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RELATÓRIO Projeto “Famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável” Encontro nº 1 Educação na primeira infância: a importância da família

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RELATÓRIO

Projeto “Famílias: potencial para o desenvolvimento integral

e sustentável”

Encontro nº 1Educação na primeira infância: a

importância da família

AGRADECIMENTO

Este trabalho foi realizado através de uma parceria de Family Talks (uma iniciativa da Associação de Desenvolvimento da Família – ADEF) com a Faculdade de Educação da PUC-SP, contando com o apoio da International Federation for Family Development (IFFD). Em particular, agradecemos à Profª Drª Madalena Guasco Peixoto, Diretora da Faculdade de Educação PUC-SP, a articulação que tornou possível a realização do evento que precedeu a elaboração deste relatório.

3Educação na Primeira Infância: a importância da família

1introdução

Family Talks, perspectiva de família e a primeira infância

uO que é Family Talks?

Family Talks organiza eventos, estudos e ações para valorizar a participação da família

no desenvolvimento social do Brasil. Procura cooperar com a sociedade civil, as empresas, a

mídia e o poder público na promoção de um ambiente comunitário que fortaleça os vínculos

familiares e ajude a família a exercer melhor o seu papel na criação, na educação e no cuidado

dos cidadãos.

É uma iniciativa da Associação de Desenvolvimento da Família (ADEF), organização sem

fins lucrativos que desde 1978 se dedica a apoiar a família no Brasil. A ADEF está vinculada à

International Federation for Family Development (IFFD), que congrega mais de 200 associações,

está em 66 países e possui status consultivo geral na ONU.

uO que é o projeto “Famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável”?

Family Talks está realizando o projeto “Família: potencial para o desenvolvimento

integral e sustentável”, em que propõe uma reflexão sobre uma “perspectiva de família” para

apoiar a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)1 no Brasil. O

tema proposto para o primeiro encontro do projeto foi “Educação na Primeira Infância: o

papel da família”. Isso está em consonância com o ODS 4, “Educação de Qualidade”, mais

especificamente a meta 4.2, que assinala:

1 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

Até 2030, garantir que todos as meninas e meninos tenham acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira infância, cuidados e educação pré-escolar, de modo que eles estejam prontos para o ensino primário.

No caso brasileiro, para abordar o tema Educação é necessário considerar o Plano

Nacional de Educação (PNE)2 que, de acordo com o Ministério da Educação, “determina

diretrizes, metas e estratégias para a política educacional dos próximos dez anos” . A meta 1

do PNE trata do tema “Primeira Infância”:

Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de quatro a cinco anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, cinquenta por cento das crianças de até três anos até o final da vigência deste PNE.

Mais especificamente, a Estratégia 1.12 do PNE aborda o tema “Primeira Infância” a

partir de uma perspectiva de família:

Implementar, em caráter complementar, programas de orientação e apoio às famílias, por meio da articulação das áreas de educação, saúde e assistência social, com foco no desenvolvimento integral das crianças de até três anos de idade.

2 Plano Nacional de Educação (PNE) Lei nº 13.005/2014. Disponível em: http://pne.mec.gov.br/

5Educação na Primeira Infância: a importância da família

2objetivos

O escopo do encontro, organizado por Family Talks em parceria com a Faculdade de

Educação da PUC-SP, foi basicamente uma discussão em torno da Estratégia 1.12 do Plano

Nacional de Educação (PNE).

Nessa perspectiva, foram estabelecidos os seguintes objetivos para esse trabalho:

• Contribuir na discussão sobre desenvolvimento infantil na primeira infância, destacando

especialmente o papel da família neste processo.

• Ajudar na construção, a partir da experiência (teórica ou prática) dos participantes, de

diretrizes que possam ajudar na elaboração de ações e/ou políticas públicas centradas

na família para apoiar o desenvolvimento de crianças de 0-3 anos

• Contribuir com ideias para a articulação de escolas/creches/programas sociais com

as famílias, colocando essas no foco de atenção, para assim capacitar pais a participar

mais eficazmente no desenvolvimento de seus filhos, especialmente nos primeiros

anos de vida.

Ao considerar os ODS e o PNE na elaboração do contexto, escopo e objetivos dessa reflexão,

assegurou-se o alinhamento das conclusões do encontro com as diretrizes já estabelecidas

para o assunto em nível internacional e nacional.

6Educação na Primeira Infância: a importância da família

3metodologia

O presente relatório é fruto de uma pesquisa qualitativa realizada por meio da técnica

de entrevista Focus Group. Esta técnica permite obter conhecimento de pesquisadores

ou especialistas em determinado tema através de uma discussão objetiva em grupo. Tal

discussão é conduzida por um moderador que propõe questões e tem a função de moderar

as intervenções dos interlocutores. O conteúdo da entrevista é transcrito e analisado a fim de

produzir um relatório, cujo objetivo é expor o teor das discussões e as principais conclusões

dos participantes do encontro.

Para o objeto de estudo deste projeto de pesquisa, a opção da equipe organizadora

foi organizar um encontro de pesquisadores e representantes de instituições da sociedade

civil, que trabalham com o tema “primeira infância”, procurando refletir a pluralidade de

experiências entre profissionais dedicados ao tema. Além disso, a partir das informações

contidas na Estratégia 1.12 do PNE, buscou-se profissionais das áreas de educação, assistência

social e saúde, de modo a possibilitar uma discussão interdisciplinar e alinhada com as grandes

diretrizes para políticas públicas a respeito do assunto em pauta. A lista de participantes

encontra-se no final deste trabalho. O grupo possuía a seguinte composição:

Saúde Assistência Social Educação Sociologia

Acadêmicos - 1 3 1

ONG 1 2 2 -

Setor privado 1 1 -

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

Para facilitar a interação entre os participantes do encontro, foram elaboradas três

questões, previamente enviadas a todos. Esta ação faz parte da metodologia tradicionalmente

utilizada em entrevista Focus Group. (KRUEGER, 2002; FREITAS et al., 1998). O intuito das

questões é tanto direcionar as intervenções aos objetivos propostos para o encontro (que

haviam sido previamente compartilhados com todos os convidados), como garantir alguma

coerência entre as diferentes sugestões apresentadas. As perguntas elaboradas foram as

seguintes:

1. Pensando no apoio aos pais de crianças de 0-3 anos, quais experiências de “orientação

e apoio às famílias” são bem-sucedidas (sejam de governos ou ONGs)?

2. Quais soluções podem ser adotadas para assegurar a “articulação das áreas de

educação, saúde e assistência social” neste contexto? Como integrar ações de ONGs

a políticas públicas no contexto de iniciativas pela Primeira Infância? Ou: como

aperfeiçoar as ações já integradas?

Após a transcrição do encontro, as informações e discussões foram sintetizadas, de

modo a facilitar a apresentação e compreensão das reflexões.

8Educação na Primeira Infância: a importância da família

4contextualização do problema

A primeira infância como estágio da vida tem sido, desde sempre, um período crítico

para os seres humanos. Uma parcela considerável do crescimento populacional observado

no mundo do século XIX em diante resulta diretamente da redução da mortalidade infantil,

devido a avanços obtidos, principalmente, na medicina e no saneamento básico.

Em anos mais recentes, um outro aspecto da importância crítica da primeira infância

tem sido cada vez mais enfatizado. Para além da mera sobrevivência, os cuidados com ela têm

se voltado cada vez mais para o desenvolvimento de uma vida boa. Os avanços da neurociência

evidenciam cada vez mais a singularidade dessa fase do desenvolvimento pessoal, com

repercussões profundas para toda a vida da pessoa.

Os estímulos que a criança recebe, especialmente dos 0 aos 3 anos, impactam o

desenvolvimento da arquitetura cerebral. As conexões cerebrais que se formam nos primeiros

anos podem ser um fundamento forte ou fraco para as conexões formadas posteriormente.

Além disso, a saúde física e mental, as habilidades sociais e as capacidades cognitivas e

linguísticas que se desenvolvem nos primeiros anos de vida são importantes para a vida escolar

e profissional, além da vida comunitária em si. Por outro lado, a exposição da criança ao stress

tóxico, especialmente nos primeiros anos de vida, pode ter um impacto negativo na saúde

física e mental da pessoa ao longo do tempo, com efeito cumulativo.

Relações responsivas com as crianças – tanto esperadas quanto essenciais para seu

desenvolvimento – são a maneira mais efetiva para lhes proporcionar estímulos positivos,

uma vez que reações inadequadas ou insuficientes por parte de um adulto em relação a

uma criança podem afetar negativamente o desenvolvimento de sua arquitetura cerebral.

Por isso, é fundamental formar os cuidadores de crianças, de modo a que desenvolvam as

capacidades que lhes permitam criar um ambiente de relações responsivo às necessidades do

desenvolvimento infantil.

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

Nesse sentido, a convenção da ONU para os direitos da criança reconhece a necessidade

de um ambiente familiar para o pleno desenvolvimento da personalidade, em um contexto

de felicidade, amor e compreensão. Portanto, quando se fala em ações para beneficiar a

primeira infância, fica evidente a conveniência de apoiar as famílias em sua missão de cuidado

e formação integral da pessoa.

No Brasil, a promoção de ações em prol da Primeira Infância tem crescido nos últimos

anos, especialmente com o respectivo Marco Legal, aprovado em 2015. O Plano Nacional

de Educação, em vigor até 2024, determina, em sua estratégia 1.12, a implementação de

programas de orientação e apoio às famílias com crianças na idade de 0 a 3 anos. Contudo,

esta ação ainda não tem sido adotada em larga escala no país, apesar do enorme impacto que

pode causar no desenvolvimento pessoal e, consequentemente, no desenvolvimento social.

Com o intuito de avaliar esta política pública e apontar soluções para sua implementação,

Family Talks organizou, em parceria com a Faculdade de Educação da PUC-SP, o encontro

“Educação na primeira infância: a importância da família”, ocorrido em 06 de novembro de

2017, na PUC-SP. Este documento sintetiza as principais conclusões do evento.

10Educação na Primeira Infância: a importância da família

5síntese do trabalho

A análise da discussão evidenciou a existência de dois aspectos centrais, complementares

às questões previamente elaboradas: (1) a orientação e apoio às famílias com crianças de

0 a 3 anos, com foco particularmente nas relações intrafamiliares; (2) a articulação de

políticas públicas para primeira infância centradas na família, nas áreas de saúde, assistência

social e educação, com foco nas ações de governo e sua integração com organizações não

governamentais e outros setores da sociedade.

uOrientação e apoio às famílias

Os especialistas discorreram sobre as experiências de orientação e apoio às famílias

para o desenvolvimento de crianças na primeira infância, tendo em conta a estratégia 1.12

do Plano Nacional de Educação (PNE). De modo geral, tratou-se da natureza das ações de

orientação e apoio às famílias e das melhores práticas metodológicas, bem como das condições

institucionais e técnicas necessárias para o sucesso dessas ações.

Um dos aspectos técnicos mais discutidos foi como efetivamente envolver os pais

das crianças nas diversas ações de saúde, educação e assistência social dirigidas para o

desenvolvimento integral das crianças de até três anos de idade. É muito frequente os pais

estarem distantes ou desinteressados das ações realizadas em creches, pré-escolas, unidades

de saúde e de assistência social, de modo que é um desafio engaja-los em ações formativas.

Há várias hipóteses para explicar o distanciamento dos pais tanto em relação aos

equipamentos de educação, saúde e assistência social voltados para a primeira infância como

aos programas de orientação e apoio às famílias, promovidos pelo governo ou organizações

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

da sociedade civil. Ao discutir-se a relação entre família e escola, um dos pontos levantados

foi a qualidade do diálogo entre professores e pais. Por exemplo, constatou-se que os pais

frequentemente são cobrados de modo inadequado, tendo que prestar contas dos problemas

dos filhos para os educadores em contextos de pouca empatia. Além disso, alguns participantes

concluíram que a dificuldade dos educadores de creches e pré-escolas com as famílias pode

ser consequência de uma lacuna em sua formação, até mesmo acadêmica.

Para enfrentar esta situação, uma proposta que surgiu na discussão é a capacitação

específica dos educadores para melhor relacionarem-se com as famílias. Destacou-se a

importância de aprimorar o acolhimento dos pais das crianças atendidas nos diversos

educadores, por meio de uma linguagem adequada. Em certo sentido, fomentar a empatia.

Também pode haver uma outra causa ainda menos debatida para essa situação. Para um

dos especialistas, buscar a efetiva participação das famílias é um tema pouco desenvolvido na

formulação de políticas públicas, especialmente no âmbito da educação. Como consequência

os serviços prestados pelos órgãos públicos e pelas organizações da sociedade civil tendem a

deixar ações de orientação e apoio às famílias em segundo plano.

Uma solução interessante para aproximar as famílias dos centros de educação infantil,

adotada por uma organização social em São Paulo, é atraí-los através de ações além do âmbito

da educação. Neste caso, a estratégia adotada é ajudar os pais a aumentarem sua renda

(trata-se de uma região com famílias de baixo poder aquisitivo). Essas ações, aliadas a visitas

domiciliares, fazem com que os educadores e assistentes sociais ganhem a confiança das

famílias que, como consequência, participam com mais frequência nas reuniões referentes ao

desenvolvimento educacional das crianças. Outra proposta para estimular o acolhimento são

as rodas de conversa, cujo objetivo é fortalecer o processo dialógico.

Alguns especialistas comentaram que muitos profissionais avaliam precocemente

as demandas das famílias, algumas vezes até mesmo com algum tipo de preconceito, o que

dificulta tanto o diálogo como a correta avaliação das necessidades que estas enfrentam. As

soluções apresentadas no encontro envolvem o amadurecimento deste diálogo, que possa

levar ao entendimento real das circunstâncias em que cada família vive. Ou seja, é mais eficaz

um diálogo “vivencial”, em que o profissional vai ao encontro da realidade da família. Dessa

forma, “empatia” é um conceito fundamental para o estabelecimento de canais de diálogo.

Outro aspecto relevante é o acolhimento da família além de seu núcleo: tios, avós, primos,

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

etc. Isso é especialmente importante nos casos em que os cuidados da criança estão a cargo

da família estendida.

O acolhimento às famílias não se deve restringir às reuniões nas escolas. Vários

participantes realçaram a conveniência e eficácia da realização de acompanhamento familiar

por meio de visita domiciliar. Por exemplo, no setor público, este acompanhamento é realizado

por técnicos de assistência social no âmbito do programa Primeira Infância Melhor (PIM),

promovido pelo governo do Rio Grande do Sul. Além disso, são ocasiões que permitem aos

profissionais envolvidos (normalmente são equipes multidisciplinares) fortalecer os vínculos

com as famílias. Muitas vezes os problemas de saúde e de aprendizado identificados nas

crianças se devem a dificuldades vivenciadas pela família, tais como a habitação inadequada

ou a desnutrição (normalmente associada à falta de educação nutricional da parte dos pais).

Problemas como esses somente são adequadamente avaliados com as visitas domiciliares e a

consequente ação direta com as famílias.

Contudo, é necessário ter em conta que mesmo visitas domiciliares bem preparadas

possuem limitações. Ao longo da discussão ficou clara uma realidade de locais mais carentes:

pode haver situações em que os pais não estão preparados para realizar o cuidado das

crianças. Alguns exemplos: alimentação inadequada aliada à ausência de rotina alimentar para

as crianças, causando desnutrição infantil (mesmo em ambientes onde os pais são obesos);

falta de atenção dos pais às crianças no convívio doméstico, manifestada tanto na situação

alimentar como na falta de interação com as crianças (por exemplo, deixando-as expostas à

televisão por horas). São casos em que as visitas domiciliares podem não ser suficientes para

solucionar os problemas.

Nesse contexto, uma questão particularmente relevante é o desconhecimento das

práticas maternas (“maternagem”) por mães que não receberam cuidados em sua infância

nem compartilham dessa experiência com outras pessoas da família ou comunidade em que

vivem. Em outras palavras, são mulheres que precisam “aprender” a cuidar de uma criança,

e é necessário reconhecer que as visitas domiciliares por si não resolvem este problema. As

dificuldades relacionadas à “maternagem” e aos casos mencionados anteriormente podem

variar muito conforme a composição dos arranjos familiares, bem como em relação a

diversas características socioeconômicas e culturais. Assim, é preciso elaborar intervenções

específicas com as famílias dessas crianças. Um exemplo trazido na discussão foi a prática

de yoga por adolescentes grávidas em região carente da grande São Paulo, com resultados

surpreendentemente positivos.

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

Apesar de haver um relativo reconhecimento sobre a importância dos programas de

orientação e apoio às famílias, estes ainda precisam ser aprimorados a partir de novos estudos

que evidenciem as particularidades desse trabalho. De fato, esta discussão não se limita ao

Brasil: o convidado internacional destacou que a definição do papel da família na educação na

primeira infância, especialmente no âmbito de políticas públicas, ainda é tema muito debatido

em todo o mundo. Também assinalou que um dos marcos desse debate é a recente elaboração

da agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que traz uma meta

especificamente relacionada a “early childhood education”. Dessa forma, foi sugerido que

políticas construídas em nível nacional estejam alinhadas com os ODS.

Outro ponto importante da conversa foi o debate sobre o papel do Estado e das

organizações sociais no apoio às famílias. Efetivamente, o cuidado na primeira infância é

realizado diretamente pelas famílias, que podem ser amparadas por iniciativas governamentais

e de organizações da sociedade civil. Foi enfatizado que não se trata de substituir os pais, mas

de ajudá-los em sua missão educativa. Nesse sentido, o objetivo geral desses programas de

orientação e apoio às famílias pode ser proporcionar formação aos pais: “parenting education”3,

termo recentemente adotado em resoluções da ONU (UNITED NATIONS, 2014). A ideia central

é oferecer subsídios aos pais para desempenharem com mais eficácia sua missão formativa.

Nesse sentido, ações de “parenting education” devem ajudar os pais a decidirem qual

é o seu projeto familiar, mais do que pretender ensiná-los a cuidar dos filhos - ação que seria

ineficaz, na opinião de alguns dos presentes. Para isso funcionar adequadamente, é conveniente

constituir grupos homogêneos de pais e mães, já que os arranjos familiares podem ser muito

variados: famílias com casal (pai e mãe), famílias monoparentais ou famílias estendidas (com

avós e netos, por exemplo), além da variedade de contextos comunitários que existem no país.

Outro aspecto que pode ser mais explorado na formulação dos programas de orientação

e apoio às famílias é a valorização do papel paterno no ambiente familiar, ainda que haja

uma taxa expressiva de famílias monoparentais chefiadas por mulheres no país. Para alguns

especialistas, a responsabilidade domiciliar muitas vezes é excessivamente associada às mães,

sendo menos estudada a importância do pai nas tarefas domiciliares de cuidado e formação

das crianças.

3 Ao longo da discussão foi expressamente sugerido que se realize um estudo para avaliar a melhor tradução para o termo “parenting education”.

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

Por fim, um dos participantes mencionou alguns estudos que mostram como a falta

de atenção aos meninos – em termos de tempo de cuidado, especialmente na primeira

infância – em algumas famílias monoparentais pode repercutir mais tarde em problemas de

empregabilidade, violência e envolvimento com a criminalidade. Ou seja, tem consequências

sociais no longo prazo. Neste caso, intervenções de apoio a mães solteiras podem ajudá-

las a dar a adequada atenção tanto aos meninos quanto às meninas na primeira infância,

contribuindo para o desenvolvimento integral das crianças.

uArticulação de políticas para primeira infância centradas na família

Ações integradas das áreas de educação, saúde e assistência social voltadas a primeira

infância podem considerar as diversas possibilidades de parceria entre órgãos governamentais

e organizações da sociedade civil que são permitidas e incentivadas pela legislação brasileira.

Por outro lado, foi recordado que o Estado é o titular do serviço social, de modo que as parcerias

não podem ser alternativa para investimentos insuficientes ou ineficazes. Nesse sentido, os

direitos das crianças estão amparados no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Marco

Legal da Primeira Infância.

Com relação às políticas públicas, é conveniente destacar sua importância como

direcionador das ações voltadas à primeira infância, bem como elemento articulador da

cooperação entre o poder público e organizações sociais. Ademais, recordou-se que tanto o PNE

como os ODS estabelecem metas claras para o aprimoramento da educação infantil, inclusive

para primeira infância, e são referências fundamentais para os programas de orientação e

apoio às famílias. Com efeito, os participantes apontaram que um maior conhecimento da

legislação e das políticas públicas em vigor no Brasil permitiria uma visão estratégica para a

formulação das ações das entidades públicas e privadas. Assim, fica evidente a necessidade

de melhorar o processo de comunicação a respeito das políticas vigentes, para dar-lhes maior

visibilidade e, em consequência, maior eficácia. Como exemplo, foi mencionado que muitos

profissionais que trabalham com o tema desconhecem o Marco Legal da Primeira Infância.

As políticas sociais com elevados índices de capilaridade nacional podem oferecer

infraestrutura técnica e institucional para as iniciativas voltadas às famílias, na opinião de

alguns dos presentes. Na área educacional, destacou-se a infraestrutura técnica do Proeja

– Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Este programa tem por objetivo oferecer

cursos para trabalhadores brasileiros a partir de 15 anos que não concluíram o ensino

fundamental4. Dessa forma, é possível utilizar a estrutura e capilaridade do programa para

o desenvolvimento de ações dentro do escopo aqui discutido. Outro exemplo de ação com

grande alcance em todo o território nacional é a Pastoral da Criança5, que realiza uma série de

atividades de promoção da saúde materno-infantil e possui uma reconhecida infraestrutura

técnica. O destaque dessa iniciativa são as visitas domiciliares e o enorme contingente de

pessoas treinadas para realizá-las. Em suma, novas políticas públicas podem aproveitar-se,

em seu desenvolvimento, da estrutura de programas e iniciativas já existentes, beneficiando-

se de sua capilaridade.

As possibilidades de iniciativas de apoio às famílias a partir da infraestrutura do Proeja,

da Pastoral da Criança, das escolas públicas e de outras entidades públicas e privadas remetem

à discussão sobre a intersetorialidade e a necessidade de uma visão integral e multidimensional

dos problemas relacionados à primeira infância. De fato, a intersetorialidade está no cerne

da Estratégia 1.12 do PNE e também foi debatida pelos especialistas. Como já mencionado,

a articulação das áreas de educação, saúde e assistência social é premissa fundamental

para oferecer suporte adequado ao desenvolvimento integral das crianças de 0-3 anos. As

experiências de orientação e apoio às famílias relatadas mostram que muitos problemas

enfrentados pelas crianças relacionam-se com o ambiente familiar e as características

socioeconômicas e culturais das famílias, juntamente com as condições físicas de moradia e,

de modo mais amplo, situações enfrentadas pela comunidade em que está inserida. Um dos

participantes comentou que até existem políticas públicas para atender essas necessidades,

mas falta uma adequada articulação entre elas. Além disso, em muitos casos falta uma rede

de suporte adequada às famílias, por exemplo serviços de saúde, prejudicando os esforços

na área de educação. De todo modo, os especialistas apontaram dois fatores relevantes para

a sensação de ineficácia quanto à mencionada articulação: desconhecimento, da parte de

alguns profissionais, do marco legal das políticas públicas para infância no país; e, quando há

alguma articulação, problemas de comunicação e visibilidade.

No âmbito das escolas da rede pública, existem experiências bem-sucedidas de ações

intersetoriais com famílias que surgiram por iniciativa dos diretores dos estabelecimentos de

4 http://portal.mec.gov.br/proeja5 https://www.pastoraldacrianca.org.br/

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

ensino, ou seja, uma abordagem de “baixo para cima”. No caso em questão, um participante

comentou que ações de saúde em uma determinada comunidade da periferia de São Paulo

ocorriam a partir da escola. Nesse sentido, uma possibilidade é capacitar os diretores das

escolas, pré-escolas e creches para serem também responsáveis ou facilitadores de ações

junto às famílias.

Outro caso de sucesso mencionado na discussão, referente à intersetorialidade, foi

a integração de ações das áreas de saúde, educação e assistência social tendo como ponto

focal a escola em pequenas cidades do norte de Minas Gerais. Como resultado, mobilizou-

se os estudantes do Ensino Médio a engajar as comunidades em que viviam, facilitando o

acesso dos assistentes sociais a um maior número de famílias. Também mencionou-se o caso

de criação de comitê gestor em municípios pequenos em parceria com organizações sociais,

com o intuito de fazer um diagnóstico das necessidades locais e traçar um plano de ação

relacionado ao desenvolvimento integral na primeira infância. Um dos pontos positivos de

iniciativas como essas é a maior participação popular no processo de decisão.

A questão nutricional também é fundamental para o desenvolvimento integral na

primeira infância e é um ótimo exemplo de aplicação da intersetorialidade. Muitos problemas

de saúde e de aproveitamento escolar de adolescentes e adultos são decorrentes de distúrbios

nutricionais vivenciados na primeira infância. Desse modo, as ações de educação nutricional

contribuem para o desenvolvimento integral da pessoa e até mesmo da família, pois precisam

ser vivenciais e em rede para serem efetivas. A desnutrição infantil – tanto a obesidade como a

subnutrição – é uma doença multifatorial que exige uma abordagem complexa para se alcançar

a recuperação nutricional das crianças (CREN, 2015).6 O tratamento dessa doença depende

não somente de atendimento ambulatorial ou em hospital-dia, mas de uma articulação dos

serviços de saúde com a formação dos pais, ou seja, uma articulação intersetorial. Visitas

domiciliares e ações de “parenting education” também são elementos fundamentais para o

sucesso dessas iniciativas.

Contudo, a capilaridade das políticas públicas de apoio às famílias e a intersetorialidade

não são suficientes para garantir o sucesso de iniciativas pela primeira infância. Também é

preciso que os programas e as ações levem em conta as especificidades de cada família. Isso

6 CREN. Relatório de Atividades do CREN – Centro de Recuperação e Educação Nutricional. São Paulo, 2015. Disponível em: http://www.cren.org.br/arquivos/relatorio21/relatorio21_web_pt.pdf

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

pode ser alcançado com visitas domiciliares realizadas por equipes multidisciplinares7. Neste

sentido, a colaboração das organizações da sociedade civil mais próximas dos pais e das mães

pode proporcionar resultados favoráveis. Por outro lado, problemas mais profundos, como a

já mencionada questão da “maternagem”, precisam ser enfrentados com outras ações além

das visitas.

Outro aspecto muito frequente na discussão foi a constatação da necessidade de

articulação em rede. Um participante pontuou a importância de construir redes colaborativas,

alertando sobre a necessidade de terem princípios norteadores claros. Também foi

mencionado que mesmo a articulação em rede precisa funcionar de modo “vivencial”, ou seja,

que os profissionais envolvidos efetivamente entrem na realidade da família e descubram os

problemas que ela enfrenta. Por fim, constatou-se que muitas das políticas existentes não se

“ajustam”, ou seja, não formam uma rede.

Além disso, hoje a maioria das redes são horizontais – por exemplo, a articulação das

diferentes áreas do serviço público (saúde e educação) – mas existe uma carência de redes

verticais. O papel dessas seria possibilitar uma maior articulação entre governo, sociedade civil

e o meio acadêmico na construção de soluções para as demandas sociais. Portanto, concluiu-

se ser necessário criar mais redes verticais.

Cabe mencionar que um ponto de atenção para a efetividade desses programas é a

questão do “território”. Vários participantes enfatizaram a importância da articulação das ações

ocorrer dentro do território, como consequência da territorialidade das variadas comunidades

no país. Por exemplo, se uma escola for um elemento unificador no território, a eficácia das

ações aí desenvolvidas tende a ser muito maior. Na prática, a articulação no território funciona

como uma contextualização necessária para o apoio às famílias.

Outra solução apontada para articulação de diferentes áreas em prol da primeira

infância é fazer dos centros de educação infantil (CEI) os polos de articulação do atendimento às

famílias com a finalidade de assegurar o desenvolvimento integral das crianças. Além dos CEI,

organizações sociais que atuam in loco nas comunidades mais pobres podem constituir outros

espaços de atendimento às famílias. Em todos esses casos, ações de “parenting education”

podem ser fundamentais para apoiar o desenvolvimento das crianças a partir das famílias.

7 Na discussão também foi relatado que, em alguns casos, essa abordagem multidisciplinar pode ser realizada por um profissional com perspectiva multidisciplinar. Em certo sentido, poder-se-ia falar de profissionais multi-disciplinares ou polidisciplinares. Esta prática é adotada por algumas instituições do terceiro setor com atuação na Grande São Paulo.

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

Um dos participantes destacou que muitos pais na região onde trabalha, na periferia

de São Paulo, desconhecem os direitos da criança, por exemplo o acesso a uma unidade de

educação infantil, orientando-os a buscar a efetivação de seus direitos. Foi recordado, por outro

lado, que convém realizar esse processo de forma harmônica e contextualizada, por exemplo

levando em conta o “território”. Além disso, enfatizou-se que o tempo limitado de horas-aula

dedicado às crianças atendidas é uma dificuldade, o que fez a organização social onde trabalha

criar outros espaços de convivência. Dessa forma, esta organização decidiu dispor, além dos

CEI, de núcleos de assistência social onde são atendidas pessoas de faixas etárias específicas.

Com isso, os pais e avós das crianças podem receber uma formação adequada em termos

de educação, assistência social e cidadania. Assim, esta estrutura institucional permite a

formação de uma rede colaborativa, que pode atender efetivamente os membros das famílias,

conseguindo a confiança e o engajamento dos pais.

Acima de tudo, as escolas precisam formar uma integralidade fundamental junto com

a família e a comunidade. Um primeiro aspecto para tanto é a formação dos profissionais de

educação para participarem mais ativamente do intenso processo de formação do caráter que

ocorre dos 0 a 3 anos. Efetivamente, isso demanda maior interação com a família - o que exige

preparação específica, que, como já destacado, hoje não é suficiente. Outro aspecto ressaltado,

em contraponto a esta ideia, é o conflito cada vez mais intenso entre educadores e famílias em

determinadas regiões de países desenvolvidos, que é danoso ao processo educativo e deve ser

evitado.

Uma última observação relevante refere-se à realidade da maioria dos municípios

brasileiros, que possuem menos de 50 mil habitantes e muitas vezes estão localizados distantes

dos grandes centros. Muitas das soluções discutidas no encontro, tanto políticas públicas

como iniciativas de organizações sociais, não se adequam a realidade desses municípios, que

enfrentam grande carência de profissionais em todas as áreas. Um dos presentes destacou

esse fato e, a partir do sucesso da Pastoral da Criança, defendeu que são necessárias ações

inovadoras para afrontar este problema, por exemplo contando com pessoas treinadas para

realizar ações específicas, mesmo que não tenham formação superior na área.

19Educação na Primeira Infância: a importância da família

6conclusão

O desenvolvimento infantil, especialmente no contexto da primeira infância (0-3 anos),

é um dos temas predominantes nas discussões sobre políticas públicas e desenvolvimento

social. Essa atenção é consequência de estudos proeminentes, como o trabalho de James

Heckman8, laureado com o Prêmio Nobel. Além disso, importantes organizações, como o Unicef

e a Universidade de Harvard9, despendem continuamente enormes esforços na divulgação

da importância do investimento em primeira infância, bem como atuam diretamente com

gestores públicos na promoção desta causa.

No Brasil o panorama é parecido: a recente aprovação, em 2015, do Marco Legal da

Primeira Infância ocorreu a partir de uma importante articulação de organizações sociais

em prol da causa. Aliás, é possível afirmar que atualmente há um rol relevante de políticas

públicas voltadas à primeira infância no país, embora existam ainda muitas oportunidades de

desenvolvimento. Efetivamente o cerne da proposta deste encontro foi debater a Estratégia

1.12 do PNE, que preconiza o atendimento intersetorial e a atenção às famílias com vistas

ao desenvolvimento integral de crianças de 0 a 3 anos. Uma constatação inicial é que essa

estratégia não tem ganhado a devida atenção.

Apesar desse rico arcabouço institucional, em muitos casos as políticas públicas não se

ajustam, o que prejudica a intersetorialidade. Na prática, muitas vezes as iniciativas propostas

por governos e sociedade civil não formam uma rede. Por outro lado, os especialistas apontam

a conveniência de parcerias entre o poder público e organizações sociais, destacando a

necessidade de direcionamento dessas ações por meio de políticas públicas.

8 https://heckmanequation.org/resource/invest-in-early-childhood-development-reduce-deficits-strengthen--the-economy/9 Center on the Develping Child at Harvard University: https://developingchild.harvard.edu/

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

Concretamente, mais do que criar novas políticas, parece ser o caso de aproveitar

as estruturas já existentes para melhor organizar ações para as famílias. Programas como o

Proeja e a Pastoral da Criança, em função de sua ampla capilaridade, podem ser pontos de

articulação interessantes para iniciativas de apoio às famílias com crianças na primeira idade.

Uma importante vulnerabilidade identificada, referente às ações com famílias, foi o

desafio do engajamento. Na prática, é possível afirmar que, em geral, as famílias estão distantes

das escolas. As políticas de educação não priorizam o relacionamento com a família e, como

consequência, não há estímulos para aproximá-la das instituições de ensino. Por outro lado,

quando a aproximação ocorre, existem problemas de comunicação dos educadores. Em geral,

utiliza-se linguagem inadequada (cobranças, muitas vezes) e falta empatia. Uma possível causa

para esta situação é a ausência de uma formação específica para ajudá-los a relacionar-se com

os pais de alunos. Ressalte-se que, para ações voltadas à primeira infância, o relacionamento

com os pais é um aspecto fundamental. Por fim, entre outras experiências foi destacada a

importância de evitar conflitos entre pais e professores, que habitualmente só trazem prejuízos

às crianças.

Do ponto de vista da intersetorialidade das ações voltadas à família, as escolas e os

CEI podem funcionar como ponto de articulação. Há experiências bem-sucedidas em vários

locais do país, em alguns casos por iniciativa de diretores de escolas. Para essa articulação ser

bem-sucedida, contudo, é fundamental que o planejamento e a execução das ações levem em

conta o “território”. Dessa forma, o engajamento da comunidade alvo da ação tende a ser mais

expressivo.

As visitas domiciliares ocupam lugar de destaque no rol das ações necessárias,

tanto para articulação intersetorial quanto para o envolvimento da família. Nesse sentido,

os participantes trouxeram várias experiências bem-sucedidas de organizações sociais que

atuam nas periferias de São Paulo. Em comum, essas ações são conduzidas por equipes

multidisciplinares (com profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social). Além

disso, é preciso que as ações levem em conta as necessidades específicas de cada família,

pois as dificuldades que vivenciam podem ser bastante heterogêneas, envolvendo situações

econômicas, sociais, habitacionais, assistenciais e culturais variadas, e as soluções não podem

ser padronizadas. É fundamental que esses profissionais utilizem linguagem adequada e

consigam dialogar com as famílias, o que também pode facilitar a aproximação delas aos

equipamentos de educação.

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

Outra interessante alternativa para aproximar as famílias são as “rodas de conversa”,

que propiciam a criação de um autêntico canal de comunicação entre profissionais e membros

da família. Também foi exposta a experiência de uma organização social da periferia de São

Paulo que, além de manter alguns CEI, atuam em outras frentes, por exemplo organizando

atividades que auxiliam os pais a aumentar sua renda doméstica. Dessa forma os profissionais

da organização ganham a confiança dos pais e conseguem estabelecer um efetivo canal de

comunicação. Uma característica comum a essas iniciativas é uma postura dialógica aberta e

empática, que atrai as famílias e permitem um autêntico intercâmbio de experiências com os

profissionais envolvidos.

Assim, constata-se que as políticas de apoio às famílias com crianças na primeira infância,

em consonância com o PNE, precisam ser popularizadas. Os principais elementos para sua

eficácia são: maior articulação das iniciativas, existentes ou em desenvolvimento, formando

redes; capacitação dos profissionais para relacionamento com as famílias; aproveitamento de

estruturas existentes com grande capilaridade. Acima de tudo, é necessário um trabalho de

comunicação e convencimento a respeito do papel central que políticas de orientação e apoio

às famílias devem assumir nas ações em prol da primeira infância.

Em síntese, os principais pontos levantados neste primeiro encontro podem ser

elencados como se segue:

● Como envolver as famílias em iniciativas voltadas ao desenvolvimento integral de

crianças de 0 a 3 anos?

○ Para conseguir chegar a muitas famílias é conveniente aproveitar a enorme

capilaridade oferecida por estruturas e iniciativas existentes, como o Proeja e a

Pastoral da Criança. Ou seja, trabalhar com as famílias já atingidas por esses

programas (sejam do governo ou da sociedade civil) pode ser uma estratégia

efetiva e de baixo custo.

○ É possível fazer das escolas e centros de educação infantil (CEI) pontos de articulação

para ações intersetoriais voltadas à formação de famílias com crianças de 0 a 3 anos.

Por exemplo, promovendo ações de saúde a partir dos equipamentos de educação.

○ Os diretores têm papel central para o sucesso de iniciativas de formação às famílias

a partir das escolas: convém prepará-los para assumir este papel. A valorização do

educador também é um elemento relevante nesse processo.

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

○ O sucesso das intervenções junto às famílias depende de uma adequada

contextualização das ações no território.

○ A realização de visitas domiciliares por equipes multidisciplinares continua sendo

central para o sucesso desse tipo de iniciativa. É necessário que as equipes criem

canais de diálogo efetivos com as famílias atendidas.

○ Pode ser interessante pensar em outras iniciativas de apoio para atrair as famílias.

Uma estratégia que se mostrou eficaz na periferia de São Paulo foi a realização de

cursos que auxiliam os pais (ou quem cuida) das crianças a aumentar sua renda.

Com isso, é possível aproximá-los dos equipamentos de educação e ganhar sua

confiança.

○ Quando não há disponibilidade de profissionais suficientes para realizar visitas com

equipes multidisciplinares, como ocorre frequentemente em cidades pequenas

no interior do país, o treinamento de profissionais para realizarem intervenções a

partir de uma perspectiva multidisciplinar pode ser uma alternativa viável. Ou seja,

formar profissionais com um “perfil multidisciplinar”.

● Iniciativas em prol da primeira infância centradas na família precisam melhorar seu

processo de comunicação, tanto no atendimento às famílias quanto no convencimento

da sociedade civil a respeito da relevância destas ações.

○ Para aumentar o engajamento das famílias em atividades de orientação e apoio é

fundamental fomentar a empatia, por parte dos profissionais envolvidos, e utilizar

linguagem adequada.

○ É necessário formar os professores, sobretudo durante seus estudos acadêmicos,

para relacionarem-se com os pais dos alunos.

○ Uma perspectiva comum entre pais e professores precisa ser fomentada: os maiores

prejudicados quando ocorrem conflitos são as crianças.

○ “Rodas de conversa” é uma estratégia interessante para fomentar o diálogo com e

entre as famílias.

○ Sugere-se reforçar o trabalho de comunicação e convencimento a respeito da

importância das iniciativas de intervenção junto às famílias para promover o

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

desenvolvimento integral na primeira infância, tanto com as próprias famílias

quanto com a sociedade civil de forma mais ampla. Nesse contexto, é fundamental

dar visibilidade à legislação existente, muitas vezes desconhecida pelos próprios

profissionais da área, bem como publicizar iniciativas bem-sucedidas como “cases”

de sucesso.

● Fomentar a intersetorialidade

○ Para favorecer a intersetorialidade, as políticas públicas precisam estar melhor

ajustadas entre si, especialmente aquelas de diferentes áreas (Saúde, Educação

e Assistência Social). No contexto desta discussão, propõe-se as escolas como

elemento articulador de iniciativas dessa natureza.

● Parcerias entre governo e sociedade civil

○ As políticas públicas precisam organizar e direcionar as parcerias do poder público

com organizações da sociedade civil.

○ As diversas iniciativas de governo e sociedade civil precisam formar redes

colaborativas, que tenham princípios claros.

○ É necessário fomentar mais redes verticais, que permitam maior integração entre

iniciativas da sociedade civil com a Academia e o poder público.

24Educação na Primeira Infância: a importância da família

participantes do primeiro focus group interview

● Dr. Alipio Casali, Professor da Faculdade de Educação da PUC-SP;

● Dr. Cimar Alejandro Prieto Aparicio, economista e pesquisador na área de

Demografia (coordenador do Focus Group Interview)

● Dra. Emilia Cipriano Sanches, Professora da Faculdade de Educação da

PUC-SP;

● Fernanda Silva, Diretora de CEI na ONG Associação Rainha da Paz;

● Dr. Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e coordenador do Núcleo Fé e

Cultura da PUC-SP;

● Dra. Gisela Solymos, empreendedora social ganhadora do Prêmio

Empreendedor Social do jornal Folha de São Paulo em parceria com a

Fundação Schwab, em 2011.

● Ignacio Socias, Diretor de Relações Institucionais da International

Federation for Family Development (IFFD);

● Jonathan Hannay, Diretor da ONG ACER Brasil;

● Julia Manglano, Diretora da Escola AeD e especialista em desenvolvimento

infantil;

● Lucas Lomelino, Diretor de Desenvolvimento Institucional da ONG

Associação Rainha da Paz;

● Dra. Maria Stela Graciani, Professora da Faculdade de Educação da PUC-SP;

● Dra. Neide Barbosa Saisi, Professora da Faculdade de Educação da PUC-SP.

● Ricardo Gama Carneiro, Pediatra no Hospital Albert Einstein;

● Rodolfo Canônico, Diretor Executivo de Family Talks (organizador e

secretário do Focus Group)

25Educação na Primeira Infância: a importância da família

referências

MYNARSKA, M.; RIEDERER, B.; JASCHINSKI, I.; KRIVANEK, D.; NEYER, G.; OLÁH,

L. “Vulnerability of families with children: Major risks, future challenges and

policy recommendations”. In: “Families and Societies” Project, Working Paper

49, 2015.

FREITAS, H.; OLIVEIRA, M.; JENKINS, M.; POPJOY, O. The Focus Group, a

qualitative research method. ISRC, Merrick School of Business, University of

Baltimore (MD, EUA), Working Paper No. 010298, 1998.

KRUEGER, R. “Designing and Conducting Focus Group Interviews”. University

of Minnesota, 2002.

UNITED NATIONS. “Data collection and research on family issues and the impact

of public policy on families” [A/70/61–E/2015/3]. In: Report of the Secretary-

General. United Nations, 2014. Disponível em: http://www.familyperspective.

org/undocs/RSG70612014.pdf

26Educação na Primeira Infância: a importância da família

anexoCitações literais da discussão

quadro 1 - Dificuldades na atenção à primeira infância e no envolvimento da família

Aspecto destacado Citação da discussãoDistanciamento da família em relação aos centros de educação (escolas, CEI)

Na nossa formação de professores, então, o que se revela? Um grande problema que trazem os alunos em relação à família. Isso levou-me a pesquisar a relação da família com a escola… Os pais vêm, os pais atendem todas as convocações da escola, mas quando se trata de discutir o problema da criança, a família foge. Por quê? Então eu entrevistei os pais nessa pesquisa: “porque para falar mal do meu filho eu não vou mais”.“Essa necessidade de trazer a família inteira, não para prestação de contas, não para cobranças e situações, mas para uma relação.”“Temos um problema grave no Brasil (..) foi criada uma mentalidade na qual os pais, a família não é parte integrante do processo educacional. (...) Porém não existe uma mentalidade que realmente coloca o casal (...) nos processos educacionais.”“Uma das dificuldades que encontramos é a visão ainda muito arcaica, que tantos profissionais da área têm - porque ainda se tem a visão de que a escola é soberana e determina que “eu sei, eu tenho conhecimento” - e acaba não querendo abrir espaço para os pais. E aí é (necessário) trabalhar essa questão de enfrentamento dos profissionais juntamente com os pais, que não tem visão da importância da perspectiva da criança.”“(...) já foi pontuado que a escola, quando se reveste do Poder do conhecimento, afasta a família”

Formação dos professores para relacionamento com a família

“A importância de frisar que essas educadoras (de crianças) nessa faixa etária também necessitam de formação específica para fazer esse trabalho enquanto profissional, compartilhando principalmente com a família. Não é só trabalho com a criança, mas é principalmente com a família, que vai formar educacionalmente nos valores familiares, na troca de experiências individuais e coletivas, o respeito à individualidade e à complementaridade de tal.”“Criar um vínculo positivo com os pais, porque eles ficam seguros e confortáveis, principalmente acolhidos. A gente trabalha muito o acolhimento desses pais. O que que acontece depois que você cria um vínculo positivo com esse pai? Você faz esse pai estar próximo. Você consegue trabalhar condições diversas e você acompanha o cotidiano do CEI diretamente na criança. Às vezes questões de higiene, questões psicológicas, comportamentos agressivos.”“Porque a família já não está aguentando problema dentro de casa. E vem escola também pontuar mais uma vez. Então, eu vejo a ligação desse problema com a formação do professor. Bom, eu acho que o professor precisa ser orientado”.

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

quadro 2 - Algumas soluções para o atendimento à família

Aspecto destacado Citação da discussãoEstratégias de aproximação às famílias

“Uma coisa que dá muito certo é trazer os pais para próximo. Criar um vínculo positivo com esses pais, porque eles ficam seguros e confortáveis, principalmente (sentem-se) acolhidos. A gente trabalha muito o acolhimento desses pais. O que acontece depois que você cria um vínculo positivo com esse pai? Você traz esse pai para próximo. Você consegue trabalhar condições diversas e você acompanha o cotidiano do CEI diretamente na criança. Às vezes questões de higiene, questões psicológicas, comportamentos agressivos. Quando você traz esse pai e ouve ele primeiro, você consegue também ter um trabalho em conjunto com esse pai. (...) Temos reuniões com os pais, também chamamos os pais se observamos algum comportamento, alguma questão ali na criança. Chamamos o pai inicialmente para avisar. Fazemos eventos para aproximar os pais do cotidiano das crianças, da vivência e troca de experiências também.”“Penso que “rodas de conversa” é uma estratégia adequada, porque ela não expõe, mas faz com que as pessoas se olhem, se vejam e acho também que materiais dessa natureza são mais ludiáticos, utilizam imagens e tem um papel muito importante nesse processo dialógico. Aí vem minha experiência como pesquisadora, trabalhando por muitos anos como diretora de uma unidade pública. Quando (desenvolvem-se) os temas apenas na verbalização, eles terminam fazendo com que as pessoas não se entreguem totalmente. As famílias ainda têm um distanciamento muito grande.”E o que é legal disso, agora já colocando essa questão de engajamento dos pais, quando você pensa num pai, de repente o convite vai acontecer por meio da renda, do trabalho da renda. Vamos ajudar ele a render mais por meio do desenvolvimento profissional, ganhar mais. Você começa a convidar ele por meio desses trabalhos. Depois você vai direcionar para educação“(...) a gente trabalha a partir de encontro, de diálogo com essa família, entender realmente quais são os problemas e não os problemas que a gente imagina. “Eu imagino que seu filho está desnutrido porque ele efetivamente está, e que esse seja o seu problema”, mas ela não tem banheiro em sua casa. Então, o problema dela é outro. Se eu não estou aberta a escutar essa questão, eu não consigo fazer a minha intervenção. Em geral, em nossos serviços, nós não temos essa abertura.”“Depois de trabalhar a rede primária e secundária de suporte às famílias a visita domiciliar e intervenção educativa precisa ser sempre vivencial.”

Envolver também a família extensa e a comunidade

“A família, não só os pais, mas os parentes que fazem parte do conjunto de convivência dessa criança, também deveriam - os amigos e etc. - fazer parte dessa convivência, desse trabalho com a criança. Não é só família “pai e mãe”, mas é todo o conjunto de pessoas que fazem parte - os avós, a vizinhança, etc. -, caso contrário estaremos focando em um lado só.”“Outro ponto para não esquecermos: não falar sobre “pais”. Os responsáveis, as pessoas que criam as crianças, são diversos. Há muitas crianças em família extensa, informalmente, e (esse dado) está maquiado no Brasil. Nos Estados Unidos são 2,5 milhões - só um parâmetro. Imagina-se que (aqui) é algo acima de um milhão aqui.”

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

quadro 3 - Características das ações de visita domiciliar

Aspecto destacado Citação da discussãoConveniência das visitas domiciliares

“As assistentes sociais que vão até a casa da pessoa, para ver as outras questões. Na escola, temos a questão de educação, mas é preciso visitar a casa. Às vezes a criança tem pneumonia, ajuda-se a tratar e quando você vai ver chove dentro de sua casa. Então isso é uma coisa que, se não for resolvida, fará com que a pneumonia volte.”“Depois de trabalhar a rede primária e secundária de suporte às famílias, a visita domiciliar e a intervenção educativa precisam ser sempre vivenciais.”“A gente trabalha a partir de encontro, de diálogo com essa família, entender realmente quais são os problemas e não os problemas que a gente imagina… Eu imagino que seu filho está desnutrido porque ele efetivamente está, e que esse seja o seu problema, mas ela não tem banheiro na casa dela. Então, o problema dela é outro. Se eu não estou aberta a escutar essa questão, eu não consigo fazer a minha intervenção.”“Tem um programa… que é o PIM - Primeira Infância Melhor - que tem mais de 20 anos, desenvolvido no Rio Grande do Sul, e que tem inspirado muitas iniciativas em termos de visitação domiciliar.”“Trabalho com visitação às famílias é a chave - porque em programas com família é muitas vezes um dos grandes desafios é a família vir. Quando você visita não tem essa questão.”

Dificuldades das visitas domiciliares: falta de preparo das famílias

“O que me chama atenção (...), talvez o grande problema que a gente vê é a ignorância total dos pais de coisas simples, como: a partir de que idade eu posso começar a educar meu filho. Ele nasceu, mas as pessoas não sabem fazer isso e têm medo de educar.”“É sempre importante olhar a totalidade.... Temos um problema educacional da própria família... A gente faz orientação nutricional com nossas famílias... às vezes elas não conseguem contar as colheres... Eu tenho um serviço complexo de educação nutricional e eu não tenho pai e mãe educado que sabe contar, só para dar um exemplo. O problema não é simples.”“Então, tivemos experiências - essas líderes comentavam - já no berço, para que as crianças ficassem quietinhas. Os bebês ficavam com a televisão ligada 24 horas por dia e isso é muito prejudicial.”Dentro do nosso trabalho a gente tem muitas experiências com a questão da falta de “maternagem”. Se uma mulher não recebeu “maternagem” não sabe dar. Para ela poder dar, tem que receber, e isso é algo que vai muito além de um programa generalizado, geral de visitação. Então, eu acho que um componente de qualquer política pública, é a capacidade da capilaridade total e da capacidade de identificar quem precisa de uma intervenção a mais.”“Uma experiência que tivemos foi com um grupo de adolescentes grávidas. Todas tinham de 13 a 17 anos, era a primeira gravidez e aí se fez um trabalho específico nesse sentido. A princípio nenhuma tinha recebido uma “maternagem” muito completa, ou tinha recebido alguma, e por obra do acaso fizemos um trabalho com yoga com elas. A partir disso elas conseguiram se vincular com o próprio corpo, com o feto que estava se desenvolvendo, para depois poder ter o vínculo afetivo e aplicar uma “maternagem” que elas aprenderam juntos. Porque tinham uma pessoa com elas durante um ano e meio.”

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

quadro 4 - Outros aspectos relacionados ao envolvimento dos pais

Aspecto destacado Citação literalAprofundar estudos sobre o papel da família

“Por essas razões, as características fundamentais dessa educação constituem uma prática educativa complexa que precisa ser estudada fundamentalmente nos seus paradigmas mais contemporâneos.”

“E queria dizer que o papel da família (…) em educação para a primeira infância é algo discutido hoje em dia, (mas) não está bem definido. Basta pensar no que aplica um país como Suécia ou no que aplica um país como Estados Unidos - não tem nada a ver um com o outro. E é discutido inclusive na opinião pública.”

“Primeiro, defender a importância dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - de alguma maneira defender o prestígio da ONU, ainda que saiba que nem sempre é grande. Pensemos que pela primeira vez na história do mundo os chefes de Estado de todos os países se sentaram no mesmo lugar, ao mesmo tempo, para assinar um mesmo documento. Isso me parece que, ainda que não tenha demasiada entrada, tem uma grande importância. E nesse documento há um objetivo, que é o número 4, e uma das metas desse objetivo trata precisamente da Early Childhood Education, da educação para a primeira infância. Portanto, poderíamos dizer que os ventos internacionais sopram a favor disso cada vez mais.”

Papel do Estado “(...) o cuidado com a primeira infância, não é um cuidado que possa ser feito diretamente pelo Estado, nem diretamente por organizações sociais, a menos em situações de extrema emergência, quando aqueles que estão a cargo do cuidado na primeira infância, na primeira instância, que é família, não poderiam atender, de modo que, eu penso, são duas frentes a serem abordadas.”

“Parenting education” “Eu acho que onde temos que trabalhar melhor é nisso que vocês falaram: conversar com seus pais e dirigi-los para começar a educação.”

“O foco deveria ser realmente informar os pais desde a gestação.”

“Na semana passada, na Assembleia Geral, nas Comissões de População, se estava discutindo sobre este tema precisamente, a educação aos pais. E que nome dar-lhe? Discutiu-se se seria “parent education”, “parental education” ou “parenting education”. Ao final viu-se que é “parenting”, pois não é dar aos pais uma educação geral ..., não, não, não: é dar aos pais uma educação que lhes ajudem a desenvolver sua tarefa. Portanto, não os substituir, mas ajudá-los.”

“Na linha de responder à pergunta de como ajudar os pais, e partindo do que eu vinha dizendo anteriormente, que se trata de ajudá-los, não substitui-los. Deve-se ter em conta que muitas vezes o que eles buscam, penso eu, é que sejam substituídos, que lhes digam: “que tenho que fazer”, de forma muito concreta, muito rápida, muito prática, também porque às vezes não tem muito tempo. Acredito que isso é um mau favor, que na formação aos pais o que se tem que fazer é ensiná-los três coisas: pensar, debater, decidir.”

(continua)

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

quadro 4 - Outros aspectos relacionados ao envolvimento dos pais(continuação)

Aspecto destacado Citação literal“Grupos homogêneos: parece-me que isso é muito importante. Porque, efetivamente, quando há muitas situações muito distintas... mas o que queremos é ajudar a todos, e não é o mesmo ajudar a uma mãe solteira que ajudar a uma família completa. Não vamos entrar agora em julgá-las, nem nada, simplesmente vamos ajudá-las como melhor necessitem. Por isso vem a pesquisa sobre a qual falei antes, e mais, com toda a situação da sociedade atual parece-me que é algo necessário. E além disso se podem encontrar grupos homogêneos através de centros de educação, porque pelo menos o status socioeconômico é o mesmo.”

“Entrar também com orientação familiar, dar ferramentas para os pais justamente conseguirem ser melhores pais, melhores mães. Nós estudamos para tudo, menos para sermos pais profissionais.”

“Outro ponto muito importante é traduzir o termo “parenting”. (...) Eu, que sou estrangeiro, tenho dificuldades às vezes de achar palavras e fico inventando palavras em português, mas precisamos pegar aqui essa qualidade que é “parenting”. Porque eu acho que esse (termo) para o profissional interdisciplinar que vai trabalhar “parenting” (não deve) ensinar como ser pai, mãe.”

Figura paterna e famílias monoparentais

“(...) incluir nessa formação o papel do homem: algo que a pesquisa está deixando cada vez mais claro é que a educação não pode estar apenas sobre a mãe, mas que o pai deve fazer parte dessa formação.”

“Então colocar realmente também, como o senhor Ignacio falou, o papel do pai também (...) as mães são solteiras por quê? Porque o pai não aguenta a pressão: vai no boteco e abandona. Então, motivar, entrar, realmente toda uma motivação, toda uma valorização do pai na casa.”

“Falamos um pouco de gênero, a importância das Mães. Mas em muitos estudos demonstra-se que, especialmente em família com mãe solteira, os meninos sofrem uma diferença muito grande na atenção, de uma hora e quinze de atenção individual por parte da mãe, durante a infância. Isso mostra-se problemático nos problemas de desenvolvimento e empregabilidade, violência e envolvimento com a criminalidade. Essa questão do menino especificamente.”

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

quadro 5 - Políticas Públicas como elemento articulador

Aspecto destacado Citação literalPapel do Estado “Por exemplo, quando a gente fala em rede direta e rede conveniada: nós es-

tamos vendo hoje a conveniada assumindo aquilo que muitas vezes o Estado teria que assumir. Isso é um equívoco, na minha compreensão. Defendo pro-fundamente que a rede pública assuma o investimento direto de atendimento”.“E em geral parece-me que, ainda que as ONGs tenham seu papel, algumas podem avançar terreno de certa forma - e aqui temos um exemplo muito cla-ro -, acredito que não podemos esquecer nunca que o sistema social, o titular do sistema social, é o Estado. Portanto, não se pode tirar a responsabilidade, que às vezes é o que parece que acontece… o responsável é o Estado, as ONGs podem colaborar, mas não como uma mera caridade.”

Parceria com terceiro setor e sociedade civil

“Iniciativas, sem dúvida seriam identificadas, organizadas, implementadas no campo da sociedade civil por organizações. Aí nós temos o caráter filantrópi-co ou temos também braços estendidos do Estado, políticas públicas median-te parcerias, convênios, etc.”“E terceira: o papel da sociedade civil, parece-me que é fundamental, e men-ciono aqui a educação aos pais”“Bom eu falo do ponto de vista de quem coordena uma ONG, que trabalhou sempre em parceria. Para mim a parceria, a integração da sociedade civil e governo é fundamental. Ela tira a ONG do seu ensimesmamento, em que corremos o risco de estar, e tira o governo das suas ideias descoladas da rea-lidade, em termos de como desenvolver política pública.”

Desconhecimento do arcabouço institucional

“Há também uma coisa chamada desconhecimento. Há um desconhecimento profundo desses avanços, dessas reflexões. As pessoas, quando a gente fala de Marco legal - eu faço essa pesquisa, viajo pelo Brasil inteiro e (noto que) as pessoas não conhecem, não sabem que existe. E eu não estou falando dos pais, da população na sua totalidade, eu estou falando de especialistas, das pessoas que trabalham nessa área, muitas vezes voltados para a educação e assistência, ou mesmo a saúde.”

Problemas de comunicação e visibilidade

“Então a conclusão a propósito disso é a seguinte: há muitas ações de políti-cas públicas articuladas e o que falta é visibilidade. Então, algumas iniciativas (precisam ser) relatadas e publicizadas. Trazer a público essas experiências. Eu diria o seguinte: eis aí uma linha estratégica, seguir identificando e tornan-do o mais público possível, massificando, digamos assim, essas experiências de ações governamentais articuladas. Eu acredito profundamente no efeito disso, não por uma crença, mas pelos resultados de uma experiência peque-na que tivemos, mas que foi efetiva.”“Para terminar, muito brevemente, parece-me que tudo isso que saiu aqui, eu resumiria muito bem em duas palavras: maior visibilidade e maior comu-nicação.”

Políticas públicas como elemento articulador das diferentes iniciativas

“Eu teria dificuldade de desvincular qualquer possibilidade de sucesso de organizações da sociedade civil na atual conjuntura, desvincular isso da au-sência de políticas públicas “macro”, que não só sinalizem, mas que efetivem compromissos com a primeira infância e especificamente pela mediação da instituição família.”

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

quadro 6 - Articulação com estruturas já existentes

Aspecto destacado Citação literalEstruturas existentes que podem ser aproveitadas

“E eu acho que esse acoplamento tende a ser potencialmente uma força sinérgica maior do que quaisquer iniciativas isoladas, por mais importante que elas sejam, mesmo indispensáveis. Mas eu pensaria hoje estrategicamente muito mais em ações de acoplamento entre essas duas instâncias.”

“Eu voltaria naquela referência passada na minha primeira fala. Ou seja, antes de pensar em investimentos novos - no âmbito da sociedade civil, de organizações e etc. etc. - que são sempre bem-vindos, mas são custosos. Eu pensaria estrategicamente, em aproveitar mais as estruturas já existentes daquilo que - aqui na política nacional brasileira se chama de educação de jovens e adultos - que são manifestações dos segmentos sociais mais vulneráveis de adultos, no que se refere à escolarização, ou seja, aqueles que por terem impedido a educação no tempo certo da escola, ou estão começando a se alfabetizar agora ou estão prosseguindo com o processo de letramento. Portanto, carregam lacunas na sua formação. São adultos, são jovens e adultos. Então, potencialmente são chefes (de família) ou responsáveis, familiares ou crianças. Logo, eu penso que atuar junto a esses grupos já constituídos, identificá-los, localizá-los, introduzir aí o tema de formação infantil, na educação infantil, o tema do cuidado - uma palavra tão genérica, tão abstrata. Se a gente cavar lá nos fundamentos (...) há um mundo de questões, aí, que tem poder de evocar junto aos pais a imensa responsabilidade e a importância estruturante que eles têm no cuidado com os filhos.”

“Então, por exemplo, investir na pastoral da criança que é já bastante completa, já lida com tudo isso: com desnutrição, com toda a questão de saúde, com atividades. Enfim, com orientações. E dar essa formação adicional para os pais, aí sim focado no casal, e como serem felizes, então, no casamento, e coisas básicas.”

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Projeto famílias: potencial para o desenvolvimento integral e sustentável

Educação na Primeira Infância: a importância da família

quadro 7 - Aspectos da intersetorialidade

Aspecto destacado Citação literalArticulação “As políticas públicas existem, mas elas não são realizadas. Elas não são

ativadas, elas são altamente desarticuladas.”“E acho que a educação, assistência social e cidadania, saúde, moradia, todas as coisas precisam estar contempladas em cada um desses núcleos de trabalho.”“(...) que são as assistentes sociais que vão até a casa da pessoa, para ver as outras questões acontecendo. Na escola, temos a questão de educação, mas no âmbito da moradia é necessário visitar a casa. Às vezes a criança tem pneumonia, ajuda-se a tratar e quando você vai ver a casa dela, chove dentro da casa. Então isso é uma coisa que, se não for resolvida, fará com que a pneumonia volte e daqui dois meses vai estar (doente de) novo.”“Eu participei de uma pesquisa, em que era iniciativa particular da escola, um trabalho conjunto com a saúde - a diretora da escola (começou). Então, eu vejo assim, diretores de escola são fundamentais para a qualidade da escola e, nesse sentido, para a possibilidade de fazer convênios com a saúde. Eu vi escola por iniciativa própria fazer isso e era um sucesso. Era uma escola criada no lixão, Jacu-pêssego. Uma pesquisa foi feita lá, a escola criada no lixão e as crianças com saúde, porque havia intervenção médica semanal dentro da escola, em convênio com a própria escola.”“Respondendo à pergunta número 3, acredito que trabalhar abertamente com as redes e aí vincular também, trazendo uma equipe multiprofissional, atuando na formação, orientação sobre a saúde da criança, higiene, alimen-tação. Também o apoio às famílias no quesito da saúde mental, desenvolvi-mento psicológico da criança e a orientação com grande parte da população.”“Então, olhar a família sem olhar uma rede de suporte, isso mata.”

Escola como elemento articulador

“Eu estou dizendo que eu vi na prática formar-se de baixo para cima. Então, eu penso que são projetos que visualizam o que já existe e parte de baixo pra cima (...). Os gestores das escolas: está comprovado que as grandes escolas brasileiras públicas têm equipes de trabalho, coesão, e dão continuidade. Se isto é verdade, é aqui que nós temos que atuar. É uma sugestão prática.”“Onde a escola é o elemento articulador, os professores estimulam os alunos de Ensino Médio a desenvolver ações na comunidade. Isso integrou saúde, educação e assistência social. Nesse caso, ponto focal articulador é a escola.”

Casos bem-sucedidos “Então quero trazer alguns exemplos de coisas que já aconteceram. Uma forma de promover ação articulada. Já existe uma metodologia, nós já fizemos uma parceria com Ministério da Saúde e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, para desenvolver ações em favor da primeira infância através, por exemplo, da criação de um decreto-lei no município, criação um comitê gestor em municípios pequenos do Estado de São Paulo. Isso foi feito também no Amazonas, um comitê gestor de assistência, saúde e educação para o desenvolvimento. Faz o diagnóstico do município, desenvolve um plano de metas e implementa as ações.”

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Educação na Primeira Infância: a importância da família

(continua)

quadro 7 - Aspectos da intersetorialidade(continuação)

Aspecto destacado Citação literal“Eu acho que a legislação existe. Quando o Fome Zero nasceu, nós fizemos um projeto com o MDS para promover o protagonismo juvenil em escolas do norte de Minas Gerais. Cidades muito pobres, com 20 mil ou 30 mil habitantes, às vezes menos. Onde a escola é o elemento articulador, os professores estimulam os alunos de Ensino Médio a desenvolver ações na comunidade. Isso integrou saúde, educação e assistência social. Nesse caso, ponto focal articulador é a escola. Na verdade, na minha experiência, o que eu vejo é que precisa de sujeitos que tenham a iniciativa de realizar isso. (...) Nesse projeto de Minas, por exemplo, a gente ajudou 800 professores de 16 mil alunos de 53 escolas, não lembro quantos municípios eram.”

Questão nutricional “Não estamos preocupados só com 0 a 3 anos. E, quando falamos de subnutrição leve ou sobrepeso, as consequências para a saúde do adolescente e do adulto são enormes. Porque você passa a desenvolver obesidade a partir da menarca, da metade da puberdade. Você desenvolve obesidade e há muitos estudos mostrando o menor aproveitamento escolar associado a uma má nutrição, sem falar nas doenças associadas para a vida adulta. Tanto é verdade que a subnutrição é causa da obesidade, que isso é um problema epidemiológico, não só um problema das crianças - das famílias das crianças desnutridas e a mãe obesa, a mulher obesa -: 50% da população adulta no Brasil tem sobrepeso e obesidade e tem baixa estatura, não 50%, mas a nossa população pobre tem a baixa estatura. Então, tem estudos mostrando que essa obesidade é resultado de uma super nutrição na infância. Há milhares de formas de fazer isso, (mas) o processo educativo pode ser a principal ferramenta. E aí tem que ser em rede, porque se ela me ensina como fazer com meu filho mas o meu marido não está de acordo, ou a minha mãe discorda, para mim vai ser muito difícil sustentar isso dentro do núcleo familiar.”

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quadro 8 - Articulação em rede

Aspecto destacado Citação literalNecessidade das redes “A formação como um processo em rede, em que as várias dimensões da

rede de relacionamentos no qual a pessoa vive precisam ser trabalhados: não pensar a formação como uma forma, uma formatação”

“Vejo que os movimentos devem ser de cima para baixo e de baixo para cima, não vejo como muito democrático (...) há políticas boas (...). No entanto, parece que elas não se ajustam, não formam uma rede, elas não formam uma rede.”

“Então, eu estava aqui pensando, como concretamente fazer. Eu acho que é pensar numa situação em que vocês citaram já: a palavra é rede.”

“Olhando um pouco aquilo que estamos conversando, para mim fica uma coisa que já é evidente: nós temos uma necessidade de criar mais redes. Não estou dizendo que elas não existem. É perigoso partir do princípio que não existe nada. E você está chegando numa terra arrasada, não é isso. Porém, essas redes ainda são insuficientes para dar conta do trabalho.”

Necessidade de princípios “Bem eu fico pensando quando a gente fala de construção de redes. Nós hoje trabalhamos muito na dimensão de redes colaborativas. Para uma rede colaborativa (funcionar) é preciso ter princípios norteadores muito claros. Eu acho que essa é uma discussão que quem trabalha com a primeira infância precisa ter (atenção).”

“Então eu queria dizer que essa rede humana colaborativa precisa ter foco muito claro, com princípios muito bem constituídos, e principalmente voltados à ideia dos direitos.”

Necessidade de redes verticais

“Agora, além da necessidade dessas redes, eu diria que temos muito claro a necessidade de redes horizontais: então, a rede horizontal dentro do serviço público; orientando várias secretarias etc.; a rede horizontal dentro da comunidade, organizando os vários membros da comunidade, as variações da sociedade. Mas a gente teria também a necessidade de redes verticais que fizessem articulação entre o órgão público e a sociedade civil, a comunidade acadêmica e os agentes sociais. (...) Desconhecimento: não é que nós não tenhamos, mas é que me parece muito mais ausente essa rede vertical do que as redes horizontais. Nesse sentido, eu acho que o Family Talks é uma iniciativa interessante, porque ela se propõe a criar algumas dessas redes verticais que seriam tão importantes.”

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quadro 9 - Território e acesso aos direitos

Aspecto destacado Citação da discussão

Ação articulada no território

“Quando você falava de acolhimento, esse acolhimento só ocorre quando você trabalha linguagem adequada, quando você conhece o contexto, quando você visita o território – essa ação dos territórios é muito importante: é contextualizar que população é essa, que grupo social é esse, que referências ele tem, qual mobilização local existe”

“No campo e na cidade - eu vou falar mais da cidade e, nesse caso, os grupos urbanos mais carentes são aqueles que estão em territórios mais afastados e menos providos de infraestrutura urbana. Ora, o que aqui as pesquisas dizem, eu estou falando mais da antropologia, eu estou pensando numa pesquisa fundamental, fundacional do Guilherme Magnani chamada “Antropologia do Pedaço”, essas populações, essas famílias são fortemente territorialistas. Se quisermos... vou concluir porque já terminou o tempo... se quisermos articular ações, nós temos que ir ao território, buscar articulações no território. Uma escola nem sempre unifica território, quando ela é o polo do território ela tem um poder unificador, caso contrário ela não tem essa capacidade. Então ir ao território e trabalhar no território como oportunidade de articulação e unificação das práticas de cuidado com as crianças.”

“Então uma das soluções já ditas seria realmente ajudar a unir forças com essa Pastoral da Criança, que faz isto também, territorializa, vê o contexto e traz justamente toda uma formação das líderes em cascata. E tudo muito bem pensado, você as líderes vão formando outras líderes, outras líderes até chegar lá no Amazonas.”

Efetivação dos direitos “Os pais em si não têm acesso, não sabem os seus direitos, como que funciona, e ter esse espaço aberto com uma equipe multiprofissional trabalhando diretamente com os pais e crianças seria de grande valia, juntamente com a rede de apoio já existente.”

“A escola tem um papel importante de orientar esse pai: “como que eu faço para conseguir uma vaga?” Porque hoje é a grande dificuldade dos pais, conseguir uma vaga. Porque infelizmente nossas crianças ainda estão fora do espaço escolar do CEI, e os pais não sabem desse direito que é um direito da criança. E a escola tem por objetivo, assim como a Rainha da Paz, a gente orienta sobre o que esse pai pode fazer. Pode procurar a Defensoria Pública? Pode... Enfim, o que ele pode fazer? Uma questão aí é pensar também o que nós podemos ajudar para que essa criança esteja frequentando a escola. Porque também ele vai procurar a Defensoria Pública, mas vai demorar um tempo para surgir uma vaga. A demanda ainda é muito grande, aí essa criança... infelizmente... vai ainda ficar um tempo fora do espaço escolar.”

(continua)

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quadro 9 - Território e acesso aos direitos(continuação)

Aspecto destacado Citação da discussão“E aí vem a questão em que se apontava o Ministério Público. Eu sou uma pessoa que vou para o Ministério Público discutir a judicialização que hoje ocorre de uma forma que, ao invés de aproximar distancia, que a criança entra com uma solicitação de uma lista de espera imensa em que há todo um acompanhamento Regional. E a mãe que tem o acesso judicializa, e aí ela passa na frente e isso não traz, na minha compreensão... a Defensoria tem que trabalhar muito bem esses princípios. Por isso que eu digo de rede colaborativa. Quando a gente vai discutir isso no Ministério Público, descobrimos que as pessoas falam de vagas dissociadas de uma coisa chamada contexto. Que aquelas crianças vivem as necessidades, a alta vulnerabilidade de alguns... Quais são os princípios que norteiam a garantia de que essas crianças tenham os direitos de fato assegurados? Então eu queria dizer que essa rede humana colaborativa precisa ter foco muito claro, com princípios muito bem constituídos e principalmente voltados à ideia dos direitos. E aí vem a discussão da inclusão, alguém falava de inclusão aqui e você colocou muito bem. Na minha compreensão essa é uma discussão no qual se tem feito a inclusão excluindo. E em relação à primeira infância, isso é muito presente. Então a gente fala de atendimento dissociado de quantidade e de qualidade.”

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quadro 10 - Interiorização e integração das ações

Integração “Daí a importância da convivência familiar, escolar e comunitária no crescimento harmônico, totalizador e empoderado nessa fase de existência da criança, fundamental para o desenvolvimento da vida. A família, não só os pais, mas os parentes que fazem parte do conjunto de convivência dessa criança, também deveriam - os amigos e etc. - fazer parte dessa convivência, desse trabalho com a criança. Não é só família “pai e mãe”, mas é todo o conjunto de pessoas que fazem parte - os avós, a vizinhança etc. - porque senão nós estaremos focando em um lado só, e a grandiosidade da convivência, do brinquedo e do brincar, da brincadeira, estão em outros territórios que são singulares nessa faixa etária, para os hábitos, para os costumes e para as relações interpessoais e comunitárias nessa faixa de infância.”“Então Família, escola e comunidade tem que ser uma integralidade fundamental e eu não sei se isso está realmente acontecendo no seu devido lugar.”

Interiorização “Então, em termos concretos, a minha proposta é que temos que ser revolucionários dentro do Brasil. Isto é, propor que este trabalho tem que ser feito por “paraprofissionais”, não por profissionais (strictu senso) e, que sejam “paraprofissionais” interdisciplinares, o que significa criar algo totalmente novo. Não é multidisciplinar que um pedacinho disso, um pedacinho daquilo, um pedacinho do outro. Interdisciplinar bebe de várias disciplinas, fala um pouco essa questão de como a gente trabalha num território e se imbui dentro do território.”

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quadro 11 - Boas práticas de organizações sociais

Área de conhecimento Citação da discussão

Caso de sucesso: envolvimento da família

“Por ser uma instituição social, a gente não tem só 7 creches, a gente tem também 7 núcleos de assistência social, onde atendemos uma faixa etária diferente. Crianças de 0 a 3 anos nessas 7 creches, tem algumas que vão até quatro, depois tem atendimento para adolescente, atendimento para adulto, atendimento para idoso, e dessa forma a gente acredita que estamos atendendo a família como um todo, dando formação para família como um todo. E legal a gente perceber que o ato social, para ser completo, precisa levar em conta uma série de outras coisas que não necessariamente atende-se por meio da assistência social ou só por meio da educação. E acho que a educação, assistência social e cidadania, saúde, moradia, todas as coisas, precisam estar contempladas em cada um desses núcleos de trabalho.”

“Para o atendido ser protagonista do atendimento, a família precisava ser, antes dele, bem-informada, bem trabalhada, e (não só) os professores que entraram em contato, mas também todos os funcionários da instituição, deveriam ter uma formação adequada para receber esses atendidos. E a nossa associação contava pelo número de atendidos, eram dois mil atendidos por mês e agora a gente atende por família.”

Caso de sucesso: educação nutricional

“A gente não está só preocupado com pessoas de 0 a 3 anos. E quando a gente fala de subnutrição leve ou sobrepeso, as consequências para a saúde do adolescente e do adulto são enormes. Porque você passa a desenvolver obesidade a partir da menarca, da metade da puberdade.Você desenvolve obesidade e há muitos estudos mostrando o menor aproveitamento escolar associado a uma má nutrição, sem falar nas doenças associadas para a vida adulta.”

“Tanto é verdade, que a subnutrição é causa da obesidade, que isso é um problema epidemiológico, não é só um problema das crianças das famílias (pobres), das crianças desnutridas e com mãe obesa… 50% da população adulta no Brasil tem sobrepeso e obesidade... mas a nossa população pobre tem baixa estatura. Então, há estudos mostrando que essa obesidade é consequência de uma super nutrição na infância. Há milhares de formas de fazer isso, e o processo educativo pode ser a principal ferramenta para nós.”

“E aí tem que ser em rede, porque se ela me ensina como fazer com meu filho mas o meu marido não está de acordo, a minha mãe discorda... para mim vai ser muito difícil sustentar isso dentro do núcleo familiar.”