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RELATOS DE UM DESASTRE Narrativas Jornalísticas da Tragédia de 2008 em Santa Catarina

RELATOS DE UM DESASTRE - CEPED UFSC · sobre Desastres (CEPED). Apoio Associação Catarinense de Imprensa (ACI) ... Os textos compilados neste livro revelam com detalhes a difícil

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RELATOS DE UM DESASTRE Narrativas Jornalísticas da Tragédia de 2008

em Santa Catarina

Ana Paula de Assis ZenattiSoledad Yaconi Urrutia de Sousa

(Organizadoras)

Defesa Civil de Santa Catarina

RELATOS DE UM DESASTRE Narrativas Jornalísticas da Tragédia de 2008

em Santa Catarina

RELATOS DE UM DESASTRE NARRATIVAS JORNALÍSTICAS DA

TRAGÉDIA DE 2008 EM SANTA CATARINA

Organização e editoraçãoAna Paula de Assis Zenatti

Soledad Yaconi Urrutia de Sousa

RevisãoLiane de Assis Zenatti

Projeto Gráfico e CapaRafael da Silva Paulo

Foto CapaMafalda Press

www.mafaldapress.com.br

FotosArquivo Secretaria de Estado de Comunicação

RealizaçãoGoverno do Estado de Santa Catarina / Secretaria Executiva da Justiça e Cidadania / Departamento Estadual de Defesa Civil e Universidade

Federal de Santa Catarina/ Centro Universitário de Estudo e Pesquisas sobre Desastres (CEPED).

ApoioAssociação Catarinense de Imprensa (ACI)

Governo do Estado de Santa Catarina / Secretaria Executiva da Justiça e Cidadania / Departamento Estadual de Defesa Civil.Relatos de um Desastre - Narrativas Jornalísticas da Tragédia de 2008 em Santa Catarina / Ana Paula de A. Zenatti e Soledad Y. U. de Sousa (org.) - Florianópolis: UFSC/CEPED, 2009.132 p.

www.defesacivil.sc.gov.br

Distribuição gratuita.

Sumário

Apresentação .............................................................................................7Dedicatória..................................................................................................9Introdução - Márcio Luiz Alves ....................................................................11Prefácio - Márcia Dutra ............................................................................13

RELATOSAssociação dos Diários do Interior de Santa Catarina – ADI ...................21 Stefani Ceolla - Repórter - Diário da Cidade Associação dos Jornais de Santa Catarina – Adjori .................................31 Kássia Dalmagro - Repórter - Jornal Metas Alexandre Melo - Repórter - Jornal Metas CBN Diário ................................................................................................49 Luiz Christiano - Produtor e RepórterJornal Diário Catarinense .........................................................................58 Diogo Vargas - RepórterJornal O Estado de São Paulo .................................................................65 Rodrigo Brancatelli - RepórterRádio Guarujá de Florianópolis AM, 1.420 kHz .......................................73 Marcelo Fernandes - Coordenador de JornalismoNúcleo Globo de Televisão – Santa Catarina/ RBS TV ............................81 Brígida de Poli - Coordenadora Feliphe Abreu - Repórter Cinematográfico Graça Vasques - Produtora e Editora José Carlos Carmo -Editor Kiria Meurer - Repórter Ricardo Von Dorff - Repórter Rede de Notícias Acaert .........................................................................102 Marco Aurélio Gomes - Coordenador Ric Record - Blumenau ..........................................................................109 Alexandre Gonçalves - Repórter Secretaria de Estado de Comunicação – Secom ...................................120 Vitor Hugo Louzado - Executivo de Imprensa Patrícia Pinheiro - Executiva de Imprensa Organização ...........................................................................................129

Apresentação

AcoberturajornalísticadodesastreconsideradoamaiortragédiadeSantaCatarinaregistra, alémdos fatos quemarcarama história doEstado, as experiências depessoasquedoarammuitomaisdoqueseusconhecimentosprofissionaisparalevaras informaçõesatéapopulação.Otrabalhodesempenhadopeloscomunicadoresrevelaemoçõesjuntoàsdramáticashistóriasdesobreviventes.Momentosdifíceis,compensadospelosentimentodesolidariedadequeasimagensenotíciasdivulgadasnaépocadespertaramnapopulação.

Ostextoscompiladosnestelivrorevelamcomdetalhesadifícilmissãodosrepórteresqueestiveramnasáreasafetadas,dividindoodesgaste,ocansaçoeainevitávelemoçãocomastarefasedeveresdaprofissão.Jornalistasexperienteseiniciantessãounânimesaoafirmarqueacoberturadasenchentesde2008foiamaisimportanteexperiênciaprofissionalepessoaldesuasvidas.

Aquelesqueficaramdooutrolado,nasredaçõeseassessorias,contribuíramtecendoopercursodasnotícias,desdeo localdos fatosatéosolhos,ouvidosecoraçãodasociedade.Oleitorqueacompanhouosfatosteveaverdadeiradimensãododesastreedemonstraçõesdesuperaçãoeamorcomoliçõesdevida.

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A capacidade de recuperação das famílias atingidas pela tragédia superou os fatos do desastre de 2008. Este livro é dedicado a todas as vítimas e a todos que auxiliaram no recomeço de cerca de 80 mil desabrigados e desalojados, por meio de doações e trabalhos voluntários, entre eles os 19 colaboradores desta obra.

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Introdução

OsdanoshumanoseprejuízoseconômicosprovocadospelaschuvasqueassolaramoestadodeSantaCatarinaduranteaprimaverade2008sãoincalculáveis.NosregistrosdaDefesaCivil catarinense,135pessoasperderamsuasvidas eduas continuamdesaparecidas.Cercade97%dosóbitosocorreuporsoterramento,poisoacúmulodeáguanosoloprovocoudeslizamentos,destruindocasas,escolas,hospitaiseestradas,eenterrandohistóriasesonhosdemuitasfamílias.

Aprecipitaçãoexcessivafoiregistradadesdeomêsdesetembroeosprimeirosestragoscausadospelachuvanoperíodoforamconstatadosnodia18deoutubro.Nodia22denovembro,achuvaprovocouamaiortragédiadahistóriacatarinense.Famíliasperderamtudooquedemoraramanosparaconquistar.Empresasregistraramprejuízos.Oturismofoicomprometidoeosserviçospúblicoseparticularesforamparalisados.Osuprimentodegáseenergiaelétricaemdiferentesmunicípios foiinterrompido.Cidadesinteirasficaramisoladasdurantedias.

OPortodeItajaí,noValecatarinense,paroudeoperar.OEstadoperdeuR$105milhõesnaarrecadação,noperíodoentre22denovembroe31dedezembrode2008.Maisde1,5milhãodepessoasforamdiretamenteafetadas.Osefeitosdaintensidadeda chuva foramconstatados por todas as classes sociais das cidadesatingidas.Residênciasdealtopadrãoconstrutivovieramabaixo,damesmaformaquecasassimplesemáreasdeencostas,consideradasderisco.Famíliasforamvítimasdabrutalidadedesteeventoadversoextremo.Umdesastrequemobilizouesolidarizoumilhõesdepessoasdediferentescantosdomundoedoqualamaiorperda,semdúvida,foramasvidashumanaseomaiorexemplofoiodesolidariedade.

Quemteveaoportunidadedeacompanhardepertoasaçõesderesgate,apoioe atendimento àsvítimasdodesastrevivencioumuitomaisdoqueo esforçodetrabalhadoresevoluntáriosparasalvarvidasegarantirasegurançadapopulação.Osprofissionaisqueatuaramnarespostaaodesastreadquiriramexperiênciaeforamcontaminadospelavontadepessoaldecolaborar.

Informaçõeseodramadasvítimaspuderamseracompanhadosporintermédiodaimprensa,querealizou,senãoamaior,umadasmaisamplascoberturasjornalísticas

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deumdesastre no país, conforme testemunhadopor diversos representantes deinstituiçõesdeDefesaCivildeoutrosestadosdaFederação.Minutoaminuto,diaapósdia,durantesemanas,centenasdejornalistaslevaramfatosdodesastreatéapopulação.Otrabalhodosmeiosdecomunicaçãoemdivulgarestetemadeinteressepúblicosomou-seaosmecanismosderespostaaodesastreeserviudeinstrumentoàs instituições envolvidas, ao trazer dados diretamente dos locais ondeos fatosaconteciam.

Emmuitasoportunidades, repórteres ligarampara aDefesaCivilEstadualinformandofatosqueaindanãotinhamsidocomunicadosousolicitandoauxílioàsvítimas.Aimprensa,porintermédiodorádio,emsuainstantaneidade,foiemdiversasocasiõesomeiomaiseficazdecomunicaçãoentreaDefesaCivileapopulação.Comoauxíliodosveículosdecomunicação,omundoconheceuatragédiaemSantaCatarinaepodeajudarcomdoaçõesemdinheiroerecursosmateriais.

Durante dias, jornalistas ficaramde plantão na sede daDefesaCivil, emFlorianópolis, e noCentro deOperaçõesAéreas, emNavegantes, para garantirveracidade e agilidade no repasse de informações.Trabalharam integrados combombeiros, policiais, Exército, Defesa Civil,médicos e outros especialistasenvolvidosnasoperaçõesderesposta.LigaçõesdeprofissionaisdetodoopaíseaoredordomundoforamrecebidaspelaequipedeAssessoriadeComunicaçãodoGovernodoEstado,compostaporjornalistasdediversossetoresdoórgãocatarinense,paraatenderaamplademandaporbuscadeinformaçõesdaimprensa.OstécnicosdoCentrodeInformáticaeAutomaçãodeSantaCatarina(Ciasc),empoucashoras,disponibilizaramositewww.desastre.sc.gov.br,quepassouaconcentrareregistrar,emtemporeal,todasasnotíciasecomunicadossobreoepisódio.

AsequipesdejornalistasdoGovernodoEstadoedosmeiosdecomunicaçãoqueparticiparamdacoberturadodesastretrabalharamintegradas.Formou-seumarede cooperativa de comunicação, agilizando informações com credibilidade àpopulação,eauxiliandonasaçõesderespostadogovernocatarinense.

Osjornalistasparticipantesdacoberturadatragédiativeramumaextraordináriaexperiênciaprofissionaleumrelatodevida.Nestelivro,estãoashistóriaspessoaiseaprovadequeodesastrede2008,alémdedanoseprejuízos,deixouinúmeraslições.

Márcio Luiz AlvesDiretor Estadual de Defesa Civil

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Prefácio

Quandomedeiconta,estavachorando.Foidemaisver,bemabaixodenós,tantadestruição.NãopercebiqueocinegrafistadaTV CulturadeSãoPauloregistravaotristereencontrocomaminhagente.EstávamosnumhelicópterodaAeronáutica,umdosmaismodernosdomundo.

Naquelesdias,oaeroportodeNavegantesviroupalcodamaioroperaçãoaéreadahistóriabrasileira.Aviõeschegavamdetodososcantosdopaíscomtoneladasdedoações,água,principalmente.Oitentaecincopilotosetripulantespousavamedecolavamatodoinstante.Cincohelicópterosatendiamvítimasdaforçadaságuasedaterra.Sim,daterra.Aquelaeraumatragédiadiferente.Osdeslizamentosdeterraforamograndediferencialdaqueleevento.

No domingo, 23 de novembro, acompanhava umamissão que levavacolchõesparahomensdaForçaNacionaldeSegurança.Elesestavamnoslocaismaisisolados,tentandoconvencermoradoresadeixarsuascasas,oumelhor,oquedelassobrara.Naquelemomento,éramossetenohelicóptero.Tínhamosresgatadoumafamília.Osenhoresuaesposa,nãolembroosnomeseasidadesexatas,talvez75ou78anos,nuncahaviamsaídodali.Saíramacompanhadosdofilho,danoraedosnetos.Carregaramtudoquepuderamlevar:sandáliasdededoearoupadocorpo.

Voltando ao aeroporto deNavegantes, com aquela família ameu lado,sobrevoamosumadasáreasmaisatingidasnoValedoItajaí,oMorrodoBaú,ondemorreram,pelomenos,30pessoas.Osolhosdocasaldevelhinhospermaneciamsecos,mastristes.Commedo,dúvidaseincertezas.Sofricomeles.

Tudoissoaconteceuháumano.Guardoaquelesmomentosnacabeça.Fechoosolhosagoraevejoascenas.Ascasasjánãomaisexistem.Oqueumdiafoiteto,agoraéchão.Umchãoirregular,compedaçosdetelhados,deportasejanelas.Um“novochão”,quecobredelamaashistóriasdaspessoasquealifaziamavida.

Minhashistóriasdecoberturasdechuvaseenchentescomeçammuitoantesdomêsdenovembrodoanopassado.MoreiemSantaCatarinadurante15anos.Nãoforampoucasasvezesqueenfrenteiestassituações.Lembro,comosefossehoje,da

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enchentede1993,emBlumenau.Naépoca,eutrabalhavanaTV Bandeirantes.Doisanosdepois,quandotrabalhavanaRBS TV,achuvafortequecaiuemFlorianópolistirouobrilhodoNatal.Euestavadeplantão.Senãomefalhaamemória,começouachovernatardedodia23dedezembro.Lembro-mededesceroMorrodaCruz,quasenoite.Eraáguaquenãoacabavamais.PartedoMorrodaCruzficouintransitável,asruasdacidadealagaram.ODepartamentodeSaúde,nocentrodacidade,também.UmaruaperpendicularàAvenidaMauroRamosfoiinundada.NoMorrodaLagoa,houvedeslizamentos.

ComofoitristeaqueleNatal!NasencostasdosmorrosdaIlha,omedotomoucontadequemmoravaemconstruçõesirregulares.ADefesaCivilestavalá,numtrabalhoárduo,convencendomoradoresasairdasáreasderisco.Minhaslembrançasdechuvasetrovoadas,noentanto,vãoalém,muitoalém.Tenhoatéumfuracãonocurrículo.

Otelefonedaredaçãotocou.EraocapitãoMárcio,hojemajorMárcio,diretorestadualdaDefesaCivildeSantaCatarina.EleligouparaalertarsobreoriscodealgoinéditoquepoderiaacontecernoLitoraldoEstado.“Márcia,aindanãodáparatercertezadoqueé,maséalgomuitosério.Possocontarcomvocêeoseuespaçoparaalertarapopulação?”.Eramquase16horasdeumasexta-feira.Imediatamente,respondi que sim, queoSBT Notícias, jornal doSBT que, à época, eudirigia eapresentava,estavaàdisposição.

Perto da hora do jornal, por volta das 18h45 - o jornal ia ao ar às 19h15-, recebi outra ligação do capitãoMárcio alertando: “Émuito sério, preciso doespaço”.Modifiqueiojornalemminutos.AgradeciaoentãosecretárioestadualdeCultura,EdsonMachado,queesperavaemnossasalavipparaumaentrevistaaovivo,deestúdio.Eleentendeuagravidadedasituaçãoepermaneceunasalavip,acompanhandoasinformaçõesdocapitãoMárcio.

Admireiocuidadoeaprudênciadocapitãoduranteaentrevista.Preparado,beminformado,calmoeprofissional,elesabiaqueprecisavaalertarparaosriscos,massemalarmaroEstado.Numprimeiromomento,Florianópolisestavanarotadoque,atéentão,nãosesabiaexatamenteoqueera.Oumelhor,oqueatéentãonãosepodiadivulgaronomeexato.

MasocapitãoMárciosabiaonome.Assimqueacabouaentrevista,ficamosconversandonoestúdioeelemedisseemoff:“Márcia,éumfuracão”.Daliprafrente,alémdaexpectativa,gastamoshorasdeplanejamento.OgovernadorLuizHenriqueconvocouumgabinetedecrise,quepermaneceureunidodurantetodaa

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noitedaquelasexta-feira.Pelotelefonecelular,ocapitãoMárcioeeunosfalamosváriasvezesduranteamadrugada.

OCatarina,nomedadoaoprimeirofuracãodahistóriadoAtlânticoSuledoBrasil,mudouderota.Aindaassim,deixouestragos:onzemortosemaisdeummilhãodecatarinensesafetados.OlitoralNortedoRioGrandedoSultambémfoiatingido.SeoCatarinanãotivessemudadoderumoechegasseaFlorianópolis,atragédiaseriapior,muitopior.

Eeuestavalá.Aovivo,paraoDomingo Legal do SBT,mostreiparatodooBrasiloqueaconteciaemSantaCatarina:BR101interditada,casasdestruídasevidasmodificadasmaisumavez.OpovodoSuléguerreiro.

Devoltaasminhaslembrançasdaschuvasdenovembropassado,vem-meàcabeçaumtítulodojornalFolha de São Paulo.Nãomelembroafraseexatamente,masfiqueiirritada.Eraalgocomo:“DefesaCivildeSCnãotemplanejamento”.LigueiparaomajorMárcionamesmahora.Sinceramente,fiqueiofendida.SeráqueninguémpodiaentenderqueSantaCatarinaenfrentaramesesdechuvaininterrupta?Seráquenãoéóbvionãoexistirterrenocapazdeaguentartantaáguaequeestefoiomotivodosdeslizamentos?ADefesaCivildeSantaCatarinatemplanejamento,sim.Váriasvezesfuitestemunhadisso.

Nestesanosdereportagenscomchuvaseenchentes,sempremechamaramaatençãoaforçadopovodeSantaCatarinaeaorganizaçãodosórgãosqueatuaramna prevenção e na solução destes problemas.Lembro do trabalho dedicado daUniversidadedeBlumenaunomonitoramentodaságuasdorioItajaí.Lembrodaorganizaçãonosabrigos.Lembrodasolidariedadedaspessoasquetrabalhavamnascozinhas,preparandorefeiçõesaosquetinhamperdidotudo.LembrodaDefesaCivilsempreàfrenteemtecnologia,planejamento,organizaçãoededicação.

O convite para escrever este prefácio do livroRelatos de Um Desastre – Narrativas Jornalísticas da Tragédia de 2008 em Santa Catarina,feitopelomajorMárcioLuiz,deixou-memuitofeliz,especialmenteporquehojemoroemSãoPaulo.AindativeaoportunidadedeleituradetextosdecompanheirosqueridoscomquemtrabalheinaRBS TV-BrígidaPoli,KíriaMeurereRicardoVonDorff.ProfissionaisquelevaramatodooBrasileaomundoimagensdomaiordesastredeSantaCatarina.

ComonãoseorgulhardeumpovoqueorepórterRicardoVonDorff,doNúcleoGlobo,definetãobemnodepoimentodosenhorde80anosquevoltouaolocalderiscoparabuscarocarnêdepagamentodeumamoto?Oucomonãosecomovercomohomemquenãoconseguiaconterosentimentodeculpaporterpensado,pelo

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menosporalgunsminutos,emsoltarasmãosdamãeidosaedoente,casotivessequeescolherentreelaesalvarmulherefilhos?

Não dá para não parar e pensar na vida e no que queremos dela quandoacompanhamosorelatodarepórterKíriaMeurer,tambémdoNúcleoGlobo,sobreohomemqueesperavaencontraroscorposdamulheredofilhoparaenterrá-losemcaixotesdemadeirafeitosporele.Nãohaviacomocomprarcaixõesdeverdade.

OassuntonãoéSãoPaulo.Mas,nosmeuscincoanosnamaiorcidadedoBrasil,tambémjáparticipeidecoberturasdechuvas.FiqueiilhadanaTV Cultura,àsmargensdorioTietê.Nodia8desetembrode2009,aságuasmeencurralaramnaTV Brasil,àsmargensdorioPinheiros.Foram12horassempodersairdaemissora.Osriosqueremseuespaçodevoltaeanaturezacobraasaçõeserradasdohomem.

Jáparticipeitambém,comorgulho,dodocumentárioPercepção de Risco - A descoberta de um novo olhar,organizadopelaDefesaCivildeSantaCatarina.Odocumentáriopretendeserumconviteàreflexão,uminstrumentodetransformação.É este o caminho: da responsabilidade individual. Cada dia que passa, tenhomaiscertezaque,semeducaçãoeprevenção,vamosnosdestruir.Éapenasumaquestãodetempo.WashingtonNovaesgarantenofilmeque“oproblemacentraldahumanidadeestáemmudançasclimáticasepadrõesinsustentáveisdeproduçãoeconsumo.Sãoestesosdoisproblemasqueameaçamasobrevivênciadaespéciehumana”.

Tenhoumafilhade11anos.Quandoavejoescovandoosdentescomatorneirafechada,tomandobanhomaisrápidoparaevitardesperdícioejogandoolixonolixo,ficocomaboaimpressãodequeumanovageraçãopodemudarestahistória.Sãoasnossasescolhasquevãopermitir,ounão,queessageraçãotenhaestachance.

Nofinaldotexto,arepórterKiriaMeurerdiz:“Diantedaquelamobilizaçãogigante,viquetemosumacapacidadeenormedemudar,demelhorararealidadequenoscerca.Podemosfazermuitomaisdoquefazemosnonossodia-a-dia”.Queassimseja,Kiria.Quenãotenhamosqueviveroumorreremoutrastragédiascomoesta.Queestelivrosejalido,relidoerepassadoparaomaiornúmeropossíveldeleitores.Queashistóriascontadasaquifiquemnasnossaslembrançasealertemparaqueohomemfaçaaescolhacerta,aescolhadavida.

Nuncaétardeparacomeçar.Temoséquecomeçar.

Márcia Dutra Jornalista e diretora do Paratodos – Revista Cultural da TV Brasil / SP

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RELATOS DE UM DESASTRE Narrativas Jornalísticas da Tragédia de 2008

em Santa Catarina

FOTO1

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Marcas do desastre em Itajaí

Associação dos Diários do Interior de Santa Catarina – ADI

“Não temos para onde ir”. Foi o lamento quemais ouvi nos dias que sesucederam à enchente no final de novembro de 2008 entre as famílias

abrigadas,temporariamente,emmaisde80escolas,crecheseoutrosprédiospúblicosemItajaí.Todoshaviamperdidotudo.Odesesperoquecarregavamnorostomostravaopavorsentidoentreosdias22e24daquelemês,quando,após90diasdechuvasincessantesepelomenos24horasdeumtemporalconstante,oleitodorioItajaí-mirimtransbordou.NoEstado,cercade80milpessoasficaramdesabrigadasoudesalojadas.Aforçadaenchentelevoucasasinteirasedeixoumarcasprofundasnosatingidoseemtudoquepossuíam,ouquehaviamdeixadodepossuir.

Na época, eumorava na pequena parte de Itajaí que não foi atingidadrasticamentepelaenchente.Depoisdeumfimdesemanainteirosemluz,águae telefone, fui trabalhar na segunda-feira como fazia há setemeses, na sededoDiário da Cidade,emBalneárioCamboriú.Apesardeisoladadequalquertipodeinformaçãosobreoqueacontecianaregião,sabiaquealgogravehaviaocorrido.Naquelamanhã,acordeicomosomdehelicópterosquevoavambaixoecarregavamascoresdoExércitoBrasileiro.Recebi,aindanoônibusacaminhodotrabalho,asprimeirasinformaçõessobreoquehaviaocorrido.Opânicoeraevidente.

NotrajetoentreItajaíeBalneárioCamboriú,vicaminhõesdoExércitoedosbombeiros,carrosdaspolíciasebarcosdesalvamentoespalhados.Pessoassujasdelama,criançaschorandoedestruiçãofaziampartedocenário.Eunãoconseguiaassimilaracrueldadedaforçadanaturezaeafragilidadedasituação.Eopior,nãoconseguiapreveroqueaconteceriaemseguida.Atéofinaldaqueledia,90%doterritóriodacidadeseriaatingidopelaságuasepelaforçadaenchente.

Fuiaúnicarepórteratrabalharnaquelamanhã.Todososoutrosestavamilhadosemsuascasasouabrigadosnasresidênciasdefamiliareseamigos.Comonãohaviaformadegarantirqueo jornal, impressonacidadedeRioNegrinho,chegasseà

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regiãonodiaseguinte,afaltadepessoalnãofezdiferença.Mesmoassim,trabalheicomoseestivessesobpressão,preocupadacomodeadline1edesejandoquemeutrabalhopudesse,dealgumaforma,fazerdiferença.

OsprimeirosdadosoficiaisconseguicomaDefesaCivildeItajaí,naépocaformadaporapenas trêspessoas,masque jácontavacomaajudadosgovernosestadualefederal.Acalamidadehaviainiciadonamadrugadadesábado,22,quandoo rio transbordou.Nosdois dias seguintes, as águas se espalharampela cidade,impulsionadaspelachuvaepelaforçadamaréquenoshoráriosdepicoelevavaoleitodorio.OsbairrospróximosaoItajaí-mirimestavamliteralmenteembaixod’água.Emalgunslocais,aenchentecobriucasasinteiras.

Naquelasegunda-feira,osolcomeçouaaparecer,oquefacilitouotrabalhoderesgatefeitoporbombeirosedemaissocorristas.Comonãohaviaformadeentrarnospontosondeasituaçãoeramaisgravesemoauxíliodeumbarco,concentrei-meemfazermeutrabalhoportelefoneeinternet,acompanhandoasituaçãoporrádioetelevisãoeesperandopornotíciastranquilizadoras.

Nãofoioqueocorreu.Aindanaquelanoite,fuiorientadapelaDefesaCiviladeixarminhacasa.Fiqueihospedadanaresidênciadeamigosportrêsdias,semtercomovoltar.Enquantoeuestavafora,aenchentechegouaomeubairro,minharua,edeixoumarcasamenosdecincocentímetrosdaminhaporta.Masnãoentrou.

Naterça-feira,foipossíveltrabalhar“deverdade”,jáqueeraprovávelqueojornalfosseentregue.Noentanto,aindaeradifícilacompanharin locoasituaçãodeItajaí.Por isso,contamoscomajudade leitoreseassessoresde imprensadasprefeiturasdascidadesdaregiãoparagarantirmatériascompletassobreaenchente.

Somente no dia seguinte pude ir de fato ao local atingido em Itajaí pelaprimeiravez.OprimeirobairroaservisitadofoioSãoVicenteeaprimeiraimagematerrorizante.Emfrenteaoterminalrodoviário,naAvenidaAdolfoKonder,ondenãohaviamaiságua,umbarcoamarradoaumposteguardavaospertencesdeumafamília.Comosolalto,ficavadifícilimaginarqueumbarcodepescahavianavegadoporaquelaruacomoseelafizessepartedorio,masocheiroforte,olodoeadestruiçãoqueseespalhavaportodaparteguardavamarealidade.

Nacidade,famíliascomeçavamavoltarparasuascasas.NaRuaEstefanoJosé

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1Termojornalísticoquedefineoprazofinaldeentregadasreportagens.

Vanolli,umadasprincipaisdoSãoVicente,comerciantescomeçavamalimparsuaslojasecontabilizarosprejuízos.Foiporaliquecomeçamosacolherdepoimentosparareportagenssobreaenchente.

Eramrarasaspessoasquenãohaviamsidoatingidaspelaságuas,eessasagoraajudavamfamiliareseamigosvitimadospelatragédia.Amobíliadasresidênciaseosprodutoscomercializadosnosestabelecimentosestavamdoladodefora,acumuladosjuntoàscalçadas.Poucopodiasersalvo.Comerciantesreclamavamoprejuízocerto.“Temosseguro,masnãocontraenchente. Issonãoexiste”, lamentavamosmaisprecavidos,quepagavamsegurocontrafurto.Naquelemomento,porém,estavamtodosnomesmobarco:perderamtudoesequersabiamporondecomeçar.

Nastransversaisdaquelarua,osmoradoresbuscavamemsuascasasalgoquepudesseserrecuperado.Àquelaaltura,aáguajátinhabaixadonamaioriadasvias,oquefacilitavaoretornoparacasa.Àtarde,depoisdetiraralamadedentrodasresidências,homensemulherescomeçavamasedesfazerdemóveis,eletrodomésticoseroupas.

Haviamobílianasmaisdiversassituaçõesespalhadasaolongodasruasdacidade.Lojasqueprestavamassistênciatécnicaestavamcheiasdetelevisores,fogões,geladeiraseoutroseletrodomésticos.Asoficinasautomotivasvirarampalcodefilasdecarrosque,atingidose,emalgunscasos,cobertospelaságuas,esperavamporreparos.Oquenãofaltava,apósaenchentebaixar,eratrabalhoaserfeito.

Nospoucosmercadosabertos,nãohaviamaisprodutosdelimpezaparaseremcomercializados.Temendoaproliferaçãodedoençasgravesetentandotirardevezomaucheirotrazidopelaáguadorio,moradoresdascasasatingidasusavamtodososmateriaispossíveispararecuperarsuascasas.Mesmoassim,asmarcasdolodoeoforteodorteimavamemfazerpartedocenário.Nasresidênciasafetadasgravementepelaságuas,amobíliaúmidaescondiacoisasaindapiores.Nasproximidadesdorioquetransbordou,animaismortoseramencontradosemtodososlocais.Cercaspenduravamcachorrosmortos.Dentrodasresidências,gatos,ratoseumasériedeoutrosanimaisentravamemdecomposição.

Naárearural,asituaçãoeraaindapior.Milharesdecabeçasdegado,fontede rendadecentenasde famílias,haviammorrido.Oconsoloveioemformadepromessasdogovernodequeospecuaristasseriamreembolsados.Apossibilidadedeumrecomeçonãoapagavaadordomomento.

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Seentrelojasecasasquecontinuavamempéadestruiçãodeixadapelaenchenteera triste, nas áreasmais pobres, localizadas nasmargensdo rio, a sensaçãodeimpotênciaeraaindamaior.NoPromorar,dentrodobairroSãoVicente,centenasdefamíliaschoravamofatodenemaomenosterumacasaparavoltar.NaáreaocupadairregularmenteamenosdedezmetrosdoItajaí-mirim,casasinteirasforamcarregadas.

Dalila Schmit vivia com a família em um pequeno barraco na beira dorio.Quando a água subiu, não viu outra solução que não implicasse deixartudopara trás e salvar suavida.Sobre apontequecruzao leito,viu a casa serengolida pelas águas. Sem ter para onde ir, passou dois dias dormindo sob oviaduto naBR101 que dá acesso a Itajaí pela avenidaContornoSul.Quandofinalmente pode retornar, encontrou a casa completamente destruída, parte deladentro do rio. Seumeio de trabalho, uma carroça para coleta de lixo, estavasob os destroços.Aúnica coisa que encontrou intacta foi umadúzia de copos.

Arecuperaçãonãopareciaserpossívelparaelaeoutrasdezenasdefamíliasqueumdiaviveramali.AmaioriavinhadeforaenãotinhaparentesemItajaí.Elesbuscavamajudanosabrigos.Mesmosabendodoperigoiminentequesignificavaviver nasmargens do rio, não viamoutra saída a não ser tentar recomeçar ali,numlocaldevastadopelaforçadaságuas.“Vouesperarajudadaprefeitura,masatélá,voureerguerminhacasaecontinuaraqui”,afirmavaDalila.Odiscursoeracomungadoporvizinhos.Todosqueriam,masnãotinhamcomoirparaoutrolocal.

Insegurança

Nodecorrerdosdias,a tragédiafoi tomandonovasformas.Poucoseramossupermercados abertos.Naqueles que conseguiammanter o trabalho, pessoas seaglomeravamemfilasparacompraralimentosbásicos,comopão,raronaquelesdias.Eradifícilacreditarqueemmeioatantatristeza,aindahaviaoportunistas:aquelesqueviramnanecessidadedapopulaçãoumapossibilidadedeganhardinheiro.

As denúncias de crimes registrados durante aqueles dias giravam emtorno de dois tipos de criminosos.Os saqueadores agiam em estabelecimentoscomerciaiseresidências,roubandoopoucoqueaenchentedeixou.Osoportunistastiravamproveito dodifícil acesso a produtos básicos e de extremanecessidade.Enquanto o caos aumentava, alguns vendiam galões de 20 litros de água,

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comercializadosaR$5normalmente,aR$20.OpreçodogáschegouaR$100.Após10dias,autoridadespuderamagirparaqueessescrimesfossemcombatidos.

Contra saqueadores, policiais vieram de todos os estados do Brasil.A cavalo, carro, helicóptero e a pé, faziam vigília nas casas que ainda nãohaviam recebido de volta seusmoradores.Na semana que sucedeu a enchente,a PolíciaMilitar instituiu toque de recolher para facilitar o combate ao crime.Contra os comerciantes que praticaram preços abusivos, o Procon passou aagir, após denúncias. Situações absurdas, como roubo de donativos, foramregistradas. Infelizmente, o cenário era apenas parte do caos generalizado.

NaárearuraldeItajaí,aimagemeraoutra,masigualmenteassustadora.Omotivodopavoreraprincipalmenteoisolamento.AmaiorpartedasestradasdechãobatidoquedavamacessoalocaiscomoaColôniaJaponesa,nobairroRioNovo,estavadanificada.Pontesinteirasforamcarregadaspelaforçadaságuas.Aredeelétricaetelefônicaforadestruída,oqueimpediapedidosdesocorro.Nãohaviaáguapotáveleoquepodesersalvofoiconsumidopelasfamíliaspormaisdeumasemana.Paratentarsalvarvidasegarantirmantimentos,barcosconduzidosporsocorristaspercorriamascomunidadesrurais.Porém,algunslocaisestavamdetalformadestruídosquenemtodosreceberamajudaantesdarecuperaçãodeestradas.

Diasapósaáguabaixar,oagricultorKataoFunai,de75anos,contabilizavaosprejuízos.Cabisbaixo,oimigrantejaponês,quemalfalavaoidiomapraticadonoBrasil,mostravaadestruiçãoemsuapequenapropriedade.Comalavouradehortaliças,vendidasparamercadoserestaurantes,Kataosustentavaamulhereumfilho.Comaenchente,todaaplantaçãofoiperdida.Eleavaliavaosprejuízos,atéaquelemomento, emR$3mil.Admitiaapossibilidadedevoltar aplantarem quatromeses, quando o terreno fosse recuperado.Assolado pela idade eaterrorizadopelatragédia,dacasadeondepodiaverorioquedevastouacidade,pensavaemumaoutrapossibilidade:desistir.“Achoquenãovoumaisplantar.O investimento não compensa o risco de uma nova enchente”, lamentava.

As histórias dos que perderam todos os bensmateriais eram igualmentetristes.Não se comparavam com as de quem viu familiares perderem a vidadurante a tragédia. No total, foram registradas 135mortes no Estado, duasdelasemItajaí.Comosóbitos,ocenáriodeguerraestavadefatoconsolidado.

Nadamarcou tanto quanto o cheiro que pairava em Itajaí nos dias após

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a tragédia. Em alguns locais, eramais forte, em outros nem tanto.Mas ele,aquele cheiro quemisturava tudo que havia de errado e carregava sensaçõesinesquecíveis, estava em todas as partes. Não deixava ninguém esquecer osentimentocomungadoportodos:estardemãosatadasfrenteàforçadanatureza.

Eradifícildescreveraqueleodor.Comcerteza,misturavaocheirodeanimaismortos,demóveispodres,deumidade,mofoeesgotocomotradicionalcheirodepeixeconstantementesentidoemItajaí.Ocheirocarregavaalembrançadetudoquehaviasidoperdidoetambémomedo,principalmentededoenças.Sentindo,erapossívelimaginaraquetipodeenfermidadestodosestavamexpostos.Paragarantirquenenhumadoençasealastrasseecausasseumnúmeroaindamaiordemortes,oExércitoBrasileiroinstalouumHospitaldeCampanhanasproximidadesdaBR101,emItajaí,numtrechodefácilacessoaoutrosmunicípioscruelmenteatingidos,comoIlhotaeLuizAlves.

Doenças como a leptospirose, causada pela urina de ratos e facilmentetransmitidaapessoasquetiveramcontatocomaságuasdaenchente,foramtratadasnolocal.Felizmente,nenhumaepidemiacausadapelaenchentefoiidentificada.Mesmoassim,ostrabalhosnoHospitaldeCampanhacontinuaramduranteomêsdedezembro,atéquehospitaisepostosdesaúde,tambémdanificadospelaforçadaságuas,pudessemvoltaraatenderàpopulação.

Alémdasaúde,outrosserviçosbásicosoferecidos,comoeducação,foraminterrompidosnaquelesdias.Namaioriadas escolaspúblicas, o ano letivo foiencerrado como estava, com algumas semanas de antecedência.Quase todososestudantesforamaprovados.Ocaosnaeducação,assimcomonasaúde,erainevitável.

EmItajaí,escolasinteirasforamdestruídaseasintactasserviamdeabrigo.Crechestambémforamdestinadasareceberdesabrigados,assimcomováriosoutrosprédiospúblicos.Foiessaasoluçãoprovisóriaencontradapelasautoridadesparatentarcontrolarasituação.Tristeza,frustraçãoedesesperoeram,semdúvida,ossentimentosmaiscomuns.Deles,surgiramoutros,noentanto.Sensaçõesatéentãodesconhecidaspormuitos.

Apesardador,amobilizaçãosocialfoiagrandemarcadatragédia.Apósvisitar os locais gravemente atingidos pela enchente, conhecer famílias queperderamtudoquehaviamconquistadoemumavidainteiradetrabalho,passar

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tardes em abrigos conhecendo a realidade de quem agora dividia espaço comcentenasdepessoas,vivendonaincertezadevoltaraterumlar,concentrei-meembuscaralgoquepudesseser,nomínimo,considerado“bom”dentrodaquelacatástrofe.

Encontrei as histórias em locais ondedonativos chegavamsemparar e aoconhecervoluntáriosqueatuavamtantonosabrigosquantonoscentrosdecoleta.Umadaspessoasquemostrouoladopositivodoocorridoestavamaispróximadoqueesperava.OtambémjornalistadoDiário da Cidade,JoãoPedro,foiopersonagemprincipaleaprimeirapessoaqueconheci,naquelesdias,capazdefazeradiferença.

ElemoravacomafamíliaemumaresidênciadobairroRessacada.Nanoitedesexta-feira,antesdeoItajaí-mirimtransbordar,despediu-sedospais,queanalisandoatragédiacomoiminente,forambuscarabrigonacasadeparentes,epermaneceuemcasacomoirmãoparatentarsalvaroquefossepossível.Juntos,eleserguerammóveisecolocarameletrodomésticoseoutrosprodutosdemaiorvalornospontosmaisaltosdaresidência.Entreoquedeixaramparatrás,estavaacoleçãocompletadeobrasdeMachadodeAssisqueJoãoconseguiuadquirirapósmesesdetrabalho.

Quandofinalmentesaiudecasa,naquelamadrugada,comaáguadorio jáalcançandocercadeummetrodealtura,levouapenassacolasdeplásticocomroupasedocumentospessoaiseseunotebook,quecarregavacomosbraçoserguidos,sobreacabeça.Assimandoupelaruaemqueviveuamaiorpartedavida,semsabercomoencontrariatudoquesuafamíliapossuíaquandovoltasse.Sevoltasse.

Naquelanoite,andouatéencontrarumlocalseguroe,apenasnodiaseguinte,conseguiucontatocomospais.Depoisdeseencontraremnacasadefamiliares,seguiramparaumabrigomontadonoMorrodaCruz,pontomaisaltodacidade.Amissãoláeraoutra:ajudarosdesabrigados.Nosdiasqueseseguiram,sempodervoltarparacasa,João,afamíliaemaisdezenasdevoluntárioscozinharamecoletaramdonativosparaasvítimasdaenchente.Pessoasque,comoeles,naquelemomentonãotinhamparaondevoltar.Isso,porém,nãopareceufazerdiferença.

Trêsdiasdepois,Joãovoltouparacasa.Asituaçãoemquetudofoiencontradoerachocante.Aresidênciaestavaempé,mascarregavanasparedesamarcademaisdeummetroemeiodeágua,deixadapelolododofundodorio.Móveis,roupaseeletrodomésticosforamatingidos.Poucacoisafoisalva.Felizmente,asobrasdeMachadodeAssisfaziampartedessegrupo.

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Asolidariedadequeconhecidepertoeraamesmadeoutrasmilharesdepessoas.Autoridadespolíticassemobilizaramnaquelesdias.Prefeitosqueatuavamemseusúltimosdiasdemandatoeosquehaviamsidoeleitosemoutubroúltimoseunirampelacausa.Ogovernador,deputadosesenadores,atémesmodeoutrosEstados,fizeram-sepresentes.OpresidentedaRepúblicatambémvisitouaregiãoeanunciourecursos.Masnadasecomparavaaotrabalhodosvoluntários.

Nosabrigos,pessoasquehaviamperdidotudoagoracozinhavamparaoutrasvítimas.Quemnãohaviasidoatingido,deportaemporta,coletavadonativosparaosafetados.Cestasbásicas,água,produtosdelimpezaeroupasnãoparavamdechegaràcentralmontadanoParquedaMarejada.Asdoaçõesvinhamdetodoomundo.EquipesdoExército e policiais faziama entregadosdonativospara as vítimas.Acompanheiumdiadeentregaeconhecioutrashistóriasincríveis.Visorrisosquemostravamquenadavaliamaisàpenadoqueajudarnaquelemomento.

“Adiferençaquemfazsomosnós”,diziaopescadorEronCarolina,aoentregarmantimentosnasmãosdemoradoresdoloteamentoPortal,nobairroEspinheiros,localidadeque,duranteacheia,foiinundadaporquasedoismetrosdeágua.EronmoravacomafamílianacidadedeNavegantesenãoteveacasaafetadapelaschuvas.Apesardepobreedeestarcomobraçoquebrado,viunatragédiaumaoportunidade:adefazerobem.Enadaoimpediudefazer.

Como se nada tivesse acontecido às casas e bensmateriais, voluntáriostrabalharamincansavelmenteporoutrasvítimas.Aenchente jamais foivistaporelescomoumatragédiaparticular.Comotempo,aspessoascomeçaramamostrartambémseu ladomais forte, suacapacidadede recomeçare,decerta forma,deesqueceracatástrofe.Asruas,cobertaspelaágua,receberamobras.Pontes,casas,escolas,tudoquehaviadeessencialfoireconstruído.Mesesdepois,eracomosenadadaquilotivesseacontecido.Masmarcasficaram.

Seidecasosdefamíliasqueaindadormemcomdificuldadeemnoitesdechuvaforte,temendoumanovaenchente.Seidepessoasque,ajudadaspelasolidariedadedequemsequerconheciam,passaramafazeromesmo,comoformaderetribuir.Seidegentequevoltouasuavidanormalenãoperdeuavontadedevencer,apesardeperdertodooresto.

No entanto, sei também daqueles que jamais superaram.Nesse grupo,encaixam-se,especialmente,ostrabalhadoresportuários,queaindanãorecuperaram

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seuspostoseseusempregosdevidoàlentidãonasobrasderecuperaçãodoPortodeItajaí.Aquelascentenasdehomensaindacarregamnosolhosopânicovividonaquelefinaldenovembro.Aindatememnãoconseguirrecomeçar,nãopodersustentarsuasfamíliaserecuperar,acimadetudo,suadignidade.Atragédiapassou,issoéfato.Masmuitoaindatemqueserfeitoporvítimasquesobreviveram,masaindanãoconseguiramvoltaraviver.

Por Stefani CeollaRepórter

Diário da Cidade, Itajaí – ADI/SC

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Na linha de frente

Três meses diplomada jornalista e lá estava eu diante de uma grandecobertura jornalística. É tudo o que espera uma foca1 recém saída da

universidade.Naverdade,eaindanãosabia,estavanoolhodofuracãodeumadasmaiorestragédiasnaturaisdahistóriadoValedoItajaí.PassadasalgumassemanaspudedimensionaraimportânciadaqueletrabalhojornalísticoparaavidaeparaofuturodemilharesdepessoasemGaspareIlhota.Integrantedeumaequipedesetepessoas,entrejornalistas,fotógrafosediagramadores,conhecieviviintensamenteaadrenalinadaprofissão.Umdesafioquemarcaráparasempreminhavida.Apesardoestressefísicoeemocional,nãodeixeimeabater,assimcomomeuscolegas.Haviaaconvicçãodaimportânciadotrabalhoinformativoparaascomunidadesdasduascidades, quenaquelemomento estavamdesorientadas.Commedo, procuravam,desesperadamente,pornotíciasdefamiliareseamigos.Eranossodeverprofissionalrelataraquelemomentodeangústiaesofrimento.OtelefonedaredaçãodoJornal Metasnãoparavadetocar.

Odesafiocomeçouaindanamanhãdesexta-feira,dia21denovembrode2008.MuitopróximodasededoJornal Metas,umapartedomorrodaAvenidadasComunidades,noCentrodeGaspar,desaboueumadaspistasfoiinterditada,tornandoo trânsito, normalmente lento e confuso, umcaos.Naquelemomento,ninguémjamaisimaginouqueaquelefatoisoladoeraapenasocomeçodacatástrofequeseconsumaria48horasdepoisnaregiãodoVale.

Achuvanãodavatrégua–como,aliás,vinhaocorrendoháquasetrêsmeses–,mastodosdiziamtratar-seapenasdeummomentodeinstabilidadeinfluenciadoporeventosclimáticos,comoo“ElNiño”.Nosábado,dia22,enamadrugadaseguinte,achuvacontinuoucompequenosintervalos.Asensaçãoeraquealgumacoisademuitoruimestavaparaacontecer.Minhassuspeitasseconfirmaramnamanhãde

Associação dos Diários do Interior de Santa Catarina – ADI

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1jornalistarecém-formado

domingo,dia23,porvoltadas6horas,quandominhamãemedespertouassustada.EladiziaqueváriosbairrosdeGasparestavamalagadosequehaviamuitaspessoasdesabrigadasedesalojadas.EmBlumenau,asituaçãotambémeratrágica.AnotíciaestavasendotransmitidapelaRádioSentineladoVale,quehaviapermanecidoasúltimas24horasnoar.

ArádiopassouaseroprincipalmeiodecomunicaçãoentreacomunidadeeasequipesdaDefesaCivil.FiqueisintonizadanaSentineladurantetodaatardededomingoeoqueouviaeradesesperador.Milharesdepessoaspediamsocorro,precisavamserresgatadaseaDefesaCivilnãoconseguiaatenderatodososchamados.Outrasimploravamporbotesoucanoasepornotíciasdeamigosefamiliares.Nainternet,asinformaçõeseimagenscomeçavamacircular.AtragédiaatingiaváriascidadesdoValedoItajaí.Comeceiaficarinquietacomasituaçãoesabiaque,comojornalista,precisavairparaa“frentedebatalha”.Ligueiparaodiretordojornal,JoséRobertoDeschamps,parasabersepodíamosiratéaredaçãoeauxiliaracomunidadenabuscaporinformações.Porém,eleestava“ilhado”emcasaemeinformouquenãohaviacomochegaràsededojornal.Enfim,estavademãosepésatados.

Ospedidosdesocorronarádiosemisturavamaospedidosdedoações.MuitaspessoasforamresgatadaselevadasparaoSalãoCristoRei,aoladodaigrejaMatriz,apenascomaroupadocorpo.Sensibilizadacomasituação,separeialgumasdasminhasroupas,alémdecobertores,paralevaratélá.Naverdade,essaminhadecisãonãofoiapenasumatodesolidariedade.Foiumaformadetranquilizarminhafamíliaesairembuscadenotíciasemmeioaocaosquehaviaseinstaladonacidade.MinhamãemeacompanhouatéaConferênciaVicentina(entidadeassistencialdomunicípiomantidapelaIgrejaCatólica),queestavaorganizandoostrabalhosnoabrigo.Nãoretorneicomminhamãe.Fiqueinolocalparaajudarasepararasdoaçõeseconversarumpoucocomosdesabrigados.Naverdade,elesforamminhasprimeirasfontesemrelaçãoaoqueestavaacontecendo.Falavampouco,maspudevernosolhosdecadaum,crianças,adultoseidosos,oquantoaquelemomentoestavasendosofrido.Adordaquelaspessoassemisturavaàrevolta.

EunãoprecisavademaisinformaçõesparasaberqueumagrandetragédiahaviaatingidoacidadedeGaspareoValedoItajaí.Asegunda-feira,dia24,tambémfoidemuitadificuldadeeoacessoàredaçãodojornalpermaneceuinterrompido.Nestaaltura,sabiaque,pelaprimeiravez,nosúltimosdezanos,oJornalMetasnãocircularianaquarta-feira.Asnotíciasdatragédiacontinuavamsendotransmitidas

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pelaimprensalocal,regional,nacionaleinternacional.AlémdeGaspareBlumenau,Ilhota,LuizAlves,Itajaíeoutrascidadesestavamemsituaçãodecalamidadepública.Onúmerodemortos,desabrigadosedesalojadosnãoparavadecrescer–jápassavade100mil.NocomplexodoMorrodoBaú,emIlhota,sefalavaemmaisde20mortos.

EmGaspar,sabiadasduasexplosõesdogasodutoedamortedesetepessoasde umamesma família no bairro SertãoVerde, um dosmais castigados pelosdeslizamentosde terra.Emumapelo comovente,ogovernadordoEstado,LuizHenriquedaSilveira,pediaajudaaoscatarinensesderegiõesnãoafetadaseaosbrasileirosdeoutrosestados.“OsmorrosdoValedoItajaíderretemigualasorvetes”,afirmavaogovernadoremmeioàemoçãoeaoinacreditável.

A volta

Apenasna terça-feira,dia24,odiretordoJornal Metas conseguiusairdecasa, comumbarco emprestado de umvizinho e umamochila nas costas.Eleaproveitou o percurso até o jornal para registrar as nossas primeiras cenas dedestruiçãoemGaspar.Aequipe, enfim, se reuniana redação,masnem todaelaporque os dois diagramadores permaneciam impossibilitados de saíremde suascasas.Asdificuldadesdetrabalhoestavamapenascomeçando.NãotínhamoscomonoslocomoverepartedeGasparpermaneciaalagada,semenergiaelétricaesemágua.Decidimosqueanossaferramentadeinformaçãoseriaosite.Tudodeveriaserfeitoportelefone.Comonossosdiagramadores(tambémencarregadosdosite)nãoestavam,aprendina“marra”aatualizarosite.AcidadedeGasparestavasilenciosa,asempremovimentadaAvenidadasComunidadesestavainterrompida.Assinaleirasdacidadepiscavamnosinalamarelo.Oúnicosomvinhadocéu.EraovaievemdehelicópterosdoExércitoedaDefesaCivil.

Naquarta-feira,dia25,conseguimosumcarroemprestadoecomeçamosotrabalhopelosbairrosdacidade.Atéaquelemomento,aminhavisãodatragédiaeraalimentadapelorelatodasvítimas,bombeiros,soldadosevoluntários.Portanto,aminhaexpectativadeirparaofronteraenorme,masestavaprontaparaodesafioeparaascenasquedaquelediaemdiantenuncamaissairiamdaminhamemória.OprimeirodestinofoiobairroBelchior,famosoporsuasbelezasnaturaiserotadeturismoemGaspar.Nãopudeacreditarnoquevi.Adestruiçãoeratantaqueimagineiestarnumaáreaduramentebombardeada.Aestradahaviacedidoemalgunspontos

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eapassagem,devidoagrandequantidadedelama,sóerapossívelcomveículosespeciais.Mesmoassim,oriscoeraenorme.Aterraestavaencharcadae,emváriospontos,haviaameaçasdenovosdeslizamentos.Estacionamosocarroecontinuamosanossajornadaapé.Gentilmente,umintegrantedeumJeepClubseofereceuparanoslevaratéopontomaisdestruídodobairro.

Comdificuldadeselama,conseguimosavançar.Portodootrajeto,haviamuitadestruiçãoecasasabandonadas.Umadascenasquemaismeimpressionoufoiadeumsenhoridoso,quecaminhavacomdificuldadeequetraziaemumadasmãosumpequenopotecomumovodegalinhadentro.Paramosparaconversarcomele.Emocionalmenteabalado,nãoconseguiapronunciarmuitaspalavras.Elecontouqueoovoeraaúnicacoisaqueelehaviaconseguidosalvar.Acasa,quemorouavidainteiranoBelchior,haviasidosoterradaporumdeslizamentodeterra.Confessoque,muitasvezes,duranteacoberturadatragédia,oemocionalsuperouoprofissional.

De volta à redação, as notícias da tragédia continuavama chegar.Veio aconfirmaçãodequesetepessoasdeumamesmafamíliahaviammorridosoterradasnobairroSertãoVerde.OfotógrafoIvanfoiatéolocaleregistrouomomentoemqueossoldadosdoCorpodeBombeirosretiravamoscorposdomeiodalamaedosdestroços.Tambémdecidimos,emreunião,queaediçãodesábado(28/11)-oJornal Metasébissemanal-seriaespecialsobreatragédianoVale.Enãopoderiaserdiferente.Eraprecisocorrercontraotempoesuperarasadversidadesparabuscaramelhorcobertura.Meucolegaderedação,jornalistaCarlosErbs,concentrouseutrabalhoemGaspar.EufuiparaIlhota.

Corrente humana

Nomunicípiovizinho,asituaçãoeraaindamaisdesesperadora.AregiãodosBaúsfoiumadasmaiscastigadaspelafúriadanatureza.Alémdosalagamentos,registrouomaiornúmerodedeslizamentosde terrae também lideroua listademortes(45).Oacessopermaneceuobstruídoporváriosdiaseatésemanasnosmaisdistantes.Oúnicomeiodetransporteeraporhelicópteros.NocentrodeIlhota,ocampodefutebolmunicipalfoitransformadoempistadepousoparaasaeronavesquetraziamdesabrigados,masprincipalmentealimentoseágua.Erammaisde20helicópteros,emumaverdadeiraoperaçãodeguerrae,aomesmotempo,umaenormecorrentedesolidariedade.

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Asaeronaveseramdescarregadaspormeiodeumacorrentehumana.Demãoemmão,asdoaçõeserampassadasearmazenadasnoginásioqueficaaoladodocampode futebol.Dooutro lado,osdesabrigados faziamfilae imploravamporumacestabásica.Entrevisteialgunsdelesemecomovicomosrelatosdequemviuamortemuitopróxima.InformeiaocoordenadordeDefesaCivildeIlhota,PauloDrum,quetinhainteresseemiratéaregiãodosBaúsparaacompanhardepertootrabalhoderesgate.Eleconfirmouquesóerapossívelchegaratéládehelicóptero.Pediquemecolocasseemum.EstavaanoitecendoeelemeinformouquenenhumaaeronavevoltariaparaaregiãodosBaúsnaquelahora,masqueseeuestivessealinooutrodiapelamanhãbemcedo,talvezconseguisseembarcaremumhelicóptero.Quasenãoconseguidormirànoite,tamanhaeraaminhaansiedade.

Naprimeirahoradamanhãdequinta-feira(26),retorneiàIlhotanaesperançadeconseguirumlugaremalgumaaeronave.Sabiaquenãoseriafácilfazeracoberturajornalísticadeumadasáreasmaisatingidaspelacatástrofe.Naverdade,nuncahaviaparticipadodenadaparecidoetodoomeuconhecimentoteóricoseriacolocadoàprova.HaviaumaaeronavedaForçaAéreaBrasileirapousadanocampodefutebol.PergunteiaoPauloDrumseaquelaeraaminhachance.Elemedisseparacorrer.Quandodeipormimjáestavadentrodohelicópterocomapenasumacadernetaeumacanetanasmãos.OrepórterfotográficoMarcoGamborgi,umdossetemembrosdanossaequipe,acompanhou-menaaventura.Sentiumfrionabarrigaquandoaaeronavedecolou,muitomaispeloquemeaguardavanosBaúsdoquepelomedodevoarpelaprimeiravezemumhelicóptero.

Na região dos Baús

Doalto,ocenárioeradecompletadestruição.AregiãodosBaús,antesocupadaporresidências,lavouras,belascachoeiras,florestaatlânticaepovoalegreetrabalhadorhaviasetransformado,danoiteparaodia,emumaenormemontanhadelama.Láembaixo,aintensamovimentaçãodasequipesderesgatedavaaexatadimensãodatragédiaqueseabateusobrealocalidade.Nosolharestristeseperdidosdosmoradoresqueacompanhavamostrabalhosdosbombeiros,aquaseincredulidadediantedafúriadanatureza.Quemfoitestemunhagarantequeomorroseabriu,formandograndesvalas.

AsruasdoBaúnãoexistiammaiseocursodoribeirãoquepassavapelolocalmudoucompletamente.Váriascasasforamsoterradasporumaterraquenãoépossível

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saberexatamentedeondeveioou,talvezsim,detodososladosdomorro.AspoucasresidênciasquepermaneceramempéguardavamapenasvestígioselembrançasdealgumasfamíliasquenascerameviveramnoBaú.Permanecerpormuitotemponaárea,semodevidopreparotécnicoedesegurança,eraumriscoiminente.Mesmoassim, permanecemosna localidade até ofimda tarde, sempreorientadospelasequipesderesgate.

Duranteotempoemquepassamoslá,acompanhamosasdiversasincursõesdosbombeirosnatentativaderesgatarosúltimosmoradoresqueaindainsistiamempermaneceremsuascasas.Elessódeixaramaregiãoapósmuitainsistência.Entreosresgatadosestavaumasenhoradeidade,comumapernaamputada,queselocomoviaemumacadeiraderodas.ApósretiraremosúltimosmoradoresdoAltoBaú,amaiscastigada,asequipesconcentraramotrabalhonalocalizaçãodoscorposdealgumaspessoasquehaviamsidosoterradas.HaviabombeirosdeváriasregiõesdoBrasil,especializadosnestetipodetrabalho.Elesestavamdivididosemdoisgruposevasculhavamosescombrosnaesperançadeencontraroscorpos.OtrabalhotinhaaindaoauxíliodecãesfarejadoreseoscorposforamencontradoscomachegadadesoldadosdaForçaNacionaldeSegurança.Quandoanossaequipesepreparavaparadeixarolocal,foramlocalizadososcorposdojovemPauloHostins,17anos,edeJoãoPedrodaSilva,2anos.RetornamosparaIlhotaporvoltadas17horas,trazendonaaeronaveosdoiscorposeasensaçãododevercumprido.

De Ilhota aGaspar, pegamos carona emuma ambulância domunicípio echegamosàredaçãoquandojácomeçavaaanoitecer.Haviamuitotrabalhopelafrenteecorríamoscontraotempo,poisprecisávamosfecharaediçãoatéas12horasdodiaseguinte.Estafoi,semdúvida,anoitemaisdesgastanteparaanossaequipe,masaomesmotempoamaisimportantedotrabalhodecoberturadatragédia.Diantedeumasituaçãonuncaantesvivida,auniãodaequipefoifundamental.Mesmotrabalhandodesdeasprimeirashorasdequinta-feiraninguémpensavaemirparacasa.Tínhamosaresponsabilidadededaronossomelhor,paramelhorinformarosleitores.

Forammaisde24horasdetrabalhoininterruptosededecisõesimportantes.NoestadodecalamidadeemqueseencontravaaregiãodoValedoItajaímuitasinformaçõesdesencontradaschegavamàredação.Infelizmente,algumaspessoasseaproveitavamdomomentopararelatosfantasiosos.Porisso,precisávamoschecarasinformaçõesoficiaisedecidiroqueeraounãoimportantepublicarnaquelemomento.Porvoltadas14horasdesexta-feira,aediçãoespecialdatragédiafoifechada.Todos

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estavamexaustoseabaladosemocionalmente.Foiumanoitedesonojápensandonodiaseguinte.

Caminhada no Belchior Baixo

Nosábado,meu trabalhocontinuou.UmrepresentantedaDefesaCivildoEstado estava emGaspar para coordenar os trabalhos e o primeiro passo foi ainstalaçãodeumacentraldeatendimento,montadanaprefeitura.Nolocal,reuniam-se representantes dopoder público, bombeiros e policiais civis emilitares.Estaatitudefacilitoumuitoonossotrabalho,poisficoumaisfácilobterasinformaçõesedadossobreasituaçãoemqueseencontravaomunicípio.Haviamuitosabrigosprovisórioseaspessoasestavamsendocadastradaserecebendoroupasealimentos.

Nasegunda-feira(1º/12),achuvadeulugaraosoleasoperaçõesdesalvamentocontinuaramnatentativadelocalizarmaiscorpos.HaviaumcasaldeidososquetinhasidosoterradonoBelchiorBaixo.Elesvoltaramparacasaalgunsdiasdepoisdatragédiaeacabaramsendoatingidosporumanovaavalanchedeterra.Fuiatépróximoaolocalemumamotoacompanharabuscapeloscorpos.Deumtrechoemdiante,pudeseguirsomenteapé,poisaestradaestavainterditadadevidoaodeslizamentodeterra.Foramaproximadamente30minutosandandoembaixodeumsolforte.Porondeeupassava,orastrodedestruiçãoeraevidente.Casasarrastadasecarrosamassadosevidenciavamumcenáriodeguerra.

Obairrofoiduramentecastigadopelaenchenteedeslizamentosdeterra.Ascasasquehaviamresistidoestavamemáreasderisco.ArecomendaçãodaDefesaCivileraparaqueninguémpermanecessenolocal,emrazãodapossibilidadedenovosdeslizamentos.As famíliasobedeceram,masantescarregaramtudooquepodiam.Porumpasto,umacorrentehumanaseformava.Geladeiras,fogões,sofáseoutrosmóveiseeletrodomésticoseramtransportadospelaspessoas.Osmoradoresmaisotimistasdiziamqueoretornoseriaembreve,outrosnãoalimentavamnenhumaesperançaeafirmavamquenuncamaisvoltariamamorarnoBelchiorBaixo.

Apósalongacaminhada,chegueiatéolocalondeasequipesdaDefesaCiviltrabalhavam.Eles procuravamos corpos emuma área de aproximadamente umquilômetro.Angustiados, os familiares acompanhavamde perto.Mesmo comapresençadosol,aterraaindaestavamuitoencharcadaeissodificultavaaindamaisaoperação.Percebiqueocasaldeidososnãoseriaencontradonaquelemomentoe

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decidiretornaràredação,poisnovamentenossodeadlinenãonospermitiapassarmuitotempoemcampo.OpresidentedaRepública,LuizInácioLuladaSilva,eministrosvisitaramSantaCatarinaeprometeramaliberaçãoimediataderecursosparasocorrerosmunicípiosatingidos.Asequipesderesgatecontinuavamtrabalhando,agora juntamente comasmáquinas e funcionários daSecretaria deObras e deempresascontratadasparareabrirestradasedesassorearribeirões.

Doações

Asituaçãonaredaçãotambémsenormalizoueotrabalhoganhouumnovorumo.Nãohaviamais espaçopara falar dos estragos provocados pela tragédia.Passamos a nos dedicar na cobertura das ações de recuperação.Asdoações, detodososcantosdopaís,continuavamachegaremcaminhões.Acidadenãoestavapreparada para receber tantos donativos e surgiramos primeiros problemas delogística.Aredaçãopassouareceberinúmerasdenúnciasdedesviosdedonativos.Eradezembroeumnovoanoseaproximava.Comele,aesperançademilharesdepessoasquepermaneciamemcasasdeamigoseparentesounosabrigosprovisórios.

Hoje, passado um ano da tragédia, percebo o quanto foi importante aparticipação da imprensa naquelemomento de crise.O cansaço, o estresse, apressãoemocional, tudofoirecompensado.Superamosdificuldadesedesafios,ecumprimoscomanossamissãodebeminformarosleitores.Nãopoderiatersidomelhoressaexperiência,poismedescobriaindamaisapaixonadapelojornalismo.Cresciprofissionalmenteecrescicomopessoa.Aprendiadarvaloràspequenasesimplescoisasdavida.Sempreépossívelrecomeçar,independentedotamanhodoobstáculoquepossaestarasuafrente.

Por Kássia Dalmagro Repórter

Jornal Metas, Gaspar - Adjori/SC

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Marcas que permanecem 60 dias depois

Associação dos Diários do Interior de Santa Catarina – ADI

Só consegui chegar à redaçãodoJornal Metas na quinta-feira (27/11), cincodiasdepoisdatragédianoValedoItajaí.Explico:moroemBalneárioCamboriú,

distante37quilômetrosdeGaspar.AorientaçãodaDefesaCivileraparaqueninguémsedeslocasseparaaregiãoporqueasestradasestavaminterrompidasemfunçãodasquedasdebarreiras.Noentanto,comojornalista,inquietava-meofatodeestardistantedanotícia.Nostrêsúltimosdias,haviatrabalhadonareportagemeediçãodoJornaldeBalneárioCamboriúsobreosestragosdaenchentenacidade,masnadacomparadoaoqueestavavendo,ouvindoelendopelaimprensaregionalsobreasituaçãonoVale.ComoeditordosuplementoMetas nos Bairros,semanalmenteencartadonoJornal Metas,preocupava-memuitoasituaçãonosbairros.

Muitasdasregiõesdescritaspelaimprensacomo“completamentearrasadas”euconheciabem.Duassemanasantes,haviaestadonoBelchiorparaumareportagemespecialsobreatemporadanosparquesaquáticos.Lá,ouvideNelsonJoséTheis,proprietáriodoparqueRecantoVerde,umafrasequesequerincluinamatéria,masquedepoisde23denovembrosetornaria,pramim,profética.“Nuncavichovertantocomoesteano.Senãoparardechoveremduassemanas,acoisavaicomplicar”.Ecomplicou.

Naquinta-feira, pelamanhã, decidi ir paraGaspar, imaginandoo graudedificuldadequeestariaenfrentandoaequipederedaçãodoJornal Metas nacoberturada tragédia,alémdofatoqueaminhacuriosidade jornalísticaestavaexpostaaomáximo.Aminhachegada,inesperada,àredaçãofoicomemoradacomomaisumreforçopara o timeque, nas 24horas seguintes, deveria produzir o especial datragédia.Permanecicomaequipeeauxilieinapautaenaedição.Bem,orestantedahistóriaajornalistaKássiaDalmagrojácontounaprimeirapartedesterelato.

AmimcabedescreverumoutromomentomarcantenacoberturadoJornal MetasdatragédianoVale.Noiníciodefevereiro,aredaçãodecidiuproduzirumespecialsobreos60diasdacatástrofeemGaspareIlhota.Oobjetivoeramostrar

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otrabalhodereconstruçãonasduasáreasmaiscastigadasdosdoismunicípios.Eraaoportunidadequeestavaaguardandopara,finalmente,colocarospésnaregiãomaisatingidapelasavalanchesdeterras:ocomplexodosBaús.UmaoutraequipefoiparaaregiãodoArraialeBelchior,emGaspar.Omeutrabalhoseriafeitoemdoisdias,acompanhadodorepórterfotográficoMarcoGamborgi.

Noprimeirodia, ummau sinal: temponubladoe ameaçade chuva.Nossodeslocamentofoiemumcarrocomumdepasseio.Naentrada,daregiãoconhecidacomoBaúBaixo,ocenárioaindaerademuitadestruição.Aslavourasdearrozestavamsufocadasporgrandesvolumesdeterra.Umasemanaanteshaviachovidoforteeosribeirõesvoltaramatransbordar,obrigandomuitasfamíliasadeixarnovamentesuascasasàspressas.NossaprimeiraparadafoinoabrigodoSalãoParoquialBaúBaixo.

Umsenhordemaisoumenos70anosestavasentadoemumadasmesasdorefeitórioconcentradonaediçãodoJornal Metas.Pergunteiseeleestavanoabrigo,ele respondeuquenão,masqueestavaprovisoriamentenacasadafilhaapoucosmetrosdedistância.JoséAltinoRichartz,nossaprimeirafonte,eraumhomemtristeecompoucavontadedeviver.Eleperdeuaesposa,afilha,oirmão,acunhadaeoscincosobrinhos.Orelatofoidramático,interrompidováriasvezespelaemoção.Daliparafrente,tiveacertezaquemesmopassadosquase60diasdatragédiaotrabalhodereportagemseriaemocionalmenteestressante.

AsmarcasdedestruiçãoestavamportodoocomplexodosBaús,edifícileraobservarummorroquenãotivessesinaisdedeslizamentodeterras.Emumarua,noBraçodoBaú,praticamentetodasascasasestavamabandonadas,comasportasejanelasabertas.Emumadelas,umacenaimpressionou:ospratosdojantaraindaestavamsobreamesa,oquerevelaqueseusmoradoresabandonaramamoradiaàspressas,comodefatoaconteceucomamaioria.Muitasresidênciasestavamparcialmentesoterradaspelobarroecomenormesrachaduras.Emalgunspontos,alamacobriaquasenaalturadosnossosjoelhos.Foiprecisoseequilibrarsobreumafinatábua,improvisada,paraatravessaroribeirãodefortecorrentezaechegaraumadaspoucascasashabitadasnarua.Ouvimosorelatoimpressionantedafúriadanatureza.Nasruas,umcaminhãocirculavadistribuindocestasbásicas.Observeinosolhosdealgunsmoradorescertavergonhaemser fotografadorecebendoumacestabásica.NocomplexodosBaúsnãoexistemiséria.Porisso,asituaçãoeraatípica.“Nuncaimagineipassarporumasituaçãodessas,aquinoBaúhaviatrabalhoetodosviviamfinanceiramentemuitobem”,contou-meumamoradora.

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Noprimeirodia,avançamosatéoAltoBraçodoBaú.AlvorinaTolardoeomaridoAlfredoestavamabrigadosnacapelaNossaSenhoradaImaculadaConceição.Elarelatouosmomentosdramáticosvividosnaquelefinaldesemanatrágicoeaperdadequatromembrosdasuafamília,entreelestrêssobrinhos(omaisvelhode12anos),queelafezquestãodemostraremfotos.Emocionei-me.Fomosaconselhadosanãoseguiremfrenteemcarrodepasseio,poisaestradaestavacomváriostrechosmuitoruins.

Achuvavoltouacair,dificultandoaindamaisopercurso.Ligamosparaodono do jornal e informamos que o trabalho somente poderia continuar no diaseguintesetivéssemosumveículocomtraçãonasquatrorodas.Namanhãdodiaseguinte,oveículoestavaanossadisposiçãoeoproprietáriodoJornal MetasfezquestãodenosacompanharàregiãodosBaús,juntamentecomoproprietáriodapick-up.Alémdoveículo,levamosjuntoduasmotostrail1.Confessoquesouumhabitanteurbanoequalquerestradadeinteriormuitasvezesmeassustapelafaltadesegurança,masos15quilômetrosatéoMorrodoBaú,BaúSecoe,porfim,AltoBaúfoiumdosmaisdesafiadoresqueenfrenteinaminhavida,emboraodomingotenhaamanhecidoensolaradoesecadoumpoucoobarrodaestrada.Pordiversasvezes,penseiqueteriasidomelhorseguirapéounacaronadeumadasmotosqueestavanacarroceriadapick-up.

Vencidoodesafiodasinuosaestrada,ocenárioquesemostrouàreportagemeradesolador.JánasededareservadoMorrodoBaú,tantasvezesvisitadaeestudadaporambientalistas,biólogosecomunidadeemgeral,umaplacaanunciavaqueeraproibidoingressarnatrilha.Ocampingàfrentesimplesmentedesapareceusobomontedeterraquedesceudomorro.Umquilômetroàfrente,ouviorelatodomoradorqueconseguiusegurarofilhoecorrerparaumlugarseguroenquantoaterradesciadomorroesoterravaseusdoisaviários.

NoBaúSeco,umoutromoradorcontou-meodramadeperderseispessoasdamesmafamíliaeterdeenterrá-lasemduascovas.Eleaindaconseguiufazerumcaixãodemadeiraparaopai,masorestantedosfamiliaresforamsepultadosemsacosplásticos.NoBaúSeco,asduasmotosforamutilizadasparaquepudéssemossabercomoestavaaestradaatéoAltoBaú,nossoúltimodestino.Minutosdepoisumadasmotosretornoucomopneufurado.Desistimosdos“batedores”eencaramosapequenadistânciaentreumalocalidadeeoutranapick-up.

1Motosparautilizaçãoemterrenosruraisoumontanhosos.

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Ribeirão fora de curso

OcenáriodoAltoBaúconfirmoutudooquehavialidoeouvidosobrearegiãomaiscastigadapelatragédianoValedoItajaí.Admitoquefiqueidecincoadezminutosobservando.Erainacreditável!Nãohaviaummorrosemasmarcasdedeslizamentosdeterras.Oribeirãosimplesmentemudouoseucursonatural,empurradoporestamesmaterraquedesceudosmorros.Haviaárvores,móveis,eletrodomésticos,roupas,portas,janelas,canos,carrosretorcidos,tratoresparcialmentesoterradosentreoutrosobjetosespalhadosportodaalocalidade.DezenasdecasasestavamcondenadaspelaDefesaCivil.Nãohaviaáguanemenergiaelétrica.Das400famíliasqueviviamnoAltoBaú,apenasdezhaviamretornadoparasuascasassemaautorizaçãodaDefesaCivil.

Comoeradomingo,algumasfamíliasvisitavamsuasprópriascasasporquehaviaainformaçãodequeestavamocorrendosaques,oqueacabouconfirmadopelaprópriaPolíciaMilitarAmbientaldeSantaCatarina.Naquelasemana,oórgãomontouumpostoavançadonalocalidade.Nossaequipefoiautorizadaacircularnaruaprincipalsomenteapé.Nascasas,haviacartazesinformandoquearesidênciaaindatinhadono.Maisadiante,deparamo-noscomduasfamíliasquevisitavamocemitérioouoquesobroudele.Dosmaisde40túmulos,restarampoucomaisde10.Permanecemosporcercadeduashorasnalocalidade,osuficienteparaouvirrelatosemocionados,críticasaotrabalhoderecuperaçãodaregiãodosBaús,acusaçõesaogasodutoqueexplodiuduranteaschuvase,principalmente,exemplosdesolidariedade.

“Quemconheceuistoaqui,nãoacreditanoquevêagora”,resumiuumasenhoracomosolhosmarejados.FoicomessesentimentoquedeixamosparatrásoAltoBaú.Caminhamosemsilêncioatéocarroeemsilênciopegamosnovamenteaestrada.UmanodepoisdatragédiaestouvoltandoaocomplexodosBaús,destavezatrásdesorrisos,devidaedacertezadequeépossívelrecomeçar.

Números da tragédia

EmIlhota,oficialmentemorreram47pessoaseumacontinuadesaparecidanoAltoBaú.Aproximadamente3,5milpessoasdeumtotalde12milhabitantesficaramdesalojadasoudesabrigadasduranteatragédia.

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EmGaspar,oficialmentemorreram21pessoaseumacontinuadesaparecidanoBelchiorBaixo.Aproximadamente7.153pessoasforamdesalojadasdesuascasase4.305permaneceramdesabrigadas.Hoje,emGaspar,aindaexisteumamoradiaprovisóriaondevivem130pessoas.(Fonte:DefesaCivildeGaspareIlhota)

Por Alexandre Melo Repórter

Jornal Metas, Gaspar - Adjori/SC

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“Para aqueles que entraram nos mesmos rios, diferente e sempre diferente a água corre”

Heráclito,filósofopré-socrático

FOTO2

FOTO2

O rio turvo da notícia

CBN Diário

Equipes daDefesaCivil andavam por um descampado, noVale do Itajaí,quandosedepararamcomumacercaretorcida,emrazãodafortechuva.No

caminho,asestradasestavamintransitáveis,nãohaviaondenãotivesselama,casasvulneráveis ou umaporção de natureza devastada.Ao se aproximarem, a tristeconstatação:osfiosdearamefarpadoprendiamocorpofranzinodeumacriança.

Porumaprerrogativabásicadaprofissão,ojornalistasepermitereprimirreaçõesemotivasquandoemiteumanotícia.Isso,porém,nãoanulaofatodeque,durante a produção jornalística, algo abale essa aparente frieza e objetividadeprofissional.Diantedeumanotíciacomoessa,anosdeestudoetrabalhonaáreasignificampouco.

Depoisdatragédia,muitoseouviufalaremquebradeparadigmas.Ouseja,processosepadrõesdeconduta tinhamque semodificarapartirdeumfatosui generis.Aquelefinalde2008viroureferêncianacionalemmatériadesocorroeprevençãoadesastres.

Nojornalismo,anotíciacitadaacimapodeserconsideradaumareferênciaàquebradeparadigma.Comonoticiaralgoassim,jornalisticamente,semparecerfrioousensacionalista?Eranecessárionoticiartalfato?

Essequestionamentoerarepetidoacadanovaedurainformação.Atingidosserecusamadeixarcasas.Pessoassaqueiamsupermercado.Ilhado,prefeitodeLuizAlvesvaidebarcoatéItajaí.Voluntáriosdesviamdonativos.Recursosdemoramachegar.Itajaíamanhececom80%desuaáreatomadapelaágua.TrintamilestãoisoladosemBlumenau.Maréprejudicaescoamentodaágua.Políciaalertasobrefalsossocorristas.HackertentainvadirpáginanainternetdaDefesaCivilparamudarnúmerodacontaquerecebedoações.

Duranteacoberturadodesastre,aCBN DiáriovirouparceiraderádiosemtodooEstado,transformandosuaabrangênciaealcançandopraticamentetodooterritóriocatarinense.Issosemcontarofatodequeouvintesdetodoopaís–viaRedeCBN–

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tiveramconhecimentosobreumfenômenoque,fisicamente,nãoseparece,mas,emvolumeecaracterísticadedestruição,assemelha-seagrandeshecatombesvistasantessomentepelaTV.PessoasdediversaspartesdeSantaCatarinaedoBrasil–alémdeouvinternautasemtodoomundo–ficaramsabendosobrecomolidarcomatragédia,comoevitarnovasincertezasecomoajudarquemnãopoderiamaisseajudar.

ACBN Diário já tinhavivenciado cobertura de grande evento quandodoApagãoquedeixouaáreainsulardeFlorianópolis55horassemenergiaelétrica,emoutubrode2003.Arádiofuncionoucomooprincipalveículodecomunicaçãodacidade.Efoiresponsávelporumdosmelhorestrabalhosjárealizadospelogrupo.Ograndedestaquefoioespíritodeequipe.Houveentregatotaldosjornalistas,queentenderamqueoobjetivodeinformareajudarsocialmenteapopulaçãodacidadeestavaacimadequalquerinteressepessoal.

Logodepois,emmarçode2004,outromomentodelicadoquerenovouesseespírito foi a cobertura sobre oFuracãoCatarina, que varreu oSul doEstado.“Este tipode cobertura, com integração total da equipe e a formaçãode cadeiadepropagaçãocomoutrosveículos,deusuporteeexperiênciaparajornalistasdenossotime,facilitandootrabalhoemmaisumatragédia”,apontaocoordenadordejornalismodaCBN Diário,CarlosAlbertoFerreira.

Aequipe,embenefíciodeumagrandecobertura,facilitoutodotipodetrabalho.Todosestavampreparadosparaparticipardafestadeconfraternizaçãodefimdeano.MasatragédiadascheiasemSantaCatarinamudouaprevisãodogrupo.Ochurrascoeacervejaficaramdeladoetodosvoltaramseusesforçosparaoespíritoprofissionaldeentregatotal.Repórteres,produtoreseâncorasseapresentaramparaotrabalho,entendendoaimportânciadeseuempenhoparaacomunidade.Apartirdaí,oplanejamentofoitodofacilitado.“Tivemosocuidadodesepararbemotimeeatuaremcimadasescalasparapriorizaracobertura.Afinal, todosprecisavamdescansaraoseutempo,semdeixaromicrofonesilenciar”,reviveCarlosAlberto.

Comodesastreaofimde2008,osprofissionaisdaCBN DiáriomantiveramumabasefixanasededaDefesaCivil,deonderadiavamasinformações.UmdosplantonistasfoiLeandroLessa,repórterqueviveemSantaCatarinadesde2005.“Oprimeiromomentoemquepercebiadimensãododesastre–principalmenteforadoEstado–foiquandoparenteseamigosentraramemcontatocomigo,deváriaspartes,querendosabercomoeuestava,eseasituaçãoerarealmentecrítica”,rememora,ouvindonovamenteavozdoapresentadordoprogramaCBN Brasil,CarlosAlberto

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Sardenberg,ressaltarqueváriaspessoasjáestavamtentandosabercomopodiamajudar.

Aofimde seu boletim ao vivo, para todo o país, Lessa informou pelaprimeiravezoscontatosoficiaisparadoação.ParaumrepórterfluminenseradicadonoEstado,aquelegestorepresentoumuitomaisquesimplesmentetransmitirumanotícia.“Comprovandoqueaindahábonssereshumanos,oscentrosde triagemestavamcheiosdedonativosedevoluntáriosparaotrabalhodeorganização,antesdeosmateriaisseremrepassadosàsvítimas.Apartirdaquelemomento,percebiqueumpedaçodocoraçãodosbrasileirospassouasercatarinense”,emociona-se.

Dimensões do desastre

Assimcomoo repórterLeandroLessa, todososprofissionaisenvolvidosnacoberturaviverammomentosemqueperceberamestarenvolvidosemumahistóriaquenãocabiadentrodeumanotícia.Veteranosdaimprensaficaramcomavozembargada.Oshomensdeferrodopodersucumbiramechoraram.Algunsmicrofonesemudeceram.

Recém-chegadoaFlorianópolis,vindodaSerraGaúcha,o repórterRômuloBalbinottinãoesperavaumteste tãograndeno iníciodacarreira.Ele tambémfoiumdosplantonistasnasededaDefesaCivil.Aparentemente,quemficavanabasesabiadodesastreadistância.Masosdetalheschegavamporláe,emummomento,a tragédia resolveu semostrarmaispróximado repórter.Numacertanoite, entreboletinseanotações,BalbinottiviusurgirnaportadeentradadoórgãoumafamíliavindadePalhoça,naGrandeFlorianópolis,queestavasemchão.Erammãe,filhaeduasoutrêscriançaspequenasqueresolveramaparecernasededaDefesaCivilembuscadealimentos.Ascriançaschoravamdefomeporqueestavamhámaisdeumdiasemcomer.“Elespegaramumacaronaebateramnaportadoórgãoparapedirumacestabásica.Estavamtodosencharcados,sujosedebilitados”,recordaBalbinotti.Omínimo,naquelasituação,eratudo.Afamíliafoiatendida,alimentadaeencaminhadaaumabrigo.

Por mais que fosse político, desabou

Odesastredenovembromarcoutambémquebrasdeprotocolo.EmentrevistaaLuizCarlosPrates,noNotícia na Tarde,oprefeitodeIlhotachorou.Talveztomando

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comoempréstimoaslágrimasdosmaisafetados,AdemarFeliskyilustravacomassuasocapítulomais tristedahistóriadacidade.Comavozembargada,palavratruncada,lamentavaesomenteeracompreendidopelocontexto.“Elefalavasobrecomoasfamíliasestavamfazendoparaarmazenaroscorpos.Ohomemnãoaguentoue,pormaisquefossepolítico,desabou”,lembraAntônioNeto,repórtereprodutor,atestandoasensaçãodeimpotênciaedenãosabercomorecomeçar.

PelaprogramaçãodaCBN Diário,SantaCatarinaconheceuaforçadequemacabaradeperdertudo–deamigoseparentesatémoradia–eseguiulutando.OrelatoveiopelocoronelJoséCordeiroNeto,subcomandantedoCorpodeBombeiros.Masnãofoiúnico.Companheirosdetrabalho,principalmentedoJornal de Santa Catarina,tãoacostumadosarelataroalheio,virarampersonagens–muitasvezesvelados–desuasprópriasreportagens.

ArepórterLetíciadaSilva,doSanta,virouumaespéciedecorrespondentedarádionoValedoItajaí.Antesdeentrarnoar,contavasobreosdiasquasesemdormir:amigosprecisandodeajuda,afaltadeluz,deágua,detelefone,deestradasedoscolegasdetrabalhoimpedidosdechegaràredação,isolados.

Eracontraisso–oisolamento–queaequipedaCBN Diáriocontribuía,aoestabelecerparceriacomemissorasdetodooEstado,duranteacobertura.Estreitandoainformaçãoentresocorristasesocorridos,questionandodasautoridadesaçõesdeurgência,reportandoanotíciaconsideradanemboanemruim–apenasnotícia.

Eelasemultiplicava.Novamente,Ilhotaeraofoco.Umdecretoautorizavabombeirosaretiraràforçaquemserecusavaadeixarolarameaçado.Muitoshaviammorridoemrazãodarecusa.Difícileraamissãodelevaresseesclarecimento,tantoquantoadenãocompreenderaresistênciadequemnãoquersair.

Enãofoisomenteumpolíticoquedesabou.Umveteranocomunicadortambémsucumbiu.EscaladoparacobriratragédiaemBlumenau,MárioMottareportoudiretodolocaldatragédiaàCBN.MasfoinaRBSTVquemostrouadificuldadedequemlidacomainformaçãodiantedeumasituaçãotãoadversa.Natela,umbombeirosemovimentavacomdificuldadeemmeioàlama,comumsacobrancoemmãos.Dentro,ocorpodeumacriançadetrêsanos,esclareceorepórter.Terminaamatériaeéavezdoâncoravoltaraoar.Aexperiêncianãofazcomquesecontorneessasituaçãocomfacilidade.“Sentiumnóenormenagarganta.Emminhacabeça,sóaimagemdosmeuspequenosfilhos(hojeadultos),ecomoavidanospregapeçasenostestaacadainstante...Quasedesabeienãoconseguidisfarçar”,recorda,citando

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oapoiorecebidodeouvintesetelespectadores,solidáriosàquelemomento.“Muitagente ‘chorou’ comigopor alguns segundos”,diz,mostrandoaindaose-mails ebilhetesquerecebeuportersidomeramentehumano.

Essasensibilidadeinspiradoraforçavaaequipeadespertarparaalgoelementar.Nãobastavarelacionarnúmerosdemortes,danos,prejuízos.Eranecessáriomais.Contarhistóriassempieguismo,semsensacionalismooudesrespeito.Tudomuitodelicado.Efoiassimqueforamconhecidashistóriaspeculiares,peloscaminhosdorádio.DeZulmira,incréduladiantedatristezabatendoàsuaporta,quandoacreditavaqueaquiloeracoisadefilme.DeMariaTereza,queignorouaadversidadeedecorouoabrigoparaoNatal,nacompanhiadosfilhos.DeJoãoPaulo,aliviadoaoveradesobstruçãodasruasdacidadequeadministraesuasluzesparaoperíododefestas.

Quando a redação vira dormitório

ArepórterdoJornal de Santa Catarina,LetíciadaSilva,acostumadaàpalavraescrita,encarouamissãoúnicadereportarpararádio.NaCBN DiárioenaAtlântida Blumenau.Valeabrirparênteseserecordardequeaemissorafoiaúnicanaregiãoamanteraprogramação,umavezquesuaantenaeradistantedasantenasdasdemaisestações,queforamabaladaspelostemporais.Assim,aAtlântidasetornouumarádioinformativaejornalística.FoinecessárioopesodosjornalistasdoSantajustamenteparagarantirumpadrãonoticiário.“Todomundovirouradialista”,recordaLetícia.

E, de perto, o queLetícia viu?Gentemorrendo, casas caindo,morros sedesfazendo,umvolumeenormedetelefonemasparaaredação,enquantoatelefoniaaguentou.Nosábadoemqueotemporalcomeçouacomplicar,haviasomenteumaequipedeplantão.“Chegueiadormirnaredaçãodesábadoatésegunda-feira”,lembra.

LetíciaestavaentreaCBN Diário, aAtlântida eoSanta.Domingoà tarde,acabouodieselquemantinhaarádionoar,jáquenãohaviaenergiaelétricanaregião.Segunda-feira,demanhã,umtécnicoderádiosubiuoMorrodoCachorro–ondeficaaantena–comumgalãodocombustível.Intransitável,nãosubiudecarro.Foiapé,comoprodutonamãoearesponsabilidadedevoltaratornaracomunicaçãopossível.

Ànoite,aocontráriodaCBN,aAtlântidatocavamúsica.Masaténissotinhaquesetomarcuidado.Nãoeradebomgradocolocarnoarversoscomo“Nadaficounolugar”,deAdrianaCalcanhotto,ou“Sevocênãopassanomorro”,dosTribalistas.Triste ironia.Naditapauleirade tanto trabalhar–voltandopara casadepoisde

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dormirdoisdiasnolocaldetrabalho–assimcomooprefeitoeoveteranojornalista,Letíciatambémsucumbiu.“Naprimeiravezemquefuiparacasa,viumtanquedeguerranarua.Cheguei,abriaportaevimeupainosofá,semluz,chorando”.Assim,elavolta,poruminstante,aomomentoemquearealidadeapareceumaisintensa.AfamíliaSilva,aocontráriodemuitosoutrossilvas,nãotinhasofridoconsideravelmentecomaschuvas.Eraaquelaapenasumareaçãocomum,emmeioaumatragédiaqueinsistiaemnãoterminar.

O que restou: o nome limpo

QuemnãoestevenaregiãotalvezprecisedeumgrandeesforçoparaimaginaradimensãodeumatragédiacomoaqueatingiuoValedoItajaí,nofimde2008.Asruasquemarcaramahistóriadequemláviveestavamtortas,esburacadas,entulhadas.Nãohaviaamigo,parenteouvizinhoquenãoderramasseumalágrimaportersofridodiretamentecomaentradadeáguapeloteto,delamapelochão,deumamudançaforçadaemsuavida.

Documentospessoais,fotografias,acamisapreferida,umbilhetedealguém,umalembrançadainfância.Paramuitaspessoas,tudoissootemporallevou.Emesmooquerestavaestavaameaçado,oraporumanovatempestade,orapeloriscodefurtos.EssanotíciamarcouRenatoIgor,repórtereapresentadordaCBN Diário.“LembrodeentrevistarmosautoridadeselíderescomunitáriosemBlumenau,que,àsescuras,semenergiaelétrica,comacasainterditadaouparcialmentedestruída,resistiamemdeixarseusimóveispeloriscodaondadefurtos”,reconta.Pessoasconscientesdarealidade,masqueaindatinhamseusapegosesabiamque,mesmodiantedopior,háquemseencarreguedetornarascoisasmaisdifíceis.

Outros,diantedosriscos,retornavamparacasacomobjetivosdiferentes.Poderiaserparasalvarasfotos,camisas,bilhetes,lembranças.Masumhomemdiferenciado–cujahistóriaveioàtonanarádio–retornouàprecáriaresidênciaeesgavaratouosescombros.“Buscavaocarnêdeumacontaparanãoatrasaropagamentoemanteronomelimponocomércio”,lembraIgor,“jáquefoiaúnicacoisaquerestou”.

No mesmo barco

Asnotíciasserepetemparaquemviveojornalismo.Algunsfatossãocorrelatos.

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Outrosseparecem.Issocriaumcertopadrãodeabordagem,aindaquehajaaconstantetentativaderepensá-lo.Aquebradeparadigma,refletidaemlinhasanteriores,teveoutraconotaçãoparaquemsededicouacobriroperíodoemqueSantaCatarinasereconheciaememergência.

Com programação dia e noite no ar, aCBN Diário fez uma coberturadiferenciadanosprimeirosdiasdedesastre,queincluíanãodesligaromicrofonemesmodemadrugada.AssimcomoduranteochamadoapagãoenergéticonaCapital,anosantes,arádiorealizouumaparceriacomaTVCOM diaenoite,oquepropagavamaisasinformações.

EmumadasnoitesdecoberturaemrádioeTV,FelipeReissucedeuMárioMottaeadentrouamadrugadaemcompanhiadosouvintes.QuemacompanhaseutrabalhosabequeReistemumtratoobjetivoeresponsávelcomsuasreportagens.“Anós,nãocabemuitomaisdoqueinformareauxiliarcomoforpossível,eojornalistaquecobreumasituaçãocomoesta,eventualmente,estálongeosuficientedocasoparasesentirseguroenãocontabilizar-setambémcomoumadasvítimas”,reflete.

Situaçõesgravesfazempartedocotidianodojornalista.Acidentes,grandesoperaçõespoliciaisecrimessãorotineiros,aindaqueassuntosdiferenciados.Porém,hásempreumasituaçãoemqueissomuda.Numadasnoitesemqueaságuasquecaíamdocéucomforçatalqueproduziamosomdepedrascaindosobreumtelhadodemetal,ReisfoiconvocadoasubstituirMotta,emcadeiaatéas3horasdamanhã.RecebeuumasurpreendentequantidadedeligaçõesdeváriospontosdoEstado–levandoemconsideraçãoohorário.

Ouvintesecolegasdereportagemqueriamcontaroqueviam.Asruasdosbairrosdascidadesondemoravamestavamtomadasdeágua,haviaadificuldadedeobtençãodealimentoseosentravescomcomunicações.“Assimcomoeu,elescomeçavama sedar contadeque,nessahistória, poderiamdeixar aposiçãodenarradoresparaassumiropapeldospersonagens, sentindonapeleoqueestavaacontecendo”,lembra.

Atéentão,Reismantinhaadistânciatípicadetodasascoberturas.Masalgomudouquandoprecisousairdecasa,emPalhoça,eviraotrabalho.Asruasdobairroondemoratinhammaisde30centímetrosdeágua.Carrosquebradosecheiosdelamacomeçaramafazerpartedocenário.Aospoucos,percebeuqueoqueestavaacompanhandoauma“distânciasegura”,nosúltimosdias,começavaaatingi-lotambém.

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Vendoatragédiamaispróxima,orepórterlembrouque,napropostadaCBN Diário,nãoselutaemcausaprópria.Oquesebuscasãopessoasqueexemplifiquemsituaçõesquedevemsernoticiadas.“Porém,nacoberturadaschuvasdomêsdenovembrode2008,tudoissofoidiferenteeestávamos,comoperdãodotrocadilho,todosnomesmobarco”,reflete.

A sensaçãodeFelipeReis exemplifica a linha tênueque se rompeu entreonoticiadoreoobjetonoticiado,duranteaqueleperíodo.Otrabalhoseguiacomprofissionalismo indiscutível,mas, internamente, aos poucos, a equipe daCBN Diário mantinhasuaspreocupaçõescomasinformaçõesediscutiaoquedeveriaounãoreportar,diantedetantosdetalhesterríveisquecaracterizavamomomento,concorrendo coma sensibilidade das pessoas.Alémdodito “produto externo”,tinhaqueselidaraomesmotempocomamigoseparentespedindoajudaecomapossibilidaderealdequeoimpactodaquelesfenômenosqueatingiamoEstadoseestendesseerompesseaaparentedistância.

Aliçãotrazidapeloperíododefortechuvafoidura.Cruelparaquemsofreucomenormesperdas.Paradigmáticaparaquemlidoucomosocorroecomamaisquenecessáriaprevençãoadesastres.Ereflexivaaosprofissionaisdaimprensa,queseviramdiantedodesafiodenoticiaroqueelesmesmosestavamvivendo.NamesmamedidadoexemplodoHeráclito,anotíciasetornouorioemquemaisumavezojornalistaentrou,masnãopodiapreversuaturbidez,nemparaondeelaolevaria.

Por Luiz ChristianoProdutor e Repórter

Rádio CBN Diário, Florianópolis

Memórias do Baú

Jornal Diário Catarinense

As roupas ficaram no varal. Panelas namesa.Geladeiras cheias. Carrosnasgaragens.Cachorrosnacoleira.Pássarosnasgaiolas.Emvolta,anatureza,

cheiadevida,pequenos riachos.De repente, no iníciodanoitede sábado, tudocomeçouavirabaixo.Achuvadesaboudevez.

OtrechoacimatireidareportagemAs memórias do Baú.Pelosextremosquevivencieieatransformaçãoqueaconteceudeumahoraparaoutra,talvezessesejaotestemunhomaisfielquetenteipassardealgoquejamaissairádamemóriadequemviudepertoaenchentedenovembrode2008,emSantaCatarina.MaisaindadequemesteveemIlhota,noValedoItajaí.Porlongosdias,acidadesepultouoclimapacatoatéentãomarcaregistradadaregiãoruraldoMorrodoBaú,oseuprincipaldistrito.Efoiassimemgrandepartedascidadescatarinensesafetadaspelachuvaradaquedurantemaisdedoismesesfoiganhandovolume.

Seapopulaçãodolocalficourefémàsdificuldadesgeradaspelotempo,quemveiodeforasentiumaisainda.Nosprimeirosdias,Ilhotaficouisolada.Conseguimoschegaràcidadecommuitocusto,depoisdeesperaraáguabaixarenacaronadeumjipe4x4.

A bordo de um helicóptero Puma doExército, em umamanhã nublada,desembarcamosnumadasregiõesdoBaúemquehouvedeslizamentosefamíliassoterradas.ComofotógrafoGutoKuertencomocompanheirodeequipeetestemunhadeaflição,vivihorasquenãogostodelembrar.Hoje,pensoquenãohátrabalhoquemereçadesafiarafúriadanatureza.Naânsiadechegarmaispertodocenárioedeseromaisfielnanarrativajornalística,acompanhamosapéosbombeirosembuscadesobreviventes.Foimaisqueumtesteaolimitefísicoepsicológico.Foramhorasdecaminhadaemmeioàimensidãodeparedesbarrentascercadasdeárvoresaochão.

Obarropareciaareiamovediça.Ficávamosatodoinstantecomasensaçãoqueiríamosafundarouserengolidosporumdeslizamento.Mesmoassim,resolvemosseguirnorastrodosbombeirosepoliciais,apé,notrechoassombrosoemquevirou

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olugarconsideradoparaísoecológico.Difícilesquecerascasascheiasdeobjetosepertencespessoais,massemvida,anãoserdosanimaisemdesespero.Elespareciamquerermostrararevoltapeloquesepassava.

Acadapasso,pontesrompidas,estradassemtraçado,postescaídos.Pelorádio,umpolicialrecebeocomunicadodehelicópterosquesobrevoamaárea.Eraoavisoparanãoirmosadianteevoltarparaumlugarseguroomaisrápidopossível,poisaprevisãodemaischuvaindicavaquenovosdeslizamentosiriamacontecer.Emmeioaodesgastedocorpo,acabeçajásinalizavacomapreocupaçãomaior:adetambémvirarvítima.Erainevitávelnãopensarnisso.Omedoinsistiaemrondaropensamento.Afinal,estávamosempontosextremamentevulneráveis.Poucodepois,quandosoube,jálongedali,queocorrerammesmooutrosdeslizamentosexatamentenaáreaemqueandamos,penseialoucuraquetinhafeito.Queméjornalistatalvezcompreendaoudiriaquefariaomesmo.Masissonãosignificaqueoprocedimentosejavistocomoexemplo.

OprimeirodepoimentoqueouvimosemIlhotafoiodafuncionáriapúblicaTerezinhaMartendal,38anos,emumasaladaApae,seunovoabrigo,domaridoedafilhadequatroanos.AfamíliahaviasidoresgatadadoBaúporbombeirosdehelicóptero,únicomeiodeacessoaolocalemquemoravam.“Foimuitodesespero.Eununcatinhavistonadaparecidonavida.Épiordoqueumaguerra.Euprefirocorrerdeumaenchente,deumincêndio,masnuncacorrerdaterra.Aterraestavapuxandoagente.Parecequesoltaramumabomba”,diziaTerezinha,anossaprimeiraentrevistada,emtomdeansiedadeetristezasemconterochoro.

Sabíamosquemarcasficariamparasemprenaquelacomunidade.Vidastinhamsido levadas.Era o que todos temiam.A chuva tinha trazidomortes.Terezinhasabiaquenãoveriamaisalguns familiares,poisaenxurradaea terra foramtãoavassaladoras sobre as casasquenãodeu tempode escapar.Umpovohumilde,trabalhador,sendocastigadopelachuva.Foidramáticoerevoltante.Vítimasquenãotiveramdireitonemaovelórioparaaúltimadespedida.

OdramanãoatingiuapenasIlhota.MasBlumenau,Gaspar, Itajaí,JaraguádoSuletantasoutrascidades.OEstadoregistroumaisde70milpessoasforadesuascasasemrazãodeinundaçõesesoterramentos.EmItajaí,haviadiasemqueerapossívelver,daBR-101,apenasotopodotelhadodascasas.Contêineresdoporto tinhamsido removidosde lugarpela forçadaágua, configurando imagemimpressionantequedespertouinteressedeagênciaserevistasinternacionais.

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Comodizemqueénadorenomomentodifícilqueseconhecemaspessoas,nadacomootrabalhovoluntárioparasuperar.Foiimpressionanteaquantidadedepessoasdispostasaajudardealgumaforma.Desdeumacordaparasocorrerumcarroatolado,umcolchãoparaquemnãotinhaondedormir,umagarrafadeáguanacidadedesabastecida,umabraçodeconfortoaquemperdeuosfamiliares,umapertodemãoaquemprocuravaoconsolo,atéascargasdedoaçõesvindasdetodoopaís.Pessoasdediferenteslugaresprontasparasocorrereamparar.EnãosódeSantaCatarina.EstudantesdoMaranhão,Piauí,RioGrandedoSuleoutrosestadosdesistiramdas fériasparaajudarna triagemde roupasdoadasaosdesabrigados.Oscatarinensesforamexemplosdeesperançaeotimismonareconstrução.Cadamomentodeenfrentamentotornou-seúnico.Cenasqueninguémdesejapresenciarnovamente.

Por Diogo Vargas Repórter

Diário Catarinense, Florianópolis

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“Aqui é um lugar bom, de pessoas boas. Não é porque houve uma tragédia que tudo acaba”

FOTO3

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Convívio no abrigo Barroso

Jornal O Estado de São Paulo

Foi ali que realmente entendi a tragédia.Ali, percebi a real dimensãodaquele desastre.A dificuldade da sobrevivência, omedo, a tristeza. E,

principalmente,aimensasolidariedadedaspessoas,mesmoemmeioatantocaos.Eraumadamanhãeosonoteimavaemnãoaparecernasdependênciasdoabrigo

Barroso,nocentrodeItajaí,umadascidadesmaisafetadaspelacatástrofequedeixou135mortosemilharesdedesabrigados.Aslágrimas,sim...Essaseramabundantes.CelsoRobertoBartelti,umsenhorfranzinode57anosque,aparentemente,odiavafazerabarbaeestavasemprecoçandoacabeçagrisalha,chamou-meparatomarumcafénacozinhaimprovisadadolugar,umcaféraloegeladoquehaviasobradodo lancheda tarde.Lembroqueele falavapouco,bempouco,mas sobrecoisasextremamentepessoais.

”Nunca tive um filho, sabe. Acho que não levo jeito para esse negócio de fraldas e choradeiras e coisas do gênero”.Mesmoassim,enquantopasseavacomsuaspantufascoloridasdepeixinhonomeiodas250pessoasquedormiamnochãodoClubeEsportivoBarroso,nocentrodeItajaí,absolutamentetodosaliochamavamdepai.“Boa noite, pai”,acenavaumagarotinhade7anosdeidade,queseencolhede frioemumcolchonetefinoquemaispareceum lençol.“Dorme bem, minha criança”,respondeu,“que amanhã tem mais diversão e brincadeira”.

Verdadesejadita,nãohavianadaassimmuitodivertidonoabrigoBarroso,queportrêssemanasserviudecasaimprovisadaparacentenasdedesalojadospelaschuvasquedestruíramboapartedoValedoItajaí.Trata-sedeumprédiodeconcretocomumgrande e simples salãodebailes, decoradode forma igualmentemuitosimplesparadoisbaileseumcasamentoqueestavamprevistosparaocorreralgunsdiasantes.Difícilacreditaremalgumtipodeorganização,sanidadeoucivilidadeporali–muitasemuitascrianças,maisdecemdelas,gritavamecorriamparatodososlados.Elasnãoconseguiamdormir,ficavamatéas3horasdamanhãconversandoechorando.

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“Tenho medo de dormir porque não conheço ninguém aqui”,contouMarina,umameninade5anosquenãosabiadizerdireitooprópriosobrenome(“Esqueci...”,alegava),mascommaturidadesuficienteparaentenderosentimentogeralnoabrigo.

Microcosmo

MandadoaSantaCatarinapela editoradocadernoMetrópoledo jornalO Estado de S. Pauloparaajudarnacoberturasobreaschuvasquedevastaramaregião,chegueinodia27denovembro,justamentequandoocorreramdiversosdesabamentos.Nacorreria,aemoçãoeraaúltimaaaparecer,confesso.Fizmatériassobreacidentestrágicos,resgatesheróicosedemomentosdetristezaedealívio.Parafazerumareportagemespecialsobreosdesabrigados,quenaquelasemanasuperavamos20mil,resolvipassaranoitedequintaparasexta-feiranoabrigoBarroso.Ocenárioeradesalentador.Famíliasdeatécincopessoascabiaminexplicavelmenteemumcolchãodecasal.Poucossacosderoupaspareciamsertudooquehaviasobradoparaamaioriadeles.Doisadultossexingavamparasaberquemiatomarbanhoprimeiro(umsenhorchegouaserexpulsoportentarseaproveitardeumagarota;eleacabouconhecidocomoo“taradãodamadrugada”).Umamulhertropeçouemumacadeiraequasequebrouonariz.Ninguémajudou.Elacomeçouachorar.Ninguémouviu.

OabrigoBarrososetransformouemumaespéciedemicrocosmodaregião,umexemplofeitodeconcreto,colchonetesemuitastristezassobreoqueeravivernaquelemomentonoValedoItajaí.Nãodeixavadesertambémumavaliosaliçãodevida.Aomesmotempoemquehaviabrigaspelochuveiro,criançassemcontrole,denúnciasdefurtos, taradõesdamadrugadae todoo tipodepicuinha,haviaumnúmeromuitomaiordeexemplosdesolidariedade,deajuda,dehumanidade.HaviaGiovanaLuzdaSilva,umameninade9anosqueacordavacomosirmãosPedroeAndré,às7horas,paraajudarnocafédamanhãdosseuscolegasdesabrigados.HaviaLeoniPegorariodeAndrade,de42anos,queestavasempredeolhonasegurançadascriançasenãodescansavaantesdeboapartedelasadormecer.Ehavia,entretantosoutrospersonagens,ofranzinoCelsoRobertoBartelti,o“pai”,queabriuasportasdoBarrosoparaosdesalojadosenãodormiahaviadiasparagarantiratranquilidadedeles.“Eu vi pela televisão que centenas de pessoas desabrigadas pela chuva estavam se amontoando em uma escola aqui do bairro”,disseBartelti,presidentedoclubesocialeesportivoBarroso.“Peguei as chaves do portão do Barroso, abri o clube e

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comecei a receber as pessoas que estavam vagando pelas ruas. Em poucas horas, já tinha inscrito 470 desalojados, sendo 250 crianças e 22 grávidas. Não pensei nas consequências nem planejei o que fazer depois de abrir os portões. Foi aí que eu me tornei o pai para todos eles”.

Oponto crítico da curta história doBarroso aconteceu numa terça-feira.Dezenasdepessoasdoabrigoapareceramcomsacosdearroz,caixasdecerveja,eletrodomésticos e até uma televisãode plasma, roubados de um supermercadodobairro–casoquefoinoticiadopeloEstadãoedemaisveículosquecobriamodesastre.Bartelti simplesmentenãodeixoueles entrarem.Confiscoua comidaeoseletrodomésticos,quebrouasgarrafasdebebidaalcoólicanacalçadaeabriuaslatinhasdedezcaixasdecerveja.“Uma a uma”,contou,rindoalto.Apartirdaí,oabrigocomeçouaterregrasmaisrígidasevirouumaespéciedepequenacomunidade.Aprimeiramedidafoiestabelecerhorários.Ocafédamanhãeraservidodas7às9horas,oalmoçoestavanamesaàs12horaseojantaràs19horas.Cadamoradortemporáriodolocaltambémtinhadireitoaumamudaderoupapordia,quevinhadedoação.

“Quando a rotina apareceu, acho que as pessoas perceberam que era preciso respeitar o próximo como se fosse um familiar, mesmo que fosse um familiar tampão”,disseàreportagemLeoniPegorariodeAndrade,chorando,tantoportristezaquantoporcansaço.Elachegoucomomaridoedoisfilhosnasegunda-feira,depoisqueaáguanasuacasa,emumbairroafastadodeItajaí,chegouàalturadaboca.“As noites continuam sendo difíceis, porque as pessoas têm de ficar mais quietas e têm de pensar na realidade. É aí que cai a ficha. Só melhora de manhã, quando aparece a luz do dia e volta a esperança de podermos retornar para casa e continuar nossas vidas.”

Resgate

Nãofoiaúnicanoitequepasseiacompanhandoashistóriasdosdesabrigadosedasvítimasda tragédia.Ao todo,fiqueiquaseummêsemSantaCatarina– aprevisãoeraqueeupassassetrêsouquatrodias,entãominhamalaseresumiaaumacalça,umtênisealgumascamisetas.Noprimeirodia,tinhaperdidoacalçaeotênisparaolamaçal.OutrosmomentosmarcantessesucederamnessemêsdecoberturadoEstadão,sejadeboasnotíciaseresgatesbemsucedidosousejadaquelastristeshistóriasqueninguémqueriaterdecontar,masqueserepetiamdiariamentenaregião.

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Umdoscapítulosmaisnervososdacoberturafoiquandotivedeserresgatadodeumaregiãoondeosdesmoronamentoseramconstantes–bemcomoasmortes.AchamadanoEstadãofoi“Reportagem do ‘Estado’ é resgatada do Morro do Baú, em Ilhota, juntamente com equipe da Força Nacional”.Minhamãequaseinfartouquandoleuisso,aposto.

Meurelato,quepelapressaepelomedosaiuumtantodramático,foipublicadoassimnojornal,nodia29denovembrode2008:

A região do Morro do Baú tem cerca de 100 quilômetros quadrados e está encravada no meio de dois vales, o que dificultou o acesso durante a semana e potencializou a catástrofe. A equipe da Força Nacional de Segurança (FNS) chegou ao local por volta das 9h30 de ontem, na tentativa de ajudar os moradores e resgatar os corpos que ainda estão soterrados na região. Num voo de pouco mais de dez minutos, Madonna, um labrador marrom de 2 anos e meio de idade que veio de São Paulo para ajudar nas operações, parecia bem mais calma do que os 11 homens que se espremiam no helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB). “A gente fica até mais nervoso do que os cachorros porque a adrenalina fica a mil”, disfarçou o cabo Felipe Valter Lopes, de 43 anos – apenas há 40 dias usando a farda cinza da Força Nacional. “Preciso pitar (fumar) pra me acalmar”.

Uma vez no solo lamacento do Baú, os seis cães farejadores – Preta, Morena, Xangô, Mel e Zion, além de Madonna – se revezavam no meio dos tijolos, telhas retorcidas e móveis quebrados para tentar sentir o cheiro das vítimas. O odor forte de fezes parecia não atrapalhá-los. No local onde eram feitas as buscas, totalmente devastado pelos desmoronamentos que ocorreram no fim de semana passado, três pessoas ainda estavam soterradas – um adulto, um jovem de 20 anos e um bebê de 7 meses.

“Atenção todo mundo. Essas pessoas aqui enterradas estão mortas. O risco agora é da equipe, é só nosso, a gente que está vivo”, disse o capitão Romeu Rodrigues da Cruz Neto, responsável pela operação. “Se a bota ficar presa na lama, pede ajuda para o colega do lado. Se afundar na altura do umbigo, cuidado porque não dá pra respirar, morre. Não quero perder ninguém, quero voltar com todos vocês”.

Essa operação, no entanto, não durou nem duas horas. Por volta das 10h45, chegou a informação de que existia muita água represada nas encostas e um desmoronamento havia acabado de acontecer no morro logo ao lado – quatro pessoas estavam soterradas. “Vamos parar tudo por um tempo, porque se essa água descer vai levar tudo aqui”,

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disse o capitão Romeu Rodrigues da Cruz Neto, que subiu em um helicóptero da Polícia Militar para checar as condições do terreno. “Lembrem-se do que eu falei, não quero perder ninguém”.

Os homens então se abrigaram em uma casa abandonada, amarraram os cachorros e começaram a conversar enquanto novas ordens não chegavam. “O pior é essa espera”, reclamou o cabo Edmílson Vieira, que tentava passar o tempo contando histórias de sua terra natal, Goiânia. A maioria dos homens da Força Nacional na operação era de calouros, que estavam há pouco mais de um mês no serviço. “Estamos loucos para ajudar, mas mal dá para se movimentar nesse lamaçal”.

Poucos minutos depois, o sargento Marcelo Dias gritava pelo rádio. “Vamos precisar evacuar, acabaram de me dizer que a água está vindo para cima da gente”, disse. Neste momento, todos perceberam que um fio de água que corria perto da equipe já havia se transformado num pequeno rio. “Quem ficar vai morrer, a lama vai vir e vai cobrir tudo aqui”.

Os próprios homens da Força Nacional correram na direção de um campo de futebol nas imediações para serem resgatados pelos helicópteros, que começaram a sobrevoar a área como mosquitos. Uma equipe de televisão da rede Al-Jazira, que também acompanhava os trabalhos, subiu desesperada para um pequeno morro, na tentativa de ficar em uma área mais alta. Três cabos da FNS também correram para o mesmo local, sem saber o que fazer.

Alguns vizinhos das imediações, que já limpavam suas casas e tentavam retomar as vidas depois da tragédia desta semana, também seguiram para o campinho de futebol alagado quando viram a correria. A reportagem do Estado e dois moradores foram os primeiros resgatados, em um helicóptero da Marinha que chegou em dois minutos à região. Um helicóptero da Polícia Militar estava logo atrás para evacuar outros três moradores e uma aeronave da Força Aérea aguardava a poucos segundos dali para resgatar os 11 homens da Força Nacional.

Madonna continuava calma, sem latir, mas os outros cães pareciam apavorados com o barulho das hélices. No helicóptero, Josias Maciel dos Santos, de 37 anos, gritava para o piloto da Marinha, dizendo que outras pessoas da sua família estavam dormindo em sua casa e corriam risco de serem soterradas. O piloto não ouviu, mas outros dez helicópteros se dirigiam naquele momento para o Baú para resgatar “absolutamente todas as pessoas, mesmo na marra”. “Não pode acontecer tudo de novo, já sofremos demais, já perdemos quase tudo”, disse Josias, que passou todo

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o trajeto com a cabeça baixa e os olhos fechados, como se estivesse rezando. “Não vai dar tempo de tirar todas as pessoas dali”.

Essa aeronave da Marinha desceu em Ilhota, a três minutos do Baú, em um outro campo de futebol. Um bombeiro já estava de prontidão para anotar em um papel sulfite todas as pessoas que estavam sendo resgatadas. Até as 16 horas de ontem, já haviam sido 25 – 12 homens, 7 mulheres e 6 crianças. Outras pessoas foram levadas para Gaspar, município vizinho. Além desses números e das histórias dos resgatados, pouco se sabe – não há informações de quantas pessoas podem ter morrido nesses novos desmoronamentos, quantas já estavam soterradas, como está a condição geológica dos morros ou mesmo quando as equipes poderão voltar a trabalhar na área.

“Estamos em uma catástrofe de várias etapas”, disse na tarde de ontem o tenente coronel Milton Kern Pinto, coordenador-geral das operações aéreas da Defesa Civil. “Agora temos mais desabrigados, mais mortos e mais deslizamentos, mas não conseguimos ainda saber quantos são. Evacuamos até a Força Nacional, a Polícia Ambiental e os Bombeiros. Esperamos agora uma perícia dos geólogos e geógrafos para descobrir a dimensão do problema. Estamos todos assim, presos, sem ter muito o que fazer neste momento”.

Tijolo por tijolo

QuatromesesdepoisdacoberturadoEstadão,volteiparaSantaCatarinanatentativadereencontrarpersonagensdatragédia.EncontreiosmesmosingredientesdaminhanoitenoabrigoBarroso–claramenteaindahámuitador,muitoesforço,muitasuperaçãoemuitaperseverança.Percorri845quilômetrosentreascidadesdeNavegantes,Itajaí,Ilhota,Gaspar,BlumenaueLuizAlves,paraencontrarhistóriasdesuperação.Pequenosmilagresemmeioàburocraciaoficial.Foipossívelreencontrarpessoasquecontinuavamdependendodeabrigosparamorar,famíliasqueprecisavamdeumauxíliodasprefeiturasparasobreviver,regiõesquepermaneciamdevastadaseabandonadas.

Atéhoje,épalpávelosentimentoqueacatástrofequecomeçounodia22denovembrodoanopassadosimplesmenteteimaemnãopassarparamuitasfamíliascatarinenses.Alamasecou,omatocresceu,ascâmerasdeTVseforameocomércioretomou suas atividades.Meses depois, há pessoasmorando emabrigos, outras

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vivendodealugueloude favornacasadeparentesedeamigos.Odinheirodogovernofederalparaareconstruçãodasresidênciasnãoéenuncaserásuficienteparareconstruirtantasvidas.AsfamíliasdeLarissaSchawanbach,de11meses,edeErnaCypriano,de79,nãopuderamnemmesmofazerumfuneraleenterrá-las,poisosbombeirosabandonaramasbuscassemencontraroscorpos.Sãofamíliasemaisfamíliasparalisadasnotempo,quebuscamempequenascoisasdodiaadiaaforçanecessáriaparareerguerseustetosesuasvidas.

AprendinoabrigoBarrosoepelasruasdoValedoItajaíquehá,sim,muitoespaçoparaootimismoeasolidariedade.AnísioMairing,umsenhorcomcercade40anosquedecidiucomprarereformarumbaremumadasáreasmaisafetadasdoMorrodoBaú,justamenteondeeuhaviasidoresgatadojuntocomaForçaNacional,resumiubemessaliçãopessoal.“Vamos levantar o Vale do Itajaí”,disse,enquantopintavaafachadadoestabelecimento.“Aqui é um lugar bom, de pessoas boas. Não é porque houve uma tragédia que tudo acaba”.

Por Rodrigo BrancatelliRepórter

Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo

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Sofrimento e emoção, na lama e no ar

Rádio Guarujá de Florianópolis AM, 1.420 kHz

Choviamuito em novembro de 2008.Ummês chuvoso, como estávamosacostumadosavertodososanosnapré-temporadadeverão.Achuvanãoparava

epareciaganharforçaacadadiaqueavançava.ACapitaletodaregiãometropolitanamostravamumaexaustãodesuasinfraestruturas.

Aprimeiraconsequênciaeraosofrimentodapopulaçãocarentequeviveemáreasinvadidas,semáguaeluz,semruas,semesgoto,semquasenada.Oclimacinzentoechuvososealastravaàs regiõesNorteeValedoItajaí.Osmilímetrosde precipitação, calculados pelaDefesaCivil Estadual e pela Epagri/Ciram,acumulavam-se.Apreocupaçãoeatensãoeramdetodos.Nofinaldenovembro,operíododechuvasconstantesiriasetransformarnumatragédia,jamaisvistapelapopulaçãocatarinense.

Osábadoamanheceubarulhento,deáguas,trovõeseraios.Osventospareciamtrazerumrecadodanatureza,umalertafrioecrueldequemestavacomapaciênciaesgotadadetantodesrespeito,violaçõeseexageros.Avelhanaturezaresponderiaatodososnossosdesaforoseoavisocomeçavaachegardeformamaisviolentanaquelesábado.OssinaisdetransbordamentoderioseesgotamentodosprecáriossistemaspluviaiseramvistosemcadainformedaDefesaCivildoEstado.

ARádioGuarujáAM,deFlorianópolis,há66anos,faladefuteboleesportenosfinaisdesemana.Naquelesábado,ahistóriacomeçavadiferente.CarlosDamião,naépocacoordenadordeJornalismo,iniciouumacoberturaacanhadaaoconvocarpartedosrepórteresedarespaçoàsinformaçõesnoprogramaqueapresentava,oRevistaGuarujá,pelamanhã.Ànoite,oexperienteDamião-detantascoberturasdogêneropelojornalOEstadoeoutrostantosveículosquepassou–convocouaequipedejornalismoparaprevenirque,nodomingo,otrabalhoseriaduro.Nãodeuoutra.Nasprimeirashorasdodia23,CarlosDamiãocomandavaotimeinteiro:MarceloFernandes,PolidoroJúnior,CléberPedra,FábiaHaffermann,RaquelSanti,CarolGonzaga,HívanTonsic,JúlioCastro,IuriGrechieostécnicosEdsonGarcia,Luiz

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CarlosSilva,SmaleyCúrsio,AndreySilva,PauloRenato,alémdostécnicosJorge,Valvito,Francisco,DarcieRogério,quenãoparamdiaenoite.

Odomingoamanheceucomclimadedificuldades.UsamosoEstúdioBdegravações,aoinvésdotradicionaldo“Ar”,queestavaalagadoporcontadaschuvas.PartedotelhadodoEdifícioTiradentesfoiatingidaporfortesrajadasdeventos.Comomandaobomjornalismonestasocasiões,aproduçãotevedeserengrossadaparatrazerinformaçõeseencontraraspessoascertasecolocá-lasnoar.Asentrevistasforamalternadascomasintervençõesdosrepórteresespalhadosportodaaregião.

Em frente aoEstúdioB, para trabalharmelhor, improvisamos amesa darecepção, onde foram instalados computadores e telefones e, assim, a produçãoganhoumaismobilidadeecontatodiretocomosâncoras.Destefimdesemanaemdiante,foramcercade30diasdecoberturaespecial,compatibilizandoaprogramaçãonormalcomotrabalhoincansáveldetodaequipedojornalismo.

FizemosoqueaGuarujásemprefezháquasesetedécadas,masdeformaconcentrada. Prestamos serviços, ajudamos comunidades, cobramos a ação dasautoridadesefomosparceirosdetodasasiniciativaspossíveisdesolidariedadeaosatingidosdaquelaenchente.ColocamosnoarosfrequentesalertaseoscomandosdaDefesaCivil e praticamente transformamos a sua sede emestúdio avançadodenossaprogramação.NoprogramaJornaldaNoite,eueorepórterJúlioCastrofazíamosumrescaldodasnotíciasdodia,commatériaseentrevistasaovivo.Umadelasfoiinesquecível.

Porvoltadasonzedanoite,obravomajorMárcioLuizAlves,chefedaDefesaCivildoEstado,atendia-nospelotelefone,nasededoórgão.Comevidentecansaçodeváriosdiasmaldormidosesemirparacasa,omajornãoconseguiuesconderaemoçãoaorelataroquevianocomandodaquelacatástrofe:

Marcelo, o que estamos vendo é algo que nunca experimentamos. A todo momento, famílias inteiras são destroçadas, perdendo seus entes queridos, crianças perdidas, mulheres e idosos desesperados pelas perdas humanas e materiais. É um cenário de guerra. Precisamos ter muita força, muita concentração, muito profissionalismo para não nos envolvermos no drama de cada um. Temos que ser fortes. Talvez sejamos a única esperança para estas pessoas atingidas pelas chuvas. Eu queria aproveitar este momento, tarde da noite, para mandar um recado para a minha família, a minha esposa e meus filhos, que não me enxergam há dias, que me

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perdoem pela ausência, mas sei que eles vão entender a situação que passamos. Eles sabem que essas pessoas que foram vítimas deste desastre terrível estão precisando do nosso trabalho e do nosso apoio. A nossa missão, para eles, é uma questão de vida ou morte. Por isso, eu peço desculpas pela ausência em casa, mas queria dizer aqui pela Guarujá que, a cada minuto deste nosso trabalho difícil, nos inspiramos na família, no sorriso deles, no amor deles e na confiança que eles têm em nós.

Apósorelato,Alvesprecisouinterromperaligação,chorando,pararecomporsuaemoçãoincontida.

Sabíamos que nossa cobertura naGrande Florianópolis registrava umsofrimentointensodacomunidadecomaquelasenchentesdenovembroedezembrode2008,masnãoeraahistóriamaisdramática.Nãomuitolonge,naregiãodoValedoItajaí,Blumenau,LuizAlves,GaspareIlhotativerammorrosinteiros,comoodoBaú,que“derretiamcomosorvete”.Assimrelatavaemnossomicrofoneumdossoldadosdoexércitoemoperaçãonolocal.

NumdessesmomentosagudosnaregiãodoVale,transmitimosodepoimentodeumoficialderesgatedaForçaNacional,quetrabalhavadehelicóptero,içandofamíliasinteirasdoolhodaquelaterramovediça:

É um cenário terrível, muito duro pra todos nós. É uma verdadeira prova de fogo ver tanto sofrimento. Mas é importante que as pessoas atendam nossas orientações para que se evitem mais tragédias. Eu estou frustrado neste momento, abalado mesmo. Agora pouco vi uma família inteira ser soterrada lá no Baú. Ontem eu tinha tirado todos eles de lá, eles não queriam sair de casa, tiramos eles a força. Foi uma situação de muito desespero. Tiramos todos ontem com grande dificuldade. Agora, estávamos lá resgatando mais pessoas, com essa chuva toda, com ventos fortes, pouca visão, perigo de mais deslizamentos e avistamos a mesma família de ontem. Eles resolveram voltar para casa, contrariando nossa orientação e vimos eles serem sugados pela lama, sem poder fazer nada. Nós estamos chocados, muito tristes, é muito difícil ver tudo isso.

Noestúdio daGuarujá, a emoção foi geral e ninguémarriscoudizer umapalavra.Pediointervalocomercialdojeitoquepudeesaiparatomarumaágua.

EmFlorianópolis,aanti-vedetedaqueleshowdehorroreseraasubidadomorro

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doCacupé,àsmargensdaSC401,numacurvaondeumespetaculardeslizamentoengoliuaestrada,umcaminhãoeavidadeseumotorista.Diasdepoisdoeventoquaseindescritívelnorádio-acenaécrívelsócomimagens-,asmáquinastentavamrecomporavia,masocenáriodevastadortransformavaosrobustoscaminhõesdasempreiteirasemcarrinhosdebrinquedo.

Resolviiratéolocaleviaimpressionanterevoltadanatureza.QuandochegueiàredaçãodaGuarujá,conteiacenanoareescrevinoblog,sobotítuloMedo na encosta.Posteiassim:

Estive na terça à tarde (28) ali na SC 401, na altura do Cacupé, onde desmoronou aquele monte de terra sobre a estrada. É espantoso o volume e assustadora a cena. Parece que ali houve um bombardeio. Fiquei impressionado. Ao chegar, encostei minha moto logo ao pé da encosta que sobrou. Olhei bem no alto, inclinando o olhar em 180 graus, respeitando aquele morro rebelde, bravo e bêbado d’água. Ele parecia falar “não me aguento mais de pé”. Olhei e tive medo. Peguei a moto e saí de perto, como me afastando de um alien exausto, sonolento e fora de controle. Estacionei mais longe e fiquei sobressaltado na cena, observando o movimento das máquinas trabalhando nos escombros. Notei que o motorista da retroescavadeira avançava sobre as terras e pedras revoltas, como quem cutuca uma onça com vara curta. Um olho na caçamba, outro na enorme encosta trêmula, drogada. Pensei ali na “Rosa de Hiroshima”, de Vinicius, cantada pelos Secos & Molhados, “...rotas alteradas; pensem nas feridas; como rosas cálidas...”.

Escrevoestepequenorelatosobreasenchenteseodesastrequesofremosnofinaldaquele2008comatraso.Contocomacompreensãodoseditoresdestaobraeentregomeumaterialemcimadahora.Coincidênciaounão,escrevoaquicomaatençãoeapreocupaçãovoltadasparaumanovacoberturadaGuarujásobrecheias,novamenteemtodooEstado,quaseumanodepois.AEpagri/Ciramprevêquevamostermaischuvasnaspróximassemanas.Torçonãoprecisarescrevernovorelato.

Por Marcelo Fernandes CoordenadordeJornalismo

RádioGuarujádeFlorianópolisAM,1.420kHz,Florianópolis

“Eu queria que Deus me desse pelo menos a oportunidade de salvar um para ficar de consolo. A minha esposa estava grávida,

já tinha planos para o filhinho que ia vir, se fosse menina já tinha até nome, se fosse menino já tinha até nome. Eles encontraram a

minha mulher segurando a minha menina”

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“Eu queria que Deus me desse pelo menos a oportunidade de salvar um para ficar de consolo. A minha esposa estava grávida,

já tinha planos para o filhinho que ia vir, se fosse menina já tinha até nome, se fosse menino já tinha até nome. Eles encontraram a

minha mulher segurando a minha menina”

FOTO4

FOTO4

A maior experiência da minha vida

Núcleo Globo – Santa Catarina

O Núcleo Globo SC - grupo de jornal is tas da afi l iada RBSTVFlorianópolisvoltadoaoatendimentoàRedeGlobo-temaatualformaçãohá dez anos. Somosquatro produtores/editores comduas equipes completas dereportagem:doisrepórteres,doiscinegrafistasedoismotoristas.

Nodecorrerdeumadécada,tivemosaoportunidadedemostraraorestodopaísmuitas facetas da rica cultura catarinense e suas belezas naturais.Desde atradiçãogermânicaesuasfestasdeoutubro,apescadatainhatãoimportanteparaospescadoresartesanais,anevequeencantaeatraituristasparaaSerraatéoverãoagitadonumadasregiõeslitorâneasmaisbelasdoBrasil.Mastambémdivulgamosmuitastragédias:acidentesdetrânsitoqueceifaramdezenasdevidasnasBR-470enaBR-282;ofuracãoCatarina;enchentesemalgumasregiõesesecaemoutras.

Nadadissofoicomparávelaoqueenfrentamosemnovembrode2008.Tudocomeçoudurantemeuplantãodesábado,dia22.ComigoestavaarepórterKiriaMeurer,quefechoumatériasparaoJornal Hoje,Jornal NacionaleboletimparaoGlobo Notícia.Percebemosqueachuvaaindairialongee,nodomingo,KiriafechoumaisumVTparaoFantástico.Sónãocontávamosqueiriatãolonge.

AsituaçãopioravaacadadiaemBlumenau,Ilhota,GaspareoutrosmunicípiosdoValedoItajaí.MandamosaequipedorepórterRicardoVonDorffparaBlumenau.Nasequência,achuvainundouItajaíedeslocamosaequipeparalá.AequipedaKiria,então,foitransferidaparaBlumenau.

AcoberturanacionalfoitomandotalproporçãoqueprecisamoscontarcomaajudapreciosadeumaequipedereportagemdoRioGrandedoSul,GuaciraMerlineJeffersonPacheco,e tambémdarepórterdolocal,AdrianaKrauss.Essegrupoficava encarregadode abastecer oJornal Nacional: quatro reportagens e quatroentradasaovivoemmédiapordia.OJornal HojeeoBom Dia BrasilrecebiamamesmaatençãodasequipeslocaisdeBlumenau.OJornal da GlobocontavacomotrabalhodarepórterGiovanaPerine.Ademandaeratãograndequetodaaredação

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deFlorianópoliscolaboroucomacoberturaparaaGlobo.Diantedadimensãodatragédia,oapresentadoreeditor-chefedoJornal Nacional,WilliamBonner,ancorouojornaldiretamentedeBlumenau,durantedoisdias.Umcasobastanteraronahistóriadotelejornal,quecompleta40anosem2009.

Para nós, integrantes doNúcleoGlobo, foramdezessete dias de trabalhoininterrupto,comjornadade14a16horasdiárias.Aocansaçofísicojuntava-seaexaustãoemocionaldeestarmoslidandocomadordaspessoas,devermoslugaresquetantoadmiramosviremabaixo.Onúmerodemortesaumentavaacadadiae,comele,asdramáticashistóriasqueosrepórteresprecisavamcontaraorestodopaís.Nossomaiordesafioeracomofazerissosemdesrespeitarodramadecadafamília,mostraradorsemapelarparaaemoçãorasteira.Olhandoparatrás,podemosnosorgulhardetermosconseguidootomcerto.Fomosrespeitososeconseguimostocarocoraçãodemilhõesdebrasileiros.

Asdoaçõeseosvoluntárioschegaramdetodasaspartes.Choramosmuitosobreamesadetrabalhonaquelesdias,masconseguimosencontrargratificaçãonacertezadequeanossaatividadeajudouaatrairsolidariedadeparatantosnecessitados.Tivedúvidastambém,claro.Houvemomentosqueacrediteisermaisútilcozinharparaosbombeiros,comomostramosemalgumasreportagens,doquecoordenaracoberturadosfatos.Mas,cadaqualtemasuahabilidadeeasuaparteacumprirdiantedeumarealidadetãodura.

Possodizerqueaprendimuitoduranteoepisódio.Reviseiaimportânciaquesedáapequenospercalços.Oqueeraissodiantedeumatragédiadetaldimensão?Renoveiminhaadmiraçãoporprofissionaiscomoosbombeiros,pessoaldaDefesaCivil,soldados,enfim,aquemsededicaasalvar.Profissionalmente,foiamaiorexperiênciadaminhavida,semdúvida.Noinício,nãosabiaseseriacapazdedarcontadealgotãograndioso.Aofinal,descobriquesim,eueracapaz.

Acertezamaiorquemerestoufoiadequesófuicapazpelaqualidadedaequipequetrabalhadiretamentecomigo(repórteres,produtores/editores,cinegrafistasemotoristas);pelauniãodeesforçosdecolegasdeoutrasáreas;epelaconfiançaquerecebemosdosprofissionaisdoJornal Nacional.OapoioeacompetênciadoseditoreseprodutoresdoJNnaoutrapontadoprocessoforamfundamentaisparaosucessodeumtrabalhoqueresultouemcercadeduzentasreportagenseentradasaovivonaGlobo.

Maisqueisso,acompreensãoeasolidariedadequerecebemosdeles.Umdia,

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quaseaofinaldaqueleperíodotãotriste,chegouàredaçãoumlindovasodeflores,coloridas,lembrandoqueavidaprosseguiaeumcartãoqueguardoatéhoje:

Querida equipe de Floripa,nós, produtores e editores do Jornal Nacional, gostaríamos de agradecer o

carinho e a competência de vocês, nesse momento tão difícil para Santa Catarina.O trabalho da equipe foi primoroso e comoveu o Brasil inteiro. Graças a vocês,

donativos foram recolhidos do Sul ao Norte do país.Parabéns – e que tenhamos dias mais leves pela frente!Beijos e muito obrigada.Jornal Nacional

Umadelicadezaque,comodizofamosoanúncio,nãotempreço.FatorfundamentalparaobomresultadofoioinvestimentoqueaRBSTVfez

noepisódio.Contamoscomdoisup-links(equipamentosquepermitemageração,viasatélite,domaterialeaentradaaovivodequalquerlugar)edoishelicópteros,queserviramparaagilizaraprodução.TodososrecursoshumanosinternosforamcolocadosàdisposiçãopelochefedeRedação,AnselmoPrada.

Bem,hoje,energias recompostas,vamosseguindoocotidiano jornalístico,rezandoe torcendoparaquenossaqueridaSantaCatarinanuncamaispasseporissonovamente.Esonhandoemmandarboasnotíciasdessaterraabençoadaparaorestantedopaís.

Por Brígida de PoliCoordenadora

Núcleo Globo SC – RBSTV, Florianópolis

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Um cenário de guerra

Núcleo Globo – Santa Catarina

Embora não seja uma boa lembrança para se recordar, a enchente queatingiuoVale do Itajaí em2008 é impossível de ser esquecida.Nestemeu

depoimento,tentareitransmitirumpoucodoquevivieasemoçõesquesentinosquase20diasemqueestivelá,porocasiãodacoberturajornalísticadaRBS TV.

A responsabilidade de registrar aquelas imagens fortes, chocantes, tristes,reveladoras,quefalavamporsi,nãomeisentouderedobrarocuidadonaseleçãodascenasaseremgravadas.Paracapturararealidade,foinecessárioumesforçofísicoparasuperarasdificuldadesemmeioàlama,águaeriscodedoenças,econtroleemocionalparanãomeenvolvercomodesesperoetristezadaquelepovo.Percebi,comopassardosdias,queissoseriaquaseimpossível.

Achegadadanossaequipedereportagemsedeuànoite.Haviamovimentonas ruas que já estavamalagadas.Aspessoas pareciamperdidas e visivelmentepreocupadas coma previsãodo tempo.Perguntavamumas às outras e olhavamparaocéu,tentandoencontrarrespostasparaaquelasituação.Aprimeiraimpressãoque tive foi assustadora.Minutos depois, no alto de ummorro, acompanhamosaexplosãodeumgasoduto,quecausouumclarãonocéu.Semexageros,aquilopareciaumcenáriodeguerra.Tentandorapidamentemerecompor,comeceiagravarasprimeirasimagens.

Apesardoimpactodassituaçõesquemederamboas-vindas,sónodiaseguinte,comaclaridade,pudedimensionarasproporçõesdaqueledesastre.Comonanoiteanterior,omovimentoserepetia.Aspessoascirculavamportodaparte.Entravamesaíamdesuascasastentandosalvarseuspertences.Ascenasserepetirampordias.Empoucotempo,tivemoscertezadequeasituaçãoeramesmodramática.Aajudaveiodaforçaaérea,dosgovernosedevoluntários.SoldadosdoExército,bombeiros,policiais,médicos, enfermeiros e dezenas de aparatos, como aviões, tanques deguerra,carrosanfíbios,cães,boteseinstrumentosderesgate.Tudooquesepudesseimaginar,emtermosdeassistência,estavalá.

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Trabalhamosapenascomhoraparaacordar.Nãoerapossívelsaberquandoiríamosdormir,comeroutomarbanho.Ocansaçoveio,osdiaseramexaustivoseoestressecomeçouasemanifestar.Acargaemocionalnegativaeratamanhaqueoenvolvimentofoiinevitável.Emummomentodedesespero,fuiobrigadoafazerumapausanomeu trabalho.Sentei, coincidentementeemfrenteàportadeumaigreja,echorei.Depoisdealgunsminutos,ocolegaerepórterRicardoVonDorffseaproximoue,commuitorespeito,perguntou-meseeuqueriadesistirdetudoevoltaràemissora.Respondiquenão,porqueéramosumadaspoucasequipesdeTVqueestavana região edeveríamos ir atéofim.Tínhamosumcompromissocomasociedade.Muitaspessoastinhamparentesnaquelascidadeseaguardavamdesesperadamentepornotícias.Outrostrabalhavam,visitavamouconheciamaregião.Algunsnuncatinhamouvidofalar.Masparatodosnós,éramos,dealgumaforma,fontedenotíciaseinformações.

Adramaticidadenosdepoimentosdaspessoasnãotinhafim.Umentrevistadodiziaterperdidoacasa.Outrocontavaqueperdeuacasaeoterreno.Eumterceirodesabafavaquenão lhe restavanemcasa,nemterrenoenemfamiliares.Acadamoradorqueencontrávamos,conhecíamosumahistóriaimpressionanteemarcantedevidasqueforaminterrompidaspelasenchentesdenovembro.

Emboranãotenhamosajudadodiretamente,anossamensagemchegouaoBrasilinteiro.Tudofoiacompanhadoeregistradopornós:asproporçõesdodesastre;osofrimentodaspessoas;ascasasdestruídas;otrabalhoárduoderesgatedevítimas;achegadaaospontosdedifícilacessopararetiradadossobreviventes;arealidadedosabrigostemporários;asolidariedadedoBrasil,queenvioutoneladasdedoações;a garra e força das pessoas que, semnenhuma referência inicial, pensavamemrecomeçarsuasvidas.Eraumrecomeço.

Comasituaçãoquasenormalizada,pudemosvoltarpracasa.Paramim,oalíviofoiimenso.Estardevoltafoiaminharecompensa.Desdeentão,tenhocolocadoempráticaasliçõesqueaprendicomessaexperiênciaprofissionaldifícil,masimportante,nãosóparaaminhacarreira,masparaaminhavida.

Por Feliphe AbreuRepórter cinematográfico

Núcleo Globo SC - RBS TV, Florianópolis

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Um desafio na carreira

Núcleo Globo – Santa Catarina

Tinha sido um semestre chuvoso.Hámuito tempo chovia e parava, até que,numasexta-feira,achuvaveiomaisintensa.Na redação daRBSTV, sou produtora e editora nacional, e faço o horário

noturno.Naqueledia,fiqueicomminhasequipesnaruaatédemadrugadacobrindoos efeitosda chuva, cuja água já invadia ruas e casas emFlorianópolis e regiãometropolitana.MandeicenasparaostelejornaisdaRede Globo eGlobo News,alémdeumamatériaparaoJornal do Almoço.

Opioraindaestavaporvir.Aocontráriodasoutrasvezesemqueachuvavinhaeiaembora,semmaioresconsequências,destavez,elaiamudarparasempreavidademilharesdepessoas.Porvoltade3horasdatardedesábado,ochefedeRedação,AnselmoPrada,ligouparaminhacasaedisseparaviràTV,poisasituaçãoeragrave.Sentiumfrionaespinha.Estenãoseriamaisumdesafioemminhavidaprofissional.Seria,sim,umdosmaisdifíceisdesafiosdaminhacarreira.

Achuvanãodavatrégua.Aforçadaságuasisolavacomunidadeseprovocavadeslizamentosnasrodovias.Nanoitededomingoparasegunda,Florianópolisestavainundadaeosnúmerosdatragédiacomeçavamatriplicar.As10mortesdeontem,eram40hoje,70amanhãeassimpordiante.Danosmateriais,então,perdiacontadequantos.Bastavaabrirumajanelaqueumdesmoronamentopoderiaaconteceraqualquerhoradodia.Umamoradorainclusivegravouumdestesflagrantes.

Aforçadaáguanãodestruíaapenasumacasa.Levavaruasinteiras,bairrosinteiros.Nasregiõesmaisatingidas,nossasequipeseramincansáveisaomostraradimensãodatragédia.Naredação,minhamissãoeratransmitirosefeitosdadestruição,respeitandoadordequemjátinhaperdidotudo.

Cadarelatodepessoaque tinhaperdidoseusfilhos, seuspais, sua família,meucoraçãoparavae, emcasa, eramnoites semdormir.Numaquinta-feira, caínumchoro compulsivona redação.Doações ajudaram famílias a substituir bensmateriaisperdidosnaenxurrada.Masea impotênciadiantedamorte?Dianteda

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forçadanatureza?Todososdiaseraumexercíciosobre-humanoouvirosrelatosdossobreviventesbuscandodeabrigoemabrigofamiliaresnaesperançadequeaindaestivessemvivos.

Participei de outras coberturas de catástrofes ambientais,mas nenhumacomparadaaesta.Asimagenseramdevastadoras.Umaquememarcoufoiadeumaequipederesgatetrazendonumsacoplásticoocorpofrágildeumacriançamorta.

Exemplos de solidariedademe emocionaram e renovaramminha fé naspessoas.Pessoasdividindosuascasascomdesabrigadosouaquelafamíliaque,aoencontrarnumcasacodoadoR$20mil,devolveuodinheiro.Elestinhamperdidotudoeestavammorandonumacasaemprestadaporumvizinhoe,mesmoassim,preferiramahonestidadeedevolveramodinheiro.

Quandoachuvapassou,maisumavez,opovomedeumaisumaliçãodevidaedefibra.Reergueram-seeforamlimparoquerestoudesuascasas.Maisumavez,asolidariedadefaloumaisforte.Se,duranteachuva,brasileirosmandaramdonativos,agora,eramosprofissionaisliberais,engenheiros,arquitetos,médicosepedreirosquevinhamdetodososlugaresajudarnalimpezaereconstrução.

Enfim,depois desta cobertura cresci comoprofissional e amadureci comopessoa.

Por Graça Vasques Produtora e editora

Núcleo Globo SC – RBSTV, Florianópolis

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Emoção inevitável

Núcleo Globo – Santa Catarina

Fui chamado para trabalhar na cobertura da tragédia num dia de folga.Eraumamanhãchuvosadedomingo.Forampraticamenteduassemanasdentro

daredação,comalgumascurtasnoitesdesono.EstavamorandoemSantaCatarinaháapenasseismeses.MudeiparacáparatrabalharnaRBS TV Florianópolise,comovimdeumaregiãodopaísondeosolpredominanamaiorpartedoano-oNordeste,deinícionãoassimileiasproporçõesqueaquelachuvaintensapoderiatomar.

Cadamatéria que ia ao ar, cada telefonema às equipes que estavamnoslocaismaisatingidospelasenxurradasecadaboletimdivulgadopelaDefesaCivil,deixavam-meperplexo.Confessoquemeassusteicomarapidezquecresciamosnúmeros de desabrigados, desalojados e cidades atingidas pela chuva.Quandoaconteceramosprimeirosdeslizamentosdeterrae,consequentemente,asprimeirasmortes,chegueiaacreditarqueoproblemapoderiaestarterminando.Imaginavaquepiordoqueestavanãopoderiaficar.Mas,acadamomento,apareciaumnovofatoqueagravavaaindamaisasituação.

Asfitasquechegavamdaruaàredaçãocommaterialparasereditadoeramumdesafio.Pelocurtoespaçodetempoparaentregaramatériaprontaeporque,paraconcluirminhatarefadeeditor,precisavaassistirasaquelascenasdehorroreouvirdepoimentosfortesdepessoasqueviramtudooquepossuíamirporáguaabaixo.Aemoçãoerainevitável.

Forammuitososmomentosemqueaslágrimasvieramaosmeusolhos,sejanailhadeedição,quandofaziaomeutrabalho,sejaquandoassistiaaostelejornais.Hácenasqueficarammarcadasparasemprenaminhamente.Comcerteza,jamaisconseguireiesquecê-las.Entretantas,nãopossodeixardecitaralgumasquemaismetocaram,comoahistóriadeumhomem,naregiãodoMorrodoBaú,queconstruiuocaixãodaprópriafilhaeesperavaocorpoaparecerentreescombroselamaparafazeroenterro.

Aimagemcaptadapelocelulardeumcinegrafistaamador,emBlumenau,que

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mostravaoexatomomentoemqueumacasainteiraveioabaixofoi,paramim,umadasmaisfortesdetodatragédia.Osgritosdesesperadosdosvizinhosqueassistiamà cenavoltamagora nitidamente aosmeusouvidos.Mas, emmeio a tudo isso,acontecimentosquepossochamarderecompensas.

AsdoaçõesquechegavamdetodapartedoBrasileramfrutodeumtrabalhodedivulgação,doqualeutambémfaziaparte.Ajudar,dealgumamaneira,asvítimasnãotevepreço.Outrasituaçãorecompensadorafoioprivilégiodeveredivulgaratitudesdepessoasque,mesmopassandoportodaaquelasituação,davamexemplosdesolidariedade,resignaçãoeforça.Umpoucodealívioparaalguémque,comoeu,nuncatinhapassadopormomentoparecido.Citoahistóriadeumempresárioque,mesmotendoperdidosuafábrica,foiaumaabrigopagarodécimoterceirosaláriodosseusfuncionários.Ocasodeumhomemquedevolveuodinheiroqueencontrounobolsodeumcasacoquelhefoidoado.Orelatodeumsenhorqueaoserperguntadosobreoquetinhalherestadodissecomumlargosorriso:“omeucachorroeomeugatodeestimação”.

Fatoscomoessesmefizeramdeixarocansaçoeatristezadeladoeseguiradiantesemdarimportânciaàscoisaspequenasemesquinhasquetambémmarcaramoperíodo.Prefiropensarqueaspessoasqueroubaramdonativosparavendê-losevândalosqueseaproveitaramdasinundaçõesparasaquearumsupermercadoemItajaíjáreceberamoperdãodecoraçõesgenerososqueenfrentaramcomdignidadeodesastreeque,acadadia,ajudamareconstruirumaSantaCatarinamelhor.

Por José Carlos Carmo Editor

NúcleoGloboSC–RBSTV,Florianópolis

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Tragédia sem precedentes

Núcleo Globo – Santa Catarina

30 de novembro de 2008

Umhomemdeolharperdidoesperasentadosobredoiscaixotesdemadeira,nopédoMorrodoBaú,emIlhota.

KíriaMeurer:o que o senhor está fazendo aqui?ZaíroZaber: estou esperando que encontrem os corpos da minha mulher e

do meu filho. Não há como comprar caixões no meio deste caos, então eu mesmo construí estes dois aqui para que eles não fiquem no barro. Não vou conseguir andar de cabeça erguida enquanto não souber onde eles estão.

Detudoquevinaquelesdias,estaéumacenaquenãoconsigoesquecer.

22 de novembro de 2008

SourepórterdoNúcleodaRede Globo,na RBS TVdeSantaCatarina,há9anos.Amaioremaisimportantecoberturaquefizduranteminhacarreiracomeçounodia22denovembrode2008.Eraumsábadoeestavadeplantão.

Naqueledia,o Jornal Nacionalexibiuaprimeirareportagemsobreaenchenteenãoimaginavaquecomeçavaaliumatragédiasemprecedentes.ChoviasempararháquasedoismesesemSantaCatarina.Naquelefimdesemana,choveu,sóemFlorianópolis,oequivalenteaummêsinteiro.AchuvaquecaiunoValedoItajaífoioequivalenteaquatromeses.Nosábado,mostramospontosdealagamentos,quedasdemurosepostesemdiversascidadesdoEstado,inclusivenaIlha.Demosanotíciadaprimeiravidaperdidaporcausadachuva:umameninaquemorreusoterradaemBlumenau.

EramasprimeirasinformaçõesdomaiordesastrenaturaldahistóriadeSanta

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Catarina:umaenchenteondeaspessoasmorreramsoterradas.Foram135vítimasqueperderamavidanosdiasseguintesporcausadosdeslizamentosdeterra.

Domingo,noFantástico,eujáfalavaemtrêsmildesabrigados.Osnúmerosnãoparavamdecrescer.Nosdiasqueviriam,asensaçãoeradequeaquelahistórianãoteriafim.Novasvítimas.Novossoterramentos.Casasdesabando.Aterraquesedesmanchavaedesciafeito“sorvetederretido”,noMorrodoBaú,emIlhota.Emumadasminhasprimeirasreportagens,fuiatrásdeumaexplicaçãoparaodesastre.LembrodaentrevistacomomajorMárcioAlves,coordenadordaDefesaCivil,quedisse:“Áreasquenãoeramnemconsideradaspelosgeólogosderiscodesmancharampelaquantidadedechuva”.

Difícilacreditarnoqueestavaacontecendo.FaleicomogeólogoJoãoCarlosRocha,quedisse:“Comopesodaáguapraticamentedobrandoopesodacamadadosolo,eledesceporgravidade,levandotudoqueencontrapelafrente:prédios,árvores”!

Naquelasemana,fuiparaaregiãodoValedoItajaíeconheciocenáriodeumacatástrofe.AprimeiravezquesobrevoeiaregiãodoMorrodoBaúfiqueiatônita.Nãoencontravapalavrasparadescrever.Comorepórterdetelevisão,sabiaqueo“olho”dacâmeranãoconseguiriamostraroqueestávamosvendo:umcomplexodemorrosrecortadosporimensasrachadurasqueengoliramcasas,pessoas,vidas.Montanhasquedesceramemformadeavalancheemudaramageografiadolugar.

Foiatravésdosolhosdeumpaide famíliaque senti,pelaprimeiravez,apossibilidadededardimensãoàquelatragédia.Emtelevisão,enfrentamosumdesafio:o tempo.Temosum,dois, emcasosexcepcionais trêsminutos,paracontarumahistória.Naqueledia,odepoimentodeAndréOliveiraocupariaumtempoenormedoJornal Nacional.LembrodaconversaquetivecomaeditoraÂngelaGarambonee ela concordou comigo:André entraria falando tudo, praticamente semcortes.Reproduzoaquipartedestahistóriadramática:

“No momento em que eu vi aquela tragédia, eu não acreditei. Subi em cima da primeira avalanche que deu, que derrubou tudo, eu escutei o chorinho da minha menina e fui tentar salvá-la, mas não consegui”.

Vierammais dois desmoronamentos e seis pessoas da família dele foramsoterradas.

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“Eu queria que Deus me desse pelo menos a oportunidade de salvar um para ficar de consolo. A minha esposa estava grávida, já tinha planos para o filhinho que ia vir, se fosse menina já tinha até nome, se fosse menino já tinha até nome. Eles encontraram a minha mulher segurando a minha menina”.

Meses depois, o capitão da PolíciaMilitarAmbiental de SantaCatarina,GeraldoRodriguesdeMenezes,contouahistóriadeumapessoadeSãoPauloqueviuareportageme,logodepois,seguiudecarroatéBlumenauparadarumabraçoemAndré.Ocapitãogravouacenadoencontroepudeveresteabraço.Provadequenosso trabalhocomojornalistasvaleapena.Naquelesdiasde tanta tristeza,conseguimosdespertaracompaixãodemilharesdebrasileiros.Muitosgestosdesolidariedadeemontanhasdedoaçõesquechegaramdetodososcantosdopaís.Diantedaquelamobilizaçãogigante,viquetemosumacapacidadeenormedemudar,demelhorararealidadequenoscerca.Podemosfazermuitomaisdoquefazemosnonossodia-a-dia.Estatragédiamostrouquenossacapacidadedeajudarosoutrosémaiordoqueimaginamos.

Porvezes,tiveoprivilégiodecontarashistóriasdosvoluntáriosetambémdegentequedemonstrouumaforçaimensaparaenfrentaraperda.Gentequeencontrouummotivoparanãodesistir,comooaposentadoFloriano.FaleicomelenumabrigodeBlumenaue,quandopergunteisetinhaperdidotudo,seuFlorianomedisse:

- não minha filha, eu não perdi tudo, eu ainda tenho um cachorro e um gato para cuidar.

Por Kiria MeurerRepórter

NúcleoGloboSC–RBSTV,Florianópolis

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Enxurrada trancada no peito

Núcleo Globo – Santa Catarina

Abarreira daPolíciaMilitarAmbiental impedia o acesso dosmoradores aoBraço doBaú, amaior das comunidades doMorro doBaú, em Ilhota.

Consideradazonavermelha,áreaderisco,sujeitaanovosdesmoronamentos.Paradasnobloqueio, as pessoas pediampassagem.Queriamver suas casas, salvar seuspertences,iniciarareconstruçãodopoucoqueficaradepé.Masaindachovia,muitaáguadesciadovaleeoterrenoeratraiçoeiro.Nabarreira,ospoliciaisseesforçavamparacontrolarador,aansiedadeeafrustraçãodasvítimasdacatástrofe.

Emocionado,ummajordaPolíciaAmbientalmerelatouque,numaexceção,haviacedidoaosapelosinsistentesdeumsenhordeoitentaanos.Ovelhinhoimplorarapararesgataralgomuitoimportantenosdestroçosdesuacasa.Acompanhadodomajor,depoisdealgumtempo,oidosoemergiucomumcarnêdeprestaçõesdeumamotocicleta.

-Este senhor havia perdido tudo. Não queria perder sua dignidade. Na cabeça dele, atrasar o pagamento não era decente, disse-meomajor.

IngressamosnazonavermelhadoBraçodoBaúcomoconsentimentoeaescoltadaPolíciaAmbiental.ComorepórterdaRBSTV,cobridesastresclimáticoscomoenchentes eo furacãoCatarina.Masaquiloquevina localidadedoMataPastoerasempar.Anatureza,emsuafúriadestrutiva,haviaalteradocompletamenteapaisagem.Dosdoisladosdovale,asencostasvieramabaixo.Umaquantidadeincalculável de lama, pedras e árvores desceuvelozdosmorros e soterrou tudooquehavianocaminho.Nestecenário,encontreiseuJorgeRaulino.Elefitavaamontanhadepedrasquecobriaoqueforaseugalpãodemarcenaria.Suacasatambémdesaparecera.SeuJorgecomeçouachorarcompulsivamente.Leveiumtempoatécompreenderqueaslágrimasnãoeramporsuasperdasmateriais.

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Quandoomundodesabounanoitedodia23denovembrode2008,seuJorgeenfrentouumverdadeirotestedesobrevivência.Pordramáticosinstantes–comacasaemcolapsoeemmeioàescuridão–eleprecisoudetodasasforçasparasalvaramulher,osdoisfilhoseamãe.Naquelesmomentosdedesesperoedecompletodesamparo,seuJorgepensouemsoltaramãodesuamãe,umasenhoracommaisdeoitentaanos,obesaedificuldadedelocomoção.Pensouemdeixarparatrásamãeparasalvarosfilhos.Agora,haviaentendidoarazãodochorodescontroladodeseuJorge.Choravaporculpa.Porumainjusta,masirremovívelsensaçãodeculpa.

-Qual filho pensa em abandonar a própria mãe? Que tipo de homem sou eu que pensou em deixar a mãe morrer?

OdesabafodeseuJorgemedeixouengasgado.Tenteiconsolá-lo.Dissequequalquerpessoa,nolugardele,teriaamesmadúvida.Eque,afinal,elenãodesistiudamãeesalvouatodos.Tudoemvão.Católicofervoroso,elenãoconseguiaseperdoar.Talvezotempo,sóotempo,lhetragapazdeespírito.

PasseidezessetediasnacoberturadatragédiaqueassolouoValedoItajaí.EstiveemBlumenau,ItajaíenoMorrodoBaú,emIlhota,nacompanhiadocinegrafistaFelipheAbreuedomotoristaeauxiliarGeovânioWollinger.Umtrabalhofísicoementalextenuante.Pormuitasvezes,marejeiosolhosetiveavozembargadadiantedaamplitudedadestruiçãoedadorimensurávelpelasvidasperdidas.

Reportarcomprecisãoeclareza,semrecorreràemoçãorasteira,dandovozàsvítimas,foinossodesafio.Lápelastantas,estavarealmentecansado.Umcansaçode testemunhar tanto sofrimento eme sentir impotente.Cheguei a duvidar denossautilidade.Pore-mail,reveleiessaangústiaaminhachefe,BrígidaPoli,quecoordenavaacoberturaemFlorianópolis.Arespostadelafoiumsoprodeânimo.Elasabiaque,porumaquestãodetempo,eunãotinhacomoacompanharacoberturapelaTV.Nemasreportagensqueestavafazendo,nemasmatériasrealizadasporoutrasequipes.Nãoenxergavaafloresta,sóaárvore.Nomeucaso,amaiorpartedotempo,oMorrodoBaú.

Noe-mailderespostaeemumaligação,BrígidamefezverqueoresultadodonossotrabalhoeraumaimensaondadesolidariedadequemobilizaraoBrasil.Toneladasdedonativoschegavamtodososdias.Milharesdepessoasseapresentavamcomovoluntárias.Acordeicomoespíritorenovadoparamaisumdiadetrabalho.

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Estefoiopapeldaimprensanatragédia.Informarbem.Beminformado,opovobrasileiroarregaçouasmangasetratoudeajudar.

Depoisdacatástrofe,volteioutrastrêsvezesaoMorrodoBaú.Percorridecarrotodoocomplexo.Aindaédifícilacreditarcomomontanhasquepareciamtãosólidasderreteramcomosefossemsorveteaosol.Apaisagemcontinuadesoladora.Famíliasvoltaramerecomeçaramsuasvidas.Continuamprecisandodeapoioerecursos.Opapeldaimprensa,agora,énãodeixá-lasesquecidas.Cobrardasautoridadesaajudaqueelastantonecessitam.

Não posso, neste relato, deixar de testemunhar o esforço incansável edestemidodaquelesquetrabalharam,porterraepeloar,noresgateàsvítimasdatragédia.Primeiro,priorizandoosocorroàsvidas,aremoçãodemilharesdasáreasderisco.Depois,nabuscadoscorposenadistribuiçãodossuprimentoseremédiosàsfamíliasdesabrigadas.Envolvidosemmissõescomplexasearriscadas,pormuitasvezes,tiveramagenerosidadedenosguiaraoslocaismaisremotos.Tambémnosembarcaramemvoosparaquenossascâmeraspudessemdimensionaraescaladatragédiaebuscarosdepoimentosdossobreviventes.Atodosvocês,muitoobrigado.

Volteiparacasa,emFlorianópolis,dezessetediasdepois.Abraceiminhamulhere,exausto,dormi.Nodiaseguinte,chorei.Tinhaumaenxurradatrancadanopeito.

Por Ricardo Von DorffRepórter

Núcleo Globo SC - RBS TV, Florianópolis

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Sempre alerta

Rede de Notícias Acaert – RNA/SC

Desde julho de 2007, aRNA – Rede de Notícias Acaert produz conteúdojornalísticoparaasemissorasde rádio,associadasàentidade.Diariamente,

sãodisponibilizadasmatérias factuais quevalorizamaprogramação jornalísticaregional.OmaterialéfornecidopormeiodositedaRede.Asemissorasderádiotêmseuloginesenhaparafazerdownloads.Destaforma,épossívelsaberquantasemissorasaproveitaramosboletins.

Comonãosetrataaindadeumserviçoaovivo,nossapreocupaçãoéveicular,omaisrápidopossível,matériasfactuais,comumplantãopermanentedaequipe.Nocasoespecíficodasenchentesdofinaldoanode2008,aprimeiramatériaproduzidafoinodia13denovembro,portanto,novediasantesdatragédia.“ChuvanãoparaemSC.DefesaCivilregistraproblemasecontinuaemalerta”.EraoprenúnciodoqueacontecerianoEstado.Apartirdaí,foramproduzidas90matériascomumtotaldequatromildownloads.

Naquelefinaldesemana,oplantãoeradocoordenadordaRNA, jornalistadiplomadoMarcoAurélioGomes:

No dia 22 de novembro, um sábado, a chuva não parava. Não conseguia dormir, preocupado com a situação no Estado. Quando soube pela internet que o nível do Rio Itajaí-açú subia, não tive dúvidas. Troquei de roupa o mais rápido possível e fui para a redação da RNA, que fica no centro da Capital.

Aprimeiramatériafoicolocadanositeà1h30dedomingo,dia23,comonúmerodedesabrigados,desalojadosevítimasfatais.Minhamaiorangústiaerasaberqueamaioriadasemissorasderádioestavatransmitindosuaprogramaçãonormaldamadrugada,geralmente,musical.Sabiaquepoucasestavamaovivo.Issonãoimpediuqueeucontinuasseaapurarosfatos.Noboletimdas7h40,anunciávamosqueváriasruasdeBlumenauestavaminundadasepartedacidadesemenergiaelétrica.

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Depoisdisso,seguiramasmanchetes:Acafecancelavestibular.PrefeitodeBlumenaupodedecretarestadodecalamidadepública.SuspensasascompetiçõesdoJASC.EnchenteemSantaCatarinamobilizaoutrosestados.ForçasArmadasajudamnoatendimentoaosdesabrigados.GovernodoEstadopedeajudaaosestadosvizinhoseaopresidenteLula.Vintepessoasjámorreram,amaioriavítimadesoterramento.Quatromunicípiosisolados:RiodoCedros,Pomerode,ItapoáeBeneditoNovo.

Confessoquefoiodomingomaislongodaminhavida.Odifícil,numasituaçãocomoessa,éobtereconfirmarasinformaçõesporváriosobjetivos.Primeiro,queasdimensõesdatragédianãopodemsermedidasrapidamente,oqueagravaaansiedadedequalquerrepórteremquererdaranotícia.Comunicaçãointerrompida,municípiosisoladosefaltadepessoastreinadasnasprefeiturasparadiagnosticarotamanhodoproblemaforamdificuldadesenfrentadas,principalmente,pelaDefesaCivilparaconstruirumquadrorealdasituação.

Nestas circunstâncias, a paciência na apuração dos dados é elementofundamentalda reportagem.Entendoqueuma informaçãoapressadaatrapalhaotrabalhodetodosqueestãonomeiodeumatragédia.Semdúvida,omeiorádiosempreteveumpapelfundamentalnessashoras,sendouminestimávelprestadordeserviço.

Lembroque,naocasiãodaenchentede2008,tenteicontatocomasemissoraslocais.Muitasforamatingidaspelaságuas.AsrádiosAtlântida FMeFURBnãosaíramdoar.Comotransmissoratingido,aRádioClubemandousuaprogramaçãoviainternet.Tenhoaconvicçãoqueodesempenhoresponsáveleprofissionaldosveículosdecomunicaçãocatarinensesfoidecisivopelaimensarepercussãosolidáriaquesealastrouportodoopaís,tirandoalgumasexceções,comoaentradacômicadaapresentadoraAnaMariaBraga,vestidacomroupacamufladadoExércitoeóculosescurosdegrife,diretodamargemdorio.

Paramim,ograndedesafiodojornalistaé“segurar”adramatizaçãodeumcenáriocatastrófico.Naansiedadedetransmitiroqueestávendo,éperfeitamentepossívelcairnatentaçãodeaumentaraindamaisoquadrodatragédia.Apesardosacontecimentos,cabeçafriaeresponsabilidadenãofazemmalaninguém.FoidestaformaqueaRNA seportoudurantetodaacoberturadosfatos.NossoprimeiroobjetivofoisetornarumelementoprestadordeutilidadepúblicapormeiodasemissorasdaRede.Acreditoqueconseguimosalcançaroobjetivo.

Comtantainformaçãoquerecebíamos,foinecessárioutilizarositedaAcaert

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paraasatualizações.PrecisamosregistrarotrabalhodeatendimentoàimprensadoGovernodoEstado,quemontouumaestruturanaDefesaCivil,paraquepudéssemosrealizarnossotrabalho.MéritostambémdosmajoresMárcioeEmerson,quedividiamseutempoatendendoaosmunicípios,àimprensaeadministrandoegosdepessoasque,lamentavelmente,pretendiamtirarproveitodasituação.TrabalhoimpecáveldacolegaSoledadUrrutiaquedeixouasfériasparamergulhardecabeçanotrabalho.

Asensaçãoqueficouéquetodosnóscorríamoscontraotempo.Aomesmotempoemquelutávamoscontraorelógioparadaranotíciaprecisaeainformaçãoquesalva,torcíamosparaqueachuvadesseumatrégua,paraqueaspessoasatingidasfossematendidasequeasmedidasemergenciaispudessemchegaratempo.Lembroquepassamos15diasemfunçãodacoberturadasenchentes.Engraçadoécomoas condiçõeshumanas se revelamnahoradador. Impossívelficar indiferente àtragédia.Naequipe,ajornalistadiplomata,repórterPatríciaGomesrevelaoquesentiuduranteacobertura:

Com o passar dos dias, a chuva não cessava e cada vez mais a tragédia se agigantava em números: casas indo ao chão, milhares de desabrigados, mortes - muitas mortes - a dor das famílias catarinenses, entrevistas com prefeitos de municípios atingidos, o acompanhamento diário da catástrofe feito diretamente da sede da Defesa Civil em Florianópolis. A sensação de impotência e a angústia por não saber quanto tempo mais seríamos submetidos a essa situação de sofrimento, nos traz um sentimento aniquilante. Não há como não se envolver emocionalmente durante a cobertura de uma catástrofe como essa. O coração doía e não aguentava mais tanta desgraça. Fiquei psicologicamente abalada, como várias vezes comentei aqui na redação da RNA.

ArepórteraindadestacaotrabalhoqueacompanhoudaequipedaDefesaCivil:

Organização, comprometimento e muita seriedade. Impressionante como eles lidam com uma situação de desastre. A forma de atuação da Defesa Civil catarinense chegou a ser elogiada, durante uma entrevista que fiz com o tenente-coronel da Defesa Civil do Distrito Federal, Reginaldo Souza, que trouxe uma equipe do DF para auxiliar Santa Catarina, assim como tantas outras equipes vieram nos prestar socorro.

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Aexperiênciacontamuitonotrabalhodecoberturatãogrande.OcoordenadordeproduçãodaRNA,radialistaSilvioLoddi,contasuaimpressãodatragédia:

Em eventos desta natureza é que o rádio mostra a efetiva força que tem. Pelas características peculiares de sua portabilidade, o rádio, na maioria das vezes, é o único elo que liga as fontes de informação e as pessoas envolvidas na tragédia – as que mais necessitam se comunicar. Trabalhar num projeto como o da RNA, que produz conteúdos exclusivamente para emissoras de rádio, aumenta ainda mais nossa responsabilidade. Uma das minhas reportagens sobre a tragédia foi no final da tarde do sábado, dia 22 de novembro. Estava de plantão e a RNA foi convocada para uma coletiva de imprensa no Centro Administrativo do Governo do Estado.

Após uma longa reunião com secretários, diretores de estatais e comandantes militares, o governador Luiz Henrique da Silveira decide decretar situação de emergência. As perguntas dos jornalistas se concentravam nas ações administrativas e nos recursos que o chefe do governo catarinense iria buscar em Brasília no dia seguinte.

Nossaintervençãoteveofocodorádio.“Qualarecomendaçãoqueogovernadorfazparaapopulaçãoatingida?”ELuizHenriquedisse:“Ah,issoémuitoimportante.Éprecisoquevocêqueestámeouvindoagora,sepossível,fiquedentrodasuacasa.Nãodeixeascriançascircularempelasáreasalagadas,evitandoacontaminaçãoepicadasdeanimaispeçonhentos.Aságuasvãobaixare,embreve,chegaremoscomosocorro”.Orádiocumpriasuamissão.

Por Marco Aurélio GomesCoordenador

Rede de Notícias Acaert – RNA, Florianópolis

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Dor e indignação

Rede Independente de Comunicação – Ric Record

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Eramquase5 horas damanhãdodia 22denovembrode2008, um sábado,quandomeucelulartocou.ChovianoValedoItajaídesdeofinaldeagosto.Não

melembroquemestavadooutroladodalinha,masfalavadeumaexplosãonaBR470,entreBlumenaueGaspar.Semvítimas.PreguiçosoedeplantãonaTVnofinaldesemanaquecomeçava,vireiparaoladonacamaecochileimaisalgunsminutos.Emseguida,recebialigaçãodocolegaCaioSantos,repórtercinematográficodaRic RecordBlumenau, queacompanhavaa explosãodeuma tubulaçãodaSCGás,narodoviafederal,ocorridamenosdeduashorasantes.Relatouagravidadedasituação.

Aquelesdoistelefonemas,antesmesmodeamanhecer,foramoprenúnciodosdiasqueestavamporvir.AescaladeplantãomecolocavaparafecharoJornalMeioDiadaquelesábado(carrochefedaRic Record Blumenau,líderdeaudiêncianafaixahoráriadomeio-dianaregião).Comosempreacontecenosfinaisdesemanadeplantão,jornalistastorcemparaquenadaaconteçaparapodercurtircomafamília,amigosoucomquemquerqueseja.Masaquelenãoeraumfinaldesemananormal.FoiquandocomeçouamaiorcatástrofeclimáticadeSantaCatarina.

Oplantãopreguiçosodeulugaràpreocupação.Choviamuitoeosproblemascomeçavamapipocar.A escala reduzidadofinal de semana, comoem todososveículosdeimprensa,começavaanãodarcontadademandadeinformações.Mesmoassim,fizemosumjornalcombastanteconteúdonaquelesábado,semnuncaimaginaraproporçãodoqueestavaporvir.Osalertas foramdados,apesardasautoridadesbuscaremtranquilizarapopulação.Nãoascondeno.Hojeperceboquenãohaviacomoperceberumatragédiadestaproporção,mesmocomtodaatecnologia.Quemimaginariaquemorrosinteirosviriamabaixo?

Aáguainvadiaváriasruasdacidade,entreelasaRuaDasMissões,ondeestálocalizadaa Ric Record,emBlumenau.TerminadooJornal Meio Dia,discutíamosoquefaríamos.OdiretorregionalRobertoBertolin,oâncoraAlexandreJoséeeu,

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coordenadordejornalismo.Aemissoranãotemtelejornalànoitenosábadoe,emtese,sóteríamosjornalismonasegunda-feiranocomeçodamanhã,noSC NO AR.Percebendoagravidadedasituaçãoclimática,adireçãodaRic Recorddecideexibirumtelejornalespecialnafaixahoráriadas19horas.Eraomomentodetentararregimentaraequipeparaasnotíciasqueviriamporaí,masasdificuldadeserammuitasemmeioaocaosquecomeçavaaseinstaurarnacidade.

Ogrupoestavareduzido,dispersoe,parapiorar,oscolegasEmersonLuiseCaioSantospartiramnoiníciodatardeparaacoberturadosJogosAbertos,quecomeçarianaquelefinaldesemanaemTimbó,IndaialePomerode.Aoentraremcontatocomoscolegasqueestavamdestand by(nareserva,jargãoparaexplicaroprofissionalquenãotrabalhanaqueledia,masemcasodeumfatoexcepcionaléchamado.)edefolga,descobrimosquemuitosviviamdramasparticularesouestavamempenhadosemajudarfamiliares,amigosedesconhecidosatingidospelaforçadaágua.Algunscolegasestavamilhados.Restava,naquelecomeçodetragédia,poucosprofissionaisparacomeçaracoberturadeumdesastreclimáticodeproporçãonuncavistaantes.

O telefonedaemissoracomeçoua tocarmaisseguidamentenaquelesábadoà tarde.Deplantão,ovigilanteSérgioVeras atendiaas ligaçõese repassavaparaojornalismo.Eramrelatosdeproblemasemdiferentesbairrosdaregiãoecidadesvizinhas.ABR470estavainterrompida,porcontadaexplosãodogasoduto,notrechodeGaspar.Osdramasaumentavame,comeles,asnotícias.Cabiaanós,jornalistas,buscá-lasepassaràspessoas.

Oplantãotranquiloficounasaudade.Comaequipedesfalcada,restouparamimatarefadeverificardepertooqueaspessoasnãoparavamdedizeraotelefoneparaSérgio.ComocinegrafistaDemianLenine,fuiparaaregiãodaRuaPedroKraussSenior.Ocenárioeradesolador.Erasóoprimeirodia.Muitacoisaestavaporvirenãodemoroumuito.Olhandoosestragosnaregião,umadasmaiscarenteseviolentasdacidade,veioainformaçãodaprimeiramorteregistradanacidade,apoucosquilômetrosdeondeestávamos.EueDemiansaímosvoando.

AochegarnumatransversaldaRuaAraranguá,oclimaeradedoreindignação.Assim,fomosrecebidospelosmoradoresdacomunidade,carentedeinfraestruturabásica,maslocalizadapróximoàregiãocentraldeBlumenau.Familiares,vizinhosecuriososhaviamacabadodeacompanhararetiradadocorpodameninaLuana,detrêsanos,eolhavamosescombrosdacasaondeelamoravacomafamília.Enquanto

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Demianregistravatudo,eunãoacreditavanoqueviaebuscavainformaçõescommoradoresecuriosos.Estavaimpressionado,maseraapenasocomeço.

Às19horas,fizemosumbomtelejornal,estadualizadoecomparticipaçãoaovivodaspraças.Contamoscomofoiosábadodemuitachuva,falamosdaexplosãodogasodutoedamortedapequenaLuana.Apalavradeordemdasautoridadeseraaindatranquilidade.OrioItajaí-açu,eternovilãodastragédiasemBlumenau,estavaaumentandodenível,maslongedeprovocarumaenchente.Nãoimaginávamosqueatragédiaviriadosmorroseencostasdacidade.Fuiparacasa.

Penseiquetalvezfossehoraderelaxareaproveitarafolgaquerestavanofinaldesemana.Comodecostume,aculináriaseriaopassatempodanoitedesábado.Nemmelembroocardápiodaquelajanta,masrecordoqueterminamosagastronomiasemiluminação,assimcomoboapartedacidade.Achuvainsistiaemcair,cadavezmaisameaçadora.Barulhosouvidosaolonge,maseraimpossívelimaginarquemorroseárvorescomeçavamavirabaixo.Horadedescansarocorpocansadoetentarsonharcomumdomingodaquelesrotineiros,quandoapenasaequipedereportagemqueestavadeplantãoteriaquecobrirosestragoscausadospormaisumadastantaschuvasqueBlumenauestáacostumada.Masaquelaeradiferente,jamaisvista.Semsaberainda,tenteidormir.

Namadrugadadedomingo,novamentefuiacordadoporumachamadainesperada.Emvezdeumtelefonema,acampainha.Osíndicodoprédioondemorocomminhaesposaalertavaparaanecessidadedetirarmososcarrosdagaragem.AáguadoRibeirãodaVelha,quedivideoedifícioeoClubeVastoVerde,estavatomandocontadopátio.Dezenasdehomensemulherescomcaradesonolevavamosseusveículosparaumarualateral,maisalta.Oclimaeradeapreensão.Omedosóviriananoiteseguinte.

Domingopelamanhã,nãotinhajeito.Assimqueacordeifuiàemissoraparasaberoqueestavaacontecendo,entenderadimensãodosestragos.Semenergiaelétrica,estavailhadoemcasaehaviaapossibilidadedeficarsemcelular,porqueabateriaestavaacabando,oquemedeixariaaindamais“desplugado”.Naruaondemoro,aáguabarrentaatingiaotérreodoblocovizinhoechegavapertodanossaentrada.NocaminhodoBairroVelhaaPontaAguda,sededaRic Record,aconfusãoeragrande,porcontadosinúmerosalagamentos.Motoristaseramobrigadosafazermanobrasarriscadasedesconhecidas.Ruasinteirasestavamalagadasefamíliasforamresgatadasdesuascasas.

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Nachegadaàemissora,outrosinal.ParatrafegarpelaRuadasMissões,ondeestamoslocalizados,somentenosentidobairro-centro.Apartirdonossoprédio,aáguatomavacontadasduaspistas,umdoscaminhosparasechegaràrodoviária.OspoucosemesmoscolegasqueestavamnaTVmostravam-sepreocupados.Otelefonenãoparavacomnovasinformaçõesdetragédias.Desabrigadospassavamasercontadosàsdezenasetudopareciafugirdecontrole.

Tentamos recrutar os colegas disponíveis, quem estava por perto e tinhacondiçõesdechegar.AngélicaSattlereRobertaKokijuntaram-seamim,aAlexandreJosé,AndréSantoseLuisDeluca.AequipeescaladaparacobrirosJogosAbertos,EmersonLuiseCaioSantos,jávoltavadeTimbó,revezando-seentreregistrarastragédiasqueviampelocaminhoesepreocuparcomfamiliaresemBlumenau.OdiretorregionalRobertoBertolineovigilanteSérgiotambémestavamjuntos,assimcomoHenriqueZanotto.

ARic Record abriu espaçonaprogramaçãonacional da rede e começou atransmitirprogramaçãoaovivoparatodoEstado.Porvoltadomeio-dia,oitomortesjáestavamconfirmadasnacidade.Aáguaameaçavainvadiraemissoraechegavapertodogeradordeenergia.Asituaçãoficavamaisperigosa.Nocomeçodatarde,ogovernadorLuizHenriqueestavanacidade,acompanhandoosestragoseconhecendooQGmontadonaPrefeitura. Jornalisticamente, a palavra dele era importante econseguimosgarantirasuapresençanonossoestúdio.Porvoltadas15horas,LuizHenriqueentrounasedecomáguapoucoabaixodacanela.Emredeestadual,deusuavisãosobreatragédiaquesedesenhava.

FoiaúltimatransmissãodaemissoradeBlumenauatéanoitedeterça-feira.Naquelemomento,depoisdafaladogovernador,umadecisãodrásticafoitomada.Eraprecisosubirosequipamentosparaosegundoandar,poisaáguaameaçavaentrarpelalateraldoprédio,muitopróximodeondeestálocalizadaaáreaoperacionaledejornalismo.Ummutirãofoifeitoparacarregarcomputadores,câmeras,fitas,armários,ilhasdeedição,televisores,mesasdesomemonitores.Numadassubidas,espatifei-menochãomolhadocomummonitordestes,quenãoquebrou,masnuncavoltouafuncionar.Parapiorar,fiqueicomdornascostasporalgunsdias.

Finaldatardededomingo,erahoradevoltarparacasa.MinhaesposaestavacomigonaTVesaímosdelácomágua,agorasim,batendonascanelas.Sabíamosquenãohavialuzemcasaenãotínhamosnemlanternaenemvela.Impossívelachar

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estabelecimentocomercialabertoemmeioaocaos.ComoumdosúnicoscaminhospossíveisparavoltarparacasaeraoMorroPetrópolis,ondePriscilasecriou,nósparamosnacasadeumavizinhaeconseguimosduasvelas.Osistemadetrânsitonãoexistiamaiseeramuitoarriscadodirigir.Asubidadomorrofoiumaaventuraperigosa,commuitaáguadescendo.Parachegaremcasa,foiprecisotrafegarumtrechograndedaRuaJoãoPessoaemcontramão,comáguaportodososlados.Asruasestavamalagadaseintransitáveis.Emfrenteaonossoprédio,águanohalldeentrada.Deixamosocarronovamentenaruaaolado,maisalta.

Cansados e commedo, acompanhamos a noite na escuridão, com sonsmuito fortes.Eram estrondos que ainda não sabíamos identificar: barulhos quepareciamindicarárvorescaindoeosruídosdascorredeirasqueoribeirãodaVelhaproporcionava.Emumdeterminadomomentodanoite,elepareciaumriovolumoso,tamanhaaforça.OClubeVastoVerde,opátioeaentradadonossoprédioearuaeramumacoisasó,umgrandeefuriosorio.Parapiorar,oestrondodeumaexplosãoelabaredasaolonge.Eramaisumatubulaçãodegásqueexplodia,destaveznaregiãodoBelchior.Semvítimas.Omedosóaumentava.

Preocupada,minha esposa Priscila questionava o que fazer e falei quedeveríamosesperarodiaamanhecer.Nadapoderiaserfeitoduranteamadrugada.Brinqueiqueoúnicoriscoquecorríamoseraoprédiocair,poistínhamosestoquedemantimentospara,pelomenos,umasemana,emcasodeficarmosilhadosseaságuasnãobaixarem.Fomosdormir,mascomolhosabertos.Osbarulhosdecoisasvindoabaixodominaramamadrugadaescura.

Aoacordarnasegunda-feira,viqueaáguadeuumaligeiratréguaemfrenteaomeuprédio.Pegueiocarroefuiparaaemissoraveroqueerapossívelfazercomosequipamentosdesmontados.Nocaminho,maisconfusoainda,asconsequênciasdaquelessonstodosdamadrugada.Árvores,placas,postesemorroscaídos.Casas,lojas,estabelecimentosecarrossoterrados,barroportudo.Pessoasdesesperadas,nervosas,desamparadas.

Felizmente, a águanão invadiu a emissora e, namanhãdodia 24, estavamenosameaçadora.Deformaabsolutamente improvisada,começamosa remontarminimamenteatelevisãoparaqueelavoltasseafuncionar.Quemestavaláeraescaladoparairàsruasemostraradimensãodatragédiaqueacontecia.Aspautasestavamemcadaesquina.Acadaminuto,novorelatodedesmoronamento,detragédia,demortes.

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Muitosdestesrelatosnãoseconcretizavamnamesmaproporção,felizmente.Poroutrolado,muitasdashistóriassuperavamoquesepoderiaesperar.

AlerteiacoordenaçãodejornalismodaRic Record,emFlorianópolis,paraadimensãoeaprecariedadequenosencontrávamos.Assimcomoemváriossetores,pedisocorroparareforçarasequipesdetrabalho.Enquantotentávamosnosdividirentrearemontagemdaemissoraeacoberturadatragédia,aajudaafamiliares,amigosevizinhoseosproblemasindividuaisfaziampartedanossarotina.Maiscolaboradoresforamchegando.Nohoráriodoalmoço,saímoseueascolegasAngélicaeRobertaparaencontraralimentaçãoaquemestavatrabalhando.Lama,entulhos,móveisemuitasujeiraeraocenáriodasruas.Pessoascomvassoura,mangueiraepásnasmãos.Muitagenteconsternadapelascalçadas.Destruiçãoportodososlados.

Semtransportecoletivo,acidadeestavaliteralmente“fechada”.Comamaioriados funcionários “ilhados”, poucos estabelecimentos abriram as portas.Os queabriramapresentavamlongasfilas.Conseguimoscompraralgunslanchesemumpostodecombustível,pertodaminhacasa.Aproveiteiparavercomoestavaasituação,poissemluzetelefone,minhaesposaestavaincomunicável.Aochegarpróximodeondemoro,susto.Vizinhoscarregavammobíliasepertences.AorientaçãodaDefesaCivileraqueevacuássemosoprédio.Abobabrincadeiradanoiteanterioracabouserevelandoumapremonição.

Aforçadaáguacomeuboapartedoterrenoe,maisumpouco,atingiriaumdosalicercesdoprédio.Achuvadavaumatréguaeoribeirãobaixarabastante,oquemedeucertatranquilidade.Erasónãochovermais.ReservamosumavagadoHotelViena,doamigoLucianoMonteiro,querecebiadezenasdedesabrigados,masdecidimosesperarparaveraevoluçãodascoisase,nofinaldascontas,acabamosficandonoapartamento,depoisqueaenergiaelétricafoirestabelecidanaregião.

Desmontarumaemissoradetelevisãoemsituaçãodeemergênciafoifácil,mas remontá-la emuma situação tambémdeemergência eramuito complicado.Istoconsumiutodasegunda-feira.OsinaldaRic Record,queostelespectadoresdeBlumenaueregiãorecebiamemsuascasas,eradeFlorianópolisenãodeBlumenau.Deformamuitoprecária,conseguimosfazerparticipaçõesaovivonostelejornaisem rede estadual e assimpassar informaçãodoque estava acontecendo.Apesardesta condiçãooperacional, pelomenosquatro equipes de reportagem tentavamdarcontadoquevinhaacontecendonasruas.Outraspessoasficavamnaredação

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recebendo,monitorandoerepassandoasinformaçõesque,naquelemomento,eramcontraditórias,alarmantesetrágicas.

Conseguimos,finalmente, fazeroprimeiro jornalaovivodeBlumenaunaterça-feira(25)ànoite,noespaçodoRic Notícias.Registramosmaisde50mortesnaregião.Entretantas,teveamortedeumasenhoranaRuaMartinLuther,apoucosmetrosdaPrefeitura,naregiãocentraldeBlumenau,eadeumafamíliainteiraemGaspar.RegistramostambémosprimeirosresgatesnoMorrodoBaú,asituaçãodemilharesdedesabrigadoseosdonativosquecomeçavamachegar.MostramososatendimentosmédicoseaverdadeiraForça-tarefadoExércitoBrasileiro,queestavasendomontadaemBlumenau.

Aliás, aqui é importante fazer uma referência aoExércitoBrasileiro. Seocenárioeoclimaeramdeguerra,o trabalhodosmilitares foi fundamentalnadefesadavida,salvandodezenasdelaspormeiodehelicópteros,carrosanfíbiose,principalmente,homensquearriscaramsuasvidasemumterrenoameaçadorparasalvarpessoasefazerchegaralimentoseagasalhosaoutras.OqueelesfizeramfoidignodeorgulhoereconhecimentoeternoporpartedopovoblumenauenseedoValedoItajaí.

Osdiasqueseseguiramforamdemaistrabalhoainda,comjornaisdemaisduashorasdeduraçãonohoráriodomeio-dia, apresentadoporAlexandre José.DemoramosdoisdiasparaconseguirnosreestruturaremtermosdetransmissãodesinaldeprogramaçãodaregiãodeBlumenau.Assimquecomeçamos,fizemosumacoberturaampla,commuitainformação,imagense,principalmente,serviço.Apartirdequarta-feira(26),oJornal Meio Dia,carro-chefedaprogramaçãolocaldaRic Record,voltouaserexibidoregionalmenteeprestouumimportanteserviço,commaisdeduashorasdeduração.Achuvadavaumapausa,masosrelatosdatragédianão.Haviamuitainformaçãodesencontradaenãoconfirmada.

Amídianacionaldespertouparaagrandezadatragédiadeterçaparaquarta-feira,quandoasredesdeTVnacionaismandaramseusprincipaisprofissionaisparacá.Emumprimeiromomento,acoberturaficoumuitofocadaemItajaí,porcontadaforçadasimagensdacidadeembaixod´água,dadificuldadedecomunicaçãoedesechegaraBlumenau.OsjornalistasWilliamBonner,Datena,CacoBarcellos,BritoJreRobertoCabrinipassaramporaquiepresenciaramcenasdeguerra,dedesolação.TiveaoportunidadedeconheceredarsuporteaotrabalhodeRobertoCabrini.

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AcolegaAngélicaSattlervirouorostodainformaçãosobreatragédiaparatodoopaísnaquelesdias.InstaladanoQGmontadonaPrefeituraparaajudaàsvítimas,elaentrouaovivoparaváriosprogramasetelejornaisnacionaisdaRede Record,assimcomoparaafiliadaslocaiseaindaRecord News.Emapenasumdia,foram17participaçõesaovivoemtelejornaisdetodooBrasil.

Afaltadeprofissionaisdosdoisprimeirosdiasdeulugaràfartura.Detantorecrutargenteeequipamentos,chegamosatercincoequipespelamanhãeoutrascincoàtarde.ColegasvieramdeFlorianópolis.Osqueficaramilhadosestavamdevoltaemuitosforamcontratadosemcaráterdeemergência,principalmentecinegrafistaseeditores.NaredaçãodaRic,aindaimprovisada,eracadavezmaioronúmerodecolaboradoresqueeununcahaviavistoantes.

Ouviam-sehistóriasde“corpossendoenterradosnofundodoterrenoondemoravam”,“devalascomuns”.OMorrodoBaú,emIlhota,“teriamaisdeumacentenadevítimasfataiseelasseriamenterradaslámesmo”.Aqueletrágicocaminhãofrigorífico, trazidoparacápara receberos corposquecomeçavamaabarrotaroIGP,antigoIML,pioravaashistóriasemexiacomoimagináriodeumapopulaçãoapavorada.Omedodominava.Autoridadeseimprensaseuniamemtentaracalmarosmoradores.

Quandoouviqueaponteda“Moellman”,amaisconhecidadeBlumenau,quedáacessoaocentro,estavacaindo,penseiporalgunssegundosqueeraofim.Nãorecordosefoinaterçaouquarta-feira,achoquefoiterça,masimagineio“fimdomundo”,apesardenãoacreditarmuitonestascoisas.Foirápido.Imediatamentecontatamosumadastantasequipesqueestavamnasruaseveioanotícia.Oquecedeufoiumadascabeceirasdapontee,emprincípio,nãohaviariscodaestruturavirabaixo.Ufa,umproblemaamenos!

Houveexcessosdaimprensaepolíticosbuscaramtiraralgumtipodeproveitoeleitoralnatragédia.Masobomsensoimperounosprimeirosdiasetantoosveículosdecomunicaçãocomoasautoridadesdesempenharamopapelqueseesperavadelesemummomentodetragédiacomoaquele:informar,orientar,prestaroserviçoeacalmaraspessoas.Foiimpossível,porém,nãoregistrarasmortes,adordaperdahumanaouadeumpatrimônioconstruídoaolongodeumavidaindopararembaixodaterra.

As imagensda tragédia, emBlumenau, corriamomundoe sensibilizarama opinião pública.A cobertura jornalística, naqueles dias sequentes,mostrou o

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trabalhoderesgate,atendimentoeabrigodemilharesdeatingidos,eprovocouumverdadeiromutirãocomunitário.Pessoasdeváriaspartesdoplanetasemobilizaramparaajudardediversasformas.DoaçõescomeçaramachegaremuitagentefoiaoValedoItajaíparadarsuacontribuição,sejacarregandomantimentos,amparandopessoas,limpandoruasecasas,outantascoisasmais.Diga-sedepassagem,seháalgodepositivoaregistrarnestasituaçãotoda,éaforçadopovoblumenauenseeasolidariedadedobrasileiro.Foramcomoventes!

Infelizmente, estamobilização todadurouapenaso tempoda comoçãodeumatragédiaatésurgirapróxima.Ouseja,nãomaisdetrêsmeses.Umanodepois,a situaçãoéprecáriana região, emespecialBlumenau, aprincipal cidade,onde1.120pessoasestãovivendoemmoradiasprovisóriaseocadastroapontaqueháumdéficitdemoradiadecincomilunidades.Atéomomentoqueescrevoesteartigo,nosúltimosdiasdesetembro,nãohánenhumamoradiadestinadaàsfamíliasatingidassendoconstruída.OprojetoMinhaCasa,MinhaVida, daCaixaEconômicaFederal,aindatransitanoslabirintosdaburocracia,expressãousadapelasautoridadesparajustificar a demora.Hápromessaque, ainda este ano, comece,masdificilmentealguémreceberámoradiaantesdoprimeirotrimestrede2010.

Algumascampanhasdasociedadecivil,instituiçõesegovernosestrangeirosviabilizarammilhões de reais para seremdestinados à construção demoradias.Dinheiroque,namaioriadoscasos,veiodedoações.ExceçãoéparaosrecursosdoGovernodaArábia,cercadeR$6milhões.Conformeamplamentenoticiado,osrecursosjáestariamdisponíveis.Mesmoassim,nenhumacasafoiconstruídaemSantaCatarina.SituaçãosemelhanteacontececomacampanhapromovidapeloInstitutoRessoar,braçosocialdaRede Record de Televisão,naqualR$10milhõesforamdestinadosparaerguer630casasnoEstadoepoucasdelasforamconstruídas.EmBlumenau,porexemplo,ondeexistemrecursospara100casas,nãohánenhuma.Nemperspectiva.

Poucomaisde24ruas,setepontesequatropassarelasestãosendoconstruídaserecuperadas,numaengenhariacujodinheiroédoGovernoFederalequemexecutaéoGovernodoEstado,pormeiodoDeinfra.Omunicípio,principalinteressado,assisteàsobrasdemãosatadas.Trêspontesjáforamentregueseocronogramaprevêquetodoserviçoestejaconcluído.Apesardisso,obrasfundamentaisparaacidade,asdemacrodrenagem,aindaestãonoprojeto.Emalgumasviasprincipais,comoa

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RuaItajaí(entradadacidade,nasproximidadesdoComplexodoSesi)enaDoisdeSetembro,osburacosabertosdãodimensãodaforçadanaturezaedainérciaparaenfrentá-la.

Apesar da reestruturação da estrutura pública, principalmente no caso daDefesaCivildeBlumenau,elaéinfinitamentemenorqueademandacriadaapartirdenovembrode2008.Opequenonúmerodefiscaisimpedeotrabalhopreventivodeocupaçãodeáreasirregularesederisco.Parapiorar,ascraterasexpostasnosmorroseosalertasdameteorologiapreocupam.Osproblemaseosriscossãograndes.Nãoestamospreparados,apesardetodoknow howmacabroqueatragédiatrouxe.

Por Alexandre GonçalvesRepórter

Rede Independente de Comunicação – Ric Record, Blumenau

Víveres!

Secretaria de Estado de Comunicação / SECOM

Pilotos, tripulantes,bombeirosepoliciaismilitares,geólogos,voluntários,jornalistas,cinegrafistas,repórtereseapresentadoresdeTV“tomaramde

assalto”umapequenaáreadoAeroportoInternacionaldeNavegantes,numvai-e-vemfrenéticodiário.EstefoiocenárionocentrodecomandodamaioroperaçãodeDefesaCiviljárealizadanoBrasilpormaisde15dias.

Partedoestacionamentoparaaviõesdecarreiracedeulugarahelicópteros.Ogramado,entreapistaeoestacionamento,passouaserutilizadocomoáreapara decolagemdos helicópteros.A sala de desembarque virou refeitório; asesteirasparatransportedebagagem,poltronas;oscorredores,salasdeembarqueedesembarquedasequipesdejornaletelevisão;oauditório,saladereuniõesegestão.Cincosalinhasdisponíveisforamutilizadasparacomando,controledevooeassessoriadeimprensa.

Na assessoria de imprensa, o drama era virtual. Ficávamos sabendodasituaçãoenfrentadapelosmoradoresdaregiãoatravésderelatosdosmilitaresenvolvidosnaoperação,sobocomandodocomandantedoBatalhãodeAviaçãoda PolíciaMilitar de SantaCatarina, tenente-coronelMiltonKern Pinto, edos repórteres, entre eles a repórter fotográfica daSecretaria de Estado da Comunicação,NeivaDaltrozo.

Acredito que nenhuma tragédia brasileira tenha sido tão documentadaquantoesta.OmaterialfotográficodisponibilizadopelaSecretariadeEstadodaComunicaçãocirculou,alémdoBrasil,emváriaspartesdomundo:Alemanha,Canadá,Dinamarca,Espanha,Inglaterra,China,SuéciaePortugal.

Namedida do possível, tentamos atender a todos os profissionais deimprensa,semprivilégios.Nonossobalcãodecheck-in,aesperapelahoradoembarqueobedeciaaordemdechegada.Opreçodapassagem,apaciência.

Nãorecebemosumareclamaçãosequerporatrasosdeembarque.Alguns,

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superioresa5horas.Nosdiasmaiscríticos,otransportefoisuspenso.AprioridadesemprefoioatendimentoàpopulaçãoeaentregadeVÍVERES.

Por Vitor Hugo LouzadoExecutivo de Imprensa

Secretaria de Estado de Comunicação / SC

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Dinâmica da assessoria de Imprensa

Secretaria de Estado de Comunicação / SECOM

Dia 22denovembrode2008, sábado,final da tarde.EstouvoltandodeRioNegrinho,NortedoEstado,ondefuicomprarumsofápraminhacasanova.

Aregiãocontacommuitasfábricasdemóveisdequalidadeepreçosconvidativos.Enfim,conseguiadquiriromeulindo,grandeeconfortávelsofá-nãoaguentavamaisaquelesofá-camadepromoçãoqueafundavaacadavezqueeumesentava.

EuemeumaridovoltávamosdecarrodeRioNegrinhoparaFlorianópolisquando,aopassarpelaSerraDonaFrancisca,recebemosumtelefonemadaminhasogra.Elaestavacomumtomnavozdepreocupaçãoequeriasaberondeestávamos,seestavatudobem,porque,segundoela,omundoestavaseacabandonoEstadoporcausadaschuvaseojornallocaljáestavadandoanotícia.Eurespondiaminhasograqueestavatudobem,quenãopegamoschuvaemRioNegrinho,pelocontrário,osolapareceudurantequasetodoodianaquelaregiãoeaestradaestavatranquila,comtemposeco.Apesardelanãoteracreditadomuitoemmim,pediu-meparaquetomássemoscuidadoduranteaviagem.

Bom,nãoseise foipeloavisodaminhasogra,ouse foiaLeideMurphy mesmo,sóseiqueassimquedesligueiotelefone,achuvacaiucomtudo.Naquelemomento,estávamossaindodaSC301,entrandonaBR101.MeuDeus,quechuvaera aquela!Nãodavapra enxergar quasenadana estrada.Ovento estava superforteepedaçosdeárvoresatingiamasencostasdaBR.Eopioréquenãodavaprapararemlugarnenhumparaesperarachuvapassar,porque,comoeujádisse,nãoenxergávamosquasenada,nemoacostamento,muitomenosumpostodegasolinaoualgoparecido.Enfim,viemosemfila indiana,a30kmporhora,comotantosoutroscarrosquedeviamconterpessoastãoassustadasquantonós.Apósoepisódio,conseguimoschegarcomsegurançaemFlorianópolis.

Entreiemcasa,ligueiaTVevieramasnotícias:“ChuvasfortesatingemoNortedoEstado”,“SantaCatarinaéatingidaporforteschuvasevendaval”,“DefesaCivilalertaparanovostemporais”.Imediatamentetelefoneiparaodiretordeimprensada

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Secom,JoséAugustoGayoso,meuchefe.Eleinformou-menaocasiãoqueaDefesaCivil estava emalerta e que, qualquer emergência, convocaria toda a equipedeimprensadoGovernodeSantaCatarinaparaauxiliaraassessoriadaDefesaCivil.Desligueiotelefoneerezeiparaqueasituaçãonãoseagravasse,principalmenteemBlumenaueItajaí,locaisemqueoníveldosrioscomeçavaasubiracimadanormalidade.

Odomingochegoueninguémmeligou.Comofaçotodososdomingos,entreinosistemadenotíciasdoGovernodoEstadoparaeditarasmatériasebaixá-lasnositewww.sc.gov.br/webimprensa.Naquelemomento,aparentemente,osestragosqueachuvahaviacausadoemalgumasregiõesdoEstadoestavamsendomonitorados,comodecostume,pelaequipedaDefesaCivilEstadualeEpagri/Ciram,responsávelpeloacompanhamentodameteorologiadeSantaCatarina.

Durantetodoodiadasegunda-feira,achuvatinhadadoumatrégua,oquepareciaumasinalizaçãodemelhoradotempo.Masnoperíododanoite,asituaçãoeraoutra.ChoviasempararemFlorianópoliseasnotíciasnaTVeramdeforteschuvasemoutraslocalidadesdoEstado,principalmentenaregiãoNorte,ondeficamBlumenau,Itajaí,Ilhota,etc.MesmocomoquadrodetempestadesqueseformavaemSantaCatarinanaquelemomento,nãoimagineiquepudesseevoluirdaformacomoaconteceu.

Na terça-feira,dia25denovembro,aochegarnomeulocalde trabalho,aSecretaria da Comunicação doCentroAdministrativodoGovernodoEstado,recebiumrecadodeGayosoparaentraremcontatocomSoledadUrrutia,assessoradeimprensadaDefesaCivilnaquelaocasião,eauxiliá-lanoquefossepreciso.TelefoneiparaelaemseguidaeSol,comooscolegasachamam,estavaexausta,poistinhapassadaanoiteanterioremclaronaDefesaCivilatendendoàdemandadaimprensalocalenacional,queprocuravamsaberqualarealsituaçãodoEstadoemrelaçãoàschuvas.Desligueiotelefonee,acompanhadadaminhacolegaJulianaGomes,fuiparaaDefesaCivilsubstituirSoledadnaassessoriadeimprensadaqueledia,paraqueelapudesseirparacasadescansar.NaDefesaCivil,fomosaospoucostomandopar da situação, para que tivéssemos aptas a repassar as informações corretas àimprensadetodoopaís.

Oprimeiro telefonemaqueatendinaquelaocasiãomepegouumpoucodesurpresa,poisosaparelhoscelularesquenosderameramparasomenteatenderàimprensa,poisessesnúmerosconstavamnositewww.defesacivil.sc.gov.brcomo

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assessoriadeimprensa.Masapessoadooutroladodalinhanãoeranenhumcolegadaimprensae,sim,umparentedesesperado.Agoranãomelembroonomedorapaz,maselediziaqueeradeRecife eque tinha recebidouma ligaçãodeBlumenauafirmandoqueseuirmão,quemoravaapoucotemponacidade,haviamorridoemdecorrênciadeumdesabamento.Essaeraaúnicainformaçãoqueeletinha,poisaligaçãotinhacaído.Elenãosabiaquemhavialigadoenãoconseguiacontataroirmãopelocelular.Orapazqueriasaberseissopoderiaserverdade,seBlumenauestavadebaixodeáguaecomoeleiriaacharoseuirmão,porquesuamãeestavaemestadodechoque.Nahora,eunãosabiaoquerespondereprocureirapidamentealguémparaatenderàquelaligação.Todosestavamocupadosnostelefones,coordenandoalgumaequipeoutomandodecisões,quandoodiretordaDefesaCivil,majorMárcioLuizAlves,passounaminhafrente.Nãotivedúvida,pergunteiseelepodiaatenderaqueletelefonemaeele,entreumaligaçãoealgumadecisãoimportante,prontamenteatendeuorapazdeRecife.Nãomerecordoexatamenteoqueelesconversarem,masmelembroqueomajorMárcioconseguiuacalmarorapazesuamãe.Nãoseiofinaldessahistória,seoirmãodaquelerapazrealmentehaviamorridoounão,masacreditoquenaquelemomentoeletenhaencontradoumapalavradealguémpreparadoparaaquelasituação,quepudesseconfortá-loeàmãe.

Apósumdiadeatendimentoàimprensa,odiretordaSecomligouparapedirque eu, Juliana e a fotógrafa SabrynaSartott continuássemos naDefesaCivil.Gayosoinformou-mequeoscolegasdaSecom,osrepórteresVitorHugoLouzadoeAnaPaulaZenatti(hojeassessoradaDefesaCivil)easfotógrafasNeivaDaltrozoeJaquelineNocettiestavamacaminhodeNavegantesparainstalarumaestruturadeassessoriadeimprensanaquelaregião,poisagora,nãosóaimprensanacionalcomotambémaimprensamundialestavavindoaoEstadoparacobriratragédiaemSantaCatarina.AlémdaestruturaemNavegantes,Gayosoinformava-mequeseriamontadoumesquematambémnaDefesaCivil.PediuqueeuligasseparaVitorHugoedecidíssemoscomofazeressaestrutura.LigueiparaVitoreeleinformou-mequeostécnicosdoCentrodeInformáticaeAutomaçãodoEstadodeSantaCatarina,oCiasc,jáestavamapardasituaçãoequeiriamparaaDefesaCivilinstalarumasaladeimprensatodaequipadacomcomputadoreseacessoàinternet,etelefones,paraaimprensaquealichegassepudessetrabalhar.ImprensaessaquenãoparavadechegaràDefesaCivil.

Comoasaladeimprensadolocalnãoestavapreparadaparatantademandade

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jornalistas,aestruturaerarealmentenecessária.Alémdasaladeimprensa,váriosassessoresque trabalhavamnoGoverno foram requisitadosparanos auxiliarnoatendimentoàimprensa,poispassamosaatendê-los24horaspordia.ESoledad,aquelaquedissequeiapracasadormir,apareceuparatambémnosajudar4horasdepoisqueelatinhasaídodali.ComoSoleraapessoaresponsávelpelaimprensadaDefesaCivil,elasesentianaobrigaçãodeestaraliparacoordenarasituação,trabalhoquefezcomeficiência.

Os dias se passaram e a situação nãomelhorava.A chuva era constante,causandodesabamentosealagamentos(principalmentenoNortedoEstado),easmortesidem,oquenosentreteciabastante.TínhamosumquadroqueeraatualizadoatodoomomentoportécnicosdaDefesaCivil.OsdadosdessequadroeramrepassadosparaositedoGovernoeparaodaDefesaCivil,alémdositewww.desastre.sc.gov.br,criadonaocasiãoparadivulgarasnotíciasrelacionadasàsituaçãodeemergênciaemqueSantaCatarinaseencontrava.Lembro-mequetodavezquealgumtécnicomepassavaosdadosparaincluirnoquadro,eutentavanãopensarnaquelesnúmerosdeóbitoscomopessoasmortas.Atensãoeragrandeeotrabalhoincessante.Nãoconseguiapararotrabalhoemeemocionaracadaóbitoregistrado.Podeatéparecerfriezafalardessaforma,masamelhormaneiraqueeuemeuscolegaspodíamosajudaraquelaspessoasqueestavamperdendosuascasas,epior,seusfamiliares,seriacontinuarrepassandoàimprensadadosprecisosparasupriranecessidadedeinformaçõesdetodosenvolvidosnaquelasituação.Acadafinaldeexpediente,aochegaremcasa,osononãovinhaeochorotomavalugaràrazão.DepoisdeumtempoeuadormeciaemelembravaquenooutrodiateriaqueirnovamenteparaaDefesaCivilfazeromeutrabalhodamelhorformapossível.

Passaram-seumastrêssemanasatéqueasituaçãodaschuvasseacalmasseeaDefesaCivilpudessetrabalharemcimadoquejáhaviaacontecidonoEstado,nãodoqueestavaacontecendo.Aospoucos,aimprensanacionaleinternacionaliasedispersando,voltandoparasuasregiõescomreportagensprontaseconsistentessobreasenchentes.TodososassessoresdeimprensadoGoverno,queatéaquelemomentoestavamàdisposiçãodaDefesaCivil,tambémvoltavamaseuspostosdetrabalho.SoledadpassouatocarsozinhaaassessoriadaDefesaCivil.

EuvolteiparaaSecomeparaaediçãodositedoGoverno,masaexperiênciaque passei naquelas semanasme acompanha até hoje. Forammomentos tristes,inseguros,cansativosedoloridos,mastambémforammomentosdesolidariedade,

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companheirismoealtruísmo.Oquepresencieinaquelemomentodetragédiaforaminúmerasdemonstraçõesdebrasileirosdoandodetudoumpoucoe,principalmente,doando seu tempoe tambémsuas casaspara receberpessoasquenunca tinhamvistonavida.Issorealmentemecomoveu.Infelizmenteoufelizmente,sãonessesmomentos que percebemos que omundo não é composto somente por atos deinteressesoudeviolência,comocansamosdepresenciar,assistiroulernosnoticiários.

Ébomsaberqueexistempessoasinteressadasnobem-estardopróximoequenotíciasnegativas,comoasdeviolênciasurbanas,religiosasouroubalheiraspolíticas,queassolamomundoatual,nãofazempartedaessênciadamaioriadosindivíduos.

Por Patrícia PinheiroExecutiva de Imprensa

Secretaria de Estado de Comunicação / SC

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Organização

RelatosdeumDesastreapresentaasNarrativasJornalísticasdaTragédiade2008emSantaCatarina,contadasporprofissionaisde10veículosdecomunicação,queparticiparamdacoberturadodesastreconsideradoamaiortragédiadoEstado.ElesaceitaramoconvitedoGovernodoEstado,pormeiodaDefesaCivilEstadual,edaUniversidadeFederaldeSantaCatarina,pormeiodoCentrodeEstudosePesquisassobreDesastres,paraparticipardeformavoluntáriadestaobra.

Alguns veículos envolvidos dividirama tarefa de narrar seus relatos entrejornalistasdogrupo,outrosoptaramporumúnicorelato.Ostextossofreramapenaspequenasediçõesecorreções,garantindoaomáximosuaformaoriginal.Aotodo,15empresasdecomunicaçãocatarinensesedecoberturanacionalforamconvidadasaparticipar.

AproduçãodestelivrointegraumprojetodeconscientizaçãodaDefesaCivilcatarinenseealertaapopulaçãosobreanecessidadedereduziroriscodedesastres.

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Este livro foi lançado e publicado um ano após o desastre de 2008, em 23 de novembro de 2009, pelo Governo do Estado de Santa Catarina - Secretaria Executiva da Justiça e Cidadania / Departamento Estadual de Defesa Civil; e a Universidade Federal de Santa Catarina - Centro Universitário de Estudo e Pesquisas sobre Desastres (CEPED).