Upload
lamdat
View
218
Download
2
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Laboratório de Observação Social
Projeto GRANPAL / PESQUISA
Relatório Final
PERFIS E MUNDO DAS CRIANÇAS
E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO
DE RUA GRANDE PORTO ALEGRE
Porto Alegre, setembro de 2004
Campus do Vale; Av. Bento Gonçalves, 9500; Prédio 43 322 Sala 215; 91509-900 Porto Alegre RS Brasil; Telefone: (51) 3316 7314 / 7315; Fax: (55) (51) 3316 6905
e-mail: [email protected]; http://www.ufrgs.br/labors
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Laboratório de Observação Social
Projeto GRANPAL / PESQUISA
PERFIS E MUNDO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM
SITUAÇÃO DE RUA GRANDE PORTO ALEGRE
Porto Alegre, setembro de 2004
Campus do Vale; Av. Bento Gonçalves, 9500; Prédio 43 322 Sala 215; 91509-900 Porto Alegre RS Brasil; Telefone: (51) 3316 7314 / 7315; Fax: (55) (51) 3316 6905
e-mail: [email protected]; http://www.ufrgs.br/labors
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Laboratório de Observação Social
Projeto GRANPAL / PESQUISA
PERFIL E MUNDO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM
SITUAÇÃO DE RUA GRANDE PORTO ALEGRE Equipe técnica Ivaldo Gehlen (Coordenador), Bacharel em Ciências Sociais, Mestre em Sociologia (UFRGS), Doutor
em Sociologia, Universidade Paris X - Nanterre (França), Professor do Departamento de Sociologia, do PPG em Sociologia, do PPG em Desenvolvimento Rural e do PPG em Agronegócios da UFRGS. Diversos artigos e relatórios sobre a temática.
Maria Luiza Martini, Licenciada em História, Mestre em Sociologia (UFRGS), Doutora em História (UFRGS). Professora do Departamento de História, coordenadora do Laboratório de História Oral do Núcleo de Pesquisa em História do IFCH/UFRGS. Publicou 2 livros sobre Porto Alegre e artigos sobre a temática meninos de rua.
Cláudia Turra Magni, Bacharel e Licenciada em História (UFRGS), Mestre em Antropologia Social (UFRGS), dissertação sobre habitantes de rua em Porto Alegre, Doutora em Antropologia e Etnologia pela EHESS (França), tese sobre pessoas sem domicílio em Paris. Professora do Departamento de Ciências Sociais da UNISC. Membro associado do Laboratório de Antropologia Urbana (CNRS-França). Escreveu artigos e realizou documentários sobre o tema.
Jorge Morgan de Aguiar Neto, Bacharel em Antropologia e Licenciado em sociologia (UnB); Especialização em Políticas Sociais (UnB). Mestre em Sociologia (UFRGS), dissertação sobre população de rua de Porto Alegre. Doutorando em Sociologia (UFRGS).
Míriam Pereira Lemos, Licenciada em Ciências Sociais (UFRGS); Mestre em Educação (UFRGS), dissertação sobre jovens habitantes de rua de Porto Alegre; Doutoranda em Educação (UFRGS); Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação, Exclusão e Violência Social (NUPEEEVS / FACED / UFRGS). Tem artigos publicados sobre o tema.
Iara Kunde Dickel, Licenciada em Ciências Sociais (UFRGS); Mestranda em Ciência Política (UFRGS).
Consultores Benedito Rodrigues dos Santos, Graduado em Administração de Empresas Marketing (FACH).
Especialista em Educação Metodologia de Ensino Superior (UCG). Mestre em Ciências Sociais Antropologia (PUC-SP - Título dissertação: A Emergência da Concepção Moderna de Infância e Adolescência. Doutor em Antropologia (Universidade da Califórnia Berkeley, U.C.B., Estados Unidos – Título tese: Ungovernable Children: Runaways, Homeless Youths, and Street Children in New York and São Paulo).Possui artigos e livros sobre o tema).
Cláudia Lee Fonseca, Bacharel em Artes Liberais; Mestre em Estudos Orientais; Doutora em Sociologia Rural; doutora em Etnologia Urbana. Professora do Departamento de Antropologia e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em antropologia da UFRGS. Possui livros e artigos publicados sobre temas assemelhados.
Carmen Craidy, Mestre em Ciências de Educação Paris V, Sorbonne (França). Doutora em Educação (UFRGS), Professora da Faculdade e do PPG em Educação, UFRGS. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação, Exclusão e Violência Social NUPEEEVS/FACED/UFRGS.Possui artigos e livros sobre o tema.
Morgana Camargo da Fontoura, Licenciada em Ciências Sociais, UFRGS; Acadêmica em Ciências Econômicas, UFRGS, Mestre em Ciência Política, UFRGS.
Denis Altieri de Oliveira Moraes , Estatístico, Mestrando Estatística, UFRGS
4
Coordenadora de campo Morgana Camargo da Fontoura
Supervisores de Campo Flávio Saidelles Ferreira, Acadêmico Ciências Sociais, UFRGS. Marcos Mario Manea, Graduado Hotelaria, Especialista em Projetos Sociais e Culturais, UFRGS. Juliana Simczak Treuherz, Graduada Psicologia, UNIGRAM.(MS) Maria Carolina Vecchio, Graduada Psicologia, UFRGS. Licence em Antropologia, Université Lumière-
Lyon II (França). José Rodrigo Pereira Saldanha, Acadêmico Ciências Sociais, UFRGS Victor Hugo Martins dos Santos, Bacharel em Ciências Sociais, PUC/RS
Apoio técnico Ilga Schauren Gerente Administrativa, IFCH /UFRGS Francielle Moretti, Acadêmica em Ciências Sociais, UFRGS Lilian Beatriz Carlos Acadêmica em História, UFRGS Facilitadores de campo Sinara Pureza, Acadêmica em Psicologia Luis Fernando Alves Dias Digitadoras Andréia dos Santos Furtado Lisiane Barcellos Entrevistadores Ana Paula Antunes Martins, Bacharel em Direito, Acadêmica em Ciências Sociais, UFRGS Ana Paula Maciel Mendes, Acadêmica em Serviço Social, ULBRA Andréa Cardoso Bittencourt, Acadêmica em Serviço Social, ULBRA Clarice de Souza Rodrigues, educadora Daniel Francisco de Bem, Acadêmico em Ciências Sociais, UFRGS Dário Alberto Alves Bezerra, Acadêmico Ciências Sociais, UFRGS, Enilda Alves de Souza, educadora Fernanda Dalsin, Acadêmica Ciências Sociais, UFRGS Francielle Moretti, Acadêmica Ciências Sociais, UFRGS José Rodrigo Pereira Saldanha, Acadêmico Ciências Sociais, UFRGS Juliana Simczak Treuherz, Bacharel em Psicologia Kadine Costa Pedroso, Lílian Fernandes, Acadêmica em Serviço Social, ULBRA Luciano Pimentel, Acadêmico de Serviço Social , ULBRA Maria Lúcia Nidballa dos Santos, Bacharel em Direito, Acadêmica em Ciências Sociais, UFRGS Nara Regina Dubois de Jesus, Mestranda em Sociologia, UFRGS Tânia Moreira Félix, Acadêmica em Ciências Sociais, UFRGS Vera Simone Schaefer Kalsing, Mestre em Sociologia, UFRGS
Auxiliares temporários Cíntia Hoffmeister Rizzi, Acadêmica Ciências Sociais, UFRGS Cristiano Pfeiffer Acadêmico Ciências Sociais, UFRGS Daniela Borssato, Acadêmica Ciências Sociais, UFRGS Eduardo Martinelli Leal, Acadêmico Ciências Sociais, UFRGS Valter Ferreira Kropidloski Júnior, Acadêmico Ciências Sociais, UFRGS Vilso José Antonello, Mestre em Sociologia, UFRGS
5
Apoio Local Representantes das cidades Ana Scarton, Esteio Ângela Maria Rodrigues dos Santos, Gravataí Fernanda M. C. G. Dutra, Viamão Maria Luiza Pereira, Alvorada Maristela Mignot, Canoas Marlene Fiorotti, Coordenadora do Projeto Rede de Proteção Marta Borba Silva, Coordenadora do Sub-projeto Pesquisa Sílvia Giugliane, Porto Alegre Tânia Salete Dias Mendes, Cachoeirinha
Colaboradores Elenir Ferreira Moraes, Alvorada Érica Jaqueline H. Wagner, Gravataí Francisca Luciana Rosa Dias, Alvorada Kátia Adriana M. Meyer, Cachoeirinha Léa Maria Biasi, DTR Leonice Marques Domingues, Esteio Luciane da Silva, Viamão Márcia Melo, Gravataí Maria Claudete S. Almeida, Canoas Rita Paladini, Viamão
6
ÍNDICE
Introdução .......................................................................................................................... 8
1 Processo do estudo ........................................................................................................... 11
1.1 Problemática do estudo .................................................................................................. 11
1.2 Conceituações ................................................................................................................. 13
1.3 Metodologia .................................................................................................................... 22
1.4 Campo ............................................................................................................................. 25
14.1 Mapeamento .................................................................................................................. 27
1.4.2 Entrevistas por questionário estruturado ...................................................................... 28
1.4.3 Entrevistas semi-estruturadas ....................................................................................... 32
1.4.4 Reuniões focais ........................................................................................................... 32
1.5 Desafios e dificuldades .................................................................................................. 36
2 Identificação ..................................................................................................................... 40
2.1 Caracterização socioeconômica dos municípios............................................................. 40
2.2 Identificação dos cadastrados.......................................................................................... 42
3 Territorialização ............................................................................................................... 49
4 Relações familiares e interpessoais ................................................................................. 50
5 Sobrevivência .................................................................................................................... 58
5.1 Atividades / ocupações .................................................................................................... 58
5.2 Renda............................................................................................................................... 62
6 Relações institucionais ..................................................................................................... 65
7 Relações com o corpo ....................................................................................................... 70
8 Auto-representações ........................................................................................................ 74
9 Considerações gerais ....................................................................................................... 80
9.1 Questões éticas ............................................................................................................... 80
9.2 Diversidade de perfis ..................................................................................................... 83
7
10 Fontes bibliográficas .................................................................................................... 86
11 Anexos ............................................................................................................................ 89
11.1 Narrativas de campo das reuniões focais...................................................................... 90
11.2 Listagem dos informantes entrevistados ...................................................................... 99
11.3 Freqüências gerais ........................................................................................................ 03
11.4 Freqüências de cruzamentos ........................................................................................ 47
11.5 Planilhas do mapeamento.............................................................................................. 62
11.6 Cadastro e questionário ................................................................................................ 64
11.7 Roteiro das entrevistas semi-estruturadas ..................................................................... 68
11.8 Carta informativa .......................................................................................................... 69
11.9 Folheto informativo para população alvo ..................................................................... 70
11.10 Manual do pesquisador ............................................................................................... 71
8
INTRODUÇÃO
Este relatório apresenta os resultados finais da pesquisa Perfis e Mundo das Crianças e
Adolescentes em Situação de Rua Grande Porto Alegre realizada junto em sete cidades da
Grande Porto Alegre (GRANPAL): Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Esteio, Gravataí, Porto
Alegre e Viamão, todos pertencentes à Região Metropolitana da capital.
A pesquisa é um dos sub-projetos do “Projeto de Atenção Integral à Criança e ao
Adolescente em Situação de Risco Social da Grande Porto Alegre”. Foi financiado pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES).
Os objetivos deste estudo foram: recensear, conhecer os modos de vida e as
representações que correspondem ao “mundo social” desta população infanto-juvenil, bem como
identificar seus perfis socioeconômicos e culturais, mapear os locais por ela utilizados,
identificar estratégias de sobrevivência e de sociabilidade; estudar suas representações coletivas,
seus desejos, suas demandas e sua visão de mundo. O conjunto dos dados empíricos obtidos está
organizado em um Banco de Dados de grande potencial para a ampliação e o aprofundamento de
todos os aspectos deste estudo. De modo que, mais do que um instrumento auxiliar para a
elaboração de políticas públicas, este Banco de Dados é também um instrumento para a
realização de novas pesquisas sobre o tema.
Os dados empíricos foram levantados no período de junho a setembro de 2004, através do
cadastro de 825 crianças e adolescentes, de 248 entrevistas por questionário, 13 reuniões focais,
11 entrevistas semi-estruturadas e depoimentos registrados da equipe que realizou o trabalho de
campo.
A execução do estudo foi do Laboratório de Observação Social (LABORS) vinculado ao
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Sua realização esteve sob a responsabilidade de uma equipe técnica integrada por
doutores professores / pesquisadores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS;
uma doutora professora da Universidade de Sta Cruz do Sul (UNISC) / pesquisadora autônoma;
uma doutoranda do Programa de Pós Graduação em Educação (UFRGS); um doutorando em
Sociologia (UFRGS) e uma mestranda em Ciência Política (UFRGS). Contou com consultoria de
9
dois doutores antropólogos, uma doutora pedagoga, uma mestra em Ciência Política (UFRGS) e
um mestre em Estatística (UFRGS). Também participaram supervisores, facilitadores e
entrevistadores, conforme explicitado nas páginas iniciais.
Foi decisiva a cooperação da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), que
coordenou o referido sub-projeto através de sua representante e dos técnicos das cidades que
formaram a chamada Equipe de Apoio Local, sem a qual o trabalho não teria sido viabilizado
com a mesma eficiência. Esta participação possibilitou trocas que beneficiaram também as
cidades no sentido de se apropriarem e garantirem a continuidade de todo o processo
investigativo, incluindo-se os instrumentos usados na pesquisa.
10
(Mapa GRANPAL)
11
1 PROCESSO DO ESTUDO
1.1 Problemática do estudo
Uma pesquisa sobre crianças e adolescentes, por si só, demandaria explicações sobre a
conduta a ser tomada pelos pesquisadores. Em se tratando de crianças e adolescentes em
“situações de risco social na rua”, essas considerações morais tornam-se ainda mais relevantes.
Visto que certas perguntas que lhes foram dirigidas são de ordem íntima e remetem a
lembranças e reflexões dolorosas; visto que diversas abordagens ocorreram em meio a suas
atividades de sobrevivência, causando interrupções nas mesmas; visto que o retorno preciso
pelas informações pessoais que forneceram é ainda virtual, pergunta-se: pesquisar por que, para
que e para quem? Qual o interesse e a legitimidade de se abordar crianças e jovens que, pelo
recorte mesmo do sujeito de estudo, encontram-se desprovidas de muitos dos direitos
explicitados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente? Um estudo desta natureza e proporção
não revela e, simultaneamente incorre, no aprofundamento e alastramento do controle social,
disciplinamento e normatização desses indivíduos?
Primeiramente é preciso lembrar que o relativo desconhecimento sobre o perfil e as
condições de vida deste segmento social constitui uma exceção relativamente à maioria da
sociedade brasileira. Através dos censos nacionais, baseados em critério domiciliar, ela tem
visibilidade e reconhecimento social, o que não ocorre com aqueles que não dispõem de moradia
fixa. A parcela destes em relação à totalidade dos que não habitam necessariamente na rua, mas
vivem aí em situações de extrema vulnerabilidade pessoal, também é pouco conhecida.
Num primeiro momento, as estatísticas brasileiras sobre essa população estiveram
baseadas em estimativas sem qualquer base científica, valendo-se de critérios díspares e
estigmatizantes. Posteriormente, elas suscitaram o interesse de organismos governamentais e
não-governamentais que lutavam contra o confinamento e pela inclusão de novos atores sociais.
Para dar conta de sua diversidade, esses estudos sugeriram tipologias (menino de/na rua,
meninos e meninas de que rua, etc.) e acabaram contribuindo para a formação de novas
12
personalidades e novos paradigmas. É só na ultima década que as pesquisas censitárias se
aprimoraram, melhor embasadas teórica e metodologicamente (ver bibliografia). Até então, as
estimativas acerca deste segmento social eram de ordem ideológica, ora subestimadas, ora
superestimadas, criando fantasmas que não contribuíam para a intervenção. Disto resulta uma
das justificativas desse estudo.
De outra parte, sabe-se, através dos estudos de Michel Foucault, que o esquadrinhamento
e registro generalizado encontram-se na base do disciplinamento e controle social característicos
das formas de poder generalizadas em nossas sociedades desde o século XVIII. O presente
estudo não escapa a esta tendência.
Entretanto, dentre as críticas freqüentes a certas políticas sociais encontra-se o seu caráter
etnocêntrico, ou seja, o fato de que elas são elaboradas “de cima para baixo”, “de fora para
dentro”, estando baseadas em valores, práticas e representações estranhas aos segmentos sociais
aos quais se destinam, de modo a evidenciarem uma projeção do Eu sobre o Outro. A
implementação de políticas e serviços sociais para uma parcela da população que vive em
realidades existenciais tão diversas e desconhecidas aos gestores, requer um esforço para romper
as barreiras do desconhecido e o abismo que nos separa do Outro. Para que interpelem e se
adeqüem às verdadeiras necessidades daqueles a que se destinam, as práticas de intervenção
devem não apenas conhecer em profundidade as especificidades deste sujeito, como também
reconhecer a legitimidade de sua diferença, condição da igualdade de direitos.
13
1.2 Conceituações
Crianças e adolescentes em situação de rua
Muitas foram as designações usadas para referir o sujeito que interessa a essa pesquisa:
mendigos, moleques, vadios, pivetes, menores abandonados, desabrigados, carentes ou
infratores, meninos(as) de rua, crianças em situação de risco, crianças e adolescentes em situação
de rua, etc. Essas denominações se superam, se sobrepõem e se confundem, segundo as
diferentes representações sociais e formas de tratamento relativas a este sujeito ao longo da
História e através das sociedades.
O termo “menor”, herdado do período ditatorial e que orientava a Política do Bem-Estar do
Menor (Lei 4513/64) e o Código de Menores (Lei 6697/79), além de não fazer a menor
diferenciação entre o “abandonado”, o “carente” e o “infrator”, contribuía com o preconceito de
classe e reforçava a idéia da infância em situação irregular, tomando como normalidade os
padrões da classe média. Diante dessa noção, os modelos assistencialista e correcional-repressivo
eram os que mais se adequavam no tratamento social dado a essas crianças e jovens.
Foi somente com a democratização da década de 1980, que implicou na participação de
vários setores da sociedade e em amplos debates em torno desta questão, que a noção de
“menor” foi completamente banida sob orientação do Estatuto da Criança e do Adolescente
(sancionado pelo presidente da República em 13/07/1990 lei de n° 8069). A noção de “meninos
de rua”, veio substituí-la, sendo logo ampliada para “meninos e meninas de rua” por pressão do
movimento feminista. Para as Nações Unidas, criança de rua é definida como : “... qualquer
menino ou menina... para quem a rua (no sentido mais amplo da palavra, incluindo casas
desabitadas, terrenos baldios, etc.) tornou-se moradia habitual e/ou fonte de sobrevivência; e que
não têm a proteção, supervisão ou orientação adequada de um adulto responsável” (ICCB, 1985
apud LUSK e MASON, 1993, p. 157).
O aprofundamento de pesquisas realizadas nos anos 1980 e 1990, mostrou a
diferenciação entre crianças e adolescentes sem vínculos familiares, que vivem integralmente na
rua, e aquelas que guardam contato com a família, restando na rua apenas para extrair uma forma
14
de renda – o que deu origem ao desdobramento: “criança na rua” e “criança de rua”, reafirmado
pelo encontro da UNICEF, em Bogotá (1989).
Mas tal diferenciação não é de consenso, pois essas categorias são fluidas e se
confundem. De fato, entre elas não existe dualidade ou oposição, mas fluidez e sobreposições, ou
seja, uma complexidade, envolvendo circunstâncias e graus diversos de “risco social”. Buscando
dar conta dessa complexidade e englobar as duas variantes – “de rua” e “na rua” – criou-se a
designação “crianças e adolescentes em situação de rua”, derivada da concepção de “crianças e
adolescentes em situação de risco social na rua”.
No entanto, a idéia de “risco social” é pouco precisa e ambígua, na medida em que não
indica quem incorre em risco – as próprias crianças e adolescentes que estão na rua, ou
segmentos da sociedade que se sentem ameaçados por elas. De fato, pode-se objetar que a noção
de “risco” não só afeta todos os seres humanos em maior ou menor grau, como também é
relativa às diferentes sociedades e contextos históricos, tendo significados distintos dentre os
grupos sociais que as compõem. O mesmo ocorre com a concepção de “vulnerabilidade social” –
embora esta tenha a vantagem de fazer referência a um “processo” em vez de um “estado”, como
é o caso das noções de “pobreza”, “exclusão” ou “marginalidade” (CASTEL, 1991).
Além da heterogeneidade de circunstâncias e de motivos pelos quais crianças e
adolescentes estão na rua, deve-se considerar que se trata, em vários casos, de situações
mutantes, circunstanciais, que identificam uma situação comum a elas num dado momento de
sua história, mas não definem uma sub-população. Se um estudo pontual pode identificar e
ampliar a gama de variantes, somente um estudo longitudinal seria capaz de avaliar as “entradas”
e “saídas”, assim como o tempo de permanência ou a freqüência da intermitência no universo da
rua. De outra parte, é tênue a fronteira que separa os que habitam “na rua” dos mal alojados ou
que moram em instituições, pois o que existe é um continuum entre estas situações.
Outra imprecisão das referidas noções é a utilização do termo “rua”, que só poderá ser
entendida de forma figurada ou latu sensu, pois se refere a “logradouro”, ou seja, “lugar para uso
público” (calçadas, praças, parques, viadutos, pontes, etc.). Mesmo assim, ela não dá conta da
variedade de situações que nos interessam, as quais se estendem a locais privados não previstos
para moradia (garagens, postos de gasolina, prédios abandonados ou em obras, etc), apropriados
e subvertidos em sua função original.
O fato é que a noção de “crianças e adolescentes em situação de (risco ou
vulnerabilidade sociais na) rua” ganhou respaldo social, administrativo e acadêmico, sendo a
base da demanda desta pesquisa aplicada.
15
O estudo realizado pelo Governo do Estado do RS com a UNICEF (1996) definiu a
“situação de rua” como aquela de “crianças e adolescentes que têm na rua seu principal espaço
de sobrevivência, socialização e lazer, tendo ou não local de moradia como referência e
vinculação com a família natural ou substituta” (Governo do Estado, 1996).
Algumas pesquisas propuseram tipologias mais estritas a exemplo de Mark Lusk e
Derek Mason (1993), que diferenciaram: a) trabalhadores de rua com base familiar; b)
trabalhadores de rua independentes; c) crianças de rua e d) crianças de famílias de rua. O estudo
censitário feito na cidade de Goiânia (1996) segue a mesma linha, identificando: a) as que
trabalham nas ruas e mantêm vínculos familiares estáveis; b) as que trabalham nas ruas e
mantêm vínculos familiares instáveis; c) as que vivem nas ruas e não mantêm mais vínculos com
a família; d) as pertencentes a famílias que vivem nas ruas ou retiram das ruas sua subsistência.
Para o presente estudo, consideramos que os termos de designação não são neutros e
que toda a conceituação começa pela sua problematização. Como bem ensina a teoria do
Interacionismo Simbólico, mais do que “representações” adequadas do mundo, os termos de
designação são uma “intervenção” sobre o mundo e têm implicações decisivas sobre a identidade
social do sujeito designado, podendo contribuir para a sua valorização ou deterioração na
sociedade, em meio aos grupos a que pertence e perante si próprio. Ademais, nas representações
sobre o Outro, é o essencial do Mesmo, sujeito designante, que está em questão. Dessa forma,
noções como crianças e adolescentes em situação de rua, tanto quanto aquelas que caíram em
desuso porque politicamente incorretas (como “menor”, “vagabundo”, “indigente”) remetem às
representações, aos valores e à auto-imagem da sociedade, com conseqüências diretas sobre a
própria imagem daquele que é considerado integrante de tal categoria social. De fato, os
vocábulos destinados a exprimir a miséria são o resultado de relações de força e ensinam sobre
as preocupações sociais de uma época e sociedade.
Assim, entende-se que a categoria “crianças e adolescentes em situação de rua” não
pode ser substantivada, reificada ou considerada em termos absolutos. Ela deve ser analisada em
termos relativos, como parte de um todo, sendo que é na relação com este todo que ela se define.
Essa identificação é vivida na relação com o “Outro”: sejam seus pares, as instituições ou a
sociedade em geral. Nesse sentido, a noção de “crianças e adolescentes em situação de rua” está
sujeita às mesmas condições da noção de pobreza, que lhe abarca, e sobre a qual escreveu Georg
Simmel, no início do século XIX: ela “é, não somente relativa, mas é também construída
socialmente. Seu sentido é aquele que a sociedade lhe dá” (PAUGAM, S. e SCHULTEIS, F,
1998 (1908) p. 91
16
Com base nesse pressuposto, consideramos como “crianças e adolescentes em situação
de rua” aqueles que são identificados pela sociedade, pelas instituições, pelas organizações
sociais e por seus próprios pares como tais. Isso não implica numa adesão dos pesquisadores a tal
designação, mas, ao contrário, permite entender a própria designação como um “dado” a ser
analisado em vez de um pressuposto de pesquisa. Assim, é o próprio material empírico coletado
em campo que nos permitirá reconhecer a diversidade de situações amalgamadas sob uma noção
que já se tornou de uso corrente pela sociedade, pela imprensa, pelos organismos estatais, com
implicações decisivas sobre a identidade do indivíduo assim designado.
Todavia, para fins da abordagem, a equipe de campo precisava de parâmetros
indicadores do universo de pesquisa, e a diferenciação entre as categorias de e na rua foram
pontos de partida importantes em termos metodológicos, pois reforçava a idéia de que o estudo
não se restringia àqueles que habitam efetivamente na rua, mas abrangia também outras
condições de “vulnerabilidade social”. Efetivamente, em trabalho de campo este ponto de partida
mostrou seus limites diante da realidade dinâmica e complexa dos contextos da rua.
Para subsidiar a equipe na delimitação do universo de interesse do estudo, foram
definidos e apresentados no Manual do Pesquisador, três parâmetros que se entrecruzam: a) o
território que ocupam; b) a aparência e cultura material ; c) atividade, ocupação do tempo na rua.
1) território
Trata-se do espaço onde se encontram e/ou passam seu tempo, freqüentemente em grupo,
mas ocasionalmente sozinhos. Excepcionalmente pode ser um local privado abandonado (uma
casa a ser demolida, por exemplo), mas, em geral, trata-se de locais públicos, relativamente
afastados de residências particulares, pois pessoas domiciliadas não aceitam tal proximidade.
Estes locais são por nós designados “territórios” na medida em que foram apropriados e
subvertidos da função urbanística para a qual foram planejados pelo poder público e passaram a
ser ocupados para finalidades “domésticas” (dormir, comer, transar, excretar, conviver com seus
pares, etc). Nessa categoria encontram-se os baixios de viadutos, de pontes, praças, parques,
áreas verdes, etc. Vestígios materiais podem ser indicadores do uso desses locais como território
“doméstico”: material carbonizado configurando fogo de chão, recipientes reutilizados com
restos de alimentos, papelão para proteger da umidade do solo, objetos catados nos lixos e
reutilizados para finalidades específicas das necessidades da vida na rua.
17
De outra parte, áreas comerciais também representam atrativos para aqueles que aí
encontram fonte de rendimentos diversos (prestação de serviços, como lavar/cuidar de carros ou
abrir portas para carregar volumes; pedido de restos de comida ou de dinheiro; coleta dos lixos
próximos a comércio de alimentos, etc). Nessa condição estão estações de transporte coletivo
(rodoviária, terminais de ônibus), centros comerciais, postos de gasolina, templos, etc.
Percebe-se, assim, que a escolha destes territórios de referência não é aleatória, visto que
para serem eleitos como tais estes espaços têm que apresentar certos atrativos, que tanto podem
ser certas condições mínimas de abrigagem (alpendre, estrutura de concreto, distância de áreas
privadas, fonte de água, local para fogueira quando é frio, etc.), quanto proximidade de fontes de
rendimentos ou de instituições/organizações que lhes prestam serviços.
É importante salientar que, embora possa haver vínculos fortes de certos grupos com
determinados territórios da cidade, a repressão de fiscais, de policiais, da vizinhança sedentária
ou até de outros grupos da rua pode impeli-los a abandonarem esses locais. Apesar de serem,
como freqüência, desterritorializados, eles buscam outros locais para aí se reterritorializarem,
configurando, a médio e longo prazo, uma relação efêmera com o espaço se comparada com a
relação que os habitantes sedentários mantêm com o mesmo.
2) aparência:
As condições de vida na rua deixam marcas no corpo daqueles que aí vivem devido à
falta de condições de higiene, à insalubridade dos locais onde pernoitam, à falta de alimentação e
de vestimenta adequada, às agressões que lhes são infringidas (seja por parte de agentes do
estado, de grupos ou indivíduos que se encontram em situação semelhante à deles ou ainda de
cidadãos privilegiados que condenam a sua existência) – enfim, são marcas decorrentes da
péssima qualidade de vida a que estão sujeitos ao viverem sem abrigo nem proteção. Essas
marcas – cicatrizes, hematomas, sujeira na pele, nas unhas, nas roupas, vestimentas
desproporcionais ao seu tamanho, etc. - geralmente vêm se somar àquelas que já trazem de casa.
Disso resulta que a aparência das crianças e jovens de nosso estudo distingue-se daquela de
indivíduos domiciliados, embora a melhoria dos serviços que lhes são prestados tenda a abrandar
essa diferença na medida em que eles encontram mais acesso a banhos, roupas limpas e mais
adequadas a seu tamanho.
Considerando também a atração que sentem pelo apelo comercial de roupas de grife e o
significado simbólico das mesmas perante estes grupos, não será incomum encontrarmos garotos
18
usando tênis, bonés ou roupas esportivas de marca (as quais podem ser falsificadas e compradas
em camelôs ou podem ter sido roubadas).
Para além das marcas físicas e do aspecto de sua vestimenta a acessórios, esses
indivíduos apresentam técnicas corporais relevantes para efeitos de identificação. A destreza em
lidar com os perigos da rua (trânsito de veículos, altura, “mocós” ou esconderijos urbanos como
bueiros, canais de aeração de viadutos, marquises, águas, etc.) revela a familiaridade que
desenvolvem com o espaço público. A liberdade de movimentos que apresentam na rua
corresponde àquela que crianças domiciliadas mantêm em seus lares. Além disso, a irreverência
de gestos e da expressão verbal é própria daqueles que já estão há algum tempo vivendo na rua;
enquanto os que ainda estão em processo de adaptação, principalmente se são oriundos de
cidades do interior, demonstram, ao contrário, temor e acuamento.
3) atividade
É importante considerar que, assim como não há nítida diferenciação entre os espaços
público e privado, também não há clara distinção entre o tempo reservado para o lazer/descanso
e aquele reservado para o provimento da existência, de modo que essas atividades podem ser
praticadas simultaneamente e até no mesmo território.
Dentre as principais atividades de subsistência visíveis - há atividades a que alguns
podem se dedicar, mas que dificilmente serão verificadas pelo entrevistador, como é o caso do
tráfico, do assalto ou roubo- a que se dedicam os jovens de nosso estudo estão o comércio
ambulante, a guarda e lavagem de carros, a coleta de dejetos, a mendicância (que se configura de
diferentes maneiras), a exploração sexual, dentre outras.
O uso de drogas ocupa um espaço central de seu cotidiano, e, dentre elas, a loló e o crack
têm se mostrado como as drogas mais acessíveis. A primeira geralmente é embebida em um
pano que fica seguro na mão, o qual é levado ao rosto e inalado pela boca. A segunda é
queimada e fumada em uma espécie de cachimbo improvisado.
As condições de pernoite destes jovens são, geralmente, dramáticas, pois, se estão na rua,
dormem com medo de violências ou entorpecidos pelas drogas, de modo que é comum estarem
cansados durante o dia. Será comum, portanto, encontrarmos vários deles dormindo ao
desabrigo, não raro em meio ao movimento e barulho urbanos.
19
Faixas etárias / identidade
O indicador para a definição das faixas etárias concernentes ao universo de pesquisa,
conforme solicitação do demandante, baseou-se no Estatuto da Criança e do Adolescente, que
considera criança como estando entre 0 e 12 anos (incompletos), e adolescente, entre 12 e 18
anos (incompletos).
A identidade apresenta-se como um dos conceitos centrais desse estudo, pois ela tange
igualmente os pesquisados, a pesquisa e os pesquisadores. Dizer que o risco social na rua
engloba situações diversificadas, a exemplo da dualidade apontada por alguns estudos entre o
‘ser da rua’ e o ‘estar na rua’, implica em reconhecer que estamos lidando aqui com a identidade
do sujeito pesquisado. No que concerne à pesquisa e à equipe que realizou o trabalho de campo,
a clareza identitária também foi decisiva para a qualidade do encontro no qual transcorreram as
entrevistas. Como explicitado na Metodologia, um documento oficial e outro informal, além da
rede de informações própria da rua, ajudaram a prever a chegada dos entrevistadores. Além
disso, uma explicação detalhada era feita pela equipe, visando identificarem-se como estudantes
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e esta como instituição responsável pelo estudo.
Afastavam-se, assim, alguns dos receios explicitados pelos sujeitos da pesquisa – de que ela
adviria do ‘Conselho Tutelar’ ou de algum órgão repressivo, e abria-se um diálogo que, salvo
raras exceções, foi de valorização e respeito mútuos.
Visto, portanto, que questões de identidade afetam os vários agentes e fases da pesquisa,
faz-se necessário entender teoricamente este conceito, o qual deve ser visto de forma relacional,
interativa e dialética ao de “alteridade”.
Para Claude Lévi-Strauss (1977), em vez de postulada ou afirmada, a identidade deve
ser constantemente refeita e reconstruída, pois todo uso dessa noção começa pela sua critica
Assim, ao contrário do que fizeram os culturalistas ao buscar uma essência ou unidade para a
idéia de identidade, o antropólogo entende que essa noção permite apreender práticas de
diferenciação entre o Mesmo e o Outro, instaurando e mantendo uma fronteira dentro de
demarcações culturais renovadas pelo contato e pela troca. De modo que a identidade não tem
um substrato de natureza estável, mas remete, isso sim, a uma postura adotada diante de uma
interação, uma possibilidade, dentre outras, de organizar as relações diante de alguém. Em última
instância, embora não tenha uma substância fixa, um conteúdo preciso, uma existência real, a
20
identidade é uma referência virtual indispensável para nos referirmos, nos identificarmos, nos
relacionarmos.
É assim que a noção de identidade faz par com a de alteridade, ao mesmo tempo ligando
e separando-se desta. Ou seja, entre uma e outra, assim como entre o Mesmo e o Outro, existe
um espaço que não pode ser preenchido. Por mínima que seja, essa distância intransponível é a
própria condição de existência desses dois termos mutuamente relacionais.
Daí advém o fato de que seja tão difícil encontrar uma identidade definitiva para o que
sejam crianças e adolescentes em « situação de rua », na medida em que a noção engloba
trajetórias pessoais diversificadas e dinâmicas, dependendo do contexto e da situação em que se
encontram, de como e com quem estão interagindo, com qual finalidade e o que esta em jogo
nessa relação.
Por outro lado, de parte da equipe de trabalho de campo, o esclarecimento da
identidade, fonte e objetivos da pesquisa dirimiu ambigüidades e abriu os caminhos para o
estabelecimento de vínculos e de uma relação de boa qualidade entre entrevistadores e
entrevistados.
Trabalho / atividade
A noção de trabalho aparece nos resultados da pesquisa como um conceito complexo,
sem unanimidade, com muitas facetas, valores, estigmas e formas de controle. Cientes de que
este conceito tem significados sociais muito diversos, demos preferência ao termo “atividade”
exercida na rua, mas muitas respostas fazem referência a trabalho.
Esta idéia aparece de forma contrastiva com a de pedido, mas também com a de
vagabundagem e roubo. Neste caso, ela visa uma valorização do indivíduo através daquela
atividade, mesmo que isso venha de encontro ao que vigora no Estatuto da Criança e do
Adolescente. Por outro lado, a noção de trabalho apareceu de forma estigmatizada, diluída ou
negada diante de um entrevistador desconhecido cuja possível vinculação com o Conselho
Tutelar era, por vezes, suspeitada. Assim, com freqüência, adultos que acompanhavam crianças
envolvidas em atividades do pequeno comércio, por exemplo, negavam que elas estivessem
“trabalhando”, mas apenas “ajudando”, “tirando um troquinho” para si. Em certos casos, as
próprias crianças e adolescentes não percebem sua atividade laboral como trabalho – seja porque
21
ela é intermitente (em determinados dias da semana ou no intervalo das aulas, por exemplo), seja
porque não se configura de maneira formal (com empregador, horário e local precisos, etc.).
Por fim, cabe ainda salientar que as fronteiras delineadas no mundo da rua não são tão
precisas quanto àquelas vividas por cidadãos domiciliados. Isso não se restringe às fronteiras
espaciais que delimitam o publico e o privado, mas também às fronteiras que separam as
atividades entre um tempo para o lazer e um tempo para o trabalho. Para as crianças e
adolescentes que vivem em situação de rua, a expressão lúdica pode se dar no mesmo território e
momento em que buscam sua sobrevivência.
22
1.3 Metodologia
Para contemplar o objetivo, o projeto compreendeu dois estudos inter-relacionados : 1)
censo das crianças e adolescentes em situação de rua e 2) estudo quanti/qualitativo de seu
“mundo”, através de amostragem do censo.
O conhecimento das trajetórias, das representações, das demandas, dos sonhos, das
dificuldades e das críticas dessa população foi fundamental para analisar qualitativamente o seu
modo de vida ou seu “mundo” e as suas representações. Levantaram-se informações e dados para
compreender as estratégias e formas de sobrevivência empreendidas “na rua” por cada um ou por
grupos.
O estudo se caracteriza como diagnóstico descritivo analítico, com base em dados
quantitativos e qualitativos. Para isto, utilizaram-se técnicas investigativas e de abordagens
específicas e complementares.
a) Entrevista por questionário estruturado com questões gerais de identificação cobrindo todo o
universo das pessoas até 18 anos (incompletos), com respostas fornecidas por elas próprias ou
por informantes “qualificados” (nos casos em que, por razões de idade ou saúde, não ofereciam
condições de informar). Foram preenchidas 825 fichas cadastrais de tipo censitário.
b) Entrevista por questionário estruturado (respostas induzidas e espontâneas) complementar à
identificação geral, com questões abrangentes sobre suas condições de vida, representações e
aspirações. Foram realizadas 248 entrevistas pessoais, in loco, o que corresponde à 30% do
universo cadastrado, selecionado por amostragem aleatória simples.
c) Observações em campo, simultâneas à realização do cadastramento e questionário.
d) Entrevistas semi-estruturadas com informantes qualificados, no total de 11, através de roteiro
baseado nos temas enfocados pelo questionário.
e) Reuniões tipo grupos focais com crianças para captar suas representações, desejos e
aspirações.
f) Dados e informações disponíveis em bancos de dados e fontes bibliográficas.
23
A construção desses instrumentos de pesquisa baseou-se em um processo dialógico de
sucessivas elaborações, desconstruções, revisões e ajustamentos, do qual participaram a equipe
técnica, gestores e agentes dos municípios envolvidos no Projeto, além da equipe de
entrevistadores/supervisores. Esta, após testar os instrumentos, propôs alterações de conteúdo,
forma e ordenamento das perguntas, em função de sua aplicabilidade e eficácia durante o
trabalho de campo.
O público alvo constituiu-se de 637 crianças e adolescentes em situação de rua em Porto
Alegre e de 188 nas demais cidades, de ambos os sexos, de 0 a 17 anos (inclusive).
Considerando-se o universo total de 825 na capital e demais cidades, com um intervalo de
confiança de 95% para a amostra, o erro relativo máximo das estimativas é de 5,2%. Em Porto
Alegre, foram realizadas 189 entrevistas, com um intervalo de confiança de 90%, a margem de
erro máxima sobre as estimativas é de 5,0%. Nas demais cidades foram realizadas 59 entrevistas,
considerando-se um intervalo de confiança de 90%, a amostra representa um erro relativo
máximo de 8,9%.
Depreende-se destas considerações que a análise individualizada dos municípios da
Grande Porto Alegre não apresenta valor estatístico significativo devido à baixa incidência
verificada – especialmente no que se refere às informações obtidas por amostragem. Nessas
condições, para fins deste relatório, o procedimento analítico mais adequado foi o de considerar
o conjunto dessas cidades como uma unidade, a qual, em certos aspectos, apresenta-se como
constrastiva em relação à capital. Além do mais, considerando-se que muitas das crianças e
adolescentes abordados em Porto Alegre provêm de municípios circunvizinhos, seria errôneo
pensar que a realidade verificada na capital estaria alienada da realidade da Região
Metropolitana. Da mesma forma, é enganoso circunscrever a situação de rua da população
infanto-juvenil de cada cidade periférica às informações colhidas em seus limites. Daí a
necessidade de não se perder a perspectiva do todo para melhor entender a lógica dos
deslocamentos e territorializações do segmento social aqui estudado.
Os dados dos cadastros e dos questionários foram agrupados em banco no software
Statistics Package Social Science (SPSS), programa estatístico especial para a área de Ciências
Sociais, através do qual também foram processados e testados estatisticamente de forma a
determinar sua significância.
Os dados (qualitativos) sobre a situação do universo estudado foram complementados
pela leitura dos dados de representação estatística, podendo ser tomados como exemplares para a
compreensão do “campo de possibilidades”, a partir dos quais os entrevistados “guiam suas
opções” e/ou a elas são impelidos. Esse material forneceu elementos para a compreensão das
24
formas de sobrevivência empreendidas “na rua” por cada um, das expectativas e ações dos
entrevistados para mudar ou não sua situação, colocando-se nesse horizonte a relação com as
entidades assistenciais públicas ou conveniadas.
As tabelas reúnem as informações do cadastro e do questionário. Neste relatório estão
expressas em percentuais.
As 11 entrevistas semi-estruturadas com informantes qualificados realizadas após o
cadastramento e aplicação dos questionários, basearam-se em roteiro que retoma os temas
centrais do questionário, os quais guiaram também os itens analíticos desenvolvidos no presente
relatório. Essas entrevistas buscaram iluminar o que não é objeto de generalização.
Quanto à experiência do trabalho de campo, ela é única e intransferível, ou seja,
pertence à subjetividade do pesquisador, subjetividade essa que deve ser objetivada e
reconhecida como dado empírico relevante no processo de pesquisa na medida em que tem
efeitos sobre os resultados obtidos. Essa experiência da alteridade e do encontro intersubjetivo
entre entrevistador e entrevistado ultrapassa as possibilidades de registro do cadastro e
questionário (embora uma folha em branco, anexa ao questionário, tivesse auxiliado os
entrevistadores a registrarem dados subjetivos, observações de campo, depoimentos
significativos de informantes, etc). Por estas razões, após a coleta dos dados quantitativos, foi
realizada uma reunião na qual os entrevistadores e supervisores fizeram depoimentos sobre a
vivência de campo e a experiência do encontro com o “Outro”. O registro (oral, posteriormente
transcrito) desses depoimentos constituiu uma das bases de dados qualitativos interpretados em
alguns itens deste relatório.
25
1.4 Campo
A preparação do trabalho de campo e sua realização propriamente foram etapas
fundamentais desta pesquisa, tendo envolvido reuniões com consultores, reuniões com gestores e
representantes dos municípios da GRANPAL, processo de seleção de entrevistadores e
supervisores, curso de extensão universitária, treinamento e testagem dos instrumentos, além de
divulgação formal e informal sobre o estudo.
A divulgação da seleção de entrevistadores foi feita no Campus do Vale da UFRGS
através de cartazes nos prédios das Ciências Humanas, tendo reunido interessados dos cursos de
graduação e pós-graduação em Ciências Sociais, mas também estudantes do Serviço Social da
ULBRA e graduados em Psicologia. Ao longo do processo de capacitação e início do trabalho de
campo houve desistência de alguns indivíduos selecionados, restando apenas os que podiam e
queriam efetivamente participar do estudo.
Como etapa preliminar de preparação ao trabalho de campo, mas visando, sobretudo,
criar um espaço de aproximação, diálogo e estabelecimento de parâmetros de entendimento e
comunicação sobre o tema em questão, foi realizado um curso de extensão universitária para
agentes municipais concernentes ao Projeto GRANPAL e para todos os participantes do Estudo.
Intitulado “A Problemática da Habitação na Rua: Foco sobre a População infanto-juvenil”, este
curso de 24 horas contou com aulas de todos os membros da equipe técnica, além de convidados:
Professora Carmen Craidy (pedagoga e consultora da pesquisa), Professora Fernanda Bittencourt
(socióloga e antropóloga, pesquisadora em temas afins), representantes de uma ONG
(AMENCAR), Psicóloga Maria Carolina Vecchio e Psicóloga Sílvia Giuliani (coordenadora do
Programa de Atendimento Integral à Criança e ao Adolescente, PAICA-RUA, da Fundação de
Assistência Social e Cidadania, FASC, de Porto Alegre).
O treinamento para o trabalho de campo transcorreu ao longo de um dia inteiro,
contemplando: 1) a integração dos estudantes à pesquisa, com esclarecimentos sobre a demanda,
o universo, os objetivos e métodos do estudo; 2) a constituição das equipes de campo e o papel
dos entrevistadores, supervisores e facilitadores; 3) discussão sobre conceitos e sobre parâmetros
26
para a identificação do sujeito a ser abordado (ver Manual do Entrevistador, em anexo); 4)
questões éticas na abordagem; 5) conhecimento e familiarização com os instrumentos da
pesquisa quantitativa.
Posteriormente, foi realizada a testagem destes instrumentos, com adequações na
composição das equipes de campo, na função de seus componentes e nos instrumentos de
pesquisa.
Na capacitação da equipe de supervisores e entrevistadores, enfatizou-se a importância da
postura ética durante o trabalho de campo na medida em que ele constitui um momento de
relação entre duas pessoas pertencentes a realidades sociais, econômicas e culturais bastante
distintas e, que, provavelmente não se conhecem. No Manual do Entrevistador constam algumas
reflexões sobre este encontro com o “Outro”.
- Qual o lugar do qual o entrevistador está falando? Precisamos deixar claro para o
entrevistados quem somos e a que viemos (observar o uso do crachá e o esclarecimento de siglas,
se for o caso);
- Dentro da realidade da vida na situação de rua, o tempo é uma variável importante a ser
observada e respeitada – assim como o direito ao silêncio, à recusa em responder alguma questão
ou à interrupção do questionário.
- Uma postura de respeito e a possibilidade de um “espaço de escuta” – por constituírem-
se como vivências não muito comuns em seu cotidiano – são, desde já, uma contrapartida
importante que estaremos dando à população estudada. Dessa forma, ainda que a situação de
precariedade que iremos nos defrontar seja bastante mobilizadora, concordamos em não se dar
dinheiro, lanches, etc. durante a abordagem.
Visando divulgar, esclarecer e prever a chegada das equipes de campo, tanto em
organismos oficiais, quanto nas próprias redes de sociabilidade na rua, foram veiculados dois
documentos (vide anexo). Um deles continha uma linguagem formal, com detalhamento sobre
justificativa, objetivos, organismos financiador e executor, metodologia, solicitação de apoio e
contatos para esclarecimentos. O outro foi elaborado com a participação de três jovens em
situação de rua numa linguagem que lhes é própria, apontando para a importância do estudo e
incentivando seus pares a conversarem com os entrevistadores quando fossem abordados.
Para marcar simbolicamente o momento efêmero do encontro e potencializar uma
vinculação entre entrevistadores e entrevistados, adotamos a prática da entrega de um button
(com o logotipo da UFRGS) ao final das abordagens. As implicações e repercussões disso serão
retomadas nas Considerações Éticas sobre a pesquisa.
27
1.4.1 Mapeamento
O mapeamento é um estudo anterior às entrevistas com as crianças e adolescentes para
obter-se um conhecimento mais aprofundado do local de referência predominante das
crianças/adolescentes em cada cidade e tem por objetivo orientar os entrevistadores. Para isso, as
cidades recenseadas foram divididas territorialmente a partir da constatação dos locais de
concentração da população estudada. Assim, as equipes de campo percorreram estes territórios,
orientadas pelas informações retiradas das planilhas e de outros registros do mapeamento
indicando os lugares de maior incidência, os principais pontos, o número possível de crianças e
adolescente a serem abordados para censo e para entrevistas. O mapeamento foi realizado
preliminarmente na cidade de Viamão, cuja complexidade possibilitaria encontrar as diversas
situações representativas de todo o universo.
Os procedimentos para o mapeamento foram semelhantes em cada cidade: reunião com
os técnicos articulada pelo representante local junto à pesquisa. Nesta reunião explicitava-se
sinteticamente a pesquisa para as pessoas que não haviam participado das reuniões com
representantes das cidades e informava-se os dados necessários para a realização do campo. A
segunda parte da reunião era dedicada a uma explanação pelos técnicos locais sobre as situações
constatadas, sobretudo pelo serviço de assistência social, com localização nos mapas dos
municípios. Por fim eram repassados documentos contendo informações e dados úteis para a
pesquisa.
A fase seguinte do mapeamento foi uma incursão de reconhecimento dos locais de
concentração da população que compunha o universo do estudo, seguindo as informações
recebidas .
A terceira fase consistiu em viagens em diversos horários e/ou dias aos locais apontados
como de concentração, com realização de abordagens pontuais a pessoas residentes ou que
atuavam nestes locais, como profissionais da assistência social, membros do Conselho Tutelar,
professores, agentes religiosos, comerciantes, taxistas, policiais, etc. Dessa atividade resultou
fichas com detalhamentos (cf Anexo) e resultou também anotações sobre mapas das cidades que
serviram de orientação para o campo.
28
1.4.2 Entrevistas por questionário estruturado
Para a realização do censo cadastral e das entrevistas por amostragem, foram criadas
cinco equipes de campo, com responsabilidades específicas e hierarquizadas:
a) supervisores: responsável por decidir quem entrevistar ou não em caso de dúvidas,
por guiar a distribuição dos entrevistados e garantir boas condições no entorno da entrevista, sem
a intromissão de terceiros;
b) entrevistadores : responsáveis pelo contato direto com os entrevistados para a
realização do cadastramento e dos questionários;
c) facilitadores: dois profissionais do Serviço de Educação Social de Rua da FASC que
atuaram em circunstâncias em que era previsível maior dificuldade na abordagem, ajudando a
definir se o indivíduo correspondia ou não ao perfil buscado e a estabelecer limites em situações
mais conturbadas.
Procedimentos diários
O cadastramento e as entrevistas iniciaram em 15 de junho, em Viamão e foram
encerradas na segunda quinzena de agosto, em Gravataí. Nesse período foram cadastradas 825
crianças e adolescentes, dentre os quais 248 entrevistadas através de questionário, 67
participaram das Reuniões Focais. A aplicação dos instrumentos do estudo foi realizada no
horário compreendido entre as 11 horas e as 01 hora da madrugada, conforme mostra a tabela.
TABELA 1 – Cadastros e entrevistas por turno da abordagem*
Geral Porto Alegre Outras Cidades Turno
Freq % Freq % Freq %
Manhã 64 7,8 52 8,2 12 6,4
Tarde 466 56,5 361 56,7 105 55,9
Noite 292 35,4 222 34,9 70 37,2
Madrugada 3 0,4 2 0,3 1 0,5
Total 825 100 637 100 188 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
* Manhã das 06 às 12 horas; tarde das 12 `pás 18 h; noite das 18 às 24h e madrugada das 00h às 06 h
29
A opção por esses horários deveu-se a que o mapeamento indicou que os que estão na rua
pela manhã permanecem, na grande maioria, também à tarde. A principal mudança ocorre na
seqüência entre os turnos da tarde e da noite. O resultado confirmou esta constatação antecipada.
A maior presença foi encontrada nas quartas e nas sextas feiras, sendo menor aos sábados e nas
segundas e quase nula aos domingos.
O trabalho iniciou pela cidade de Viamão e prosseguiu em Canoas, Alvorada e
Cachoeirinha, simultaneamente. Destaque-se que ficou suspenso durante a realização do campo
em Porto Alegre, sendo retomado em 12 de julho, incluindo as cidades de Esteio e de Gravataí.
Utilizou-se veículos para percorrer os trajetos definidos pelo mapeamento e também para
checar novas informações obtidas ao longo do trabalho de campo. Em razão do inverno
caracterizado por chuvas freqüentes e frio, foi necessário retornar a cada uma das cidades ou
bairros para cadastrar e entrevistar. Em muitos lugares retornou-se mais de uma vez.
Procedimentos nas cidades
Alvorada
A cidade de Alvorada foi visitada cinco vezes em dois turnos (tarde e noite), inclusive em
final de semana, sendo que em três ocasiões não se encontrou nenhuma criança ou adolescente
sujeito da pesquisa. Os 11 cadastros foram realizadas entre os dias 10 e 16 de julho, nos turnos
tarde e noite, incluindo o fim de semana. Ressalta-se que 47 dos entrevistados em Porto Alegre
tinham procedência de Alvorada.
Cachoeirinha
Os 16 cadastros realizados nesse município ocorreram no período entre 22 de junho e 12
de julho, num total de cinco incursões nos turnos tarde e noite, incluindo um final de semana.
Foram cadastradas 20 pessoas, sendo um terço deles procedentes das cidades de Gravataí e de
Canoas. Também foram cadastros 6 em Porto Alegre procedentes de Cachoeirinha.
Canoas
O campo foi realizado entre 22 de junho e 14 de julho, totalizando seis dias de trabalho
nos turnos manhã, tarde e noite. Foram cadastradas 67 pessoas. Em Porto alegre foram
cadastradas 7 pessoas com procedência de Canoas. Na realização do campo não foram
encontradas crianças e adolescentes em alguns locais mapeados (ex.: Estação Mathias Velho do
30
Trensurb) como pontos de presença diária. A justificativa, segundo informações de pessoas que
trabalham ou vivem naqueles locais foi de que teriam sido acolhidos por instituições nos dias
anteriores.
Esteio
A realização do campo ocorreu entre os dias 13 e 17 de julho, nos turnos manhã, tarde e
noite. Foram cadastradas 18 pessoas, concentradas na região próximo ao Centro (e à Rodovia
BR). Não foi cadastrado nenhuma pessoa em Porto Alegre, nem nas demais cidades com
procedência de Esteio.
Gravataí
O trabalho de campo em Gravataí foi realizado entre os dias 27 de julho e 04 de agosto,
nos três turnos na região central da cidade e ao longo da estrada que liga com Cachoeirinha.
Neste local realizou-se campo na sexta feira tarde e noite, apontado pelo mapeamento como de
maior presença em razão da intensa presença de pessoas freqüentadoras das atividades noturnas
de lazer. Dos 12 cadastrados, 9 o foram no turno da noite. Em Porto Alegre foram cadastrados 5
que indicaram procedência de Gravataí e 4 nas demais cidades (exceto Gravataí).
Porto Alegre
O trabalho de campo de Porto Alegre foi iniciado pelas Instituições, sendo a primeira a
casa de Acolhimento Noturno, dia 24 de junho. Nos dias seguintes, esteve-se no Lar Dom Bosco,
na Escola Porto Alegre e na Casa Harmonia. O cadastramento e entrevistas diretamente “na rua”
desenvolveu-se no período de 30 de junho a 10 de julho com retorno em alguns lugares dia 16 de
julho. De comum acordo entre a equipe técnica e a coordenação da demandante, foi incluído o
cadastramento na Casa de Acolhimento e no Abrigo Municipal Ingá Brita (AMIB). Saliente-se
que a maioria dos que perfaziam o perfil do estudo, já haviam sido abordados nas ruas.
Para a realização do campo, a cidade foi dividida em 14 regiões: Assis Brasil Norte,
Central e Sul; Protásio Alves Norte e Central; Eixo Ipiranga/Bento 1 e 2 e Ipiranga 3; Zona Sul 1
e 2; Bom Fim, Cidade Baixa, Orla e Centro. Essa sistematização se deu em razão dos eixos pré-
definidos (Assis Brasil, Protásio Alves, Ipiranga e Bento Gonçalves, Zona Sul) e das
especificidades do Centro, Cidade Baixa e Bom Fim.
Cada uma das regiões foi coberta em pelo menos dois dias, em três turnos
correspondendo ao horário entre as 11h e às 01h da madrugada. Na troca de turno dos
entrevistadores, às 18 horas, os supervisores se encontravam para relatar os acontecimentos do
31
dia e os locais realizados. Nessas reuniões informais era entregue a listagem com nomes dos
cadastrados em ordem alfabética, acrescido da idade e do nome da mãe, a fim de evitar
duplicidade.
Adotaram-se dois procedimentos para percorrer as regiões: um no Centro, Orla, Bom
Fim, Cidade Baixa e Ipiranga 3, onde o trajeto foi feito a pé, seguindo por todas as ruas
compreendidas no setor, principalmente nos pontos indicados pelas informações dos facilitadores
e pelo mapeamento; e outro, empregado nas demais regiões, com auxílio de automóveis para
percorrer toda a extensão e todos os lugares com probabilidade de encontrar essa população,
apontados pelo mapeamento prévio.
Decidiu-se iniciar pela região central da cidade (incluindo-se a orla do Guaíba e o bairro
Cidade Baixa), por apresentar maior concentração do público alvo. Nessa região o campo se
estendeu entre 30 de junho e 08 de julho, atrasando quase uma semana, do previsto, em função
de dias chuvosos. Os dias da semana privilegiados foram de quarta a sexta feira, pois o
mapeamento mostrou serem os de maior concentração nesta região da cidade.
Os bairros Cidade Baixa, Bom Fim e Menino Deus e suas adjacências foram cobertos
prioritariamente nas sextas-feiras e sábados, dias em que atraem mais a população estudada,
pelas feiras aos sábados e pelas atividades noturnas de lazer.
Ao final da primeira semana de campo, uma avaliação, principalmente das dificuldades
encontradas, indicou a necessidade de revisitar algumas regiões e sobretudo diversos pontos em
toda a cidade, para checagem de controle ou para superar falhas em horários, tempo, etc. na
realização do campo. Isto se fez.
Foram cadastradas 637 pessoas, das quais, 499 declaram proceder de Porto Alegre. As
138 pessoas restantes provêm de outras cidades. Somente 3 declaram proceder de Porto Alegre,
porém foram cadastradas em outras cidades que compuseram este estudo.
Viamão
O trabalho de campo iniciou em 15 de junho e se estendeu até 15 de julho, sendo
interrompido durante o campo de Porto Alegre. Foram cadastradas 49 pessoas. Na capital foram
cadastradas 44 com procedência de Viamão. Viamão apresentou dificuldades em razão das
especificidades da cidade, que apresentam vários bairros populosos distantes do centro. A maior
incidência verificou-se na região central de cidade e no Bairro Vila Izabel e seus entornos.
32
1.4.3 Entrevistas semi-estruturadas
Após a obtenção dos dados quantitativos e dos encontros com crianças, foram realizadas
11 entrevistas baseadas em roteiro semi-estruturado com informantes qualificados (entendidos
como aqueles que têm uma qualificação especifica, seja pela vivência, seja pelo conhecimento
sobre a temática). Dentre eles estão: pesquisadores dedicados ao tema, profissionais que
intervenham junto à população estudada ou pessoas que tenham habitado durante sua infância e
juventude na rua. O objetivo deste trabalho qualitativo foi de contribuir para a reflexão da equipe
técnica sobre o processo, os procedimentos e os dados obtidos por essa pesquisa. Este material
encontra-se registrado em fitas de áudio incorporadas a este relatório, sem tratamento específico.
1.4.4 Reuniões Focais
Abordagens de discurso espontâneo, mais adequadas a inclusão da faixa de 0 a 6 anos, e a
perceber o imaginário da criança, permitindo também colher informações sobre seu cotidiano,
dentro do roteiro geral da pesquisa, visam complementar a informação coletada pelo
cadastramento e entrevistas por amostragem realizadas nas sete cidades da GRANPAL.
Optou-se por realizar encontros do tipo Grupo Focal em que o roteiro dos temas
enfocados foi o mesmo que norteou a estruturação do questionário geral: auto-identificações,
família, educação, atividades, lazer, “rua”, sonhos, projetos, políticas sociais, violência.
Evitando criar uma situação artificial de respostas, priorizou-se as discussões internas da
equipe de pesquisadores sobre o momento da abordagem e sobre os encaminhamentos da
pesquisa. Procurou-se buscar o máximo de proximidade com o cotidiano destas crianças, ou seja,
foram realizados os encontros nos locais e horários em que permanecem habitualmente. Snow e
Anderson (1998) identificam como perspectivas em ação, aquelas em que o pesquisador
participa (de preferência de forma mais sistemática) do que está ocorrendo no momento com o
entrevistado. As perspectivas em ação levam a relatos ou conversas que ocorrem naturalmente e
fazem parte de um “sistema de ação corrente”, ou seja, que “contêm as percepções e
sentimentos que são inseparáveis dentro das próprias seqüências de ação” (Snow e Anderson,
1998: 49/50).
33
Uma das técnicas encontradas por estes autores foi a das “entrevistas por comentário”.
Explicam eles que “Entrevistar por comentário significa extrair informações de um informante,
fazendo afirmações intencionais em vez de perguntas diretas. Os comentários podem variar,
assim como ocorre com as perguntas, no grau com que são focados ou não e no seu nível de
especificidade ou generalidade”( Snow e Anderson, 1998: 50 rodapé).
Associou-se à metodologia de Grupos Focais, recursos de história oral e registro
etnográfico de dados. A metodologia utilizada contou com procedimentos diversos: estórias para
recontar, fantoches, desenhos livres e orientados, gravações de músicas, entrevistas a seus pares
e entrevistas por comentários a partir de roteiro temático.
Em quase todos os encontros foi utilizado o gravador como recurso para atrair a atenção,
mantê-los participando e explorar melhor os temas. O gravador não foi utilizado durante a
discussão dos temas, mas para manifestações espontâneas como cantar músicas de sua escolha,
gravar e ouvir o próprio nome, falar sobre um sonho ou projeto, mandar uma mensagem para
alguém.
Outra atividade foi a de realizar entrevistas a seus pares. No grupo, as crianças
escolheram suas duplas e fizeram perguntas que acharam pertinentes à realidade vivida por eles.
Mesmo sem serem sugeridos, os temas que abordaram coincidiram, em linhas gerais com o
roteiro inicial. Freqüentemente a metodologia é um caminho que se abre sem que o pesquisador
se dê conta de todo seu alcance teórico.
Os critérios de seleção das estórias foram: difusão, recepção, universalidade,
historicidade e capacidade metafórica sobre a situação de vida e projeto da população em estudo.
Através deles chegou-se às estórias do Patinho Feio e, subsidiariamente, do Joãozinho e
Mariazinha e do Pequeno Polegar.
Trata-se de estórias constantemente reeditadas, filmadas, reapresentadas em desenhos
animados em produções teatrais em todo o mundo, através dos tempos, remontando, a tradições
orais medievais, constituindo historicamente o imaginário infantil. Originalmente não se
destinavam a crianças, mas seus personagens, freqüentemente eram crianças, vistas como heróis,
por sobreviverem num mundo marcado pela alta mortalidade, trabalho desde os sete anos,
infanticídio, perante o qual o abandono é uma oportunidade. O sucesso dos heróis, pela coragem,
e esperteza, leva escritores a recolherem essas estórias de autonomia, rejeição, abandono,
trabalho infantil, coragem, “entregar-se à sorte”, tendo em vista o público infantil, a partir do
século XVII.
A referência a produtos culturais preferidos, (canções, jogos, desenhos, programas de TV,
cantores e atores prediletos) indica também o caráter histórico (aquilo que marca época) da
34
memória coletiva e do indivíduo, revela heróis, modelos a serem imitados (personagens e seus
protagonistas, atores, atrizes, cantores, grupos) e sua variação da infância à juventude. Também
permite uma abordagem indireta, protagonizada, isto é, em que o sujeito se expõe através do que
deseja expor.
Realizou-se 13 saídas de campo sendo que, destas, em duas não foram encontradas
crianças, totalizando, assim, um número de onze encontros. Destes, oito encontros foram
realizados na rua e 2 na Casa de Acolhimento/FASC ou abrigo especializado.
Em vários encontros, a presença das crianças foi fluida, pois elas circulavam pelo grupo e
pela rua. Em alguns casos, os maiores de 12 anos também participaram, pois se encontravam no
grupo.
Foram realizadas 7 reuniões com a equipe de campo, discussão de objetivos, população,
metodologia, avaliação das reuniões, narração das experiências e planejamento da continuidade.
A equipe de campo foi constituída por duas coordenadoras que fazem parte da equipe técnica,
uma psicóloga, um estudante de serviço social e duas educadoras populares com experiência em
trabalho na rua. As reuniões foram realizadas em trios: um dinamizador, um redator e um
auxiliar que, entre outras funções, observava o entorno.
Com a identificação dos locais mapeados em que se encontravam grupos de crianças, nos
deslocamos em equipe de três pesquisadores. Inicialmente, observávamos o espaço e a
movimentação espontânea das crianças, assim como se havia algum adulto responsável por
perto. Já após a primeira abordagem avaliamos que seria necessário ir até os adultos
responsáveis, mesmo que estes estivessem “escondidos” e solicitar autorização para realizar a
pesquisa. Isto facilitou em muito o nosso trabalho e deu tranqüilidade às crianças para
participarem sem a desconfiança e a cobrança do olhar dos adultos.
Identificados com um crachá da Universidade, os pesquisadores se aproximavam, faziam
as devidas apresentações e explicavam o intuito do trabalho, convidando as crianças a
participarem. Logo após, solicitávamos que as crianças escolhessem um local mais apropriado
para conversarmos e iniciávamos a técnica. Já no início da reunião e durante a leitura da história,
conseguíamos saber nome ou apelido, idade, de onde vinham, o que faziam ali. Perguntávamos
se alguém queria ler parte da história, se estudavam, onde, em que série e diversas outras
questões relacionadas à escola. A história servia como chave da memória, evocação, e de uma
resposta, surgiam interrogações sobre outro tema do roteiro. Durante o desenvolvimento das
atividades foram registradas, em diário de campo, as observações e informações a partir do
roteiro a priori.
35
No final das reuniões era oferecido aos participantes um button artesanal, em tecido e lã
com diferentes rostos de crianças e com a inscrição UFRGS na lateral. A seguir era realizada
avaliação da atividade com os participantes, os quais, no geral, mostravam-se satisfeitos. Para a
maioria, o que mais se destacou na avaliação positiva foi o fato de ser a primeira vez em que
alguém lia uma história para eles. Já para outros, foi considerado mais importante o fato de
estarem sendo ouvidos e terem suas informações, opiniões e idéias valorizados.
Além destas dinâmicas serem as mais apropriadas tanto para a aproximação como para a
desenvoltura da conversa com crianças, elas servem ainda como a oferta da contrapartida de um
tempo e espaço lúdico e de escuta sensível, tantas vezes distante do cotidiano da vida nas ruas.
Quadro 1- Datas, horário, locais e freqüências das reuniões focais com crianças
Data Hora Local Freq
1 09/06/04 16h às 18h Avenida Ada Mascarenhas com avenida Baltazar de Oliveira Garcia 0
2 11/06/04 19h30 às 21h Avenida Ada Mascarenhas com avenida Baltazar de Oliveira Garcia
2
3 15/06/04 14h às 16h Praça XV 10
4 22/06/04 14h30 às 16h Avenida Protásio Alves (defronte o Instituto Cultural) 4
5 06/07/04 20h às 22h Casa de Acolhimento 4
6 08/07/04 18h30 às 20h30 Avenida Cristiano Fischer com avenida Protásio Alves 3
7 09/07/04 16h às 18h Avenida Cristiano Fischer com avenida Protásio Alves 4
8 10/07/04 16h às 18h Avenida Caju e Avenida Ipiranga (Bourbon e CTG) 9
9 12/07/04 20h às 22h Casa de Acolhimento 10
10 16/07/04 16h às 18h30 Hospital da PUC/ Salvador França 0
11 17/07/04 10h30 às 12h30 Feira da avenida Érico Veríssimo / Estádio Olímpico 12
12 10/08/04 18h às 20h Feira da Praça da Matriz de Viamão 8
13 11/08/04 16h às 18h Calçada Centro Canoas 1
Total 67
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Foram realizadas sete reuniões entre os pesquisadores que participaram das reuniões
focais com crianças para avaliar e sintetizar a técnica.
36
1.5 Desafios e dificuldades
A referência às dificuldades e aos desafios encontrados ao longo deste estudo permite
compreender que todas as fases do processo, com seus descaminhos e rotas tortuosas são
constitutivos de um trabalho de pesquisa. Considerando apenas os resultados obtidos seria de um
positivismo inadequado à nossa concepção de pesquisa social.
Diversamente de enquêtes domiciliares ou institucionais, este estudo teve como alvo um
segmento social flutuante, que embora tenha preferência por certos territórios das cidades, não
está ligado a eles de maneira estável. Disso decorre que as equipes de campo não tinham locais
precisos para encontrá-los e, considerando-se a amplitude do universo geográfico em questão,
era comum que passassem uma tarde inteira percorrendo vários logradouros para encontrar
apenas um individuo a ser entrevistado ou então que tivessem que fazer repetidas investidas
numa mesma área das cidades para encontrar um número ínfimo de jovens com o perfil buscado.
Em termos de custo e tempo do trabalho de campo, isso se mostrou problemático.
Outra observação sobre a abordagem em campo diz respeito aos limites etários – até 18
anos incompletos - que tiveram que ser respeitados na constituição de nosso universo de
pesquisa, de acordo com a demanda do proponente. Ocorre que nas sociabilidades da rua, via de
regra, não existe tal delimitação precisa. Em certos casos, era preciso convencer membros de um
mesmo grupo que, por terem mais de 18 anos, não correspondiam ao perfil requerido pela
pesquisa, o que não raro causava frustrações dentre eles. Mas o que se mostrou ainda mais
problemático, foi a presença de um ou mais adultos que se interpunham na abordagem às
crianças – seja para protegê-las ou controlá-las, seja para despistar ou impedir a entrevista, seja
ainda para ajudar no seu andamento.
Uma dificuldade apontada pela equipe de campo, embora não de modo generalizado, foi
a baixa tolerância de alguns jovens para responder a integralidade do questionário. Este
problema, que já era previsível, não chegou a comprometer o conjunto dos dados – o que se deve
à habilidade dos entrevistadores em levar a cabo a maioria das enquêtes.
O estado de drogadição de certos jovens chegou a inviabilizar a realização de algumas
entrevistas. Esse problema será retomado no item relativo às Questões Éticas, onde também
37
faremos menção a determinadas situações constrangedoras relatadas pelos entrevistadores, como
o teor de determinadas perguntas ou o fato de que a realização de algumas entrevistas
interrompia a atividade de subsistência dos garotos. Isso, no entanto, não era motivo para
dissuadi-los da vontade de responderem ao questionário.
O uso de vários nomes e/ou sobrenomes é pratica recorrente de algumas crianças e
jovens em situação de rua. Ela reforça a questão da identidade anteriormente discutida,
apresentando-se como múltipla, dinâmica, seletiva e interativa. De outra parte, tal prática
demonstra uma estratégia de autodefesa e preservação diante de um interlocutor desconhecido.
Assim como esta, outras afirmações revelam graus variados de fantasias, a exemplo da
resposta à pergunta sobre o trabalho do pai ter sido de que ele seria “médico-cirurgião’. Antes de
percebê-la simplesmente como mentira é preciso ver aí a manifestação de um desejo, de uma
imagem mental da realidade, de uma projeção diante de seu interlocutor”.
No decorrer de certas entrevista, surgiam nuanças ou contradições em relação a
respostas diretas dadas anteriormente. Por exemplo, quando o entrevistado/a respondia que não
trabalhava, mas, aos poucos revelava que ‘só ajuda’ outra pessoa, que ‘só trabalha fins de
semana’, ou ‘só quando quer’, ‘pra tirar um troco’. É todo o imaginário social sobre trabalho que
aí está em jogo, conforme referimos anteriormente na parte conceitual deste relatório. Outro tipo
de resposta refratária era aquela que contradizia a prática observada pelo entrevistador. É o caso
de uma menina que afirmou não trabalhar, embora estivesse vendendo miudezas numa caixa
quando foi abordada. O mesmo ocorre com outra que passa toda a entrevista segurando um pano
embebido por loló, mas que responde negativamente à pergunta sobre o uso da droga em seu
entorno. Qual a atitude a ser tomada pelo entrevistador - registrar o que observa ou o que ouve?
Considerando que nosso instrumento prioritário de pesquisa foi um questionário estruturado, ele
deveria se ater à resposta oral dada pelo informante, restringindo-se a descrever a contradição na
folha anexa ao questionário.
Não se trata aqui de buscar provas de veracidade ou desmentir o dito. Em vez de insistir
numa improvável coerência é preferível reconhecer o paradoxo como próprio do comportamento
humano, cuja busca de sentido depende da correlação entre discurso e prática, os quais não se
opõem, mas se completam, podendo manifestar-se de forma contraditória.
Considere-se também ai o problema do descompasso entre as linguagens oral e escrita.
Ou seja, questões escritas eram formuladas e explicadas ao entrevistado, que as respondia
verbalmente conforme seu entendimento e percepção social, para que o entrevistador fizesse
nova passagem da linguagem oral para a escrita, dentro de alternativas geralmente fechadas.
Nessa trajetória, a fidelidade do dado depende muito da qualidade da comunicação e da
38
interpretação de ambas as partes, mas nem sempre é possível solucionar os problemas que dai
advêm.
Respostas lacunares ou não-resposta também puseram desafios ao registro de campo, a
exemplo dos jovens que, como já se referiu, estavam em tal estado de drogadição que se
mostravam incapazes de manter um diálogo. Trata-se de situações que não geraram respostas - o
que se apresenta, efetivamente, como um ‘dado’ relevante. Da mesma forma, houve casos em
que a resposta verbal não se enquadrava às alternativas previstas, obrigando o entrevistador a
fazer observações descritivas à margem do questionário. Isso nos obriga a refletir sobre o fato de
que o entendimento dos termos utilizados na comunicação não seria consensual, mas relativo aos
diversos segmentos sociais – a exemplo da noção de mãe, que não se restringe à condição de
biológica dentro da família nuclear, englobando membros da família extensa, funcionários de
instituições de acolhimento e outros adultos de referencia para a criança.
De fato, apesar do esforço em esclarecer possíveis ambigüidades de pesquisa, em
selecionar e capacitar as equipes de campo adequadamente e em realizar uma verdadeira
tradução na formulação de certas perguntas para que não guardassem jargões acadêmicos, restam
limites decorrentes da própria comunicação, da significação e do entendimento sócio-cultural
dessas questões, enfim da distância intransponível existente entre o Mesmo e o Outro (conforme
vimos através das noções de identidade e alteridade).
Conforme previsto, foram encontradas algumas dificuldades em relação à proposta
original: concentração em um mesmo local, o que inviabilizava a especificidade do trabalho com
as crianças; as crianças. Elas não estavam nos horários e nos locais mapeados anteriormente. A
técnica de grupos focal nem sempre concentra as atenções desejadas; a dinâmica de
movimentação das ruas fez com que, em algumas circunstâncias, foi necessário encerrar antes do
previsto.
As dificuldades foram contornadas a partir das discussões e avaliações da equipe.
Decidiu-se não voltar aos locais de fluxo muito intenso; disponibilizar carro para circular pela
cidade caso não fossem encontradas as crianças nos locais e horários previstos; comprar
fantoches coloridos para atrair mais à atenção das crianças sobre a história contada e fazê-las se
colocar no papel da personagem central que dialoga com outra personagem (o entrevistador).
Definiu-se a amostra a partir do mapeamento e dos critérios de diversidade e saturação.
Conforme Marre (1991) o de diversidade recompõe as relações do grupo social, seus temas,etc e
o de saturação dá o limite da amostra a partir do esgotamento por repetição de discursos e temas.
39
Devido à dificuldade inicial de formar grupos no espaço da rua para a realização do
trabalho com os temas, foram realizados, com autorização algumas reuniões dentro de um abrigo
especializado no atendimento a crianças com histórias de permanência nas ruas.
Em relação à dificuldade de se pesquisar todo o universo de sujeitos em questão em um
curto período de tempo, optou-se por selecionar uma amostra deste universo em cada cidade. A
partir do mapeamento, obteve-se os indicadores do número da amostra por cidade que, conforme
Marre (1991), não demanda necessariamente um cálculo estatístico, mas pode ser
qualitativamente escolhida. Ainda segundo este autor, há dois conceitos que foram levados em
consideração para a escolha da amostra: o de diversidade (que recompõe as relações do grupo
social, seus temas,etc) e o de saturação (que dá o limite da amostra a partir do esgotamento por
repetição de discursos e temas).
40
2 IDENTIFICAÇÃO
2.1 CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA DOS MUNICÍPIOS
Os municípios que integram o GRANPAL / pesquisa se caracterizam pela diversidade em
quase todos os indicadores sociais. A expectativa de vida ao nascer é diferente em cada cidade.
No indicador “mortalidade infantil” percebe-se a diferença mais signifcativa, variando entre 11,3
em Viamão a 21,4 em Alvorada, considerando-se até o primeiro ano de vida.
Quadro 02 - Perfil demográfico, longevidade e mortalidade infantil dos municípios da região metropolitana* de Porto Alegre
Municípios*
Indicadores Alvorada
Cachoei-
rinha Canoas Esteio Gravataí
Porto
Alegre Viamão
Área (km) 72,9 43,7 131,1 27,6 478,8 496,1 1.494,2
Densidade demográfica (hab/km²) 2.516,1 2.459.3 2..331,9 2.899,5 485,5 2.741,2 151,7
Distância da capital (km) 14,8 15,9 13,5 19,7 24,9 -- 20,6
Ano de instalação 1965 1965 1939 1954 1880 1809 1880
1991 142.046 88.195 269.258 70.547 181.035 1.252.898 180.681
2000 183.968 107.564 306.093 80.048 232.629 1.360.590 227.429 População total
2003 201.919 113.721 318.597 82.110 250.386 1.392.711 246.355
1991 67,1 67,3 67,7 67,1 71,52 69.9 68,2 Longevidade Esperança de vida ao nascer (em anos)
2000 70,0 72,6 71,4 74,7 73,.6 71,5 75,0
1991 26,0 25,4 24,4 26,0 16,0 21,1 23,1 Mortalidade infantil até 01 ano
2000 21,4 15,8 18,3 11,8 13,0 18,1 11,3
1991 30,42 29,74 28,51 30,42 18,79 24,74 27,11 Mortalidade infantil até 05 anos
2000 21,74 16,01 18,53 12,01 14,05 18,33 11,46
Fonte: Organizado por Marlene Fiorotti a partir de dados do Atlas de desenvolvimento Humano – PNUD, IBGE e FEE
*A região metropolitana, segundo a FAMURS, possui 10 municípios. Aqui estão considerados somente os participantes do projeto Rede de Proteção
41
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) composto pela Renda Per Capitã,
pela Escolaridade e pela expectativa de vida, apresentou melhoria em todas as cidades entre 1991
e 2000. No entanto expressa diferenças marcantes entre as cidades, especialmente entre Alvorada,
com IDH 0,768 e Porto Alegre, com IDH 0,865 (o máximo de pontuação é 1).
Quadro 03 : Perfil de renda, de IDH e de pobres nos municípios da região metropolitana* de Porto Alegre
Municípios*
Indicadores Alvorada
Cachoei-
rinha Canoas Esteio Gravataí
Porto
Alegre Viamão
1991 170,8 237,8 267,6 270,5 213,4 525,2 202,7 Renda Per capita (U$A)
2000 214,8 316,8 353,2 364,5 288,6 709,9 253,9
1991 53,1 48,7 45,2 47,7 49,9 39,7 48,4 Renda Apropriada pelos 80% mais pobres (%) 2000 50,1 46,9 42,5 45,7 46,8 36,0 46,0
1991 46,9 51,3 54,8 152,3 150,1 60,3 51,6 Renda Apropriada pelo 20% mais ricos (%) 2000 49,9 53,1 57,5 54,3 53,2 64,0 54,0
1991 0,716 0,745 0,759 0,763 0,766 0,824 0,732 Índice de Desenvolvimento Humano municipal 2000 0,768 0,813 0,815 0,842 0,811 0,865 0,808
1991 0,815 0,844 0,859 0,879 0,855 0,907 0,818 Educação (IDH)
2000 0,885 0,913 0,920 0,942 0,906 0,951 0,892
1991 0,701 0,705 0,712 0,701 0,776 0,748 0,720 Longevidade (IDH)
2000 0,750 0,793 0,773 0,828 0,810 0,775 0,834
1991 0,631 0,686 0,706 0,708 0,668 0,818 0,659 Renda (IDH)
2000 0,669 0,734 0,752 0,757 0,718 0,869 0,697
1991 23,5 16,4 16,9 15,4 16,0 11,0 22.4 Proporção de pobres (%) 2000 20,8 13,4 15,7 12,2 13,8 11,3 20,8
Fonte: Organizado por Marlene Fiorotti a partir de dados do Atlas de desenvolvimento Humano – PNUD, IBGE e FEE
*A região metropolitana, segundo a FAMURS, possui 10 municípios. Aqui estão considerados somente os participantes do projeto Rede de Proteção
A distribuição de renda apresenta discrepâncias altas em todas as cidades. Em Porto
Alegre, verifica-se o maior índice de concentração de renda entre os 20% mais ricos, em
Alvorada o menor. No período entre 1991 e 2000 houve pouca variação na distribuição de renda,
apresentando leve tendência positiva, sendo que não ultrapassa 3% no período.
42
2.2.IDENTIFICAÇÃO DOS CADASTRADOS
Das 825 crianças e adolescentes censadas nas sete cidades pesquisadas, 79 % são do sexo
masculino e 21% do feminino. Porto Alegre apresenta maior incidência do sexo feminino (23,7%
das cadastradas e 23,3% das entrevistadas), nas demais cidades esta categoria representa a
metade (11,7% e 10,2 respectivamente). Do total censado 248 (30,1%) responderam a entrevista
através de questionário.
TABELA 02 – Freqüência de Cadastrados e Entrevistados Geral Porto Alegre Outras Cidades Cadastrados /
Entrevistados Freq % Fem (%) Freq % Fem (%) Freq % Fem (%)
Cadastrados 277 69,9 21,0 448 70,3 23,7 129 68,6 11,7
Cadastrados e entrevistados
248 30,1 20,2 189 29,7 23,3 59 31,4 10,2
Total 825 100 --- 637 100 --- 188 100 ---
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Os resultados apurados nas cidades permaneceram dentro da expectativa gerada pelo
mapeamento, não apresentando discrepâncias significativas.
Mais de dois terços (77,2%) da população recenseada encontra-se em Porto Alegre. Das
demais cidades, Canoas (8,1%) e Viamão (7,3%) foram as que apresentaram maior presença de
crianças e adolescentes em situação de rua.
TABELA 03 – Freqüência cadastros e entrevistas por cidade
Cadastros Cadastros e
entrevistas Cidade
Freq % Freq %
Alvorada 11 1,3 3 1,2
Cachoeirinha 20 2,4 6 2,4
Canoas 67 8,1 22 8,9
Esteio 18 2,2 6 2,4
Gravataí 12 1,5 5 2,0
Porto Alegre 637 77,2 189 76,2
Viamão 60 7,3 17 6,9
Total 825 100 248 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
43
A distribuição dos cadastrados por faixa etária, mostra que a maior incidência está na
faixa dos 12 aos 14 anos (33,3%) e dos 15 aos 18 (30,5%). A menor está na faixa dos 0 aos 6
anos (7,4%). Percebe-se que há uma tendência à presença de crianças e dos de mais idade
estarem na Capital.
TABELA 04 – Distribuição dos cadastrados por faixa etária*
Idade Geral
%
Porto Alegre
%
Outras Cidades
%
De 0 a 6 anos 7,4 8,3 4,3
De 7 a 11 anos 26,8 26,5 27,7
De 12 a 14 anos 33,3 31,7 38,7
De 15 a 18 anos (incompletos) 30,5 32,7 23,4
Não sabe / Não respondeu 1,9 0,8 5,9
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004 * extratos foram estabelecidos por critérios sócio-eduativos e legais
É significativo o número de crianças de 0 a 6 anos (7,4% dos cadastrados) que se
encontram em situação de rua. Na maioria dos casos estão acompanhados de uma pessoa adulta.
Nesta faixa etária (0 aos 6 anos), não foram realizadas entrevistas estruturadas, pois o conteúdo e
a estrutura do questionário não esteava adaptado para esta faixa. Nas reuniões dos Grupos
Focais, a presença de crianças deste estrato etário também foi pouco significativo, pois a maioria
está sob controle de adulto.
Nessas reuniões, predominaram pessoas com idades até os doze anos. Foi possível
perceber que não se encontram isoladas, mas tendem a participar dos grupos, mesmo que
informalmente. Predominou a presença do sexo masculino e maiores de 6 anos.
Na relação Porto Alegre e demais cidades a proporção por faixa etária se mantém muito
semelhante entre todas, com fraca tendência a concentrarem-se nos extratos entre 12 a 14 anos
(38,7%) e entre 7 a 14 anos (27,7%). Chamam a atenção os 7,4% que possuem idade inferior a
sete anos, concentrando-se no intervalo entre 4 e 6 anos, sobre os quais este estudo tem pouca
informação estatística, pois não foram entrevistados, através de questionário estruturado. Porto
Alegre tem duas vezes mais crianças nesse estrato (4 a 6 anos).
A saída de casa para a rua, não apresenta relação com a condição específica em que vive
na rua, especialmente para os que estão na rua enquanto seu habitat principal. Para estes que
predominantemente lutam pela sua própria sobrevivência e/ou em muitos casos de outros
familiares, a saída de casa significa fuga de ambiente hostil, considerado insuportável para mais
da metade (53,6%) entre os da faixa dos 7 aos 11 anos, e para 22,6% dos que estão na faixa entre
os 12 aos 14 anos.
44
TABELA 05 - Faixa etária* em que saiu para a rua
Faixa etária Geral Porto Alegre Outras Cidades
De 0 a 6 anos 13,7 15,3 8,5
De 7 a 11 anos 53,6 51,9 59,3
De 12 a 14 anos 22,6 24,4 16,9
De 15 a 17 anos 4,8 3,7 8,5
Não sabe 2,4 2,6 1,7
Não respondeu 2,8 2,1 5,1
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
* Média de idade: Geral: 9,6 anos; Porto Alegre: 9,5 Outras Cidades: 9,8
É significativo do ponto de vista qualitativo, os 13,7% que possuíam menos de 7 anos
quando ingressaram neste universo. Dentre eles predomina os da faixa etária entre os 4 aos 6
anos de idade. Após os 14 anos praticamente não se verifica esta transição para a rua em Porto
Alegre, porém nas “outras cidades”, verifica-se maior “ida para a rua” na faixa etária entre 7 e 11
anos (59,3%) e na faixa entre 15 e 17 anos (8,5%) e significativamente maior que em Porto
Alegre. Os dados sugerem a hipótese de que pode haver relação entre a “ida para a rua” e a
escola, no sentido de que ao ingressarem na escola, adquirem maior autonomia na forma e local
de ocupação de seu tempo e ao terminarem o nível fundamental (em geral com 14 anos) também
se sentem mais autônomos sob este aspecto. Neste caso estaria embutido que os conflito
domésticos podem deslanchar o processo de ida para a rua, porém sua viabilização depende de
condições objetivos, alheias ao doméstico, como o caso da saída de casa para a escola ou
ocupação do tempo após a conclusão da escolaridade, no caso o nível fundamental.
Os dados sobre o tempo em que cada um está na rua, mostram que há uma dispersão entre
os períodos, ou seja, menos de um ano (12,9%) a um período entre 9 e 15 anos (8,1%). Não há
um perfil de idade específica para iniciar a vida na rua.
TABELA 06 – Tempo que está na rua*
Tempo em anos Geral Porto Alegre Outras Cidades
Há menos de 1 ano 12,9 12,7 13,6
De 1 a 2 anos 16,1 18,0 10,2
De 2 a 3 anos 10,9 11,1 10,2
De 3 a 4 anos 15,3 15,3 15,3
De 4 a 6 anos 16,6 15,3 20,2
De 6 a 9 anos 13,7 11,1 22,0
De 9 a 15 anos 8,1 10,1 1,7
Não sabe 3,2 3,7 1,7
Não respondeu 3,2 2,6 5,1
Total 100 100 100 * Cálculo : idade atual menos a idade de “ida para a rua”. Média de anos: 3,6
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
45
Cerca de 55% estão nessa situação há menos de 4 anos, sendo a média de 3,6 anos.
Percebe-se que, em Porto Alegre, a faixa etária de maior incidência em situação de rua é a de 9 a
15 anos, enquanto nas outras cidades, predominam crianças entre 4 e 9 anos.
A relação entre as variáveis “tempo em que está na rua” e “faixa etária” mostra que não
há concentração significativa. A variação entre as faixas etárias é pouco significativa. Revela
porém que cerca de 40% está nesta condição há 4 anos ou mais, mostrando claramente uma
situação de permanência e não de transitoriedade nessa situação. Mostra também que o processo
de ida para a rua não foi estancado, pois 13% estão aí há menos de um ano.
TABELA 07 – Faixa etária e tempo que está na rua
Faixa Etária Tempo que está na
rua De 0 a 6 anos
De 7 a 11
anos
De 12 a 14
anos
De 15 a 18 anos
(incompletos)
Total
Há menos de 1 ano 33,3 20,9 12,5 6,7 13,0
De 1 a 2 anos 66,7 19,4 17,0 11,2 16,2
De 2 a 3 anos --- 16,4 12,5 5,6 10,9
De 3 a 4 anos --- 19,4 17,0 11,2 15,4
De 4 a 6 anos --- 11,9 19,3 18,0 16,6
De 6 a 9 anos --- 1,5 15,9 21,3 13,8
De 9 a 15 anos --- --- 1,1 21,3 8,1
NS/NR --- 10,4 4,5 4,5 6,1
Total 100 100 100 100 100
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Indagados sobre o tempo que significa o período em que estão na rua, parece haver
coerência entre o tempo real e o tempo “imaginado”, pois a resposta “pouco tempo” foi dada por
cerca da metade dos entrevistados que estão na rua a até quatro anos. À medida que o tempo de
rua aumenta, a percepção de muito tempo aumenta.
Porto Alegre revela um maior número de jovens que estão a pouco tempo na rua
enquanto as “outras cidades” mostram uma proporção maior dos que estão há quatro anos ou
mais na rua.
Os principais motivos apontados para ingressar na “vida da rua” são em ordem
decrescente : ajudar a família (48%), porque gosta ou por opção (19,4%) e como fuga de maus
tratos na família (6,9%). O primeiro motivo é pouco mais acentuado nas cidades circundantes da
Capital, enquanto que os dois outros, “gosto” e “maus tratos” é bem mais acentuado em Porto
Alegre (21,2 e 8,5% respectivamente). Os demais apontaram uma gama numerosa e dispersa de
razões.
46
Os turnos de permanência coincidem predominantemente com os de melhores chances de
sucesso nas atividades. A maioria afirmou estar na rua para atividades remuneradas
(sobrevivência), e, portanto os turnos “manhã e tarde” (25,0%) ou somente “tarde” (23,8%) são
os mais utilizados. Coincide com os turnos de realização das entrevistas (56,5% tarde e 35,4%
noite, relembrando que o turno noite inicia às 18 h). É bastante evidente o aproveitamento que
fazem dos períodos de maior circulação nas ruas, dando-lhes, aparentemente, maiores chances.
A análise das identidades étnicas seguiu duas fontes de informações: uma refere-se à
identificação atribuída pelo entrevistador, com base na aparência visual e outra se refere à auto-
atribuição do entrevistado. A atribuição do entrevistador mostrou uma distribuição relativamente
eqüitativa entre três “raças/cores”, a branca, a negra e a parda (variando entre 33,9% e 28,5%)
para Porto Alegre. Para as demais cidades observarou-se forte predominância da branca (40,4%)
TABELA 08 – Raça / Cor atribuída pelo entrevistador e auto-atribuída
Geral Porto Alegre Outras Cidades
Raça/cor Atribuída
Auto-
atribuída Atribuída
Auto-
atribuída Atribuída
Auto-
atribuída
Branca 33,9 29,8 32,0 29,5 40,4 30,9
Moreno 0,0 24,6 0,0 25,1 0,0 22,9
Negra 28,5 18,8 29,7 19,0 24,5 18,1
Parda/Mulato 33,1 11,6 35,6 12,6 24,5 8,5
Amarela 0,4 1,6 0,5 1,3 0,0 2,7
Indígena 1,7 1,9 1,3 1,7 3,2 2,7
Outra (mista em geral) 0,2 1,7 0,2 2,2 0,5 ---
Não sabe 0,0 1,9 0,0 1,7 0,0 2,7
Não respondeu 2,2 8,0 0,8 6,9 6,9 11,7
Total 100 100 100 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
A auto-atribuída revelou uma elevada gama de variações, como bugre, sarará, mestiço,
cuia, marrom, jambo para citar as que não constam da tabela. Revelaram-se diferenças
significativas entre a identidade étnica atribuída e a auto-atribuída, mostrando que conceitos
consensuais são reelaborados. A diferença mais marcante está nas cores branca e negra em que
os entrevistadores superestimaram. Isto se deve, em parte, ao fato das respostas auto-atribuídas
serem abertas aos entrevistados, enquanto que, para os entrevistadores, as atribuições estavam
baseadas nas categorias dos últimos censos do IBGE. Esta relação permanece semelhante em
Porto Alegre e nas demais cidades. A proporção de não-brancos é maior do que na população
geral da região (em torno de 14%).
Dos 543 maiores de 12 anos , mais de 80 % não possuem companheiro fixo em Porto
Alegre e quase 100% nas demais cidades. É baixo o índice dos que possuem filhos (7%). Há
pouca diferença entre Porto Alegre e as demais cidades.
47
3 Territorialização
Do total censado, 77% o foram em Porto Alegre, porém somente 69,4% destes nasceram
nesta cidade, sendo 12,7% nascidos nas cidades da Grande Porto Alegre e 8,5% no interior do
estado. Cerca de 80% revelou ter nascido no território da Grande Porto Alegre, com maior
incidência para a Capital (58,5%). Dos que foram censados nas demais cidades, 21,3% nasceu
em Porto Alegre, revelando uma tendência de migração familiar da Capital para aquelas cidades
e vice-versa, o que confirma as pesquisas atuais sobre a itinerância constante destas famílias.
Esses dados são controversos em relação às cidades de procedência dos entrevistados, ou seja a
declaração deles sobre sua referência familiar.
TABELA 09 – Cidade de nascimento dos cadastrados
Município Geral Porto Alegre Outras Cidades
Porto Alegre 58,5 69,4 21,3
Grande Porto Alegre 20,7 12,7 47,9
Interior do Estado 8,5 8,2 9,6
Outro estado 1,3 1,3 1,6
Outro país 0,1 0,2 ---
Não sabe 3,3 3,0 4,3
Não respondeu 7,6 5,3 15,4
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Analisando-se a procedência, ou seja, onde possuem suas referências familiares ou
residem, constata-se significativa diferença, pois as cidades que apresentaram pouca freqüência
de abordagens, apresentaram relativamente alta incidência de crianças e adolescentes que estão
exercendo atividades ou vivendo em outra cidade, principalmente Porto Alegre. Esta diminui de
78,3% (cadastrados) nas ruas para 60,9% que declararam proceder da Capital.
48
TABELA 10 – Cidade de procedência dos cadastrados
Cidade Geral Porto Alegre Outras
Cidades
Alvorada 7,1 7,4 5,9
Cachoeirinha 2,5 0,9 8,0
Canoas 8,2 1,1 32,4
Esteio 2,2 --- 9,6
Gravataí 2,5 0,8 8,5
Porto Alegre 60,9 78,3 1,6
Viamão 12,1 6,4 30,9
Outras 2,9 3,2 3,2
Não respondeu 1,6 2,0 ---
Total 100 100 100
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Os dados sobre cidade de procedência e cidade onde foram cadastrados, não coincidem,
mostrando haver mobilidade entre as cidades. O cadastro expressa a situação no dia do seu
preenchimento. Alvorada contribuiu com 7% (58) do total cadastrado, porém 81 % (47) está em
Porto Alegre. De procedência da cidade de Cachoeirinha 29% (6) estão em Porto Alegre e, um
em Gravataí, cidade que recebe 25% (5) de Cachoeirinha, mesmo valor de população procedente
desta cidade que está em Porto Alegre. Canoas, apresenta pouca situação atípica em relação às
demais cidades, pois do total de 68 procedentes desta cidade, 88,1% (59) foram cadastrados na
cidades. Os demais, 5 estavam m Porto Alegre e 1 em Cachoeirinha. De Esteio, apenas 1 está
fora da cidade, em Canoas. Porto Alegre é a cidade que apresenta maior discrepância entre
procedência e situação de fato, pois apenas 78,3 % dos cadastrados aí têm origem. Alvorada
(7,4%) e Viamão (6,4%) são as cidades que apresentaram maior índice de “procedência” na
Capital. Das demais cidades, a procedência em Porto Alegre é ao redor de 1% (ou seja 6
indivíduos). Somente de Esteio não procede ninguém. Em foram encontradas pessoas (2,8%)
procedentes de cidades não participantes deste estudo.
Em relação à residência do pai, as informações mostram que há discordância com o local
de residência da mãe. Para aproximadamente um terço o pai é falecido (16,9%) ou desconhecido
ou ignorado. No geral, 39,2 % dos pais masculinos residem em Porto Alegre e dos que foram
entrevistados nesta cidade, 50,3% residem na Capital. As informações indicam uma migração ou
permanência do pai nas cidades da grande Porto Alegre, pois poucos residem em outras partes.
A mãe, de maneira geral reside nas cidades em que foram entrevistados, principalmente
os que não são de fora de Porto Alegre (86,4% residem na cidade). Para 69,3% dos que estão na
Capital, as mães aí residem e para 20,6% elas moram em outras cidades da Grande Porto Alegre.
Não houve nenhuma resposta não sabe ou desconhecida e constata-se que 6,0% são falecidas.
49
Para o deslocamento, as crianças e adolescentes em situação de rua se servem com mais
freqüência de ônibus (74,6%) somando-se a categoria “freqüentemente” com a de “às vezes” e a
pé (60,1%) também incluindo “freqüentemente” e “às vezes”.
TABELA 11 – Usa ônibus com maior freqüência para se deslocar de um lugar para o outro
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Freqüentemente 49,6 51,9 42,4
Às vezes 27,8 28,6 25,4
Nunca 21,0 18,5 28,8
Não respondeu 1,6 1,1 3,4
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
O uso de outros meios como carona e carroças é pouco significativo.
50
4 RELAÇÕES FAMILIARES E INTERPESSOAIS
O conceito de família presta-se a diferentes interpretações e deve estar localizado dentro
do referencial sócio-cultural das pessoas com quem se estabelece diálogo. Optou-se por não
impor ao entrevistado uma concepção de família. Por isso, primeiramente perguntava-se quem
eles consideravam como sendo de sua família e, após, sobre a existência de outros membros
familiares da unidade familiar e se estes membros moram de fato com o entrevistado.
TABELA 12 – Tem familiar geral (Porto Alegre e Outras Cidades)
Familiares Geral
Tem Não tem Total
Pai 77,4 22,6 100
Mãe 94,4 5,6 100
Irmãos 98,8 1,2 100
Filhos* 8,4 91,6 100
Companheiro* 16,3 83,7 100
Avós 71,0 29,0 100
Padrasto 42,9 57,3 100
Madrasta 14,1 85,9 100
* Somente para maiores de 12 anos Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
TABELA 13 – Tem familiar, Porto Alegre
Familiares Porto Alegre
Tem Não tem Total
Pai 78,3 21,7 100
Mãe 95,2 4,8 100
Irmãos 98,4 1,6 100
Filhos* 9,6 90,4 100
Companheiro* 20,6 79,4 100
Avós 74,1 25,9 100
Padrasto 44,1 56,1 100
Madrasta 14,8 85,2 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004 * Somente para maiores de 12 anos
51
TABELA 14 – Tem familiar, Outras Cidades (exceto Porto Alegre)
Familiares Outras Cidades
Tem Não tem Total
Pai 74,6 25,4 100
Mãe 91,5 8,5 100
Irmãos 100 --- 100
Filhos* 4,8 95,2 100
Companheiro* 2,4 97,6 100
Avós 61,0 39,0 100
Padrasto 39,0 61,0 100
Madrasta 11,9 88,1 100 * Somente para maiores de 12 anos Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Dos 94,4 % que disseram ter mãe, 81,5% a citaram como membro da família. Dos 77,4%
que referem ter pai, apenas 48,8 % consideram este como membro de sua família. A referência a
irmãos demonstra que dos 98,8 % que dizem ter irmãos, 73, 4% moram com os irmãos e 77, 4 %
consideram estes como de sua família. A presença e importância simbólica dos irmãos como
membros da família parece constituir-se em elemento referencial importante para esta população.
Destaca-se aqui, a evidência da referência principal a irmãos quando da resposta
espontânea sobre quem considera como sendo membros da sua família. Reforçando a hipótese de
haver laço fundamental entre irmãos. Mesmo que a mãe esteja presente em todos os discursos, a
autoridade parental parece deslocar-se de “pai e mãe” para “irmãos”, principalmente,ente entre
crianças.
Há uma proximidade estatística entre os que moram com o pai (33,1 %) e os que moram
com o padrasto (24, 2 %). O que diminui quando a relação é entre quem mora com a mãe
(69,8%) e quem mora com a madrasta, pois, mesmo entre os 14, 1% que dizem ter madrasta,
nenhum diz morar com esta.
O padrasto também é figura bastante presente, pois 42,9 % os têm, 24,2% moram com
este, porém, 10,9% o consideram como sendo de sua família na resposta espontânea. Dos 14,1%
que disseram ter madrasta, 1,2% a consideram como parte da sua família.
Para os maiores de 12 anos, em torno de 70% dos que disseram ter filhos lembram destes
como membro de sua família, sendo que apenas 3,9% moram com seus filhos. Dos 16,3% que
disseram ter companheiro (a) fixo(a) apenas um quarto os consideram como da família, sendo
que mais de um terço moram com estes (as). Avós (29%), tios (29%), primos (17,3%), cunhados
(2,4%), padrinhos (2%) e amigos (1,6%), também foram citados como da família.
52
Estórias trabalhadas em grupo focal, conforme se explicita na metodologia, elaboradas a
partir de um tempo também caracterizado pelo trabalho precoce e abandono de crianças por
miséria, sugerem uma construção afetiva e institucional alternativa da família, assim como as
tabelas acima. Tanto Joãozinho como o Pequeno Polegar, lideram, exercem função parental
sobre seus irmãos, mostrando-se mais fortes dos que os pais, capazes de vencer uma bruxa,
retornar a casa, protegê-los e salvá-los da miséria. Tal poder provoca forte entusiasmo entre os
ouvintes.
Quando estão na rua, convivem com companheiros ou amigos (39,2%) ou agregados de
irmãos (25,4%) perfazendo praticamente dois terços de convívio entre pessoas de confiança.
Agregando-se os 12,9% que afirmam conviver com pais ou irmãos, perfazem quase 80%. Porém,
chama a atenção que para a população geral 13,7% passa a maior parte do tempo sozinha, sendo
essa porcentagem ainda maior nas outras cidades 16,9%. Porto Alegre é onde o índice de
convívio entre companheiros é maior (40,7%), bem como com pais e irmãos (15,3%). Neste
caso, chama a atenção o fato de que, nas demais cidades, apenas 5,1% convivem com pais e
irmãos quando estão na rua..
TABELA 15 – Pessoas / grupos com quem passa a maior parte do tempo quando está na rua
Pessoas / Grupos Geral Porto
Alegre
Outras
Cidades
Companheiros / amigos 39,2 40,7 33,9
Irmãos / companheiros / amigos 25,4 22,2 35,6
Pais / irmãos 12,9 15,3 5,1
Parentes (tios, avós, primos) 5,2 5,3 5,1
Adultos sem parentesco, com os quais mantém relação de trabalho 2,0 2,1 1,7
Adultos sem parentesco, com os quais não mantém relação de trabalho 1,2 1,1 1,7
Sozinho 13,7 12,7 16,9
Não respondeu 0,4 0,5 ---
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Grupos de crianças, há mais tempo na rua em atividades laborais e sem a supervisão de
um adulto, observa-se a liderança do grupo, em geral entre irmãos e agregados.
O encontro com as crianças na feira de verduras na Praça de um das cidades, foi pautado
pela pressa destas em atender as demandas dos adultos que os esperavam, em casa, com os
produtos coletados na feira. Inicialmente, localizou-se cinco crianças que já estavam aguardando
o ônibus para voltar para casa e aceitaram o convite para a reunião na praça próxima, após
explicar de que não se tratava do Conselho Tutelar e de que as informações não seriam
repassadas aos conselheiros. Todos estavam com sacolas cheias, especialmente de talos e folhas
de legumes que, em geral, são dispensados pelos feirantes. Durante toda a reunião ficavam
53
espreitando a chegada do seu ônibus. Um dos meninos que manifestou liderança, dava
cotoveladas e olhares censores, em especial, quando o assunto tratado era família, violência ou
drogas.
Os lugares preferidos nos períodos em que estão na rua estão relacionados à ocupação do
tempo. As atividades que na sua maioria exigem deslocamentos, levou às respostas de que
passam a maior parte do tempo “pelas ruas trabalhando / perambulando” (22,6% ou 36,3%
somando-se primeiras e segundas opções). As praças ou parques são preferidos por 25,9%. Os
demais locais são sinaleiras (pedintes ou vendedores), próximo a supermercados ou outros
comércios (12,9%), estacionamentos, rodoviária e calçadões.
TABELA 16 – Seleção de lugar em que passa bastante tempo quando está na rua (primeira resposta)
Geral Porto Alegre Outras Cidades
Lugares Primeira
resposta
Segunda
resposta
Primeira
resposta
Segunda
resposta
Primeira
resposta
Segunda
resposta
Praças / parques 25,9 --- 29,1 --- 15,3 ---
Pelas ruas (trabalhando ou perambulando)
22,6 13,7 21,0 15,9 27,1 6,8
Sinaleira 13,7 1,6 14,4 2,1 11,8 ---
Supermercado / Comércio 12,9 2,8 12,3 2,7 15,3 3,4
Calçadas / Calçadão 8,9 0,8 7,9 0,5 11,8 1,7
Rodoviária / Ponto do ônibus / Terminal
5,2 0,4 3,7 0,5 10,2 ---
Estacionamento 5,2 --- 4,2 --- 8,5 ---
Outras respostas 4,0 2,4 5,3 2,6 --- 1,7
Não respondeu 1,6 78,3 2,1 75,7 --- 86,4
Total 100 100 100 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Quanto aos lugares em que passam bastante tempo quando estão nas ruas, as respostas
obtidas em Porto Alegre – “praças e parques” - se distinguem daquelas referidas nas demais
cidades: supermercados e perambulando pelas ruas. Os atrativos destes lugares são, na ordem,
trabalho, dinheiro e ponto de encontro entre amigos.
Para dormir, os lugares preferidos mostram o grau de vinculação com a rua. A casa ou
família (por eles identificada) é o mais usual para dormir (77,8%) seguido pelos mocós (11,7%)
e abrigos (7,7%). O local de dormida revela uma vinculação com a família ou ambiente familiar
percentualmente alto.
54
TABELA 17 – Local em que dorme na maioria das vezes
Locais Geral Porto Alegre Outras Cidades
Em casa, com a família ou conhecidos 77,8 73,5 91,5
Nos mocós / rua 11,7 14,3 3,4
Em abrigos 7,7 10,1 ---
Outros 2,42 --- 1,7
Não respondeu 0,4 0,5 ---
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Dos 0 aos 6 anos, observa-se que poucas crianças passam a noite nas ruas. Este fato
chama a atenção para a questão de que, nesta faixa etária, as crianças apresentam-se como mais
vulneráveis e, quando expostas dormindo nas ruas, rapidamente chamam a atenção da sociedade.
Fato este, que faz com que a presença de crianças pequenas nos mocós represente uma ameaça
aos maiores, pois, segundo eles, “atrai” a polícia e o Conselho Tutelar para seus lugares.
A volta para casa da família ou de conhecidos é cotidiana para 75,5% ou 93,2% para os
que não estão em Porto Alegre. Porém, 8,9 % da população geral estudada nunca volta para casa,
ou 11,1% dos que estão em Porto Alegre e apenas 1,7% nos municípios circunvizinhos. Os
dados mostram que cerca de três quartos das crianças e adolescentes em situação de rua têm
contato cotidiano com pessoas que consideram como familiar.
A soma dos que mantêm contato irregular com a casa familiar é de 15,6% para o total do
universo em questão, elevando-se para 19,1% na Capital e diminuindo significativamente – 5,1%
- nas demais cidades.
TABELA 18 – Volta para casa da família ou conhecidos
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Todos os dias / noites 75,5 69,8 93,2
Às vezes na semana 4,0 4,8 1,7
De vez em quando 5,2 6,9 ---
Nos finais de semana 4,0 4,2 3,4
Varia muito 2,4 3,2 ---
Não volta 8,9 11,1 1,7
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Os que não voltam para a casa alegam como principais motivos: não quererem (21,3%),
sendo menos acentuado para os de Porto Alegre; não terem transporte ou dinheiro para pagá-lo
(14,9%); se sentirem maltratados em casa (14,9% respondido somente por entrevistados em
55
Porto Alegre) ou por gostarem da rua (11,5% respondido somente por entrevistados em Porto
Alegre).
TABELA 19 – Motivo de não voltar para casa todos os dias (primeira resposta)*
Motivo Geral Porto Alegre Outras Cidades
É maltratado em casa / alcoolismo na família 16,5 17,5 ---
Não tem transporte/Não tem dinheiro para o transporte/é longe 16,5 14,0 50,0
Gosta da rua 13,1 14,0 ---
Não sabe onde está a família / Não tem casa 4,9 5,3 ---
Não tem nada para levar para casa 4,9 3,5 25,0
Condições desfavoráveis 3,3 3,5 ---
Porque não quer 21,3 21,0 25,0
Porque é viciado 3,3 3,5 ---
Tem que pedir para o padrasto para voltar 1,6 1,8 ---
Quando fica muito tarde, não volta 1,6 1,8 ---
A tia trabalha, não pode ficar junto 1,6 1,8 ---
Por causa do colégio 1,6 1,8 ---
Não respondeu 9,8 10,5 ---
Total 100 100 100 * Somente para quem disse não voltar pra casa todos os dias
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Os poucos que responderam (21,2%) a segunda opção dos motivos para não voltar para
casa todos os dias, não acrescentam nada de significante.
TABELA 20 – Faixa etária e Volta para casa da família ou conhecidos
Faixa Etária Volta para casa da família ou conhecidos De 0 a 6
anos
De 7 a 11
anos
De 12 a 14
anos
De 15 a 18
anos
(incompletos)
Total
Todos os dias / noites 100,0 89,6 84,1 56,2 75,7
Às vezes na semana --- 1,5 2,3 7,9 4,0
De vez em quando --- 1,5 4,5 9,0 5,3
Nos finais de semana --- 1,5 1,1 7,9 3,6
Varia muito --- 3,0 2,3 2,2 2,4
Não volta --- 3,0 5,7 16,9 8,9
Total 100 100 100 100 100
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Das crianças e adolescentes, 75,5% de todas as idades da Grande Porto Alegre voltam
para a casa, correspondendo à freqüência de 187 indivíduos. Dos que se incluem na faixa etária
56
dos 0 aos 6 anos, todos voltam para casa. É importante lembrar que freqüentemente adultos
“pedem”, acompanhados por crianças muito pequenas.
Crianças trabalhadoras, com idade superior a 6 anos, narram que passam o dia
acompanhando seus pais e/ou irmãos, e retornam para casa à noite para “brincar” e “ver tevê”.
Mas em outra reunião, crianças que estavam junto à uma feira, comentaram entre si que iriam
“tomar um pau” quando voltassem para casa. Isto sugere que na rotina da chegada em suas
casas, a surra esteja incluída, ao contrário das expectativas de atividades de lazer, tomar banho,
comer.
Crianças e adolescentes que não voltam para casa, constituiriam propriamente a
população que vive e sobrevive na rua, sem uma proteção familiar, somando 22 indivíduos (21
em Porto Alegre e somente 1 nas demais cidades), representando 8,9% da população total
investigada, onde predominam (68,5%) de adolescentes entre 15 a 18 anos.
Considerando as demais categorias que indicam o retorno para casa como dado residual e
uma permanência intensificada na rua, objeto de preocupação pelo dano social, devemos
acrescentar 37 indivíduos, elevando a freqüência desta categoria para 50, predominando
adolescentes de 15 a 18 anos, isto é, para indivíduos, equivalente a 24,2% dos entrevistados.
Os adolescentes de 12 a 14 anos, seriam menos vinculados à família, substituindo-a pelo
grupo de amigos, diminuindo a freqüência tanto da volta para casa quanto da entrega de ganhos.
Este comportamento tenderia a se intensificar entre 15 e 18 anos. Adolescentes em situação de
rua, na idade de 15 a 18 anos constituem 56, 2% dos que voltam sempre para a casa e 27,7% da
população entrevistada.
Estudos anteriores (Lemos, 2000; Santos, 2001) mostram que estas crianças e jovens
raramente chegam a romper totalmente com sua referência familiar, o que há é um
“alargamento” de relações a partir de um distanciamento maior dos contatos interpessoais no
tempo e no espaço.
Porém, na maioria dos casos, o rearranjo familiar,o conflito entre gerações e a circulação
de crianças, como diz a antropóloga Cláudia Fonseca referindo-se às classes populares, aparecem
como principais causas de saída para a rua. Cláudia reitera que: “... a privação econômica é
obviamente um fator-chave. Todavia sem um exame cuidadoso dos fatores sociais e culturais
através dos quais ela é mediada, a miséria nada pode explicar” (Fonseca, 1995:17).
Estudos recentes (Santos, 2001) já apontaram, não há um determinismo social que leve às
crianças que esmolam ou realizam pequenas atividades de comércio a passar a habitar a rua de
forma mais sistemática. Agregam-se à luta pela sobrevivência fatores como a violência
intrafamiliar, a instabilidade nas relações pessoais e comunitárias. Sabe-se que o que os leva a
57
permanecer nas ruas são fatores de ordem mais complexa, entrecruzando questões econômicas,
sociais e culturais. Entre estes fatores, o “grupo”, “a droga” e a “liberdade” (suposta autonomia)
são os fatores mais citados como prioritários na vinculação com a rua enquanto lugar de
permanecer.
Na entrevista não diretiva realizada com jovem que viveu doze anos nas ruas, ele afirmou
que para sair das ruas se afastou do grupo e andava sozinho. Isto é, para parar de usar drogas
precisou afastar-se do grupo e sair da rua. Isto foi possível porque procurou a ajuda que lhe era
oferecida a mais tempo e passou a dormir em casa de amigos. Depois, sempre com auxílio,
construíu sua casa. Este depoimento reforça a idéia de que os fatores de permanência na rua, são
o “grupo”, “a droga” e a “liberdade” (suposta autonomia).
58
5 SOBREVIVÊNCIA
5.1 Atividades / ocupações
As atividades dos pais são bastante diversificadas e a lista das citações dos entrevistados
apresentou dispersão em mais de 30 atividades. Aglutinando por afinidade, pode-se identificar
alguns perfis mais recorrentes. Para atividade do pai, a maior incidência (20,6%) é a inexistência
desta figura, seja por desconhecimento, seja por óbito. Também é significativo o
desconhecimento (12,1%) das atividades paternas. Dentre os que informaram as atividades, há
uma concentração nas remuneradas através de salário (14,5%) sendo que a atividade de pedreiro
(13,7%), neste caso somadas aos 6,9% que declararam atividade de autônomos, concentrariam o
maior percentual (20,6%).Um conjunto de atividades - entre elas vendedor ambulante, pintor
/carpinteiro, papeleiro e guardador de carro - situam-se entre 3,2 e 7,3%. Os aposentados
representam menos de 2%. Há poucas diferenças nos resultados de Porto Alegre e das demais
cidades. Predomina amplamente ocupação de baixa remuneração financeira.
Em relação às mães, os jovens e adolescentes apontaram menor índice de
desconhecimento / falecimento (6%) em relação aos pais. Apenas 3,6% disseram não saber a
atividade da mãe. Predominam as ocupações domésticas, seja remunerada, no caso faxineiras
(27,0%), seja “do lar” (24,2%). Um conjunto de atividades denominadas assalariadas,
ambulantes e autônomas ocupam 24,7% das mães. A situação entre Porto Alegre e demais
cidades apresenta diferenças. Nas cidades ao redor da Capital é maior o número “do lar” (33,9%)
e menor o de faxineiras. Nas demais ocupações as diferenças são pouco significativas,
tendencialmente mais elevada às atividades assalariadas, ambulantes e autônomas nas cidades ao
redor de Porto Alegre.
O “trabalho” (54,2% em primeira opção e 9,0% em segunda opção) é apontado como
principal atividade desenvolvida pelas crianças e adolescentes quando estão na rua. “Brincar” e
“pedir ajuda a outras pessoas”, aparecem com percentuais semelhantes na soma das duas
alternativas. O “passar o dia”, ou seja, não ter ocupação definida nos códigos correntes, foi
apontado por 32,4% somando-se a atividade principal com a secundária. Com exceção da
59
atividade “trabalho” em que Porto Alegre apresenta menor incidência, nas demais não há
diferenças significativas entre os dois universos considerados. O recurso ao trabalho na rua é
maior nas demais cidades do que em Porto Alegre (50,2% e 67,6% respectivamente), enquanto a
relação com o “pedido” é inversa; ou seja, é maior na Capital (19,2%) do que nos outros
municípios (10,1%).
TABELA 21 – Atividade principal e secundária na rua
Geral Porto Alegre Outras Cidades Atividade principal e
secundária Principal
(%)
Secund
(%)
Principal
(%)
Secund
%
Principal
(%)
Secund
%
Trabalha 54,2 9,0 50,2 8,8 67,6 9,6
Pede 17,1 9,8 19,2 10,5 10,1 7,4
Passa o dia 4,6 11,7 5,0 13,3 3,2 5,3
Brinca 9,5 22,9 9,6 22,4 9,0 24,5
Dorme ,1 1,3 ,2 1,3 --- 1,6
Outro 1,3 0,1 1,4 0,0 1,1 0,5
Rouba / Descuida ,4 0,2 ,5 0,2 --- 0,5
Usa drogas / Fuma 3,0 1,9 3,9 2,4 --- 0,5
Estuda / faz cursos 1,8 1,8 2,4 2,4 --- 0,5
Acompanha parente na rua 2,7 1,2 3,3 1,1 0,5 1,6
Não respondeu 5,3 39,8 4,4 37,2 8,5 48,4
Total 100 100 100 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Em relação à segunda opção houve alto índice de não respostas, variando de 23,9% em
Canoas a 91,7% em Gravataí. Os da cidade de Porto Alegre apresentaram uma gama maior de
atividades, tanto em primeira, quanto em segunda opção do que as demais cidades, que
apresentaram concentração nas atividades trabalho e brincar, esta predominantemente em
segunda opção.
“Pedir” aparece como atividade complementar de maior incidência na faixa entre 7 e 11
anos, envolvendo 74 (52, 4 %) de 141 indivíduos e 34,8 %da população total dos entrevistados.
A tendência indicada pelos dados é de que os pedintes se concentrem na faixa de 0 a 11 anos,
idade de início da escolarização, decrescendo para 11,3% na faixa de 12 a 14 anos e 15,9% na
faixa de 15 a 18 anos.
O trabalho é prática comum a todas as faixas etárias, inclusive dos 0 aos 6 anos de idade
Na faixa dos 7 a 11 anos em que as crianças dispõem de uma autonomia relativamente maior,
física e simbólica, permitindo-lhes orientar-se e utilizar equipamentos dentro de seus objetivos
(como ir e vir, carregar fardos menos pesados, dar avisos e recados), mais da metade (54,8%)
declarou ter no trabalho sua ocupação principal. Agregando-se o pedir chega a 81% os que
60
exercem atividades remunerativas desta faixa etária. Os que se encontram na faixa de idade entre
10 e 11 anos, têm condições físicas para trabalhos mais pesados e autônomos, decrescendo sua
produtividade como pedintes. Percebe-se correlação entre idade e atividade exigente ou não de
esforço físico. O pedir e o brincar diminuem com a idade.
TABELA 22 – Atividade principal na rua e faixa etária
Faixa etária
Atividade De 0 a 6
anos
De 7 a 11
anos
De 12 a
14 anos
De 15 a 18
anos
(incompletos)
Total
Trabalha 11,5 54,8 60,0 60,3 55,0
Pede 26,2 26,2 14,9 10,3 17,4
Passa o dia 13,1 0,5 4,7 6,3 4,7
Brinca 16,4 13,6 10,2 4,0 9,6
Dorme --- --- --- 0,4 0,1
Outro 3,3 0,5 0,4 2,8 1,4
Rouba / Descuida --- 0,5 --- 0,8 0,4
Usa drogas / Fuma --- --- 2,5 7,1 3,1
Estuda / faz cursos ---- 1,4 1,8 2,8 1,9
Acompanha parente na rua 27,9 0,9 0,7 0,4 2,7
Não respondeu 1,6 1,8 4,7 4,8 3,7
Total 100 100 100 100 100
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Durante as abordagens focais, foram encontradas crianças pequenas que saem às ruas
junto aos seus pais nas atividades de catação de materiais recicláveis, para pedir nas feiras de
alimentos, mas, em geral estão ainda sob a supervisão de um adulto.
Foram entrevistados alguns pais que estavam com crianças bem pequenas e, através dos
relatos, pode-se constatar que a maioria das crianças que saem às ruas nesta faixa etária está fora
de creches e escolas infantis, assim como de programas sócio-educativos de outra ordem. Os pais
queixam-se de não ter onde deixá-las. Referem a dificuldade de obtenção das bolsas famílias,
quando mudam de moradia e de região. Reclamam das reuniões “pra nada” que têm de
participar para continuar recebendo a bolsa e que esta é insuficiente para sustentar a família.
As meninas, em sua maioria, e alguns meninos, em menor freqüência, dizem ficar boa
parte de seu tempo cuidando dos irmãos mais novos para que a mãe possa trabalhar. As meninas
que acompanhavam as mães pedindo sobras de alimentos nas feiras, quando perguntadas sobre o
que mais gostavam de fazer (lazer) referiam-se a “lavar louça”, e, quando perguntadas sobre o
que não gostavam, também aludiam à atividades domésticas como “varrer a casa” ou “lavar
61
louça”, nunca relacionavam a atividades de lazer. Muitas das respostas deste universo feminino
acenam para um cotidiano intenso de tarefas “do lar”.
Crianças que foram encontradas pedindo numa feira, negaram que estivessem praticando
esta atividade, dando a entender que para elas está carregada de negatividade. Foi em um
momento em que estavam sendo reprimidas pelos guardas da praça, que expressaram que
estavam ali para pedir, porém foram censuradas pelo líder do grupo, o qual retrucou dizendo que
são os amigos deles que “pedem”, eles apenas “ganham”, porque não são “mindingo”:
Os locais e modos de conseguir alimentação mostram que mais de cinqüenta por cento
come em bares ou lancherias (29,1%) ou em sua casa, de amigos ou parentes (27,9%), ou se
satisfaz com o que ganha das pessoas na rua (19,7%).
TABELA 23 – Locais onde geralmente consegue comida quando está na rua
Local Geral Porto Alegre Outras Cidades
Num bar / lancheria / armazém 29,1 30,2 25,4
Em casa / casa de amigos ou parentes 27,9 24,9 37
Come o que ganha 19,7 22,2 12,1
Compra 8,5 6,9 13,6
Abrigo / Albergue 4,0 5,3 ---
Igreja / Instituição 3,2 3,7 1,7
Ruas 3,2 3,7 1,7
Outro 3,2 2,1 6,8
Não respondeu 1,2 1,1 1,7
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Os que compram (8,5%) ou se alimentam em albergues ou abrigos (4,0%) formam um
percentual relativamente pequeno.
62
5.2 RENDA
As informações sobre renda foram obtidas através de várias perguntas nas entrevistas,
como renda familiar e individual, usando índices de ganhos diários, semanais ou mensais. Para
fins de análise foi convertido em um índice único, o Salário Mínimo – SM. A conversão foi feita
considerando 22 dias úteis, para quem informou renda diária e 4,5 semanas /mês para quem
apontou renda semanal. A renda familiar foi convertida em renda individual através da sua
repartição pelo número de pessoas que vivem desta renda. Este o resultado analisado.
Quase 60% declararam possuir renda individual de até um SM, sendo um terço destes
com até meio SM. Apenas 6% possuem renda superior a três SM. Os de Porto Alegre possuem
renda inferior aos de outras cidades.
TABELA 24 – Renda individual mensal em salários mínimos
Faixa de Renda em SM* Geral Porto Alegre Outras Cidades
Até ½ (até R$130,00) 23,0 25,7 14,9
De ½ a 1 (de R$131,00 a R$260,00) 34,4 30,8 44,7
De 1 a 1 ½ (de R$261,00 a R$390,00) 15,3 11,8 25,5
De 1 ½ a 2 (de R$391,00 a R$520,00) 12,6 14,0 8,5
De 2 a 3 (R$521,00 a R$780,00) 8,7 10,3 4,3
De 3 a 6 (R$781,00 a R$1.560,00) 6,0 7,4 2,1
Total** 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004 * Salário Mínimo considerado de R$ 260,00 em vigor no Brasil, na data da aplicação dos questionários. **Total com base apenas nas respostas válidas. Média Geral : R$ 310,61 Média Porto Alegre: R$ 322,59 Média Outras cidades: R$ 275,95
A análise da renda por cidade fica prejudicada pela baixa representatividade de algumas
da maioria, na amostra estatística. Apenas Canoas (17) e Viamão (13) possuem mais de 10
entrevistados. Os da cidade Canoas são os que declararam maior renda individual, inclusive
superando os da Capital. Os que declararam menor renda foram os de Alvorada, Cachoeirinha e
Viamão.
Mesmo quem relata não trabalhar, afirmou ganhar algum dinheiro, seja através do pedido
(50,9%), seja através de outros meios como roubo, cata de latas, pedido para mãe, cuidado de
carros.
63
O destino dado ao dinheiro ganho mostra uma concentração em três itens : entrega para a
família (31,5%), entrega uma parte para a família e resguarda a outra parte (33.9%) e, fica com
todo o dinheiro (28,6%). Os de Porto Alegre apresentam maior tendência em ficar com o
dinheiro ganho. Nas demais cidades, predomina a entrega para a família (39%).
A renda familiar declarada varia, grosso modo, entre meio e seis SM, apresentando maior
concentração nas faixas de meio a um e de um e meio a dois SM.
TABELA 25 – Renda familiar mensal em Salários Mínimos* e número de contribuintes
Número de contribuintes
Renda familiar em SM 1 2 3 4 5 ou mais
Total
Até ½ (R$130,00) 14,3 42,9 23,8 4,8 14,3 100
De ½ a 1 (R$131,00 a R$260,00) 19,0 26,2 35,7 9,5 9,5 100
De 1 a 1 ½ (R$261,00 a R$390,00) 20,8 33,3 12,5 20,8 12,5 100
De 1 ½ a 2 (R$391,00 a R$520,00) 16,7 33,3 33,3 8,3 8,3 100
De 2 a 3 (R$521,00 a R$780,00) 6,3 18,8 37,5 18,8 18,8 100
De 3 a 6 (R$781,00 a R$1.560,00) 5,0 30,0 35,0 20,0 10,0 100
Total ** 15,1 30,8 30,2 12,6 11,3 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004 * Salário Mínimo considerado de R$ 260,00 em vigor no Brasil, na data da aplicação dos questionários. **Total com base apenas nas respostas válidas.
O número de pessoas que contribuem com renda se concentra principalmente entre duas e
três pessoas, perfazendo 61 % das famílias nestes estratos (trinta para cada estrato). No entanto
mesmo nestes dois estratos (duas ou três pessoas), o valor em SM é disperso, não apresentando
concentração em nenhuma faixa.
Bem diferente é o quadro do número de pessoas que dependem desta renda, na maioria
constituindo grupos familiares superiores a três pessoas
TABELA 26 – Número de pessoas que dependem da renda familiar
Número de
dependentes Geral Porto Alegre Outras Cidades
De 1 a 3 pessoas 14,1 15,7 9,1
4 pessoas 9,7 9,9 9,1
5 pessoas 15,5 14,0 20,0
6 pessoas 12,3 9,9 20,0
7 pessoas 20,8 21,4 18,2
8 e 9 pessoas 14,1 15,7 9,1
10 a 20 pessoas 13,5 13,4 14,5
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
*Total com base apenas nas respostas válidas. Média de dependentes: 6,5 por família
64
Na distribuição por cidade, percebe-se que, em Porto Alegre, as famílias tendem a ser
mais numerosas, ou apresentar maior número de pessoas dependentes da renda familiar. Nesta
cidade, também há maior concentração de renda superior a um e meio SM.
A finalidade dada ao dinheiro ganho na rua está relacionada com a idade e com a
condição na rua. Os de idade mais elevada tendem a ficar mais com o dinheiro ganho e os de
menor idade tendem a entregar para a família.
TABELA 27 – Destino do dinheiro que ganha e faixa etária
Faixa etária
Destino do dinheiro 0 a 6 anos
7 a 11
anos
12 a 14
anos
15 a 18
anos
(incompl.)
Total
Fica todo consigo --- 16,4 27,3 39,3 28,3
Entrega tudo para a família 66,7 43,3 33,0 20,2 31,6
Entrega parte para a família e fica com outra 33,3 29,9 36,4 34,8 34,0
Divide com os amigos na rua --- 1,5 --- 3,4 1,6
Entrega parte para outro adulto (pessoa que não é da família) --- --- 1,1 --- 0,4
Não ganha dinheiro --- 3,0 2,3 --- 1,6
Não respondeu --- 6,0 --- 2,2 2,4
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Surpreendente encontrar crianças entre 0 e 6 anos que não entregam todo o dinheiro para
a família (33,3%). Os que entregam parte e parte retém para si predominam na faixa etária dos
12 aos 14 anos. Em todas as faixas etárias, há crianças e adolescentes que partilham a renda no
todo ou em parte com familiares.
Constatou-se também que quase metade das famílias recebe Bolsa Auxílio, sendo
menos acentuado entre as famílias de Porto Alegre (40,,2%) que nas demais cidades (52,5%).
65
6 RELAÇÕES INSTITUCIONAIS
A situação escolar apresenta um dado significativo: a alta taxa de crianças e adolescentes
que não estão freqüentando escola (31,7%) incluindo-se os 3,5% que nunca freqüentaram. Este
índice é mais acentuado em crianças que se encontram em Porto Alegre.
TABELA 28 – Situação escolar dos entrevistados Por município
Situação escolar Geral Porto Alegre
Alvorada Cachoeir
inha Canoas Esteio
Gravataí
Viamão
Estuda 65,0 64,1 100,0 84,2 60,7 83,3 90,9 73,9
Não estuda 28,2 29,6 --- 15,8 37,7 16,7 9,1 26,1
Nunca foi à escola 3,5 4,4 --- --- 1,6 --- --- ---
Não respondeu 3,3 1,9 --- --- --- --- --- ---
Total* 100 100 100 100 100 100 100 100
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004 * Desconsiderados os que não estão em idade escolar
A freqüência à escola diminui conforme aumenta a faixa etária. Entre os de 7 a 11 anos
84,4% freqüentam e entre os de 15 a 18 anos diminui para 41,7%.
A maioria (61,3%) das crianças e adolescentes vai a escola todos os dias, havendo um
percentual maior de freqüência nas outras cidades (69,5%) em relação às crianças que foram
entrevistadas em Porto Alegre (58,7%).
TABELA 29 – Freqüência à escola
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Todos os dias 61,3 58,7 69,5
Às vezes 8,9 10,6 3,4
Não 29,4 30,2 27,1
Não respondeu 0,4 0,5 ---
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
A freqüência à escola é assídua ou diária para 61,3%. Os que freqüentam apenas às vezes
justificaram pelo trabalho (27,5%) e os demais apresentaram justificativas muito variadas como
motivos particulares ou familiares, desinteresse, etc.
As reuniões focais reforçaram a explicação da não freqüência à escola por razões
econômicas ou seja para trabalhar. Outras razões se acrescentam a esta como cansaço, ajudar em
66
casa, problemas com transporte, impedimentos burocráticos como a falta de vagas e de
documentação. Combinando-se estas respostas com outras razões atribuídas como conflitos com
a instituição, brigas e desinteresse, pode-se perceber dificuldades de adequação desta população
com a escola.
TABELA 30 – Motivo pelo qual não vai à escola
Motivo Geral Porto
Alegre
Outras
Cidades
Problemas de adaptação (brigas, foram expulso, tem vergonha, falta às aulas) 18,9 19,6 18,8
Por causa do trabalho 16,4 14,2 25,1
Porque não gosta / não está a fim 12,4 14,1 6,3
Falta algum documento 11 12,4 6,3
Porque não conseguiu vaga 8,2 3,5 25,0
Problemas de transporte 6,9 7,1 6,3
Porque está na rua 5,5 7,1 ---
Os pais não providenciaram a entrada ou o tiraram da escola 5,5 7,1 ---
Outros 5,6 7,2 ---
Problemas familiares 4,1 3,6 6,3
Parou/passou o tempo 2,8 1,8 6,3
Não sabe 2,7 3,5 ---
Total 100 100 100 * Somente para quem respondeu que não vai à escola
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
As reuniões focais ajudaram a explicar a não freqüência à escola por quase 10% da
população estudada. A razão econômica expressa por “precisa trabalhar”, “chegar cansado do
trabalho”, bem como necessidade de “ajudar em casa” ou “não ter passagem” foram apontadas
para a evasão ou não ingresso na escola. Outras respostas referiam-se a falta de motivação /
incentivo (não gosta, pai tirou da escola, problemas na família etc.), a problemas de
comportamento (expulsões, drogas, brigas etc.) e a dificuldades burocráticas como a falta de
vagas ou de documentação. O conjunto das respostas agregadas estaria revelando que para este
percentual (cerca de 10 %) a escola está ausente e talvez institucionalmente inadequada. Mesmo
assim esses que não freqüentam a escola, manifestaram (93,1%) desejo de freqüentá-la,
revelando que a “exclusão” não está diretamente relacionada à instituição escolar em si, mas ao
seu funcionamento ou à razões alheias à ela.
A análise por faixa etária mostra que no intervalo entre 7 e 14 anos, formalmente todos
deveriam estar freqüentando escola, há um percentual significativo que não atendem este direito
ou exigência. Cerca de um quarto dos que possuem idade entre 12 e 14 anos estão fora da escola.
Dos 18 aos 18 mais da metade (54,3%) estão nesta situação
67
TABELA 31 – Faixa etária e Situação Escolar
Faixa Etária
Situação Escolar
De 0 a 6 anos De 7 a 11
anos
De 12 a 14
anos
De 15 a 18
anos
(incompletos)
Total
Estuda 4,9 84,4 76,2 41,7 62,3
Não estuda --- 8,7 23,1 54,3 27,0
Nunca foi à escola --- 6,9 0,7 4,0 3,4
Não está em idade escolar 95,1 --- --- --- 7,3
Total 100 100 100 100 100
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Além desses, há 8,9% de crianças e adolescentes que não vão sempre à escola e os
motivos para isso estão relacionados com o horário em que trabalham (27,5%), por não terem
roupas (9,1%) e várias outras razões tais como, atrasos, preguiça, problemas particulares etc.
Dos que não a freqüentam, em Porto Alegre um pequeno percentual (16,4%) afirmou
freqüentar outras atividade educativas e nas demais cidades 6,3% fizeram esta afirmação. Porém
a avaliação por nota atingiu um índice alto (8,8 sobre 10), revelando que esta instituição é
prestigiada.
O que aparece como aquilo que mais gostam na escola é “aprender a ler e escrever”, “a
ser educado” e o que se destaca como “menos gostam” são das "brigas”.
A escola está incorporada no repertório discursivo dessa população como um valor: “a
escola é pra crescer” e apesar das dificuldades enfrentadas ela revela-se como status e prestígio.
A participação em outra atividade educativa, para aqueles que não freqüentam a escola, é
de 16,4%.
TABELA 32 – Participação em outra atividade educativa*
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Sim 16,4 19,3 6,3
Não 72,6 66,7 93,8
Não respondeu 11,0 14,0 ---
Total 100 100 100 * Somente para quem respondeu que não vai à escola Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
A análise da condição escolar dos pais mostra que quase a metade (48%) não sabe a
escolaridade do pai. Dentre os que sabem, predominam os que referiram que o pai possui nível
fundamental ou que é analfabeto, porém, alguns pais possuem segundo e terceiro graus. Não se
constata diferença significativa entre os de Porto Alegre os das demais cidades.
68
Em relação à escolaridade da mãe, os que não sabem são um terço (32,7%) e 54%
respondeu que elas possuem o nível fundamental. (As analfabetas se equivalem aos pais (6,9%),
porém aumenta um pouco em relação aos pais, as que possuem nível médio (3,6%) e superior
2,0%). Não há diferenças significativas entre as cidades.
Cerca de um quinto da população participa em programas de atendimento, sendo maior
em Porto Alegre (21,7%) e menor nas demais cidades (15,3%). Chama a atenção que 76,6 %
nunca participa de atividades sócio-educativas.
Os programas mais indicados pelos de Porto Alegre foram o Acolhimento Noturno/Lar
Dom Bosco/Casa da Harmonia (21,7), Programa de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente
em Situação de Rua – PAICA-RUA (10,9%). As demais freqüências significativas se referem à
Bolsa Escola / Bolsa Família/ Programa de Erradicação do Trabalho Infantil –PETI (8,7%) e
verifica-se uma dispersão entre diversas outras atividades.
Nas outras cidades, as freqüências se concentram nos programas de benefícios Bolsa
Escola / Bolsa Família/ Programa de Erradicação do Trabalho Infantil –PETI / Família Cidadã
(33,2%) e em atividade de capoeira (25%). Os demais programas indicados são serviços de
atendimento Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), ONG Carta Brasil com
cerca de 8 % cada um.
O desconhecimento sobre programas de atendimento destaca-se nas cidades da Grande
Porto Alegre. Das referências a serviços e/ou programas de atendimento, a maioria das crianças
das outras cidades quando perguntada sobre se participa de algum programa de atendimento
refere receber algum tipo de bolsa auxílio, mas não cita participar de serviços de atendimento
como sócio-educativos e outros. O que há em comum são crianças na faixa etária dos 0 aos 6
anos que acompanham os pais durante a jornada de trabalho (especialmente entre os
recicladores) e nunca freqüentaram um serviço de atendimento sócio-educativo.
No que se refere ao recebimento de Bolsa Auxílio, mais da metade das famílias dos
outros municípios (52,5%) a recebem. Em Porto Alegre este percentual é um pouco menor
(40,2%).
O estudo também avaliou, na ótica do entrevistado alguns serviços, utilizando o critério
de atribuição de nota numa variação de 0 (pior avaliação) a 10 (melhor avaliação).
O resultado apontou que a maioria dos serviços obteve notas médias superiores a 7,5
destacando-se as notas atribuídas às escolas (8,89) e aos cursos (8,36). A exceção refere-se ao
serviço de segurança (Brigada Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal), que obteve nota média
5,56.
69
TABELA 33 – Nota média atribuída aos serviços
Nota média
Serviços Geral
Porto
Alegre
Outras
Cidades
Saúde (hospitais, postos de saúde) 7,88 7,89 7,85
Segurança (Brigada Militar, Polícia Civil, Guarda Municipal) 5,56 5,52 5,70
Escola 8,89 8,96 8,65
Assistência Social 7,54 7,54 7,54
Cursos/oficinas 8,36 8,35 8,37
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Em relação ao cumprimento de medidas sócio-educativas, a maioria referiu nunca a ter
cumprido. Os percentuais são semelhantes em Porto Alegre (86,2%) e nas outras cidades
(89,8%). Assim, cerca de 10% deles já a cumpriram alguma vez.
TABELA 34 – Cumpre ou cumpriu medida sócio-educativa (L.A./P.S.C)
Respostas Geral Porto Alegre Outras
Cidades
Sim, cumpro 2,8 3,2 1,7
Sim, cumpri 8,1 8,5 6,8
Não 87,1 86,2 89,8
Não respondeu 2,0 2,1 1,7
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Cerca de dois terços da população nunca foram detidos e/ou recolhido (66,9% no geral;
65,6% em Porto Alegre), com um percentual pouco maior nos demais municípios (71,2%).
TABELA 35 – Foi detido (recolhido/levado)
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Uma vez 13,7 12,2 18,6
Mais de uma vez 18,5 21,7 8,5
Não 66,9 65,6 71,2
Não respondeu 0,8 0,5 1,7
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Os roubos, assaltos ou furtos foram os motivos mais recorrentes para a detenção das
crianças e adolescentes (31,7% no geral), seguido por estar na rua até tarde ou dormir na rua
(13,4%) e por uso ou tráfico de drogas (12,2%).
70
7 RELAÇÕES COM O CORPO
Quando ficam doentes, a primeira providência é procurar os familiares – pais, irmãos,
tios - (39,1%). A segunda (18,5%) é recorrer ao hospital e 16,9% procuram postos de saúde. Os
percentuais são semelhantes tanto para a Capital quanto para às demais cidades da Grande Porto
Alegre.
TABELA 36 – Primeira atitude quando fica doente
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Procura familiar 39,1 38,6 40,7
Procura hospital 18,5 16,4 25,4
Procura o posto de saúde 16,9 18,5 11,9
Procura outra instituição 6,4 8,5 ---
Não faz nada 5,6 5,8 5,1
Procura pessoas de referência 3,2 3,2 3,4
Fica em casa 2,4 1,6 5,1
Nunca ficou doente 2,0 1,1 5,1
Toma remédio 1,6 1,6 1,7
Toma um chá forte 0,8 1,1 ---
Fica nas ruas 0,8 1,1 ---
Outros 1,2 1,0 1,7
Não sabe 0,4 0,5 ---
Não respondeu 0,8 1,1 ---
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
A maioria dos entrevistados (79, 0%) relata tomar banho em casa, sendo que é
interessante observar que dos 52 que tomam banho em outros locais, 31 fazem sua higiene
pessoal em albergues, instituições e abrigos.
71
TABELA 37 – Local onde tomam banho ou se lavam
Local onde toma banho Geral Porto Alegre Outras
Cidades
Banheiro público 2,0 2,6 ---
Rio/córregos/arroios 0,8 0,5 1,7
Torneiras públicas/chafariz/bicas/fontes de água 3,6 4,2 1,7
Casa (onde mora) 79,0 73,5 96,6
Albergue/instituições/abrigos 12,5 16,4 ---
Hotel 0,4 0,5 ---
Casa de amigos 0,4 0,5 ---
Garagem onde guarda os carrinhos 0,4 0,5 ---
Supermercados 0,4 0,5 ---
Torneiras públicas/chafariz/bicas/fontes de água e albergue 0,4 0,5 ---
Total 100 100 100 Fonte: Pesquisa Perfil e mundo das crianças e adolescentes em situação de rua Grande Porto Alegre, 2004.
Em relação às doenças, a referência às doenças respiratórias (19,8%) e às dores no corpo
(19,0%) são as que têm os percentuais mais significativos. Porém, estes dados não devem
subestimar a incidência de doenças de pele, DST e AIDS entre a população que vive nas ruas e
nem entre a população pobre da periferia, conforme outros estudo específicos sobre estas
questões já revelaram. Enfatiza-se que, em especial nestes dados, a “visão de mundo” é mais
significativa do que o estabelecimento de um “perfil” sobre a saúde das crianças e adolescentes
em situação de rua. Isto relata o modo como eles percebem, identificam e/ou revelam seus
problemas de saúde mais do que a confirmação da existência ou não destes.
Em relação serem portadores de HIV (AIDS) positivo, houve um alto índice (92,3%) de
respostas negativas. O percentual de respostas positivas é maior na Capital do que nas demais
cidades.
Comparando estes baixos índices de respostas positivas com os relatos de técnicos
especializados que atuam nos serviços de saúde, há uma aparente discrepância. Possivelmente
está relacionado ao fato de que aqueles profissionais lidam com pessoas que buscam de forma
espontânea o serviço e a realização de testes, muitas vezes já pressupondo serem portadores de
positividade. Também podem os dados sugerir uma certa “preservação de si” ou da imagem,
perante os demais, no caso o entrevistador, revelando a reprodução do tabu em relação ao tema.
As doenças respiratórias, aparecem em primeiro plano nas informações sobre o assunto
saúde, sendo de 19,8% o índice que declarou possuir. É mais significativo em Porto Alegre
(22,8%) do que nas demais cidades (10,2%). Tais enfermidades não se devem apenas à
exposição às mudanças climáticas, visto que, neste índice de referências , podem estar contidos
casos de pneumonias e tuberculoses que são doenças bastante freqüentes entre esta população.
72
Menos de 5% afirmarem serem portadores de doenças de pele e menos de 2% confirmaram
serem portadores de doenças sexualmente transmissíveis.
Em relação às drogas, 81 % declarou não possuir dependência destas substâncias
TABELA 38 – Se tem dependência de drogas
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Sim 14,1 16,4 6,8
Não 81,0 78,3 89,8
Não sabe/não respondeu 4,8 5,3 3,4
Total 100 100 100 Fonte: Pesquisa Perfil e mundo das crianças e adolescentes em situação de rua Grande Porto Alegre, 2004.
Em relação ao uso de substâncias psicoativas pela população estudada, os resultados
quantitativos obtidos apresentam baixo índice de respostas afirmativas. Porém, os encontros com
grupos focais ajudaram a explicar este resultado através de algumas constatações. Mesmo que a
maioria das crianças jovens retorne para suas casas, muitas já iniciam o uso de drogas nas ruas.
Vários negavam seu consumo, mas estavam como cheirinho da “loló” em mãos. Assim como a
questão do uso de drogas, as respostas referentes à exploração sexual, abuso sexual, doenças
graves e violência sofrida e exercida são íntimas demais e extremamente subjetivas para serem
minimizadas pelos números de respostas positivas.
Há um alto percentual positivo nas respostas sobre “transa” (56,2%), evidenciado
também pela faixa etária em que se concentram o início das relações sexuais, dos 12 aos 14 anos,
sendo que 28, 7% referem ter iniciado sua vida sexual dos 6 aos 11 anos. Em Porto Alegre, a
percentagem dos que afirmam já terem “transado” é maior (61,8%) do que nos outros municípios
da Região Metropolitana (38,1%).
TABELA 39 – Ficou com alguém por necessidade de dinheiro ou alguma outra coisa*
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Sim 9,5 10,3 7,1
Não 89,9 89,7 90,5
Não respondeu 0,6 --- 2,4
Total 100 100 100 * Para maiores de 12 anos.
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Os que não ficaram com alguém por necessidade de dinheiro ou alguma outra coisa são
89,9%, sendo os percentuais semelhantes para todas as cidades pesquisadas. Faz-se necessário
entretanto, relativizar estes dados face ao tabu do tema e possivelmente falta de confiança nos
entrevistadores. Nos grupos focais, esta questão não foi colocada de maneira explícita, mas
73
surgiram depoimentos de exploração sexual e tentativas de abuso sexual. Em geral, as crianças
faziam referência a um fato que havia acontecido com algum conhecido e eram enfáticos em
afirmar que nunca com eles. Porém, era visível o constrangimento de falar sobre estas questões
em um primeiro encontro. Portanto, os dados referentes à possibilidade de exploração sexual não
devem ser minimizados devido ao baixo número de respostas positivas (9,5%).
Cerca de 55% referiram já ter transado com alguém. A idade da primeira transa sexual
variou muito. No entanto há um número significativo que teve esta experiência antes dos 12 anos
e alguns com menos de 8 anos. A maior incidência apontada foi com a idade de 12 anos, seguida
pela de treze, quatorze e quinze. Sendo cerca de 50% na faixa dos 12 aos 14 anos. A média de
idade da primeira transa foi de 12,7 anos, não havendo diferença significativa entre as cidades.
Em relação ao uso de substâncias psicoativas ilegais por parte de pessoas de seu convívio,
foi apontado por mais de 40% como sendo praticado na ordem de importância: bebidas
alcoólicas, maconha, inalantes, medicamentos, craque e cocaína. Na Capital o índice é um pouco
mais elevado. O índice mais alto é o de consumo de cigarros com 74,3% entre as pessoas de sua
convivência.
74
8 AUTO-REPRESENTAÇÕES
O maior medo das crianças e adolescentes em situação de rua é de sofrer algum tipo de
violência (43,1%), sendo que um terço no geral (32,4%) e dos porto-alegrenses (34,5%)
afirmaram não ter medo de nada. . Sobe para mais que o dobro a diferença entre os que têm
medo das instituições policiais e do Conselho Tutelar nas demais cidades (18,7%), em relação
a Porto Alegre (7,5%).
TABELA 40 – Pessoas ou situações que causam medo quando estão na rua
Medo Geral Porto Alegre Outras
Cidades
Violência 43,1 44,4 39,0
Instituições policiais e Conselho Tutelar 10,1 7,5 18,7
Bandidos, tarados, mendigos, bêbados etc. 4,8 4,1 6,8
Atropelamento 3,2 2,7 5,1
Medo de tudo 0,8 1,0 ---
Outro 4,8 4,8 5,1
Não tem medo de nada 32,4 34,5 25,3
Não sabe 0,4 0,5 ---
Não respondeu 0,4 0,5 ---
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Nos grupos focais as crianças aludiram com maior freqüência violência ocorrida na
comunidade/ na vizinhança do que nas ruas. O elemento provocador destas questões era a cena
da história do Patinho Feio, em que ele fugia de um tiroteio de caçadores contra seus iguais
cisnes. Neste instante da narrativa, provocados a falar sobre situações de violência vivida,
surgiam descrições de brigas, ameaças, tiroteios, visualização de pessoas mortas, assassinadas
defronte suas casas.
Ficou manifesto também que, para quem está saindo “na rua” pela primeira vez, a “rua”
se apresenta como um lugar mais seguro e atrativo do que a comunidade/bairro, como constatam
pesquisas sobre esta população (SILVA& MILITO, 1994 e LEMOS, 2000). Porém, há relatos de
ameaças de outros grupos de rua e de moradores das casas onde eles pedem. Como o exemplo de
um “senhor” que mostrava o dinheiro e os chamava para dentro do pátio e quando eles entravam
para pegar, o homem soltava o cachorro em cima deles. Outro relato na rua, que não é visível aos
75
transeuntes, é o de os motoristas que param nas sinaleiras, convidarem as crianças a entrar no
carro “pra dar uma voltinha” ou abrirem o fecho das calças oferecendo dinheiro.
A definição do que é ser menino de rua está relacionada com o fato de ser uma criança e
adolescente que não tem casa (20,7%), que sofre humilhações, é discriminado, passa
necessidade, fome (13,7%) Sendo que apenas 7,7% considera “menino de rua” aquele que
trabalha na rua. (7,7%). Esses percentuais se tornam mais significativos quando excluídas as
respostas “não sabe” e “não respondeu”: 30,7%, 20,5% e 11,4%, respectivamente.
TABELA 41 – Ser menino de rua é:
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Não ter casa/morar na rua 20,7 22,9 13,6
Algo ruim/humilhante/passar dificuldade, necessidade, fome/ser discriminado
13,7 14,3 11,8
Quem trabalha na rua/ajuda em casa 7,7 6,3 11,8
É algo bom/liberdade/fazer o que quiser 5,6 5,8 5,1
Usuário de drogas 5,2 4,8 6,8
Quem não tem família/ninguém por ele/ser sozinho
3,2 1,6 8,5
Ter que roubar ou pedir para sobreviver 2,8 2,6 3,4
Bagunceiro/arruaceiro 2,8 2,6 3,4
Alguém comum, normal 0,8 0,5 1,7
Outras respostas 4,4 2,6 10,2
Não sabe 31,5 33,9 23,7
Não respondeu 1,6 2,1 ---
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
A grande maioria não se considera menino de rua (73,4%). O ser “menino de rua”
aparece muitas vezes como pejorativo e ofensivo, segundo relatos de crianças nesta situação. Os
que voltam para casa diariamente (75,5%) não se consideram “de rua”. Algumas crianças que
estavam abrigadas - mesmo aquelas que diziam nunca ter dormido na rua - disseram se
considerar “de rua” porque “estar no abrigo é a mesma coisa que estar rua”, pois ficavam longe
da família.
TABELA 42 – Se considera menino de rua
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Não 73,4 72,5 76,3
Sim 25,0 25,9 22,0
Não sabe 0,8 1,1 ---
Não respondeu 0,8 0,5 1,7
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
76
Da totalidade daqueles que se consideram de rua, as razões apontadas são: porque
vive/dorme na rua (33,4%), porque gosta de estar na rua e não tem quem cuide dele/não tem
família (ambas com 9,0%).
TABELA 43 – Motivo para se considerar menino de rua
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Vive na rua/dorme na rua 33,4 40,3 7,1
Porque gosta de estar na rua 9,0 7,7 14,3
Não tem quem cuide/está longe da família 9,0 7,7 14,3
Trabalha na rua 7,5 7,7 7,1
Fonte de renda (catar lixo, pedir, roubar) 6,0 5,8 7,1
Outras respostas 10,7 9,6 14,3
Não sabe 13,7 13,5 14,3
Não respondeu 10,7 7,7 21,5
Total 100 100 100 * Somente para quem se considera menino de rua
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
A idade média de ida para rua é 9,6 anos e, portanto, a faixa etária da maioria é entre os 7
e os 11 anos (51,9% para Porto Alegre e 59,3% para as outras cidades). Isto já colocado em
cima.
A principal razão para terem ido para a rua é necessidade de trabalhar/ajudar a família
(52,9%), sendo esse percentual um pouco superior para as outras cidades da região da Grande
Porto Alegre (57,6%). Em seguida aparece o desejo de ir para a rua (21,0%) e problemas
familiares tais como separação dos pais, brigas, violência, mortes na família (15,7%).
TABELA 44 – Razão de ida para a rua
Respostas Geral Porto Alegre Outras
Cidades
Para trabalhar /ajudar a família/ter dinheiro 52,9 51,3 57,6
Por opção/por gostar da rua 21,0 21,2 20,3
Problemas familiares (separação, brigas, violência) 15,7 17,5 10,2
Para acompanhar parentes/amigos 4,0 4,2 3,4
Para usar drogas 1,2 1,6 ---
Outro 1,6 1,1 3,4
Não sabe 0,4 0,5 ---
Não respondeu 3,2 2,6 5,1
Total 100 100 100
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
É interessante notar que 13,7% dos entrevistados relatam ter saído de casa na faixa etária
até os 6 anos de idade, sendo que há um pequeno aumento quando se refere aos da capital
(15,3%) em relação às outras cidades (8,5%).
77
Nos relatos daqueles que dormem nas ruas, aparecem informações referentes à ida em
tenra idade para a rua, acompanhando irmãos mais velhos. Um menino, atualmente com 12 anos,
relatou que a primeira vez que saiu de casa para dormir na rua, o fez para estar com o irmão que
já havia saído de casa antes. Outro, com 11 anos, relatou que, como o irmão, saiu por não
agüentar o ambiente de conflitos familiares.
A principal atividade de lazer citada pelos entrevistados são as esportivas (44,4%) e as
brincadeiras (30,6%).
TABELA 45 – Principal diversão/ atividade de lazer
Diversão/atividade de lazer Geral Porto Alegre Outras Cidades
Esportes 44,4 42,9 49,2
Brincar (videogame, fliperama, bicicleta etc.) 30,6 30,2 32,2
Música/dança/festa 5,6 5,3 6,8
Usar drogas/cheirar loló 4,4 5,3 1,7
Estar com os amigos/passear 2,0 2,6 ---
Estudar/usar o computador 1,6 1,6 1,7
Namorar 1,6 1,6 1,7
Trabalhar 1,6 1,1 3,4
Outra 2,0 2,1 1,7
Nada 1,2 1,6 ---
Não respondeu 4,8 5,8 1,7
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
As observações em grupo focal e o questionário indicam que o lazer praticado ou
desejado pelos respondentes, não difere do que se poderia esperar em qualquer outro grupo,
apontando sua integração social, desde esse ponto de vista. Fica claro o pouco tempo que sobra
às crianças para o lazer. As meninas, em especial, além de pedir nas ruas, relatam em seu
cotidiano ajudar em casa nos trabalhos domésticos e cuidar dos irmãos.
A atividade de lazer mais desejada é brincar (jogar videogame, fliperama, andar de
bicicleta , banhos de piscina etc) com 21,8% da preferência, seguida pela prática de esportes
(11,7%).
A noção de infância como fase de brincar (31,4%) está incorporada ao imaginário destas
crianças, mesmo que o tempo que tenham para executá-la seja durante as atividades de
sobrevivência que executam nas ruas. Outra resposta significativa refere-se ao gostar ou achar
legal ser criança (12,9%). Cerca de um terço respondeu que não sabe o que é ser criança. Nas
reuniões focais, também associados ao ser criança, aparecerem respostas como “ser pequeno”,
“apanhar dos grandes”. Uma manifestação contundente foi a de um menino que disse: “Ser
criança é quando a mãe leva o filho pra brincar na pracinha e não ficar pedindo na sinaleira”.
78
Os adolescentes responderam de forma dispersa sobre o que é ser adolescente,
concentrando em três concepções: ser reponsável e ter maturidade (17,7%), é bom, legal ou ser
feliz (16,5%) e ser livre, fazer o que quiser (16,5%). Semelhante às crianças, cerca de um terço
respondeu que não sabe o que é ser adolescente.
As respostas sobre o que imagina para o futuro, indicam que 50% dos entrevistados num
universo tendencialmente caracterizado pela baixa escolaridade, gostariam de ser advogados,
médicos, dentistas e outras profissões que exigem formação de nível superior. O que mais
importa em tais respostas é a consagração de opções valorizadas em nossa cultura. Crianças ou
adolescentes de qualquer classe provavelmente daria respostas semelhantes.
TABELA 46 – O que imagina ser no futuro
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Ter uma profissão (professor, veterinário, informática etc.)
16,5 16,9 15,3
Ser militar/policial 14,1 13,2 16,9
Ser médico 10,1 10,6 8,5
Trabalhador 9,3 7,9 13,6
Jogador de futebol/treinador 8,1 8,5 6,8
Ser advogado/delegado 6,5 6,9 5,1
Ser uma pessoa boa/de bem 4,4 4,8 3,4
Nada 3,6 4,8 ---
Empresário/dono de comércio 2,8 2,1 5,1
Ter família 2,0 2,1 1,7
Ser rico/ter dinheiro 1,2 1,1 1,7
Ser cantor 1,2 1,1 1,7
Outro 5,6 7,4 ---
Não sabe 12,9 12,2 15,3
Não respondeu 1,6 0,5 5,1
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Não há referência à reciclagem, não obstante esta atividade ser estimulada nas vilas
populares através de cooperativas e a produção de papel reciclado ser objeto de cursos e
atividades voltadas para “sair da rua”.
Nos sonhos de futuro ampla maioria já tem sua opção, pois apenas 14,5% não sabe ou
não respondeu.
Em relação às expectativas realistas, a incidência maior é constituir uma família ou lar
(16,9%), seguindo-se a de ter um emprego (12,5%) e de possuir alguns bens duráveis de
consumo e ter dinheiro (17%).
79
TABELA 47 – Sonho que espera realizar
Respostas Geral Porto Alegre Outras Cidades
Ter uma família/unir a família/ter um lar 16,9 16,4 18,5
Não tem/nenhum/nada 12,9 12,2 15,2
Ter um emprego 12,5 12,2 13,6
Ter carro/bicicleta/moto/cavalo 8,9 9,5 6,8
Ser rico/ter dinheiro 8,1 7,4 10,2
Ser jogador de futebol 6,9 7,9 3,4
Ganhar um brinquedo (boneca, videogame etc.) 2,8 3,7 ---
Ser artista/ser famoso 2,4 1,1 6,8
Ser militar/policial 2,0 2,6 ---
Viajar 1,6 2,1 ---
Ser feliz 0,8 0,5 1,7
Outro 11,7 13,2 6,8
Não sabe 10,1 10,1 10,2
Não respondeu 2,4 1,1 6,8
Total 100 100 100 Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, agosto 2004
Os que não manifestaram sonho somam 12,9%, os quais somados como os que não
sabem ou não responderam perfaz cerca de um quarto (25,4%) dessa população.
80
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
9.1 Questões éticas
Contrariando um temor dos pesquisadores – o de que o tamanho do questionário seria um
empecilho para a realização das entrevistas nas circunstancias da rua -, chegamos ao final do
trabalho de campo com índices baixíssimos de perguntas não respondidas. Consideramos que
vários fatores influenciaram para isso, dentre eles, o processo participativo que envolveu os
técnicos das cidades em todas as etapas da pesquisa, a clareza das informações sobre o estudo e
sua divulgação previa entre as instituições e entre os grupos na rua, o reconhecimento da
instituição universitária responsável pela pesquisa, a consistência da capacitação da equipe de
campo e, sobretudo, a qualificação e sensibilidade destes agentes, que já traziam consigo certa
experiência de trabalho com o sujeito da pesquisa ou ao menos com outros tipos de pesquisa
social.
Em seus depoimentos sobre o processo do trabalho de campo, esta equipe revelou a
densidade e riqueza da experiência da descoberta do Outro, através da qual acaba-se por
conhecer melhor a si mesmo. Com raras exceções, estes encontros estiveram marcados por uma
relação de valorização e respeito mútuos, e o que poderia ter gerado desagrado e interrupção do
questionário mostrou-se, ao contrario, como a oportunidade para estas crianças e jovens
testemunharem de suas vidas, através da criação de um tempo de expressão e escuta, um
momento para o diálogo e a construção de sentidos compartilhados pela comunicação. Houve
mesmo casos de indivíduos que se mostraram frustrados por responderem apenas aos
cadastrados e não ao questionário extenso. Isto demonstra que, embora efêmeros e pontuais,
estes encontros permitiram graus variados de vinculação entre entrevistados e entrevistadores.
Não obstante, a equipe de campo exprime o mal-estar diante de varias situações – dentre
elas o fato de algumas perguntas serem, não apenas de ordem pessoal, mas relacionadas a certos
tabus sociais como relações sexuais, violência e violência sexual ou drogas – observe-se que as
81
perguntas a respeito deste ultimo tema restringiam-se a saber se “as pessoas em sua volta” fazem
uso de drogas. Outra serie de perguntas, em determinados casos, também causaram
constrangimento, não por serem tabus, mas pela dura reflexão que provocavam aos informantes.
É o caso das perguntas abertas sobre o que é ser menino/a de rua, se ele/a se considera ou não
como ‘de rua’ e porquê, ou ainda o que pensam sobre seu futuro e que sonho gostariam de
realizar. Se for certo que, na crueza das situações em que vivem, essas questões podem afetar
negativamente a sua identidade, reforçar a estigmatização que já sofrem diariamente e obrigar a
encarar um passado e um presente cruéis, além de um futuro improvável, por outro lado, elas
também podem trazer surpresas, dar livre vazão ao imaginário e, sobretudo, contestar imagens
que a sociedade dominante constrói sobre eles. Sem querer voltar aqui à analise dos resultados
da pesquisa, lembremos que 73,1% dos entrevistados não se consideram como ‘meninos/as de
rua’, o que esvazia - ou explode - a identidade que lhes é atribuída pelo senso comum.
O recurso à entrega de um button aos entrevistados, assim como as repercussões disso,
também requerem algumas considerações éticas.
Já fizemos referência à particularidade do fluxo e das representações do tempo para quem
vive em situação de rua. Também mencionamos que o estado de drogadição de alguns jovens
chegou a impedir a realização de entrevistas. Nestas condições, o button oferecido às crianças e
jovens no final da abordagem servia como um marco que contribuía para transformar aquele
momento pontual e efêmero, em um evento significativo. Ele ajudava igualmente a expressar
uma gratidão e a estabelecer uma troca simbólica pelas informações pessoais fornecidas. Através
deste souvenir, “presente” ou “lembrança”, quisemos gravar o evento do contato, tanto na
memória, quanto no corpo das crianças e jovens contatados. Quando reencontrados
eventualmente, algumas crianças afirmaram que não estavam mais com ele porque guardavam-
no para usar “só com roupa boa”.
Ao longo do trabalho de campo, o interesse pelo button foi aumentando e, em alguns
casos, ele se tornou um objeto de disputa. Chegaram a haver situações constrangedoras em que a
reclamação para ganhar mais de um atingiu o limite da violência física. Apesar disso, a equipe de
trabalho avalia como positiva esta estratégia de campo. Além de reforçar a informação sobre a
instituição da pesquisa e sobre a proveniência dos pesquisadores – devido ao logotipo UFRGS –
ele permitia dar um desfecho amistoso ao encontro. Em vez de apenas “entregar” o button,
alguns pediam autorização para prendê-lo no peito da criança/jovem - o que propiciava um
“corpo-a-corpo”, um reconhecimento, um vínculo, “quase um abraço” entre os dois.
Eticamente, outra questão relevante enunciada por membros da equipe se refere à
transformação subjetiva proporcionada pela imersão em campo, uma transformação que tange
82
sua visão, seus medos e preconceitos. É o caso da descoberta de que a curiosidade e o receio
sobre o Outro, desconhecido, são recíprocos, embora a relação de poder que se instaura na
situação de pesquisa não permita ao entrevistado fazer a mesma sorte de perguntas ao
entrevistador que lhe questiona. O medo do Outro, que nos remete a imagens inumanas de
violências, frio e fome, pode muito bem ser proporcional ao medo dele sobre este sujeito
desconhecido que vem “inquiri-lo” - quem lhe garante que não seja mais um agente de
repressão?
Essa imersão no mundo das crianças e adolescentes em situação de rua permite um
deslocamento que não é significativo em termos geográficos – embora muitos tenham adentrado
territórios inimagináveis dentro da cidade - , mas que constitui um deslocamento sócio-cultural e
pessoal, um esforço de relativização dos próprios valores na busca de entender os valores do
Outro. Esse procedimento para encontrar e comunicar-se com o desconhecido acaba acarretando
na familiarização com o estranho, no rompimento de certas barreiras que nos separam desse
sujeito. De modo que a vivencia de campo, através da qual se compartilha, mesmo que por pouco
tempo, a rudeza de certos locais públicos, permite, não apenas aprender com o corpo – sentir o
frio, à falta de higiene e de conforto da rua - mas também se aproximar das condições em que o
sujeito pesquisado se encontra. Deste novo ponto de vista, os agentes do trabalho de campo
relatam ter percebido recair sobre eles o mesmo olhar de exclusão que a sociedade geralmente
dirige a essas crianças e jovens – e isso pelo simples fato de estarem conversando com eles.
Entre o olhar de exclusão e a omissão social a que estão sujeitos ha pouca diferença. É
assim que o trabalho de campo ajuda a desvelar a sua existência, atribuindo-lhes maior
visibilidade social. Este trabalho também permite transpor o abismo que nos separa do Outro,
compartilhar seus sentimentos, sua inteligência e sua condição humana - o que, em ultima
instancia, nos torna semelhantes e permite reconhecer que nenhuma forma de ver o mundo é
mais verdadeira que a outra.
83
9.2 Diversidade de perfis
As fronteiras delineadas no mundo da rua não são tão precisas quanto aquelas vividas
por cidadãos domiciliados. Isso expande as rupturas de fronteiras que delimitam o público e o
privado e que separam o tempo de lazer do tempo de trabalho. Esta estratégia de reterritorializar
o espaço e o tempo pode significar a sobrevivência e inclusão de crianças e adolescentes em
situação de rua, por possibilitar apropriarem-se daquilo que lhes é negado pela sociedade.
Não é possível definir um perfil geral, único, desta população. A diversidade de
situações, de trejeitos de sobrevivência, de relações entre eles e com o conjunto da sociedade, os
torna tão diversos quanto o conjunto desta mesma sociedade. Isto não anula valores ou marcas
que os aproxima, como o drama cotidiano da sobrevivência, as histórias familiares semelhantes,
o enfrentamento cotidiano de violência, a valorização das instituições com as quais interagem e o
sonho como qualquer ser humano de um futuro realizado pela pertença a um grupo, seja familiar
ou de amigos, pela inclusão profissional e pela aspiração tão simples e totalizante, de ser feliz.
Embora toda a generalização incorra em risco e leve ao empobrecimento do que a
diversidade dos dados pode revelar, é possível perceber algumas tendências nos dados
levantados. Por exemplo, a de que na faixa etária entre 7 e 14 anos existe uma maior freqüência
de crianças e adolescentes que entram em situação de “vulnerabilidade” na rua, sendo que os
entrevistados referem estar vivendo em média, há 3,5 anos nessa condição. Considerando que os
pais percebem baixa remuneração (uma média de 0,5 a 1,5 SM), é fácil entender porquê três
quartos do universo deste estudo afirmaram estar na rua para ajudar a família, mantendo vínculos
regulares com ela. Em Porto Alegre o vínculo irregular com a família é de 15,6% e o de perda
total deste vínculo, de 8,9%. Nas demais cidades, 5,1 % têm contato inconstante com a família, e
1,7% perderam este laço institucional.
No discurso de todos os participantes dos grupos focais, a família, o trabalho e a escola
aparecem como valor e honra. A família, em geral, aparece em primeiro lugar numa escala de
valores. Mesmo durante os relatos de que as crianças são levadas a saírem para conseguir
84
dinheiro e de que apanham, a família é defendida pelos entrevistados de 0 a 12 anos. A figura da
mãe é a mais lembrada, mas não é a referência parental e de autoridade mais forte. Em muitos
casos, as crianças seguem o/a irmão/irmã nas primeiras saídas à rua, e, vão criando laços de
amizades com outras crianças e adolescentes que acabam por tornarem-se seus/suas irmãos/irmãs
“de rua”, fazendo com que o grupo geracional de iguais continue operando como principal
referência de afetiva e de autoridade.
A nostalgia da família extensa, comunitária, típica de outros contextos histórico-culturais,
foi introjetada, em passado recente, marca a linguagem (“tia”, por exemplo para demarcar
familiaridade ou capturar atenção) para a sociabilidade em geral. Reinterpretados livremente,
recortados de suas inserções institucionais e burocráticas, tais elementos operam uma
relativização da rua.
Neste estudo, a maior parte dos dados apresentados refere-se ao local ou cidade em que
se encontravam no momento do cadastramento e/ou entrevista. Estas alterações entre local em
que vivem ou sobrevivem e o de procedência parecem estar relacionadas à disponibilidade de
oportunidades e chances e, possivelmente, de serviços públicos ou privados a seu favor. As
cidades maiores oferecem mais oportunidades, atraindo crianças e adolescentes das cidades mais
próximas. Em suas andanças nas avenidas da capital, orientam-se pela concentração de
comércio, de lazer ou de forte fluxo de pessoas.
As diferenças dos perfis entre os de Porto Alegre e das demais cidades são pouco
significativas, principalmente entre os que estão na rua para atividades de renda, que constituem
a grande maioria (cerca de 75%, no geral).
A principal diferença na relação entre a capital e os municípios da Grande Porto Alegre é
a de que, as outras cidades parecem negar a existência de crianças em situação de rua e
“estranhar” ainda mais a presença de pessoas trabalhando no espaço público com estas crianças.
Durante as entrevistas com crianças, muitas pessoas que passavam e paravam para observar o
trabalho, tinham uma atitude repressiva ou de cobrança em relação aos entrevistadores,
especialmente fora de Porto Alegre. Em alguns locais os moradores e comerciantes foram
bastante enfáticos “aqui [na cidade] não tem criança na rua”.
O desconhecimento sobre serviço e/ou programas de atendimento também chama a
atenção, em especial nas cidades da Grande Porto Alegre. A maioria das crianças das outras
cidades, quando perguntada sobre se participa de algum programa de atendimento, refere receber
algum tipo de bolsa auxílio, mas não cita participar de serviços de atendimento como sócio-
educativos e outros. Ou seja, quanto menos a cidade dispõe de trabalhos especializados e de
discussões a respeito da situação de vida nas ruas, menor a abertura da população domiciliada
85
para entender e assumir o problema. Observa-se, portanto, que em todas as cidades o que mais
incomoda à sociedade não é a sua presença cotidiana, mas a sua visibilidade nas ruas.
O estudo não mostra, embora fosse relevante pesquisar, o comedimento dos pais no
tratamento dos filhos para não perderem a “ajuda” destes, caso resolvam permanecer na rua ou
utilizar o acolhimento de instituições para se abrigarem.
Supõe-se também, através dos relatos em grupo, que haja um distanciamento gradual da
comunidade de origem, visto que parte dos entrevistados que se encontra em Porto Alegre é de
outras cidades. É possível que estes tenham saído de casa mais cedo e passado a habitar as ruas
gradualmente, aproximando-se de uma maior fixação no centro da capital.
Quanto às identificações, é significativo que a maioria das crianças e adolescentes
entrevistados não se classifiquem como “meninos de rua”, e que, por outro lado, algumas
crianças abrigadas refiram se considerarem “de rua”, mesmo sem nunca ter dormido em local
público, mas pelo fato de viverem em um abrigo e estarem afastadas de suas famílias.
86
10 FONTES BIBLIOGRÁFICAS
BECKER, Howard S. Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Hucitec, 1997
CASTEL, Robert, De l’indigence à l’exclusion, la désaffiliation. Précarité du travail et vulnérabilité relationnelle. IN: DONZELOT, Jacques. Face à léxclusion, le modele français. Paris: Esprit, 1991.
CRAIDY, Carmem M. Meninos de Rua e Analfabetismo. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1998.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, Lei Federal 8.069/90, Brasília:1990
FAUSTO, A. e CERVINI, R. (org.) O trabalho e a rua – Crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo, Cortez, 1991
FERRETTI, Rosemary B.; CENTURIÀO, Luiz Ricardo M. De criança a menor abandonado: a construção de uma categoria excluída. Porto Alegre, UFRGS, 1991.
FIRDION, Jean-Marie ; MARPSAT, Maryse ; BOZON, Michel. " Est il légitime de mener des enquêtes statistiques auprès des sans-domicile ? Une question éthique et scientifique ". IN : Revue Française des Affaires Sociales, 1995, vol. 49, n° 2-3,
FONSECA, Cláudia . Família, Fofoca e Honra: Etnografia das Relações de Gênero e Violência em Grupos Populares. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 2000.
FONSECA, Cláudia. Caminhos da Adoção. São Paulo: Cortez, 1995.
GONÇALVES, Z. de A. Meninos de Rua e a marginalidade urbana em Belém. Belém, Gráfica Salesiana, 1979.
GOVERNO DE SERGIPE. Os meninos e as meninas das ruas de Aracaju. Relatório, 1993.
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Crianças e adolescentes em situação de rua e suas circunstâncias de vida. Secretaria de Estado do Planejamento : Projeto Piá 2000, 1996.
GRACIANI, Maria Stela S. Pedagogia Social de Rua. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 1997.
GREGORI, M. F. Os meninos de rua e a circulação. Cadernos Adenauer II (2001), n. 6, São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, dezembro 2001.
KIDDER, Louise H. (org). Métodos de pesquisa nas relações sociais / Selltiz, Wrightsman, Cook. São Paulo, Editora Pedagógica e Universitária, 1987 - Vol 1: Delineamentos de Pesquisa e Vol 3: Análise de resultados
LEMOS, Míriam Pereira. À Porta da Rua. IN: APPOA (org). Adolescência: um Problema de
Fronteiras. Porto Alegre: APPOA, 2004.
87
LEMOS, Míriam Pereira. Ritos de entrada e Ritos de Saída da Cultura da Rua: Trajetórias de jovens moradores de rua de Porto Alegre. PPGEDU/UFRGS, 2002 (Dissertação).
Levantamento de meninos e meninas nas ruas do Rio de Janeiro. Relatório de pesquisa. Projeto “Se essa rua fosse minha”, FASE/IBASE/IDAC/ISER. Março, 1992.
LEVI-STRAUSS, C., L’Identité, (séminaire) Paris : Bernard Grasset, 1977.
LUSK e MASON, Meninos e Meninas “de rua” no Rio de Janeiro. Um estudo sobre sua tipologia. IN: RIZZINI, Irene. (org.) A criança no Brasil hoje: Desafio para o Terceiro Milênio. Rio de Janeiro, Ed. Universitária Santa Úrsula, 1993.
MAGNI, Cláudia Turra. Nomadismo urbano: uma etnografia sobre moradores de rua em Porto Alegre. Porto Alegre, PPGAntropologia/UFRGS, 1994 (Dissertação).
MAGNI, Cláudia Turra. Images du Même et de l’Autre, une ethnographie dês ateliers artistiques
pour des personnes sans domicile à Paris. Paris, EHESS (tese de doutorado em antropologia social, direção Marc-Henri Piault), 2002.
Mapeamento e contagem de crianças e adolescentes em situação de rua em Goiânia. Sociedade Cidadão 2000. Goiânia, desktop, dez./1996.
MARPSAT, M. et FIRDION, J-M. La statistique des sans-domicile aux Etats-Unis. Courrier des Statistiques, déc. 1994, n° 71-72, pp 43-51.
MARRE, Jacques L. História de Vida e Método Biográfico. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v.3, n.3, jan./jul., 1991.
MARTINI, M. L. F., WEISS, Regina. Trabalhando Identidade e memória com A.L.A. In: X International Oral Conference, 1998, Rio de Janeiro. Oral History: challenges for the 21st
century. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. v.II. p.411 – 422.
MARTINI, M. L. F.Teatro e História, uma experiência de historiografia. Porto Alegre : UFRGS / PPGH, 2002 (tese).
Meninos e Meninas em situação de rua em Porto Alegre. Quem são? Qual seu modo de vida? Porto Alegre : PUC / Prefeitura de Porto Alegre – FESC, 1997.
NEIVA-SILVA, L. e KOLLER, S. A Rua como contexto de desenvolvimento. IN: LORDELO, R. CARVALHO, A. M. e KOLLER, S.(org.) Infância brasileira e contextos de desenvolvimento (pp. 205-230). São Paulo, Casa do Psicólogo – Salvador, ed. UFBA, 2002.
PAUGAM, Serge. éd., L'exclusion. L'état des savoirs. Paris : La Découverte, 1996.
RIZZINI, Irene (Org). A menina e a adolescente no Brasil. Uma análise da bibliografia. Rio de Janeiro: Sta Úrsula, 1994.
RIZZINI, Irene (org.). A criança no Brasil hoje: Desafio para o Terceiro Milênio. Rio de Janeiro: Santa Úrsula, 1993.
ROSEMBERG, F. O Discurso sobre criança de rua na década de 80. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 87, p. 71-81, nov. 1993.
SANTOS, Benedito Rodrigues dos. Da virtude à violação de direitos: o agendamento contra o trabalho infantil no Brasil – uma perspectiva histórico-analítica. IN: SOUSA, Sônia M. Gomes (org) Infância, Adolescência e Família. Goiânia: Cânone Editorial, 2001.
SILVA, A., REPPOLD, C T, SANTOS, C. L. et al. Crianças em situação de rua de Porto Alegre: um estudo descritivo. Psicol. Reflex. Crit., 1998, vol.11, no.3, p.441-447.
88
SILVA, H.R.S.; MILITO, C. Vozes do meio fio. Rio de Janeiro : Relume Dumará, 1995.
SIMMEL, Georg. Les pauvres, Paris : PUF Quadrige, 1998 (1908).
SNOW, David e ANDERSON, Leon. Desafortunados. Um estudo sobre o povo da rua.
Petrópolis : Vozes, 1998.
VIEIRA, M. Antonieta da C. et.al (org.) População de rua : quem é, como vive, como é vista. São Paulo : Hucitec, 1992.