suas carências.

Embora os limites de até onde possam chegar estas pretensões objetivando a

concreção do direito à saúde não estejam bem definidos, é consolidado o entendimento

de que para a obtenção de medicamento pelo Sistema Único de Saúde, não basta ao

paciente comprovar ser portador de doença que o justifique, exigindo-se prescrição

formulada por médico do Sistema, conforme se pode averiguar na STA 334 AgR /

SC193.

É reconhecido ao Estado o dever de propiciar e alcançar à saúde, principalmente

em se tratando de crianças e adolescentes, principalmente pelos direitos fundamentais

à saúde, constante do artigo 196 da Constituição Federal, serem considerados norma

de auto-aplicação. No RE 195192194, reconhece-se direito líquido e certo, e, portanto o

direito a pleitear, através de mandado de segurança, a responsabilidade e o dever dos

entes federados através do SUS, que faz com que esta responsabilidade se dê de forma

linear.

A chamada “judicialização do direito à saúde” vem se mostrando como uma

concreção dos direitos prestacionais, como se pode averiguar na decisão da STA 175

Nascimento, Julgado em 26/08/1998. Disponível em <http://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso

em 7/12/2010. 192 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão. Apelação Cível

Nº 70015466857/2006, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jaime Pitterman.

Julgado em 6/09/2006. Disponível em <http://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em 7/12/2010. 193 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. STA 334 AgR / SC. Relator(a): Min. CEZAR PELUSO

(Presidente). Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Julgamento: 24/06/2010. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=613300>. Acesso em 8/12/2010. 194 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. RE 195192, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,

Segunda Turma, julgado em 22/02/2000. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=234359>. Acesso em 7/12/2010.

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AgR/CE195. A decisão salienta a responsabilidade solidária dos entes federados em

matéria de direito à saúde, ressaltando a existência de uma proibição de prestação

insuficiente em âmbito doutrinário. No âmbito da atuação judicial na concretização dos

direitos sociais, estes, e entre eles principalmente o direito à saúde, são intrínsecos a

dignidade da pessoa humana e, por conseguinte, ao menos o mínimo existencial de

cada um destes direitos não poderia deixar de ser objeto de apreciação judicial. A

atuação do Poder Judiciário, em termos de “judicialização do direito à saúde” vem se

concretizando como uma forma de exercício da cidadania. A decisão cuida de

estabelecer parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito

à saúde e aponta a responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de

saúde, garantindo ao titular o direito ao fornecimento do medicamento pleiteado.

195 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. STA 175 AgR / CE. Relator(a): Min. GILMAR MENDES

(Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010. Disponível em

<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610255>. Acesso em 6/12/2010.