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RELATÓRIO SOBRE A COMISSÃO DE COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: BALANÇO DE DOIS ANOS DE ATIVIDADE UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA NÚCLEO FLUMINENSE DE ESTUDOS E PESQUISAS INSTITUTO DE ESTUDOS COMPARADOS EM ADMINISTRAÇÃO INSTITUCIONAL DE CONFLITOS CAMPUS DO GRAGOATÁ, BLOCO O, SALA 203- TEL: (21) 2629-2834/2629-2835 NITERÓI – RIO DE JANEIRO – CEP: 24.210-350 E-MAIL: [email protected]

RELATÓRIO SOBRE A COMISSÃO DE COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA BALANÇO DE DOIS ANOS DE ATIVIDADE

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RELATÓRIO SOBRE A COMISSÃO DE COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: BALANÇO DE DOIS ANOS DE ATIVIDADE

U N I V E R S I D A D E F E D E R A L F L U M I N E N S E I N S T I T U T O D E C I Ê N C I A S H U M A N A S E F I L O S O F I A N Ú C L E O F L U M I N E N S E D E E S T U D O S E P E S Q U I S A S

I N S T I T U T O D E E S T U D O S C O M P A R A D O S E M A D M I N I S T R A Ç Ã O I N S T I T U C I O N A L D E C O N F L I T O S

C A M P U S D O G R A G O A T Á , B L O C O O , S A L A 2 0 3 - T E L : ( 2 1 ) 2 6 2 9 - 2 8 3 4 / 2 6 2 9 - 2 8 3 5

N I T E R Ó I – R I O D E J A N E I R O – C E P : 2 4 . 2 1 0 - 3 5 0 E - M A I L : n u f e p @ y a h o o . c o m . b r

2

R E L A T Ó R I O S O B R E A C O M I S S Ã O D E

C O M BA T E À I N T O L E R Â N C I A R E L I G I O S A

COORDENAÇÃO

Ana Paula Mendes de Miranda – Professora do Departamento de Antropologia (UFF)

Fábio Reis Mota – Professor do Departamento de Fundamentos de Ciência da Sociedade

(UFF)

Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto – Professor do Departamento de Antropologia (UFF)

EQUIPE

Alexandre Ricardo Rosa Alves - Graduando em Ciências Sociais (UFF)

Bóris Maia e Silva - Graduando em Ciências Sociais (UFF)

Bruno Ferraz Bartel - Bacharel e Licenciado em Geografia (UFF) / Graduando em

Ciências Sociais (UFF)

Fernando Carlos de Sousa - Bacharel em Ciências Sociais (UENF) / Mestrando em

Antropologia (UFF)

Joelma de Souza Azevedo – Bacharel em Ciências Sociais (UFF) / Especialista em Políticas

Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública (UFF) / Mestranda em Antropologia

(UFF)

Juliana Rodrigues Riscado - Graduanda em Ciências Sociais (UFF) / Graduanda em

Direito (UERJ)

Julie Barrozo Goulart - Graduanda em Ciências Sociais (UFF) / Bolsista PIBIC-UFF

Marcos Vinícius Moura Silva - Bacharel em Ciências Sociais (UFF) / Especialista em

Segurança Pública, Cultura e Cidadania (UFRJ)

Roberta Machado Boniolo - Graduanda em Ciências Sociais (UFF)

Thatiane Piazza de Melo - Graduanda em História (UFF)

Vinícius Cruz Pinto - Graduando em Ciências Sociais (UFF)

FINANCIAMENTO

3

SUMÁRIO

Introdução 6

Os processos de mobilização social 11

A intolerância religiosa 25

A intolerância religiosa e a mídia 32

As demandas judiciais 41

Resumo dos processos referentes à intolerância religiosa 45

Análise dos registros de ocorrências policiais 67

Relatos de casos não registrados 74

Considerações finais 79

Referências Bibliográficas 82

4

LISTA DE IMAGENS

Foto 1: Entrevista coletiva antes da I Caminhada 11

Foto 2: O início da I Caminhada 12

Foto 3: Reunião do Fórum de Dialogo Inter-religioso para

discussão do plano nacional

14

Mapa 1: Eventos de mobilização para a II Caminhada na Cidade

do Rio de Janeiro

19

Foto 4: Entrevista coletiva antes da II Caminhada 21

Foto 5: Panorama da II Caminhada 22

Mapa 2: Casos registrados de intolerância religiosa – Cidade do

Rio de Janeiro (2008-2010)

48

5

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Locais dos eventos para divulgação da Caminhada da CCIR na Cidade do Rio de Janeiro

18

Quadro 2 – Locais dos eventos para divulgação da Caminhada da CCIR no Estado do Rio de Janeiro

19

Quadro 3: Levantamento de notícias relativas à intolerância religiosa no Rio de Janeiro (2008-2010)

35

Quadro 4 – Registros de Ocorrência de Casos de Intolerância Religiosa em Delegacias da Cidade do Rio de Janeiro

49

Quadro 5 – Registros de Ocorrência de Casos de Intolerância Religiosa em Delegacias do Estado do Rio de Janeiro

49

Quadro 6 – Situação dos casos acompanhados pela CCIR

69

Quadro 7 – Titulação dos casos acompanhados pela CCIR segundo os registros de ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro

70

Quadro 8 – Número de titulações que aparecem nos registros de ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro dos casos acompanhados pela CCIR

72

6

INTRODUÇÃO

O presente relatório é um resultado parcial de atividades referentes a

dois projetos de pesquisa em andamento financiados pela FAPERJ1 e pelo

CNPq2, voltados à a análise dos modelos de administração institucional de

conflitos empregados nos casos que envolvem situações de controvérsias

relacionadas às diferenças identitárias e étnico-religiosas, nos espaços públicos

do Rio de Janeiro.

Nossa proposta é pesquisar os efeitos ocasionados pela demandas de

direitos, de justiça e reconhecimento, por parte dos atores envolvidos em

conflitos de natureza “privada” ou “pública”, na esfera pública e no espaço

público (Habermas, 1993). Nossa intenção é, portanto, compreender o

tratamento dado a estes conflitos pelas instituições públicas e a maneira como

os dispositivos jurídicos e normativos são aplicados e apropriados em

contextos distintos. Considerando que as demandas por reconhecimento, de

reivindicações de direitos e o respeito à cidadania constituem um excelente

indicador de como as relações sociais são construídas num determinado

contexto (Honnet, 2000; Kymlicka, 1995; Margalit, 1999, entre outros),

tomamos por referência comparativa outros estudos que têm focalizado os

processos de definição de fronteiras identitárias (Pinto, 2006 e 2005) e de

reconhecimento de cidadania e de direitos civis e sociais em um estado

democrático de direito (Mota, 2009, 2005, 2004; Kymlicka, 1995; Taylor, 1994;

1 Projeto “A crença na igualdade e a produção da desigualdade nos processos de administração institucional dos conflitos no espaço público fluminense: religião, direito e sociedade, em uma perspectiva comparada”, coordenado pelo professor Roberto Kant de Lima, aprovado no Edital Humanidades - 2008. 2 Projeto “Combate à intolerância ou defesa da liberdade religiosa: paradigmas em conflito na construção de uma política pública de enfrentamento ao crime de discriminação étnico-racial-religiosa”, coordenado pela professora Ana Paula Mendes de Miranda, aprovado no Edital Universal – 2009.

7

Cardoso de Oliveira 2006, 2004 e 2002). Do mesmo modo, buscamos, a partir

desse olhar contrastivo, explicitar como as formas igualitárias e/ou

hierárquicas operam na dinâmica de interação no espaço público e seus efeitos

no plano jurídico-político (Kant de Lima, 2008). Outra dimensão privilegiada

na perspectiva comparada diz respeito às formas de organização das

instituições policiais e judiciais e o acesso à informação, o que permite

produzir um entendimento sobre distintas formas de sociabilidade, de

mecanismos de ordem e controle social no espaço público (Miranda, Luna e

Paes, 2008; Miranda, 2009, Miranda, 2007, Miranda, 2005).

O Relatório sobre a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa é um balanço

preliminar referente às atividades de mobilização desenvolvidas pela Comissão

de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e sobre a repercussão dos casos

de intolerância na mídia. O relatório apresenta ainda um resumo dos casos

que chegaram ao conhecimento da Comissão, formada por diversos

representantes de grupos religiosos3 e instituições ligadas à defesa dos Direitos

Humanos4, bem como do levantamento de informações referentes a registros

de ocorrências policiais e processos judiciais relativos a essa temática, e alguns

depoimentos de vítimas de intolerância religiosa.

A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) foi organizada

inicialmente por religiosos de matriz afro-brasileira, em março de 2008, a

partir do caso envolvendo traficantes neopentecostais da Ilha do Governador

que expulsaram casas de umbanda e candomblé do local. Foram noticiados na

imprensa vários “ataques”5 aos templos, o que provocou a indignação e

3 Fátima Damas, presidente da Congregação Espírita Umbandista do Brasil (CEUB), foi uma das principais responsáveis pela criação da Comissão, que se reúne até hoje na sede da CEUB, no bairro do Estácio, na região do Centro. Posteriormente, Ivanir dos Santos, babalorixá e presidente da organização não-governamental Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, foi designado o interlocutor da Comissão. 4 O Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), o Centro de Integração da Cultura Afro-brasileira (CIAFRO), a Associação Movimento Afro-religioso (IRMAFRO) e o Projeto Legal. 5 O termo ataque está sendo utilizado, pois representa a forma pela qual as investidas públicas de neopentecostais tem sido designadas pelos grupos atingidos.

8

mobilização de candomblecistas e umbandistas, levando-os a organizar uma

manifestação pública na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

(ALERJ). De acordo com um dos seus membros, a formação da Comissão

tinha como objetivo combater o preconceito religioso, lançando mão dos

instrumentos legais com vistas ao cumprimento da Constituição no que diz

respeito à liberdade de credo.

Em decorrência da visibilidade que casos ganharam no espaço público

carioca, o grupo de religiosos decidiu organizar duas Caminhadas em Defesa da

Liberdade Religiosa. Posteriormente, decidiu-se pela implantação do Fórum de

Diálogo Inter-Religioso para a difusão, ampliação do debate e mobilização da

sociedade em defesa das garantias constitucionais relativas à liberdade de

expressão e consciência religiosa. Dentro desse quadro de mobilizações, o

grupo que se organizou em torno da CCIR passou a reivindicar a criação de

“delegacia especializada para repressão ao crime de discriminação étnico-

racial-religiosa”.

A agenda do enfrentamento à intolerância e de reconhecimento de

direitos à liberdade religiosa a partir de demandas ao poder público, em

especial, à polícia e ao poder judiciário, representa um diferencial deste

movimento social em relação ao Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro,

fundando em 1992, após a Vigília Inter-Religiosa pela Terra, organizada pelo

ISER. O objetivo deste movimento era intensificar a ação de religiosos na

construção de redes e estratégias de enfrentamento da pobreza e da violência,

praticando o diálogo entre diferentes tradições religiosas enfatizando seus

pontos de convergência na “visão do Sagrado” (Fernandes, Conrado, Wiik e

Nascimento, 2009).

Outra diferença diz respeito às mudanças que o Brasil, bem como

outros países, vivenciou nos últimos anos com a emergência de demandas de

grupos que assentam suas reivindicações de direitos e de reconhecimento

tomando como ponto de partida suas “identidades diferenciadas”. Um

fenômeno que está relacionado a um conjunto de mudanças culturais,

9

jurídicas e políticas evidenciadas nos países “ocidentais” a partir da

emergência e difusão da gramática do reconhecimento (Fraser, 2005).

A marca da gramática do reconhecimento está intimamente vinculada à

crítica das desigualdades de origem “étnica” ou “racial” que emergiram e

adquiriram visibilidade nos EUA e nas críticas às desigualdades oriundas da

discriminação “racista” nos países europeus. No Brasil, diversas ações têm

sido desenvolvidas desde a década de 90 do século XX, com vistas a superar

as desigualdades existentes entre os múltiplos setores da sociedade brasileira.

Essas políticas de reconhecimento têm se caracterizado, e se concentrado, na

discussão acerca das cotas nas universidades, em conflitos territoriais ou de

acesso aos recursos naturais renováveis, na promoção da igualdade de acesso

ao mercado com recorte racial e étnico.

Tais circunstâncias evidenciam a fundamentação de demandas de

direitos de cidadania, articulados com demandas por reconhecimento de

identidades (Taylor, 1994; Cardoso de Oliveira, 2006 e 2004). Tais diacríticos

têm sido um importante dispositivo na luta pelo reconhecimento (Honnet,

2000) e um elemento fundamental ao vocabulário das mobilizações políticas

contemporâneas. Ainda que elas detenham uma amplitude global, elas se

manifestam de acordo com as características culturais, jurídicas e políticas

locais e são apropriadas, lidas e incorporadas pelos atores no espaço público

de modo diverso.

No Brasil essas demandas de reconhecimento tem se pautado pelas

reivindicações de grupos e movimentos sociais organizados em torno de

bandeiras étnicas, raciais e culturais. A pauta desses grupos é diversificada e

plural: a reparação histórica das desigualdades raciais em decorrência da

escravidão, por meio de políticas de cotas nas universidades ou de ações

afirmativas no mercado; o direito ao acesso às terras tradicionais ocupadas por

“comunidades remanescentes de quilombos”; a garantia do acesso aos

recursos naturais e aos territórios tradicionais indígenas; etc. São demandas

10

que marcam essa distinção destes grupos no que diz respeito às suas

diferenças culturais ou étnicas em face à sociedade nacional.

11

OS PROCESSOS DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL

A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, desde sua formação, tem

promovido diversas manifestações visando à discussão de propostas de

políticas públicas, que vão do reconhecimento de direitos, como o direito ao

credo, à criminalização dos casos de intolerância religiosa. Para isso, conseguiu

desenvolver importantes estratégias de mobilização popular ao longo de seus

dois anos de existência.

O evento mais importante promovido pela Comissão, que se tornou

um marco de seu trabalho, foi a “Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa”.

Trata-se de uma passeata realizada na orla da Praia de Copacabana, local

escolhido por proporcionar maior visibilidade para o evento, na qual as

pessoas levam cartazes e faixas com suas reivindicações no que diz respeito ao

campo religioso do acesso a direitos relacionados à intolerância religiosa.

Foto 1: Entrevista coletiva antes da I Caminhada

Ana Paula Miranda - RJ, 20/09/08

12

Os participantes são convidados a usar roupas brancas ou as roupas

características de sua religião, o que possibilita a identificação de vários

segmentos religiosos e étnicos. Segundo os organizadores, a data da

Caminhada foi escolhida através de uma consulta ao Ifá, um oráculo do

candomblé, por meio do qual os orixás se manifestam.

Foto 2: O início da I Caminhada

Ana Paula Miranda - RJ, 20/09/08

A I Caminhada foi realizada no dia 20 de setembro de 2008 e reuniu

aproximadamente 20 mil pessoas, e contou com a participação de comitivas

de onze estados e duzentos e trinta e cinco ônibus de oitenta e sete

municípios fluminenses.

No processo de mobilização da Caminhada a Comissão buscou dialogar

com representantes de instituições de outras denominações religiosas, tais

como a Sociedade Beneficente Muçulmana do Estado do Rio de Janeiro e a

13

Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro, dentre outras, agregando ao

movimento grupos que não participaram da constituição da Comissão, mas

que também aderiram à reivindicação de políticas publicas voltadas ao tema.

Assim, o Fórum de Diálogo Inter-religioso foi formado ainda em 2008 agregando

judeus, muçulmanos, hare krishnas, budistas, umbandistas, ciganos,

candomblecistas, entre outros.

O objetivo do Fórum era proporcionar a discussão de propostas de

“políticas públicas de Estado” reunindo os membros da Comissão,

representantes de outros grupos religiosos, da sociedade civil, convidados pela

Comissão, e do poder público.

Em 20 de novembro de 2008, Dia da Consciência Negra, integrantes

do Fórum e da Comissão se reuniram com o Presidente Luís Inácio Lula da

Silva, no Rio de Janeiro. Neste encontro, foi entregue ao Presidente uma carta

pedindo para que ele intercedesse junto aos Poderes Judiciário e Legislativo

para “fazer valer as leis que garantem a liberdade religiosa”, em face aos

frequentes atos de “intolerância religiosa”.

A carta entregue ao Presidente, foi assinada pela Comissão de Combate

à Intolerância Religiosa, pela Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro

e pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. Na ocasião, o Presidente

Lula anunciou a elaboração de um Plano Nacional de Combate à Intolerância

Religiosa e se comprometeu a enviar ao Congresso um projeto de lei tornando

mais rigorosas as punições à perseguição religiosa6. O Plano Nacional de

Combate à Intolerância Religiosa incluiria as seguintes questões:

� a implementação da Lei 10.63/03, que torna obrigatório o ensino

de História da África e Cultura Afro-Brasileira;

� a proibição por parte do governo federal que empresas e órgãos

públicos anunciem ou patrocinem programas em emissoras que

6 Recentemente foi anunciado que o Plano não seria apresentado no dia 20 de janeiro de 2010, como estava previsto, para evitar conflitos com os segmentos evangélicos na próxima (continuação de nota de rodapé)

14

transmitem ou produzem programação de conteúdo

discriminatório e proselitista;

� a punição pelo Ministério das Comunicações, com a retirada de

programação do ar e aplicação de multas às emissoras de

televisão e rádio que promovam a intolerância religiosa;

� a atualização de todas as delegacias do país para o uso da Lei Caó

(n. 7.716/89);

� a realização de um censo nacional das casas de religião de matriz

africana em parcerias com universidades em cada estado.

Dando continuidade a construção de uma agenda foi realizado, em

dezembro de 2008, foi organizado um workshop para delegados e detetives na

Academia de Polícia do Estado do Rio de Janeiro, com o intuito de esclarecer

estes agentes sobre a realização de atendimentos adequados às vítimas de

intolerância religiosa, tipificando estes atos no artigo 20 da Lei Caó.

Foto 3: Reunião do Fórum de Dialogo Inter-religioso para discussão do plano nacional

José Antunes - RJ, 03/04/09

Como desdobramento da discussão do Plano Nacional de Combate à

Intolerância religiosa foi realizado um evento no dia 3 de abril de 2009, no Rio

campanha eleitoral. Tal postura provocou grande indignação entre os grupos religiosos que vem discutindo o tema em âmbito nacional.

15

de Janeiro, organizado pela SEPPIR. A reunião contou com representantes de

diferentes religiões7 e de vários estados (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas

Gerais, Bahia e Pará), que levantaram alguns eixos para nortear a construção

do plano:

• a formação da sociedade brasileira;

• os marcos legais (legislação nacional e internacional);

• a informação e o respeito à liberdade de crença;

• a garantia dos direitos à liberdade de crença (direitos civis,

previdenciários, etc.);

• justiça e segurança pública (acesso à justiça, proteção e defesa);

• educação e cultura religiosa;

• a contribuição da sociedade civil;

• o papel do Poder Executivo;

• a relação entre a discriminação religiosa à noção de violência

psíquica;

• a inclusão da defesa da liberdade de crença e/ou religião (com a

finalidade de contemplar os ateus);

• os meios de comunicação.

A promoção da liberdade religiosa foi a tônica de eventos inter-religiosos,

cujo objetivo seria o desenvolvimento das tradições presentes nas diversas

religiões que integram a CCIR. Visando dar mais visibilidade às demandas por

políticas de enfrentamento à intolerância religiosa foram realizados eventos

com o intuito de discutir essa temática. Dentre estes, alguns tiveram uma

relevância significativa como:

• o prêmio Atabaque de Ouro entregue à cantora Leci Brandão;

7 Estavam presentes representantes de mulçumanos, candomblecistas, umbandistas, kardecistas, católicos, presbiterianos, judeus e da comunidade Bahá’i.

16

• a visita do artista israelense Idan Raichel a um terreiro de Candomblé;

• o Seminário sobre os 100 anos da Umbanda, realizado na Universidade

do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

• A Comissão entregou um dossiê-denúncia ao presidente do Conselho

Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDCA), abordando

a questão das crianças vítimas de intolerância na escola.

• Entrega do relatório de Intolerância ao presidente do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

• Lançamento e do DVD Ojuobá e do Guia de Combate à Intolerância

Religiosa e o Racismo no Batalhão da Polícia Militar de Belford Roxo.

• Entrega de Relatório de Casos Assistidos pela Comissão de Combate à

Intolerância Religiosa a ONU

• Seminário sobre educação, no qual se pretendia discutir a promoção da

liberdade e tratava da questão da intolerância religiosa nas escolas, em

outubro de 2009, na Sinagoga da Associação Religiosa Israelita (ARI),

em Botafogo.

Ao longo do ano de 2009, a CCIR trabalhou na divulgação da II

Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, participando de atividades realizadas

pelos seus membros ou promovendo eventos para esse fim, como o

lançamento do livro Intolerância Religiosa X Democracia, publicado pelo Centro

de Articulação de Populações Marginalizadas, na Bienal do Livro, realizada na

cidade do Rio de Janeiro. Ainda na Bienal do Livro, foi organizada uma mesa

redonda com a finalidade debater “a Liberdade de Expressão e Consciência

em tempos de intolerância”.

Para a II Caminhada, a Comissão passou a articular a mobilização de um

número maior de pessoas tendo como meta reunir 100 mil pessoas na orla de

Copacabana. Cada liderança religiosa ficou responsável pela mobilização

dentro de seu próprio grupo ou instituição, o que não significa que cada grupo

tenha trabalhado isoladamente, ao contrário, os membros da Comissão e

17

Fórum participaram de diferentes eventos, circulando em distintos espaços

religiosos e não-religiosos.

A produção do DVD Ojuobá, com cenas da I Caminhada e um

documentário sobre a intolerância religiosa, que conta com a participação de

representantes de diversas religiões foi parte importante nessas mobilizações.

O lançamento do DVD foi feito no dia 21 de janeiro de 20098, Dia Nacional

de Combate à Intolerância Religiosa, no Cine Odeon BR, Rio de Janeiro.

Juntamente com o DVD Ojuobá, foi lançado o Guia de Luta Contra a Intolerância

Religiosa e o Racismo, escrito por Jorge da Silva e publicado pelo Centro de

Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), com o apoio da Comissão e do

Fórum.

A partir do evento do dia 21 de Janeiro, o DVD Ojuobá foi exibido em

diversos outros locais, sendo utilizado pela Comissão como forma de mostrar

às pessoas em que consistia a Caminhada e falar sobre intolerância e

perseguição religiosas, além de provocar as pessoas a também participarem do

movimento em defesa da liberdade religiosa, mobilizando para a Caminhada.

O Guia de Luta Contra a Intolerância Religiosa e o Racismo foi distribuído

nos eventos, sendo privilegiados os líderes religiosos, que poderiam repassar a

outros de sua instituição as informações do Guia. O Guia trata da

discriminação racial, intolerância e discriminação religiosas, trazendo também

informações sobre a legislação. O destaque do Guia traz ainda orientações de

como proceder diante dos crimes com motivação racial, de cor, etnia, religião,

origem ou procedência nacional. Dessa forma, o Guia funciona como uma

forma da Comissão dar orientações às pessoas para que elas identifiquem atos

de intolerância religiosa e possam registrá-los na Delegacia; assim como uma

maneira de esclarecer aos policiais sobre a lei Caó e a maneira de tipificar

adequadamente os crimes de intolerância religiosa.

8 Essa foi escolhida por representar o dia da morte da yalorixá Gilda de Ogum, que teve um enfarte fulminante ao ver sua foto publicada na capa do periódico Folha Universal, sendo chamada de charlatã.

18

Os eventos de mobilização para a Caminhada aconteceram em sua

maioria nas casas de umbanda e candomblé. Muitos líderes religiosos das

instituições participantes da Comissão ofereceram suas “Casas de Axé” para

que fosse realizado o lançamento do DVD Ojuobá e do Guia de Luta Contra a

Intolerância Religiosa e o Racismo e se mobilizasse para a Caminhada as pessoas de

diferentes regiões. Quanto maior a proximidade com a Caminhada, maior o

número de eventos. Dessa forma, os representantes da Comissão dividiam-se

para participarem dos eventos que, algumas vezes, ocorriam na mesma data.

Foi possível identificar a realização de trinta e quatro eventos, dos quais

vinte aconteceram na cidade do Rio de Janeiro (Quadro 1 e Mapa 1) e treze

em outros municípios do Estado do Rio de Janeiro9.

Quadro 1 – Locais dos eventos para divulgação da Caminhada da CCIR na Cidade

do Rio de Janeiro

Cidade do Rio de Janeiro

Bairros dos Eventos Número de Encontros

Barra da Tijuca 2 Centro 4

Encantado 1 Estácio 1 Laranjeira 1 Madureira 2 Maracanã 4 Méier 1

Paciência 1 Pavuna 1 Quintino 1

Rocha Miranda 1 Total 20

19

Mapa 1: Eventos de mobilização para a II Caminhada na Cidade do Rio de Janeiro

Elaborado por Bruno Ferraz Bartel

Quadro 2 – Locais dos eventos para divulgação da Caminhada da CCIR no Estado

do Rio de Janeiro

Outros Municípios do Estado do Rio de Janeiro

Locais dos Eventos Número de Encontros

Belford Roxo 2 Campo Grande 1 Duque de Caxias 2

Magé 1 Mesquita 1 Niterói 3

Nova Iguaçu 1 Saquarema 1 São Gonçalo 1

Total 13

9 Houve um evento fora do Estado do Rio de Janeiro realizado em Salvador (Bahia), totalizando, (continuação de nota de rodapé)

20

Outra contribuição importante para a mobilização popular em torno da

Caminhada foi a articulação da Comissão com a mídia, que será analisada

posteriormente. Através de sua Assessoria de Imprensa, foi possível divulgar

os casos de intolerância religiosa, a produção do DVD Ojuobá e do Guia, assim

como as demais atividades e eventos realizados pela Comissão e Fórum. Isto

permitiu dar visibilidade ao trabalho da Comissão e à temática da liberdade

religiosa.

Além das relações estabelecidas com as instituições religiosas, a CCIR

buscou o apoio de outras instituições como o Tribunal Jucidiciário do Estado

do Rio de Janeiro (TJRJ); Ministério Público (MP); Pólicia Civil do Estado do

Rio de Janeiro (PC); Polícia Militar (PM); Prefeitura do Rio de Janeiro;

Universidade Federal Fluminense (UFF); Organização das Nações Unidas

(ONU); Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente

(CEDCA); Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR);

Superintendência de Políticas de Inclusão Racial do Governo do Estado do

Rio de Janeiro (SUPERDI); Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia;

Organização de Direitos Humanos – Projeto Legal; Petrobrás; Metrô e

Supervia.

portanto, 14 eventos.

21

Foto 4: Entrevista coletiva antes da II Caminhada

Ana Paula Miranda - RJ, 20/09/09

Como resultado do trabalho de mobilização, a II Caminhada em Defesa

Liberdade Religiosa reuniu cerca de 80 mil pessoas na orla de Copacabana no dia

20 de setembro de 2009 e foi composta por quatro trios elétricos, contou

ainda com a participação de comitivas de vinte e três estados e

aproximadamente cento e cinquenta ônibus de vários municípios fluminenses,

além de seis delegações estrangeiras.

22

Foto 5: Panorama da II Caminhada

Fonte: http://www.eutenhofe.org.br/images/stories/dummy/02.jpg - RJ, 20/09/09

Nota-se que, apesar de pouco tempo de existência, a Comissão

conquistou uma visibilidade e um debate maior no espaço público do que os

movimentos da Bahia e do Rio Grande do Sul, que existem há mais tempo10.

Segundo Vagner Gonçalves da Silva (2007: 22), historicamente, as

religiões afro-brasileiras têm sido marcadas em seu desenvolvimento muito

mais por divergências entre as várias denominações religiosas (como

candomblé e umbanda) e entre diferentes modelos de culto do que pela

aglutinação em torno de entidades coletivas. Instituições que representam uma

coletividade de terreiros, sejam de umbanda, sejam de candomblé, têm surgido

pela necessidade de defesa e de articulação diante dos neopentecostais. Diante

disso, é preciso ressaltar o trabalho feito pela Comissão para unir umbandistas

10 Na Bahia, o Movimento Contra a Intolerância Religiosa teve início em 2000. No Rio Grande do Sul, a Comissão de Defesa das Religiões Afro-Brasileiras (CDRAB) foi organizada em 2002. (SILVA: 2007, p 22).

23

e candomblecistas em torno de um mesmo movimento, e aglutinar não apenas

pessoas, mas também diferentes instituições representativas dessas religiões

afro-brasileiras na busca por reconhecimento de seus direitos.

A mobilização para a realização da Caminhada em Defesa Liberdade

Religiosa tem sido um meio de dar visibilidade para as religiões afro-brasileiras,

permitindo uma reação diante dos atos de intolerância religiosa e a

desconstrução da imagem de grupo ameaçado ou que cultua demônios. A

Caminhada tem funcionado, portanto, como uma estratégia de afirmação da

identidade desses grupos e de demanda por reconhecimento de direitos no

espaço público.

Ressalta-se que a Comissão conseguiu articular não apenas

representantes de umbanda e candomblé, mas também de outras religiões,

construindo um movimento amplo em prol da liberdade religiosa. É

importante destacar que a estratégia de mobilização popular que a Comissão

desempenhou ao longo de dois anos representa uma inovação no debate

sobre liberdade religiosa, na medida em que traz a população para o debate

público o que, segundo Augusto Kirchhein (apud ORO, 2005: 439), jamais

aconteceu no país, posto que a discussão sobre laicidade e liberdade religiosa

ficou sempre restrita às elites eclesiásticas, políticas e intelectuais.

Com a finalidade de “diagnosticar e verificar” – segundo a própria

Comissão- os casos de intolerância religiosa, a Comissão buscou junto a

Universidade Federal Fluminense (UFF), um estudo a respeito do trabalho

que ela vem desenvolvendo, principalmente, no que se refere aos casos de

intolerância religiosa que a Comissão acompanha. Lançado no dia 21 de

janeiro de 2010, Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, o Dossiê

Intolerância Religiosa é uma primeira análise sobre o tema em questão, assim

como dos registros de ocorrência, além de listar e resumir os casos

acompanhados pela comissão. Junto com esse lançamento, comemorou-se a

data com a montagem de tendas na Praça da Cinelândia para cada segmento

religioso de forma a promover a liberdade de expressão da fé.

24

No mesmo dia foi inaugurado o Núcleo de Combate à Intolerância

Religiosa, fruto do trabalho desenvolvido pelo Delegado Henrique Pessôa que

acompanha a Comissão desde 2008, e que era o representante oficial da

Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro na Comissão de Combate à

Intolerância Religiosa. Apesar de sua inauguração o referido Núcleo ainda

não foi oficializado pelo governo do estado do Rio de Janeiro.

25

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

O tema da tolerância faz parte da construção simbólica da modernidade

ocidental, que historicamente representou tentativas de tratar as diferenças

entre grupos sociais, explicitadas em conflitos, por meio de acordos públicos.

Porém, a tolerância representa apenas a concordância provisória no

reconhecimento tácito de uma questão objetiva, a diferença, sem que, no

entanto, isto represente o reconhecimento legítimo dessa diferença.

A consagração do tema no mundo ocidental pode ser exemplificada a

partir da perspectiva do filósofo inglês John Locke11 que informa a produção

de modelos jurídicos e políticos dos países ocidentais modernos relacionados

ao tema da laicidade. Para o mesmo o “problema da intolerância” resultava da

confusão entre os domínios civil e religioso, de modo que caberia à força

política intervir no seu funcionamento ou regulamentar os cultos apenas

quando estes se revelassem atentatórios ao direito das pessoas ou ao

funcionamento da sociedade. Em sua grande obra Carta a respeito da tolerância

[1689], Locke estabelece as bases para o princípio da laicidade do Estado ao

indagar “até onde se estende o dever de tolerância, e o que se exige de cada

um por este dever?” (1964:17) e afirmar que “pessoa alguma tem o direito de

prejudicar de qualquer maneira a outrem nos seus direitos civis por se de outra

igreja ou religião” (1964:18).

Para ele, a questão não poderia ser tratada do ponto de vista das

religiões, já que todas seriam ortodoxas com respeito a si próprias e

considerariam as outras errôneas e hereges. Nesse sentido, o poder civil não

deveria conceder autoridade a nenhuma religião e do mesmo modo não

11 A obra do filosofo inglês teve como marca a contestação do absolutismo e a defesa de uma autoridade limitada pelo consentimento do povo, para eliminar o risco do despotismo e suprimir a doutrina do direito divino.

26

poderia permitir sua interferência nos assuntos civis. Porém, para Locke não

era suficiente que os religiosos se abstivessem de qualquer forma de

perseguição: seria necessário o reconhecimento da plena liberdade.

Assim, se a aspiração de um grupo a ter sua diferença reconhecida

muitas vezes pode estar relacionada a uma opressão sofrida no passado e/ou

no presente, tolerar a fé de outrem significaria uma atitude política, pois se

tratava de assegurar as garantias dos direitos individuais. E a questão dessas

garantias para Locke nada teria a ver com a religião, mas sim com a definição

do bem público, que deveria ser a medida de toda legislação.

Ressalta-se que o próprio Locke deixa claro como é difícil lidar com o

tema na prática. Na Carta, ele afirmou que não se poderia tolerar “de modo

algum os que negam a existência de Deus. Para o ateu não têm autoridade,

promessas, acordos, juramentos, que são os laços da sociedade humana”

(1964: 53). Logo, apesar da doutrina da tolerância postular que a liberdade de

consciência seria um direito natural do homem, o ateísmo não era aceito

como argumento para a defesa da tolerância, pois não se poderia duvidar da

existência de Deus.

O que estava em jogo na construção de uma “doutrina da tolerância”

era a perseguição12 às religiões e a tentativa de construção de um acordo entre

Igreja e Estado onde cada um deveria se restringir dentro de seus limites. A

igreja deveria cuidar da salvação das almas e o Estado deveria atender o bem-

estar mundano. A partir da reforma protestante consolidou-se a ideia da

separação entre Estado e Igreja como um marco importante para a definição e

exercício de direitos. Constituiu-se, portanto, uma forma de pensar a relação

entre religião e política que, mesmo nunca tendo sido plenamente realizada,

culminou na construção do princípio da liberdade de consciência como base

do Estado de Direito e da democracia na Europa.

12 A ideia de perseguição pode ser associada a diversas práticas: incomodar alguém, oprimir intensamente, tomar providencias judiciais, injuriar, restringir sua liberdade, banimento, prisão, ameaçar à vida, etc. (Malek, 2004).

27

A separação entre Estado e Igreja teria contribuído como uma das

diferenciações mais importantes para pensar a modernidade, porque resultou

na distinção entre a esfera pública do Estado e a esfera privada da sociedade

(Habermas, 1984). Nesse sentido, a secularização significou a perda de poder e

de validade das visões tradicionais de mundo, que ao serem questionadas

pelos novos critérios de racionalidade instrumental, foram transformadas em

convicções éticas e reestruradas segundo o direito, correspondendo à

exterioridade da coerção dos comportamentos, enquanto a religião atuaria

num nível interno de orientações, baseada na moral.

No caso francês, por exemplo, a discussão sobre a legitimidade ou não das

expressões dos laços culturais, religiosos e étnicos nos espaços públicos laicos

da République tem revelado diversos questionamentos à sociedade francesa,

ganhando diferentes frentes de mobilização e discussão na França (Mota,

2009). Ela tem sido tangenciada pelas discussões ocorridas em 2003 em

decorrência dos incidentes envolvendo alunas de origem muçulmana que

foram impedidas de utilizar o foulard (véu) nas instituições escolares por “ferir

o princípio da laicidade francesa”. Este fato culminou, em fevereiro de 2004,

na votação de uma lei que impede a utilização de signos religiosos

ostentatórios nas escolas francesas e em determinados estabelecimentos

públicos. A expulsão de algumas alunas reacendeu o debate sobre o foulard

com a inserção de diferentes atores públicos (associações de pais e alunos,

sindicatos dos professores, partidos políticos, associações muçulmanas etc.)

mobilizados em torno da aplicação da laicidade (Amiraux, 2004). Problemas

que se tornaram públicos e reabriram as discussões iniciadas em 1989 sobre o

“foulard islamique”: no momento em que a França comemorava o bicentenário

da Revolução Francesa, celebrando o modelo histórico da République dos droits

de l’homme, o affaire do foulard islamique introduziu um debate caro à França, a

possibilidade de conciliar sua diversidade interna aos princípios da République.

Essa questão incide diretamente na luta contra a discriminação na

França e suas implicações políticas e jurídicas não constituem somente novas

28

ações contra as desigualdades, mas representa uma nova forma de

compreensão das relações sociais e o advento de uma problemática e de

modalidades de ações coletivas pouco familiares à tradição filosófica e política

francesa, pautada pelo princípio da integração e assimilação ao corpus

republicano e ao corpo nacional. Como salienta Simon (2003), esses

dispositivos e temáticas desenvolvidos atualmente em muitas sociedades

européias, que foram em parte forjadas nos EUA em torno do trabalho ou da

gestão de uma sociedade “multicultural”, têm posto à prova a política de

integração ao corpus republicano francês, cujo modelo de cidadania é pensado

como algo conquistado no espaço público de maneira universal, o que vai

além dos limites do próprio Estado-nação (Carvalho, 1996).

Essa tensão entre o bem comum e a demanda por reconhecimento no

espaço público francês é visível com relação ao caso do foulard. Duas posições

se apresentaram no debate. Uma delas defendia uma concepção estritamente

“laica”, segundo a qual não se deveria permitir a expressão de nenhuma

diferença (sobretudo étnica ou religiosa) dentro da escola. Outra, apresentava

um argumento de que seria necessário a ampliação da concepção de “laico”,

mas sem se ater na questão da diferenciação cultural das identidades. Ora, os

partidários da escola laica visam “protegê-la” das divisões possíveis, fazendo

com que os indivíduos se desprendam de suas particularidades, almejando a

formação de um cidadão imune às particularidades identitárias. Para os

defensores de uma visão mais larga da noção de uma escola laica, a afirmação

de uma identidade faz parte da expressão da individualidade (Martuccelli,

1996).

Já no caso brasileiro, a separação entre Igreja e Estado não resultou

efetivamente numa privatização da religião na esfera doméstica, pois o que

ocorreu foi um retraimento do catolicismo a partir de um intenso conflito em

torno da autonomia de certas manifestações culturais de matriz não-cristã, que

buscavam expressar-se de forma legítima publicamente (Montero, 2006).

Assim, a separação entre Igreja e Estado não produziu a retirada das religiões

29

do espaço público, mas sim representou a transformação de manifestações

variadas daquilo que se chamava de “feitiçaria”, “curandeirismo” e “batuques”

em religiões institucionalizadas, o que levou a descriminalização das religiões

de matriz afro em nome do direito à liberdade de culto.

Na prática, o debate acerca da liberdade religiosa no Brasil teve que

conviver com um modelo jurídico que distinguia, a partir das práticas da

população, quais religiões teriam direito à proteção legal e quais eram práticas

consideradas anti-sociais, que deveriam ser perseguidas. Outra característica

importante desse momento foi a separação dos atos civis dos atos religiosos

católicos (matrimônio, batismo, sepultamento, educação), originando uma

disputa em torno de privilégios constitucionais que até então beneficiavam

exclusivamente a Igreja Católica.

Nesse sentido, o debate político que vigorou no Brasil relacionado a

liberdade religiosa girava em torno de qual liberdade que a Igreja Católica

desfrutaria e não sobre a possibilidade de expressão de cultos diversos

(Giumbelli, 2002). Tal fato levou diferentes grupos religiosos à necessidade de

demonstrar ao Estado que não representavam ameaças à saúde e à ordem

pública para poder buscar sua institucionalização.

O período de intensificação das práticas repressivas dirigidas aos grupos

de matriz afro se deu durante o Estado Novo13, quando esses cultos foram

associados à prática de crimes e ao uso de drogas. Como conseqüência, a idéia

do pluralismo religioso como forma de manifestação da diversidade de cultos

e liberdade de expressão não foi a base do Estado brasileiro, mas seu produto,

em função das reações sociais aos mecanismos estatais que reforçaram

durante muito tempo a associação entre a discriminação étnica à perseguição

religiosa (Vogel, Mello e Barros, 1998).

Portanto, a regulação do espaço “religioso” no Brasil se deu no

13 Nesse momento surge no Rio de Janeiro a Inspetoria de Entorpecentes e Mistificação, voltada à repressão ao uso de tóxicos e à prática de sortilégios (Montero, 2006: 54). Na (continuação de nota de rodapé)

30

contexto da instauração da República, formalmente vinculada a um arranjo

liberal, segundo o qual o Estado não teria vínculos oficiais e formais com

nenhuma religião e que permitiria total autonomia de criação e funcionamento

às igrejas. Porém, na prática, esse período correspondeu a uma série de

controvérsias que questionavam o estatuto religioso de certos grupos, que

passaram a depender de dispositivos específicos de regulação, em especial, as

intervenções policiais e legais, bem como as abordagens intelectuais e

jornalísticas (Giumbelli, 2003).

Essas controvérsias estavam diretamente vinculadas também a uma

compreensão a respeito da construção da identidade nacional brasileira nos

primeiros períodos da história republicana. A “fábula das três raças”

(DaMatta, 1998), como ideologia inscrita nas classes cultivadas e no senso

comum, ensejou a constituição de uma visão hierárquica e complementar

entre as unidades raciais, étnicas e religiosas que compunham a sociedade

brasileira. A idéia da existência de um credo ou de uma raça superior resultou

na produção de uma compreensão verticalizada e piramidal relativa ao mundo

público - no topo as religiões de matriz européia e na base as religiões de

matrizes africanas ou indígenas – destinando direitos e garantias

particularizadas a estas instituições, ora reconhecendo-as de forma desigual

como parte constitutiva da identidade nacional, ora recusando-as ou

criminalizando-as na esfera pública e no espaço público.

Do mesmo modo, essa concepção hierárquica e desigual a respeito da

construção de um espaço público laico, permitiu que no Brasil se constituísse

uma arena pública em que as regras de acesso aos bens disponíveis pelo

Estado não fossem gerenciadas de forma universalista e igualitária para todos

os credos reconhecidos como sistemas religiosos. Tal situação gerou uma

espécie de dissonância entre as regras impessoais e universais impostas pela

esfera pública e os princípios hierárquicos, desiguais e personalistas presentes

Bahia, uma lei estadual, n. 3.079 de 29/12/1972, obrigou os cultos afro-brasileiros a se (continuação de nota de rodapé)

31

no espaço público brasileiro. De fato, a inexistência de um princípio

universalista e de tratamento igual e uniforme, que abranja todos os credos e

sistemas religiosos, inviabilizou o pleno reconhecimento dos direitos de

determinadas matrizes religiosas, promovendo o acesso particularizado e

desigual de determinadas religiões ao espaço público brasileiro, como se um

sistema religioso fosse mais legítimo do que o outro para que seus símbolos

possam ser apresentados e ostentados no mundo público. Tal concepção

produz conseqüências para a eficiente administração institucional dos

conflitos por parte dos agentes de segurança pública, como discutiremos mais

a frente.

Ademais, uma compreensão homóloga à “fábula das três raças”

desempenhou um importante papel na produção dessa compreensão sobre a

tolerância religiosa no Brasil: o mito da democracia racial e do sincretismo

religioso. Tais premissas partilham da ideia da ausência de conflito e da

presença da harmonia existente entre partes opostas, porém complementares

e hierarquicamente dispostas no espaço público. Nesse sentido, elas

terminaram reforçando a ideologia da “fábula das três raças” que pressupõe a

recusa dos conflitos e diferenças existentes entre os grupos raciais, étnicos e

religiosos que compõem a sociedade nacional. Portanto, a Nação una e

indivisível deve prevalecer às formas culturais e religiosas particulares que se

manifestam através, por exemplo, de alguns credos religiosos ou grupos

sociais, permitindo a difusão de que no Brasil inexiste a prática de racismo ou

de intolerância religiosa diante de nossa “miscigenação”, do “sincretismo” e

de nossa “cordialidade”.

registrar na Delegacia de Polícia da circunscrição até 1976 (Silva Jr, 2007: 310).

32

A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E A MÍDIA

A proposta da Comissão é combater a intolerância religiosa,

relacionando assim as atitudes de intolerância ao fascismo e aos atos

antidemocráticos. Da mesma forma outro argumento utilizado é a luta pela

liberdade religiosa, que, ao contrário da intolerância, é abordada como parte

dos princípios da democracia. A liberdade religiosa é associada à liberdade de

expressão, como forma de mobilizar mesmo as pessoas que não são religiosas,

a reivindicação é pelo “direito de acreditar e de não acreditar”. Segundo a

Comissão, a proposta não é a de iniciar uma “guerra santa”, mas lutar pela

possibilidade de optar por uma crença (ou optar por não crer) e não ser

desrespeitado ou perseguido por isso.

A CCIR tem se caracterizado por buscar construir espaços para dar

visibilidade às demandas por reconhecimento de direitos no que se refere ao

campo religioso. Nesse sentido se tem buscado uma interlocução com a mídia

no sentido de ressaltar a relevância do tema, por meio do trabalho de sua

Coordenadora de Comunicação, Rosiane Rodrigues, que vem promovendo

um intenso diálogo com setores da sociedade civil e do Estado. Esse diálogo

tem sido fundamental para a repercussão do tema da intolerância e da própria

CCIR, sendo realizado de diferentes maneiras.

A estratégia de comunicação utilizada pela Comissão tem o objetivo de

tornar públicas as questões referentes ao tema da liberdade/intolerância

religiosa, particularmente no cenário do Rio de Janeiro, buscar agregar

diferentes atores e instituições sociais como novos aliados no combate à

intolerância religiosa. Para isso promoveram eventos que buscavam esclarecer

a população sobre os direitos relacionados ao crime de intolerância religiosa.

A análise desta estratégia de comunicação indicou uma diferenciação

caracterizada pelos seguintes tipos de atuação:

33

I) Divulgação de eventos relacionados à questão da

Liberdade/Intolerância Religiosa

A Comissão realizou nos últimos dois anos diversos eventos que

buscavam divulgar o trabalho da própria Comissão, assim como chamar

atenção para as questões da liberdade/intolerância religiosa, como foi descrito

no capítulo anterior.

Além das parcerias para a capacitação dos agentes públicos, a CCIR

atuou na promoção de um curso voltado para formação de religiosos que já

trabalham em algum veículo de comunicação na difusão de informações

relacionadas às religiões. O objetivo, segundo a própria CCIR, é “fortalecer e

legitimar a mídia popular especializada na cobertura da fé”. O curso foi

realizado na Faculdade Pinheiro Guimarães em setembro de 2009.

II) Construções de Laços entre a CCIR e outros parceiros

Um dos aspectos que mais chamam a atenção no trabalho realizado

pela CCIR é a relação que esta estabeleceu com algumas instituições e meios

de comunicação. A partir de contatos feitos inicialmente por sua

Coordenadoria de Comunicação, a Comissão tomou a iniciativa de criar um

diálogo com diferentes setores da sociedade a respeito do tema da intolerância

religiosa.

Por meio de contatos realizados a partir de mensagens eletrônicas e

telefonemas, a CCIR conseguiu que os meios de comunicação (emissoras de

televisão, jornais e rádios) abrissem espaço para veicular diversas notícias de

eventos organizados pela própria CCIR, como a I e II Caminhada em Defesa da

Liberdade Religiosa. Especificamente para a divulgação da II Caminhada, foram

cedidos, gratuitamente, espaços por diversos veículos da mídia, tais como

Rede Globo, SBT, TV Brasil, Rádio Tupi e Rádio CBN. Uma questão

importante nessa relação com a mídia eram os avisos de pauta que eram

mandados pela CCIR para vários jornalistas de diferentes empresas de

34

comunicação sugerindo e estimulando matérias relacionadas aos casos de

intolerância religiosa, e dando esclarecimentos de matérias veiculadas que têm

relação com o tema. Isso contribuiu, na opinião da Coordenadora de

Comunicação da CCIR, Rosiane Rodrigues, para mudar a visão das

instituições, e divulgar a CCIR para as vítimas saberem a quem recorrer caso

sofam algum ato de intolerância religiosa. Frequentemente, a CCIR também

divulga notas a imprensa como respostas a acusações públicas feitas por

terceiros ao trabalho da CCIR e a matérias que se referem a algum segmento

religioso de forma pejorativa.

Como resultado do trabalho da assessoria de imprensa da Comissão, a

mídia forneceu maior visibilidade ao tema, em suas matérias, tendo em vista as

repercussões principalmente envolvendo casos familiares, desavenças entre

vizinhos ou situações discriminatórias em ambientes de trabalho.

Tal repercussão tem colocado em evidência o desrespeito a

determinados segmentos religiosos e a necessidade de se fazer valer o

estabelecimento de um amplo diálogo que contemple as diferenças de culto

nos múltiplos setores da sociedade civil.

As matérias vinculadas na mídia têm dado visibilidade para a CCIR em

virtude da divulgação de três eixos principais:

a) a divulgação da caminhada como um ato que visa criar um espaço

onde a manifestação e diversidade religiosa possam ser representadas;

b) o foco para a própria comissão uma vez que ela visa ser uma

entidade responsável para a apuração e encaminhamento das denúncias de

intolerância;

c) para os casos propriamente ditos de intolerâncias religiosas

manifestos em diversos setores da sociedade civil.

Essa classificação foi feita com base em um levantamento no período de

2008-2009 de matérias referentes ao tema (Quadro 3).

35

Quadro 3: Levantamento de notícias relativas à intolerância religiosa no Rio de Janeiro (2008-2010)

DATA/ LOCAL

TÍTULO

VEÍCULO

16/03/2008 - RJ Fuzis são abençoados em templos nas favelas Jornal Extra

16/03/2008 - RJ O tráfico remove até a fé Jornal Extra 17/03/2008 - RJ Proteção do Estado para rezar Jornal Extra 17/03/2008 - RJ Canal aberto para denunciar Jornal Extra

02/06/08 - RJ Evangélicos invadem centro espírita no Catete, diz polícia Jornal O Globo

03/06/08 - RJ Pastor repudia ato violento de fiéis contra centro espírita Jornal O Globo

03/06/08 - RJ Umbandistas atacados vão cobrar indenização na Justiça

Jornal O Globo

03/06/2008 - RJ OAB condena invasão do templo religioso no Catete por fanáticos

O Globo Online

06/06/2008 - RJ Central receberá denuncia sobre intolerância religiosa

O Globo Online

07/08/2008 - RJ Pastor é denunciado por discriminar religião de matriz africana Jornal do Brasil

19/09/2008 – RJ Devotos protestam contra

intolerância rel ig iosa na Bahia Site:

jornalnacional.globo.com

21/09/2008 - RJ Ministro defende punição mais

rigorosa para religiosos que preguem a intolerância

O Globo Online

31/10/2008 - RJ Intolerância re l igiosa é tema de

encontro no Rio Site:

jornalnacional.globo.com

05/11/08 - RJ Chamar vizinho de macumbeiro dá condenação por intolerância religiosa O Globo Online

16/11/2008 - SP Aos cem anos, umbanda ainda sofre preconceito

Jornal O Estado de São Paulo

21/11/2008 - RJ Lula anuncia plano nacional contra intolerância religiosa

O Globo Online

24/11/2008 - RJ Intolerância Religiosa tem mesma pena que crime de

racismo O Extra Online

09/12/2008 - RJ Santa retirada de fachada de prédio poderá ser o primeiro inquérito de

intolerância religiosa O Globo Online

09/12/2008 - RJ Moradores acusam síndico de prédio no Rio de denegrir imagem de santa Folha Online

10/12/2008 - RJ Briga por imagem de santa vira caso de polícia Jornal O Globo

36

10/12/2008 - RJ É guerra santa! Síndico retira imagem de prédio e causa revolta Jornal Meio Hora

10/12/2008 - RJ Imagem de santa é achada no lixo Jornal Extra 10/12/2008 - RJ ‘Guerra santa’ em briga de vizinhos Jornal O Dia 20/01/2009 - RJ Evangélicos agridem candomblecistas Jornal O Povo

21/01/2009 - RJ

Entidades rel igiosas lançam carti lha contra intolerância, no

Rio O Globo Online

21/01/2009 - RJ Comissão contra Intolerância lamenta decisão do governo

federal O Extra Online

21/01/2009 - RJ Lançado Guia de Luta Contra a

Intolerância Religiosa e o Racismo

O Globo Online

25/01/2009 - RJ Comissão de Combate a Intolerância Religiosa fará

denuncia contra Faetec na OAB O Globo Online

26/01/2009 - RJ

A cartilha da união. Um guia para ajudar policiais a tratar com justiça a pluralidade religiosa e cultural do

Brasil

Revista ÉPOCA

26/01/2009 - RJ Aumentam denúncias contra intolerância rel ig iosa no Rio O Globo Online

27/01/2009 - RJ

Pol ícia abre inquérito para investigar intolerância rel igiosa

em sala de aula O Globo Online

09/03/2009 - RJ Crianças vítimas de discriminação são ouvidas por autoridades Jornal do Brasil

29/03/2009 - RJ Uma silenciosa guerra santa no Rio Jornal do Brasil

03/04/2009 - RJ Grupo elabora plano contra a

intolerância rel ig iosa O Globo Online

12/04/2009 - RJ Comissão pedirá ao Ministério Público proteção para mãe-de-santo agredida

em Niterói Jornal Extra

13/04/2009 - RJ Mãe de santo é vítima de intolerância religiosa

Jornal O Globo

13/04/2009 - RJ Vizinha da intolerância Jornal Extra

23/04/2009 - RJ Dia de São Jorge é marcado por tiros e intolerância religiosa

Jornal do Brasil

30/04/2009 - RJ Evangélica tenta colocar fogo em umbandista em Pilares

Jornal O Dia

01/05/09 - RJ Empregada espanca patroa devido a Jornal O Povo

37

revelação na igreja

12/06/09 - RJ Templo cigano é alvo de vandalismo na Freguesia, diz religioso

Jornal O Globo

12/06/2009 - RJ Religiosos farão manifestação contra ataque O Extra Online

13/06/09 - RJ Polícia abre inquérito para apurar invasão a templo cigano Jornal O Globo

14/06/2009 - RJ Manifestação condena ataque a reduto cigano Jornal do Brasil

15/06/2009 - RJ Religiosos apoiam templo cigano depredado na Freguesia

O Extra Online

17/06/2009 - RJ Invasor de centro espírita desafia Justiça com vídeo na Internet

Jornal do Brasil

18/06/2009 - RJ Intolerância religiosa: polícia abre inquérito

O Extra Online

19/06/2009 - RJ Pastor e fiel tem prisão decretada por intolerância religiosa Jornal do Brasil

19/06/2009 - RJ

Pastor e integ rante de ig reja são presos suspeitos de intolerância

rel igiosa O Globo Online

20/06/2009 - RJ Presos dois homens acusados de intolerância religiosa

O Globo Online

22/06/2009 - RJ Relatório sobre intolerância

religiosa no país será apresentado à ONU

O Globo Online

22/06/2009 - RJ MP denuncia pastor e fiel por intolerância

O Extra Online

04/08/2009 - RJ

MPF quer retirada de cruz e outros símbolos religiosos de

repartições públicas federais em SP

O Globo Online

12/08/2009 - RJ O endeusamento do Estado laico Jornal do Brasil

14/08/2009 - RJ Ministério público realiza encontro contra intolerância

O Extra Online

18/08/09 - RJ Ele terá que pedir perdão Jornal Extra 24/08/2008 - RJ Rotina de medo Jornal O Dia 24/08/2008 - RJ Todo credo contra a intolerância Jornal O Dia

28/08/2009 - RJ Mesa redonda discute O Extra Online

38

intolerância na UFF

16/09/2009 -RJ Debate sobre l iberdade rel igiosa e democracia O Globo Online

17/09/09 - RJ Riscos da intolerância são debatidos na Bienal Jornal O Globo

07/10/2009 - RJ Religião afro é discriminada nas escolas

ABI- Associação Brasileira de Imprensa

14/10/2009 - RJ Ataque a religiões O Dia Online

26/10/09 - RJ Caso escolar Coluna do Ancelmo Gois. Jornal O Globo

26/10/2009 - RJ Professora de Macaé é punida por ensinar conteúdo afro Jornal do Brasil

27/10/09 - RJ Guerra santa em sala de aula Jornal Meia Hora 28/10/2009 - Macaé (RJ)

Intolerância religiosa volta a debate desta vez na Câmara O Debate – Diário de Macaé

25/11/2009 - DF Professor denuncia discriminação ao MP Correio Braziliense

26/11/2009 - RJ Umbandistas acusam fiéis da Universal de vandalismo Jornal do Brasil

26/11/2009 - RJ Religiosos acompanham perícia em centro depredado

O Extra Online

26/11/2009 - RJ Polícia Civil investiga invasão de centro espírita em Nova Iguaçu

O Dia Online

26/11/2009 - RJ Religiosos acompanham perícia em centro depredado

O Extra Online

26/11/2009 - RJ Digitais podem identificar invasores de centro espírita O Extra Online

26/11/2009 - RJ Centro de Umbanda é atacado em Nova Iguaçu Jornal Extra

26/11/2009 - Missa fez uma reflexão sobre o

racismo e a intolerância religiosa no mês da Consciência negra

Site: gazetaweb.globo.com

27/11/2009 - RJ Umbandistas acusam fiéis da Universal de vandalismo no Rio Portal TERRA

30/11/2009 As reações na mídia ao "sim" no plebiscito antiminarete Site: swissinfo.ch

30/11/2009 Relatora da ONU lamenta proibição de minaretes na Suíça

Site: google.com/hostednews/epa

/article 06/12/2009

Intolerância religiosa vence na Suíça Site: kaosenlared.net

07/12/2009 - CE Denúncias de Intolerância Religiosa são apresentadas em Fortaleza Site: snn.com.br

07/12/2009 - DF Na próxima semana, Tatti Moreno

volta a Brasília para instalar esculturas de deuses africanos na Prainha

Correio Braziliense

23/12/2009 - MA Pai é suspeito de colocar agulhas em criança

Jornal Cruzeiro do Sul Online

31/12/2009 - RJ Imagens de orixás voltam às festas do Portal TERRA

39

Réveillon de Brasília

07/01/2010 - BA

Traficantes instalam boca de fumo dentro de ter reiro de Mãe

Stel la Site: correio24horas

14/01/2010 - BA

Terreiros pedem mais segurança ao Secretário da Segurança

Pública Site: correio24horas

14/01/2010 - RJ Pol ícia Civi l cria núcleo para acompanhar e orientar ví timas O Extra Online

14/01/2010 - MS SEPPIR lança plano nacional de proteção à l iberdade rel igiosa Site: pantanalnews.com.br

15/01/2010 A intolerância anunciada O Globo Online

21/01/2010 - RJ Rio lança Núcleo de Combate à Intolerância Religiosa

Portal TERRA

21/01/2010 - PR Posição de Dilma sobre liberdade religiosa desagrada lideranças Site: bemparana.com.br

01/02/2010 - AL Quebra de Xangô é lembrado no Dia de Combate à Intolerância Religiosa Site: alemtemporeal.com.br

07/02/2010 - PR Onde é mais difícil exercer a fé Gazeta do Povo Online

12/02/2010 - RJ Peça de decoração com suástica é apreendida em Shopping da Gávea

O Extra Online

12/02/2010 - RJ Polícia apreende obra de arte com símbolo nazista no Rio

Site: noticias.r7.com

12/02/2010 - RJ Obra de arte com suástica é apreendida na Zona Sul do Rio Site: sidneyresende.com

13/02/2010 - RJ Polícia apreende biombo com símbolo semelhante ao nazismo na Gávea Site: sidneyresende.com

13/02/2010 - PE A Meca nordestina Site: diariodepernambuco.com.br

22/02/2010 - SP Rivaldo dá nome do pai ao Estádio João Paulo II e cria indignação

Site: tvi24.iol.pt

22/02/2010 - SP Suposta intolerância religiosa de Rivaldo causa polêmica em Mogi

Site: futebolinterior.com.br

23/02/2010 - BA Seppir debate em Salvador a liberdade das religiões africanas

Site: vermelho.org.br

23/02/2010 - BA Não à intolerância religiosa Site: tribunadabahia.com.br

26/02/2010 - RJ Terreiro pesquisa a estética do teatro negro e oferece oficinas de tradições Site: sidneyresende.com

01/03/2010 - DF Praça dos Orixás, na Prainha representa tolerância religiosa

Correio Braziliense

Um aspecto deve ser ressaltado no que se refere ao levantamento das

notícias sobre relativas à intolerância religiosa é a forma naturalizada de

40

produção da notícia, o que faz com que determinadas temáticas e áreas

geográficas recebam tratamentos privilegiados, enquanto outras ainda que não

sejam ignoradas, acabam sendo tratadas de forma acessória. Como analisa

Edilson Márcio de Almeida Silva (2005), o fato de que os jornalistas escrevem

orientados para a imagem que têm dos leitores permite afirmar que isso afeta a

forma como os fatos devem ser tratados e vir a público. Assim, é possível se

afirmar que o processo de seleção e hierarquização está diretamente

relacionado às representações que os jornalistas possuem acerca do espaço

social e dos seus públicos. Portanto, o fato de a temática da intolerância

religiosa ter alcançado um maior espaço na mídia ainda não representa

necessariamente que as abordagens colaborem a romper com preconceitos e

estereótipos que afetam, em especial, as religiões de matriz afro-brasileira.

41

AS DEMANDAS JUDICIAIS

Para ter uma melhor compreensão de como as demandas por liberdade

religiosa têm se apresentado no âmbito da Comissão de Combate à Intolerância

Religiosa e do Fórum de Diálogo Inter-Religioso é preciso analisar como as formas

tradicionais de administração institucional de conflitos por órgãos públicos,

tais como a polícia e a justiça, têm atuado no recebimento e tratamento de

queixas por parte de integrantes de religiões de matriz afro-brasileira. É

possível compreender não só a desconfiança que muitas vezes manifestam em

relação a esses órgãos, como também é possível identificar problemas no

atendimento e acompanhamento dos casos, fazendo com que os agentes da

segurança pública tendam a minimizar a discriminação religiosa, tratando-a

como um problema de menor importância, ou de acordo com as categorias

policiais, uma “feijoada”.

Porém, a visibilidade que alguns desses conflitos adquiriram, permitiu

que Vagner Gonçalves da Silva (2007), que analisou casos de natureza

semelhante em São Paulo, identificasse alguns padrões de atuação

caracterizado por:

1. agressões realizadas no âmbito de cultos das igrejas

neopentecostais e seus meios de divulgação;

2. agressões físicas contra terreiros e/ou seus membros;

3. ataques às cerimônias religiosas afro-brasileiras em espaços

públicos.

A estratégia desses “ataques” seria direcionada à imagem pública das

religiões de matriz afro-brasileira, o que teria como consequência uma dupla

42

reação: o desejo de não aceitar as ofensas e reagir, seja denunciando os casos

individualmente, seja buscando apoio jurídico de forma organizada14.

Já no Rio de Janeiro a análise dos casos até o momento aponta para a

diferenciação entre os seguintes tipos de conflitos:

1. agressões envolvendo vizinhos;

2. agressões envolvendo familiares;

3. agressões realizadas no âmbito de cultos neopentecostais;

4. discriminação por motivos religiosos no ambiente de trabalho;

5. discriminação por motivos religiosos no espaço público (escola,

judiciário).

Quase todas as ações judiciais mencionadas no Dossiê têm sido

acompanhadas voluntariamente por uma advogada, Juliana Koeler, da

Organização de Direitos Humanos Projeto Legal, coordenado por Carlos

Nicodemos, que tem entre seus programas um voltado ao desenvolvimento

de ações de defesa e promoção de direitos violados em razão de preconceito,

discriminação e exploração, chamado de Liberdade e Novas Cidadanias.

A atuação do Projeto Legal é fundada na criminologia crítica, que busca

não apenas a punição do autor da agressão, mas também uma perspectiva

reguladora da relação conflituosa. Nesse sentido, a ação judicial deveria

funcionar como um meio da vítima ser ouvida. Porém, na maioria dos casos o

mau atendimento em qualquer instância produz um efeito de “revitimização”.

Do ponto de vista da legislação é possível notar que a CCIR defende a

utilização do direito constitucional no que se refere à liberdade de crença e de

culto e da Lei nº 7.716, de cinco de janeiro de 1989, conhecida como Lei

Caó15, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor16,

especialmente seu artigo 20:

14 Segundo Vagner Silva (2007), essas religiões não têm uma tradição de organização em torno de representações coletivas, mas sim de dissidências e contraposições. 15 Caó é o apelido do deputado Carlos Alberto de Oliveira, do PDT-RJ, que integrou a Assembléia Nacional Constituinte de 1988. O jornalista foi autor do inciso 42, do Artigo 5º, que tipificou o racismo como crime inafiançável e imprescritível. O item foi aprovado (continuação de nota de rodapé)

43

“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito

de raça, cor etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de

um a três anos e multa.” (apud Silva, 2009).

De acordo com a Comissão, sua luta é “constitucional em defesa da

democracia” e se baseia em leis brasileiras e tratados internacionais assinados

pelo Governo do Brasil, como o Pacto de San José da Costa Rica17. Um dos

argumentos utilizados pela Comissão é o de que as ações de “intolerância

religiosa” praticadas por igrejas neopentecostais são uma “ameaça à

democracia, ao Estado democrático de direito e um ponto de partida para o

fascismo”.

Outro obstáculo está relacionado à aceitação do respaldo jurídico no

que se refere ao enquadramento dos casos na Lei 7.716 (Lei Caó), que mesmo

sendo federal, há vários policiais que se recusam a utilizá-la, alegando que o

artigo 208 do Código Penal não se encontra revogado em face da Lei Caó

(Pessôa, 2009). De acordo com o Delegado Henrique Pessôa, a Lei Caó

apesar de ser um instrumento legal apropriado, ainda sofre forte resistência

entre os policiais. É algo que teria marcado época, referindo-se a um

posicionamento do Estado em relação à discriminação racial, que foi mal

em separado e contou com mais votos que toda a Constituição. Até então, o racismo era uma contravenção, com constava da Lei Afonso Arinos, de 1951. 16 A lei Caó foi alterada posteriormente pelas Leis nº 8.081/90 e 9.459/97, que inseriram os crimes de discriminação por etnia, religião ou procedência nacional. 17 Refere-se à Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) que corresponde a um tratado internacional entre os países-membros da Organização de Estados Americanos, que foi subscrita durante a Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, na cidade de San José da Costa Rica, e entrou em vigência a 18 de julho de 1978. Os Estados ao assinarem a Convenção se “comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que está sujeita à sua jurisdição, sem qualquer discriminação”, estabelecendo como meios de proteção dos direitos e liberdades dois órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Brasil ratificou o Pacto em 1992.

44

recebido no interior da instituição. Segundo ele, a discriminação é um

“problema que resiste, persiste...”

Todavia alguns integrantes da Comissão têm clareza de que a demanda

por reconhecimento de direitos não se esgota no registro de ocorrência

policial. É possível observar diversas manifestações que expressam que o

reconhecimento legal não é considerado suficiente para lidar com os

“ataques”, já que não dão conta da dimensão do insulto moral (Cardoso de

Oliveira, 2002: 31), ou seja, reconhecem que as agressões sofridas não são

facilmente definidas pela linguagem tradicional do direito e tampouco

expressam o ressentimento e sentimentos das vítimas.

45

RESUMO DOS PROCESSOS REFERENTES À INTOLERANCIA RELIGIOSA

A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) tem tido êxito no

que diz respeito ao encaminhamento dos casos que lhe são apresentados.

Todos os casos acompanhados considerados como “intolerância religiosa”

foram encaminhados, seja para o registro de uma ocorrência na delegacia, seja

para uma ação no Ministério Público (MP) ou ainda para o início de processos

cíveis, como nos casos de ação por danos morais18. Alguns casos foram

acompanhados pela CCIR ao longo de todo o seu desenrolar, como o caso de

um templo de umbanda depredado. A Comissão orienta a vítima como

proceder e, geralmente, o procedimento inicial é o de realizar o registro de

ocorrência na delegacia local. A maior parte dos casos que chegam à Comissão

é levada à advogada Juliana Koeler, do Projeto Legal, que acompanha todo o

percurso do caso desde a delegacia até o processo no judiciário.

Após o Registro de Ocorrência, onde ocorre a primeira tipificação do

crime, serão apurados os relatos da vítima, das testemunhas, do acusado e o

colhimento de provas, chamado verificação de procedência da informação

(VPI). Em seguida a VPI se torna um Inquérito policial ou um Termo

Circunstanciado19, sendo enviado ao Ministério Público em conjunto com um

relatório do delegado.

A atribuição do MP é encaminhar os casos com seu parecer a respeito

do caso. Nessa ocasião há três possibilidades de desdobramentos: se não

considera os fatos expostos no Inquérito Policial como um crime, o caso é

arquivado e extinto; ao considerar a falta de provas a respeito do crime, o MP

o devolve à Polícia Civil para novas apurações; e quando se verifica que há

18 A CCIR relaciona 36 atendimentos, mas oficialmente só foi possível encontrar informações sobre 32 casos. 19 Este termo se refere ao documento que é produzido e enviado para o Juizado Criminal.

46

materialidade de provas de que um crime ocorreu, dá-se início ao Processo

Judicial, iniciado pela denúncia do Promotor. É também da responsabilidade

do Ministério Público a possibilidade de uma nova tipificação para os crimes

ocorridos.

Esta mesma dinâmica também ocorre quando se faz uma queixa-crime

por iniciativa privada, ou seja, por parte da vítima, como em casos de crimes

contra a honra20 e estupro. Nestes casos a denúncia não é uma atribuição do

Ministério Público, mas do advogado da vítima, tendo o mesmo órgão o papel

de exercer a fiscalização destes casos.

Após a denúncia do Ministério Público, ou da queixa-crime, o processo

é encaminhado para a Vara Criminal, ou para o Juizado Especial Criminal

(JECrim), caso seja considerado um crime de menor potencial ofensivo. O

JECRim é baseado nos princípios da oralidade, simplicidade e informalidade,

celeridade, economia processual, conciliação e transação. O intuito é o de

acabar com o conflito, sendo, portanto a primeira audiência a de conciliação

dirigida por um juiz leigo. Caso haja um acordo entre o acusado e a vítima na

conciliação, isto é, a composição cível pode resultar em uma indenização

pecuniária, ou num pedido de desculpas públicas devido à desistência da

vítima de prosseguir o processo. O conciliador dá às partes um papel para

assinar, no qual se declara extinta a punibilidade.

Caso não seja possível o acordo, o segundo momento é o da transação

penal oferecida pelo promotor, que é limitado às possibilidades de negociar a

opção entre a multa e a pena restritiva, o valor da pena e a forma de

cumprimento desta, sendo, portanto negociado apenas a aplicação da mesma.

Caso o acusado aceite a transação, o juiz homologa o processo e fixa a pena

alternativa que, em geral, é uma prestação de serviços à comunidade, ou o

pagamento na forma de cestas básicas para uma instituição filantrópica. O

processo é arquivado pelo período de cinco anos e depois extinto. Caso a

20 Como o enquadramento da lei dos crimes de injúria calúnia, difamação.

47

transação penal não seja proposta pelo promotor, ou o juiz não considere

cabível, ou então, se o acusado não concorde, há a audiência de Instrução e

Julgamento conduzida por um Juiz Togado tendo como pena àquela

descriminada pela ação penal classificada. Porém, a maior parte dos conflitos

encaminhados para os JECRIM são resolvidos nas etapas de conciliação e

transação penal (Kant de Lima, Amorim e Burgos, 2003)

Para os casos que não são direcionados para o Juizado Especial

Criminal, sendo portanto direcionados às Varas Criminais, o primeiro

momento é a audiência preliminar. Nesta ocasião, dirigida por um juiz togado,

há a possibilidade de se chegar a um acordo com o pedido de desculpas

públicas. Caso não exista o acordo entre as partes, há a audiência de instrução

e julgamento, podendo ser proposto pelo juiz uma nova conciliação. Caso

persista o processo, a resolução do caso se dá pela decisão do juiz, pautada em

seu livre convencimento, baseado nas provas apresentadas nos autos do

processo.

O fluxo do processo também se efetua da mesma forma para os

processos que se encontram no âmbito cível e no âmbito administrativo,

podendo em certos casos, ocorrerem concomitantemente.

A seguir apresentamos a situação atual dos processos que têm sido

acompanhados pela CCIR, a partir do levantamento realizado no período de

2008 a janeiro de 2010. Ressalta-se que nos casos identificados a questão da

intolerância religiosa geralmente aparece associada a outros conflitos. Nesse

sentido, a divisão aqui apresentada tenta contemplar essa configuração.

O resumo dos casos a seguir correspondem a uma atualização das

informações do Relatório de Casos Assistidos e Monitorados pela Comissão de Combate

à Intolerância Religiosa no Rio de Janeiro (2009), além de casos apurados pela

CCIR, dos quais alguns foram encaminhados para a Organização de Direitos

Humanos Projeto Legal.

Para produção desse resumo tivemos acesso aos processos e aos

registros de ocorrência dos casos de intolerância religiosa por meio do Projeto

48

Legal, das atas da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, dos

processos no Ministério Público, mediante consulta ao Dr. Marcos Kac e ao

Dr. Leonardo Chaves, e ao Delegado Henrique Pessôa. Constam nos

resumos o número do Registro de Ocorrência (R.O.), a Delegacia onde o caso

foi registrado, sua localidade, a titulação que consta no R.O. (enquadramento

feito na delegacia).

A titulação é uma classificação adotada nas Delegacias e foi escolhida

por ser a primeira instância de enquadramento legal, pois ela poderá

influenciar na maneira como o processo será desencadeado. Quanto à

localidade, ela consta para facilitar o mapeamento da incidência dos atos de

intolerância religiosa e ajudar a identificar as regiões onde as denúncias tem

sido registradas em maior frequência. Em alguns casos, houve dados que não

foram apresentados, pois não foram encontradas informações nos próprios

registros de ocorrência.

Mapa 2: Casos registrados de intolerância religiosa – Cidade do Rio de Janeiro

(2008-2010)

49

Quadro 4 – Registros de Ocorrência de Casos de Intolerância Religiosa em

Delegacias da Cidade do Rio de Janeiro

Cidade do Rio de Janeiro

Bairros de Registros Incidência Bangu 1

Botafogo 1 Campinho 1

Campo Grande 3 Catete 2 Centro 1

Cidade Nova 1 Engenho Novo 1

Inhaúma 1 Praça da Bandeira 1

Santa Cruz 2 Santa Teresa 1 Vila Isabel 1 Total 17

O mapa 2 apresenta uma concentração de registro de ocorrências que

começa na área central da cidade passando pela Zona Norte, mas que irá

terminar com o maior número de incidências na Zona Oeste. Campo Grande,

Santa Cruz, e com exceção do Catete na Zona Sul, são os bairros de maior

incidência de registros de casos envolvendo intolerância religiosa na Cidade do

Rio de Janeiro.

Quadro 5 – Registros de Ocorrência de Casos de Intolerância Religiosa em Delegacias do Estado do Rio de Janeiro

Outros Municípios do Estado do Rio de Janeiro

Municípios de Registros Incidência Belford Roxo 1

Magé 1 Miguel Pereira 1

Niterói 2 Nova Iguaçu 4 Rio das Ostras 1 Saquarema 2 São Gonçalo 1 Teresópolis 1

Total 14

50

Foram utilizadas para apresentação do resumo dos casos as denominações

vítima e acusado, tendo em vista a manutenção dos termos utilizados nos

documentos analisados para sua produção.

I - AGRESSÕES ENVOLVENDO VIZINHOS

Caso 1

Registro de Ocorrência: nº 010-04424/2008 – 10ª DP - Botafogo

Injúria

Processo nº 2008.001.234602-5

Resumo do caso: A vítima afirma sofrer com o importúnio de sua vizinha

adolescente, que a teria chamado de “negra, bruxa e macumbeira”. A mesma

teria chamado atenção da adolescente diversas vezes, esclarecendo-a sobre os

termos pejorativos empregados, mas as agressões seriam constantes na

portaria do prédio, assim como sobre seu filho que estuda na mesma escola da

acusada. O registro de ocorrência foi feito após o pai da adolescente ter

interfonado para a casa de sua vizinha e a ofendido, chamando-a de

“piranha”.

Fase Atual: Processo encerrado. Foi realizada a conciliação, o acusado

comprometeu-se a não mais importunar a vítima e assumiu responsabilidades

pelos atos de sua filha menor de idade. A vítima renunciou ao direito de

prosseguir com a ação penal.

Caso 2

Registro de Ocorrência: nº 036. 004669/09 – 36ª DP - Santa Cruz

Perturbação sonora

Processo nº 2009.206.020297-4

51

Resumo do caso: A vítima possui um Centro Espírita, endereço onde

também reside, e alega sofrer, por parte de seus vizinhos, perturbações

constantes há longos anos. Alega serem ambos, o vizinho à sua esquerda e à

sua direita, pertencentes à religião evangélica e, por isso, estariam a todo

tempo tentando convertê-lo. Além disso, um desses vizinhos colocaria em

volume muito alto uma caixa de som ligada em rádio evangélica durante o dia

inteiro, independentemente de haver alguém no local.

Fase Atual: Foi realizada a audiência de conciliação no dia 03/03/2010, não

houve acordo

Caso 3

Registro de Ocorrência nº 000723/0076/09 - 76ª DP – DEAM Niterói

Ameaças e lesões corporais

Processo nº 2009.002.016563-4

Resumo do caso: A vítima alega que seus vizinhos perturbam seus “encontros

espirituais” e a “dança ancestral” (capoeira) que reúnem semanalmente familiares

e amigos em sua casa, pois os vizinhos colocam músicas altas toda vez que os

encontros são realizados. Os acusados, além de praticarem tais atos, também teriam

realizado agressões físicas e verbais. A fim de prejudicar a vítima, uma das

vizinhas teria ligado para a Administradora de seu imóvel, que é alugado,

relatando que o imóvel era utilizado para fins não residenciais, tentando

atrapalhar a relação dos locatários com o proprietário da casa. Esta mesma

vizinha fez uma denúncia junto à Prefeitura relatando que na residência da

vítima funcionaria um centro espírita e um centro cultural de capoeira. Diante

disto, a vítima foi intimada por parte da Prefeitura a cessar as atividades

religiosas e culturais, fato que gerou diversas matérias jornalísticas retratando a

52

intolerância religiosa dos vizinhos. A vítima alega que o local não se trata de um

centro espírita, mas sua residência, onde realiza seus cultos.

Fase atual: O inquérito foi encaminhado ao Juizado Especial Criminal da

Comarca de Niterói.

Caso 4

Registro de Ocorrência nº 020-06725/2008 – 20ª DP Vila Isabel

Preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional

Processo nº 2009.001.087835-6

Resumo do caso: A vítima relata que o ato de intolerância religiosa ocorreu

quando o síndico do seu prédio fez uma reforma na portaria e, nesta, retirou a

imagem da Santa Nossa Srª. da Guia estabelecida desde de 1997 na fachada do

prédio. Esta atitude ofendeu inclusive outros moradores do prédio. A atitude

de intolerância religiosa não se restringe à retirada da imagem, mas refere-se

também a declarações ofensivas, como comparação da Santa a um poste.

Fase atual: O processo foi encerrado. No âmbito criminal, o processo foi

arquivado por falta de provas. No âmbito cível, a Ação de Reparação por

Danos Morais foi ganha, a indenização foi revertida para a Paróquia Nossa

Senhora da Guia

Caso 5

Registro de Ocorrência: nº 035-01006/2009-01 – 35ª DP - Campo Grande

Registro de Ocorrência: nº 035- 02981/2009 - 35ª DP - Campo Grande

Preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Resumo do caso: A vítima é adepta de Umbanda e costuma realizar seus

cultos religiosos no local adquirido para essa finalidade. Em um dos dias em

que praticava o culto, sofreu desrespeito por parte dos seus vizinhos que

53

colocaram som alto e atiraram as oferendas para dentro do seu terreno. A

vítima alegou que essas práticas são freqüentes por parte de seus vizinhos.

Fase atual: Foi instaurado o inquérito policial, que está em andamento.

Caso 6

Registro de ocorrência: nº 096-00431/2008 - 96ª DP – Miguel Pereira

Injúria e ameaça

Processo nº 2008.072001239-3

Processo nº 2008.072.001144-3

Resumo do caso: A vítima acusou seu vizinho de agredi-lo verbalmente,

ofendendo a sua honra e sua religião, enquanto realizava suas práticas

religiosas. Além das ofensas, a vítima também sofreu ameaças.

Fase Atual: Ambas as ações foram encerradas. No Juizado Especial Criminal,

o acusado aceitou realizar a transação penal e teve como punição o pagamento

de cestas básicas. No âmbito cível, a vítima recebeu o direito à indenização no

valor de R$ 3.000,00

Caso 7

Registro de Ocorrência: n° 058-04961/2008 - 58ª DP - Posse

Lesão corporal provocada por socos, tapas e pontapés

Processo nº 2009.038.009628-2

Resumo dos casos: A vítima afirma ser Espírita e alega não ter um bom

relacionamento com uma de suas vizinhas, que é evangélica. Após uma

discussão entre as duas, a vizinha saiu e retornou com parentes a fim de

agredi-la. A vítima foi agredida por três pessoas em frente à sua própria

residência, sofreu socos, tapas e pontapés. Foi necessário buscar cuidados

médicos no hospital, antes que fosse feito o registro de ocorrência na

delegacia.

54

Fase Atual: O juiz realizou o despacho pedindo para que seja atendido o

pedido do Ministério Público.

Caso 8

Registro de Ocorrência: nº 006-02416/2009 – 6ª DP – Cidade Nova

Injúria e Injúria por preconceito

Resumo do caso: A vítima relata que sofreu agressões verbais, sendo

chamada de “macumbeira”, “ordinária”, “cretina” e “caloteira” por sua

vizinha.

Fase atual: No momento não foi possível obter as informações atualizadas

desse caso com os dados obtidos.

Caso 9

Registro de Ocorrência 009-04736/2009-01 – 9ª DP - Catete

Injúria e Injúria por preconceito

Resumo do caso: A síndica do prédio da vítima ofendeu-a com palavras

pejorativas relacionados à sua religião. Isto ocorreu quando a síndica foi

acionada pelo porteiro do prédio, que impediu a entrada de clientes da vítima.

Fase atual: Registro de ocorrência aditado. Justificativa para aditamento:

exclusão do rito da lei 9099/95.

Caso 10

Registro de Ocorrência: n° 000842/004/07 - 4ª DP – Central do Brasil

Ameaça e Injúria

55

Resumo do caso: A vítima relata sofrer constantemente com a atitude

discriminatória de seus vizinhos, os quais o agridem verbalmente com ofensas

relacionadas à sua religião e à sua origem étnica.

Fase atual: No momento não foi possível obter as informações atualizadas

desse caso com os dados obtidos.

Caso 11

Registro de Ocorrência: n° 062-03874/2009 – 62° DP – Imbariê

Preconceito de Raça, Cor Etnia, Religião ou Procedência Nacional

Resumo do caso: A vítima teve seu templo religioso de matriz afro-brasileira

invadido por uma senhora durante a realização de uma festa. A acusada invadiu

o local realizando agressões verbais relacionadas a religião da vítima.

Fase Atual: Aguardando processo investigativo.

Caso 12

Registro de Ocorrência: nº 124-0219/2010 – 124º Delegacia - Saquarema

Dano

Resumo do caso: Se trata de um caso de briga por posse de terras em que

uma das partes declara sofrer preconceito por parte de seus vizinhos pelo fato

de praticar sua religião. Segundo relato da vítima, ela fora chamada de

“feiticeiro” por um de seus vizinhos, além de ser constantemente atribuída a

ele a responsabilidade por fatalidades ocorridas na região.

Fase Atual: Aguardando o atendimento jurídico.

Caso 13

56

Registro de Ocorrência: nº 001307/0075/09 – 75ª DP - Niterói

Perturbação do Trabalho ou Sossego Alheios

Processo: nº 2009-004262090-5

Resumo do caso: A vítima se declara ser de religião espírita e relata morar ao

lado de um local onde se realizam cultos evangélicos. Afirma que durante os

cultos, os fiéis voltariam-se para sua casa gritando e ofendendo-o com termos

como “casa do demônio”, além disso perturbam com som alto e atiram

objetos em seu quintal.

Fase Atual: Foi realizada uma audiência no JECrim em março de 2010

Caso 14

Notícia-crime

Resumo do Caso: A vítima declara que ao sair para fazer a mudança do local

onde residia fora necessário deixar alguns objetos referentes à sua religião e

que ao retornar ao local para buscá-los encontrara-os quebrados e

incendiados. Além disso, encontrara uma bíblia aberta no muro do local.

Segundo a vítima, o ato fora praticado pela proprietária do imóvel, sua filha e o

pastor da igreja que frequentam.

Fase Atual: Encontra-se na delegacia para ser feito o registro de ocorrência.

II- AGRESSÕES ENVOLVENDO FAMILIARES

Caso 15

Registro de Ocorrência: n° 007-01573 - 7ª DP - Santa Tereza

Fato Atípico

57

Processo nº 2008.001.304450-8

Processo nº 2008.001.023438-4

Processo nº 2008.002.07325

Processo nº 2008.002.33967

Processo nº 2009.002.10247

Processo: nº 2008.001.097326-0

Processo nº 2008.002.33937

Resumo do caso: A vítima perdeu a guarda do filho para seu ex-marido

devido a uma série de situações caracterizadas como abandono. O último

culminou numa denúncia de supostos maus tratos passados pela criança em

uma visita de 21 dias a um terreiro de Candomblé. O pai teria ensejado uma

adução de inverdades em relação à religião da ex-mulher, que foi iniciada

recentemente na religião citada. Foi reconhecida a participação da criança sem

as devidas implicações colocadas pelo pai, não representando qualquer risco

para a segurança do menor.

Fase atual: Consolidação da guarda paterna com ampliação da guarda

materna

Caso 16

Registro de Ocorrência: nº 054-06276/2008 - 54ª DP - Belford Roxo

Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

Exercício arbitrário das próprias razões

Resumo do caso: A vítima teve sua residência, que também é o local de suas

práticas religiosas, invadida por um dos proprietários do imóvel por ela

alugado. O acusado do fato não reconheceu o contrato de locação realizado por

seu irmão. Ele invadiu a residência, quebrou vários objetos de culto e colocou

um cadeado no portão, impedindo o acesso da vítima à sua residência.

58

Fase Atual: No momento não foi possível obter as informações atualizadas desse caso com os dados obtidos. Caso 17

Registro de Ocorrência: nº 074-04320/2008 – 74ª Delegacia – Alcântara

Processo nº 2008.004.023628-0

Maus Tratos

Resumo do caso: Ao chegar em um templo espírita e ver que sua filha a

havia levado para um “ritual de iniciação” denunciou-a por maus tratos. A

vítima de intolerância religiosa seria neste caso a mãe da criança, denunciada

por praticar sua fé.

Fase Atual: O processo encontra-se no Juizado de Primeira Instância e

aguarda julgamento.

III - AGRESSÕES REALIZADAS NO ÂMBITO DE CULTOS

NEOPENTECOSTAIS

Caso 18

Registro de Ocorrência: nº 063-01298/2008 - 63ª DP- Japeri

Ultraje a Culto e Impedimento ou Perturbação de Ato a ele Relativo

Processo nº 2008/083.0059770

Resumo do caso: A vítima é proprietária de um Centro Espírita que se

localiza próximo a uma Igreja Evangélica Pentecostal. Um grupo de

aproximadamente doze pessoas, após sair de um culto na igreja, foi para

frente do Centro da vítima, onde começaram a fazer gestos e dizer palavras

ofensivas contra o local de culto e as pessoas que o freqüentavam. O grupo

59

gritava palavras ofensivas como: “casa do diabo”, “casa de prostituição” e

“antro de drogas”.

Fase Atual: Caso concluído. Os três acusados receberam penas alternativas:

cada um terá de pagar o valor referente a um salário mínimo em cestas básicas

para uma instituição de caridade da região onde ocorreu o incidente.

Caso 19

Registro de Ocorrência: nº 124-02388/2008 - 124ª DP- Saquarema

Injúria e Injúria por Preconceito

Resumo do caso: Ao chegar a seu Templo pela manhã, a vítima encontrou

no portão um panfleto com os dizeres: “Jesus quer ver esse reino destruído”.

Após olhar ao redor, observou um homem com uma camisa da Igreja Batista,

que sendo questionado pela vítima, afirmou ter colocado o panfleto no portão.

Ao ser advertido pelo esposo da vítima de que poderia ser processado, o

homem se exaltou, convocando o esposo da vítima para uma briga e, em

seguida, chamou a vítima de “filha do demônio” por seguidas vezes, até se

retirar do local. Posteriormente, ao encontrar com o suposto chefe de Culto

da Igreja Batista que se situa próxima ao Templo, a vítima e seu esposo

ouviram do chefe de Culto que eles deviam aceitar Jesus e que aquilo (no caso,

a Umbanda) não era religião. A vítima e seu esposo resolveram então deixar o

local temendo novas agressões, e foram à 124º Delegacia Policial para registrar

o ocorrido.

Fase atual: Foram prestadas declarações da vítima e das testemunhas no

início de Junho de 2009. Foi feita a solicitação de mudança de tipificação para

o artigo 20 da Lei Caó. O caso está na Delegacia, sob responsabilidade do

Comissário de Polícia.

Caso 20

Registro de Ocorrência: nº 025-04299/2008 - 25ª DP– Engenho Novo

60

Preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional

Resumo do caso: A vítima alega ter sido empurrada por um adepto de uma

igreja evangélica neopentecostal enquanto realizava suas oferendas na esquina

de uma rua. O acusado também teria jogado sua oferenda no lixo e afirmado

que “satanás e seu discípulo não teriam o poder de colocar nada ali”. O acusado

não foi identificado pela vítima.

Fase atual: No momento não foi possível obter as informações atualizadas

desse caso com os dados obtidos.

IV- DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVOS RELIGIOSOS NO

AMBIENTE DE TRABALHO

Caso 21

Registro de Ocorrência: nº 036-02355/09 - 36ª DP– Santa Cruz

Seqüestro ou Cárcere Privado, Extorsão e Crimes de Tortura

Resumo do caso: As vítimas relatam que foram recolhidas em uma suposta casa de

candomblé para realização de rito espiritual, por um período de dois meses, em

tempo integral. Após terem ocorrido dois óbitos, abandonaram o barracão. As

mortes foram causadas por maus tratos realizados pelo suposto pai-de-santo,

o que incluía má alimentação, trabalho escravo e tortura. Além da falta de

higiene do local, o acusado utilizava a mesma navalha em várias pessoas nos

atos denominados de cura. O acusado utilizava-se ainda do discurso religioso

para intimidar e fazer com que as vítimas permanecessem no local.

Fase atual: Desde agosto de 2009, os autos foram devolvidos pelo Ministério

Público à Delegacia para cumprimento de diligências.

Caso 22

61

Registro de Ocorrência: nº 024-01844/2009 - 44ª DP - Inhaúma

Lesão Corporal, Sequestro ou Cárcere Privado, Tentativa de incêndio e

Dano.

Resumo do caso: Narra a vítima que estava estendendo roupas no varal

quando fora surpreendida pela sua auxiliar doméstica com um empurrão,

alegando que o “Senhor havia revelado que ela iria ser mandada embora”.

Sendo senhora de idade, por isso fora contratada uma auxiliar, não pôde

defender-se e continuou sofrendo agressões. Ao tentar pedir socorro por

telefone à sua mãe teve o fio do aparelho arrancado pela acusada que

continuou atacando-a até trancá-la no seu quarto, atear fogo em uma calça

com o auxílio de um inseticida e jogá-la no quarto onde estava a vítima,

chamando-a de “macumbeira safada”. A vítima também acusa a acusada pelo

furto de objetos que estavam dentro da casa, como um monitor LCD que

desaparecera após o acontecido.

Fase Atual: O caso está sob inquérito investigativo, faz-se a apuração do caso

com a solicitação de provas.

Caso 23

Registro de Ocorrência: nº 034- 085 76/ 2008 - 34ª DP - Bangu

Processo nº 2008.205.040773-1

Ameaça

Resumo do caso: A vítima relata que estava numa reunião em seu ambiente

de trabalho quando a diretora de sua unidade o agrediu com tapas nas costas,

verbalizando que o mesmo estava com “o diabo no corpo”, fazendo

referência aos seus acessórios conhecidos como “guia” e utilizados por sua

religião. Após ter ocorrido o fato, a vítima registrou uma ocorrência que se

desdobrou em inquérito administrativo. A diretora da unidade foi transferida,

62

e logo após o ocorrido, a vítima afirma ter recebido ameaças de morte por um

telefone desconhecido.

Fase Atual: O processo foi remetido ao Ministério Público no dia 04 de

março de 2010.

Caso 24

Registro de Ocorrência: nº 218-00962/2008 - 18ª DP – Praça da Bandeira

Injúria; Difamação e Calúnia

Resumo do caso: De acordo com uma das vítimas, que são três, foi enviado

para amigos um e-mail contendo injúrias, calúnias e difamações contra ele, a

instituição religiosa na qual trabalha e também contra as pessoas que ocupam

a presidência e vice-presidência da mesma instituição. É desconhecido o

universo de pessoas que receberam o e-mail. Segundo a declaração dos

comunicantes, este e-mail fez com que as pessoas ofendidas se sentissem moral e

materialmente afetadas, especialmente no que diz respeito à instituição da qual

fazem parte.

Fase Atual: No momento não foi possível obter as informações atualizadas

desse caso com os dados obtidos.

V - DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVOS RELIGIOSOS NO ESPAÇO

PÚBLICO (ESCOLA, JUDICIÁRIO).

Caso 25

Registro de Ocorrência n° 035-14123/2009 - 35° DP -Campo Grande

Queixa-Crime 2009.205.019904-8

Calúnia, Difamação e Injúria

63

Resumo do caso: A vítima relata ter sido acusada de ter feito um trabalho

contra uma criança, ocasionando a sua morte, e de fazer um futuro, contra o

irmão dela. A acusação é oriunda de um grupo de três pessoas que, sob o

intuito de extorquir a mãe destas crianças, fizeram uma ameaça dizendo serem

os únicos capazes de impedir os futuros "trabalhos", exigindo como

pagamento uma alta quantia em dinheiro.

Fase atual: Na audiência preliminar a vítima aceitaou a conciliação com um

pedido de desculpas, extinguindo-se o processo. Posteriormente, uma das

acusadas do grupo acusa a vítima de estupro.

Caso 26

Registro de Ocorrência: nº 02802478/2008 - 28ª DP - Campinho

Injúria por preconceito

Processo n° 2010.202.00663-0

Resumo do caso: Um adolescente relata ter sofrido preconceito por parte de

sua professora, evangélica, devido ao fato de ser Espírita. Declara a vítima que

a professora o teria chamado de “filho do Diabo”, além de ter-lhe negado o

direito de assistir a suas aulas e de ter destruído um de seus trabalhos

escolares. Segundo o relato, a professora, para impedir que os demais alunos

fossem testemunhas no caso, teria ameaçado suspendê-los das aulas.

Fase Atual: Foi aberto processo administrativo contra a professora e o

Ministério Público ofereceu denúncia em 11 de janeiro de 2010. O processo

encontra-se concluso ao Juiz.

Caso 27

Registro de Ocorrência: n° 000293/0118/09 - 128ª DP– Rio das Ostras

Furto, Dano e Incêndio

64

Resumo do caso: A vítima é proprietária de um imóvel onde se realizam

cultos religiosos de matriz afro-brasileira. O Centro Espírita foi invadido,

alguns objetos foram roubados, dentre eles, um aparelho de som, camas,

louças e jóias, outros foram danificados e um dos quartos foi incendiado.

Fase Atual: No momento não foi possível obter as informações atualizadas

desse caso com os dados obtidos.

Caso 28

Registro de Ocorrência: n° 005092/0110.09 - 110ª DP – Teresópolis

Preconceito de raça, cor etnia, religião ou procedência nacional

Resumo do caso: A vítima estava no trabalho quando foi informada de que

haviam ateado fogo em seu Centro Espírita, onde também reside. Foram

atingidos pelo incêndio os objetos usados para os cultos religiosos.

Fase Atual: No momento não foi possível obter as informações atualizadas

desse caso com os dados obtidos.

Caso 29

Registro de Ocorrência: nº 052-8645/0052/09 - 52ª DP– Nova Iguaçu

Resumo do caso: A vítima teve seu Centro Espírita depredado, imagens e

outros objetos de culto foram destruídos.

Fase atual: O inquérito policial foi remetido à 3ª Central de Inquéritos.

Caso 30

Registro de Ocorrência nº 035-00522/2009 - 35ª DP– Campo Grande

Ultraje a Culto e Impedimento ou Perturbação de Ato a ele Relativo

65

Resumo do caso: Relata a vítima que estava em uma estrada perto de sua casa

deixando uma oferenda no local, quando fora interrompido por um pastor

evangélico de uma igreja próxima que tentou impedi-lo de deixar sua oferenda.

O pastor alegou que ele não podia deixar a oferenda e quando dito a ele pela

vítima que o ato era protegido por lei, o mesmo insistiu dizendo-se em defesa

das “leis de Jesus”. Em seguida, como a vítima insistiu e deixou a oferenda no

local, o pastor a destruiu.

Fase Atual: Aguarda-se o retorno do procedimento, que está na Central de

Inquéritos desde junho de 2009, para que sejam prestadas novas declarações

da vítima e das testemunhas.

Caso 31

Processo nº 2008/203.002419-8

Processo nº 2008/203.026069-6

Resumo do caso: A vítima sofreu discriminação religiosa por parte de uma

Juíza de Direito, por uma representante do Ministério Público e por técnicos

do Juizado da Infância e da Juventude, que ao elaborarem um estudo social

desfavorável à vítima, questionaram a regulamentação de visitas e a guarda de

seu filho, invocando argumentos imbuídos de preconceito religioso.

Fase atual: Aguardando esgotamento de representações nas Corregedorias.

Caso 32

Registro de Ocorrência: nº 009-03593/2008 – 9ª Delegacia – Catete

Processo nº 2008.001.133070-8

Ultraje a Culto e Impedimento ou Perturbação de Ato a ele Relativo

66

Resumo do caso: Um centro espírita foi invadido teve as imagens que

estavam em seu interior quebradas. Foi alegado pelos autores do fato que

“Jesus os havia mandado”, pois as pessoas do centro espírita “estariam com o

demônio”.

Fase Atual: Os acusados foram condenados ao pagamento de cestas básicas a

instituições de caridade.

67

ANÁLISE DOS REGISTROS DE OCORRENCIA, FLUXO PROCESSUAL E TIPIFICAÇOES

Os registros administrativos constituem uma importante fonte de

informação, não porque sejam um retrato fiel da realidade, mas porque

representam a possibilidade de uma instituição prestar contas daquilo que faz,

bem como das demandas que a sociedade apresenta a ela.

O Registro de Ocorrência (RO) é o documento básico da Polícia Civil,

destinado à anotação dos fatos considerados crimes ou contravenções penais

ou de outros fatos que chegam ao conhecimento da polícia. Esta primeira

representação do conflito precede a abertura do inquérito policial. Assim, as

informações que constam no RO deveriam orientar a investigação

subseqüente, de modo a serem complementadas, confirmadas ou refutadas no

decorrer da investigação policial. O inquérito policial pode ser iniciado nos

casos de ação penal pública mediante requisição da autoridade judiciária ou do

Ministério Público, ou por meio de requerimento do ofendido ou de quem

tiver qualidade para representá-lo21 (Miranda e Dirk, no prelo).

Formalmente, o delegado de polícia deveria iniciar um inquérito sempre

que algum indício de crime chega a seu conhecimento. Ele é a autoridade

competente para conduzir o inquérito e realizar a classificação legal do fato,

ou seja, realizar a titulação do registro de ocorrência (RO)22. Do mesmo

modo, somente ele poderia mudá-lo em caso posterior de registro de

aditamento (RA), que pode ocorrer quando há troca de titulação ou

retificação/inserção de outras informações de um RO. Vale lembrar que o RO

é a primeira descrição do fato e que, conforme outras informações são

21 O artigo 5o, incisos I e II do Código de Processo Penal descreve quando o inquérito policial é iniciado nos casos de ação penal pública, isto é, quando o titular da ação penal é o Estado, que é o caso do homicídio doloso.

68

recolhidas na fase do inquérito policial, pode ser necessária mudanças ou

acréscimos em algumas partes do mesmo. Dessa maneira, é produzido um

RA, que deverá ser anexado ao RO original23.

As informações constantes no registro de ocorrência variam muito,

pelo menos no estado do Rio de Janeiro, em função do tipo de crime, da área

onde ocorreu o registro, e da equipe de policiais que atua na delegacia, da

disponibilidade de equipamentos e insumos para a realização do trabalho.

Em resumo, o registro de ocorrência é uma peça fundamental para

construção do banco de dados da Polícia Civil. Sem ele o evento não ocorreu

para a Polícia Civil, ou ainda, mesmo sendo composto por fatos delituosos ou

não, o imperativo aqui é o registro em si, que possibilita a contabilidade das

ocorrências.

Segundo Roberto Kant de Lima, as autoridades policiais só instauram o

inquérito quando se convencem de que o fato apresentado é realmente um

crime. Nesse sentido, o registro da ocorrência policial depende da “vontade

policial, vontade nem sempre exercida em estrita obediência à lei” (1995: 48).

Para ele, embora os policiais afirmassem que a seletividade representava uma

forma de poupar papel e trabalho, tal ato representava uma preocupação em

apresentar uma baixa estatística de casos não-resolvidos.

Os dados aqui apresentados são importantes por permitir revelar de

que modo a instituição policial no Rio de Janeiro tem recebido e classificado

as queixas relativas à intolerância religiosa.

A participação do Delegado Henrique Pessôa na CCIR tem

representado um importante papel no sentido de discutir junto à Polícia Civil

sobre a importância do registro das ocorrências relativas à casos de

intolerância religiosa. O próprio delegado relata as resistências que os policias

22 Sabe-se que, na prática, muitas vezes quem confere titulação ao registro de ocorrência é o agente policial e não o Delegado de Polícia Civil. 23 A classificação policial de um registro é provisória uma vez que pode ser alterada no decorrer do processo penal. Assim, o inquérito ao chegar ao Ministério Público poderá ter (continuação de nota de rodapé)

69

têm em reconhecer a importância do problema, o que faz com que muitas

vezes as ocorrências sejam “bicadas”, ou seja, a vítima seja convencida a não

registrar.

Portanto, os dados aqui apresentados não podem ser vistos como

resultado de um crescimento do fenômeno, ou ainda representar o universo

de casos, mas sim o impacto da visibilidade que ele tem tido, o que por

conseqüência representa uma pressão sobre a instituição policial, que antes se

recusava totalmente a fazer o registro, mas com a pressão da CCIR a polícia

passa a registrar os casos.

Assim, buscou-se a análise dos registros policiais relativos a crimes que

possam ser relacionados à intolerância religiosa e sua tipificação, assim como

seu trâmite legal, durante o período de 2008/2010, dos casos acompanhados

pela CCIR.

Quadro 6 – Situação de alguns casos acompanhados pela CCIR

CASO RO N° PROCESSO JECRIm MP VARA QUEIXACRIME

1 010-04424/2008 2008.001.234602-5

2 036-004669/2009 2009.206.020297-4

3 0076-000723/2009 2009.002.016563-4

4 020-06725/2008 2009.001.087835-6

5 035-01006/2009-01 035-02981/2009

2008.205.043772-3

6 096-00431/2008 2008.072001239-3 2008.072.001144-3

7 058-04961/2008 2009.038.009628-2

8 006-02416/2009 Sem processo

9 009-04736/2009-01 Sem processo

10 004-00842/2007 Sem processo

11 062-03874/2009 Sem processo

12 124-0219/2010 Sem processo

13 0075-001307/2009 2009-004262090-5

14 Sem RO Sem processo

15 124-0219/2010

2008.001.304450-8 2008.001.023438-4 2008.00207325 2008.002.33967 2009.002.10247

seu título alterado. Do mesmo modo o juiz pode promulgar a sentença sob outra capitulação, diferente do promotor e da autoridade policial.

70

2008.001.097326-0 2008.002.33937

16 054-001307/2008 2008.008.021193

17 074-04320/2008 2008.004.023628-0

18 063-01298/2008 2008.083.0059770

19 124-02388/2008 Sem processo

20 025-04299/2008 Sem processo

21 036-02355/2009 Sem processo

22 024-01844/2009 Sem processo

23 034-08576/2008 2008.205.040773-1

24 218-00962/2008 Sem processo

25 035-14123/2009 2009/205.019904-8

26 028-02478/2008 Sem processo

27 0118-000293/2009 Sem processo

28 0110-005092/2009 Sem processo

29 052-8645/2009 Sem processo

30 035-00522/2009 Sem processo

31 Sem RO 2008.203.002419-8 2008.203.026069-6

32 009-03593/2008 2008.001.133070-8

TOTAL 30 - 10 9 6 4

O quadro 6 apresenta o fluxo dos casos acompanhados pela CCIR. Dos 32 casos, a maioria

24(28) possui registro de ocorrência na delegacia; 10 casos foram encaminhados ao JECrim – crimes

de menor potencial ofensivo; 9 tiveram atuação do MP – atributo de retipificação, denúncia, pedido

de arquivamento; 6 casos se direcionaram para as Varas Criminais – os crimes que tem como

punição pena maior de 2 anos ; e 4 possuem queixa-crime, quando a denúncia é realizada pelo

advogado da vítima.

Quadro 7 – Titulação dos casos acompanhados pela CCIR segundo os registros de

ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro

CASO TIPIFICAÇÃO

1 � Injúria 2 Sem Informação

3 � Ameaças e � Lesões corporais

4 � Preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (Lei Caó)

5 � Preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (Lei Caó)

6 � Injúria e � Ameaça

7 � Lesão corporal provocada por socos, tapas e pontapés

24 Dois casos não apresentam R.O. Um, não obtivemos acesso, e o segundo, está em processo de Registro.

71

8 � Injúria e � Injúria por preconceito

9 � Injúria e � Injúria por preconceito

10 � Ameaça e � Injúria

11 � Preconceito de Raça, Cor Etnia, Religião ou Procedência Nacional (Lei Caó)

12 � Dano 13 � Perturbação do Trabalho ou Sossego Alheios 14 Não possui RO 15 Sem Informação

16 � Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a

ele relativo e � Exercício arbitrário das próprias razões

17 � Maus tratos

18 � Ultraje a Culto e Impedimento ou Perturbação de Ato a ele Relativo

19 � Injúria e � Injúria por Preconceito

20 � Preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (Lei Caó)

21 � Sequestro ou Cárcere Privado, � Extorsão e � Crimes de Tortura

22

� Lesão Corporal, � Sequestro ou Cárcere Privado, � Tentativa de incêndio e � Dano

23 � Ameaça

24 � Injúria, � Difamação e � Calúnia

25 � Injúria, � Difamação e � Calúnia

26 � Injúria por preconceito

27 � Furto, � Dano e � Incêndio

28 � Preconceito de raça, cor etnia, religião ou procedência nacional (Lei Caó)

29 � Preconceito de raça, cor etnia, religião ou procedência nacional (Lei Caó)

30 � Ultraje a Culto e Impedimento ou Perturbação de Ato a ele Relativo

31 Não possui RO

32 � Ultraje a Culto e Impedimento ou Perturbação de Ato a ele Relativo

O registro de ocorrência é uma peça fundamental para construção do

banco de dados da Polícia Civil. Sem ele o evento não ocorreu para a Polícia

72

Civil, ou ainda, mesmo sendo composto por fatos delituosos ou não, o

imperativo aqui é o registro em si, que possibilita a contabilidade das

ocorrências. Segundo Roberto Kant de Lima, as autoridades policiais só

instauram o inquérito quando se convencem de que o fato apresentado é

realmente um crime. Nesse sentido, o registro da ocorrência policial depende

da “vontade policial, vontade nem sempre exercida em estrita obediência à lei”

(1995: 48). Para ele, embora os policiais afirmassem que a seletividade

representava uma forma de poupar papel e trabalho, tal ato representava uma

preocupação em apresentar uma baixa estatística de casos não-resolvidos. Os

dados aqui apresentados são importantes por permitir revelar de que modo a

instituição policial no Rio de Janeiro tem recebido e classificado as queixas

relativas à intolerância religiosa.

Quadro 8 – Número de titulações que aparecem nos registros de ocorrência da Polícia Civil

do Estado do Rio de Janeiro dos casos acompanhados pela CCIR

TIPIFICAÇÃO NÚMERO TOTAL

Injúria 8 Preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional

6

Injúria por preconceito 4 Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

4

Ameaça 4 Lesão Corporal 3 Calunia 2 Difamação 2 Sequestro ou tentativa de cárcere privado 2 Dano 2 Incêndio ou tentativa 2 Maus tratos 1 Perturbação de trabalho ou sossego alheios 1 Crimes de tortura 1 Furto 1 Extorsão 1

Como já mencionado acima, apenas o Delegado de Polícia Civil pode

tipificar o fato legalmente, porém, na prática, o registro de ocorrência é

realizado pelo agente policial.

73

As classificações também podem estar relacionadas às práticas dos

estereótipos na atuação policial. O poder de decisão da polícia e as ocorrências

policiais registradas “tendem a reforçar seus estereótipos de crimes e

criminosos, fornecendo condições para a auto-reprodução da ideologia

policial”. (Kant de Lima, 1995). Logo, a tipificação dos ROs dos casos

acompanhados pela CCIR podem estar de acordo com os estereótipos no

trabalho policial.

O quadro 8 mostra que, dos casos que possuem registro de ocorrência,

alguns possuem a tipificação de 2 ou mais crimes por RO. Assim, observam-

se quantas vezes determinado crime foi intitulado nos registros de ocorrência

da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro nos casos acompanhados pela

CCIR. O crime que mais consta nos registros de ocorrência foi o de Injúria (8

vezes) seguido por Preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência

nacional (6 vezes). Os crimes Injúria por preconceito, Ultraje a culto e

impedimento ou perturbação de ato a ele relativo e Ameaça consta 4 vezes.

Vale ressaltar que anteriormente a criação da CCIR, o crime de

Preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (Lei Caó), era

intitulado de Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele

relativo (Art. 208-Código Penal). Atualmente, mesmo com a atuação da CCIR,

vemos que o crime de intolerância religiosa (Lei Caó), ainda não há uma

prática dos agentes policiais em tipificar este tipo de crime na Lei Caó, como o

quadro XX demonstra (6 registros de Lei Caó e 4 Ultraje a culto e

impedimento ou perturbação de ato a ele relativo). A importância disso é que

a Lei Caó é encaminhada para a Vara Criminal e o crime de Ultraje a culto e

impedimento ou perturbação de ato a ele relativo é considerado um crime de

menor potencial ofensivo e, por isso, direcionado para o JECrim.

74

RELATOS DOS CASOS NÂO REGISTRADOS

Como um primeiro desdobramento do 1º Dossiê Intolerância Religiosa

no Rio de Janeiro foram iniciadas entrevistas com pessoas que se consideram

vítimas de discriminação em função do seu pertencimento étnico-religioso,

nos espaços públicos da cidade do Rio de Janeiro. Esse trabalho ainda está em

andamento, de modo que aqui apenas aparecem apenas alguns exemplos do

tipo de conflitos vivenciados. Assim, tomamos como foco de análise os casos

que envolvem situações conflituosas relacionadas as diferenças étnicas e

religiosas, mas que não chegaram ao conhecimento da Comissão de Combate

a Intolerância Religiosa (CCIR) ou que não tenha sido registrado no sistema

de segurança pública e de Justiça Criminal. Conforme fora explicitado no

Dossiê supracitado, tais entrevistas visam acrescentar outras fontes de

informações e a maneira como os dispositivos jurídicos e normativos são

apropriados e representados em diferentes contextos de sociabilidade.

Por um lado, de acordo com o conteúdo das entrevistas é possível

identificar a desconfiança que os atores sociais manifestam em relação as

diferentes esferas do poder público e, por outro, como conseqüência dessa

desconfiança, confirmam que de uma maneira geral há uma sub-notificação

das situações passíveis de serem tipificadas como ‘crimes’, decorrente da

cultura do não registro que permeia parcela considerável da população

brasileira.

Apesar dos entrevistados manifestarem em diferentes momentos das

suas falas que compartilham do sentimento de que uma expressão verbal,

atitude física nas interações sociais cotidianas seja um insulto ao seu

pertencimento religioso, étnico ou racial, o mesmo não reclama qualquer

reparação perante o sistema de justiça. Embora reconheçam a sua vitimização

diante situações de intolerância e de discriminação étnico-racial-religioso, não

75

mencionam, por exemplo, qualquer preceito constitucional que garanta seus

direitos enquanto um cidadão pleno.

União dos Ciganos do Brasil

Caso I - Um senhor cigano afirma que há falta de políticas públicas na

área da saúde, educação e trabalho. Alega que os ciganos são considerados o

lixo da humanidade e que na maioria das vezes são usados politicamente.

Afirma que foi impedido de entrar na SEPPIR. Afirma que a maior situação

de humilhação vivida por ele se deu em Brasília. Durante uma conferência em

Brasília alguns ciganos foram expulsos e impedidos de participar do evento,

isso porque os responsáveis pelo evento estavam questionando a identidade

de cigano de alguns participantes, inclusive pessoas que perderam a família no

holocausto. Relata ainda que durante a conferência era solicitado aos

participantes que provassem serem ciganos. Por causa desse fato, o senhor

contou que só retorna à Brasília perante um pedido formal de desculpa.

Considera que as políticas públicas para os ciganos só visa atender interesses

de terceiros.

Caso II - Cita que outro exemplo de preconceito com relação aos

ciganos é a representação coletiva de que eles são vagabundos, trapaceiros e

que carregam essas características no DNA. Relata como exemplo um caso

em que uma cigana contratou um serviço, mas acabou não tendo condições de

efetuar o pagamento. Durante uma discussão o homem que fez o serviço teria

ofendido a cigana e quando ela falou que era para ele a respeitar porque ela é

cigana o homem teria dito que se soubesse disso nem teria feito o serviço,

pois 90% dos ciganos teriam o calote na veia.

Caso III - O senhor cigano afirma que também concentra esforços

para a retirada dos dicionários definições preconceituosas referentes ao povo

76

cigano. Segundo ele na Europa os ciganos lutam contra as definições

discriminatórias contidas na enciclopédia Barsa, no Brasil o dicionário Aurélio

definiu por muitos anos os ciganos como um povo velhaco, trapaceiro,

comerciante de objetos subtraídos, o que para ele é a mesma coisa que defini-

los como ladrões. Após a articulação de ciganos esses termos teriam sido

retirados do dicionário Aurélio, mas segundo ele ainda hoje alguns dicionários

carregam termos preconceituosos e discriminatórios.

Caso IV - Ainda sobre situações cotidianas de preconceito e

discriminatórias contra ciganos, uma mulher cigana relata que sempre ia numa

loja do Mundo Verde fazer compras, mas por muito tempo não era

reconhecida como cigana pelos funcionários, entretanto quando ela foi pela

primeira vez com o marido e um segurança percebeu que eram ciganos nunca

mais teriam entrado na loja sem serem observados atentamente pelos

seguranças da loja. Segundo a mulher esse seria um tipo de preconceito, uma

vez que o segurança os observava apenas por serem ciganos.

Caso V - A mesma mulher cigana relata que fazia atendimentos numa

Kombi, chegava todos os dias num estacionamento e ficava no local o dia

inteiro, em frente ao estacionamento morava um evangélico que começou a

implicar com ela jogando bolos de papel higiênico molhado no carro, mas ela

continuava no local. Certo dia o homem evangélico teria ido até a delegacia

prestar uma queixa e solicitar a retirada da Kombi e da cigana dom

estacionamento, entretanto a delegacia responsável pela área não tomou

providências e o evangélico recorreu à Corregedoria de Policia para reclamar.

Após a reclamação o delegado responsável pela delegacia teria expulsado a

cigana do estacionamento, tal fato teria ocorrido numa tarde em que o

delegado entrou na Kombi mesmo com a cigana atendendo uma pessoa e

expulsado em meio a xingamentos e ofensas pessoais dirigidas à cigana.

77

Apesar de relatar que foi vítima de constrangimento a cigana contou que não

registrou a ocorrência na delegacia ou em qualquer outra instituição de justiça.

Sociedade Beneficente Muçulmana do Estado do Rio Janeiro

Caso I - Uma jovem advogada muçulmana relata situações de

constrangimento em aeroportos na hora do embarque em vôos domésticos no

Brasil. Após passar pelo raio-x, mesmo que o aparelho não tenha sinalizado

algum problema, a jovem é obrigada a ser revistada . Ela é encaminhada a uma

pequena sala onde retira seu véu. Esse procedimento é justificado pela

preocupação com a segurança no aeroporto. Segundo a declarante essas ações

acontecem há pelo menos três anos, provocando constrangimentos constantes

em suas viagens com sua família.

Caso II – Uma jovem muçulmana declara ter passado por constrangimentos

ao realizar um concurso público no qual precisou passar por uma revista,

realizada pela fiscal da prova. A revista foi justificada através do edital do

concurso, o qual impedia a realização da prova com qualquer acessório

cobrindo a cabeça do candidato. Por estar utilizando o véu, a jovem foi

revistada no banheiro, tendo inclusive seus cabelos vistoriados por um

detector de metal. Após esse procedimento, a jovem teve de realizar a prova

em uma sala separada com um fiscal, sob a alegação de que sua permanência

em sala com os demais participantes poderia criar um ambiente de

questionamentos sobre a legalidade do edital.

Irmandade dos Creoulos Africanos Muçulmanos Malês (ICAMMALÊS)

Um representante do ICAMMALÊS relata ter sofrido discriminação pelo fato

das pessoas não conhecerem o que é o culto malê, ou culto ao Alufá, como

também é chamado. Alega que as pessoas não reconhecem os malês como

“uma religião e uma etnicidade”, sendo essa a maior discriminação sofrida

78

pelos malês. Além disso, também relata ter sofrido com xingamentos por

parte de um vizinho há alguns anos, o caso chegou a ser registrado na

delegacia, antes da formação da Comissão, mas foi arquivado.

79

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Relatório buscou apresentar, ainda que de forma preliminar, os casos

enquadrados como intolerância religiosa e o tratamento dado aos mesmos

pelas instituições de segurança pública e da justiça brasileira. Tais informações

não retratam o quadro geral dos atos de intolerância, mas aqueles que

adquiriram visibilidade através de inquéritos policiais ou processos judiciais.

Primeiro, porque de uma maneira geral há uma sub-notificação das

situações que podem ser enquadradas como “crimes”, seja pela cultura do não

registro por parte da população, ou pelo desinteresse por parte dos agentes de

segurança pública em não registrar alguns casos vistos, em muitas

circunstâncias, como de menor relevância, “feijoadas”, “brigas de vizinho ou

familiares”. Tais conflitos não são concebidos por muitos dos agentes da

segurança pública como “casos de polícia”, logo são “bicados”, ou seja, não

registrados. Situação muito freqüente tanto com relação a casos envolvendo

querelas familiares, como os que podem ser enquadrados como atos de

racismo, xenofobia ou intolerância religiosa.

Ademais, embora a pessoa possa partilhar do sentimento de que uma

atitude, física ou verbal, de um vizinho, colega de trabalho ou desconhecido

seja um insulto ao seu pertencimento religioso, étnico ou racial, o mesmo

pode se sentir melindrado de reivindicar uma reparação moral ou monetária

por não se sentir suficiente detentor das garantias de seus direitos como

cidadão pleno. Quem busca seus direitos são aqueles que partilham da idéia de

que são detentores legítimos de Direitos.

Como pesquisas realizadas pelos membros do Instituto de Estudos

Comparados em Administração Institucional de Conflitos25 demonstram - -

25 Um dos cinco Institutos Nacionais de Ciências e Tecnologia da área de Ciências Humanas (InEAC/INCT) no Brasil, coordenado pelo antropólogo Roberto Kant de Lima.

80

estas características institucionais estão ligadas, por um lado, à formação

profissional que é praticada nas instituições de justiça criminal, ora voltada

para as representações jurídico-punitivas do direito penal, ora para as

instruções operacionais de cunho militar, onde há missões a cumprir e

inimigos a combater e derrotar; por outro, às representações jurídicas

hierarquizadas sobre a estrutura da sociedade brasileira, fortemente presentes

na cultura jurídica do processo penal e que em muito diferem dos “princípios

jurídicos” que orientam o direito constitucional. Tal ambigüidade, na prática,

naturaliza a aplicação de diferentes meios para administrar institucionalmente

conflitos entre iguais e conflitos entre desiguais, independentemente da

natureza dos conflitos, mas dependente do status dos envolvidos.

Associado a estas questões, é relevante frisar que a natureza dos

conflitos não é considerada pelos agentes da justiça e da segurança pública,

sendo que sua especificidade não é levada em consideração pelos agentes

responsáveis por administrá-los. Os tipos de conflitualidades envolvem não só

mecanismos e lógicas de administração diferenciadas, por parte das agências

de Segurança Pública e Justiça Criminal, mas também distintas moralidades no

tratamento dos casos e das pessoas envolvidas, como buscamos evidenciar

acima na apresentação dos resumos dos casos. Ainda que os mesmos possam

ser enquadrados como “intolerância religiosa ou racismo”, a natureza deles se

distingue em decorrência dos tipos de conflitualidades, controvérsias e

moralidades envolvidas. Como exposto acima, há conflitos de natureza que

podemos denominar de “proximidade” que envolvem familiares, parentes ou

colegas de trabalhos que não se assemelham aqueles que podemos intitular de

conflitos “público” que se referem a atos de grupos ou pessoas pertencentes a

outras religiões que agridem verbal ou fisicamente as religiões alheias.

Neste último caso, estes conflitos se assemelham às situações de

intolerância em espaços públicos europeus ou norte americano, nos quais os

“atos de intolerância” incidem sob o credo e pertencimento religioso, cultural,

racial e étnico da vítima. Não se trata de atingir a “pessoa”, mas seu sistema de

81

crença concebido como negativo para o corpus e o tecido social. Nos outros

casos, os conflitos possuem uma dinâmica ligada ao “mundo doméstico” e

não necessariamente ao “mundo público”. Os atos verbais de intolerância se

tornam um dispositivo discursivo para a produção de insulto moral face a um

conflito de proximidade ou de vizinhança. Trata-se de atingir a “pessoa” e

insultá-la em decorrência de sua crença ou pertencimento étnico ou racial.

Ressaltamos que é fundamental que haja uma compreensão por parte

dos diferentes agentes envolvidos na luta pela tolerância religiosa, contra o

racismo e xenofobismo destas múltiplas modalidades de produção de

conflitualidades no espaço público, de modo a torná-lo um lugar de exercício

da solidariedade, democracia e igualdade.

82

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