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Remédio de veneno

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Pesquisa FAPESP - Ed. 63

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14 O Centro de Toxinologia

Aplicada, ligado ao Instituto Butantan, depositou

no INPI a patente do princípio ativo de um

protótipo molecular a ser usado na produção de um

fármaco com propriedades anti-hipertensivas

EDITORIAL ••• • •••••••••••••••••• • ••• 5

MEMÓRIA •••••••••••••••• • •••••••••• 6

OPINIÃO ••••••••••••••••••••• • •••••• 9

POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA .................... 10

ESTRATÉGIAS ...... .. ......•.. . .. . ..... 1 O

NOVA ARMA CONTRA A HIPERTENSÃO ARTERIAL . . .. • ..• . .. . . 14

DEMANDA EXPLOSIVA ................. 18

CONEXÃO EM ALTA VELOCIDADE ....... 20

PONTE DIGITAL .... . .. . ..... . ..... . .... 22

UMA AGENDA FEDERAL .... •. . •.. •..... 24

CIÊNCIA •• ••• • ••••••••• • ••••••••••• 26

LABORATÓRIO ........................ 26

BIG, A GRANDE CONFERÊNCIA .... . . .... 28

GESTAÇÃO ALTERNATIVA . . ...... . .. . ... 33

VEM AÍ A VACINA QUATRO EM UMA ..... 34

PROTEÇÃO PARA OS NEURÓNIOS ....... 37

OS CAMINHOS PARA SALVAR O CERRADO PAULISTA . . ... . .. . . 38

OS NOVOS FLASHES DO SOL . . ... . .. . .. 44

TECNOLOGIA ••••••••••••••• • ••• ••• 48

LINHA DE PRODUÇÃO . . . .. ...... . ..... 48

TRANSFORMAR É PRECISO . . ........... 50

SEMENTES DE AUTONOMIA . .... . .. . ... 57

OLHAR ELETRÔNICO .. . . .. . . . .. . ..... . . 60

FRANGO PESADO PELA IMAGEM ........ 62

HUMANIDADES •••••••••••••••••••• 64

BIBLIOTECA INTERATIVA, NOVA FORMA DO SABER . . ............. 64

IMAGEM FEITA DE TINTA E SANGUE ..... 67

UM CANTINHO E UM LAPTOP .. . .. . .... 70

LIVROS ••••• • •••• • ••••••• • •• • ••••• 72

LANÇAMENTOS ••• • •••• • •• • •••••••• 73

ARTE FINAL ••••• • •• •••• • •• • •• • •• • •• 74

Capa: Hélio de Almeida,

sobre foto de Miguel Boyayan

28 Conferência internacional sobre genoma reúne, em Angra dos Reis, cientistas de todo o mundo

50 Produtos retirados do lixo, como latas de alumínio, garrafas plásticas, pneus e pilhas podem ser reciclados, gerando tecnologia, empregos e benefícios sociais

64 Projeto do Programa de Melhoria do Ensino Público coloca em prática, em uma escola municipal da capital paulista, o conceito de biblioteca interativa

PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2001 • 3

)

Page 4: Remédio de veneno

Mulheres da cana

Na edição de janeiro/fevereiro da revista, a matéria sobre o proje­to Mulheres da Cana: Memórias traz várias reproduções de fonte do livro Matarazzo 100 anos, mas, apesar da foto da autora do traba­lho mostrar claramente o nome da nossa empresa, não há qualquer registro do mesmo na matéria. O livro, encomendado pela IRFM, como parte das comemorações dos cem anos, foi editado pela CL-A Comunicações em 1982, dentro do nosso trabalho de levantamento e edição da história empresarial bra­sileira, que já fizemos para várias empresas e setores. Lembramos que o F de IRFM não é de Frances­co (Matarazzo ), pois a empresa se chamava Indústrias Reunidas Fá­bricas Matarazzo.

Revista

M ARIO ER ESTO HUMBERG

São Paulo, SP

Sou estudante de farmácia da Universidade Federal do Rio Gran­de do Sul e trabalho com pesquisa no departamento de Biofísica da própria faculdade. Estava navegan­do na Internet, entrei na home pa­ge da FAPESP e me maravilhei com a revista Pesquisa FAPESP. Sei que posso ler os artigos via Internet, mas gostaria de saber se há meios de re­cebê-la em casa, fazendo a assina­tura ou de alguma outra forma.

LARA PIAS

Porto Alegre, RS

Fui bolsista de doutorado da FAPESP até agosto de 2000, em pro­jeto desenvolvido na Faculdade de Engenharia Química da Unicamp, e recentemente fui contratado como professor visitante na Universidade Federal do Maranhão em um pro­grama vinculado à ANP para o de­senvolvimento de pesquisa na área de petróleo. Enquanto bolsista da

4 • ABRIL DE 2001 • PESQUISA FAPESP

CARTAS

FAPESP, gostava muito de me situar nos programas e informações atuais editados na revista da FAPESP. Por­tanto, gostaria de saber se é possível eu receber exemplares da revista aqui na UFMA.

A NTONIO CARLOS DA SILVA RAMOS

São Luís,MA

A equipe do Colégio Integrado Diadema esteve com a revista em mãos e devido à qualidade da re­vista e às abordagens mais apro­fundadas dos artigos, solicitou pa­ra a coordenação a aquisição da revista, para aperfeiçoar a capaci­tação do professor e para possíveis atividades em sala de aula.

DAIA Y N. FAKIH/

ORIENTADORA EDUCACIONAL

Colégio Integrado Diadema Diadema, SP

Na sala de espera de um con­sultório médico tive acesso à revista Pesquisa FAPESP. Não a conhecia e achei uma publicação sensacional. Como posso fazer para recebê-la? Existe assinatura?

GILBERTO SILVA NUNES

São Paulo, SP

Tenho interesse em assinar o periódico Pesquisa FAPESP, da qual sou um admirador incondicional, pelo esmero da publicação.

L UIZ GONÇA LVES MENDES )R.

Campo Grande,MS

Correções

Existe algum equívoco na pági­na 21 da revista Pesquisa FAPESP no 62. Trata-se da figura que traz a legenda "Anopheles gambiae: mais agressivo que o darlingi". Se não me engano, trata-se de flebótomo, que não tem nada a ver com o tema da matéria, subordinado ao título Consórcio contra a malária.

Ü SWALDO PAU LO FORATTI NI

Faculdade de Saúde Pública da USP São Paulo, SP

O inseto representado na foto não é um Anopheles gambiae, mas sim um Phlebotominae. Ambos são insetos da ordem Diptera, mas de famílias diferentes. Também discordo da afirmação feita sobre o parentesco próximo entre o Anopheles gambiae e o Anopheles darlingi. Parentesco implica rela­ções filogenéticas. O Anopheles darlingi pertence ao subgênero Nyssorhynchus, que é grupo irmão do Kerteszia, ambos neotropicais. Anopheles gambiae é do subgêne­ro Cellia.

MARIA A NICE M UREB SALLUM

Faculdade de Saúde Pública da USP São Paulo, SP

De fato, o inseto mostrado na fo­to publicada na edição no 62 é o Lut­zomya longipalpis, transmissor da Leishmaniose. O Anopheles gam­biae é o mostrado na foto abaixo.

ao• 70°

,o'

ARGENTINA

O~ km

BRASIL

~.,.

Mon!~ - Bacia do Prata • AqUífero Guarani Campo --SloCarlos Grande

A legenda do mapa da pág. 35 da revista Pesquisa FAPESP n° 62 saiu invertida: o Aqüífero Guarani é que corresponde à área azul e a Bacia do Paraná, à região delimita­da pela linha azul, como indicado acima.

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PESQUISA FAPESP E UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROF. OR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE

PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE·PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO

FLAVIO FAVA DE MORAES JOSE JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO

MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI

VAHAN AGOPYAN

CONSELHO TECNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROF. DR. JOSE FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO

EQUIPE RESPONSAVEL

CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOSE FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORES ADJUNTOS MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

NELDSON MARCOLIN

EDITOR DE ARTE HELIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTIICIENCIA) CLAUDIA IZIQUE (POLITICA C&T)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MARIO LEITE FERNANDES (ENCARTES)

EDITOR-ASSISTENTE ADILSON AUGUSTO

REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVffiA

ARTE JOSE ROBERTO MEDDA (DIAGRAMAÇÃO)

TÂNIA MARIA DOS SANTOS IDIAGRAMAÇAO E PRODUÇÃO GRAFICA)

COLABORADORES ANA MARIA FlORI

CLAUDIO EUGENIO CRISTINA DURAN ILANA REHAVIA

OTIO FILGUEIRAS ROBERTO TANAKA

SUZEL TUNES

FOTOLITOS GRAPHBOX-CARAN

IMPRESSÃO GRAFICA BANDEIRANTES

TIRAGEM: 24.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI, N' 1SOO,CEP OS468-901 ALTO DA LAPA- SÃO PAULO- SP

TEL. 10 - 11 I 3838-4000 - FAX: (O - 11 I 3838-4117

ESTE INFORMATIVO ESTA DISPONIVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:

http://www.fapesp.br e-mail: mari [email protected]

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP ! PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PR!VIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA DA CI~NCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONOMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EDITORIAL

Bons resultados em pouco tempo

E_,- da natureza da pesquisa cien­

tífica séria o cuidado e o rigor na condução de todo o pro­

cesso, desde a escolha do tema com o qual se vai trabalhar até a divulga­ção dos resultados. Normalmente, o caminho é longo e nem sempre é possível alcançar os objetivos pro­postos. Por isso, pode-se comemo­rar quando um programa dá frutos rapidamente, como o do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão ( Ce­pid), que tem menos de um ano. O Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), do Instituto Butantan, um dos dez Cepids qualificados pela FA­PESP, tem uma parceria com a in­dústria farmacêutica que deverá sa­tisfazer a todos os integrantes. Liderados por Antonio Martins de Camargo, diretor do CAT, os pes­quisadores isolaram um princípio ativo a partir do veneno da jararaca (Bothrops jararaca) que será utiliza­do na produção de um fármaco anti-hipertensivo, chamado generi­camente de Evasins.

A patente do protótipo molecular foi depositada no Instituto Nacio11al de Propriedade Industrial (INPI). O mesmo deve ser feito nos Estados Unidos, União Européia e Japão. As patentes solicitadas em vários países são indispensáveis - o Captopril, anti-hipertensivo produzido pela Squibb, tem um faturamento anual estimado em US$ 5 bilhões, em todo o mundo. O Evasins só deverá estar no mercado em alguns poucos anos, mas terá a seu lado um consórcio de laboratórios que ajudará a levar o projeto adiante. A parceria com a in­dústria atende a um dos principais quesitos do Cepid: aproximar as ati­vidades acadêmicas de pesquisa do mercado. Todos sairão lucrando porque o dinheiro da venda do pro­duto será repartido entre os invento­res, o Instituto Butantan, os pareei-

ros privados e a FAPESP. A editora de Política Científica e Tecnológica de Pesquisa FAPESP, Claudia Izique, conta como todo o trabalho foi feito a partir da página 14.

• Nos últimos anos, a FAPESP vem

concedendo bolsas num ritmo ex­plosivo. O crescimento é, até certo ponto, natural porque indica quão fortes são os programas de pós-gra­dução do estado e o sistema paulis­ta de pesquisa em geral. Ocorre que o desequilíbrio entre as concessões de auxílio a pesquisa e bolsas de mestrado e doutorado compromete o desenvolvimento saudável de todo o sistema. Para promover o equilí­brio nessa relação, a Fundação deci­diu estabelecer um teto para o dis­pêndio de bolsas. Isso não significa que o enorme investimento em bol­sas irá diminuir. A FAPESP apenas evitará que ele aumente para não prejudicar o financiamento do siste­ma. Conheça os detalhes das novas regras na página 18.

• Os números são assombrosos: o

Brasil consumiu, em 1999, 330 mil toneladas de garrafas PET (de plásti­co) e usa, por ano, 8 mil toneladas de zinco (matéria-prima de pilhas) e 20 milhões de pneus. Na página 50, Pes­quisa FAPESP apresenta três projetos com novas tecnologias que podem servir à crescente indústria de reci­clagem no país.

• Na página 64, o pesquisador Ed­

mir Perrotti, da Universidade de São Paulo, ensina como tornar a biblio­teca o centro e o orgulho da escola. A reportagem é indispensável para quem deseja ajudar a mudar o rumo da educação no Brasil.

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2001 • 5

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O e-mail ficou balzaquiano Cheio de qualidades e com alguns poucos defeitos, o e-mail ganhou o planeta e tornou-se indispensável ferramenta de trabalho do mundo moderno. A bem da verdade, ele só começou a ser realmente usado em massa a partir de 1995, quando a Internet passou a ser vista como algo útil e fácil de ser utilizada por um grande número de pessoas.

Criador Tomlinson: "O primeiro uso do e-mail em rede anunciou sua existência"

1837

O norte-americano Samuel Morse exibe e testa o primeiro apa re lho telegráf ico com fios a uma distância de SOO met ros. Em 1840, cria um alfabeto telegráf ico e quatro anos depois envia a primei ra

6 • ABRIL DE 2001 • PESQUISA FAPESP

mensagem à distância (64 quilômetros).

O escocês Alexander Graham Bel i, radicado nos Estados Unidos, inventa o telefone. A primeira frase dita foi para seu assistente, Tom Watson: "Watson, venha aqui, preciso de você".

Mas lá se vão 30 anos desde seu nascimento, no computador do engenheiro Ray Tomlinson, em 1971. Tomlinson trabalhava na BBN, uma empresa contratada em 1968 pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos para ajudar a construir a Arpanet, a precursora da Internet. Ele escreveu o primeiro programa de e-mail e o batizou de SNDMSG (send message, ou enviar mensagem, em inglês) e escolheu o sinal gráfico@ (arroba) para separar o nome do destinatário do lugar para onde vai a mensagem - na língua inglesa,@ significa at (em). "O símbolo era muito pouco usado e o achei perfeito para meu

programa", contou Tomlinson em numerosas

O alemão Heinrich Rudolf Hertz descobre as ondas eletromagnéticas, traba lho que permite o desenvolvimento do rádio, da televisão e do radar.

Page 7: Remédio de veneno

Mensagem de teste Uma seqüência de letras foi,

provavelmente, o primeiro recado enviado para um colega

entrevistas. A primeira mensagem, enviada para o colega que trabalhava ao seu lado, foi uma seqüência de letras ( qwertyuiop) ou de números (123456).

O padre gaúcho Roberto Landell de Moura faz a primeira transmissão por meio de rádio no mundo, da Avenida Paulista para o Alto de Santana, na capital paulista.

1894

"Não lembro mais qual das duas mandei." A segunda mensagem foi um aviso para os outros colegas da empresa ensinando a usar o programa. Trinta anos depois, a Electronic Messaging Association, baseada nos Estados Unidos, estima que o número de e-mails enviados em 2000 passou de 6 trilhões, alguns deles perigosos, portando vírus. Aos 63 anos, Tomlinson continua na BBN, comprada em 1997 pela GTE Internetworking, da qual é o principal engenheiro. Ele não ganhou dinheiro com sua invenção, mas não guarda ressentimento. "Na época, a noção de registro era contrastante com o espírito daquilo que viria a ser a Internet", disse. "Só muito tempo depois percebi que se tratava de algo realmente grande."

1957 Um ano depois, o italiano Guglielmo Marconi transmite um sinal

Abalados com o sucesso do lançamento do satélite Sputnfk 1,

para um receptor a 7 metros de distância do emissor-e fica com a fama de inventor do rádio.

1923 O russo naturalizado norte-americano Vladimir Zworykin inventa o iconoscópio, um precursor do tubo de imagem de TV. É o início da televisão eletrônica.

da União Soviética, os Estados Unidos fundam a Agência de Projetos Avançados de Pesquisa (Arpa).

1969 Criada a rede Arpa (Arpanet), que conecta quatro laboratórios de universidades americanas. No auge da Guerra Fria, a idéia era construir uma grande rede de comunicação em que todos os pontos se equivalessem, sem um comando central.

1971 O engenheiro norte-americano Ray Tomlinson inventa o primeiro programa de e-mail na empresa BBN,em Cambridge.

Tim Berners-Lee cria a linguagem World Wide Web (www) no Laboratório Europeu de Física de Partículas (Cern).

1996

A Microsoft, de Bill Gates, finalmente adere à web e lança no mercado o navegador Internet Explorer.

PESQUISA FAPESP · ABRil DE 2001 • 7

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o www.scielo. br

As publicações científicas brasileiras estão ao alcance de suas mãos. Não importa

em que parte do mundo você esteja

SciELO- Scientific Electronic Library Online é uma biblioteca de revistas científicas disponí­vel na Internet. Uma biblioteca virtual que reúne 55 publicações científicas brasileiras. Sua interface permite o acesso fácil aos textos completos de artigos científicos, por meio das ta­belas de conteúdos dos números individuais das revistas ou da recuperação de textos por nome de autor, palavras-chaves, palavras do título ou do resumo.

A SciELO publica também relatórios atualizados do uso e do impacto da coleção e dos tí­tulos individuais das revistas. Os artigos são enriquecidos com enlaces dinâmicos a bases de dados bibliográficas nacionais e internacionais e à Plataforma Lattes no CN Pq.

SciELO é produto do projeto cooperativo entre a FAPESP, a BIREME!OPAS/OMS e editores científicos brasileiros, iniciado em 1997, com o objetivo de tornar mais visível, mais aces­sível e incentivar a consulta das mais conceituadas revista;; científicas brasileiras. Em 1998, a coleção SciELO Brasil passa a operar normalmente na Internet e projeta-se rapidamente como modelo de publicação eletrônica de revistas científicas para países em desenvolvimen­to, em particular da América Latina e Caribe. Ainda em 1998, o modelo é adotado pelo Chi­le e em 1999 começa a operar a coleção SciELO Saúde Pública, com as melhores revistas científicas de saúde pública ibero-americanas. Outros países estão em processo de incorpo­rar-se à rede de coleções SciELO.

O modelo SciELO destaca e valoriza a comunicação científica brasileira. Ao mesmo tempo, proporciona mecanismos inéditos de avaliação de uso e de impacto das nossas revistas cien­tíficas, em consonância com os principais índices internacionais de produção científica.

Adote a SciELO como sua biblioteca científica.

~ ~ ~ .. GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico BIREME I OPAS I OMS www. fa pesp. br

Page 9: Remédio de veneno

OPINIÃO

RODOLFO RUMPF

Regulamentar é preciso, proibir jamais São necessários instrumentos legais e éticos que permitam o progresso científico

Aoferta suficiente de alimentos saudáveis, a prevenção e o controle de enfermidades e a sobrevivência harmoniosa do homem

nos diferentes ecossistemas é, sem dúvida, o maior desafio da ciência na atualidade. Partindo­se do princípio, portanto, de que todo o esforço da ciência está voltado para a melhoria de vida do ser humano, os limites da ciência estão muito mais voltados para questões do bom uso das tec­nologias do que para o estabeleci-mento de um "teto" limite para o avanço científico. Nesse sentido, o

"cabe à sociedade esclarecida decidir as

jetos de lei proibindo a clonagem em geral. So­mos favoráveis à regulamentação por parte da sociedade do acompanhamento do desenvolvi­mento científico e do bom uso das tecnologias.

A estratégia adotada pelo Brasil no que tange aos organismos geneticamente modificados (OGMs), com a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, é um bom exemplo, até porque as falhas identificadas na lei 8.974, de

5 de janeiro de 1995, poderão ser evitadas na edição de um novo ins­trumento legal. O importante, no entanto, é que nessa comissão estão representados os diferentes seg­mentos da sociedade e existe um es­paço democrático para discutir as propostas de atividades com OGMs.

esforço científico do pesquisador deve se reunir à preocupação constante em demonstrar para a sociedade como a tecnologia está sendo desenvolvida e como será inserida no setor produtivo ou na clínica. E explicar quais os meca­nismos, as técnicas, os parâmetros que estão sendo observados no monitoramento da tecnologia.

É fundamental o esclarecimen­to adequado da sociedade. A im­prensa especializada pode contri-

prioridades e ao pesquisador a eleição dos métodos e de

Cabe à sociedade esclarecida decidir as prioridades e ao pesqui­sador a eleição dos métodos e de seus limites. Caso falte bom senso, a sociedade por si neutraliza ini­ciativas mercantilistas e antiéticas.

seus limites, . Como reflexão, é importante que

buir de maneira decisiva traduzin-do a linguagem da "bancada" para uma linguagem jornalística clara. Não adianta passar para a sociedade a atribuição de controlar o bom uso das tecnologias se as pes­soas não estão informadas sobre o assunto. O novo desconhecido provoca medo e a atitude comum mais cômoda é proibir ou declarar mo­ratória em vez de apoiar os pesquisadores e ele­var a capacidade de interpretação da sociedade.

A cada novo evento científico divulgado é possível observar uma série de iniciativas de pro­jetas de lei proibindo tudo antes mesmo de en­tender melhor o que se busca com tais pesquisas. Bastou a divulgação, em março, do nascimento da bezerra Vitória, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), primeiro ani­mal oriundo da técnica de transferência nuclear em nosso laboratório, para que voltassem os pro-

- nos incluamos pessoalmente no contexto da problemática analisa­da, já que emitir opinião sobre o problema dos outros é mais fácil.

Por fim, devemos analisar o enorme progresso científico alcançado pelo Brasil nos últimos anos, fruto de várias iniciativas de apoio e fomento e da capacidade de inovação e articulação dos recursos humanos brasileiros. É apenas o começo e por isso é necessário discutir e definir instrumentos le­gais e éticos que permitam o progresso científico e o bem-estar do cidadão. Seria uma atitude me­díocre "engessar" o progresso científico neste mo­mento tão importante para a ciência brasileira.

R ODOLFO RUMPF é pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e coordenador do projeto que

permitiu a primeira clonagem de bezerro no Brasil (veja

reportagem na página 33)

PESQUISA FAPESP • ABRILDE2001 • 9

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Ciclo de conferências discutirá o "homem máquina"

A ciência já conseguiu ma­pear o genoma humano e, cada vez mais, a tecnologia cria chips e próteses que substituem partes do corpo. Em breve, anunciam alguns cientistas polêmicos, sere­mos capazes de clonar um ser humano. Mas que tipo de criatura será essa e quais as conseqüências dessa inven­ção? Para discutir o novo homem, nem natural nem artificial, um grupo de 18 in­telectuais brasileiros e es­trangeiros, das áreas científi­ca e filosófica, irá se reunir, até 11 de maio, no Rio e em Brasília, no ciclo de confe­rências O Homem Máquina, organizado por Adauto No­vaes para o Centro Cultural Banco do Brasil. "O tema é imenso e pede conhecimen-

• Unesp reabre o Campus do Litoral

A Baixada Santista ganhou uma unidade da Universida­de Estadual Paulista (Unesp ). Instalado em São Vicente, o Campus do Litoral foi reaber­to este ano e terá, já no mês de maio, o primeiro curso de ex­tensão: Acidentes com Ani­mais Peçonhentas, dirigido para policiais militares, flo­restais e bombeiros da região. O curso será ministrado pelo pessoal do Centro de Estudos de Venenos de Animais Peço­nhentas (Cevap), unidade de Botucatu. Mas isso é só o co­meço. "Estamos estudando a possibilidade de instalar vá­rios cursos de graduação no litoral", diz Carlos Alberto de Magalhães Lopes, diretor do

1 O • ABRIL DE 2001 • PESQUISA FAPESP

to de várias ordens. No ní­vel do pensamento, as no­vas descobertas científicas apontam para uma desor­dem mental em estado quase perfeito. É preciso re­fletir sobre essa desordem", afirma Novaes. Ele lembra a observação feita pelo bió­logo francês Jacques Tes­tart, para quem, hoje, não se pode mais fazer ciência de forma independente. "Hoje não existe mais a ci­ência, mas a tecnociência. Não existe mais a vontade gratuita de obter conheci­mento. Toda pesquisa tem finalidade, que é buscar ino­vações. É uma experimenta­ção permanente, alimentada pelo mercado, em nome do progresso." O ciclo pretende exatamente colocar o dedo

Cevap e integrante da comis­são que estuda a criação dos cursos. Dentro de Ciências Biológicas, Magalhães cogita ter as modalidades Biologia Marinha e Gerenciam ento Costeiro. "Estamos na fase de consulta aos professores da Unesp e também de fora dela

sobre essa ferida aberta e questionar as implicações éticas e religiosas da clona­gem e do genoma, estabele­cer os limites do biopoder, que pode criar tanto maravi­lhas quanto experimentos de

para escolher os melhores cursos para a região", explica. A universidade deverá traba­lhar em convênio com outros centros, como o Instituto de Pesca, da Secretaria da Agri­cultura, que tem um barco de pesquisas. O Campus do Litoral tem um prédio com

São Vicente: cidade é a sede do novo Campus do Litoral

eugenia, e pedir para o mundo uma bioéti­ca. Entre os vários pa­lestrantes estão: Ma­rilena Chauí (Arte e Na tureza: Antecip a­ções do Futuro), Gio­vanni Berlinguer (En­tre Ciência e Mercado), Axel Kahn (Clonagem: Fim da Sexualidade?), Jorge Coli (O Corpo Libertino), Sérgio Pau­lo Rouanet (Homem­Máquina), Carlos An­tonio Leite Brandão (O Corpo, Modelo das

Paixões, da Ética e da Políti­ca), Renato Janine Ribeiro (Natureza e Cultura: uma Guerra de Fronteiras), Davi Geiger (In teligência Artifi­cial: Máquina pode pensar?), entre outros. •

cinco grandes salas de aula, laboratório de biologia, an­fiteatro para 150 pessoas, cen tro de informática e aloja­mento para professores visi­tantes. Magalhães acha que em 2002 podem começar a funcionar os primeiros cur­sos de graduação. •

• Amazônia peruana pede ajuda ao Brasil

O enorme estrago ambiental provocado pela mineração de ouro na parte peruana da Amazônia começa a ser re­vertido com a aj uda da Em­presa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) . Os 80 km2 degradados com­prometem o rio Huepetuhe, um dos rios que contribuem para a formação do Madei-

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isso, é essencial que o gover­no peruano tenha vontade política para manter o traba­lho." diz Campello. •

• Prêmio Finep de Inovação Tecnológica

Região do rio Huepetuhe: 80 km' de desolação na Amazônia

Foi dada a largada para o Prêmio Finep de Inovação Tecnológica 2001. A terceira edição do evento traz uma novidade. Foram criadas mais duas categorias para premiar aquelas que inves­tem na busca contínua da inovação e da liderança tec­nológica: Grande Empresa e Pequena Empresa. Será reali­zada uma etapa preliminar em cada região brasileira,

ra no Brasil. O impacto am­biental já chegou à Bacia Amazônica. Pesquisadores da Embrapa Agrobiologia, do Rio de Janeiro, estiveram por duas semanas na região, em março. Eles faziam parte da Missão Multidisciplinar ao Peru atendendo a um pe­dido do governo peruano à Agência Brasileira de Coo­peração. O Programa das Nações Unidas para o De­senvolvimento (Pnud) está coordenando a parte admi­nistrativa do projeto e o Peru vai dar a contrapartida. "Es­tamos fazendo um projeto piloto para transferência de tecnologia de recuperação de solos degradados", diz o engenheiro florestal da Em­brapa Eduardo Campello. Os pesquisadores plantaram alguns tipos de leguminosas que ocorrem na Amazônia e se associam a bactérias do gênero Rhizobium, que con­somem o carboidrato da planta e dão em troca nitro­gênio, um dos principais nu­trientes utilizados para o crescimento de vegetais. ''Além de melhorar esse pro­cesso ao inocular a bactéria, usamos um fungo para colo­nizar as raízes e aumentar a eficiência das plantas em ab­sorver água e fósforo, tam­bém escassos nos solos tropi­cais", explica Campello. O

processo de recuperação de toda a área, de modo a ficar pelo menos parecida com o que havia antes, deve levar de dez a 15 anos. "Mas, para

Mata Atlântica de São Paulo: estudo sobre o ambiente

Interior ganhará centro de estudos A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) firmou uma carta de in­tenções com o Ministério do Meio Ambiente para criar o Centro Nacional de Pesquisas para o De­senvolvimento Sustentá­vel na Floresta Nacional de Ipanema, em Iperó, in­terior de São Paulo. "Que­remos um centro de con­servação e pesquisa não só para a questão am­biental, mas também para tratar os aspectos cultu­rais e históricos da re-

gião", explica o pró-reitor de Pós-Graduação e Pes­quisa da UFSCar, Pedro Galetti. Por exemplo: a re­gião tem a primeira side­rúrgica das Américas, na qual foram cunhadas as armas brancas usadas na Guerra do Paraguai. Tam­bém há uma forte agri­cultura familiar e muitos sem-terra no entorno da região. "Estamos traba­lhando para criar um de­senvolvimento que seja realmente sustentável e não destrutivo." •

das quais sairão quatro indi­cações de empresas para par­ticipar da final em Brasília, em novembro. A Financia­dora de Estudos e Projetas (Finep) recebe as propostas até 30 de junho via internet pelo e-mail premio@fi­nep.gov.br. Mais informa­ções: www.finep. gov.br/pre­mio!index.htm ou pelo telefone (Oxx21) 555-0555. •

• Krieger é reeleito pela quinta vez para a ABC

O médico, professor e pes­quisador Eduardo Moacyr Krieger foi reeleito para a presidência da Academia Brasileira de Ciências (ABC) no dia 20 de março, para o período de 2001 a 2004. É o seu quinto mandato à frente da entidade. Ele concorreu em chapa única tendo como vice-presidente Carlos E­duardo Rocha Miranda. Gaú­cho, de 78 anos, Krieger tra­balhou em universidades de vários Estados brasileiros, além da Argentina (Buenos Aires) e dos Estados Unidos (Augusta, na Geórgia) . Publi­cou mais de 120 trabalhos em revistas internacionais e, des­de 1985, após a aposentado­ria pela Faculdade de Medici­na da Universidade de São Paulo, de Ribeirão Preto, tra­balha com hipertensão no Instituto do Coração (Incor) dirigindo uma equipe multi­disciplinar de pesquisa. •

• 8 de julho, Dia Nacional da Ciência

Os parlamentares do Con­gresso Nacional instituíram 8 de julho como o Dia Na­cional da Ciência. O mesmo decreto autoriza o Poder Pú­blico a incentivar a divulga­ção da data e promover ati­vidades em estabelecimentos educacionais. •

PESQUISA FAPESP • ABRILDElOOI • 11

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Bush aposta na área biomédica A primeira previsão orça­mentária para 2002 do presidente George Bush enviada para o Congresso, em março, deixou felizes pesquisadores que lidam com saúde nos Estados Unidos. A Casa Branca propôs aos parlamentares aumentar em 13,8% as verbas para o Instituto Na­cional de Saúde (NIH). Isso significa somar US$ 2,8 bilhões ao montante atual, deUS$ 20,3 bilhões. Embora haja motivos de

sobra para comemoração dentro do NIH, a iniciativa desagradou a boa parte da comunidade científica a­mericana. A Fundação Na­cional de Ciências (NSF) e a Nasa, a agência espacial, ainda tiveram um peque­no aumento de 1,3% e 2%, respectivamente. Mas min­guaram os orçamentos do Departamento de Energia (DoE), em -3,6%, e da Agência de Proteção Am­biental (EPA), em -6,4%. A diretora da NSF, Rita Col­well, vinha pedindo, desde setembro de 2000, um au­mento de 15% (cerca de US$ 4,4 bilhões) para 2002. A idéia era investir

12 · ABRIL DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Saúde é privilegiada Previsão de orçamento nos EUA para o próximo ano

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2002 Fonte: Nature (8/3/2001 )

George Bush: f ixação pela imagem de homem que faz o que promete

em pesquisas na áreas de nanotecnologia, computadores mais potentes e simulação de terremotos. O DoE pediu 15% a mais para aplicar em projeto de economia de energia nas resi­

dências e incentivo no uso de combustíveis renová­veis. O departamento con­tava, ainda, em aumentar a subvenção a pesquisas universitárias sobre uso de energia. Todos esses pla­nos terão de ser adiados. Também a agência de es­tudos geológicos (USGS) deve perder 11% ou mais de seu orçamento. Segun­do observadores da polí­tica americana, George Bush quer construir uma sólida imagem de homem que faz o que promete -mesmo que suas ações pareçam irracionais. Co­mo falou durante a cam­panha presidencial em au-

mentar o investimento em saúde, ele decidiu colocar a maior parte do dinheiro disponível para pesquisa nesse setor, não importan­do se os outros programas científicos sejam preju­dicados. De qualquer for­ma, o futuro não é total­mente desale~tador para os pesquisadores fora da área biomédica. O repu­blicano Jim Walsh, de Nova York, acredita que há uma chance de a situa­ção ser revertida. "É o Congresso que decidirá como gastar o orçamento de 2002 e não apenas o presidente, isoladamente", diz Walsh. Embora insa­tisfeitos com as priorida­des de Bush, os cientistas evitam criticar aberta­mente sua proposta. Eles preferem fazer lobby com os congressistas para re­verter a situação e tornar o orçamento de 2002 mais equilibrado. •

• Ciência russa nas mãos da filantropia

A situação de penúria da Rússia deixa a ciência cada vez mais dependente de filan­tropos. Dois jovens empresá­rios criaram no ano passado a Fundação Beneficente Pú­blica para o Apoio da Ciência Nacional. Seus fundadores, Oleg Deripaska, de 32 anos, da companhia Russian Alu­minum, e Roman Abramo­vich, de 34 anos, executivo do setor de petróleo e governa­dor da região de Chukotka, doaram US$ 1 milhão para repassar aos pesquisadores. Esse tipo de ajuda à ciência está se tornando uma tradi­ção na Rússia. No começo da década de 1990, o especula­dor de origem húngara Geor­ge Soros doou US$ 120 mi­lhões para beneficiar mais de 30 mil cientistas da extinta União Soviética. Em 1995, um dos mais notórios oligar­cas do país, Boris Berezovsky, deu US$ 1,5 milhão. Agora, o dinheiro de Deripaska e Abramovich irá para 200 pes­quisadores, alguns dos quais ganharão US$ 1 O mil por ano - mais de dez vezes o que re­cebem hoje. A iniciativa tem sido elogiada com uma res­salva: os cientistas escolhidos foram selecionados secreta­mente pela fundação. •

Berezovsky: apoio

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• Evolucionismo volta às escolas do Kansas

Evolução e formação geoló­gica do Universo voltaram às salas de aula do Estado do Kansas, Estados Unidos. A decisão ocorreu depois de dois anos de debates com criacionistas, que acreditam na criação do mundo como obra de Deus e são contra o ensino do darwinismo. O Conselho de Educação esta­dual aprovou a inclusão no currículo escolar de temas como evolucionismo e a teo­ria do Big Bang, de acordo com a revista Nature (8 de março). A mudança - sete votos contra três - ocorreu em razão da eleição de novos integrantes no conselho, a­poiados por grupos de cien­tistas. O Kansas é apenas um dos vários Estados america­nos que têm revisto a política de excluir do sistema de edu­cação teorias da evolução e sobre geologia moderna. •

• O boom da pesquisa em Portugal

Depois de décadas de total ostracismo científico por ra­zões políticas, Portugal vis­lumbra, em curtos anos, a

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entrada triunfante no clube dos países que produzem a melhor ciência do mundo. O Instituto de Sistemas e Robó­tica (ISR), por exemplo, é lí­der na tecnologia de robôs subaquáticos. O último pro­jeto do ISR - um catamarã que controla um veículo sub­marino de pesquisa (AUV) -vem recebendo elogios de es­pecialistas no assunto de todo o planeta. O fenômeno português é recente. "Há 20 anos, não existia ciência em Portugal", diz Cecília Leão, vice-reitora da Universidade do Minho, em Braga. A que­da do ditador Antônio Sala­zar, em 1974, injeção cons­tante de dinheiro da União Européia, à qual Portugal aliou-se em 1986, e reformas iniciadas pelo ministro da

Ciência, o físico José Maria­no Gago, deram um impulso sem igual à ciência portugue­sa. O número de doutores subiu de 1,7 mil, em 1987, para 8 mil em 1999. O país gasta 0,63% do Produto In­terno Bruto em ciência, mais do que Irlanda, Itália e Espa­nha. Nos próximos seis anos, o governo vai lançar projetos que devem consumir US$ 1,4 bilhão. É uma oportunidade sem igual na história de Portugal para a nova geração de cientistas. •

• Testes balizam ações de saúde ambiental

Um cuidadoso trabalho coordenado pelo Centro de Controle de D~enças (CDC) de Atlanta, Estados Unidos,

Ciência na web

i está servindo de base para aprimorar a política de saú­de ambiental do país. O CDC mediu a contaminação por 24 tipos de substâncias químicas em 3,8 mil pessoas de 12 localidades dos Esta­dos Unidos em 1999. Os tes­tes envolveram exames físi­cos e de sangue e tiveram por objetivo um estudo seguro sobre a contaminação por pesticidas organoclorados, metais como mercúrio e substâncias tóxicas presentes em brinquedos, xampus e até material plástico usado na medicina, segundo o jor­nal The Wall Street ]ournal. De acordo com Richard Jackson, diretor do Centro Nacional para Saúde Am­biental, agora a investigação será feita anualmente e am­pliada para incluir mais substâncias. Alguns resulta­dos presentes no trabalho do CDC indicam o acerto de determi nadas medidas de saúde pública. A proibição de fumar em ambientes fe­chados, amplamente disse­minada nos Estados Unidos, por exemplo, levou a uma queda nos níveis de cotinine entre os não-fumantes. A substância, nociva, é deriva­da da nicotina. •

Envie sua sugestão de site científico para [email protected]

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PESQUISA FAPESP · ABRil DE 2001 • 13

Page 14: Remédio de veneno

CAPA

INOVAÇÃO

Nova arma contra a CAT/Cepid, em parceria com indústrias farmacêuticas, deposita patente de anti-hipertensivo

C LAUD IA I ZIQUE

Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), no Instituto Butantan, de­positou no Instituto Nacional de Proprie­

dade Industrial (INPI) a patente do princípio ativo de um protótipo mo­lecular que será utilizado na produ­ção de um fármaco com proprieda­des anti-hipertensivas. Batizado com o nome genérico de Evasin ( endoge­nous vasopeptidase inhibitor), o no­vo medicamento tem potencial para concorrer com o Captopril, anti-hi­pertensivo produzido pela Squibb, que garante a essa indústria farma­cêutica multinacional um fatura­mento anual estimado em US$ 5 bi­lhões, em todo o mundo. A patente também será depositada nos Estados Unidos, Japão e na União Européia (UE). A expectativa é que o Evasin esteja disponível aos indivíduos hi­pertensos nos próximos anos. "Ago­ra, é partir para os testes pré-clínicos e clínicos': anunciou Antonio Mar-

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Desenvolvido a partir do veneno da jararaca,

o Evasins tem atividade seletiva no combate de

hipertensão arterial

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MIGUEl BOYAYAN

hipertensão arterial

tins de Ca­margo, dire­

tor do CAT. No desenvolvimento do

Evasin, o centro terá como parcei­ro o Consórcio Farmacêutico Nacio­nal (Coinfar), formado pelos labora­tórios Biolab-Sanus, Biosintética e União Química. "A iniciativa privada tem flexibilidade e agilidade neces­sárias para levar avante um projeto como esse, já que as instituições pú­blicas não têm cultura de mercado': diz Camargo.

O CAT é um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão ( Ce­pids) qualificados pela FAPESP e a parceria com a indústria farmacêuti­ca para o desenvolvimento do novo medicamento atende a um dos prin­cipais quesitos do programa que é o de aproximar as atividades acadêmi­cas de pesquisa com o mercado. An­tes do registro no INPI, a FAPESP avaliou a patente do Evasin por meio do Programa de Apoio à Propriedade

Intelectual (PAPI!Nuplitec). "Nossa assessoria entendeu que esse fármaco tem grande potencial de mercado': disse José Fernando Perez, diretor-ci­entífico da Fundação. "A adesão dos três laboratórios mostra que a avalja­ção estava correta."

A FAPESP apóia as atividades de pesquisa do CAT desde setembro do ano passado, quando foi lançado o Programa Cepid. "As investigações ti­veram início antes disso. Entretanto, mais de 90% dos investimentos na pesquisa do Evasin, tanto nos insu­mos, bolsas de pós doutoramento, de pós-graduação e os equipamentos, já tinham sido financiados pela FA­PESP por meio de bolsas-auxílio", ressalva Camargo.

Titularidade- A titularidade da paten­te será da FAPESP e do consórcio parceiro (Coinfar), de acordo com os termos de outorga da Fundação. Os dividendos provenientes da venda do produto serão repartidos entre os in-

ventares, o Instituto Butantan, os parceiros privados e a FAPESP. Cabe ao consórcio de laboratórios arcar com as despesas da patente, no Brasil e no exterior, com os recursos para a administração do CAT/Cepid e com investimentos na infra-estrutura dos laboratórios de pesquisa do centro, que serão equipados com recursos da FAPESP. Também está previsto que os parceiros privados deverão finan­ciar os testes clínicos necessários ao desenvolvimento do fármaco. A FA­PESP se compromete a apoiar as ati­vidades do centro, com R$ 3 milhões anuais, por um período de até 11 anos. E o Instituto Butantan, assim como as demais instituições que constituem a sede dos dez Cepids, fica com a res­ponsabilidade de pagar os salários dos pesquisadores e do pessoal de apoio, além de ceder as instalações e equipamentos e outros materiais pa­ra o desenvolvimento das pesquisas.

Camargo acredita que o fármaco poderá chegar ao mercado dentro de dois anos, já que, tudo indica, o pro­tótipo molecular, base do Evasin, pa­rece fazer parte do sistema endógeno de regulação da pressão arterial dos seres humanos. Isso significa que o próprio Evasin poderá ser utilizado como medicamento. "A desvanta­gem é que, por tratar-se de um pep­tídeo, não poderá ser ministrado por via oral sob risco de ser destruído

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CAPA

pelo estômago, como é o caso da in­sulina ou dos hormônios de cresci­mento. Deverá, portanto, ser forne­cido aos pacientes na forma injetável ou em spray", entre outros métodos que estão sendo desenvolvidos pela farmacotécnica moderna para o uso de peptídeos como medicamento, prevê Camargo.

Não está descartada a possibili­dade de os testes clínicos indicarem outra alternativa para a administra­ção oral do anti-hipertensivo, que poderá ser obtida por modelagem molecular e biologia molecular. "Neste caso, provavelmente teremos como parceiro o Laboratório Nacio­nal de Luz Síncrotron, em Campi­nas", diz Camargo. "Se adotarmos esse procedimento, o medicamento só chegará ao mercado em cinco ou seis anos", prevê.

Ação seletiva - Uma grande vantagem do Evasin, qualquer que seja a forma com que ele chegue aos pacientes, é que ele é um produto natural, com atividade seletiva, não é imunogênico e tem efeito prolongado. Essas carac­terísticas, aliás, foram o ponto de par­tida das pesquisas que levaram à des­coberta do novo fármaco. "Buscamos encontrar esse anti-hipertensivo na natureza, procurando substâncias ca­pazes de inibir a ação de enzimas que revestem os vasos sanguíneos (vaso­peptidases) cujas disfunções podem levar à hipertensão arterial, como a enzima conversara da angiotensina, conhecida como ACE, e a endopepti­dase neutra, conhecida como EP 24.11. Essas enzimas são fundamen­tais para manter nossa pressão arte­rial em valores normais, controlando a concentração sanguínea da angio­tensina II e bradicinina, impedindo a hipertensão arterial", explica Carmar­go. Já que essas duas substâncias são vitais para o organismo, com força para produzir um choque cardiocir­culatório ou hipertensão arterial e le­var à morte, a equipe do CAT apostou que a natureza, ao longo de milhões de anos de evolução, também teria se­lecionado inibidores endógenos des-

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Camargo: novo fármaco tem potencial para concorrer com o Captopril

sas enzimas capazes de mantê-las em níveis normais, numa espécie de ação em defesa dos seres vivos.

A fisiopatologia cardiovascular, nas últimas décadas, tem encontrado respostas positivas para problemas da pressão arterial, processos infla­matórios, mecanismos de dor, pro­cessos alérgicos e asma brônquica, en­tre tantos outros, nas pesquisas com os venenos animais. Já se sabia que, ao longo de um processo de mutação e seleção natural, as serpentes desen­volveram "armas", a partir de subs­tâncias endógenas, capazes de amar sobre enzimas desorganizando o sis­tema cardiocirculatório de suas víti­mas. Procurando explicar como ove­neno de jararaca mata ou paralisa suas vítimas, em 1948, Gastão Rosen­feld, do Instituto Butantan, levou para o laboratório de Maurício Ro­cha e Silva uma amostra do veneno da Bothrops jararaca com o objetivo de estudar os efeitos em cães. Os pes­quisadores incubaram o veneno com o plasma do cão e dessa reação for­mou-se uma substância que contraía fortemente os intestinos da cobaia e possuía intensa ação hipotensora. Essa substância não era a histamina, mas um polipetídeo que foi denomi­nado bradicinina. Rocha e Silva des­cobriu que a jararaca, ao inocular o veneno em sua presa para alimentar-

se ou defender-se, injeta-lhe toxinas que desorganizam o sistema de coa­gulação e liberam a bradicinina, le­vando à hipotensão, ao desequilíbrio dos vários sistemas de células e líqui­dos do sangue, paralisando ou com­prometendo a vida da sua presa. As toxinas das serpentes, portanto, colo­cam em evidência os mecanismos ce­lulares e moleculares manifestos nas reações anafiláticas e alérgicas, entre outros efeitos reativos do organismo.

Milhões de dólares - Posteriormente, na década de 60, Sérgio Ferreira, ex­aluno de Rocha e Silva, constatou que a hipotensão provocada pela li­beração da bradicinina no sangue da vítima é potencializada por ação de pequenas toxinas encontradas em grandes quantidades no veneno da jararaca. Essas pequenas toxinas, de­nominadas peptídeos potenciadores da bradicinina ou BPPs, foram isola­das por Ferreira e colaboradores e le­vadas por ele ao Imperial College de Londres, permitindo que o cientista inglês John Vane (ganhador do prê­mio Nobel) chegasse ao protótipo molecular que daria origem ao bilio­nário captropil, da Squibb, o primei­ro de uma série de anti-hipertensivos utilizados por milhões de pessoas. Desde então, indústrias farmacêuti­cas de todo o mundo passaram a in-

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Usando biologia molecular, Alessandra Murbach avaliou a eficácia dos BPPs

vestir milhões de dólares no desen­volvimento de drogas anti-hiperten­sivas. "O mérito dessa descoberta, fi­cou quase todo com os ingleses e americanos", conta Camargo. "Todos sabem que a hipertensão é um mal que acomete grande parte da huma­nidade, sobretudo os mais velhos, mas poucos sabem que o medica­mento anti-hipertensivo mais utili­zado no mundo partiu de pesquisas iniciadas no Brasil 50 anos atrás.

A equipe de pesquisadores do CAT retomou o caminho trilhado por Rocha e Silva e Ferreira. Identifi­caram, por biologia molecular, uma proteína precursora dos BPPs na glândula onde se forma o veneno da Bothrops jararaca. "Encontramos sete BPPs e uma molécula do hormônio natriurético numa mesma proteína, como se fosse um rosário de molécu­las anti-hipertensivas, capazes de causar um choque cardiovascular na vítima picada por essa serpente", des­creve Camargo. Recentemente, a equipe constatou, também por bio­logia molecular, que esses BPPs não são apenas toxinas, mas fazem parte do sistema endógeno de regulação da pressão arterial. A eficácia desses peptídeos foi testada em ratos.

As pesquisas avançaram e, em parceria com o Dr. Vincent Dive, da CEA, na França, a equipe do CAT

conclui que a ação desses peptídeos sintéticos (BPPs), além de inibir as enzimas que revestem os vasos san­guíneos importantes por causar a hi­pertensão (ACE e EP 24.11), tem uma seletividade para uma das "ca­beças" da enzima conversara da an­giotensina (ACE).

Defesa imunológica - Essa enzima, ACE, presente nas paredes dos vasos sanguíneos, é fundamental para manter nossa pressão arterial. Ela possui duas "cabeças" ativas, identifi­cadas como C e N. As duas "cabeç~s" podem gerar a angiotensina II e, con­seqüentemente, produzir hiperten­são. O quadro se agrava porque tanto a ACE como a EP 24.11 podem inati­var a bradicinina, substância hipoten­siva natural. As duas "cabeças': no en­tanto, não são iguais. A "cabeça" C é mais específica para formar a angio­tensina II e inativar a bradicinina. A "cabeça" N faz a mesma coisa, mas com menor eficiência. Mas ela de­sempenha outra tarefa importante para o organismo, o de inativar um hormônio recentemente descoberto, o AcSDKP, que regula a proliferação de células do sangue responsáveis pela defesa imunológica. Nem o Cap­topril nem seus derivados modernos são capazes de distinguir entre as "ca­beças" C e N, inibindo as duas cabe-

ças igualmente. Seu uso prolongado pode levar a alterações nas células sanguíneas. Acertar o alvo, ou seja, a "cabeça" C, com anti-hipertensivos seletivos, seguros e mais eficientes, tem sido um dos grandes desafios da indústria farmacêutica multinacio­nal. O Evasin tem essa característica: é um medicamento seletivo para a "cabeça" C da ACE e, além disso, inativa a EP 24.11. A patente deposi­tada também garante aos titulares o direito sobre os BPPs endógenos e seus derivados, denominados Eva­sins, que possuem maior seletividade para a "cabeça" C da enzima conver­sara da angiotensina (ACE).

Recriação da natureza - Além de Ca­margo, integram o grupo do CAT nesse projeto, entre outros pesquisa­dores, as pós-doutorandas Miriam Hayahi, Fernanda Portaro, a mes­tranda Danielle Yanzer e a aluna da iniciação científica Alessandra Mur­bach, todas bolsistas da FAPESP. "En­contramos na natureza a substância que possui as propriedades dos no­vos anti-hipertensivos que as multi­nacionais farmacêuticas procuram", explica Carmargo. "O caminho ado­tado pela equipe do CAT foi distinto daquele utilizado pela indústria nor­te-americana Millenium, que tenta chegar aos modernos anti-hiperten­sivos utilizando informações genô­micas e química combinatória. Esta­mos utilizando, para essa mesma finalidade, não a recriação da nature­za pelo homem, o que pode ser alta­mente frustrante, mas tentamos des­cobrir os caminhos que a própria natureza utilizou", afirma Camargo.

Para o diretor científico da FA­PESP, as perspectivas que se abrem com o depósito da patente do Evasin "são um início auspicioso" para o Cepid. "Mostra que esse modelo de parceria é um forte estímulo à intera­ção com o setor privado. O projeto CAT/Cepid terá especial sucesso nas relações entre o setor acadêmico e a indústria farmacêutica nacional, tra­dicionalmente desmobilizada para esse tipo de relação", diz Perez. •

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2001 17

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

FINANCIAMENTO

Demanda explosiva FAPESP altera critérios para concessão de bolsas de mestrado e doutorado

Onúmero de bolsas concedidas pela FAPESP triplicou nos últi­

mos quatro anos. Saltou de 3.556, em 1996, para 9.754, no ano passado, de­vendo atingir um patamar de investi­mentos de mais de R$ 128 milhões anuais. Esse extraordinário volume de investimentos corre o risco de com­prometer a proporção adequada entre os recursos destinados a bolsas e os reservados a auxílios, por meio do qual a Fundação financia os custos materiais, diretos ou indiretos, do de­senvolvimento de projetos de pesqui­sas, e que se tem conseguido manter

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CAPES

Mestrado

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18 • ABRIL DE 2001 • PESQUISA FAPESP

ao longo dos últimos anos. No ano passado, no entanto, com o aumento da demanda, os recursos para bolsas passaram a representar 37% do total de investimentos da Fundação. Os 63% restantes foram destinados a auxílios à pesquisa em suas diversas modalidades, financiando seus custos materiais, como equipamentos, ma­terial de consumo, entre outros. "A experiência nacional e internacional demonstra que o desequilíbrio na distribuição de recursos compromete o desenvolvimento saudável do siste­ma de pesquisa, a ponto de retirar-lhe as condições necessárias para a for­mação e absorção adequadas de no­vos pesquisadores", diz José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP.

Para restaurar o necessário equilí­brio, a FAPESP decidiu que não irá diminuir o enorme investimento em

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CAPES

bolsas que faz atualmente, mas tam­bém não poderá aumentá-lo sem prejudicar o financiamento do sistema de pesquisa como um todo. Portanto, somente serão aprovadas as solicita­ções consideradas excelentes nos quesitos: projeto de pesquisa; produ­tividade recente e competência do orientador na área em que se insere o projeto; e qualificações do candidato. As bolsas ligadas a projetos temáticos nada devem sofrer com esse procedi­mento e todos os auxílios a pesquisa continuam com seu fluxo normal. Já a linha de bolsas de aperfeiçoamento está formalmente desativada.

A Fundação já não vem conce­dendo prorrogações de bolsas de mestrado e doutorado, além do perío­do regulamentar de 24 meses, para o caso de mestrado, e 48 meses, para doutorado. A extensão dos prazos acabaria por prejudicar o ingresso de novos bolsistas no sistema.

Sistema de pesquisa - O crescimento da demanda por bolsas registrado pela FAPESP decorre, principalmen­te, do crescimento do sistema de pes­quisa no Estado de São Paulo e é um

Doutorado

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CNPq

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Evolução das bolsas no país- FAPESP

2000 2.238 1.585 1.344 1.198 2.289 546 436 113 9.749

1999 2.012 1.411 1.360 1.083 1.694 480 338 11 o 8.488

1998 1.867 1.483 998 981 1.071 423 257 94 7.174

1997 1.678 1.120 683 728 592 395 138 67 5.331

1996 1.369 773 396 474 293 144 36 35 3.520

IC (Iniciação Científica); MS-1 (Mestrado I); MS-11 (Mestrado 11); DR-I (Doutorado I); DR-11 (Doutorado-li); PD (Pós-Doutorado);

TT (Treinamento Técnico); JP (Jovem Pesquisador).

indicador da vitalidade dos Progra­mas de Pós-Graduação. As bolsas con­cedidas pela FAPESP atraíram boa parte dessa demanda, em função do seu valor ser cerca de 40% superior ao das bolsas concedidas pelas insti­tuições federais e também por con­tarem com recursos da reserva técni­ca. Há uma relação, portanto, entre a redução das cotas de bolsas concedi­das pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensi­no Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien­tífico e Tecnológico ( CNPq) em São Paulo, e o aumento da demanda re­gistrado pela Fundação.

Atualmente, o número de bolsas de pós-graduação da FAPESP, tanto para mestrado como para doutora­do, é maior do que o financiado, por cada uma das agências federais. No ano passado, a FAPESP distribuiu um total de 6.049 bolsas para mes­trado e doutorado. Em contraparti­da, a Capes e o CNPq distribuíram, respectivamente, 4.302 e 4.075 bol­sas, no mesmo período. Esses núme­ros de bolsas das agências federais foram obtidos por meio do sistema Prossiga/CNPq. Os últimos núme­ros oficiais do CNPq, entretanto, apontam um total de 4.324 bolsas distribuídas em São Paulo no ano passado, sendo 2.010 para mestrado e 2.314 para doutorado.

Segundo o chefe de Gabinete do CNPq, Lélio Fellows Filho, o Estado de São Paulo recebeu do órgão em 2000, R$ 130 milhões, sendo R$ 106

milhões para todas as modalidades de bolsas no país, R$ 2,1 milhões no exterior e R$ 21,3 milhões para fo­mento. "Essa distribuição representa uma alocação de 31 o/o dos recursos globais do CNPq", diz Fellows. "So­mente a Universidade de São Paulo (USP) recebeu 10,7%, percentual maior que todas a dotação destinada à Região Norte e do que todos os es­tados do país, com exceção do Rio de Janeiro e de São Paulo."

A Capes repassa recursos para instituições que podem ser utiliza­dos no financiamento de bolsas, por um período de 24 meses, no caso de mestrado, e de 48 meses, para o doutorado. De acordo com Luiz Val­cov Loureiro, diretor de Programas da Capes, a redução dos recursos destinados às instituições de São Paulo é conseqüência da "política nacional que atrela a concessão de bolsas ao prazo de titulação". As uni­versidades paulistas, ele continua, têm o maior tempo de titulação do Brasil, especialmente nos cursos de mestrado. Pelo critério de avaliação da Capes, tempo de titulação conta pontos, a favor ou contra, para o es­tabelecimento de cotas repassadas às instituições.

De qualquer forma, na opinião do diretor científico da FAPESP, as agências devem conversar e trabalhar em conjunto, sendo necessário um es­forço concertado visando a uma re­definição das cotas federais para São Paulo, que permita atender ao cresci­mento da demanda qualificada. •

ASSESSORIA

Alternativas para uso de programas

Softwares de domínio público ou de acesso livre já podem ser utilizados

AFAPESP resolveu ampliar as alternativas disponíveis para

que seus assessores emitam por via eletrônica os pareceres iniciais ou de acompanhamento dos projetos de pesquisa sob sua avaliação, em qual­quer das linhas de fomento da Fun­dação. Agora, programas que são de domínio público ou de acesso livre também podem ser utilizados, deci­são que, aliás, atende a demandas ori­ginárias da comunidade científica paulista. Quem quiser continuar uti­lizando o Word pode fazê-lo porque a idéia por trás da inovação no siste­ma é justamente dar mais liberdade de escolha ao assessor.

Os novos formulários estão à dis­posição na página da FAPESP (satur­no.fapesp.br) em três formatos: *.doe (documento do Microsoft Word), *.html (documento padrão Internet) e *.sdw (documento do Staroffice). A assessoria poderá optar pelo formato que considerar mais adequado. Os novos formulários *.doe, ao contrá­rio dos antigos, permitem todo tipo de formatação de texto.

Embora seja muito conveniente para a FAPESP a recepção dos pare­ceres nesses formulários e em versão impressa, os assessores devem se sen­tir à vontade para imprimir os for­mulários e utilizá-los para uma ver­são manuscrita do parecer. Ou, até mesmo, fazer sua manifestação em estilo livre, sem utilização dos for­mulários, desde que contemplando todos os quesitos de avaliação que deles constam. •

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Page 20: Remédio de veneno

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INTERNET

Conexão em alta velocidade Programa vai estimular pesquisas ligadas à rede do futuro

A FAPESP está detalhando um .finovo programa de pesquisa

nas áreas de Tecnologia da Informa­ção, telecomunicações e redes de computadores e softwares associados à Internet avançada . A idéia é mobi­lizar o ambiente acadêmico, empre­sas e governo em torno de projetas cooperativos visando formar recursos humanos e estimular o desenvol­vimento de pesquisa científica e tec­nologia nesses setores atualmente considerados estratégicos para a economia, a ciência e a sociedade. O programa, batizado de Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada, já foi aprovado pelo Conselho Superior da Fundação e está sendo arquitetado por uma co­missão formada por especialistas. Seu lançamento está previsto para o iní­cio do segundo semestre deste ano.

"As novas tecnologias envolverão negócios vultosos e o Brasil precisa participar desse mercado. Já temos uma Lei de Informática que permite que as empresas invistam em pes­quisa em Tecnologia da Informação, softwares, entre outros, com vistas a esse mercado. Faltava uma agência de fomento para aproximar pesqui­sa e desenvolvimento, juntando uni­versidade, empresas e o governo", justifica Fernando Paixão, do Insti­tuto de Física da Universidade Esta­dual de Campinas (Unicamp). Ele integra a comissão coordenadora do programa, da qual também fazem parte Carlos Antonio Ruggiero, do Instituto de Física de São Carlos,

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Comissão de especia listas coordena elaboração do programa considerado estratégico

Luís Fernandes Lopez, do Departa­mento de Informática Médica da Faculdade de Medicina, Geraldo Li­no de Campos, da Escola Pohtéc­nica, Imre Simon, do Instituto de Matemática e Estatística, todos da Universidade de São Paulo (USP), e Hugo Fragnito, do Instituto de Físi­ca da Unicamp.

Novas tecnologias- O programa quer incentivar a pesquisa e o desenvolvi­mento de novas tecnologias, tanto em hardware como em software de redes de alta velocidade, estas, atual­mente, na linha de frente da nova onda tecnológica. A comissão está trabalhando em um modelo de par­ceria entre instituições de pesquisa, empresas e governo, adequado à nos­sa realidade. Para tanto, está anali­sando vários modelos de associação que surgem, cada vez mais, em ou­tros países. "O nosso objetivo é ter

um programa amplo de uso de Tec­nologia da Informação para a Inter­net Avançada e manter a qualidade das pesquisas", afirma Imre Simon.

De acordo com o diretor científi­co da FAPESP, José Fernando Perez, "com esse projeto, a FAPESP passa a um novo estágio em relação à Inter­net. A infra-estrutura da rede, da qual ela era provedora, passa a ser um grande laboratório de pesquisa': Ele destaca, ainda, a dimensão coo­perativa do projeto. O governo, res­salva, será um parceiro importante. "Há possibilidade de contarmos com apoio governamental, entre ou­tros, para utilizar a rede de fibra óp­tica que corre ao longo das estradas", adianta Perez.

Como sempre, a principal mis­são do programa é qualificar re­cursos humanos. Mas há outros grandes objetivos: trabalhar com problemas de relevância sócio-

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econômica, recompor os quadros de empre­sas, além de incentivar a formação de peque­nos empreendimentos. Na avaliação da comis­são coordenadora, o número de especialistas atualmente disponível não é suficiente para enfrentar os desafios das novas tecnologias e promover o conheci­mento e o domínio tec­nológico acumulados ao longo das atividades de pesquisas. "Não dá para gerar competência Paixão: tecnologias e negócios vu ltosos em todas as áreas, mas é possível, por meio do programa, criar um efeito multiplicador desse conhe­cimento", ressalva Carlos Ruggiero.

Serão priorizados projetos de natureza cooperativa que permi­tam a integração de grupos de pes­quisa das diversas áreas e institui­ções. Os temas dos projetas serão definidos pela comunidade de pes­quisadores, cuja participação na construção do programa é conside­rada fundamental.

Pioneirismo - A comunidade acadê­mica tem tido uma participação ati­va na concepção de redes computa­cionais e na implementação da Internet, desde a década de 70. A FAPESP, por meio da Rede ANSP (Academic Network at São Paulo) e da implantação de redes locais, no âmbito do Programa de Infra-Estru­tura, desempenha, desde

Simon: pesquisas com qualidade

ma deverá estar na origem de alguns processos de crescimento exponen­cial, típicos da Internet.

Um projeto de Laboratório Com­partilhado, que está sendo elaborado por pesquisadores de diversos insti­tutos de pesquisa e empresas da área de telecomunicações, pode ser con­siderado exemplo concreto dos ob­jetivos que o programa pretende atingir. O projeto pressupõe a cons­trução de uma rede de fibras óptiças ( testbed) de extensão estadual para ser utilizada tanto para fins experi­mentais, em pesquisa tecnológica, acadêmica ou empresarial, como para fins de comunicação acadêmi­ca e institucional.

Essa infra-estrutura de fibra óptica poderá estar disponível para ou­tros grupos de pesquisa e empresas interessados em desenvolver aplica­ções avançadas de rede de alto desempenho, tais como telemedicina, educação a distância, videoconferência em al­ta definição e controles de instrumentos na web. A mesma rede poderá tornar viável projetas de hardware para redes ópticas, tais como com­ponentes ópticos, equi­pamentos, instrumenta­ção, técnicas de medição e métodos de monitora­mento de fibra óptica. E também poderá servir

de apoio para estudos sistêmicos, como arquitetura e segurança de rede, assim como para estudos fun­damentais, como, por exemplo, os efeitos físicos que limitam a capaci­dade de transmissão de informação, criptografia quântica, entre outros.

Transmissão - Redes de alta veloci­dade como a Abilene ou a vBNS+, com extensão nacional, utilizam in­fra-estrutura de banda com capaci­dade de até 2,5 gigabites (Gb) por segundo. O testbed que está sendo projetado no Estado de São Paulo deverá adotar infra-estrutura de cabo óptico, com capacidade de transmissão de 400 Gb por segun-

do ou mais. Uma das 1989, papel fundamen­tal para acelerar o aces­so das universidades e institutos de pesquisa às novas tecnologias de in­formação e comunica­ção. O Programa Tecno­logia da Informação no Desenvolvimento da In­ternet Avançada preten­de aprofundar e ievar adiante esse processo. Se bem-sucedido, o progra-

Características do projeto de rede de fibra óptica particularidades do ca­bo óptico é a capacidade de suportar diferentes redes operando simul­taneamente, por tra­balhar com múltiplas fi­bras interligando vários dos principais pontos. Em cada fibra, há a pos­sibilidade de transmitir vários lasers em diferen­tes comprimentos de onda. •

Testbed Extensão Banda Max Infra-estrutura

Abi lene (USA) Nacional 2.5 Gb/s Banda

vBNS+ (USA) Nacional 2.5 Gb/s Banda

Canarie (Canadá) Nacional 320Gs/s Fibra Óptica

NTONC (USA) Interestadual 20 Gb/s Fibra Óptica

Testbed São Paulo Estadual 400Gb/sou Cabo Óptico Mais

Para maiores informações veja o si te: http://www.tidia.fm. usp.br

PESQUISA FAPESP · ABRILDE2001 • 21

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

DESENVOLVIMENTO

Ponte digital Bird reúne líderes do Brasil, da China e Índia para debater uso do conhecimento

insatisfatório, carência de incentivos à inovação tecnológica e poucos me­canismos de combate à corrupção. E reúnem 45% da população do plane­ta. Num cenário em que o Primeiro Mundo acelera a inovação tecnológi­ca, essas deficiências estruturais po­dem aprofundar a distância entre o grau de desenvolvimento dos diver­sos países, levando ao que o Bird qualifica de "divisão digital".

ções, o banco adotou política de apoio aos países com o objetivo de estimulá-los a um uso mais efetivo do conhecimento para o desenvolvi­mento. O fórum é uma das estraté­gias do programa. Tem como meta chamar a atenção de seus partici­pantes para a questão do conheci­mento e municiá-los com metodo­logias que lhes permitam avaliar o grau de preparação de seus países para uma economia do conheci­mento. Outra medida adotada pelo programa é desenvolver política de serviços que ajudem os países-clien­tes do Bird a criar estratégias con­cretas do uso do conhecimento na econom1a e nos demais setores da sociedade.

Membros do Brasil, da China e Índia reuniram-se na Ingla­

terra para debater o futuro de seus países num cenário econômico m undial que privilegia o conheci­mento e a inovação. O encontro, promovido pelo Instituto Banco Mundial (Bird), em Wiston House, no Wilton Park, uma propriedade do século 16 do governo britânico, na Inglaterra, entre os dias 19 e 25 de março, teve como tema o "Uso do Conhecimento para o Desenvolvi­mento". O objetivo da reunião foi debater com líderes de diversos seto­res estratégias para que, nos próxi­mos anos, o conhecimento se torne um insumo mais efetivo para o de­senvolvimento e a superação das de­sigualdades. "A capacidade de gerar e absorver conhecimento é determi­nante para o desenvolvimento. Para isto, a articulação entre Estado, em­presa e universidade é essencial", disse Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP, que participou do encontro na condição de membro da comunidade acadê­mica b rasileira.

Brito Cruz, da FAPESP, no encontro de Wilton Park: Brasil vive momento favorável

Inovação- Apesar de diferentes, tanto do ponto de vista cultural como po­lítico, a partir de um conjunto de in­dicadores, o Bird classifica os três países como de renda média e em de­senvolvimento. Esses países também têm em comum um conjunto de de­ficiências estruturais, como, por exemplo, baixo nível de educação su­perior, investimentos em pesquisa

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Esta foi a terceira reunião do programa "Uso do Conhecimento para o Desenvolvimento". A primei­ra, na Finlândia, reuniu represen­tantes dos países bálticos e da Polô­nia, em junho de 1999, e o segundo em Cingapura, com a participação de líderes da Coréia, Malásia, Tailân­dia e do Vietnã, em dezembro do mesmo ano. "O programa começou em 1998, logo depois que o Bird pu­blicou o seu relatório sobre o geren­ciamento do conhecimento", conta Antonio Magalhães, assessor princi­pal da diretoria do Banco mundial no Brasil. A partir dessas informa-

Educação - Para que o conhecimen­to se torne ferramenta do desenvol­vimento, na avaliação do Bird, é preciso que os países em desenvolvi­mento criem um sistema educacio­nal abrangente e de boa qualidade, desde o ensino fundamental até a pós-graduação, especialmente ago­ra, quando o processo tecnológico é mais sofisticado e a baixa qualidade da educação compromete o desem­penho da força de trabalho. Para o banco, melhorar a qualidade e ex­pandir o número de vagas no ensino superior são medidas estratégicas para qualquer país, já que é na uni-

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Indicadores de C& T Tópicos

Gastos em P&D em relação ao PIB 0,81 o/o (96)

Gastos de empresas em P&D per capita (98) US$ 4,9

Participação de P&D no total de gastos das empresas 24,7% (97)

Desempenho de pessoal Cientistas/Engenheiros por milhão (87-97) 168

%de cientistas e engenheiros/total de estudantes universitários (87-97) 27%

Publicações científicas e técnicas (97) 3.908

Pedidos de patente (98) Residentes 2.535 Não-residentes 48.331

versidade que se educam os líderes da geração do conhecimento. E o percentual de jovens nas universida­des, tanto no Brasil, como na Índia ou China, ainda é muito baixo.

"As estatísticas brasileiras nos co­locam numa posição mais avançada entre países em desenvolvimento, mas ainda há um longo caminho a percorrer antes de considerá-lo efe­tivamente abrangente", afirma Bri­to Cruz. Além de ampliar o núme­ro de vagas, é fundamental que se implemente um novo sistema que seja formado tanto por universida­des com excelência em ensino e pes­quisa como por escolas de ensino superior, com cursos curtos mais efi­cientes para aumentar o nível edu­cacional em massa. No ensino fun­damental, o Brasil já conseguiu grandes avanços, atendendo 96% da população. Mas, no ensino secun­dário o percentual de matrículas é pouco superior a 30% da população entre 15 e 17 anos. A proporção de analfabetos na faixa dos 15 anos, embora em queda, ainda permane­cia em 14,1 %, em 1996.

Nos três países, o papel das em­presas ainda é muito pequeno, do ponto de vista da inovação tecnoló­gica. "No Brasil, por exemplo, o sis­tema universitário tende a ser mais forte que o sistema empresarial", diz Brito Cruz. As empresas ainda usam pouco os especialistas formados nas

0,69% (98) 0,73% (94) renda média: 0,92% renda alta: 2,36%

US$ 2,4 US$ 0,5

42,9%(98) 15,2% (98)

454 149 renda baixa : 257 renda média: 668

43% 25% renda baixa: 28% renda média: 39%

9.081 8.439

14.004 2.111 Fonte:

68.285 7.997 Instituto Banco Mundial

universidades. No Brasil, o total de cientistas trabalhando nas empresas equivale a menos de 11 o/o dos pes­quisadores do país. "Um sistema na­cional de inovação deveria levar a que o desenvolvimento tecnológico fosse liderado pelas empresas."

Informação - Os debates em Wiston House concluíram que o Estado de­sempenha papel preponderante em um sistema nacional de inovação. Cabe ao Estado criar um ambiente adequado para que as empresas se preocupem com a inovação tecnoló­gica, formulando, por exemplo, uma política de propriedade intelectu.al. A presença do Estado na vida nacio­nal também deveria garantir pata­mares mínimos de planejamento.

Além da ampliação e melhora da educação e da implantação de um sistema nacional de inovação, outro aspecto discutido pelos representan­tes dos três países foi a capacidade de difusão das informações. "É pre­ciso que as telecomunicações e a In­ternet se expandam para que a in­formação possa fluir e seja acessível para a maioria da população", deta­lha Brito Cruz.

Neste quesito, aliás, o Estado bra­sileiro está avançado. O secretário de Logística e Tecnologia da Informa­ção do Ministério do Planejamento, Solon Lemos Pinto, também presen­te no fórum, apresentou os progra-

mas Governo Eletrônico e Teleco­munidade, e surpreendeu os partici­pantes do encontro. O Governo Ele­trônico, em fase de implantação, vai conectar governo e cidadãos, permi­tindo, por exemplo, o acompanha­mento de licitações, realizações de obras e de compras públicas. Por meio do Telecomunidade, o governo federal instalará terminais de com­putadores com acesso à Internet em escolas, hospitais e em todas as co­munidades com menos de cem ha­bitantes. O programa será finan­ciado com verbas de um fundo formado por taxas pagas pelas em­presas concessionárias de serviços de telecomunicações.

Ao reunir representantes e lide­ranças dos três países, a intenção do Bird foi "destacar e chamar a atenção dos formadores de opinião para esse quadro e alertar para o fato de que o avanço do conheci­mento e da tecnologia poderá criar um fosso ainda maior entre os paí­ses desenvolvidos e em desenvolvi­mento", explica Brito Cruz. A ex­pectativa do banco é que esses "formadores de opinião" voltem a se reunir, por sua própria iniciati­va, e criem um movimento em fa­vor da inclusão digital de seus paí­ses. "O Brasil vive um momento favorável. O Ministério da Ciência e Tecnologia tem feito esforços im­portantes para colocar a ciência e tecnologia em destaque na agenda do governo. E a FAPESP tem dado uma boa contribuição com seus programas e resultados obtidos em São Paulo", diz Cruz. •

Relação de participantes brasileiros

José Paulo Silveira (Min. do Planejamento); Ca rl os

Américo Pacheco (Min. da Ciência e Tecnologia);

Edson Machado Souza (Min. da Educação); Ca rlos Henrique de Brito Cruz (FA PES P); Carlos

Frischtak (Worldinvest Emp. Consulta ria); Sergio Fausto (Min. da Fazenda) ; Mari a Clara do Prado

(Gazeta Mercantil); Soraia Thomaz Dias Victor

(Sec. Adm. do Ceará); Maurício de Almeida Abreu

(M in. da Cultura); Carl Dahlman (Bird ); An to nio

Magalhães (Bird ); Henry Uliano Q uaresma (M in.

da Cul tura); Alberto Po rtugal (Embrapa); Solon

Lemos Pinto (M in. do Planejamento); Anto nio

Barros de Castro ( U FRJ)

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2001 • 23

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

DESENVOLVIMENTO

Uma agenda federal Ministro de C& T vem a FAPESP apresentar as novas diretrizes do governo para o setor

AFAPESP recebeu em 13 de mar­ço passado a visita do ministro

da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sar­denberg. Reunido com o presidente da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, e com seu diretor científi­co, José Fernando Perez, Sardenberg apresentou as novas diretrizes formu­ladas pelo governo federal para a polí­tica de ciência e tecnologia, dentro da chamada Agenda de Governo para o Biênio 2001-2002, divulgada pelo presidente Fernando Henrique Car­doso cinco dias antes.

A execução das ações de C&T pre­vistas na agenda será acompanhada de perto pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, órgão da Presi­dência da República integrado por oito ministros e oito representantes da comunidade científica nacional*, entre eles, o diretor científico da FA­PESP. Esse Conselho, que em 22 de março passado realizou sua terceira reunião sob a presidência de FHC, tem justamente entre suas missões propor planos, metas e prioridades para o governo federal, efetuar avali­ações relativas à execução da política nacional de ciência e tecnologia e opinar sobre propostas, programas e atos normativos de regulamentação dessa área.

aos recursos orçamentários do Mi­nistério de Ciência e Tecnologia. En­tre os planos do MCT estão também a elaboração de uma Lei do Conheci­mento para o país, com o objetivo de eliminar obstáculos à aplicação do conhecimento por parte de pesquisa­dores e professores universitários, es­timular sua capacidade empreende­dora, e a revisão da lei de incentivos ao setor privado para investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), de modo a induzir uma mai­or participação das empresas brasi­leiras na atividade de geração do co­nhecimento no país.

Com o reforço dos fundos seta­riais, os investimentos nacionais em P&D deverão superar 1% do Produ­to Interno Bruto (PIB) . "A diretriz que temos para o decênio é aproxi­mar o Brasil do padrão médio dos países que fazem parte da Organiza­ção de Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), cujos investimentos em C&T estão na faixa

de 2,4% a 2,5% do PIB': disse o mi­nistro Ronaldo Sardenberg.

Em sua visita à FAPESP, Sarden­berg observou que "em São Paulo, qualquer esforço do governo federal para incrementar a atuação em ciên­cia e tecnologia pressupõe trabalhar em conjunto com a FAPESP". E acrescentou que esse esforço deve en­volver também a Secretaria de Ciên­cia, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. São Paulo, argumentou, "é objeto de 30% a 35% das ações do Ministério. Aqui, várias instituições, como o Instituto Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), são fortes. O Instituto Nacio­nal de Pesquisas Espaciais (Inpe), por exemplo, consome mais da metade dos investimentos federais em insti­tutos de pesquisas".

A FAPESP já desenvolve ações em conjunto com o ministério. "O Proje­to Nacional de Biotecnologia, por exemplo, incorpora partes do Pro­grama Genoma, da FAPESP, e tem o mesmo coordenador do Projeto Ge­noma da Xylella, Andrew Simpson. Esperamos aprofundar a interação de forma a ter uma colaboração mais orgânica incluindo ações em outras áreas do conhecimento", diz o presi­dente da Fundação, Brito Cruz.

As diretrizes da agenda federal trazem embutida a expectativa de que os 10 fundos setoriais de apoio ao desenvolvimento científico e tec­nológico, criados no ano passado, ga­rantam para a área, ainda neste ano, mais R$ 800 milhões, que se somarão O ministro Sardenberg (2'?à esq.) apresentou a Agenda de Governo na FAPESP

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Recursos para bolsas - Os planos do governo federal para C&T, nos pró­ximos dois anos, incluem a expan­são dos programas de bolsa de mes­trado e doutorado; a ampliação para R$ 200 milhões dos investi­mentos em infra-estrutura do ensi­no superior, e a criação de novos fundos setoriais também nas áreas de biotecnologia, aeronáutica, saú­de e agronegócios, além da implan­tação de uma rede de comunicações de dados - a RNP2 - capaz de dar suporte à pesquisa e reforçar a ca­pacidade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec­nológico ( CNPq), entre outras.

Um dos pontos da agenda fede­ral que já começou a ser implemen­tado prevê a implantação de um Centro de Estudos e Gestão Estraté­gica, destinado a formular as diretri­zes para a aplicação dos recursos dos 10 fundos setoriais. Ele terá que es­tabelecer prioridades para a aplica­ção desses recursos em colaboração com agências como a Financiadora de Estudos e Projetas (Finep) e o CNPq, além de acompanhar e ava­liar as pesquisas realizadas no país. "Em todo o mundo, existe uma ên­fase em ciência e tecnologia. O Bra­sil está participando desta competição mundial que leva à concentração do conhecimento. É preciso adotar me­didas estratégicas para que o país se mantenha no páreo, se beneficie e melhore a sua posição relativa", afir-mou o ministro. •

* São membros permanentes do Conselho

Nacional de Ciência e Tecnologia o pres idente da

República, Fernando Henrique Cardoso (pres i­

dente do conselho ) e os ministros da Ciência e

Tecnologia, Ronaldo Sardenberg (secretá rio exe­

cutivo ); Defesa, Geraldo Quintão; Desenvo lvi­

mento, Indústria e Comércio Exterior, Alcides

Tápias; Educação, Paulo Renato Souza; Fazenda,

Pedro Malan; Integração Nac io nal, Fernando Be­

zerra; Planejamento, O rçamento e Gestão, Martus

Tavares; Relações Exterio res, Celso Lafer.

São membros titulares Carlos José Pereira de

Lucena (PUC-RJ); Eduardo Moacyr Krieger (Acade­

mia Brasileira de Ciências); Fernando Galembeck

(Unicamp); Hermann Wever (Câmara de Comér­

cio e Indúst ria Brasil/Alemanha); José Fernando Pe­

rez (FAPES P); Ozires Silva (Va ri g); Paulo Haddad

(UFMG ); Roberto Santos (UFBA)

ConSITec

Você só ganha • o JOgo com uma

equipe entrosada No esporte ou na atividade empresarial, time vencedor é o que combina esforços. Por isso a FAPESP criou o ConSITec- Consórcios Setoriais para Inovação Tecno­lógica. Eles devem reunir no mínimo três empresas de um mesmo setor industrial e um ou mais pesquisado­res paulistas para a realização de pesquisa tecnológi­ca destinada ao desenvolvimento de produtos ou pro­cessos ou à solução de problemas do setor. A FAPESP entra com uma parte significativa dos recursos, cobrin­do até 50% dos investimentos necessários por até seis anos, dentro de um limite anual de R$ 200 mi l por consórcio. Será financiado apenas um consórcio por setor e, quando formado por pequenas empresas, não há necessidade imediata de contrapartida. Os projetas podem ser apresentados em qualquer época do ano.

Monte o seu consórcio, o seu time. E ganhe o jogo.

Acesse www.fapesp.br e obtenha mais informações.

~~ ~ ~ GOVERN O DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico www .fapesp .br

Page 26: Remédio de veneno

Um pequeno grupo de pes­quisadores do Instituto Agronômico do Paraná (Ia­par), em Londrina, conse­guiu desenvolver uma va­riedade comercial de laran­ja com gene resistente a bactérias. O trabalho levou dois anos e teve baixo custo (entre R$ 8 mil e R$ 10 mil) porque foi feito um acordo com o Instituto Nacional de Recursos Agrobiológi­cos de Tsukuba, no Japão: os japoneses cederam o gene stx IA, que codifica um peptídeo (fragmento de proteína) antibacteriano

• Mamíferos reorganizados

Pode estar próxima, enfim, a conciliação entre duas abor­dagens distintas de classifica­ção zoológica - uma com base em dados morfológicos (de estudos anatô­micos e fósseis) e outra em evidên­cias moleculares (resultantes de aná­lises de DNA) . Bió­logos da Universi­dade da Flórida, nos Estados Uni­dos, integraram 430 árvores ftloge­néticas com 315 ar­tigos científicos pu­blicados entre 1969 e 1999. Como re­sultado, criaram mais seis ordens de um grupo de ma­míferos - os que têm placenta. Já ha­via 18 ordens esta­

CIÊNCIA

LABORATÓRIO

Paraná cria laranja transgênica com alta atividade inibitó­ria contra alguns tipos de bactérias, especialmente a Xanthomonas citri. Luiz Gonzaga Esteves Vieira e Luiz Filipe Pereira, do Iapar, João Bespa­lhok Filho e Adilson Kobayashi, bolsis-tas do CNPq, dizem que o trabalho ainda está no início e será pre­ciso multiplicar

Muda de laranjeira

transgênica do lapar

do publicado na rev ista Science ( 2 de março), as ba­leias estão no grupo vizinho ao do hipopótamo e ambos na ordem Artiodactyla, por causa da forma dos ossos dos dedos (na baleia, escondidos nas nadadeiras); a toupeira,

e testar as mudas genetica­mente modificadas até ter a certeza de que a planta é re­sistente ao cancro cítrico,

doença que atinge os la­ranjais e causa prejuízos de até R$ 300 milhões

por ano. "Só tere­mos respostas

seguras em pelo

com os elefantes e peiXes­bois, em um conjunto de ani­mais com ancestrais comuns, na ordem Afrotheria. Prosse­gue inabalável, porém, a idéia de que classificações molecu­lares podem servir como es­trutura para estudos de rela­ções evolutivas, enquanto as evidências m~rfológicas e fósseis ainda são usadas para registrar as mudanças ao lon­go das eras geológicas. •

• Muito além dos vermífugos

belecidas. No estu- Baleia: vizinha dos hipopótamos

Agora se sabe por que as có­licas, dores abdominais, vô­mitos, diarréias, fraqueza e palidez apareciam com fre­qüência entre os estudantes do Ciep Juscelino Kubits­chek, no Rio de Ja neiro. Eram sinais de verminoses. Uma equipe da Escola Nacio­nal de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) constatou que 45% dos 800 estudantes - de 4 e

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menos dez anos", estima Vieira, líder do grupo e coordenador do Laborató­rio de Biologia Molecular e Biologia Celular do institu­to. Pode ser que o peptídeo escolhido não funcione a contento. "Mas aí testare­mos outro até conseguir­mos o resultado desejado." O pesquisador acredita que o trabalho poderá facilitar as aplicações práticas dos re­sultados obtidos no projeto de seqüenciamento da bac­téria Xanthomonas, finan­ciado pela FAPESP e con­cluído no ano passado. •

17 anos de idade, acompa­nhados desde 1997- carrega­vam os vermes que causavam ascaridíase, estrongiloidíase, ancilostomíase ( amarelão) ou tricuríase, além dos proto­zoários responsáveis pela a­mebíase e giardíase. Conside­ra-se aceitável até 17%. Depois de tratar os doentes com vermífugos, os pesqui­sadores da ENSP, sob a coor­denação da pediatra Maria de Fátima Lobato Tavares, que­rem agora debater com pro­fesso res e alunos questões como alimentação, higiene, saneamento, habitação, hábi­tos de vida e relações com o ambiente e com a fa mília. "Procuramos sempre atender as demandas que a escola apresenta", diz Maria de Fáti­ma. O grupo da Fiocruz ini­cia agora o trabalho na se­gunda das quatro escolas que pretende . atender. Na região vivem cerca de 40 mil pessoas em nove favelas e três con­juntos habitacionais. •

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• Traduzidos poemas mais antigos

O texto mais antigo cujo au­tor é conhecido ganhou uma tradução em inglês moderno, acessível aos leitores comuns. Há pelo menos 50 anos já se sabia que o primeiro autor conhecido da história era uma mulher. Ocorre que os textos eram guardados a sete chaves, disponíveis apenas para poucos estudiosos. Ago­ra, uma analista junguiana aliou -se a especialistas na antiga civilização assíria, oriunda da Me-

sopotâmia, e traduziu pela primeira vez os escritos da sa­cerdotisa Enheduanna, filha do rei Sargon, que viveu há cerca de 4 mil anos na cidade de Ur, atual sudeste do Ira­que. Enheduanna foi a mais alta autoridade religiosa na Mesopotâmia por volta de 2300 anos a.C.. Seus textos, escritos na linguagem cunei­forme (em forma de cunha, gravada em tábuas de barro), são poesias em homenagem a uma deusa chamada Inanna, adorada pela sacerdotisa. O material vem sendo estudado de modo esparso desde sua descoberta, no começo do sé­culo 20. Com a ajuda de espe­cialistas na cultura e língua da Mesopotâmia da Universi­dade da Califórnia, em Berke-

ley, Estados Unidos, a psicó­loga Betty DeShong Meador reconstruiu os poemas linha por linha. O resultado é uma poesia repleta de luta, agonia, êxtase e louvor. E o mais sur­preendente: há mais de 4 mil anos, uma mulher já escrevia sobre uma representação fe­minina como poucos o fize­ram depois. "Na concepção de Enheduanna, a deusa Inan­na abria novos caminhos pa­ra diferentes visões da mu­lher", diz Betty, que publicou o livro Inanna, Lady of Largest Heart (University of Texas Press, Austin). Inanna é

mostrada de maneira pro­fundamente humana,

como uma mulher feroz e cruel, mas

também amoro­sa e doce. "Nin­guém na reli­gião ocidental toca nesse pon­to como ela." •

Representação de Enheduanna (3'!figura

à dir.) em pedra calcária

• Mal da vaca louca ataca felinos

Primeiro foi Major, um leão de 12 anos que vivia no zoo­lógico de Newquay, na Ingla­terra. Estava sofrendo tanto com a perda do movimento das pernas que os veterinários resolveram sacrificar o ani­mal. A autópsia causou sur­presa: Major tinha encefalo­patia espongiforme felina (FSE), uma variação da doen­ça da vaca louca, que infectou 180 mil animais do rebanho bovi­no britânico des­de que surgiu, em 1986. Provavel­mente, o leão pe­gou a doença por ter comido o cé-

Missão cumprida

Depois de 15 anos de serviços

prestados na órbita terrestre

(acima), a estação espacial Mir

entrou na atmosfera dia 23

de março. Foi sua última missão - e

bem-sucedida. Desmanchou -se

(à dir.) sem causar estrago na Terra.

rebro e a carne da coluna ver­tebral de gado, no qual é maior o risco de desenvolver a encefalopatia espongiforme bovina (BSE), conhecida co­mo mal da vaca louca. A FSE foi verificada em três leopar­dos, três pumas, três onças­pintadas e dois tigres. Em 1990, o gato siamês Mad Max foi encaminhado à Escola de Veterinária de Bristol, na ln-

gando com a ca­beça voltada para

Gato siamês: contaminação

a direita, tornou-se o primei­ro caso de gato doméstico com FSE, que pode causar também desorientação espa­cial e tonturas. Acredita-se que a doença se espalhe por meio da ração com que osga­tos se alimentam. Embora não haja registro de caso se­melhante em felinos no Bra­sil, no mês passado, a Agência de Vigilância Sanitária brasi­leira proibiu a importação e distribuição de carne, miú­dos, vísceras, sangue ou ou­tros derivados - exceto leite e produtos lácteos - de boi, o­velha, cabra, búfalos e rumi­nantes silvestres, como o ja­vali, de 13 países europeus. •

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2001 • 27

Page 28: Remédio de veneno

CIÊNCIA

John Quackenbush, da TIGR Charles Auffray, do CRNS Sergio Verjovski, da USP Tânia Beatriz, da UFSC

GENOMA

BIG, a grande conferência Relatos de personalidades e projetas de peso marcam evento internacional

C onvidados da Europa, dos Estados Unidos, África, América Latina e Austrália eram as grandes estrelas do

evento, mas foram os brasileiros que deram as boas notícias da BIG Con­ference, sigla de Brazilian Internatio­nal Genome Conference, reunida de 26 a 29 de março no balneário flumi­nense de Angra dos Reis.

Foi anunciado o projeto de se­qüenciamento parcial do parasita Schistosoma mansoni, causador da es­quistossomose, e apontada pela pri­meira vez a região genética onde se pode esconder o mecanismo biológi­co que permite o ataque aos laranjais por duas bactérias diferentes, Xylella fastidiosa e Xanthomonas citri. A BIG foi organizada pela FAPESP, o Insti­tuto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer e o Conselho Nacional de De­senvolvimento Científico e Tecnoló­gico (CNPq), com apoio da revista britânica Nature.

28 • ABRil DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Com mais de 500 inscritos e 50 palestran­tes, a conferência serviu também para apresen­tar à elite da genômica a Rede Nacional de Se-

lnternational Conference

ta é produzir 120 mil ESTs (etiquetas de se­qüências expressas) a partir do DNA do pa­rasita. "Vamos estudar estágios do ciclo de vi-

qüenciamento do Pro-jeto Genoma Brasileiro. Lançada em dezembro pelo CNPq, a iniciativa abrange 25 laboratórios de biologia molecular do país, que seqüenciarão o genoma da Chromobacterium vio­laceum, bactéria importante para· as áreas ambiental, industrial e de saúde pública. Seu mapeamento genético foi proposto por Tânia Beatriz Creczyns­cki-Pasa, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Na abertura do evento, o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, anunciou o projeto do Schisto­soma mansoni, que será tocado por laboratórios da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Institu­to Ludwig, com apoio dos institutos Butantan e Adolfo Lutz. Orçado em US$ 850 mil e previsto para 12 me­ses, o projeto usará o método Ores­tes, desenvolvido na filial brasileira do Ludwig para gerar informações sobre as regiões codificadoras (que dão ori­gem a proteínas) do genoma. A me-

da do parasita para tentar entender sua biologia. Nosso objetivo final é desenvolver novas formas de tratamento ou uma vacina contra a esquistossomose", disse Ser­gio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da USP, coordenador do projeto. A esquistossomose, que cau­sa lesões no fígado, hemorragias e a chamada barriga d'água, afeta 10 mi­lhões de brasileiros, sobretudo no Nordeste e Centro-Oeste, onde é en­dêmica, e mais de 200 milhões de ha­bitantes de zonas tropicais do planeta.

Nos dois primeiros dias e parte do terceiro, as discussões giraram em torno do genoma humano. Houve apresentações de bioinformática - o aparato metodológico-computacio­nal envolvido na montagem dos frag­mentos seqüenciados de DNA e na procura, com softwares, de genes contido no código genético de qual­quer organismo. Nessa área, desta­cou-se a palestra de Walter Gilbert, da Universidade de Harvard, que ga­nhou o Prêmio Nobel de Química de

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Winston H ide, do Sanbi Kurt Wuthrich, do ETH Robert Strausberg, do NCI Gene Myers, da Celera

Platéia seleta: é grande a possibil idade de uma repetição do evento no próximo ano

1980 por desenvolver uma das pri­meiras técnicas de seqüenciamento rápido de nucleotídeos (pares de ba­ses), o chamado método químico, usado entre meados das décadas de 70 e 80.

Atraiu grande interesse a fala de Gene Myers, da Celera, empresa nor­te-americana de biotecnologia que produziu uma versão privada do ge­noma humano e é a grande rival do seqüenciamento feito pelo consórcio público. Este, aliás, estava representa­do por Tim Hubbard, chefe do Gru­po de Análise do Genoma Humano do Sanger Centre, o braço britânico da iniciativa. Já John Quackenbush, do The Institute for Genomic Research (TIGR), dos Estados Unidos, um pesquisador de estilo despojado, fez a platéia rir ao tratar de um tema árido, o uso de microarrays para analisar

áreas expressas de genoma em certas condições. E Winston Hide, do Soqth African National Bioinformatics Insti­tute (Sanbi ), se disse "excitado por fa­lar para uma platéia do Hemisfério Sul". Robert Strausberg, do Instituto Nacional de Câncer dos EUA, co­mentou as pesquisas genômicas em sua área. O francês Charles Auffray, do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), mostrou ostra­balhos de sua instituição com genes humanos expressos no cérebro e nos músculos. O suíço Kurt Wuthrich, do Instituto Tecnológico de Zurique (ETH), falou sobre o príon, forma de proteína que provoca no cérebro hu­mano a doença de Creutzfeldt-Jakob, distúrbio degenerativo raro e fatal, semelhante à encefalopatia espongi­forme bovina ou mal da vaca louca. "Estamos tentando entender a estru-

trura dessa proteína e ver o que ela faz': afirmou Wuthrich. A genética de plantas ocupou o fim do terceiro dia.

Nos genomas bacterianos, que fi­caram para o final, a pesquisa nacio­nal teve destaque. Além do fim do seqüenciamento da bactéria Xantho­monas citri, causadora do cancro cí­trico, e da formação da rede nacional para decifrar o DNA da Chromobac­terium, anunciou-se o estudo com­parativo do material genético de seis bactérias, apresentado por Marie­Anne van Sluys, do Instituto de Bio­ciências da USP. De posse da confi­guração geral do genoma da Xylella fastidiosa que ataca videiras da Cali­fórnia, cujo seqüenciamento por la­boratórios paulistas está praticamen­te concluído, ela confrontou esses dados com os de três variantes da mesma bactéria - dos citros, da amendoeira e da espirradeira- e com os de duas cepas da Xanthomonas, a citri (dos laranjais) e a campestris (de outras culturas). Segundo as primei­ras conclusões, há uma região de cer­ca de 25 mil pares de bases só pre­sente nos genomas das bactérias especializadas em citros. "Essa região é candidata a um estudo mais deta­lhado: pode conter informações im­portantes para entendermos como ocorrem as infecções", afirmou a pes­quisadora da USP. Encerrada nesse clima de boas perspectivas para a ge­nômica nacional, a BIG Conference pode ser reeditada no próximo ano. "O evento foi um sucesso", resumiu Andrew Simpson, do Instituto Lud­wig e idealizador da conferência. •

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n lnternational PMII'V1ru:o Conference

I

ENTREVISTA

WALTER GILBERT

Opiniões de um Nobel Para ele, a era da genômica está perto do fim e, nos próximos anos, o grande esforço será no proteoma

I nventor de um dos primeiros métodos de seqüenciamento de DNA, o que lhe valeu o Nobel de Química de 1980, o norte­americano Walter Gilbert foi a

estrela da BIG Conference. Aos 69 anos, o biólogo de Harvard, onde co­manda o laboratório de bioinformá­tica que tem seu nome, é irrequieto e provocador. Diz que a genômica só tem mais cinco anos de vida e avalia mal o estágio da procura por genes do ser humano: "Nossas projeções ainda são muito ruins: deve haver mais de 30 mil genes humanos". Cri­tica os países africanos que querem re­médios baratos para a Aids. Fundador da Biogen, da qual se desligou, e atual diretor da Myriad Genomics, condena a forma como a Celera entrou na cor­rida do genoma. Suas opiniões estão nesta entrevista a Marcos Pivetta.

• Como o senhor compara o estágio da pesquisa genômica hoje com o estudo que se fazia quando começou na área? - Comecei há 40 anos e, no início dos anos 70, ainda era virtualmente impossível fazer seqüenciamento de genes. O trabalho de seqüenciar um fragmento de DNA, com 20 pares de bases, demorou praticamente dois anos. Em 1975, quase que por aci­dente, descobri um método rápido de seqüenciar fragmentos de DNA, mais ou menos no mesmo momento em que Frederick Sanger (britânico que dividiu o Nobel de 1980 com Gil­bert) e seus colegas desenvolveram um método semelhante. Essas desco­bertas tornaram possível seqüenciar milhares de pares de bases de DNA

30 • ABRIL DE 2001 • PESQUISA FAPESP

' ' Fazemos coisas fantásticas com o

cérebro, mas não sabemos quais os genes e os

produtos desses genes - proteínas - envolvidos

na memória ''

num dia, numa tarde. Mas ninguém imaginava que se poderia obter toda a seqüência do DNA humano.

• Era um sonho impossível? - Trabalhávamos nos primeiros ge­nes, que tinham milhares de pares de bases: dez mil pares de bases. Nin­guém pensava em seqüenciar bilhões de pares. Mas, como os métodos de seqüenciamento rapidamente se es­palharam pelo mundo, logo houve um acúmulo de informações genéti­cas. Lembro de, por volta de 1985, ter participado da primeira discus­são sobre se era tecnicamente possí­vel seqüenciar o genoma humano. Na época, achava-se que era uma idéia absurda, um projeto grande demais para ser tocado. Mas saí da discussão convencido de que seria possível e seria bom para a ciência.

• Havia muita resistência a isso? - Muita gente não via os benefícios que esse tipo de empreitada renderia, em termos de acelerar toda a pesqui­sa biológica e a busca por novas dro­gas. Só nos cinco anos seguintes ficou óbvio, depois de muitos encontros e

reuniões, que seqüenciar o genoma humano seria muito útil. E começa­ram a aparecer estimativas de quanto custaria. Em 1985, já se falava em US$ 3 bilhões, valor que, grosso modo, acabou sendo o custo total do projeto público, diluído ao longo de dez, 15 anos- oficialmente, o projeto Genoma Humano só começou em 1990, quando os governos dos Esta­dos Unidos e da Europa decidiram apoiá-lo. A meta inicial era terminar o seqüenciamento em 2005.

• Em fevereiro, o consórcio público e a Celera publicaram versões quase finais do genoma humano. Quando teremos a versão definitiva? -Temos uma seqüência com 95% das informações: num ano será ter­minada. É preciso esclarecer uma coisa: de certo modo, depois que os métodos de seqüenciamento rápido foram descobertos, terminar o se­qüenciamento é puramente um exer­cício técnico. Entender a seqüência é outra questão, totalmente diversa.

• É aí que começa a ciência propria­mente dita? -Certamente. Entender a seqüência é entender toda a biologia. É o desa­fio dos próximos anos. Em princípio, a partir da seqüência completa, um computador deveria prever todos os genes e ver as regiões que codificam proteínas. Isso ainda não é possível, pois depende de termos um nível de compreensão das funções da seqüên­cia que ainda não atingimos. A dis­cussão sobre número de genes é di­vertida, mas vazia. O número não

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importa muito: só dá uma fraca pista sobre a complexidade do organismo.

• O senhor disse que a genômica tem cinco anos de vida e depois será a vez do proteoma. O que se fará até lá? - O que já fazemos e faremos nos próximos cinco anos: comparar o ge­noma humano ao de outros organis­mos, como boi, camundongo, rato, chimpanzé, plantas e bactérias de to­do tipo. Usaremos essas analogias para todos os genes humanos e fa­remos uma lista. A partir desses estu­dos, também conseguiremos conhe­cer a evolução de várias espécies, ver como os genes de um organismo se tornam genes de outro. Isso ajudará a dar pistas sobre as funções - dos ge­nes humanos - e dará idéias muito profundas sobre a origem da vida, há 4 bilhões de anos. O grande proble­ma será o que chamamos de proteo­ma: como identificar todas as pro­teínas de um organismo e ver suas interações. Teremos de entender como o organismo se desenvolve e funciona. Fazemos coisas fantásticas com o cérebro, mas não sabemos quais os genes e os produtos desses genes - proteínas - envolvidos na memória. Conhecemos uns pedaços do problema, outros não. Essas são as grandes questões da biologia.

• Os leigos esperam ansiosos pelos re­sultados práticos da pesquisa genômi­ca. Quando as novas formas de diag­nóstico e tratamento de doenças vão efetivamente chegar à sociedade? -Isso já acontece. Novas formas de diagnóstico surgiram do trabalho ge­nômico. Essa área cresce rapidamen­te. Eu mesmo estou envolvido numa companhia que investe nisso, a My­riad Genomics, que já tem um teste para detectar mutações e predisposi­ção para câncer de mama e ovário, outro para câncer de cólon e, no fim do ano, introduzirá um exame de predisposição a câncer de próstata. Nos próximos cinco ou dez anos, surgirão mais e mais testes que detec­tam na pessoa genes ou defeitos em

genes que causam doenças. Todas as companhias farmacêuticas usam esse tipo de abordagem. Nos próximos dois anos, o grande esforço dessas empresas será na área de proteoma: tentar entender as interações de pro­teínas que levam às doenças e desen­volver drogas. Todo esse esforço deve levar a novas drogas a curto prazo.

• Qual é o curto prazo? -Seis anos: é o necessá­rio para fazer os testes clínicos, mostrar que a droga é eficiente e segura e ela ser aprovada para venda. É um processo lento, mas já é visível uma melhoria na quali­dade dos tratamentos. Peguemos o caso da Aids. Foi descoberta no começo dos anos 80 e não havia tratamento: as primeiras drogas só sur­giram no fim dessa déca­da e início da de 90. Há . . cmco anos, surgm a se-gunda leva de medica­mentos e hoje há um tra­

pequeno, sejam mais caras. É melhor assim do que não ter drogas de for­ma alguma. Elas não se criam sozi­nhas, é preciso encorajar as pessoas e as empresas a arriscar dinheiro na tentativa de desenvolvê-las. Claro que há uma alternativa: o governo po­de pagar pelas drogas, por seu desen­volvimento, mas, na minha opinião, é um jeito terrivelmente ineficiente de fazer a coisa. É difícil convencer

tamento bastante bom, Gilbert: melhor pagar por remédios que por aviões embora não haja a cura.

• Que acha de países questionarem o preço dos remédios contra a Aids? • - Não os vejo reclamarem do preço dos jatos lançadores de bombas que eles compram. É uma questão de es­tabelecer prioridades. A maioria dos países da África que reclamam gasta muito no setor militar.

• As drogas contra Aids não são caras? -São, mas e o preço de um jato que lança bombas? Não é muito alto? As drogas são caras, mas em cinco ou seis anos deverão ficar mais baratas. Você pode argumentar que já deveri­am ser mais baratas. Elas são fruto de um processo social, uma escolha da sociedade: temos sistema de patentes porque a sociedade acha melhor ter as drogas disponíveis mais rapida­mente, ainda que, por um período

um governo a investir na pesquisa de drogas, uma atividade de risco: afi­nal, a droga pode não funcionar.

• Voltando ao genoma, a entrada da Celera no seqüenciamento foi positiva? - Não acho que foi correto a Celera exagerar a eficiência de seu método de seqüenciamento. Erradamente, tentou acabar com o projeto público insinuando ser desperdício de dinhei­ro. Na verdade, fez um esforço para tentar estabelecer um monopólio so­bre as informações do genoma hu­mano e convencer o Congresso ame­ricano a não dar verba para o projeto público. Queria se tornar um espécie de Microsoft do setor. No fundo, o que estava dizendo era mais ou menos isso: 'A seqüência é tão valiosa que a quero só para mim'. Não acho que te­nha obtido êxito nesse intento. •

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ENTREVISTA

TIM H U BB ARD

Uma posição aplaudida Inglês do consórcio do genoma defende pesquisa em países periféricos e opõe direitos humanos a patentes

Chefe do grupo do San­ger Centre, braço britâ­nico do consórcio pú­blico para o genoma humano, Tim Hubbard

foi muito aplaudido por sua fala na BIG Conference. Com postura opos­ta à de quem o antecedeu - Gene Myers, à frente da bioinformática da empresa Celera -, Hubbard conquis­tou a audiência ao defender enfati­camente o acesso público aos dados do genoma humano e exortar países menos desenvolvidos a pesquisar e desenvolver seus próprios remédios.

•Para um país periférico como este, de que vale estar em projetas genômicos? -Bem, vocês entraram para o clube. Geraram informação reconhecida in­ternacionalmente na forma de ESTs (etiquetas de seqüências expressas). Esta conferência, com tanta gente de fora, é uma forma de reconhecimen­to desse trabalho. Fazer genoma não foi algo trivial. Antes de tudo, foi pre­ciso haver investimentos em infra-es­trutura. Todo país deveria ter conhe­cimentos sobre genoma. É um capital intelectual fundamental para este sé­culo. Afinal, cada nação tem interes­ses particulares e necessidades espe­cíficas, como, por exemplo, pesquisar prioritariamente as doenças e pragas agrícolas que mais a assolam.

• Pelo dinheiro investido no seqüencia­mento e estudo de genomas, pode-se dizer que o custo das drogas e trata­mentos resultantes será alto? - Sim, mas há um jeito de driblar o problema. Vocês mesmos podem de-

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'' Fomos desafiados pela Celera, uma companhia agressiva. Eles tentaram parar o projeto público, dizendo que devíamos

trabalhar com o genoma

do camundongo ''

senvolver tratamentos. Os países de­vem fazer pesquisa, ter as capaci­dades e a infra-estrutura para isso. Muitas áreas, julgadas não atrativas comercialmente, podem ser atacadas. O ponto central das políticas públi­cas deve ser maximizar os benefícios dos investimentos em pesquisa. É preciso dar incentivos.

• É contra patentes na área médica? -Para mim, é um problema de di­reitos humanos. Analisemos a situa­ção da Aids na África: ela devasta o continente. No Brasil, sua situação ainda deve ser preocupante. Mas te­mos drogas eficientes no controle da doença, sabemos como são feitas e seu processo não é caro. O único pro­blema é a propriedade intelectual, que inflaciona o preço. Por trás disso estão as patentes, componente im­portante da estrutura econômica mun­dial. Mas não se pode esquecer que há áreas da atividade econômica re­guladas de outras formas, sem o princípio da propriedade intelectual. Talvez devêssemos olhar a questão das drogas de outra maneira.

• Como viu a disputa entre a empresa Celera e o consórcio público, para ver quem terminava primeiro a versão inicial do genoma humano?

Hubbard: ações para maximizar os invest imentos

- Sabíamos que tínha­mos uma missão. Num da­do momento, fomos desa­fiados pela Celera, uma companhia agressiva. Eles tentaram parar o projeto público, dizendo que devía­mos trabalhar com o geno­ma do camundongo. Nos preocupamos em não dor­mir no ponto. Se parásse­mos, no final da história não teríamos nenhum ge­noma humano pronto: a Celera precisou dos dados públicos para o seu mode­lo. Por sorte, continuamos.

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• Já se diz que genoma humano é coi­sa do passado e que a nova ordem ago­ra é o proteoma. Serão necessários soft­wares novos para estudar o proteoma? - Há muitas ferramentas à mão para proteínas, diria até mais avança­das que as da genômica. Mas teremos de comparar m uitos genomas para tentar entender a estrutura e o funci­onamento das proteínas. Comparan­do, você pode transferir funções. Para compreender nosso corpo, como são as doenças, como tratá-las, teremos de ter um grande entendimento so­bre como as células trabalham. Para chegar a esse nível, precisaremos de um sistema computacional que mos­tre como todos os componentes celulares interagem. É algo muito di­fícil de desenvolver. Mas, como sa­bemos de muitas similaridades de função entre organismos, se seqüen­ciarmos o DNA de várias espécies poderemos extrair evidência experi­mental de um e relacioná-la a outro. Muitas empresas pesquisam a estru­tura das proteínas. A experiência de­las mostra que, para cada organismo em particular, só é possível obter 40% das estruturas das proteínas. Mas, se você relaciona a informação de um organismo com a de outro, pode conseguir 80% das estruturas.

• Quais organismos deveriam ser ma­peados para essas comparações? O chimpanzé, o camundongo? -O chimpanzé é muito próximo de nós e, por ora, não aprenderemos muito com ele. Já o camundongo, uma discussão em curso aponta a possibilidade de que seja ainda mais diferente de nós do que esperávamos. Então, agora há m uito interesse num intermediário: animais de fazenda, como a vaca e o porco. Seqüenciar or­ganismos é muito fácil. O interessan­te é trabalhar com biologia em larga escala, fazer experiências com chips que mostram os genes expressos e quais proteínas são utilizadas por um organismo em determinada situação. Esse é um grande trabalho para a bio­informática. •

CIÊNCIA

Vitória, primeiro anima l clonado no Brasi l, e a "mãe de aluguel": interação de técnicas

ZOOTECNIA

Gestação alternativa Clonagem acelera as pesquisas de conservação de recursos genéticos

D e parto normal, pesando 50 kg, nasceu em 17 de março o

primeiro animal clonado no Brasil: a bezerra Vitória, que cresce sem problemas numa fazenda da Emp;e­sa Brasileira de Pesquisa Agropecuá­ria (Embrapa) próxima a Brasília. Pode ser o caso de se festejar tam­bém o domínio de uma técnica - a transferência nuclear- e o início de uma nova etapa nas pesquisas de melhoramento genético e de conser­vação de recursos genéticos em vias de extinção. Estima-se que a clona­gem ajude a realizar em um ano o trabalho que hoje toma 12 anos.

O médico veterinário Rudolfo Rumpf, coordenador do projeto de biotecnologia de reprodução animal da Embrapa, examina a situação sob a perspectiva histórica. Para ele, Vi­tória ainda tem maior valor científi­co e biológico do que produtivo. "Ainda temos muito trabalho", diz.

Sua equipe produziu 24 embriões e transferiu 15 para "mães de aluguel" -e apenas uma gestação vingou.

Vitória provém do material ge­nético de um embrião de cinco dias, coletado de uma doadora da raça si­mental. Em 1997, um caminho mais complexo levou à ovelha Dolly, con­cebida a partir de células de um ani­mal adulto. "Após a fecundação in vitro, reconstruímos o embrião em laboratório", conta Rumpf. Reitera­se assim, segundo ele, a importância da interação de técnicas: o embrião usado no experimento como fonte doadora de núcleo foi gerado pela transferência de embriões clássica.

O segundo - "Haverá um avanço no­tável nessa área no Brasil nos próxi­mos anos", diz Rumpf, com base na soma de esforços com os laborató­rios que trabalham com a transferên­cia nuclear em São Paulo, Rio de Ja­neiro, Rio Grande do Sul e Pará. O primeiro clone brasileiro obtido por uma técnica mais semelhante à de Dolly pode nascer em breve: na fa­zenda em que Vitória nasceu, está em gestação um bezerro clonado a partir de células da orelha de uma vaca. •

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2001 • 33

Page 34: Remédio de veneno

CIÊNCIA

BIOTECNOLOGIA

Vem aí a vacina quatro em uma Coquetel imuniza animais contra tuberculose, difteria, tétano e coqueluche

Pela primeira vez, em meio a tentativas em curso pelo mun­

do, cientistas brasileiros fizeram com que proteínas fabricadas pelas bacté­rias que provocam difteria, tétano e coqueluche fossem expressas num microrganismo - a micobactéria BCG, usada como vaci-

por M. bovis como por M. tuberculo­sis, o BCG foi usado pela primeira vez como vacina em 1921. Em 1927, a Liga das Nações recomendava sua aplicação generalizada e, hoje, é a va­cina mais usada no mundo.

BCG recombinante - Muito seguro -os poucos efeitos colaterais não põem em risco o paciente -, o BCG tem qualidades para servir de base a outra vacina: é uma micobactéria, cujas paredes têm componentes que lhe dão uma resistência muito gran-

BCG expressasse proteínas dos ou­tros três agentes - os que provocam difteria, coqueluche e tétano - foi maior do que se estivesse sendo usa­do um microrganismo mais conhe­cido, como a Escherichia coZi. "O pri­meiro BCG recombinante foi feito em 1990, mas nos últimos anos se avançou bastante nessa área", diz a pesquisadora. Chamada de BCG re­combinante-DPT, a vacina quádru­pla é formada por micobactérias BCG contendo pedaços não-tóxicos de proteínas das bactérias que pro-

na contra a tuberculose Como funciona o BCG recombinante vocam as outras três doenças - difteria (o D

-, abrindo caminho para uma vacina contra essas quatro doenças.

O baci lo com proteínas de out ras bactérias est im ula da sigla), coqueluche ou pertussis (P) e téta­no (T) . Para fazer o BCG produzir essas proteínas foi preciso usar vetares de expres-

a ação de cé lulas de defesa e a produção de anticorpos

1. Macrófagos, um tipo de células de defesa, engolfam o bacilo BCG.

4. Componentes

2. Parte dos bacilos morre

são - as tais ferramen­

"Conseguimos pro­duzir uma resposta imune nos camundon­gos que conferiu pro­teção aos animais va­cinados", revela a quí­mica Luciana Cerquei­ra Leite, coordenadora do projeto desenvolvi­do no Instituto Butan­tan . Ela é pós-doutora­da pelo Instituto Pas­teur, da França, onde estudou a possibilida­de de se ter uma vacina

do bacilo que chegam ao espaço intracelular também são levados à superfíc ie e podem ser reconhecidos pelos linfócitos

3. Suas proteínas digeridas se ligam a outras, são levadas

para a superfície da célula e apresentadas

aos I i nfócitos T

tas que Luciana trouxe do Pasteur de Paris.

Vetares de expres­são são pedaços de DNA circular chama­dos plasmídeos e con­têm tudo o que é pre­ciso para fazer o BCG produzir proteínas de

do tipo B, que vão produzir anticorpos específicos contra o bacilo e as proteínas que transporta. Linfócito B Anticorpos Linfócito T

Fonte: L-UCiâriâ CeZàr de Cerqueira Leite/Instituto Butantari-

contra o HIV (vírus que provoca a Aids) baseada em BCG recombinan­te e de onde trouxe algumas das fer­ramentas usadas no desenvolvimen­to da vacina quádrupla.

O BCG (bacilo de Calmette-Gue­rin) resulta do trabalho de atenuação do Mycobacterium bovis, que Albert Calmette (1863-1933) e Camille Gue­rin (1872-1961) conduziram por 13 anos no Instituto Pasteur, no início do século 20. Depois de testes com animais e de ter comprovada a ação contra infecções posteriores, tanto

34 • ABRILDE2001 • PESQUISA FAPESP

de. A dose única dessa vacina viva, aplicada no recém-nascido, estimula o sistema imune em torno de 20 a 30 anos. Também é fácil de produzir e custa pouco: US$ 0,08 por unidade.

Contudo, quando Luciana e seus colaboradores - do Centro de Bio­tecnologia do Butantan, do Instituto Pasteur e do laboratório italiano Bi­ocine - começaram o trabalho, em 1997, a biologia molecular do BCG ainda não era bem estabelecida. Por isso, o tempo para fazer o BCG re­combinante, ou seja, conseguir que o

citotóxicos, que destroem células

infectadas por vírus, bactérias

e parasitas.

outros patógenos (a­gentes causadores de

doenças). Essas proteínas são os an­tígenos, que no corpo da pessoa va­cinada induzem a resposta imune do organismo - por exemplo, a produ­ção de anticorpos. "Os plasmídeos são construídos com pedaços de DNA de vários microrganismos, e a seleção desses pedaços de DNA é fei­ta de acordo com a necessidade de cada experimento. Cada um constrói o plasmídeo como precisa", diz.

Então, as micobactérias BCG da vacina quádrupla receberam um pe­daço não-tóxico da toxina tetânica,

Page 35: Remédio de veneno

se espera. Para isso já se fazem testes, juntamente com pesquisadores da Fa­culdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Univer­sidade de São Paulo.

uma toxina diftérica -com uma mutação que a torna inativa- e dois an­tígenos da coqueluche ou tosse comprida. Um des­ses antígenos é a toxina pertussis, com mutação que a torna atóxica, e o outro é um fragmento não-tóxico da hemagluti­nina, componente da bac­téria que ajuda a provocar sua adesão ao organismo. Luciana explica que a bactéria tem de colonizar o organismo para come­çar a crescer e ser tóxica. Se na vacina é colocado

Lucia na: novos projetas enquanto testes da vacina prosseguem

Outra tarefa é elimi­nar do BCG recombinan­te os genes de resistência a antibióticos, que em vaci­na viva sempre trazem o perigo de um dia transfe­rir essa resistência a outro microrganismo invasor. No laboratório montado para o projeto no Butan­tan, já se busca uma téc­nica para eliminar esses

um componente que ajuda na ade­são, então o organismo vai produzir, em resposta, um anticorpo contra essa adesão, o que impede a bactéria de colonizar o corpo imunizado.

Genes patenteados- Dois genes usa­dos na pesquisa, o antígeno da difte­ria e o da coqueluche, vieram do la­boratório de pesquisas italiano Biocine, associado à empresa farma­cêutica americana Chiron. Os genes são de propriedade dessa associação e, se a vacina comprovar sua eficácia e segurança em humanos, será ne­cessário discutir patentes.

Para Luciana, isso não deve deter os estudos: "A discussão sobre pa­tentes é mundial, muito controversa e não está fechada. Além disso, a fi­losofia do projeto é criar uma vacina que facilite o processo de imuniza-

O PROJETO

Desenvolvimento de Vacinas de BCG Recombinante- DPT

MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADOR

LUCIANA (EZAR DE CERQUEIRA LEITE -

Instituto Butantan da Secretaria de Saúde do Estado

INVESTIMENTO

RS 124.000,00 e US$ 55.000,00

ção. Com apenas uma vacina, apli­cada no recém-nascido num mo­mento em que quase todas as mu­lheres - mesmo das regiões mais afastadas e rurais do país- têm aces­so a um hospital ou posto de saúde, que é a hora do parto, imunizaría­mos as crianças contra quatro doen­ças". A medida geraria economia no custo imenso de campanhas de vaci­nação e evitaria as doses de reforço, algo que pessoas do meio rural e com muitos filhos nem sempre con­seguem cumpnr.

A pesquisadora resume seus propósitos numa frase: "A tentativa com BCG-DPT é fazer uma vac!na eficaz e barata, com menos efeitos colaterais, que alcance uma propor­ção maior da população". Ela expli­ca que o componente contra a co­queluche é um pouco reatogênico (provoca uma reação local) e já existe em países desenvolvidos ou­tro tipo de vacina contra a coquelu­che, só que muito mais cara que a utilizada no Brasil. A vacina de BCG recombinante seria mais segura e sem custo adicional.

Eliminar resistência - Terminada com sucesso a primeira etapa, que expres­sou no BCG antígenos de outras bac­térias e produziu resposta imune em camundongos, a próxima será verifi­car se a vacina continua eficiente contra a própria tuberculose, como

genes. O laboratório tem biossegu­rança de nível II, exigência da Co­missão Técnica Nacional de Biosse­gurança (CTNBio) para trabalho com esse tipo de bactéria, que tem grau de risco relativo. O risco da tu­berculose, por exemplo, é maior. O Butantan bancou o prédio, enquanto a FAPESP pagou o sistema de ar­condicionado e os equipamentos.

Novos projetos- Além de tentar eli­minar os genes de resistência no pró­prio Butantan, com a colaboração de um pesquisador da Universidade de Pelotas (RS), Luciana mantém en­tendimentos com um laboratório de Nova York, onde funciona um siste­ma de BCG recombinante sem gene de resistência a antibiótico.

Vencidas essas etapas, haverá no­vos testes em camundongos ou co­baias, depois possivelmente em ma­cacos, até se chegar aos humanos. Só então a vacina estará pronta para produção. O processo é longo e exige vários anos de pesquisa. Por isso, Lu­ciana já toca dois novos projetos: um temático que inclui uma vacina de BCG recombinante contra pneumo­nia, também financiado pela FA­PESP, e outro de uma vacina veteri­nária, que é um projeto para a União Européia. Ela acha que as ferramen­tas desenvolvidas nesses novos estu­dos poderão apressar a conclusão da vacina quádrupla. •

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Bolsas de pós-doutoramento da FAPESP. O sistema brasileiro de pesquisa se expande.

A FAPESP está revolucionando sua política de pós-doutoramento, ampliando o prazo de duração das bolsas e possibilitando estágios no exterior dentro de uma concepção que torne o intercâmbio com centros de pesquisa de outros países produt ivo para a ciência bras ileira. Os bolsistas devem vincular-se aos mais importantes programas de pesquisa financiados pela Fundação. São centenas de projetos, em todas as áreas do conhecimento, que permitem uma sólida formação aos jovens doutores integrados a grupos de excelência . Para mais informações, acesse www.fapesp.br ou ligue (11) 3838 4000.

Projetas Temáticos (150 projetas de pesquisa) Grandes equipes formadas por pesquisadores de diferentes instituições em busca de resu ltados científicos, tecnológicos e socioeconômicos de grande impacto.

Programa Genoma (60 laboratórios) Projetas com o objetivo de pesquisar genomas, identificar e analisar genes com impacto sobre o conhecimento genômico, a saúde humana e a produção agropecuária.

~ =a.:::; GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secreta ria da Ciência, Tecno logia e Dese nvolvimento Econôm ico

Programa CEPID (10 centros de pesquisa) Centros para desenvolver pesquisas inovadoras na fronteira do conhecimento, transferi r seus resultados para os setores público e privado e contribuir para a criação de novas tecnologias e empresas.

Programa Biota (25 projetos) Projetas que visam ao levantamento e novos conhecimentos sobre a biodiversidade do Estado de São Paulo e outras regiões do país.

Programas Jovens Pesquisadores (270 projetos) Programa que fomenta a formação de novos grupos de pesquisa em centros emergentes do Estado de São Paulo.

Rua Pio XI, 1500 - Alto da Lapa 05468-901 - São Paulo - SP

Tel.: (11) 3838 4000 - www.fapesp .com .br

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CIÊNCIA

FÁRMACOS

Proteção para os neurônios Pesquisa da UFRJ indica estratégias terapêuticas para a doença de Alzheimer

As pesquisas do bioquímico Sér­gio Teixeira Ferreira, da Uni­

versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estão abrindo caminho para o desenvolvimento de medicamentos contra a doença de Alzheimer, da qual, atualmente, só se podem com­bater os sintomas. Em um artigo da edição on line de março do The FA­SEB Journal, Ferreira descreve os re­sultados de experimentos feitos com dois compostos orgânicos- o 2,4-di­nitrofenol ou DNP e o 3-nitrofenol ou NP. Ambos, em baixas concentra­ções, causaram a "completa desagre­gação das fibras de beta-amilóide", um peptídeo (fragmento de proteí­na) que exerce um papel central no avanço dessa doença: forma placas que intoxicam os neurônios do cére­bro e levam à perda de memória e à demência.

A pesquisa foi feita inicialmente in vitro, com neurônios de ratos, e as duas substâncias conseguiram blo­quear a morte celular induzida pelo beta-amilóide (74% e 65% de sobre­vivência com DNP e NP, respectiva­mente). Em seguida, estudos in vivo

Neurônios normais de rato sofrem ...

Ferreira: bloqueio do beta-amilóide

atestaram: as duas substâncias po­dem inibir a formação de placas do peptídeo no cérebro de ratos adultos.

Não se pensa em usar diretamen­te o DNP e o NP, que poderiam ser­vir, sim, como modelos químicos -ou, como se diz, compostos líderes -no desenvolvimento de drogas E;fi­cientes e seguras. "Essas substâncias estão se apresentando como uma espécie de antídoto contra o efeito tóxico do beta-amilóide sobre os neurônios", diz Ferreira, que já provi­denciou a patente do processo a que chegou, no Brasil e nos Estados Uni­dos. Dados preliminares indicam que

... degeneração com beta-ami lóide, que ...

os dois compostos estimulam a for­mação das ramificações dos neurô­nios (axônios e dentritos). Tornariam assim os neurônios mais robustos, mais conectados entre si e mais re­sistentes à ação do beta-amilóide.

Em outro artigo, publicado tam­bém em março na Neuroscience Let­ters, Ferreira e sua equipe mostram que o efeito tóxico do beta-amilóide pode ser detido pelos antagonistas (moléculas que anulam a ação de ou­tras) de glutamato, um dos principais componentes de proteínas. No siste­ma nervoso, o glutamato atua como neurotransmissor, conduzindo in­formações de uma célula a outra.

"Bloqueando a ação do glutama­to, bloqueamos também a ação do beta-amilóide", diz Ferreira. Os anta­gonistas utilizados (MK801, DNQX e AIDA) ligam-se aos receptores celu­lares específicos para o glutamato, que assim fica sem ação. Desse modo, indicam que o controle parcial dos receptores de glutamato poderia ser outro enfoque para o desenvolvi­mento de novos medicamentos.

O alcance da doença de Alzhei­mer acentua a importância desse tra­balho. Marcada inicialmente por confusão mental e esquecimentos de episódios recentes, essa é a forma mais comum de demência entre ido­sos: atinge de 5 a 10% da população com mais de 65 anos. •

. .. não ocorre sob a ação de DNP ou NP

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CIÊNCIA

BIOTA

Os caminhos para salvar o Cerrado paulista Estudo atualiza inventário, indica estado de conservação dos trechos que restam e registra perda de 34% em menos de uma década

A NA MARIA FlORI

E C ARLOS fiORAVANTl

uem circula pelas es­tradas próximas a Araçatuba e Presi­dente Prudente, no noroeste do Estado de São Paulo, por

Botucatu, Marília e Bauru, já na re­gião central, ou mesmo por Campi­nas, em direção à capital, costuma ver uma paisagem com árvores de troncos tortuosos e de folhas grossas, que lembram esculturas barrocas. Chamado injustamente de mato, esse é o Cerrado, vegetação associada ao Centro-Oeste brasileiro, mas que atravessa o território paulista e chega ao norte do Paraná.

Considerado ponto crítico para a preservação da biodiversidade, o Cerrado brasileiro encontra-se mui­to fragmentado e degradado pelo avanço das cidades, da agricultura e da pecuária. Em São Paulo, ocupa apenas 1% da área do Estado (248,8 mil km2

), da qual já cobriu 14%. E só 18% do que resta é protegido por

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32 unidades de conservação e de re­serva legal. O problema é sério. Está ameaçada não apenas a biodiversi­dade, mas também os estoques do Aqüífero Guarani, uma das maiores reservas de água subterrânea do mundo (ver Pesquisa FAPESP 62). Com a substituição da vegetação na­tiva por agricultura, os agrotóxicos e adubos podem chegar ao solo pro­fundo e contaminar o aqüífero.

Numa tentativa de reverter o atual quadro de destruição, come­çou em 1999 e deve prosseguir até 2003 o projeto temático Viabilidade de Conservação dos Remanescentes

Commelina nudiflora: em !ti rapina

de Cerrado do Estado de São Paulo, coordenado por Marisa Dantas Bi­tencourt, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), que se desenvolve no âmbito do Pro­grama Biota-FAPESP. Os pesquisa­dores, trabalhando com imagens de satélites, detectaram uma perda de 34% das áreas estudadas até o mo­mento, em relação ao inventário pu­blicado em 1993 pelo Instituto Flo­restal de São Paulo, que listou 8.353 fragmentos de Cerrado no Estado.

Berçário de rios - Segundo ecossiste­ma brasileiro mais extenso, depois da Amazônia, o Cerrado ocupa atualmente 2 milhões de km\ dos quais 700 mil estão sujeitos à ação antrópica (intervenções humanas intensivas), segundo a Empresa Bra­sileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Total ou parcialmente, recobre 11 Estados e três capitais -

Brasília, Belo Horizonte e Goiânia. Era a vegetação original da cidade de São Paulo, mas, hoje, os remanes­centes mais próximos estão em Ju­queri, a cerca de 50 km da capital.

É no Cerrado - assim chamado por ser um emaranhado de arbustos, herbáceas e árvores muito difícil de ser atravessado- em que nascem as águas das principais bacias hidrográ­ficas brasileiras, a Amazônica, a do Pa­raná-Paraguai e a do São Francisco. É também o ambiente próprio do bu­riti (Mauritia vinifera flexuosa), uma palmeira que cresce às margens de rios, e de espécies ameaçadas de ex-

Ormosia arborea: em Avanhandava

tinção, como o lobo-guará ( Chrysoc­yon brachyurus) e o tamanduá-ban­deira (Myrmecophaga tridactyla). Vivem ali 4.400 espécies endêmic.as de plantas, 800 de pássaros, 120 de répteis e 150 de anfíbios, de acordo com um levantamento recente da Conservation International, institui­ção não-governamental que no ano passado contribuiu para que o Cer­rado brasileiro fosse incluído entre os hotspots (áreas críticas) do mundo.

Um dos objetivos principais do projeto, que faz parte do Programa Biota-FAPESP, de levantamento da flora, da fauna e da ocupação huma­na no Estado, é a interação com a comunidade que vive ao redor dos fragmentos de Cerrado ou em suas proximidades. A maioria dessas áreas encontra-se em propriedades particulares e é protegida pela legis­lação brasileira, na forma de reserva legal. "O proprietário é obrigado a

deixar 20% intactos, mas faz o que quiser com o restante da vegetação", diz Marisa.

Para ela, é necessário propor à população uma estratégia de con­servação, porque só a lei não impe­de a destruição: "Fomos de uma ponta a outra da questão, desde a identificação do que resta do Cerra­do, qual seu estado de conservação, quem são os proprietários, como as pessoas usam a área e como podem utilizá-la de modo sustentável e transformar-se em coadjuvantes da conservação". Uma das estratégias a serem adotadas, com essa finalidade,

Mandevilla velutina: em Caçapava

é incentivar o plantio de espécies nativas, de modo a juntar os frag­mentos pequenos e próximos. "Com o uso sustentado de espécies com valor econômico, é possível recupe­rar a flora sem impedir o desenvol­vimento social", comenta.

Nesse campo, a riqueza é imensa. Até agora, aproxima-se de 80 o nú­mero de espécies típicas do Cerrado com potencial econômico, enquan­to outras 100 podem ter uso medi­cinal. Um estudo em andamento na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara indica que as plantas do Cerrado podem ser a fonte de medicamentos contra fun­gos, tumores e a doença de Chagas (ver Pesquisa FAPESP 51).

Em parceria - Para tocar o projeto, Marisa assinou um acordo de coo­peração com a Agência Espacial Ja­ponesa (Nasda), destinado a apoiar

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pesquisas de alta tecnologia e estu­dos de vanguarda na área de meio ambiente. "Abrimos uma linha de pesquisa, com uma série de projetas de calibração de sensores orbitais com as fisionomias do Cerrado, nos quais trabalham dois doutorandos. A agência japonesa fornece as ima­gens de radar e nós calibramos essas informações com dados de campo, uma das tarefas mais difíceis em sensoriamento remoto", afirma.

O trabalho tem um caráter coleti-vo desde o início. Segundo Marisa, o projeto nasceu do interesse de um grupo de pesquisadores que partici­pou de um workshop, em 1995, em que Carlos Alfredo Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Biota, resolveu reunir todo o conhecimento acumulado sobre o Cerrado paulis­ta. Esse encontro, que se baseou nos mapas do inventário de 1993 do Ins­tituto Florestal, deu origem ao docu­mento Bases para Conservação e Uso Sustentável das Áreas de Cerrado do Estado de São Paulo, publicado em 1997, que indica 23 áreas de priori­dade máxima para conservação.

Até agora, dois dos quatro gru­pos de trabalho, o de geoprocessa-

Riqueza ameaçada O Cerrado tem várias fisiono­

mias, que variam de campestre a florestal e dependem principalmen­te da disponibilidade de água e nu­trientes. O cerrado propriamente dito (cerrado stricto sensu) tem ve­getação herbácea e árvores esparsas. O chamado cerradão é a forma flo­restal, enquanto no campo sujo e no campo cerrado predomina a ve­getação herbácea (rasteira) , com ca­pim e outras plantas pequenas.

A situação desse ecossistema é peculiar: "Diferentemente da Ama­zônia, onde há um todo com bura­cos, o Cerrado está muito debilita­do, é um nada com alguns pontos, algumas manchas de vegetação e

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mento e o de botânica, estudaram 17 zonas de prioridade de conserva­ção indicadas nesse documento, sob vários aspectos. Nessas áreas é que já detectaram uma diminuição de 34% da área de Cerrado em relação aos dados do inventário de 1993. A ava­liação dos fragmentos está adiantada e deverá ser concluída até meados de 2001. Por isso, em outubro de 2000 iniciou-se a fase de estudos socioe­conômicos, que deverão ser intensi­ficados e se estenderão pelo menos até o final deste ano.

Imagem de satélite- O grupo de geo­processamento, também coordena­do por Marisa, atualiza o mapa do Instituto Florestal por meio de ima-

com intenso uso e ocupação ao re­dor", explica Marisa Bitencourt. O problema é que, segundo a pesqui­sadora, um vazio com vegetação em volta pode se regenerar com rapi­dez, mas pequenas ilhas de vegeta­ção isoladas são muito mais frágeis.

No Cerrado, a vegetação é adap­tada a períodos secos, porque, em­bora chova razoavelmente, as chuvas se concentram em determinadas épocas. É algo sazonal, do tipo ve­rão/inverno, e mesmo as áreas em que há maior disponibilidade de

gens de satélite recentes. Os pesqui­sadores verificaram que alguns frag­mentos desapareceram e outros até cresceram, além de estabelecerem o estado de conservação da cada tre­cho estudado. Foi assim que desfi­zeram alguns equívocos, reclassi­ficando como floresta estaciona! semidecidual (uma forma da Mata Atlântica do interior paulista) trechos antes catalogados como cerradão.

Outro ponto ajustado: alguns pontos antes classificados como cer­rado agora aparecem como cerra­dão. Os levantamentos mais antigos mostravam mais cerrado do que cerradão, mas nos últimos anos, com a proteção contra incêndios, a fisionomia de cerrado muitas vezes

Três faces do mesmo tipo de vegetação: árvores de até 15 metros no cerradão (acima), em Campos Limpos Paulista,

e esparsas no cerrado strictu sensu, no Vale do Paraíba (ao lado). e plantas rasteiras no campo sujo, em ltirapina

água ficam sujeitas a longos perío­dos secos. As plantas crescem sobre solos pobres, porosos, arenosos, áci­dos, antigos e profundos. Para a pes­quisadora da USP, essa é mais uma razão para evitar a agricultura no Cerrado, na qual o uso intensivo de fertilizantes é comum. O custo para

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transformou-se em cerradão. O mé­todo utilizado - índice de vegetação -indica a quantidade de folha verde por área. É uma forma de distinguir as fisionomias do Cerrado, que não é um só: varia de ambientes com ve­getação rasteira e esparsa até uma formação florestal, com árvores de 8 a 15 metros de altura (ver quadro).

corrigir o solo é alto e também se destrói a vegetação nativa, além de contaminar os reservatórios subter­râneos de água. Essas ameaças, so-

Áreas de Prioridade para Conservação ~ Sinbiota, o banco de da­~ dos da biodiversidade do

- Prioridade Máxima Prioridade Média

.,;

- Prioridade Baixa

;; Estado de São Paulo (ver ~ relato nas páginas 62 e 63) .

- Prioridade Baixíssima Como todas as infor­mações devem ser geo­referenciadas, a equipe de botânica vai a campo munida de um GPS ( Glo­bal Positioning System), aparelho que opera via satélite e fornece a posi­ção geográfica exata de cada local estudado. Os pesquisadores avaliam no local o estado de conser­vação dos fragmentos e elaboram uma lista de es­pécies, com destaque pa­ra as de valor econômico,

Os pontinhos pretos indicam os fragmentos de cerrado, mapeados pelo Inventário Florestal do Instituto

Nos próximos três anos, o proje­to deverá cobrir cerca de 200 frag­mentos de Cerrado. O grupo de bo­tânica, sob a coordenação da en­genheira florestal Giselda Durigan, pesquisadora do Instituto Florestal de São Paulo e chefe da Estação Ex­perimental de Assis, já visitou 121 fragmentos e estudou 70 deles em detalhe. Identificou 459 espécies de plantas, algumas delas exclusivas do Cerrado, e depositou 70 fichas no

madas às evidências do trabalho ci­entífico, reforçam a confiança de Marisa e de sua equipe no uso sus­tentado de algumas áreas do Cerra-

já com a idéia de um uso potencial que essas espécies possam ter.

A partir dessas informações, en­tra em ação o grupo de economia e biodinâmica, coordenado pelo bió­logo Eduardo Mendoza, da Associa­ção Brasileira de Agricultura Biodi­nâmica, e pela economista Maris­tela Simões do Carmo, da Faculdade de Ciências Agrárias da Universida­de Estadual Paulista (Unesp). O gru­po de economia levanta aspectos de

do, além da preservação de outras, como a solução mais inteligente e viável para a conservação desse ecos­sistema, pelo menos em São Paulo.

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missão já se compro­meteram a fazer um berçário de espécies na­tivas e compostagem de adubo natural.

Marisa: plano de interação com a comunidade do Cerrado

Articula -se outra colaboração com a Universidade do Vale do Paraíba (Univap ), que ajudará a incluir no levantamento o maior número possível de áreas de Cerrado da região. De acordo com Marisa, não existia ne­nhum mapeamento prévio do Vale do Pa­raíba, área que não ha­via sido contemplada no inventário florestal de 1993, embora a ve­getação original da re­gião tenha sido o Cer­rado, de acordo com o Instituto Brasileiro de

política agrícola, o perfil dos pro­prietários, o uso da terra e organiza­ção social, para traçar um perfil so­cioeconômico das comunidades en­contradas e procurar estabelecer uma ponte de cantata com elas.

Em seguida, é a vez do quarto grupo, de divulgação, que tem como responsável a bióloga Renata Ramos Mendonça, do Programa Estadual para Conservação da Biodiversidade (Probio). Seu trabalho é fazer a inte­ração da comunidade com as auto­ridades estaduais, caso haja necessi­dade de alguma interferência do ponto de vista legal, além de sugerir políticas públicas para a região, se for o caso. No total, trabalham no projeto 34 pesquisadores, incluindo os colaboradores - biólogos, enge­nheiros florestais, agrônomos, eco­nomistas e um geógrafo.

Reforços à vista - Marisa busca par­ceiros em todas as áreas. Entendi­mentos com a Escola Agrícola de Pe­ná polis (SP) devem tornar viável a assinatura de um acordo em que mulheres de dez famílias de assenta­dos nos arredores da cidade de Pro-

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Geografia e Estatística (IBGE). "O Cerrado formava uma língua

entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, ao longo do Rio Paraí­ba do Sul, que hoje está bastante fragmentada, por causa da presença humana", comenta a pesquisadora da USP. Cinco fragmentos já entra­ram no estudo - e prossegue a bus­ca de outros para mapear. Com e~se trabalho todo, afirma Marisa, a in­tenção não é apenas transmitir co­nhecimento. O objetivo maior, ela reitera, é a interação entre os pesqui­sadores e os atuais habitantes do que resta do Cerrado paulista.

O PROJETO

Viabilidade de Conservação dos Remanescentes de Cerrado do Estado de São Paulo

MODALIDADE

Projeto temático - Programa Biota

COORDENADORA

MARISA O ANTAS BITENCOURT- Instituto de Biociências da USP

INVESTIMENTO

R$ 318.834,00

Cara a cara com a mata Entre os trabalhos do projeto

sobre o Cerrado, coube ao grupo de botânica o que a princípio pode parecer o mais penoso: confe­rir, no chão, o que o satélite sugere, descobrir se existem mesmo e em que estado se encontram as espécies de maior valor biológico ou com potencial de manejo sustentável. Sua-se muito, come-se pouco, con­vive-se com mosquitos, aranhas e carrapatos e é preciso perspicácia para encontrar atalhos e ânimo para fazer andar a expedição.

Mas é perda de tempo oferecer outro tipo de vida aos integrantes dessa equipe: a coordenadora Giselda Durigan, engenheira florestal; Mari­nez Ferreira de Siqueira, bióloga da Base de Dados Tropicais (BDT), em Campinas; Geraldo Correa Franco, biólogo do Instituto Florestal de São Paulo; e o auxiliar de campo Edival­do Furlan. Desde outubro de 1999, o grupo visitou 70 áreas e percorreu 120 km de campos cerrados, cerra­dos e cerradões paulistas. A seguir, o relato de Giselda e Marinez:

''No campo, descobrimos o tesouro escondido em cada

uma das áreas que aparecem como pontos no mapa do Estado. Come­çamos pelo oeste, pelos municípios de Campos Novos Paulista e São Pe­dro do Turvo, na bacia do rio Para­napanema. Ali, o Cerrado tem qua­se sempre a fisionomia de cerradão. Parece uma floresta baixa e seca, mas lá estão o pau-terra ( Qualea grandiflora), os muricis (Byrsonima spp), o cinzeiro ( Vochysia tucano­rum), o pequi ( Caryocar brasilien se), a copaíba ou pau-d'óleo (Capai­fera langsdorffii), as canelinhas ( Ocotea spp) e canelões (Nectandra spp ), os angicos (Anadenanthera spp) e o limão-bravo (Siparuna guianensis).

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No cerradão, as árvores são finas e próximas umas das outras. Sobre elas, crescem trepadeiras de flores como a Fridericia speciosa (verme­lha), Odontadenia lutea (branca), Temnadenia violacea (magenta) e Pi­rostegia venusta (alaranjada), que quebram o verde-escuro da paisa­gem. Sem luz solar direta, o chão é coberto de folhas secas, ervas e ar­bustos que toleram a sombra.

Aparentemente monótona, a paisagem do cerra­dão reserva surpresas, com córregos de á­guas cristalinas e fru­tos saborosos como o do marmelo (Aliber­tia edulis), que prova­mos pela primeira vez em Agudos, ou o ana­nás (Ananas ananas­soides), que ocorre em quase todo o Estado, Outra surpresa foi en­contrar, nos cerradões de São Pedro do Tur­vo, uma vasta área com árvores de erva­mate (Ilex paragua­riensis). Deve ser, pro­vavelmente, uma das últimas populações naturais da espécie no Estado de São Paulo.

Encontramos em Campos No­vos uma das únicas áreas com fi­sionomia de Cerrado no oeste do Estado. Era novembro, o sol a pi­no, e toda aquela riqueza se exibin­do para nós: saborosas gabirobas ( Campomanesia adamantium), ar­bustos como a carobinha (Jacaran­da decurrens), com suas flores azuis rentes ao chão, a jalapa (Mandevilla velutina), sementes de paineirinha (Eriotheca gracilipes) e de algodão­do-campo ( Cochlospermum re­gi um), levadas pelo vento como plumas para germinar com as pri­meiras chuvas. No mesmo dia, de­paramos com uma sucuri (Eunectes murinus) e uma coral (Micrurus spp), lembrando que a vida no Cer­rado vai além das plantas.

No Cerrado as árvores são meno­res e mais tortuosas, com a casca ge­ralmente suberosa (espessa). Predo­minam árvores como ipês amarelos ( Tabebuia spp ), perobinha-do-cam­po (Acosmium subelegans), estoraque (Styrax spp), brasa viva (Myrcia lín­gua), jacarandá violeta (Dalbergia miscolobium) e paus-terra, além de arbustos de tamanhos diversos.

Mais para oeste, em Taciba e Mar­tinópolis, predomina novamente o

Marinez: pausa para breve descanso, com

direito a gabirobas

cerradão, com algumas pequenas manchas de cerrado denso e árvores menores, mais espaçadas e tortuosas. Ao norte, encontramos raras man­chas de cerradão e muitos fragmen­tos com a vegetação de transição en­tre o Cerrado e a Floresta Estacionai Semidecidual. Em Bauru, no coração do Estado, ainda há grandes rema­nescentes de cerradão, muito pressio­nados pela expansão urbana e incên­dios freqüentes.

Embora não estivesse no nosso roteiro original, visitamos as ilhas de Cerrado do Vale do Paraíba, em São José dos Campos, Caçapava e Tauba­té. Lá, nos surpreendemos ao encon­trar, encravadas em pleno domínio

da Floresta Ombrófila Densa (Mata Atlântica), áreas razoavelmente ex­tensas de Cerrado com todas as fisio­nomias campestres: campo limpo, campo sujo, campo cerrado e cerra­do stricto sensu, que não tínhamos visto nas outras regiões. Também nos decepcionamos: em razão provavel­mente de incêndios, a flora do Cerra­do no Vale do Paraíba é muito pobre.

De volta ao interior, encontra­mos novamente cerradão e áreas

ecotonais em Boa Es­perança do Sul, Bocai­na e Ribeirão Bonito, na bacia do rio Jacaré­Pepira. As fisionomias campestres aparecem na região de Itirapina e São Carlos, com rema­nescentes não muito extensos de campo cer­rado e cerrado stricto sensu. Nessas áreas, a abundância de plantas frutíferas impressiona: são gabirobas (Campo­manesia spp), araçás

(Psidium spp) e uva ias ( Eugenia spp), em novem­bro, e pequis, munos e caqms (Diospyrus hispi­da) em janeiro.

Constatamos que não existe

uma cultura do Cerrado no Estado de São Paulo. Nem mesmo as pessoas que vivem ao lado dos remanescen­tes, com raras exceções, conhecem as plantas. Vimos pequis apodrecendo no pé, porque pouca gente sabe que se trata de um fruto comestível.

Nesses 18 meses de caminhada, além do aprendizado, contamos com um ganho adicional: um ditado ja­ponês diz que a vida se alonga em 75 dias cada vez que experimentamos um sabor novo e gostamos. Se assim for, talvez ao término desta pesquisa tenhamos atingido a expectativa de vida de uns dois séculos, depois de provarmos tantos frutos diferentes e saborosos do Cerrado paulista. ' ' •

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2001 • 43

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Há cerca de 30 anos, com equipamentos adap­tados, pesquisadores bri­tânicos e norte-ameri­canos acreditaram ter captado emissões submi­limétricas. Mas, na épo­ca, sem a precisão dos instrumentos atuais, não conseguiram comprovar a existência da emissão, que a equipe de Kauf­mann está exami­nando mais deta­lhadamente. Afinal, o momento para a observação de pul­sos relacionados a explosões solares é ótimo.

Fraco e intenso -

Desde o século 19, sabe-se que a ativi­dade solar obedece a um regime fixo, que muda de in­tensidade a cada 11 anos: alterna períodos de relativa calmaria (mínimo do ciclo solar, sem manchas nem explosões) e épo­cas de grande atividade (máximo do ciclo, com manchas e explosões fre-

1:

Mistérios estelares Esfera gasosa com núcleo bem

mais denso, formada há 5 bilhões de anos, quase tudo o que se refe­re ao Sol é grandioso. Dono de 99,8% da massa do sistema solar, pesa 330 mil vezes mais do que a Terra. Em seu diâmetro de 1,3 mi­lhão de quilômetros quadrados caberiam cerca de 11 O planetas do tamanho do nosso.

Por que estudar a atividade do Sol? Além da importância dessa estrela que fornece calor e luz à Terra e deu as condições primá­rias para que a vida florescesse no planeta, há outros motivos. A ati-

46 • ABRILDE2001 • PESQUISA FAPESP

teira da ciência'; mas sem pessoal para o telescópio (acima)

qüentes). Agora, a estrela que nos ilu­mina está no auge de um ciclo inten­so, marcado por grande formação de manchas, que criam pontos escu­ros na superfície, e constantes erupções e explosões, com li­beração de enor­

mes quantidades de energia. Os pes­quisadores sabem que o atual ciclo acaba de entrar no ponto mais agudo (máximo solar). Isso quer dizer que os próximos anos serão, em teoria,

vidade desse corpo incandescente - uma série de eventos pontuais, como as explosões, e perenes, como o vento solar, que é um rio permanente de partículas carre­gadas eletronicamente deixando o astro em direção ao espaço- pode afetar o sistema de telecomunica­ções e a rede de energia da Terra, assim como derrubar satélites.

A conquista do Sol é clara­mente impossível. Sua distância, 150 milhões de quilômetros, é 400 vezes maior que a da Lua. A coroa solar - camada mais externa de sua atmosfera, espécie de manto gasoso que envolve a estrela- tem a temperatura média de 1,1 mi-

ótimos para observar fenô­menos relacionados a explo­sões solares e comprovar de vez a nova forma de emis­são detectada pelo SST.

Com aparelhagem mo­derna, bem localizado e anos de forte intensidade so­lar pela frente, o radioteles­cópio terá, no entanto, de enfrentar um problema ad­ministrativo: falta gente para

operá-lo constantemente em El Le­oncito, local de difícil acesso nos An­des, o que faz com que o equipamen­to permaneça parado a maior parte do tempo. Desde que foi inaugurado há quase dois anos, só funcionou por cerca de 80 dias, como resultado de missões de curta duração, de uma a duas semanas a cada dois meses. •

O PROJETO

Aplicações do Telescópio Solar para Ondas Submilimétricas (SST)

MODALIDADE

Projeto temático

COORDENADOR

PIERRE KAUFMANN- Universidade Presbiteriana Mackenzie

INVESTIMENTO

R$ 137.496,00 e US$ 83.061,06

lhão de graus Celsius (°C). Essa camada externa, ainda não se sabe muito bem por quê, é mais quen­te que a superfície propriamente dita, com temperaturas da ordem de 5000°C. No centro, o mistério é maior: ali há reações de fusão nuclear do hidrogênio- que cor­responde a 75% da composição do astro- e a temperatura chega a 14 milhões de graus. E o Sol não é um corpo sólido: como a maior parte do Universo, é uma massa de plasma - gases aquecidos a tal ponto que suas partículas se tor­nam carregadas eletricamente, na forma de prótons (carga positiva) e elétrons (negativa).

Page 47: Remédio de veneno

GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico

Rua Pio XI, 1500 - Alto da Lapa 05468-901 -São Paulo- SP Te I.: (11) 3838-4000 www.fapesp .br

Page 48: Remédio de veneno

• Árvores silvestres para microbacias

Um milhão de mudas de ár­vores silvestres serão planta­das em áreas de mata ciliar e em encostas de morros de 205 microbacias hidrográfi­cas do Estado de São Paulo. O plantio começa em setem­bro e faz parte da fase inicial de um programa da Secreta­ria de Agricultura com apor­te financeiro deUS$ 124 mi­lhões do Banco Mundial. O objetivo desse programa é proporcionar desenvolvi­mento sustentável e melho­rar a qualidade de vida do produtor agrícola. Serão in­troduzidas, ao longo dos próximos cinco anos, tecno­logias para desassoreamento dos rios, controle de erosões e consorciação de plantações de grãos e de pasto. As mu­das de cerca de 50 espécies nativas que estão sendo pre­paradas pela Coordenadoria de Assistência Técnica Inte­gral (Cati), ligada à Secreta­ria de Agricultura, vão per­mitir a recuperação florestal de áreas de preservação per­manente, matas ciliares e o reflorestamento de áreas de­gradadas. No total, serão atendidas 1.500 microbacias em todo o Estado. •

• Avaliação maximiza tratamento de esgoto

O uso inédito de traçadores radioativos na inspeção de estações de tratamento de esgoto pela cidade alemã de Dresden, em 1996, permitiu aumentar em 48% a eficiên­cia das unidades e cancelar a construção de outras. Inspi­rado no caso, o físico Luiz Eduardo Brandão, do Insti-

48 · ABRil DE 2001 • PESQUISA FAPESP

TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO

Mudas da Cati: recuperação de encostas e de matas ciliares

tuto de Energia Nuclear (IEN) do Ministério da Ciência e Tecnologia, desen­volveu um método seme­lhante que resultou numa unidade de análise portátil e de fácil instalação. O siste­ma, que detecta problemas como obstruções e vazamen­tos, funciona com a estação de tratamento em operação e faz avaliação imediata- su­perando técnicas que tam­bém usam radiotraçadores para marcar sedimentos, mas exigem coleta de mate­rial para análise. No lugar

das grandes quantidades de corantes químicos poluentes e de vida longa aplicados nos métodos convencionais de avaliação, o Sistema de Ava­liação por Radiotraçadores -a ser apresentado em maio como tese de doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro- usa quantidades ínfimas de radioisótopos de manganês, bromo, lantânio e ouro, todos com tempo de atividade curta. Além de me­lhorar o dese.mpenho das centrais de esgoto, o sistema de Brandão permite cons-

Anticorrosivo ganha prêmio Petrobras

Pa ula Nogueira: dutos com cobertu ra de filmes tipo diamante

truir novas usinas com apro­veitamento máximo: o pro­tótipo de usina de decanta­ção por gravidade que ele construiu, para obter dados experimentais, reteve 98,5% da matéria sólida dissolvida na água, entre poluentes bio­lógicos e químicos. Isso sig­nifica que pequenas instala­ções podem operar em con­juntos residenciais e em in­dústrias, sem despesa com energia.

• Centro de referência para o hidrogênio

Os estudos para o aproveita­mento energético do hidro­gênio ganharam um centro especial que será instalado, inicialmente, no Instituto de Física da Universidade Esta­dual de Campinas (Uni­camp). É o Centro Nacional de Referência em Energia de Hidrogênio, criado por meio de um convênio entre o Mi­nistério da Ciência e da Tec­nologia, Unicamp, Universi­dade de São Paulo (USP), Centrais Energéticas de Mi­nas Gerais (Cemig) e a orga-

Um projeto para a produ­ção de um filme fino de car­bono tipo diam ante - ma­terial conhecido com o DLC - com propriedades de alta dureza, grande resistência a ataques químicos e excelen­tes propriedades ópticas ga­rantiu o segundo lugar no 3° Prêmio Petrobras de Tec­nologia de D utos à aluna Paula Maria Nogueira, da Engenharia Química da Es­cola Politécnica da Univer­sidade de São Paulo (USP). O primeiro lugar fico u com

Page 49: Remédio de veneno

nização não-governamental Vitae Civilis. Entre as pes­quisas dessa área estão aque­las relacionadas a células de combustível, muito cotadas para substituir, no futuro, os motores a combustão. O no­vo centro terá o objetivo de integrar várias linhas de pes­quisa e evitar trabalhos re­dundantes. •

• Supercondutor de plástico e barato

O primeiro material plástico dotado de propriedades su­percondutoras - em que a resistência ao fluxo de eletri­cidade desaparece abaixo de determinada temperatura -foi desenvolvido nos Estados Unidos por cientistas da Bell Labs, subsidiária para pes­quisas da Lucent Technolo­gies. A descoberta, que resul­ta de um trabalho de duas décadas, em busca de um polímero orgânico super­condutor, foi anunciada na edição de 8 de março último da revista Nature. Assinam o trabalho os pesquisadores Ananth Dodabalapur, Chris­tian Kloc e Zhenan Bao, en­tre outros. Chamado de polythiophene, o material é de baixo custo e abre cami-

Viktor Nigri Moskowicz, da Pontifícia Universidade Ca­tólica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), com um projeto sobre monitoração de dutos com fibra óptica. O projeto paulista, que envolve pes­quisadores da USP nas es­colas Politécnica e de Enge­nharia de São Carlos, é oriundo de um trabalho de iniciação científica finan­ciado pela FAPESP. Os fil­mes de DLC sobre amostras de silício, aço inoxidável e aço carbono foram subme-

Bao, Kloc e Dodabalapur: melhor ordenação das moléculas

nho para descobertas análo­gas. A existência de plásticos condutores era conhecida desde a década de 1970, mas eles mostravam certa resis­tência à passagem da eletri­cidade. A maior dificuldade era estrutural: a relativa de­sordem no alinhamento mo­lecular, o que é inerente aos polímeros. A pesquisa con­sistiu em produzir uma so­lução com o polímero, que em seguida era depositado em finas camadas sobre um substrato, proporcionando uma ordenação melhor das moléculas. Contudo, a tem­peratura abaixo da qual ocorreu a supercondutivida­de foi extremamente fria -

tidos a testes de corrosão por soluções ácidas e bási­cas, solventes orgânicos e petróleo. Segundo o orien­tador do trabalho, professor Ronaldo Domingues Man­sano, do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Poli, são as impurezas ou aditivos con­tidos em compostos orgâni­cos, como o petróleo, que causam os maiores proble­mas de corrosão e limitam o uso de certos tipos de aço. Os filmes DLC são feitos

menos 235° Celsius, mas os pesquisadores esperam ele­vá-la intervindo na estrutura molecular do polímero. •

• Programa da UFSC em testes na ONU

Enquanto o Brasil briga por um assento no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), um programa de computa­dor desenvolvido em Santa Catarina está em testes na sede do órgão em Genebra, na Suíça. A equipe formada por oito alunos do Programa de Pós-Gradua.ção em Enge­nharia de Produção e Siste­mas da Universidade Federal

por um processo de baixo custo, o que deverá permitir uma grande variedade de aplicações. O professor Luiz Gonçalves Neto, da Enge­nharia da USP de São Car­los, que faz parte da equipe, informa ainda que microe­lementos ópticos feitos com esse filme ganharam no ano passado dois prêmios da Optical Society of America. Com o apoio da FAPESP, estão sendo patenteados os elementos ópticos e o pro­cesso de fabricação. •

~ z u 3 de Santa Catarina (UFSC)

elaborou um sistema de inte­ligência artificial, chamado Olimpo, para armazenamen­to, organização e busca das resoluções do Conselho de Segurança. "Nosso grupo foi formado por advogados, so­ciólogos e psicólogos'; explica Hugo Cesar Hoeschl, advoga­do que apresentou tese de doutorado sobre o projeto Olimpo. O programa foi a­presentado à ONU por Tarcí­sio Guida Della Senta, ex-rei­tor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade das Nações Unidas, no Japão. O grupo, autodenominado Ijuris, já construiu dez siste­mas voltados para a área jurí­dica. Desses programas, três, inclusive o Olimpo, foram re­gistrados no Instituto Nacio­nal de Propriedade Industrial (INPI). Para Hoeschl, o im­portante para o grupo não é implementar o programa, mas ter um produto brasilei­ro na ONU. •

• Camisa pode fazer a diferença

A disputa por melhores tec­nologias também ocorre dentro dos gramados dos es­tádios. Depois de outros fa­bricantes de material esporti­vo, agora é a vez de a Topper anunciar o mais avançado uniforme para futebol. É o Projeto Analysis, baseado no tecido Maxi Dry patenteado pelo fabricante. A camiseta do jogador tem um corte que funciona como "segunda pe­le", reduzindo o atrito com o ar e evitando que o atleta seja seguro por ele. Além disso, a camiseta pesa 20% menos que as similares e dispersa melhor a umidade do suor, ajudando na evaporação. O primeiro time a usar esse material é o Cruzeiro, de Belo Horizonte. •

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2001 49

Page 50: Remédio de veneno

Funcionário limpa reservatório de água das chuvas (piscinão) no Jabaquara em São Paulo: PETs e pneus são grande parte do lixo

Produtos retirados do lixo geram tecnologia, empregos e benefícios sociais

CLÁUDIO EUGÊNIO E

MARCOS DE OLIVEIRA

iclagem de produtos dustriais é uma ativi­ade simpática a todos os setores da socieda­de. Não há quem dis­

corde da necessidade de reciclar latas de cerveja, garrafas plásticas, pneus, papéis de escritório e potes de vidro. São produtos que materializam a no­ção de desperdício em jogar algo ain­da aproveitável no lixo e reforçam a consciência ambiental de se reduzir a extração de produtos da natureza, como madeira, minérios e petróleo.

Fora a vontade geral dos cida­dãos, a reciclagem no Brasil e em grande parte do mundo ainda enga­tinha. Uma situação resultante, prin­cipalmente, da falta de coleta seletiva de lixo nas cidades. Nesse sistema, os itens possíveis de serem reciclados são separados da porta do consumi-

50 • ABRIL DE 2001 • PESQUISA FAPESP

dor até a indústria recicladora. No Brasil, apenas 135 prefeituras, das mais de 5 mil existentes, adotam o sistema. Outro fator limitante para a reciclagem é a falta de tecnologia que efetue a transformação de muitos produtos. Nesse ponto, a pesquisa acadêmica tem muito a oferecer e traz inovações importantes como ve­remos nas páginas seguintes.

Produtos como latas de alumínio e objetos de vidro já possuem proces­sos adequados de reciclagem que ge­ram resíduos capazes de voltar como matéria-prima à linha de produção com o mesmo objetivo inicial. Mas outros, como pilhas e pneus, por

exemplo, ainda estão em estudos para a obtenção de tecnologias mais eficazes de reciclagem. Por isso, mui­tos pesquisadores se debruçam sobre um amplo leque de possibilidades, da descoberta de novas técnicas ao re­passe de informações já existentes.

Aula no campo - Alguns professores deixam suas salas e laboratórios nas universidades e saem a campo para ensinar o ofício de reciclador. É o caso do professor Hélio Wiebeck, do Departamento de Engenharia Meta­lúrgica e de Materiais da Escola Po­litécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Ele coordena um

Garimpo nas ruas de São Paulo

O paulistano Otávio Lemos, 45 anos, morador do bairro de São Mi­guel Paulista, na zona leste de São Paulo, perdeu há quatro anos o em­prego em uma churrascaria, onde trabalhava como ajudante. Depois disso, não conseguiu mais voltar ao mercado formal. A idade, para ele, foi o seu maior obstáculo. Após muita

procura, descobriu com um amigo uma forma nova de ganhar dinhei­ro: recolher latinhas de alumínio pela rua. "Foi a minha salvação", conta. Atualmente, Lemos consegue recolher 32 quilos por semana. "Só nos finais de semana consigo reco­lher 22 quilos." Ele ganha R$ 250,00 em um bom mês. Para isso, passa as

Page 51: Remédio de veneno

Wiebeck: conhecimento técnico para os catadores de lixo de São Bernardo do Campo

projeto que pretende capacitar os catadores do lixão do Alvarenga, em São Bernardo do Campo, a partici­par do Programa de Coleta Seletiva de Lixo da prefeitura. "Esse projeto é um dos maiores desafios da minha vida, pois, além de envolver o co­nhecimento técnico do assunto, te­mos o envolvimento com pessoas muito sofridas", revela. O projeto faz parte do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas da FAPESP e foi iniciado em janeiro deste ano.

"Fazemos a análise do mercado de material reciclável na região e orientamos qual a melhor maneira de beneficiamento (enfardamento,

madrugadas entre os bairros do Jar­dins e da Vila Madalena recolhendo o sustento.

Essa história tornou-se comum em várias cidades do Brasil e reflete, além do problema do desemprego, a descoberta do universo da reciclagem do alumínio como fonte de sobrevi­vência de um grande número de brasileiros. Segundo estimativas da Associação Brasileira do Alumínio (Aba!), cerca de 150 mil pessoas vi-

moagem, etc.) para os produtos reti­rados do lixo. A coleta é feita pela prefeitura, em pontos de entrega vo­luntária, nos quais a população de­posita os materiais recicláveis", expli­ca Wiebeck. Assim, os catadores não precisam procurar os produtos nos lixões. Do projeto também partici­pam, além da pre­feitura da cidade, a Escola Politécni­ca, o Serviço Bra­sileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Instituto Polis,

Latinhas paulistanas: Um tonelada valia

RS 1,9 mil, em janeiro

vem da coleta e reciclagem do alumí­nio, recebendo de dois a quatro sa­lários mínimos por mês. Em 2000, o Brasil reciclou 78% de todas as latas para bebidas consumidas durante o ano. No total, 102 mil toneladas re­tornaram ao processo de produção, com crescimento de 19% sobre 1999.

O PROJETO

Implantação de Unidades de Matérias-Primas Recicladas

MODALIDADE Programa de Pesquisas em Políticas Públicas

COORDENADOR H~uo WiEBECK - Poli-USP

INVESTIMENTO R$ 30.000,00, FAPESP, e R$ 1 5.000,00, Prefeitura de São Bernardo

integrante do Fórum Nacional de Lixo e Cidadania, a Plastivida, entida­de ligada à Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), e o Pro­grama Disque-Tecnologia da USP.

Oportuno e desejável - O professor Wiebeck também é o responsável pe­lo curso de reciclagem oferecido pela Coordenadoria Executiva de Coope­ração Universitária e de Atividades Especiais (Cecae) ligada à USP. Cria­do em 1994, o curso já formou mais de mil pessoas. "O público interes­sado é composto por profissionais de diversos setores", diz. Entre eles,

estão empresá­rios, operários, estudantes, pes­quisadores, lí­deres comuni­tários, médicos e engenheiros. A principal ên­fase do progra­ma é para a reciclagem de plástico. "É o setor que ofere­ce as melhores oportunidades

para pequenos e médios em presá­r ios", completa.

O curso e o projeto de São Ber­nardo são exemplos de atividades que se expandem no país, embora num ritmo lento se comparado às possibilidades sociais e econômicas do setor de reciclagem. Oportunida­des que, por um desses paradoxos da vida, estão no lixo. ...,.

PESQUISA FAPESP · ABRILDE2001 51

Page 52: Remédio de veneno

TECNOLOGIA

De volta de garrafas

Uma quantidade as­sustadora de garra­fas plásticas de re­frigerantes usadas boiando em rios e

córregos em algum ponto de uma cidade inundada. Essa cena já se tor­nou típica no verão, principalmente nos grandes centros urbanos, onde qualquer chuva mais forte evidencia o problema do descarte dessas gar­rafas fabricadas com Poli (tereftala­to de etileno), mais conhecido como PET, do inglês Poly (Ethylene Te­rephtalate).

Se aproveitadas, em cidades onde existe coleta seletiva de lixo ou por meio de catadores que vas­culham os lixões, as garrafas de PET seguem para indústrias fabri­cantes de cerdas para vassouras e escovas, fios de costura, cordas, car­petes, enchimentos de travesseiros, cobertores, animais de pelúcia, en­tre outros produtos. Mas, se depen­der da professora Maria Zanin, do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o PET re­cuperado pode ter um destino mais nobre: voltar à produção das pró­prias garrafas.

Maria coordena o projeto De­senvolvimento de Método de Recicla­gem Química de PET Pós-Consumo por Hidrólise, que tem como proposta estabelecer um sistema de despoli­merização da garrafa usada, permi­tindo ao produto final (a matéria­prima original do PET, também chamada de monômero) voltar à li­nha de produção de novas garrafas. "Numa petroquímica, derivados do petróleo são transformados em plásticos. O processo elaborado pela nossa equipe faz o caminho in­verso", afirma a professora Maria. Ela explica que foi desenvolvido

52 • ABRIL DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Maria: PET reciclado permite contato com alimento

consumiu, em 1999, quase 330 mil tonela­das de PET, o que obri­gou à importação de 146 mil toneladas do produto. Além do polí­mero pronto, naquele ano foram importadas mais 27 mil toneladas de monômeros. O gas­to total chegou a qua­se US$ 140 milhões. Além da diminuição das importações, a uti­lização de processos de reciclagem garrafa-a­garrafa tem outros be­nefícios importantes. Gera desenvolvimento de tecnologia própria, novos empregos, eco­nomia de recursos na­turais (petróleo) e di­minuição dos resíduos a serem efetivamente descartados. Tudo com

um método para transformar o PET em derivados do petróleo no­vamente, com grau de pureza sufi­ciente para permitir o uso na fabri­cação do PET sem nenhum tipo de restrição mercadológica. "Durante o processo todas as impurezas liga­das química ou fisicamente ao polí­mero são separadas e, assim, o pro­duto reciclado pode voltar a ter contato direto com alimentos", diz a pesquisadora.

Mudança de rota- "O processo con­vencional de reciclagem - moagem, lavagem, secagem e processamento - só permite a utilização de produ­tos que não tenham contato direto com alimentos", afirma. Dessa ma­neira, o produto reciclado sai do seu principal mercado, que são os fras­cos para refrigerantes, água, óleo de soja, vinagre, bebidas isotônicas, entre outros.

A reutilização do PET nessas em­balagens traz também um benefício para a economia do país. Segundo dados da Associação Brasileira da In­dústria Química (Abiquim), o país

a boa prática da reciclagem.

Primeiro mundo- Segundo dados da Associação Brasileira dos Fabrican­tes de Embalagens de PET (Abepet), foram recicladas, em 2000, 67 mil toneladas desse produto. Em relação ao ano anterior, o resultado registra crescimento de 34%. "Isso represen­ta um índice de 24,6%, similar ao de países como Japão e Estados Unidos, onde a reciclagem de PET é feita há mais de 20 anos. Aqui, o processo de reciclagem tem pouco mais de sete anos", compara Alfredo Sette, presi­dente da Abepet. Ele afirma que o sistema de coleta seletiva e implan­tação de cooperativas de catadores são fatores primordiais para o incre­mento desses números.

O número de garrafas PET des­cartadas impressiona os menos avi­sados. A professora Maria realizou uma pesquisa com resíduos urba­nos, de agosto de 1997 a janeiro de 1999, em Araraquara, cidade com 180 mil habitantes, na qual foi cons­tatado o descarte de mais de 7 mil garrafas PET por dia.

Page 53: Remédio de veneno

Durante a. evolução dos trabalhos, que levou ao novo sistema de despoli­meralização do PET, a equipe de Maria enfrentou várias dificuldades. Uma delas foi a ausência de in­formações, já que boa parte dos processos de reciclagem química está patenteada. A maior dificuldade nessa área é que os processos encontra­dos em artigos ou em paten­tes são normalmente incom­pletos, ao abranger o problema do começo até o meio ou do meio até o fim. Ainda segundo a professora, a ênfase nesses casos é dada Garrafas empacotadas: índice de 24% de reciclagem

à reciclagem de resíduos in­dustriais, o que é uma realidade completamente diferente da recicla­gem de resíduos pós-consumo, principalmente no Brasil. Aqui, fora as exceções, o lixo doméstico con­tém resíduos de todo tipo, dificul­tando a seleção e a limpeza dos pro­dutos recicláveis.

Dessa maneira, Maria optou por um estudo abrangente, utili­zando o PET em reação com a água. Na busca das melhores condições para essa reação foram utilizados vários parâmetros como tempera­tura da água, tamanho das partícu­las, catalisador (agente que acelera as reações químicas), pH, agitação, tratamento superficial e, posterior­mente, pressão. A produção inicial, feita em vidraria comum de labora­tório, atingiu 100% de monômeros após três horas. Posteriormente, foi construído um reatar em aço inoxi­dável que permitiu a pressurização do sistema e a obtenção de tempe­raturas maiores. "Com o reatar, foi possível atingir a totalidade da rea­ção em cerca de 15 minutos com pressões 11 vezes maiores", conta o engenheiro Sandra Donnini Man­cini, que prepara tese de doutorado sobre o assunto.

Pureza original - Além de produzir os monômeros com o novo proces-

so, os pesquisadores ainda buscam um nível de pureza semelhante aos produzidos em petroquímicas. O maior problema para o pleno de­senvolvimento da hidrólise (quebra de ligações químicas pela água) como técnica de reciclagem quími­ca é a dificuldade em obter o ácido tereftálico puro, o principal monô­mero do PET. Para isso, um méto­do de purificação também foi de­senvolvido.

Foram realizados dez ensaios de caracterização do material purifi­cado, cujos resultados foram com­parados com os do ácido tereftálico produzido pelas petroquímicas. "Apesar de algumas diferenças, as muitas semelhanças entre eles per­mitem a utilização do ácido teref­tálico, produzido a partir de PET

O PROJETO

Desenvolvimento de Método de Reciclagem Química de PET Pós-Consumo por Hidrólise

MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORA

MARIA ZANIN- Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar

INVESTIMENTO

R$ 9.741 ,25

pós-consumo, para a produção do polímero sem as restrições

de acondicionar alimentos", analisa Maria Zanin.

Existem outras formas de reciclagem garrafa-a­garrafa diferentes da pro­posta pela professora Ma­ria. Uma delas é a utilização de material reciclado como recheio num "sanduíche" multicamadas com ma­terial virgem que acondi­ciona o material recicla­do convencionalmente (aplicação já aprovada

pelo Ministério da Saúde desde o final de 1998). Ou­tra forma é o chamado "su­per-clean", um sistema de

lavagem muito eficiente, que asse­gura a inexistência de qualquer ele­mento nocivo à saúde ou ao ali­mento a ser acondicionado. Esse processo ainda não é utilizado no Brasil, embora já existam pesquisas nesse sentido.

Percentual maior- Empresas que uti­lizam algumas das técnicas de reci­clagem garrafa-a-garrafa pelo mun­do aplicam um percentual pequeno de material recuperado junto com material virgem na linha de produ­ção. Mas a tendência é que, com o barateamento do uso do PET reci­clado, puxado pelo alto consumo, esse percentual possa ser gradual­mente aumentado

Para finalizar o seu projeto de reciclagem garrafa-a-garrafa, a pes­quisadora Maria elabora um meio de recuperação do outro monôme­ro do PET, o etilenoglicol. Segundo a professora, a passagem do método para uma escala industrial depende de ensaios em planta piloto e aná­lises de custos. O pleno desenvol­vimento da reciclagem garrafa-a­garrafa depende certamente da finalização desse projeto que servirá como estímulo para a adoção de sis­temas mais elaborados de coleta e reciclagem de produtos cujo desti-no é o lixo. ..,.

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2001 • 53

Page 54: Remédio de veneno

TECNOLOGIA

Pneus como fonte de energia industrial

Transformar pneus ve­lhos e abandonados em fonte de energia. Essa é a proposta de um projeto desenvol-

vido por pesquisadores da Faculdade de Engenharia Civil, com apoio da área de planejamento energético da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campi­nas (Unicamp ). Eles montaram um equipamento que gera três subpro­dutos nobres- negro-de-fumo, ma­téria-prima usada na produção de pneu, gás metano e óleo combustível usado em caldeiras e fornos indus­triais. Assim, esperam contribuir pa­ra a solução de um dos grandes pro­blemas ambientais da atualidade: o destino de pneus usados.

Quando não serve mais aos diver­sos tipos de veículos, grande parte dos pneus é jogada em lixões, em ter­renos baldios e no fundo de rios e de córregos. Um pequeno número é queimado em caldeiras indus-

dos mais diversos nesse período. O principal também se referia a uma questão ambiental. "O processo re­sultava em uma cortina de fumaça negra na atmosfera sem nenhum tra­tamento", recorda. A escolha, na épo­ca, recaiu sobre o pneu porque ele é um produto energético alternativo com custo próximo do zero.

Cada pneu contém energia equi­valente a 9,4 litros de petróleo, se­gundo o Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), entidade mantida por 15 grandes empresas como Ambev, Coca-Cola, Mercedes­Bem, Paraibuna Embalagens e Gessy Lever. Calcula-se que existam, no Brasil, cerca de 500 mil pneus, por mês, disponíveis para uso como combustível. Esse número seria equi­valente à economia de 4, 7 milhões de litros de óleo cru.

O Brasil des-carta, por ano, cerca de 20

triais como fonte de energia. Além de serem poluidores de grande porte, pelo tamanho e pelo fato de não se degradarem - isso demoraria centenas de anos -, eles acumulam água e servem de nascedouro para mosquitos transmissores de doenças como a dengue.

Mariotoni: produção de óleo combustível

A idéia de transformar pneus em energ1a surgm ongl­nalmente na década de 70 com a primeira crise global de com­bustíveis. "Quando ocorreu o primeiro choque do petróleo, chegamos a testar a utilização da energia do pneu em uma pequena indústria que recicla­va ferro", lembra o professor Carlos Alberto Mariotoni, coordenador do projeto. Ele conta que enfrentou problemas

54 • ABRIL DE 2001 • PESQUISA FAPESP

milhões de pneus. Cerca de 70%, principalmente na área de transporte de carga e passageiros, seguem para a recauchutagem. Nos Estados Unidos, são 242 milhões de pneus descarta­dos por ano, 25 milhões no Reino Unido e 10 milhões na Austrália. Nesses países, grande parte dos pneus é fragmentada e colocada em aterros sanitários e o restante é mis­turado ao asfalto ou usado em fornos para a queima de cimento.

Destino obrigatório- Outro fator que evidencia maior importância e atua­lidade ao trabalho da equipe do professor Mariotoni é a entrada em vigor, em janeiro de 2002, da obriga­toriedade de os fabricantes, vendedo­res ou importadores de pneus reco­lherem as unidades usadas para reciclagem. No início, para cada qua­tro pneus novos fabricados aqui ou importados, a empresa deverá dar destinação a um pneu usado. A partir de 2003, para cada quatro pneus fa­bricados, dois usados serão recolhi­dos e, em 2005, para cada quatro fa­bricados, cinco serão recolhidos.

Hoje, existem poucas empresas que fazem a reciclagem de pneus. A tecnologia usada é a trituração e a desvulcanização com produtos quí­micos que resulta em uma pasta uti­lizada na fabricação de tapetes de au­tomóvel, solado de sapato e pisos industriais. O objetivo de Mariotoni, que retomou a pesquisa em 1997,

mais de 20 anos após as primeiras iniciativas, foi recuperar maté­rias-primas para a fabricação de pneus novos e a obtenção de produtos mais nobres que te­nham qualidade energética.

"Começamos a trabalhar em cima de um novo projeto e a montar um equipamento que fosse adequado à atual rea­lidade ambiental", conta ele. Hoje, o projeto está pronto e passa por estudos de dimen­sionamento para ser usado em escala industrial. O aparelho possui um reator que recebe, antes dos fragmentos de bor-

Page 55: Remédio de veneno

Terreno na cidade de Mauá, na Grande São Paulo: área alugada para depósito de pneus e depois abandonada

racha, ar comprimido em alta pres­são e uma camada de alumina, um inerte particulado ( trióxido de dialu­mínio), que serve como meio para o processo. O ar comprimido força a expansão da alumina de uma espes­sura de 40 centímetros para 1,5 me­tro e ela é revolvida enquanto a tem­peratura interna do reatar chega a 700°C. Depois injeta-se gás liquefeito de petróleo (GLP) e a temperatura atinge 1000°C. "O material se trans­forma numa grande massa incandes­cente", diz Mariotoni. Aí, é hora de introduzir no reatar os pneus frag­mentados, que dessa forma absor­vem mais rapidamente o calor.

Quando a borracha chega nesse ambiente entra em decomposição. Nessa fase, surgem várias moléculas originais da borracha e uma série de compostos. Esses compostos se divi­dem e formam partículas cada vez menores. No final, sobram compo­nentes líquidos, gasosos e sólidos.

A separação do gás do líquido acontece no condensador. "Ele força o gás a passar por um conjunto de

O PROJETO

Reciclagem Energética de Pneus Descartados através de Reatar de Leito Fluidizado: uma Contribuição para a Questão Ambiental

MODALIDADE Linha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADOR CARLOS ALBERTO MARIOTONI - Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp

INVESTIMENTO R$ 21.000,00

serpentinas (com várias camadas e água)", afirma Mariotoni. Esse gás passa de 350° para 32°. Nessa queda de temperatura, muito do que era va­por torna-se líquido novamente e é separado num recipiente. No final obtêm-se três subprodutos (em tor­no de 30% cada um): cinzas carbôni­cas conhecidas como negro-de-fumo, o óleo e o gás metano, sendo que os dois últimos apresentam qualidades energéticas. "Se um equipamento desse fosse instalado junto à planta de uma pequena ou média indústria,

seria possível usar na produção os combustíveis resultantes do proces­so", afirma Mariotoni.

O sistema desenvolvido pelos pes­quisadores utiliza o método da piró­lise. Ou seja, tudo é feito sem a pre­sença de oxigênio. Assim, prioriza-se a formação da parte líquida (óleo). "Vários processos foram testados e nesse não existe a ocorrência de pro­blemas como a fumaça", afirma Edu­ardo Antônio Goulart, que prepara tese de doutorado sobre o tema na Área de Planejamento de Sistemas Energéticos, na Unicamp.

Alternativa energética - "O problema dos pneus usados tem dimensões preocupantes, assim serão necessári­as várias iniciativas para resolvê-lo", diz Goulart. Para ele, o projeto é uma das soluções, pois sozinho não resol­ve a questão. "Na década de 70, nos­so principal objetivo era encontrar uma alternativa energética. Hoje não é possível falar de energia sem levar em consideração a questão do ambi­ente", afirma o professor Mariotoni. ~

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TECNOLOGIA

Uma solução para as pilhas

N o laboratório no qual trabalha o professor Jorge Alberto Soares Tenório e sua equi­pe, no Departamen-

to de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli­USP), reciclar virou palavra de or­dem. Entre diversos projetos, o mais avançado é um que prevê a recupera­ção de metais de pilhas usadas. "Nos­so trabalho abre caminhos para a ob­tenção de dois produtos extraídos das pilhas: zinco metálico e dióxido de manganês. Eles têm as mesmas características que as matérias-pri­mas usadas originalmente nas pilhas comuns ou alcalinas utilizadas em di­versos aparelhos eletrônicos, de walk­mans, relógios e lanternas até câma­ras fotográficas."

Pilhas e baterias usadas: objeto de estudo na USP

resolução, apenas as ba­terias de níquel-cádmio, usadas em telefones ce­lulares, devem ser cole­tadas pelo fabricante ou importador. A lei diz também que as pilhas podem ser colocadas jun­to com os resíduos do­miciliares em aterros sa­nitários e, no artigo 8°, proíbe a destinação final de pilhas usadas em ter­renos a céu aberto. O problema é que 76% do lixo urbano é jogado nos lixões, segundo o Institu­to Brasileiro de Geogra­fia e Estatística (IBGE) . Situação, portanto, im­própria para pilhas e ba­terias, que apresentam

"O zinco também é usado na pro­teção de chapas e tubos de ferro, ligas de cobre, ligas fundidas sob pressão (comercialmente conhecidas como zamac), entre outros produtos", afir­ma Tenório. Atualmente, cerca de 4% do zinco produzido no Brasil é utilizado pela indústria de pilhas, ou seja, 8 mil toneladas ao ano são usa-

das e depois descartadas, pelos con­sumidores, no lixo doméstico.

As pilhas ainda não estão entre aqueles produtos separados nas co­letas seletivas de lixo ou apanhadas por catadores nos lixões. Não exis­tem empresas recicladoras e o desin­teresse aumentou com a publicação da resolução 257/99 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Co­nama), que delineou o destino de baterias e pilhas no país. O artigo 6° da lei determina que, a partir de 1 o de janeiro deste ano, a fabrica­ção, importação e comercialização

de pilhas obedeceria os seguintes limites de metais ativos nas pilhas: 0,010% em peso de mercúrio, 0,015% de cádmio e 0,200% de chumbo.

Tenório: zinco e manganês reutilizados na indústria

No artigo 13° da mesma lei, os fabri­cantes ficam deso­brigados de fazer a coleta do produto usado com as espe­cificações do artigo 6°. É o caso das pi­lhas comercializadas no Brasil. Segundo a

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em sua composição me­tais perigosos à saúde humana e ao ambiente, como mercúrio, chumbo, cádmio e manganês.

Caminho certo - Preocupado com o problema e empenhado em propor uma solução, Tenório iniciou o pro­jeto de reciclagem de pilhas utilizan­do a rota da hidrometalurgia. Esse processo se baseia na concentração de materiais e na dissolução sulfúri­ca da pilha seguida da extração dos componentes químicos por solven­tes orgânicos. Em fase de finalização da nova técnica, a equipe de Tenório prepara uma solução para as pilhas que promete resolver a questão am­biental e incluí-las na indústria bra-sileira de reciclagem.

O PROJETO

Processamento Hidrometalúrgico para a Recuperação de Metais de Pilhas Usadas

MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADOR

JORGE A LBERTO SOARES TENÚ RIO - Poli-USP

IN VESTIMENTO

R$ 33.232,50

Page 57: Remédio de veneno

TECNOLOGIA

O fungo Scytalidium thermophilum, ampliado 37.500 vezes: alternativa para produção de fosfatases, ainda importadas

MICROBIOLOGIA

Sementes de autonomia Grupo de Ribeirão Preto cria alternativas à produção nacional de enzimas

N o momento em que as indús­trias químicas brasileiras re­

solverem tornar mais refinada a hoje modesta produção de enzimas - uma vasta classe de proteínas indispensá­veis à produção de alimentos, bebidas e detergentes -, não terão de partir do zero. Nem buscar conhecimento mui­to longe. Em Ribeirão Preto, um gru­po de biólogos produz pelo menos 30 enzimas de interesse industrial ou ci­entífico, muitas delas ainda importa­das, a partir de cerca de 15 fungos que atuam em temperaturas relativamen-

te altas (acima de 37°C), uma pm­priedade rara que reduz o risco de contaminação por outros microrga­nismos. Outra inovação: a matéria­prima empregada são resíduos de in­dústrias ou plantações - bagaço de cana-de-açúcar ou sabugo de milho, por exemplo. Em comparação com os métodos habituais de produção, que se baseiam em açúcares importados, o resultado é equivalente.

Ainda que em pequena escala, sujeita a ajustes para chegar a uma escala industrial, a produção do De­partamento de Biologia da Faculda­de de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) exibe até mesmo alternativas à pro­dução de enzimas nobres como as fosfatases, ainda inteiramente im­portadas. São usadas em testes de

medicamentos e alimentos (diferen­ciam carne de porco ou de boi) e em biologia molecular (permitem o en­caixe de seqüências genéticas em fragmentos de DNA). As fosfatases estão entre as mais caras: 100 mili­gramas de um dos tipos, a alcalina, custam US$ 300.

Na USP de Ribeirão Preto, duas equipes, coordenadas por João Atílio Jorge e por Maria de Lo urdes Teixeira de Moraes Polizeli, demonstraram que as fosfatases podem ser feitas- de modo bem mais econômico - a partir de fungos do gênero Aspergillus, que tomam a forma de grãos ocre depois de crescerem. Há pelo menos três al­ternativas: o Neurospora crassa, um bolor alaranjado, o Scytalidium ther­mophilum e o Humícola grisea varia­ção thermoidea, ambos pretos. Quan­do os fungos se alimentam de bagaço de cana, na proporção de 1 grama de resíduo para 100 mililitros de meio de cultura, produzem enzimas que, esti­ma-se, custam dezenas de vezes me­nos que o equivalente importado.

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Mas não é apenas por aí que pode modificar-se a produção nacional, ainda pouco variada (ver quadro) . Mesmo a produ­ção dos itens corriqueiros po­deria ser otimizada. É o caso da amilase, de uso amplo na fabri­cação de doces, biscoitos, remé­dios e bebidas, e ali produzida com o Aspergillus, o Rhizopus, um dos causadores do bolor de pão, e o Neurospora crassa e seus m utantes, entre outros.

Bagaço e açúcares - Em um ar­tigo publicado em fevereiro no ]ournal of Industrial Microbio­logy & Biotechnology, Maria de Lourdes demonstra como pode ser inovado o modo pelo qual o Aspergillus phoenicis libera Acervo de fungos: enzimas a custos menores

xilanases, enzimas que frag­mentam um tipo de açúcar, a xilana, o principal componente da hemice­lulose, que forma as paredes das cé­lulas vegetais. Segundo ela, as xilana­ses podem reduzir o uso de cloro e de ácidos na produção de papel, em apenas uma das possibilidades de seu emprego industrial.

Normalmente, essa enzima é pro­duzida a partir de xilana (US$ 1,50 o grama) . Crescendo em resíduos in­dustriais, esse Aspergillus - isolado

- -- -

Do pão e vinho à I' máquina de lavar

r; Uma faz o pão crescer, outra o

deixa crocante. As enzimas são tão

li específicas quanto indispensáveis à produção de alimentos - uma

i' lista que inclui queijos, biscoitos, I' geléias, cerveja e vinho -, deter-

I ~ gentes e ração animal.

lt O Brasil ainda mantém uma posição discreta, próxima a 2%,

i ' no mercado mundial de enzi-mas, estimado em US$ 1,5 tri-lhão, segundo levantamentos do

li Instituto de Química da Univer-li sidade Federal do Rio de Janeiro

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do solo e de bagaço de cana dos arre­dores de Ribeirão Preto - produziu xilosidases em n íveis comparáveis: 278,3 unidades por miligramas em xi­lana e 219,9 em bagaço de cana. Ou­tra comparação foi feita com xilose, outro açúcar importado (US$ 40,00 por 100 gramas), com resultados próximos: 146,7 un idades por mili­.gramas em xilose e 112,3 em sabugo de milho. Houve também experiên­cias bem-sucedidas com palha de ar-

(UFRJ) e da Business Communi-cations Company.

Até o momento, as empresas brasileiras concentram-se na pro-dução de enzimas mais simples e de mercado amplo, como o coa-lho, as amilases e celulases. Desde 1990, tem crescido o déficit da ba-lança comercial de enzimas, em decorrência do uso intensivo de reagentes para biologia molecular e de novas aplicações, como na fa-bricação de biodetergentes.

O estudo da UFRJ sobre essa área acentua: o Brasil é um gran-de produtor das matérias-primas das enzimas que acaba impor-tando, por não suprir a contento

roz, farinha de mandioca e farelo de trigo- até mesmo com papel de fil­tro. Dando-se materiais simples, mas em abundância, os fungos também respondem com fartura .

"Sabemos o que os fu ngos pro­duzem e qual deles prod uz mais o que a gente quer", comenta Jorge, ao resumir o trabalho de pelo menos 20 anos de um grupo de trabalho que uniu a simplicidade nos métodos e nos materiais de trabalho, a autono­m ia, a visão de conjunto e uma sóli­da perspectiva de aplicar os conheci­m entos que nascem das pesquisas.

Jorge guarda uma coleção com cerca de 100 amostras de fungos, re­tirados de plantas, solos ou material em decomposição. Maria de Lourdes formou seu próprio acervo, já com 30 amostras. Nem são raros: podem ser obtidos em bancos de microrga­nismos até mesmo sem custos. Mais difícil, evidentemente, é descobrir o que podem fazer.

As d uas equipes trabalham com duas categorias de fungos: os termó­filos, que se desenvolvem melhor em temperaturas acima de 37° C, como o Aspergillus phoenicis, e os mesófilos, cujas condições ótimas de crescimento encontram-se entre 20 e 37° C, caso do Neurospora. Com o tempo, compro­varam que as espécies termófilas de fun-

a demanda nacional, a exemplo da bromelina, obtida do abacaxi (Ananas sp), e a papaína, que provém do mamão ( Carica hete­rophylla) . Ambas são compradas principamente de empresas dos Estados Unidos e da Suíça para produção de medicamentos.

1

I

I :

i : I

Uma situação semelhante ' ocorre com a lisozima, extraída da , clara de ovo, matéria-prima rela- I tivamente de baixo custo, que in- 1

tegra o grupo de enzimas de alto 1 valor agregado, para uso médico, cujo preço varia ao redor deUS$ ' 62 por kg. Nesse caso, é a Irlanda : que atende quase a totalidade da ; demanda do país. :

-------

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gos geralmente produzem enzimas em maior quan­tidade que as do outro gru­po. Ponto a favor da simpli­cidade: as enzimas liberadas pelos aficionados pelo ca­lor são também mais está­veis. Ana Carolina Segatto Rizzatti, uma das doutoran­das do grupo, submeteu uma xilanase a um banho de 60° C durante quatro ho­ras - e nada se modificou.

Tão resistentes, as en­zimas dos fungos termo­fílicos podem ser arma­zenadas a temperatura ambiente e transportadas sem câmaras refrigeradas, ainda indispensáveis nessa área. Outra vantagem: a contaminação é baixa. "É

Jorge, tratando dos fungos, e Maria de Lourdes com o Aspergillus phoenicis: simplicidade nos métodos e nos materiais

difícil que as bactérias mais comuns sobrevivam na mesma temperatura dos fungos termofílicos", diz Maria de Lourdes.

O grupo de Ribeirão Preto coleciona também achados so­bre a biologia dos fungos, como re­sultado de dois projetas que contam com o apoio da FAPESP. No ano pas­sado, em um estudo com o Chaeto­mium thermophilum, Jorge provou que a enzima maltooligosil trealose sinta­se também é produzida por fungos. Pensava-se que as bactérias seriam os organismos mais simples capazes de sintetizar essa enzima, que quebra a trealose, um tipo de açúcar que existe também em algas, plantas e insetos.

Açúcar do futuro - Já se sabia que a trealose ameniza os efeitos do frio. A novidade é que pode poupar a plan­ta também do calor excessivo, de acordo com os resultados do douto­rado de Ana Carla Medeiros Morato de Aquino com o Rhizopus microspo­rus variedade rhizopodiformis. Jorge lembra que a trealose já é vista como o açúcar do futuro: poderia ser usa­da como um protetor de macromo­léculas- para aumentar o tempo de validade das vacinas, por exemplo.

A equipe da USP conhece tanto o potencial quanto os próprios limites. "Temos competência na bancada do laboratório", assegura Jorge. Ele sabe:

OS PROJETOS

Bioquímica de Fungos: Estudos de Enzimas de Fungos Filamentosos

MODALIDADE

Linha reg ular de auxílio à pesquisa

COORDENADOR

JoÃo Ariuo JoRGE - USP de Ribeirão Preto

INVESTIMENTO

R$ 19.0 18,30 mais US$ 5.000,00

Atividades Enzimáticas com Potencial Biotecnológico Produzidas por Fungos Filamentosos de Hábitos Termo fí/icos

MODALIDADE

Linha regu lar de auxílio à pesquisa

COORDENADORA

MARIA DE LOURDES TEIXEIRA DE MORAES POLIZELI - USP de Ribeirão Preto

INVESTIMENTO

R$ 22.099,55 mais U$ 27,026,25

antes de viabilizar inteira­mente as aplicações indus­triais, seria preciso cum­prir algumas etapas. Uma delas é ampliar a escala de produção mantendo o rendimento: por vez, o la­boratório produz em mé­dia um litro de enzimas, enquanto nas indústrias os tanques de produção têm, digamos, cem mil litros. "Temos um supermerca­do, mas faltam os compra­dores", compara.

Supermercado, aliás, que não pára de crescer. No ano passado, o dou­torando Luis Henrique Souza Guimarães percor­reu a região de Ilha Sol­teira em busca de fungos produtores de fosfatases. Voltou feliz: um dos acha­dos foi um raro Rhizopus microsporus, que cresce acima de sooc. E é um respeitável produtor de

fosfatases, submetidas a altas tem­peraturas nos ensaios de biologia molecular.

Professor da USP há 23 anos, Jor­ge não vê por que interromper seu trabalho de identificação e entendi­mento dos fungos, mesmo que avan­cem os cantatas com empresas. Não lhe falta visão histórica. Nos anos 70, quando subiu o preço do petróleo, tornou-se prioritário aumentar a produção de álcool- e um dos cami­nhos cogitados seria com os fungos, lembra ele. A cotação do petróleo caiu, o interesse passou, mas as pes­quisas prosseguiram. O que faria hoje, se o problema ressurgisse? Em resposta, o pesquisador de 51 anos retira de sua coleção os exemplares que conseguem extrair álcool de ba­gaço de cana ou, mais amplamente, de celulose (madeira ou mesmo pa­pel velho). "Pode chegar um mo­mento em que a única fonte de com­bustível possa ser essa", diz. "O importante é não perdermos o do­mínio desse conhecimento." •

PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2001 • 59

Page 60: Remédio de veneno

TECNOLOGIA

TRANSPORTE

Olhar eletrônico Empresa do Pipe desenvolve sistema inédito que monitora veículos a distância

Gerar mais segurança e melho­rar o controle dos mais diver­

sos setores de transporte é a propos­ta de um novo equipamento que vai ajudar a resolver os problemas dessa área como roubos, escolha de rotas e supervisão do transporte público. Fruto de um projeto do Programa de Inovação Tecnológica para Peque­nas Empresas (PIPE) da FAPESP, a Unidade Móvel de Registro de Ro­tas foi desenvolvido pela Compsis Computadores e Sistemas, de São José dos Campos.

Baseado nos tradicionais sistemas localizadores de veículos a distância, o equipamento agrega ao rastreamento usual uma série de opções oferecidas pela informática. Em fase de finaliza­ção, esse diminuto computador de bordo disponibiliza várias funções e informações que vão do mapeamen­to da rota percorrida até detalhados relatórios de cumprimento de horá­rios em cada ponto do trajeto. A Unidade Móvel registra, se for dese­jado, atividades específicas do veícu­lo, tais como o consumo de combustí­vel, a velocidade em cada ponto do trajeto e até mesmo a temperatura de uma carga refrigerada.

Até os registros de abertura de portas e os tempos de parada podem ser computados. Registros eletrônicos em portarias de empresas, pagamen­to automático de pedágio e em postos de abastecimento também estão pre­vistos nas configurações já disponíveis. Indo mais adiante, no caso particular e preocupante da segurança, se um

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veículo sair de uma rota pré-estipulada, o equi­pamento poderá provi­denciar o desligamento de certos sistemas, pas­sando a controlar a ig­nição do motor, a aber­tura da porta baú, os faróis, as travas nas por­tas e o rádio, emitindo aviso à central ou então diretamente à seguran­ça responsável.

Compacto e escondido -

O aparelho lembra a caixa-preta existente nas aeronaves. É composto de uma caixa metálica compacta do tamanho de um maço de cigarros e de uma antena igual­mente pequena, ambas estrategicamente embu­tidas no veículo, em lo­cais seguros e sem estar à vista, dificultando a pos-sibilidade de violação. Via Outra: sistema traz segurança às transportadoras

O sistema de comu-nicação entre o veículo e a sede da empresa é feito a partir de conexões com estações de rádio UHF ou sis­tema de telefonia celular. Os satéli­tes de comunicação, como o Brasil­sat, usados pelos concorrentes, estão descartados por apresentarem alto custo. No entanto, como alguns de seus congêneres, a Unidade Móvel utiliza-se da tecnologia Global Posi­tioning System (GPS), baseada na constelação de satélites que informa a latitude e longitude de cada ponto do planeta. Com o GPS, o equipa­mento consegue registrar percursos dos veículos sobre mapas digitaliza­dos exibindo as coordenadas e iden­tificando o nome da rua.

O potencial do equipamento da Compsis tem despertado grande inte­resse em testes e exibições, mas um fa­to que chama a atenção e endossa ain­da mais o projeto é o detalhe que ele foi todo desenvolvido no país. "Valo­rizamos bastante esse trunfo", exalta Ailton Queiroga, diretor-presidente da Compsis e coordenador do projeto.

Custo menor- Outro feito da Compsis é o equipamento ficar mais barato e ter prestações de serviços mais econômicas que as de seus concorrentes, também dependentes de tecnologia estrangeira. "Nós produzimos o equipamento, en­quanto outras empresas trabalham com representantes", conta Queiroga.

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Chapa: CFQ 3429 Motorista: N3247

- " .

CT A Velocidade : 80-100 lnic. 13h00

Queiroga: apare lho envia para a te la do computador dados do veículo como

trajeto e faixa de velocidade, visível pela variação de cor das bolinhas

A origem da Compsis data do ano de 1989, quando a empresa iniciou suas atividades como fornecedora do setor aeroespacial existente em São José dos Campos. Em anos mais re­centes, a companhia passou a im­plantar pedágios eletrônicos e desen­volveu softwares e aparelhos eletrô­nicos para as linhas de montagem da indústria automobilística.

As qualidades do sistema de loca­lização da Compsis já foram testadas pela maior seguradora de cargas do país, a Pamcary. Essa empresa endos­sou no final do ano passado a valida­de da instalação desse equipamento em caminhões. Concessionárias de diver-

O PROJETO

Sistema Automático para Monitoração de Rotas de Veículos

MODALIDADE Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOR AILTON DE ASSIS QUEIROGA- (ompsis

INVESTIMENTO R$ 44.193,80 e US$ 153.100,00

Data: 20112100

sos serviços públicos também já estu­dam a possibilidade de adotar o equi­pamento para fiscalizar as suas frotas. Na gestão de uma frota de ônibus, por exemplo, pode-se registrar cada parada e o tempo gasto nela, a veloci­dade desenvolvida e a quilometra­gem, além das rotas de cada veículo.

Outra área de grande potencial é a checagem da rota dos veículos que transportam lixo comum, hospitalar ou químico. Pode-se situar inclusive a tonelagem que o veículo carrega e, um dado importante do ponto de vista sanitário, o real local de descar­ga. Queiroga acredita que, com isso, a fiscalização desses serviços ficará facilitada e livre de fraudes. "O con­trole nem precisa ser imediato, por-

que pode ser feito ao final do dia, ou mesmo semanalmente", explica o en­genheiro Leopoldo Yoshioka, da Compsis.

Muita informação - O equipamento pode ser configurado para várias ca­pacidades de memória e, se houver necessidade, os dados promovidos pelo sistema podem ser criptografa­dos (linguagem cifrada). O sistema produz relatórios, formaliza gráficos e também cruza informações a par­tir de arquivos gerados em formato compatível com o popular conjunto

de softwares MS-Office, da Microsoft. Aposta-se, assim, na utilidade desses dados

tanto para fins de audi­toria quanto para oti­mizar o gerenciamento dos serviços prestados.

Nessa fase de lança­mento, a Compsis pre­tende se dedicar a seto­res determinados como o de carga, incluindo as empresas que transpor­tam seus próprios pro­dutos e as transportado­ras, além do segmento de passageiros. Num próximo passo, a em­presa vai atender a ou­tras frotas de veículos comerciais e militares,

sem deixar de lado as ambulâncias e os veículos particulares. Queiroga acredita também em boas possibili­dades no mercado externo.

Num primeiro momento, cabe, ainda, uma decisão. Se a Compsis irá simplesmente ofertar o produto ou cuidar também da prestação de ser­viços. Essa resposta não é tão sim­ples por se tratar de uma pequena empresa. Embora, nos últimos dois anos, tenham dobrado o seu núme­ro de funcionários - a companhia emprega 130 pessoas. Quanto ao in­cremento previsto no faturamento, a empresa afirma que isso ainda é impossível de calcular. Por enquan­to, o objetivo é finalizar o produto e colocá-lo no mercado. •

PESQUISA FAPESP • ABRILDE2001 61

Page 62: Remédio de veneno

TECNOLOGI11.

AVICULTURA

Frango pesado pela imagem Cálculo do peso das carcaças por filmagem melhora a produção industrial avícola

Aindústria brasileira de frangos, cuja organização e tecnologia

em genética, nutrição e processamen­to já a credenciam como uma das maiores e mais avançadas do mundo, conta agora com um sistema de ava­liação do peso por câmara de vídeo, o que antecipa em 1 hora a programa­ção do fluxo de produção e organiza o processo. Criado pela pequena em­presa Unisoma Matemática para Produtividade, como parte de um projeto de controle da produção de abatedouros, o sistema ajuda a pro­gramar todo o fluxo, desde a entrada dos frangos para abate até os proce­dimentos finais de em-balagem e distribuição.

A empresa, que ope­ra em Campinas, tem en­tre os clientes a Compa­nhia Vale do Rio Doce, fábricas de papel e celu­lose e agroindústrias. Seu presidente, o engenhei­ro Miguel Taube Netto, revela que o projeto de pesagem por visão com­putacional é um desdo­bramento do sistema Pla­nejamento Integrado da Produção Avícola (Pipa), desenvolvi­do de 1989 a 1997 e implantado na cadeia produtiva do grupo Sadia.

O Pipa consiste de módulos que, apoiados em técnicas matemáticas e estatísticas, concatenam os processos ao longo da cadeia- que vai da pro­dução de matrizes-avós e pintinhos de um dia a alojamento de pintos,

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nutrição, crescimento, sistema de coleta no avicultor, entrega no frigo­rífico, abate, classificação, embala­gem e distribuição.

Ao longo de dez anos, a Unisoma implantou na Sadia vários módulos de planejamento e controle das ativi­dades, envolvendo o abate de mais de 6 mil lotes, à base de 12 mil frangos por lote. Com isso, conseguiu-se o

resfriamento, câmara capta imagem de cada carcaça e computador avalia o peso pelo contorno do dorso: margem de erro é só 5%

abate médio diário de mais de 1 mi­lhão de frangos, mais de 300 produ­tos diferenciados por faixa de peso e tipo de corte, a alocação da produção em sete abatedouros conforme a es­pecialidade de cada um e a distribui­ção para várias zonas de comerciali­zação no país e no exterior. Taube conta que, graças ao Pipa, de 1992 a

1994 a Sadia ganhou US$ 50 milhões, devido à melhor conversão alimentar e à escolha de produtos de maior margem de lucro.

Foco no dorso - A avaliação do peso na linha de produção funciona por meio de uma câmara de vídeo aco­plada a uma placa de tratamento de imagem e a um computador com

software específico. A câmara capta a imagem em movimento- à velocida­de de três aves por segundo - e o computador faz a estimativa do peso com base na área do dorso.

"Como nas aves há uma propor­ção relativamente constante entre ta­manho e peso, o sistema captura a imagem de cada carcaça, extrai suas dimensões e, com base numa equa­ção de regressão, estima o peso, for­necendo como resultado um histo­grama (gráfico de freqüências) da distribuição dos pesos das aves a cada instante", diz Taube.

Segundo o engenheiro elétrico Ri­cardo Mayer de Aquino, bolsista do

Page 63: Remédio de veneno

Conselho Nacional de Desen­volvimento Científico e Tecno­lógico ( CNPq) e responsável pelo desenvolvimento e implan­tação do projeto, a margem de erro do sistema é de S%.

gia: "Como o peso dos frangos varia de 800 gramas a 3 quilo­gramas, o sistema permite uma programação mais precisa na sala de classificação e embala­gem, já que nem sempre o avi­cultor manda o peso previsto':

O empresário Taube revela que, quando seu desenvolvi­mento terminar, o protótipo será instalado na unidade da Sadia em Toledo, Paraná, com três linhas de abate.

"Inicialmente, tentamos usar um contorno do frango na área da coxa e da asa, mas concluímos depois que a área que mais se relaciona com o peso do frango é o dorso", diz Roberto de Alencar Lo tufo, da Faculdade de Engenharia Elé­trica da Universidade de Cam­

Taube: abrindo mercado amplo para pequena empresa Para Taube, engenheiro ae­

pinas (Unicamp ), consultor do pro­jeto e responsável pelo software. Ele explica: "O computador captura a ima­gem, identifica a área do dorso, faz o cálculo e converte para peso".

Decisões matemáticas- Usualmente, a pesagem é feita depois de resfriada a carcaça - porque depois do abate o frango vai para o resfriamento pen­durado em ganchos que não permi­tem a pesagem. Abatidos, depenados e sem as vísceras, os frangos são ins­pecionados e caem no tanque de res­friamento, onde são lavados por 1 hora com água clorada e filtrada, a S0 C. Depois, seguem por trilho, pen­durados por um pé, e são pesados por um processo eletromecânico: o peso é captado por um computador, que classifica as aves por categorias e as encaminha para o processamento.

Só então se define, por categoria de peso, a que faixa de produto efeti­vamente se destinarão as carcaças: frango inteiro, frango para corte e outras. O inteiro tem vários destinos: o ultraleve, de 9SO a l.OSO gramas, vai para países árabes, e o mais pesado é vendido inteiro no mercado interno ou exportado em partes.

Já o cálculo do peso por imagem, antes do resfriamento, permite pro­gramar essa classificação com 1 hora de antecedência, para o cumprimen­to do plano diário de produção. ''A pesagem antes do resfriamento per­mite ao programador que classifica os frangos no frigorífico tomar deci­sões matematicamente estruturadas

para os planejamentos do dia", diz Taube. Além disso, o método se mos­trou mais econômico e com menor interferência no processo.

O cálculo é mais preciso que a primeira pesagem- que ocorre ainda no caminhão, com os frangos vivos, muitas vezes de penas encharcadas. O novo método contribui também para o acompanhamento do desem­penho dos avicultores e o controle do perfil de peso de cada lote que chega ao matadouro. E poderá ainda auxi­liar no controle da absorção de água durante o resfriamento.

Em fevereiro último, a equipe mo­nitorou um protótipo no frigorífico Pena Branca em Amparo, região de Campinas, e testou mudanças na po­sição da câmara e na iluminação .. O frigorífico abate 130 frangos por mi­nuto e 3 milhões por mês - metade para frango inteiro e metade para corte - e exporta cerca de SOO to nela­das mensais para a Arábia Saudita. Responsável pela tecnologia do frigo­rífico, o engenheiro Luiz Bonetto elo-

O PROJETO

Controle da Produção Diária de A batedouro de Frangos

Programa de Inovação Tecnológica em Pequena Empresa (PIPE)

COORDENADOR MIGUEL TAUBE NEITO- Unisoma

ronáutico doutorado em en­genharia industrial e titular de Mate­mática Aplicada na Unicamp, "a aprovação do protótipo demostra que há um grande mercado para o sistema': Ele estima esse mercado em 30 abatedouros no Brasil e outros 200 no exterior. Pretende vender o siste­ma de pesagem por US$ 2S mil. Já um sistema completo, como o Pipa, pode exceder US$ 1 milhão. É uma perspectiva ampla para a Unisoma, que tem 12 empregados, fatura U$ SOO mil por ano e trabalha com ino­vações desde que foi criada em 1984.

O melhor do setor- Taube ressalta que o Brasil é o segundo maior exporta­dor de carne de frango, depois dos Estados Unidos: da produção de S,7 milhões de toneladas de carne, no ano passado, equivalente a 2,S bilhões de aves, 906 mil toneladas foram ex­portadas, segundo a Associação dos Produtores de Pinto de Corte (Apin­co). Para Taube, se os Estados Unidos exportam mais, "a indústria brasilei­ra é mais sofisticada, pois trabalha com centenas de produtos destina­dos aos mercados interno e externo, que compram frangos inteiros com vários pesos, divididos por categoria, cortados em partes, com osso, sem osso e em miúdos". Até os pés de frango são exportados para a Ásia. Contudo, um ponto crítico da cadeia produtiva é o controle da produção diária nos abatedouros, devido à grande variação de peso das aves e à diversidade de produtos - daí a rele­vância do projeto. •

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HUMANIDADES

EDUCAÇÃO

Biblioteca interativa, nova forma do saber Projeto coloca em prática um novo conceito para que essa instituição ganhe dinamismo

Biblioteca é o lugar onde ficam guardados livros e documen­

tos, para estudo, leitura e consulta. Certo? Não necessariamente. A ex­periência da equipe coordenada pelo professor Edmir Perrotti mos­tra que há um ·potencial muito maior escondido naquelas pratelei­ras repletas de saber. Com o apoio da FAPESP, o projeto Serviços de In­formação e Educação. Biblioteca e Escola: Novos Paradigmas colocou em prática um novo conceito de bi­blioteca, mais interativa e dinâmica, que já vem sendo desenvolvido com sucesso em outros países. Por meio do Programa de Serviços de Infor­mação em Educação (Proesi), o De­partamento de Biblioteconomia da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (USP), já vinha pesquisando novos ambientes de informação, por meio de proje­tas como a Estação Memória, na Biblioteca Infanta-Juvenil Álvaro Guerra, em São Paulo. Mas faltava ainda estudar como a biblioteca in­terativa se desenvolveria em escolas, com alunos do ensino fundamental. O objetivo er-a perceber como o no­vo conceito poderia atuar na me­lhoria da relação da criança com o conhecimento escrito.

Enchentes - A oportunidade veio da necessidade da Escola Municipal de Primeiro Grau Professor Roberto

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Mange, localizada no Jardim Esther, um bairro carente da zona oeste da capital paulista. Após uma das mui­tas enchentes que atingem São Pau­lo, a escola viu sua sala de leitura submersa em 1,5 metro de água e pediu socorro à Universidade de São Paulo. "A escola oferecia as condi-

ções ideais para o projeto, pois tinha desde o ensino fundamental até su­pletivos, um enorme rodízio de alu­nos, na faixa etária entre os 7 e 70 anos, com índices muito altos de re­petência e abandono", explica Per­rotti. "Além disso, ficava em um meio social altamente problemático, em meio a três favelas", conta.

Aceito o desafio, escolhida a es­cola e aprovado o projeto- que teve como bolsistas cinco professores da própria Roberto Mange - veio a ne­cessidade de preparar o ambiente para o conceito totalmente novo que estava por vir. A essência do modelo de biblioteca interativa é a circularidade da informação. "Com diálogo entre os repertórios cultu-

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rais da biblioteca e das pessoas que se movem naquele meio você cria um espaço de trocas de experiên­cias", diz Perrotti. E, assim, propor­ciona o surgimento de uma nova re­lação com a informação.

O professor lembra que este conceito não diminui a importân­cia das bibliotecas tradicionais de conservação - que armazenam a informação e difusão -, que pre­gam a filosofia iluminista de levar cultura às massas. "É essencial, por exemplo, que a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, seja de conserva­ção, mas esse não é o melhor mode­lo para uma escola, pois carece de dinamismo e circularidade", con­temporiza Perrotti.

Longe de ser apenas um concei­to abstrato, tal circularidade foi aplicada, desde o início, na concep­ção do espaço físico da biblioteca. Durante os seis meses iniciais, pro­fessores da USP e da escola busca­ram o lugar ideal para a implanta­ção do novo espaço e chegaram à conclusão de que seria a sala dos professores. "Depois que eles deci­diram ceder a sala, fizemos uma sé­rie de atividades para que os pro­fessores fossem se apropriando do novo espaço", conta Perrotti. O mo­biliário, por exemplo, foi constituí­do de uma forma que possibilitasse a composição dos ambientes con­forme a necessidade. "Todas as pe­ças eram intercambiáveis. Tudo

deve ser dinâmico, nunca estático", completa.

Enquanto o espaço era construí­do, os pais e alunos também partici­pavam de atividades, começando a imaginar como seria a nova sala. Com a inauguração da biblioteca, em maio de 1997- um ano depois do iní­cio do projeto-, veio a certeza de que se tratava de um modelo vencedor. "A adesão dos alunos à proposta foi imediata", comemora Edmir Perrotti.

Novidades - A biblioteca trouxe no­vidades como a substituição das tradicionais horas do conto, em que os professores contam histórias para os alunos, por rodas de histó­nas, quando as crianças podem

contar episódios relativos às suas vidas, de seu repertó­rio cultural. "Uma das coi-

o o o

sas que ma1s lmpresswna-ram os alunos foram o reconhecimento de sua voz e o respeito com que foram tratados", relata Perrotti.

Outra característica es­sencial da biblioteca é a multiplicidade de recursos, com os próprios livros - o acervo tem cerca de 5 mil, alguns escritos pelas pró­prias crianças -, computa­dores, música e televisão. Entretanto, mais do que apenas justapor diferentes meios, a idéia é oferecer o estímulo para que os alunos possam aprender a se rela­cionar com a informação nos mais diferentes supor­tes. Então, se o trabalho era sobre água, lá estava Luiz Gonzaga a cantar Asa Bran­ca e as linhas de Graciliano Ramos mostrando como é triste a falta dela.

O retorno veio na mes­ma moeda: o respeito. Per­rotti conta que, enquanto as

Biblioteca da Escola Roberto Mange: espaço conquistou alunos

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dependências da escola eram constantemente pichadas e depredadas, a sala da biblioteca não tinha nem mesmo uma mesa riscada. Quando o novo espaço fez um ano, os alunos decidi­ram pintar todos os corredores da escola para a festa de come­moração e escolheram para as portas das ou­tras salas as mesmas cores usadas na da bi­blioteca. "Eles estavam dando indicações do que esperavam do am­biente escolar, algo se­melhante ao que en­

Professor Edmir Perrotti: união da universidade com a comunidade

sencial para a transfor­mação na qualidade do ensino", comemora o pesquisador. A escola apareceu em progra­mas na TV Futura, re­portagens em jornais, revistas e TVs. O su­cesso foi tamanho que o departamento de Perrotti na USP está inundado de pedidos de municípios que querem implantar bi­bliotecas semelhantes. Em São Bernardo do Campo, no ABC pau­lista, o conceito de bi­blioteca interativa já começou a ser implan­

contravam na biblioteca", analisa. Outro indício apareceu quando os alunos pediram para usar o mesmo logotipo da biblioteca- escolhido em um concurso entre as próprias crian­ças, estimulando mais uma vez a in­teratividade - como o logotipo da es­cola. "Começaram a tomar a parte pelo todo': acrescenta Perrotti.

Não demorou para que outros resultados surpreendentes começas­sem a aparecer. Perrotti anima-se ao contar a história de um aluno, inici­almente tímido e pouco envolvido nas atividades escolares. A partir das aulas de educação artística e pes­quisas na biblioteca, ele começou a pintar quadros com toques surrealis­tas. Especializou-se tanto que, hoje, vende sua produção em uma feira de arte em São Paulo e ganhou uma bolsa para estudar música. Recente­mente, Perrotti foi convidado para vê-lo tocar em um bar paulistano.

Outra conquista aconteceu em uma classe, na qual os 37 alunos -com idades até 14 anos- não conse­guiam aprender a ler e escrever. Em um ano, todos eles foram alfabetiza­dos, com a ajuda da biblioteca. "É importante ressaltar que, além do espaço, é necessário ter a capacita­ção, pois o professor que trabalhou com essa turma fazia parte da pes­quisa", acrescenta.

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Seminários - Além de Perrotti, traba­lharam no projeto outros 18 profes­sores da ECA, os cinco bolsistas da própria escola, professores da Facul­dade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP - que ajudaram na concepção arquitetônica do ambien­te- e grupos de pesquisadores fran­ceses. Formado por acadêmicos de várias instituições -como o Institu­to de Pesquisas Pedagógicas da Fran­ça (INRP) -, o grupo internacional discutiu com os brasileiros parte da experiência que vem dando certo na França. "Aproveitamos a vinda d~ al­guns desses pesquisadores, organiza­da pela embaixada, e realizamos vá-. ·- . , . )) nas reumoes e semmanos.

"A maior conquista do projeto foi mostrar como a alteração no modo de produção entre universi­dade e escola pode ser a alavanca es-

O PROJETO

Serviços de Informação e Educação. Biblioteca e Escola: Novos Paradigmas

EDMIR PERROTTI - Escola de Comunicações e Artes da USP

INVESTIMENTO

R$ 149.000,00

tado. Outras cidades paulistas, como Santo André e Diadema, e até mes­mo alguns municípios da Bahia, também já manifestaram interesse. Perrotti lembra, entretanto, que não adianta desenvolver as novas biblio­tecas se não houver um bom acom­panhamento do trabalho.

"Quando o projeto acaba, a USP precisa ir embora", lamenta. Por isso, o departamento está criando um núcleo, uma rede de apoio. "Fi­cou claro que, mais do que condiçõ­es técnicas, falta o saber para que aconteça a apropriação do equipa­mento pela escola", afirma. Por meio dessa espécie de comunidade "in­formacional", a universidade pre­tende produzir conhecimentos que afetem diretamente o ensino e a cul­tura no país. "Não queremos fazer bibliotecas modelo, mas sim criar referências para que as cidades con­sigam mudar algo com os recursos de que dispõem", explica. A parte física das obras da biblioteca da es­cola Roberto Mange custou aproxi­madamente R$ 14 mil, mas Perrot­ti sabe que muitas instituições não dispõem de tal quantia para desti­nar ao mesmo fim. "Pode começar com uma estante de livros, mas que seja entendida numa perspectiva da interação, e não da difusão ou con­servação", conclui o professor. •

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HUMANIDADES

FOTOGRAFIA

Imagem feita de tinta e sangue Pesquisa conta a história da sociedade brasileira dos últimos 30 anos por meio das fotos de jornais

Em sua tese de douto­rado, que acaba de defender no Depar­

tamento de Ciências da Co­municação e Artes, da Es­cola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), a professora Francisca Eleo­dora Santos Severino anali­sa as transformações estru­turais ligadas à moderni­zação da sociedade brasilei­ra durante os últimos 30 anos, por meio de fotos dos jornais do país.

No apartamento da pes­quisadora, há milhares de fotos sobre a mesa de traba­lho, em pastas ou dentro do computador. É material que ela vem coletando há cinco anos, utilizado na pesquisa para a sua tese de doutora­do Fotos Jornalísticas: A Imagem da Violência como Espelhamento das Metamorfoses da Sociedade Brasileira em Processo de Globalização. O pe­ríodo abrangido pelo estudo vai de 1968 a 1998.

''A fotografia jornalística encon­tra-se no centro das transformações estruturais ligadas à modernização da sociedade brasileira durante os últimos 30 anos", observa Francisca Eleodora, explicando os motivos que a levaram a escolher esse perío­do da história. "Sua presença silen­ciosa pode ser portadora de múlti-

plas vozes, sobretudo no período que vai do final dos 60 aos 80." Nes­se período, em sua opinião, o jorna­lismo fotográfico surge como ins­trumento mediático e também condicionado pelas instituições. "E é um período que vem contribuindo para a construção de um imenso mosaico de nossa história, dinami­zado pelo olhar do leitor, que atuali­za, no presente, as relações sociais e políticas do passado", diz.

Estudo empírico - Sob a orientação do professor Waldenyr Caldas, o exaustivo trabalho da pesquisadora - que ela iniciou ainda como aluna da ECA/USP, há cinco anos, e vem

desenvolvendo nos últimos três anos com uma bolsa de auxílio-pes­quisa concedida pela FAPESP- está condensado em 460 páginas.

A tese apresenta um estudo empí­rico e teórico sobre fotos jornalísticas que retratam a violência. Seu objeti­vo é evidenciar que essas imagens são, simultaneamente, formas de ex­pressão cultural e de representação das relações sociais e políticas, carac­terísticas da sociedade brasileira em processo de mudança estrutural de­corrente do fenômeno da globaliza­ção. ''As fotos têm múltiplas vozes e eu procurei desvelar pelo menos duas delas", explica Francisca. "Por um lado, os condicionamentos ideo-

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lógicos, por outro, as deter­minações históricas que confrontam essa direção", assinala a pesquisadora.

"O papel da fotografia no desvelamento da reali­dade falseada pela interven­ção militar e institucional foi primordial", continua. "Mas não pela afirmação ou como documento fiel da realidade e sim pela con­tradição", diz Francisca.

Estando condicionada pela reprodutibilidade téc­nica, a fotografia responde à vocação de instrumen­talização a serviço da socie­dade moderna. "Ela ex­pressa essa vocação pela alienação e pela massifica­

Sem-terra e policia is se enfrentam em Jatobá: foto traz frag mentos da real idade implodida

ção popular", explica a pesquisadora. Por outro lado, em sua opinião, essa mesma reprodutibilidade técnica, ao enfatizar determinado ângulo do objeto fotografado, permite visuali­zar um fragmento histórico ou um detalhe do real que, de forma aleató­ria, também foi registrado pela câ­mera do fotógrafo.

Para Francisca, isso revela que, mesmo estando condicionada pelo ângulo do fotógrafo ou pela pauta dos jornais, a fotografia deixa-se im­pregnar por pequenos fragmentos da realidade implodida. "São esses fragmentos que devem ser selecio­nados e analisados", observa a pes­quisadora. "Meu trabalho pretende fazer uma leitura e uma revisão des­ses fragmentos à luz da contribuição teórica de Walter Benjamin, Georg Lukàcs, Roland Barthes, Boris Kos­soy, Olgária Matos, José Guilherme Merquior, entre outros", diz.

Para apoiar sua pesquisa, Fran­cisca também trabalhou com refe­rencial teórico de autores das ciên­cias sociais - como Octavio Ianni, Florestan Fernandes, Emir Sader, David Harvey e Frederic Jameson, só para citar alguns- e com referên­cias bibliográficas de historiadores e de antropólogos. "A partir de um caleidoscópio de fragmentos foto-

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gráficos, realizo uma leitura herme­nêutica das mudanças estruturais da sociedade brasileira e o modo como o coletivo vivenciou a inser­ção do Brasil no mundo globaliza­do", explica Francisca.

"O importante na leitura her­menêutica é a busca da mensagem originária em elementos arcaicos e primitivos da abordagem", afirma Francisca. Segundo o dicionário Au­rélio Buarque de Holanda Ferreira, hermenêutica é a interpretação do sentido das palavras, dos textos.sa­grados e das leis. Francisca vai ainda mais longe. "Refere-se a uma expe­riência interpretativa empregada pa­ra a recuperação e tradução das repre­sentações simbólicas e alegóricas que são próprias de uma determinada cultura", diz. "De fato, ela perde um pouco de seu caráter de instrumento de exegese teológica, podendo, as­sim, ser aplicada a textos profanos."

Em seu estudo, a pesquisadora privilegia as fotos que inquietam o olhar do observador. "Aparentemen­te ingênuas, desprovidas de intencio­nalidade mais imediata, elas nos chocam por algum detalhe que pode até ser o olhar do sujeito fotografa­do", observa a professora.

Uma das fotos sobre a mesa de Francisca que mais chamam a aten-

ção foi publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em 6 de novembro de 1969. A imagem retrata o ativista po­lítico de esquerda Marighella, morto - acabava de ser baleado por militares na Alameda Casa Branca, nos Jardins, em São Paulo. Apesar de o ativista ser ateu, sua imagem remete o observa­dor a um fragmento da Pietá, de Mi­chelângelo, em que Jesus Cristo aca­ba de ser retirado da cruz e repousa, morto, sobre o colo da Virgem Maria. Naquela visão alegórica de Marighel­la, publicada no jornal, porém, não há vestígios do colo da mãe, ele está completamente só. "E é, com certeza, uma foto montada", afirma Francisca. A pesquisadora lembra que Marighe-

O PROJETO

Fotos Jornalísticas: A Imagem da Violência como Espelhamento das Metamorfoses da Sociedade Brasileira em Processo de Globalização

MODALIDADE

Bolsa de doutorado

ORIENTADOR

WALDENYR CALDAS- Escola de Comunicações e Artes da USP

PESQUISADORA

FRANCISCA ELEODORA SANTOS SEVERINO -Escola de Sociologia e Política de São Paulo

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Marighel la morto: foto montada para mostrar o ativista político como um sem-pátria

lia foi morto na rua- na foto, percebe­se que ele está dentro de um carro. "O importante é a maneira como o fotó­grafo o enquadrou, a mensagem é mais rápida do que o texto, coloca o leitor em prontidão e vai buscar suas refe­rências histórico-culturais': explica.

Filho do nada - "Ao remeter à ausên­cia da mãe, nessa fotografia, o obser­vador é levado a analisar o persona­gem como alguém que não tinha mãe e pátria, um filho do nada", ava­lia. Fotos desse gênero - alegóricas e metafóricas, também privilegiadas em seu trabalho -, em sua opinião, chocam o observador, mas também ativam a memória de quem as vê.

De fato, ela observou que, à me­dida que se intensificavam as rebe­liões populares, no período anali­sado, tornavam-se recorrentes as alegorias bíblicas. "Essa é uma estra­tégia de manipulação das massas po­pulares", analisa. ''A alegoria bíblica remete à memória de experiências arcaicas de enfrentamentos com a natureza", observa. Assim, para Fran­cisca a história é reduzida apenas na sua dimensão natural, provocando a rememoração de medos já supera­dos. "O medo do desaparecimento, da desagregação, da exclusão, torna o sujeito melancólico e desamparado."

Francisca: olhar entre o agora e o antes

"Considero ser preciso lançar um olhar entre o agora e o antes para que o passado não fique sus­penso em um mal-acabado rito de passagem", avisa Francisca. Chegan­do mais perto da atualidade, outra foto também chama a atenção pela imagem impressionante de um evento ocorrido em 1997. Nela, pode-se ver um assaltante morto a tiros pelas costas, pelos seguranças de João Paulo Diniz, durante uma

tentativa de assalto (ver foto da pági­na 67). O rapaz morto, que se fazia passar por florista, está deitado de bruços sobre as flores e um filete de sangue escorre de seu corpo. Ao fundo, botas de policiais militares anônimos. "São botas militares em plena democracia", observa a pes­quisadora. "A imagem não pode ser vista fora do contexto, pois contém múltiplas determinações históri­cas", comenta a pesquisadora. "Mas o que vemos é o ideário da liberda­de vigiada. É um sinal da degrada­ção de uma sociedade."

Garimpo - ''A fotografia é um objeto em relação sbcial", observa Francis­ca. "Nessa condição é produto de planejamento e ato de vontades hu­manas", continua. "Forçosamente, na relação de sua produção e repro­dução, ela se deixa impregnar por essa humanidade", conclui. Para fa­zer sua pesquisa, Francisca manuse­ou mais de 2 mil fotos- quase sem­pre originais -, garimpadas nos Arquivos do Estado, no seu arquivo pessoal, nos de amigos, intelectuais e jornalistas e, em especial, na Bibli­oteca Mário de Andrade, que abriga um bom acervo dos jornais O Esta­do de S. Paulo e Folha de S. Paulo.

Todas as fotos foram digitaliza­das pela Mavica, câmera fotográfica que grava fotos em disquete, e estão organizadas em fichas, por tema. Esse equipamento, bem como o computador Power 4 e o scanner, ela obteve com a ajuda da reserva técni­ca da FAPESP. "Devo agradecer, pois facilitou muito meu trabalho", enfatiza Francisca.

Além do texto da tese, ela produ­ziu um anexo que traz um levanta­mento histórico, feito pela pesqui­sadora, contendo uma sinopse da história brasileira dos últimos 30 anos e que funciona como um roteiro. "Privilegiei os aspectos conceituais e interferi com minhas reflexões pro­curando mostrar as metamorfoses determinadas pela história", explica Francisca Eleodora sobre seu traba­lho de doutorado. •

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HUMANIDADES

Si lvio Ferraz (à esq.) e Fernando lazzetta: un indo teoria e prática, pesquisadores tentam descobrir novas formas de tocar

MÚSICA

Um cantinho e um laptop Pesquisadores analisam como a tecnologia dos computadores afeta criação

U ma flauta de quatro furos e um laptop. É isso que o com­

positor Silvio Ferraz leva para seus concertos. Seu colega de palco e pes­quisa, o também compositor Fer­nando Iazzetta, chega munido de uma dupla não menos improvável: um berimbau e o computador por­tátil. Os concertos em questão fazem parte da pesquisa Ambiente de Com­posição e Performance Musical com Suporte Tecnológico, que os dois pes­quisadores da Pontifícia Universida-

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de Católica de São Paulo (PUC-SP) realizam, com o apoio da bolsa rece­bida no âmbito do Programa de Apoio a Jovem Pesquisador, da FAPESP.

Mais do que simplesmente estu­dar a música feita com a ajuda do computador, os dois pesquisadores procuravam entender como a tecno­logia interfere no processo de cria­ção. A idéia inicial era bem mais am­biciosa: descobrir novas formas de compor e tocar. Outro diferencial da pesquisa é sair do campo só teórico, realizando verdadeiros laboratórios no local em que a música mais inte­ressa: o palco. "Além de estudar co­mo o processo de criação é alterado pelos equipamentos, tentamos de­senvolver interfaces para novas ma­neiras de manipulação do som", ex-

plica Ferraz. As interfaces são dispo­sitivos programados no computador que ou interagem com instrumen­tos, processando o som por eles emi­tidos, ou produzem certos resultados sonoros a partir de comandos digita­dos no próprio teclado, ou, ainda, disparam músicas pré-gravadas. Os concertos utilizam uma mistura dos três procedimentos.

Infinidade de fios - A pesquisa - que durou cerca de quatro anos e rece­beu bolsa de aproximadamente R$ 60 mil - começou com a montagem de um "módulo móvel de perfor­mance", um conjunto de equipa­mentos que permitia a realização dos concertos onde as interfaces se­riam testadas. O módulo é compos­to dos dois laptops, onde o som é processado, quatro caixas acústicas e uma infinidade de fios. De acordo com Ferraz, o módulo custou cerca de R$ 50 mil, mas o gasto compensa, já que a música eletroacústica brasi­leira ainda enfrenta o alto preço do

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aluguel de equipamentos. O Labora­tório de Linguagens Sonoras da PUC foi usado como sede do projeto.

No início da pesquisa, os compo­sitores trabalharam algumas ques­tões teóricas e o resultado foi a pro­dução de 21 papers. Em seguida, construíram, no computador e usando um ambiente de programa­ção chamado MAX/MSP, interfaces que permitissem o controle e pro­cessamento do som em apresenta­ções ao vivo. Teoria e prática se uni­ram nos concertos. Foram dez, feitos em festivais de música eletroa­cústica e em parceria com artis-tas de outras áreas.

"Os concertos começaram 'fechados', com pouca interação", conta Iazzetta. "À medida que nosso domínio das ferramentas foi evoluindo, passamos a intera­gir em tempo real, além de usar outros recursos, como a dança e o vídeo", completa.

lnteração - "O que pudemos per­ceber ao longo da pesquisa foi como a divisão básica da música ocidental - entre fabricante do ins­trumento, compositor, instrumen­tista e ouvinte- não se aplica à mú­sica eletroacústica", explica Ferraz. "Todos se misturam em uma só pes­soa", completa. De acordo com o pesquisador, esse "novo músico" é como uma criança, que resolve pegar um pedacinho de grama e o leva à boca para, assobiando, tentar extrair algum som. Ao mesmo tempo em que cria o novo instrumento, precisa

O PROJETO

Ambiente de Composição e Performance Musical com Suporte Tecnológico

MODALIDADE

Apoio a Jovem Pesquisador

COORDENADOR

SILVIO FERRAZ- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

INVESTIMENTO

RS 44.1 93,80 e 1 53.1 00,00

aprender a interagir com ele e deve ainda compor a música que mais se adapte às suas características.

Outra mudança que a pesquisa revelou foi na concepção de unidade composicional. "Na escola de com­posição, aprendemos como criar uma unidade, para que a pessoa per­ceba que os sons que ouve fazem parte da mesma música", diz Ferraz. "Com o computador, pude trabalhar com sons mais diversos ao mesmo tempo, sem me preocupar com essa unidade", afirma o pesquisador.

'' Eu criava, como

Mi ró fazia com a tinta

em seus quadros, um som

diferente a cada dia

e observava o resultado ''

Ao longo do estudo, os pesquisa­dores encontraram também outras questões que envolvem a nova for­ma de compor e tocar. Iazzetta, por exemplo, concentrou-se na perda do gestual. "Quando a música eletr-ô­nica surgiu, as performances se resu­miam a apertar a tecla play."

Gesto musical -''A partir dos anos 80, quando os equipamentos ficam por­táteis e mais rápidos, a tecnologia saiu do estúdio e foi para o palco", conta o pesquisador. Com as perfor­mances ao vivo, o gesto musical pre­cisou ser reintroduzido. Entretanto, o ato de tocar instrumentos que têm o som processado ou em um teclado de computador não obedece sim­plesmente às leis da mecânica. Em um violino, por exemplo, o músico sabe que determinada corda invaria­velmente produzirá certos sons. Já nas performances eletroacústicas, as regras não são mais tão claras. "Você cria artificialmente os gestos que

eram naturais, além de precisar criar novos gestos para novas sonoridades e interfaces", ressalta Iazzetta.

Outra constatação foi que os programas de composição para computador existentes no mercado utilizam um "pensamento composi­cional" limitado pelas concepções musicais das décadas de 50, 60 e 70. Os programas são restritos por pro­cedimentos como a repetição - que entrou na moda a partir do minima­lismo dos anos 70 -, a disposição de sons em dégradé- técnica usada pe-

los compositores de música ele­trônica da década de 60 -, e a permutação de frases musicais­em voga na década de 50. ''Além disso, os compositores jovens es­tão limitados a trabalhar com uma concepção linear, em que uma idéia vem depois da outra, quando o pensamento na hora da composição não flui dessa forma", explica Ferraz.

Mi ró - Para lidar com esse proble­ma, ele experimentou alguns pro­cedimentos que permitissem

maior liberdade de atuação. Uma das idéias foi transpor a técnica do pintor espanhol Miró para a composição. A cada dia, Ferraz colocava sons aleato­riamente em um seqüenciador de som, "daqueles que qualquer garoto tem em casa': "Como Miró, que a cada dia jogava um bocado de tinta na tela, eu criava um som diferente a cada dia e depois observava o resulta­do, como um grafite", diz Ferraz, lembrando que apenas o computa­dor - aquele mesmo que pode res­tringir- permite tais procedimentos.

Os pesquisadores já partem para a próxima empreitada: estudar os ambientes acústicos. "Durante essa pesquisa, esbarramos no problema da difusão de som", conta Ferraz. ''Agora queremos usar o espaço para descobrir como a escrita musical pode mudar a sensação de tamanho da sala ou localização dos instru­mentos, por exemplo", completa. A música que enlouquece os clubes noturnos chegou à universidade. •

PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2001 • 71

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LIVROS

MYRIAM KRASILCHIK

A educação entre o público e o privado Estudo traz subsídios para discussão do sistema de ensino superior

As .instituiçõe~ de en­smo supenor no mundo inteiro es­

tão submetidas a fortes tensões como resultado do aumento da demanda por vagas, diminuição propor­cional de recursos finan­ceiros e humanos, necessi­dade de manutenção ou elevação da qualidade do trabalho acadêmico, de­senvolvimento tecnológico e reconfiguração dos campos de conhecimento.

Ensino Superior no Brasil , de Helena Sam­paio, "permite a definição dos contextos mais propícios para o desencadeamento de mudanças no âmbito dos estabelecimentos privados e aponta para a emergência de um novo agrupa­mento deles no Brasil. O aparecimento desse novo grupo, ao mesmo tempo que acentua a he­terogeneidade do setor privado, contribui para matizar as tradicionais polarizações que permei­am grande parte das análises sobre o ensino su­perior no país".

Nesse período está resumida a essência das questões que hoje exigem estudos fundamentados em dados e informações para subsidiar decisões da comunidade acadêmica, dos responsáveis por políticas educacionais e da opinião pública. O li­vro cobre muitos aspectos do tema, iniciando-se por minuciosa descrição da trajetória do setor privado no ensino superior, desde a sua instalação até o período contemporâneo.

Apresenta informações abrangentes sobre a consolidação dos cursos tradicionais, origem de novas carreiras em função de demanda de profis­sionais, condições de funcionamento dos progra­mas e possibilidade de atração da clientela de alu­nos. Os aspectos legais são tema dos capítulos que tratam da legislação e as conseqüências no campo político, expressas pelas associações dos diferentes grupos de instituições privadas no Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras ( Crub).

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Ensino Superior no Brasil

Helena Sampa io

Editora Hucitec/ FAPESP 416 pág inas R$ 49,00

Um segmento substantivo da publicação trata da dis­tribuição dos cursos que in­dicam a preponderância no ensino privado das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Nessa análise, ocupam um es-paço importante o Exame Na­cional de Cursos, o Provão, e a composição e as condições de trabalho do corpo docente. As relações deste e as mantene­doras no tocante às decisões

acadêmicas são incluídas apenas de forma difusa, sem aprofundar o seu significado educacional.

É significativo o capítulo que trata dos estu­dantes, das pressões para as escolhas de carreiras. É interessante um anexo inserido no texto com depoimentos que permitem uma rara visão quali­tativa da identidade do universitário brasileiro.

Oportuno também é o estudo do que foi cha­mado da "imagem dos estabelecimentos do ensi­no privado". Quando se constata uma luta acirra­da de prop~ganda com anúncios no rádio e te­levisão, jornais e revistas usando argumentos dos mais variados, desde a valorização do ambiente universitário como fonte de cultura e diversão re­presentados em anúncios, enfatizando aspectos éticos da política da instituição ou outros invo­cando a tradição de escolas centenárias.

A obrigatória confrontação do ensino superior público e gratuito com o privado remete às reco­mendações de organismos internacionais, como o Banco Mundial, concluindo-se pela necessidade de medidas que não a cobrança de mensalidades nas universidades públicas para aumentar a oportu­nidade de estudantes cursarem o ensino superior.

Um livro de difícil leitura, mas que aporta uma contribuição a um tema de grande relevância na atual situação da educação brasileira.

MYRIAM KRASILCHIK é díretora da Faculdade de Educa­ção da USP.

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LANÇAMENTOS

A Bahia e a Carreira da Índia Editora Hucitecl Editora da Unicamp José Roberto do Amarai Lapa 380 páginas I R$ 40,00

Esta é uma preciosa e esperada reedição do estudo de Amaral Lapa, recentemente falecido, publicado pela

primeira vez há 30 anos e resultante de sua tese de doutorado, orientada pelo professor Sérgio Buarque de Holanda. A obra analisa em

profundidade as navegações e o intercâmbio comercial no mundo colonial lusitano, entre os séculos 16 e 18. O elo entre metrópole e colônia, então, era a cidade portuária de Salvador, na Bahia. A capital também servia como ponto de passagem entre os navegadores lusos e o sul da África e o litoral asiático. Apresentado em fac-símile.

Decifrando a Terra Oficina de Textos Wilson Teixeira et ali 557 páginas I R$ 75,00

Editado com cuidado, este livro é uma ferramenta fundamental para alunos e professores que desejam descobrir como é a dinâmica natural do planeta Terra, decifrando conceitos básicos das Ciências

Geológicas. A obra é um fascinante manual de investigação do nosso planeta, explicando didaticamente o seu surgimento e o seu funcionamento, a partir de análises de recursos energéticos, sempre enfatizando o papel do homem como agente modificador.

O Planeta Simbiótico R o eco Lynn Margulis 140 páginas I R$ 21,00

A professora Lynn Margulis, do Departamento de Geociências da Universidade de Massachusetts, nos EUA, vem provocando polêmicas na comunidade científica ao defender, com vigor, a simbiose como um novo conceito para se

estudar a Biologia. Segundo preconiza a autora, a simbiose, a convivência com contato físico de organismos de espécies diferentes, é uma idéia fundamental para que se possa entender como se dá a origem da inovação evolutiva. Neste livro, a professora faz um balanço de suas descobertas e, num estilo saboroso, desvenda os mistérios da vida, da célula aos ecossistemas, partindo das bactérias para chegar ao homem.

REVISTAS

Saúde Paulista 2001 -número 1- ano 1

A revista acaba de ser criada e visa a atender aos interessados no funcionamento do Complexo Unifesp/SPDM, fornecendo aos envolvidos em questões de saúde- médicos, enfermeiros, docentes e estudantes- artigos que divulguem as descobertas mais recentes de cada área

do conhecimento médico e científico. A periodicidade será trimestral e a revista pode ser obtida pelos telefones (Oxxll) 5579-1328. No número de estréia, o perfil da camisinha feminina, o novo centro de diagnóstico em câncer e a busca pelo envelhecimento saudável.

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i

Revista de Ciências Humanas 2000- número27

Editada pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas da · Universidade Federal de Santa Catarina, este número da revista discute as inquietações que afligem a todos sobre os caminhos que o mundo seguirá no futuro. Para tanto, há artigos do escritor português José Saramago

sobre a história como ficção e a ficção como história e de Luiz Bevilacqua sobre os rumos tomados pela ciência neste novo milênio. E também os artigos: Brasil e Argeptina em Perspectiva Comparada, de Vicente Palermo; Mudança Social no Brasil, de Maria José Rezende, entre outros.

MARGEM

Mitologias do presente

Margem Número 11

A nova edição da revista semestral do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo traz o dossiê Mitologias do Presente, uma ampla discussão da conflituosa relação entre as novas descobertas relacionadas ao progresso tecnológico e à inteligência coletiva e à informação.

Entre os artigos do dossiê: O Mito do Progresso, de John Gray; Infernos da Diferença, de Edgard de Assis Carvalho; Além da Revolução da Informação, de Peter Drucker; A Cibergeografia e os Continentes das Cidades Mundiais, de Elvio Rodrigues Martins; A Comunicação da Violência, de Rosamaria Luiza de Melo Rocha; entre outros.

PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2001 • 73

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MARIZA

74 • ABRILDE2001 • PESQUISA FAPESP

E FINA LW ,

Não, não é uma cabeça encolhida;

trata-se de recurso neurocirúrgico à ablação

radical da massa encefálico.

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ESPECIAL

INFRA-ESTRUTURA 1

Revolução silenciosa Programa especial da FAPESP reforça bases da pesquisa paulista

ilenciosa e discretamente, um programa da FA­PESP provocou, a partir de 199S, uma mudança radical nas bases físicas da pesquisa científica e tecnológica em São Paulo. E produziu, em con­seqüência, um impacto positivo de tal ordem em

seus resultados qualitativos e quantitativos que, embora ainda mal mensurado, pode-se apostar em suas repercus­sões a médio e longo prazos sobre a pesquisa paulista. O programa nasceu com um caráter emergencial que expres­sava a forte preocupação do Conselho Superior da FA­PESP com o progressivo sucateamento dos laboratórios e outras instalações de pesquisa no Estado. Esse caráter foi explicitado no extenso nome com que foi batizado- Pro­grama Emergencial de Apoio à Recuperação e Moderniza­ção da Infra-Estrutura de Pesquisa do Estado de São Pau­lo-, logo simplificado para Programa de Infra-Estrutura ou, melhor, Infra, como passaram a chamá-lo os pesqui­sadores (alguns milhares) que dele têm se beneficiado.

Em seis anos, investindo em equipamentos para a re­cuperação e a modernização de centros de pesquisa de universidades públicas e particulares por todo o estado, reformando laboratórios, biotérios, bibliotecas, arquivos

PESQUISA FAPESP

e museus e instalando redes de informática, o Infra apli­cou R$ SOO milhões - boa parte deles investida quando real e dólar eram quase equivalentes. Assim, vale compa­rá-lo, sem demérito para o programa paulista, com um programa similar nos laboratórios do Reino Unido, no qual foram investidos US$ 1,S bilhão- US$ 1 bilhão do governo britânico e US$ SOO milhões do Wellcome Trust -, de acordo com artigo do primeiro-ministro Tony Blair na revista Science de 21 de agosto de 1998.

Os importantes resultados do Infra já há algum tem­po demandavam uma apresentação mais sistemática, proposta, aliás, pelo Conselho Superior da Fundação. E é isso que pretende a série de suplementos especiais so­bre o programa que começa a ser publicada nesta edição de Pesquisa FAPESP. Com reportagens de Maria Apare­cida Medeiros e edição de Mário Leite Fernandes, inicia­mos a série por bibliotecas, arquivos e museus, essenciais não apenas para a preservação e a circulação da cultura, mas para o próprio desenvolvimento da pesquisa.

Quando o Programa de Infra-Estrutura foi lançado, em 1994, já era consenso que a situação do parque esta­dual de pesquisa impedia o avanço normal da atividade.

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O sistema de financiamento da FAPESP sempre dera su­porte aos custos diretos dos projetas de pesquisa, mas não havia mecanismos para garantir que os equipa­mentos fossem adequadamente instalados e mantidos. Tampouco as instituições dispunham de recursos para isso. "Deveríamos conseguir condições até ótimas, quando possível, para grupos de excelência", diz José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, ao esclare­cer que os recursos do Infra não

ma: 3.017 projetas inscritos, dos quais 1.261 foram apro­vados. Os recursos liberados foram de R$ 146,5 milhões.

Para o Infra III, de 1997, a única alteração foi a exclu­são do FAP-Livros, que se tornou autônomo. Inscreve­ram-se 1.825 projetas: 1.045 foram aprovados, totali­zando investimentos de R$ 122,4 milhões. O Infra N, de 1998, teve novas mudanças: o financiamento de equipa­mentos multiusuários passou a integrar as linhas per-

manentes de fomento da FA­PESP e cinco módulos foram se destinavam a grupos emergen­

tes e sua concessão foi sempre precedida de criteriosa avaliação por especialistas de fora de São Paulo, para que se garantisse a to­tal isenção no julgamento e a credibilidade do programa.

Programa já liberou cerca

definidos para os projetas ins­critos no Programa de Infra-Es­trutura: redes locais de informá­tica, bibliotecas, infra-estrutura geral, museus e arquivos. Para essa fase, foram inscritos 1. 798 projetas, aprovados 1.054. Os aprovados somaram investi­mentos de R$ 136 milhões.

Também a compreensão do Conselho Superior sobre a neces­sidade de financiar a adequação de instalações de pesquisa termi­nou ganhando caráter perma-

de R$ 500 milhões para dar suporte

material à pesquisa em São Paulo

Ao final do Infra N, o Conse­lho Superior e o Conselho Téc­nico Administrativo da FAPESP

fizeram uma avaliação do programa e decidiram por uma nova fase, dividindo os projetas em dois grandes módulos: tratamento de resíduos químicos, destinado a investimentos na área de tratamento de resíduos de la­boratórios, e centros depositários de informações e do­cumentos- incluindo os módulos bibliotecas, museus e arquivos. As solicitações para essa fase do programa to­talizaram 570 projetas, todos ainda em fase de avaliação.

nente. O mecanismo da reserva técnica para os projetas financiados - mais 25% do va­lor concedido aos ordinários e mais 40% aos temáticos -é resultado dessa evolução. Assim, a FAPESP procurou se antecipar a futuros problemas.

Alicerces- "Não investir no Infra teria sido como querer construir uma casa sem seus alicerces", compara Joa­quim José de Camargo Engler, diretor administrativo da FAPESP, responsável pela administração do programa. De fato, com o Infra a Fundação consolidou os alicerces do sistema estadual de pesquisa, sem jamais dotá-lo de uma concepção estática. E foi justamente sua flexibilida­de para atender a novas necessidades do sistema que ga­rantiu o sucesso do programa.

No início, o Infra podia financiar obras civis em labo­ratórios para restauração, por exemplo, dos sistemas de eletricidade e de abastecimento de água; a recuperação de biotérios e estufas e a compra de equipamentos, inclu­sive de informática. Os primeiros projetas inscritos na cha­mada Fase I (ou Infra I), já em 1995, foram divididos em dois grandes módulos: infra-estrutura geral e biotérios. No total, havia 1.103 projetas inscritos, dos quais 849 fo­ram aprovados, com investimentos de R$ 77,1 milhões.

O Infra II, de 1996, organizou-se em cinco módulos: equipamentos especiais multiusuários, redes locais de in­formática, infra-estrutura para biblioteca, FAP-Livros (des­tinado à aquisição de livros) e infra-estrutura geral. "Essa alteração no programa decorreu da experiência adquirida na primeira etapa, que demonstrou ser necessário separar as principais áreas de auxílio à infra-estrutura, de modo a permitir uma melhor avaliação das solicitações recebidas, por meio de comitês específicos': diz Engler. A demanda verificada naquele ano justificava mais uma vez o progra-

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PROGRAMA INFRA-ESTRUTURA (Situação em 31.03.01)

OS NÚMEROS DO INFRA

PROJETOS INFRA I INFRA 11 INFRA III INFRA IV FAP-LIVROS IV TOTAL

Recebidos 1.103 3.017 1.825 1.798 209 7.952

Denegados 247 1.745 750 734 16 3.492

Aprovados 849 1.261 1.045 1.054 193 4.402

Cancelados 7 11 30 10 58

Concluídos 847 1.243 998 892 3.980

O INVESTIMENTO NO PROGRAMA

PROJETOS APROVADOS VALORES RS

849 77.118.021,80

INFRA 11 1.261 146.471.035,30

INFRA III 1.045 122.407.125,53

INFRA IV 1.054 135.993.849,59

FAP-LIVROS IV 193 12.466.289,77

TOTAL 4.402 494.456.321,99

PESQUISA FAPESP

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Sem memória não se constrói o futuro

Quando se transferiu para sua nova sede, no campus da Universidade de São Paulo (USP), o Museu de Arte Contemporânea (MAC) deixou para trás, em seu antigo prédio, no Parque do Ibirapue-

gero. Documentos, alguns deles com muitos séculos, fo­ram restaurados e podem ser consultados pela Internet. Salas onde fios elétricos desencapados corriam entre li­vros valiosíssimos, com considerável risco de incêndio, foram restauradas. Áreas foram climatizadas, para pro­teção do material e maior conforto de funcionários e usu­ários. Portões eletrônicos ajudam a salvaguardar o acer­vo. No próprio MAC, onde obras preciosíssimas de

Modigliani e Picasso eram separa­

ra, dezenas de pacotes e caixas, muitos deles nunca abertos. Era, basicamente, material doado por pintores e outras pessoas li­gadas às artes plásticas. Esse ma­terial precisou esperar a chegada de uma verba de R$ 172,6 mil, um investimento do Programa de Infra-estrutura da FAPESP, para ser aberto. Simplesmente não havia dinheiro, antes, para tratar e conservar adequada-

Nas bibliotecas, museus e arquivos estão

das da rua apenas por uma pare­de de vidro, a segurança foi au­mentada.

Essa revolução é ainda mais significativa porque coincidiu com uma enorme transforma­ção nos próprios conceitos de biblioteca, museu e arquivo, tra­zida pela informatização e pela Internet. Uma biblioteca hoje não é mais um local onde ape-

os documentos e informações

indispensáveis à pesquisa de alto nível

mente o material. Valeu a pena. Documentos, cartazes, objetos pessoais e outros mate­riais de muitos artistas modernos brasileiros enriquece­ram significativamente o acervo do museu.

Por todo o Estado de São Paulo, as verbas do Progra­ma de Infra-estrutura da FAPESP estão provocando uma revolução em bibliotecas, museus e arquivos. Não é exa-

PROJETOS

INFRA-ESTRUTURA

BIBLIOTECAS, ARQUIVOS E MUSEUS A DEMANDA

INFRA 11 INFRA III INFRA IV BIBLIOTECA BIBLIOTECA BIBLIOTECA ARQUIVOS MUSEUS

Recebidos 199 243 263 112 57

Denegados 52 46 93 59 18

Aprovados 147 193 170 51 38

Cancelados 4 2 1

Concluídos 144 184 129 37 30

OS RECURSOS LIBERADOS

PROJETOS APROVADOS RS

INFRA 11 Biblioteca 147 17.763.655,05

INFRA III Biblioteca 193 22 .170.612,68

INFRA IV Biblioteca 170 24.750.203,60 Arquivos 51 10.973.774,59 Museus 38 8.261.577,53

TOTAL 599 83 .919.823,45

PESQUISA FAPESP

nas se guardam livros e outros documentos. Ela é uma porta de

acesso à informação e bibliotecários e outros funcioná­rios fazem curso atrás de curso para se adaptar à nova situação. Pesquisadores agora podem fazer consultas pe­las redes de suas universidades de suas salas ou laborató­rios. Os bibliotecários, por sua vez, preparam-se para orientá-los na fartura de informações da Internet.

A origem de toda essa transformação está, sem som­bra de dúvida, no Programa de Apoio à Infra-Estrutura, que já investiu R$ 84 milhões nas bibliotecas, arquivos e museus do Estado de São Paulo. O reconhecimento da necessidade de recuperação e modernização das biblio­tecas surgiu com o Infra II, de 1996, que criou um mó­dulo específicE) para projetas dessa natureza: recebeu 199 solicitações de auxílio, das quais 147 foram aprova­das, com investimentos de R$ 17,8 milhões. O Infra III recebeu, para esse módulo, 243 solicitações, aprovou 193 e liberou investimentos de R$ 22,2 milhões. O Infra IV, de 1998, finalmente incorporou os museus e os arqui­vos, pelo entendimento da FAPESP de que eles são fun­damentais no seu papel de apoio à pesquisa, quando não realizam, eles mesmos, relevantes pesquisas. Nessa fase, o módulo bibliotecas recebeu 263 pedidos de investi­mentos, dos quais 170 foram aprovados, com recursos de R$ 24,8 milhões. O módulo referente a museus teve 57 pedidos, com 38 aprovados, totalizando investimen­tos de R$ 8,3 milhões. O módulo referente a arquivos re­cebeu 112 pedidos de auxílio, dos quais 51 foram apro­vados, correspondendo a investimentos de R$ 11 milhões. O Infra V, cujas solicitações de auxílio ainda se encon­tram em avaliação, reuniu os três módulos em um: cen­tros depositários de informações e documentações. Nas páginas seguintes, conheça um pedacinho da história que revolucionou a pesquisa paulista.

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Programa de Infra-Estru­tura da FA­PESP fez mui­to mais do

Uma mudança de conceito com bases tecnológicas Programa modernizou as principais bibliotecas do Estado

que permitir a renovação das principais bibliotecas do Estado. Ele chegou num momento em que está ocorrendo uma verdadeira revolução no conceito de como deve funcionar uma biblioteca pública. "Está havendo uma mudança fundamental na filosofia de o que é uma biblioteca': diz Rosaly Favero Krzyza­nowski, que, como coorde­nadora das bibliotecas da Universidade de São Paulo (USP), acompanhou boa parte dessas mudanças e ho­je, aposentada, trabalha co­mo coordenadora operacio­nal do Programa Biblioteca Eletrônica (ProBE) da FA-

Bibliotecas: obras em papel agora convivem COfll as informações espalhadas pela Internet

PESP. Sem o apoio e os investimentos da Fundação, dificilmente as biblio­tecas públicas do Estado teriam co­mo acompanhar essas modificações.

Essa revolução, em grande parte, tem bases na tecnologia. Por exem­plo, os arquivos deslizantes permi­tem que muito mais documentos se­jam guardados num espaço muito menor. Houve avanços considerá­veis nas técnicas e processos para a restauração e conservação de livros e outros documentos antigos. As redes de computadores, muitas vezes ope­rando por meio de fibras ópticas, abriram novas perspectivas para as consultas. Hoje, o usuário pode en­trar na rede de uma biblioteca de seu próprio laboratório ou mesmo de sua

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casa e obter a informação de que pre­cisa de onde estiver. No caso de pu­blicações e documentos antigos, isso diminui o manuseio e, conseqüente­mente, ajuda a conservar a obra.

Há outras vantagens. Com a for­mação da rede e a padronização dos recursos, uma universidade pode agora centralizar a aquisição de li­vros e revistas. Ou seja, em vez de comprar um exemplar para cada uma de suas bibliotecas, pode obter um exemplar, colocar a publicação na rede e, assim, torná-la acessível a todos. A administração, incluindo aí os setores de empréstimo e circula­ção, também é facilitada. "Elimina­mos muitas etapas de trabalho des­necessárias': conta a coordenadora

do sistema de bibliotecas da Univer­sidade Estadual de Campinas (Uni­camp ), Maria Alice Rebello Nasci­mento. Com um único sistema, ela registra a compra de um livro, faz a catalogação com os dados já digitali­zados, quando ele chega, e, depois, controla os empréstimos em todas as 19 bibliotecas do sistema.

Extensão - Isso é extremamente útil para sistemas que funcionam em mais de uma cidade. A Unicamp, por exemplo, além de 17 bibliotecas em Campinas, tem mais duas unidades, em Limeira e em Piracicaba. Mas, em extensão, nada se compara ao siste­ma da Universidade Estadual Paulis­ta (Unesp ), que cobre o Estado de

PESQUISA FAPESP

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uma ponta à outra. A Unesp tem bi­bliotecas em nada menos de 16 cida­des - Araçatuba, Araraquara, Assis, Bauru, Botucatu, Franca, Guaratin­guetá, Ilha Solteira, Jaboticabal, Ma­rília, Presidente Prudente, Rio Claro, São José dos Campos, São José do Rio Preto, São Paulo e São Vicente. O acervo sobe a mais de 800 mil itens.

Ou seja, o bibliotecário agora é um profissional que está disposto- e tem competência - para participar ativamente de uma pesquisa, indi­cando ao interessado os locais onde sua busca vai ser mais frutífera. Para isso, faz cursos constantes de atuali­zação, algo que as reformas feitas com os investimentos da FAPESP

cia, as bibliotecárias de frente, que trabalham com o usuário", diz a pro­fessora. Elas organizam programas de treinamento dentro de suas uni­dades. Há casos em que são dados cursos também para os usuários. Es­ses cursos, quase sempre, servem pa­ra mostrar a melhor maneira de usar as bases de dados.

Bibliotecários e funcionários ganham nova função: trabalho, agora, inclui indicas:ão dos veios mais ricos aos pesquisadores

Estar longe, porém, não significa es­tar distante do conhecimento. Todas essas bibliotecas têm acesso a bases de dados eletrônicas, como a Athena, a

· ERL, o ProBE e a Web of Science. Surge, assim, um problema agra­

dável, mas um problema. Há dados demais circulando pela rede e o usu­ário, nem sempre, tem tempo para caçar aquilo do que precisa em lon­gas buscas na Internet. Surge, então, um dos novos papéis do bibliotecá­rio, o de poupar etapas e indicar ca­minhos para os veios mais ricos de dados. "O perfil do bibliotecário mudou", afirma Rosaly. "Sua princi­pal função, agora, é a de trabalhar com o pesquisador na busca da in­formação': diz.

PESQUISA FAPESP

não esqueceram de criar. Um ponto positivo é que a esmagadora maio­ria dos funcionários das bibliotecas renovadas, mesmo os mais vetera­nos, aceitou e aderiu com entusias­mo à nova situação. Foram raros os casos de não adaptação.

Manual-padrão - "As próprias salas em que são dados os cursos se torna­ram viáveis com os investimentos da FAPESP': lembra Rosaly. Não se tra­ta de enormes instalações. Identifica­do o problema, são formados os cha­mados agentes multiplicadores, que fazem um curso e recebem um ma­nual-padrão pronto a servir de base para a fase seguinte. "Esse é o treina­mento das bibliotecárias de referên-

As necessidades de formação tam­bém não esquecem o pessoal auxiliar. A instalação dos portões de controle eletrônico de saída de material, por exemplo, levantou a necessidade de o pessoal do balcão aprender a tra­balhar com as etiquetas de códigos de barra. Mesmo a técnica de pegar e re­colocar os livros nas estantes é alvo de cursos para os funcionários. Eles pre­cisam aprender a pegar um livro pe­lo meio da lombada, não pelo alto, pa­ra conservar melhor a encadernação; a deixar espaços entre os livros, para melhorar o arejamento e impedir que as capas colem; e a manejar a espátu­la, o pincel especial com o qual os do­cumentos são limpos, para evitar que o pó fique preso nos livros e revistas.

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Page 84: Remédio de veneno

Esses cuidados simples con­vivem com equipamentos de alta tecnologia. A onda de reno­vação e os recursos tornados disponíveis pelo Programa de Infra-Estrutura levaram às prin­cipais bibliotecas de São Paulo máquinas que parecem ter saído de projetos espaciais. Numa de­las, o livro é colocado numa mesa especial, com um armário trans­parente, e limpo com uma espé­cie de aspirador de pó, maneja-do por luvas que penetram no seu interior. Tem impacto importante também ensinar aos funcionários tarefas que antes eram feitas fora do local. Vários deles, por exemplo, fa­zem pequenos trabalhos de restau­ração em livros e outros documen­tos, o que poupa tempo e dinheiro para a biblioteca.

Informática - "Um bom bibliotecá­rio tem que ser também um pesqui­sador", declara a coordenadora Ma­ria Alice, da Unicamp. A adaptação às mudanças na rotina de trabalho exigiu e continua a exigir grande empenho dos profissionais. Na Unicamp, todos os funcionários das bibliotecas participam, com fre­qüência, de cursos e workshops. A universidade montou também pro­gramas de treinamento para os usuários e, com esse objetivo, criou um laboratório de informática es­pecial. Não foi só isso. "O trabalho desenvolvido hoje pelo bibliotecá­rio requer uma interação mais ati­va", declara Maria Alice. "Antes, ele simplesmente preparava o material, colocava na estante e esperava o pú­blico aparecer. Hoje, ele tem que to­mar decisões, muitas delas sobre as­suntos complexos."

Ela cita um exemplo. Muitas ve­zes, cabe ao bibliotecário a palavra decisiva sobre a aquisição de um pa­cote de publicações. Não é uma es­colha fácil. Ele deve levar em conta, por exemplo, se o material é impor­tante para as linhas de pesquisa de­senvolvidas pela universidade e pen­sar no seu custo/benefício, não só no

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Os recursos tornados disponíveis pelo

programa levaram também às bibliotecas modernas máquinas de conservação de I ivros

valor da aquisição. "Para realizar um bom trabalho, o bibliotecário hoje precisa saber como estão a ciência e a tecnologia no país", diz Maria Ali­ce. "Ele precisa dominar a política, para estar em consonância com esse contexto': acrescenta.

Atualização - Nada mudou mais a biblioteca do que a automação, diz Maria Alice. Mas a mudança exigiu muito mais que o domínio das fer­ramentas da informática. "Além de conhecer e saber usar as ferramen­tas à sua disposição, o bibliotecário foi obrigado a ampliar sua visão", afirma a coordenadora. Ele não lida mais apenas com seu acervo, fisicamente disponível na bibliote­ca, mas com um universo muito mais amplo, o espalhado pela rede. O papel do bibliotecário inclui o de saber indicar o melhor para o usuá­rio dentro desse universo. Isso não é possível sem uma constante atua­lização, sem saber o que há de novo na rede, o que, por sua vez, exige muita pesquisa.

As mudanças também trouxe­ram novas necessidades, entre elas a de melhorar a requalificação dos pro­fissionais que já atuam na área e a formação de novos funcionários. "O mercado hoje carece de profissionais mais qualificados, especialmente dentro das universidades, que são o núcleo do desenvolvimento científi­co do país", diz Maria Alice. Isso não se aplica apenas a questões de curto prazo. "Estamos lidando com um universo novo e há dificuldades de várias ordens", ela prossegue. "Elas

vão desde as novas técnicas ope­racionais na área de informática até uma melhor compreensão da política tecnológica do país e como a biblioteca se insere nesse contexto."

A informatização também ampliou os contatos para a tro­ca de documentos com biblio­tecas do exterior. Maria Cristi­na Olaio Villela, diretora técnica da biblioteca da Escola Politéc­nica da USP, conta que seu or-

ganismo participa, por meio de um convênio com a Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, de um consórcio chamado Istec (Ibero-American Science & Techno­logy Education Consortium). Outro convênio a liga à British Library, considerada um modelo de eficiên­cia, pois atende qualquer pedido em menos de 24 horas.

Métodos diferentes - Formada na década de 1960, Maria Cristina con­firma que houve uma revolução na sua área. "Quase tudo o que aprendi durante minha formação está ultra­passado': ela diz. "Os processos de catalogação e classificação de obras ainda são os mesmos, mas a forma de disponibilizar o acervo aos usuá­rios é completamente diferente", acrescenta.

A assistente técnica da Coorde­naria Geral de Bibliotecas da Uni­versidade Estadual Paulista (Unesp ), Margarida Ferreira, formou-se em 1983 e aprendeu por iniciativa pró­pria tudo o que sabe sobre informá­tica. Mesmo assim, para ajudar os funcionários a trabalhar com os novos programas, traduziu para o português o manual de formato de registro eletrônico da Biblioteca do Congresso, o Marc 21. Esse forma­to, adotado pelas principais biblio­tecas do mundo, padronizou a lin­guagem dos catálogos eletrônicos. A tradução foi publicada pela pró­pria Unesp e está sendo adotada em outros lugares.

"O universo da biblioteca cresceu e isso exige uma mudança de postu-

PESQUISA FAPESP

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poníveis on-line e in­formações mais deta­lhadas, se necessário, poderiam ser obtidas na biblioteca. Haveria um cuidado especial para otimizar a par­ticipação dos orien­tadores.

ra", afirma Margarida. Seu trabalho a faz man­ter contato com os fun­cionários de todas as bibliotecas da Unesp, espalhadas pelo Estado. "O ritmo acelerado do desenvolvimento da in­formática faz com que todos os dias apareça uma novidade, algo a ser superado': ela con­ta. ''Alguns ainda não consegmram compre­ender que essa agitação faz parte da nova dinâ­mica da profissão. Às vezes, me perguntam: quando tudo vai voltar

Rosaly: as mudanças devem atingir as cabeças das pessoas

Padronização - A preo­cupação com as teses se explica. Elas estão colocadas entre os do­cumentos mais impor­tantes das bibliotecas universitárias e sua di­gitalização está entre

ao normal? Mas a profissão mudou, e isso não tem volta!'

Número limitado - O importante é que essas mudanças estão ao alcan­ce de todos, pelo menos no Estado. Uma queixa freqüente, de pesqui­sadores de fora do Estado de São Paulo, é a de que muitas vezes são instalados em suas bibliotecas equi­pamentos monousuários, que fun­cionam com CD-ROMs, ou peque­nas redes nas quais os CD-ROMs são instalados ou gravados num computador principal e seus dados ficam disponíveis apenas em um número limitado de micros. Isso, além de obrigar o pesquisador a ir à biblioteca para consultar as infor­mações, cria outro problema: o usuário precisa agendar previa­mente sua visita, para ter certeza de que poderá acessar os dados no momento em que chegar ao local.

Nas reformas feitas em São Pau­lo, o material está disponível inclusi­ve para os alunos de graduação. "O aluno, dentro da universidade, aces­sa tudo o que está disponível", diz a professora Rosaly. Há a firme inten­ção de acostumar o estudante desde o início a fazer pesquisas na Internet, inclusive para seus trabalhos de curso. "Nossa intenção é a de que o aluno se torne um pesquisador': ela diz. Rosaly afirma que, no início, havia uma preo-

PESQUISA FAPESP

cupação com a possibilidade de que os alunos de graduação usassem mal o acesso à Internet e, inclusive, foram tomadas medidas para controlar seus passeios pela rede.

Hoje, essa preocupação pratica­mente desapareceu. ''A conscientiza­ção dos alunos de graduação está muito boa", afirma a professora. "Sentimos que seu trabalho está cada vez mais consciente." Quanto à pós-graduação, nunca houve gran­des problemas. ''A pós-graduação é um dos grandes drenadores de todos os produtos da nova biblioteca", ela diz. "O aluno precisa produzir sua'S monografias e, como futuro pesqui­sador, procura trabalhar de maneira eficiente em suas buscas e pesqui­sas", acrescenta. Quanto aos pesqui­sadores, há alguns que ainda prefe­rem ir à biblioteca para trabalhar. Mas a maioria somou o acesso on­line ao seu dia-a-dia e busca infor­mações dos micros instalados em seus próprios laboratórios.

Entre os projetos para o futuro, está a digitalização das teses dire­tamente na rede. O mestrando ou doutorando iria preparando seu material na rede e, no momento em que sua tese fosse aprovada pela banca examinadora, o texto ficaria imediatamente disponível na Inter­net. As indicações gerais para a rea­lização do trabalho estariam dis-

as prioridades dos no­vos programas, agora que as ne­cessidades mais urgentes foram atendidas. Esse trabalho envolve, também, uma nova filosofia. "Essa noção envolve uma padronização que é uma nova atitude das biblio­tecas", explica Rosaly. Antes, uma revista era apenas um documento a mais, que podia ser consultado. Ho­je, ela se transformou na origem de textos completos, que servem co­mo fontes de informação e são co­locados de maneira independente na rede.

Para chegar a isso, foi necessária uma mudança total nos métodos de trabalho e na cabeça das pessoas. "Passou-se de um mundo mais fe­chado, dentro da unidade, para a visualização de um contexto maior, de padrão internacional", diz Ro­saly. O padrão internacional não é exagero. As reformas das bibliote­cas, arquivos e museus de São Pau­lo estão inspirando não só outras instituições brasileiras, mas também organismos da Argentina, do Uru­guai e da Venezuela. E são aprovadas mesmo nas altas esferas mundiais. O sistema de catalogação adotado pela USP, por exemplo, não é reco­nhecido só no Brasil. Ele é oficial­mente aceito pela própria Bibliote­ca do Congresso de Washington, uma das mais importantes institui­ções da área no mundo.

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Page 86: Remédio de veneno

Preservada a mais antiga biblioteca pública paulista Faculdade de Direito trabalha sem risco de incêndio

Dona Giacomina con­fessa: tinha tanto medo que nem conseguia dor­mir direito. Entre as grandes prateleiras de

ferro e madeira maciça, que guarda-vam livros e documentos preciosos, alguns feitos há vários séculos, cor­riam fios elétricos instalados 70 anos antes, praticamente já sem nenhum isolamento. O risco de um incêndio, que fatalmente destruiria a maior parte do acervo, era constan-te. Não seria o primeiro. Em 1880, o fogo consumiu o an-tigo prédio do convento de São Francisco, onde funcio­nava a faculdade. A biblioteca escapou por pouco.

Dona Giacomina Faldini é diretora da biblioteca da Fa­culdade de Direito da Univer­sidade de São Paulo (USP), que funciona no largo de São Francisco, no centro de São Paulo. Trata-se da mais antiga biblioteca pública da capital

pilhavam pelos cantos. Cerca de 6.500 obras classificadas como raras, mui­to preciosas, não tinham nenhum cuidado especial de preservação.

Barulho do trânsito - Na parte reser­vada ao público, na sala de leitura da biblioteca central, a situação não era

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do Estado. Sob sua guarda e Obras raras: antes empilhadas, de sua equipe estão 320 mil agora guardadas em salas com ar .. . itens, alguns do século 16. Desde sua construção, na dé-cada de 1930, o prédio erguido no mesmo local em que estava o antigo convento destruído pelo fogo, onde funciona o Serviço de Biblioteca e Documentação da Faculdade de Di­reito, nunca passara por uma reforma.

O perigo de incêndio era apenas um aspecto da questão. Nos bastidores da biblioteca, os locais onde normal­mente entram apenas os funcionários, o cenário era trágico. A iluminação era precária, as estantes estavam abarro­tadas, livros, jornais e revistas se em-

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muito melhor. Não havia espaço pa­ra os usuários, o barulho do trânsito intenso do largo de São Francisco dominava tudo. Os freqüentadores queixavam-se da falta de computa­dores para pesquisas. Nas dez biblio­tecas departamentais, espalhadas pelos segundo e terceiro andares do prédio, a situação era semelhante.

Se alguém quisesse um livro que estivesse no alto das imensas estantes que cobriam todas as paredes, era pre­ciso arrastar uma pesada escada de

aço, com mais de quatro metros de altura, e subir, sem nenhuma segu­rança. Na biblioteca circulante, que funcionava em duas salas no andar térreo, não era raro que usuários e funcionários, carregando pilhas de livros, escorregassem em escadas es­treitas e íngremes.

BARTOLVS A SAXO FERRATO

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... condicionado e acesso restrito a visitantes com autorização especial

Não é de admirar o alívio com que Giacomina e os outros funcio­nários da biblioteca receberam o apoio e financiamento da FAPESP. Desde 1996, um investimento de R$ 800 mil da Fundação contribuiu para salvar um tesouro de valor in­calculável. A primeira medida a ser tomada foi uma reforma completa nas instalações elétricas. Mas o tra­balho não ficou nisso. Vieram outras reformas nas instalações, a higieni­zação e reorganização do acervo, a

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Page 87: Remédio de veneno

restauração de obras raras e a informatiza­ção dos serviços.

Chapelaria - Apesar de tudo isso, a reforma não tirou o caráter do que é um dos pontos mais tra­dicionais de São Paulo. Por exemplo, todas as mesas compradas para a ampliação dos lugares dos usuários foram fei­tas sob encomenda, no mesmo estilo das já existentes. A velha cha-pelaria foi mantida na entrada da sala de leitura da bibliote­ca central. O salão mantém a impo­nência dos tempos em que a faculda­de do largo de São Francisco já era um dos grandes centros culturais e intelectuais do país. O pé-direito tem quase 5 metros de altura. A luz que entra pelas grandes janelas envidra­çadas bate na madeira escura de me­sas e estantes.

Um velho carrinho sobre trilhos e o elevador usado para transportar os livros do depósito para o salão ainda funcionam. O ambiente é tradicio­nal, mas os equipamentos de infor­mática, colocados num dos cantos do salão, mostram que as coisas es­tão mudando. Perto de compêndios jurídicos editados em séculos passa­dos, os computadores dão acesso a informa­ções de bancos de da­dos brasileiros e es­trangeiros, como Web of Science, Probe, Scie­lo e outras bibliotecas virtuais.

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interna dá acesso a bancos de dados da própria Faculdade de Direito, fa­cilitando consultas a teses e artigos de periódicos e tornando mais fácil a busca a referências bibliográficas.

Primeiro dia - A biblioteca ganhou uma home page. Por meio dela, uma pessoa de qualquer parte do mundo pode consultar o acervo e fazer pedi­dos por telefone, fax ou e-mail. A su­pervisora do Serviço de Atendimento ao Usuário, Maria Lúcia Beffa, diz que ficou espantada com o aumento do número de pesquisas. Logo no pri­meiro dia em que o si te entrou no ar, chegaram dez pedidos por e-mail.

As bibliotecas departamentais foram agrupadas em seis salas num

Dos 25 microcom­putadores comprados para a informatização dos sistemas, 13 ficaram para os usuários. Com eles, fazem-se consultas a revistas e publicações jurídicas em CD-ROM e são feitas conexões pela Internet a sites es­pecializados. Uma rede

Revista de estudantes: muitas obras do século passado

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Poema de Anchieta: acervo pode ser consultado de qualquer parte do mundo

corredor do segundo andar. A entrada é pro­tegida por um portão eletrônico. As salas ga­nharam novas mesas e

::: cadeiras, aumentando ~ ;;: o número de lugares ~ disponíveis para os ~ ~ usuários, além de com-§ - putadores e impresso-

ras. Não menos impor-tantes são as escadas

mais leves e seguras, destinadas a facilitar o acesso às prateleiras mais altas. Com o ar-condicionado, ins­talado em todas as salas, as ,janelas ficam fechadas, diminuindo o ba­rulho da rua.

Obras raras - No segundo andar, está outro resultado dos investimentos da FAPESP: duas salas foram completa­mente reformadas e agora servem para abrigar obras raras e jornais an­tigos. A reforma incluiu a instalação de ar-condicionado e de estantes deslizantes. Lá estão, por exemplo, 6.500 volumes de obras editadas en­tre os séculos 16 e 18. O acesso, po­rém, é restrito. Para consultar essas obras, só com autorização especial e

na presença de um bi­bliotecário.

A criação das novas salas ajudou a desafo­gar o grande depósito central, que agora tem uma organização bem melhor e já pode acei­tar o crescimento do acervo, de 320 mil itens atualmente. Parte do acervo já foi submetido a um tratamento de limpeza e preservação. Além disso, foram res­taurados 231 volumes dos séculos 16 e 17. Al­gumas dessas obras par-ticiparam, no ano pas-

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Page 88: Remédio de veneno

Novas instalações: tradição de uma faculdade que formou sete presidentes da República

Mas é nos periódicos acadêmicos, os jornais e revistas editados por alu­nos da própria faculdade, que parece existir o maior potencial para novas pes­quisas. Durante muito tempo, a faculdade do lar­go de São Francisco ofere­cia um dos únicos dois cursos de Direito existen­tes no Brasil- o outro fun­cionava em Olinda, em Pernambuco. Pessoas de todo o país vinham a São Paulo em busca de um tí­tulo que era uma escada firme para os mais altos postos no governo central, no Império e nos primei­ros anos da República.

Não é exagero. No pri-

sado, de exposições relativas aos SOO anos do Descobrimento do Brasil.

A obra mais antiga da biblioteca é uma edição italiana de 1520 da Divi­na Comédia, de Dante Alighieri. Os lugares seguintes são ocupados por obras de caráter jurídico. As Anotações sobre os 20 Livros das Pandectas, um trabalho de Guillaume Budé que tra­ta da legislação do Império Romano, é de 1534. Há ainda o Compêndio do Direito Processual, de Andrea Alciato, de 1537. Só existem mais dois exem­plares desse livro no mundo. Um está em Paris, o outro, em Berlim.

Em português, a obra mais antiga é um exemplar de outro livro jurídico, as Ordenações Manuelinas, de 1539. Há também relíquias religiosas, como uma Bí­blia de 1584, impressa em hebraico, e um curioso re­lato das riquezas do Brasil endereçado à Corte Portu­guesa, o Cultura e Opulência do Brasil, escrito pelo padre João André Antonil e edi­tado em Lisboa em 1711.

Por exemplo, ainda não começaram os trabalhos de preservação e restau­ração de mais de 700 livros do sécu­lo 17. Há ainda a preciosa coleção de jornais e periódicos acadêmicos an­tigos. A biblioteca tem coleções com­pletas de jornais antigos de São Paulo, como o Farol Paulistano, o primeiro jornal impresso em prelo de madei­ra da cidade, e o Observador Consti­tucional, criado por Líbero Badaró. Não faltam também coleções de jor-· nais mais modernos, como o Correio Paulistano, O Commercio e O Estado de S. Paulo.

Século 17 - Muito, ainda, porém, está por ser feito. A diretora Giacomina: medo dos fios desencapados

lO

meiro governo republica­no, nada menos de cinco ministros, entre os quais Ruy Barbosa, eram formados no largo de São Francisco. Também passaram pelos seus ban­cos sete presidentes da República: Prudente de Moraes, Campos Salles, Afonso Pena, Rodrigues Alves, Del­fim Moreira, Wenceslau Brás, Artur Bernardes, Washington Luiz e Jânio Quadros. A eles se somam 12 gover­nadores do Estado de São Paulo.

Folheando os periódicos acadêmi­cos, não é difícil encontrar artigos assinados por políticos famosos ou literatos, como Castro Alves, Álvares

de Azevedo, Fagundes Va­rella e José de Alencar. O curso de Direito podia ser sisudo e austero. Mas o di­retório dos estudantes, o Centro Acadêmico XI de Agosto, era um centro de efervescência cultural. Pro­vavelmente, muitas obras ainda desconhecidas de grandes escritores e pensa­dores estão nesses periódi­cos (o uso de pseudónimos era comum no século 19). Preservá-los, diz Giacomi­na, é o próximo passo da revitalização da biblioteca.

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Boa parte dos re­cursos do Pro­grama de In­fra-Estrutura da FAPESP está in­

do para a restauração de obras raras e outras peças importantes para a memó­ria do Estado e do país, como fotografias antigas. Não sem motivo. Esse pa­trimônio, muito rico em São Paulo, estava seria­mente ameaçado. O pro­blema não se encontrava apenas na ação do tempo. Faltavam políticas adequa­das de preservação.

Não era difícil encon­trar livros com mais de 300 anos empilhados de qualquer maneira, cober­tos de poeira e sujeitos à ação de insetos e fungos. As marcas do descaso eram claras. As obras tinham capas soltas, costuras des­feitas, folhas ressecadas e quebradiças. Fotografias tinham marcas profundas, perdiam a nitidez e fica­vam amarelecidas.

"A tarefa de restauro não é simples': diz a espe­cialista Lucy Aparecida Luccas, que participou de vários projetos patrocina­dos pela FAPESP, inclusive o da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). "Exige pes­soal especializado, material quase sempre importado e o trabalho é demorado", acrescenta.

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Contra os efeitos do tempo e o descaso com obras raras

Restaurar um livro antigo é caro e demorado

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Livro raro: restauração pode custar R$ 4 mil

documentos: é preciso ter ordem na casa

Ordem na casa- É também um tra­balho caro. Restaurar um livro anti­go custa, em média, R$ 4 mil, depen­dendo do tamanho e do estado de conservação. Assim, só vale a pena se o material for mesmo raro e impor­tante. Além disso, é um trabalho que só pode ser feito depois de se colocar ordem na casa. Se o livro restaurado não for guardado de forma adequa­da, o serviço é perdido.

Ao contrário do que parece, é bom que o livro seja constantemen­te manuseado. O virar das páginas oxigena o material, impede a acu­mulação de microrganismos que atacam o papel e colabora para que as folhas não fiquem ressecadas e que-

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bradiças. Um conselho prático: fo­lheie rapidamente o livro sempre que for colocá-lo de volta na prateleira.

Há mais. Um tratamento anual contra insetos, por exemplo, é muito importante. Além disso, como isso faz com que os livros sejam pegos um por um, serve como uma revisão geral do seu estado de conservação.

Empurrar e puxar - Lucy dá outros conselhos. Não usar clipes como marcadores de páginas é um deles, pois o processo de oxidação do me­tal mancha e estraga o papel. Quan­do tirar um livro da prateleira, não o puxe pela parte superior da lomba­da, pois isso danifica a encaderna­ção. O certo é empurrar os volumes

Obras: registres do crescimento do Estado

dos dois lados e puxar o volume de­sejado pelo meio da lombada.

"O problema mais comum é a perda de papel, provocada pela ação de insetos e mesmo pela mão do ho­mem': diz a restauradora. Antiga­mente, era hábito comum guilhoti­nar as margens de páginas de livros e fotografias, especialmente na parte de cima. Com isso, perderam-se da­dos importantes, como números de página e mesmo títulos.

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Política: boa parte da memória do país está nos arquivos de São Paulo

Os restauradores tentam apro­veitar ao máximo o material origi­nal. Mas nem sempre isso é possível. "Até hoje, nunca encontrei um livro antigo com a capa original", diz Lucy. O caminho dos restauradores é refazer a encadernação, seguindo os padrões da época em que o livro foi impresso.

Caixas especiais - O normal é dar ao livro uma capa nova, de pergami­nho, com cordões amarrados, para protegê-los do calor. Os livros mais· raros ficam em caixas especiais, fei­tas de um papelão especial, de pH neutro. Vários materiais são usados. Para os livros impressos até o fim do século 18, é preciso buscar o papel usado na época, à base de linho.

pedido do Sistema Integrado de Bi­bliotecas da USP, precisou viajar para a Itália a fim de especializar-se no assunto.

"É uma tarefa cansativa, mas muito delicada", ela diz. Na Faculda­de de Direito, tratou livros que não desciam das prateleiras há mais de 200 anos. As páginas estavam cola­das e foi preciso separá-las uma a uma. Havia muitos tipos de sujeira, de pó a fezes de pombo. "É preciso muito cuidado para não danificar ainda mais essas obras", afirma. "Mas, no final, o trabalho é recom­pensado. Parece que o livro olha para nós e agradece:'

A restauração de li­vros e outros documen­tos antigos é prática re­lativamente recente no Brasil. Seu desenvolvi­mento coincidiu com o início dos investimen­tos da FAPESP. Há cin­co anos, afirma Lucy, quando aceitou a in­cumbência de restaurar os primeiros livros, a

Trabalho de restauração: papéis especiais

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Page 91: Remédio de veneno

F oi preciso muito trabalho e muito dinheiro. Só a FAPESP investiu R$ 1,4 milhão e

US$ 26,2 mil. Mas, depois de cinco anos de reformas e informatização, as oito bibliotecas que compõem o complexo da Escola Poli­técnica da Universidade de São Paulo (USP) ganharam vida nova e elogios cons­tantes de funcionários e usuários. "É o melhor espa­ço da escola para o estudo, individual ou em grupo", diz um aluno. "A biblioteca não é mais aquele monstro assustador': acrescenta uma aluna. Antes da reforma, ela entrara apenas três ve­zes no local. Agora, é visi­tante constante.

"Foi uma transforma­ção total", afirma a direto­ra técnica Maria Cristina Olaio Villela, informando que a freqüência subiu de 300 mil alunos em 1996 para 458 mil em 1999, um aumento de 35%. Maria Cristina ocupa o cargo apenas há cerca de um ano, mas é funcionária desde 1989. Quando en­trou para a Politécnica, o serviço de bibliotecas ti­nha passado por uma rees­truturação, coordenada pe­la antiga diretora, Maria Alice Fernandes Carrera. Por ela, a biblioteca central manteve o acervo básico para os dois primeiros

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Recursos para melhorar a pesquisa em todo o Estado Novos tempos nas universidades públicas

Maria Cristina: transformação total

Engenharia Mecânica: fim da idéia do monstro assustador

anos e as obras mais antigas. O res­tante foi distribuído por sete biblio­tecas setoriais, que atendem aos 15 departamentos da escola.

Em todas elas, o panorama era o mesmo: móveis muito antigos, espa­ços mal distribuídos, organização deficiente do acervo, equipamentos em falta. "Felizmente, recebemos da FAPESP todo o apoio necessário para reverter essa situação", diz Ma­ria Cristina. Houve bibliotecas, co­mo a de Engenharia Mecânica, Na­val e Oceânica e a de Engenharia Elétrica, em que toda a antiga estru-

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Page 92: Remédio de veneno

tura foi substituída. As ins­talações foram reformadas do teta ao piso. Ganharam móveis novos, computa­dores, ar-condicionado, portões eletrônicos e nova sinalização.

Saletas - Um dos pontos fortes da reforma é o me­lhor aproveitamento dos espaços. A biblioteca de Engenharia Mecânica, por exemplo, ganhou quase 500 metros quadrados com o aproveitamento de um porão que servia ape­nas como depósito de mó­veis quebrados. Foram cri­ados ambientes para tipos de atividades diversas, como pesquisas on-line, salas de vídeo e locais para pequenas palestras. Várias

Novas instalações: trabalhos que duravam um mês são feitos hoje em três dias

saletas foram dedicadas a trabalhos em grupo. Isso solucionou o problema do barulho, que prejudi­cava a concentração, e aumentou a liberdade para a troca de informa­ções e discussões em grupo.

Formada na década de 1960, Ma­ria Cristina diz que assistiu a uma revolução nos serviços de biblioteca. "Quase tudo o que aprendi está hoje ultrapassado", afirma. Os novos mé­todos de trabalho chegaram a assustar alguns funcionários. Uma funcioná­ria, responsável pelo serviço de troca de documentos entre bibliotecas, entrou em pânico quando os formu­lários preenchidos manualmente e enviados pelo correio foram substi­tuídos por um processo informati­zado. "Ela ficou desesperada, achan­do que não iria conseguir", lembra Maria Alice. Mas, afinal, conseguiu.

A biblioteca da Poli foi pioneira em vários métodos, inclusive o ser­viço Comut-on-line. Seu sucesso chamou a atenção de outras biblio­tecas da USP e serviu de modelo ao programa de informatização desen­volvido pelo Serviço Integrado de Bibliotecas (SIBi). O programa ba­seia-se no uso do softwareAriel, com

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o qual artigos e capítulos de livros são copiados por um scanner e converti­dos em arquivos. Podem, assim, ser transmitidos por correio eletrônico. Um processo que antes levava um mês dura hoje no máximo três dias.

Fundações - É mais um exemplo de pioneirismo na história da Poli, fun­dada em agosto de 1893. Ela foi a · terceira faculdade de engenharia do país, precedida apenas pela Politéc­nica do Rio de Janeiro, de 1810, e pela Escola de Minas de Ouro Preto, de 1875. Seus professores e alunos são responsáveis por muitas obras im­portantes da cidade de São Paulo. A Poli ajudou a verticalizar São Paulo de diversas maneiras. Foi em seus labo­ratórios que se solucionaram proble­mas de fundações surgidos durante a construção do edifício Martinelli, entre 1925 e 1930, por exemplo.

Durante esses anos, a escola acu­mulou um grande acervo, com li­vros, periódicos, mapas, plantas e fo­tografias antigas. Nem todos estão disponíveis. Cerca de 23 mil volu­mes antigos não podem sequer ser manuseados. Estão cobertos de po-

eira e muitos se esfacelando. Maria Cristina tenta conseguir, agora, ver­bas para higienizar esse acervo, de maneira que ele possa ser examina­do. Assim, serão identificadas as obras mais indicadas para a restau­ração. Será solucionado também ou­tro problema. Esse material provoca tosses e espirros constantes em quem trabalha no depósito de livros da biblioteca central.

Unicamp - Não foram só as grandes escolas da capital que tiveram pro­blemas para adequar as reformas a um grande número de bibliotecas. Na Universidade Estadual de Cam­pinas (Unicamp ), por exemplo, o movimento atingiu 19 bibliotecas, 17 das quais situadas em Campinas, uma em Piracicaba e outra em Li­meira. Todas elas foram beneficia­das, em maior ou menor grau. Junto com as reformas, foi criada a infra­estrutura para o desenvolvimento de um plano de automação, que cobriu desde a adaptação da rede elétrica para suportar a demanda maior de energia à instalação dos cabos para os sistemas de comunicação.

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Biblioteca da Unicamp: acervo de 500 mil livros cresce 10% ao ano

"Saímos da Idade Média para en­trar na Modernidade': declara a co­ordenadora do sistema de bibliote­cas da Unicamp, Maria Alice Rebello Nascimento. O número de micro­computadores saltou de 139 para 420. Um impacto enorme teve a aquisição de um software de última geração para o gerenciamento de bi­bliotecas. Com ele, todas as bibliote­cas foram interligadas. Serviços que eram feitos em sistemas independentes foram integra­dos na nova plataforma. "Eli­minamos muitas etapas de trabalho desnecessárias", des­taca Maria Alice.

significa 50 mil livros a mais num período de 12 meses.

Área física - O que quase sempre acontece é que, com isso, o acervo vai invadindo as áreas destinadas aos usuários e diminui o espaço para as consultas. Na Unicamp, ocorreu o contrário. Com o melhor aproveita­mento dos espaços e a adaptação d'e

Não foi só isso. As bibliote­cas ganharam móveis mais adequados. Foi solucionado também, pelo menos tempo­rariamente, o crônico proble­ma da falta de espaço. "Trata­se de um problema muito comum", afirma Maria Alice, "pois, afinal de contas, as bi­bliotecas crescem". O acervo da Unicamp aumenta, em média, 10% ao ano. Para quem tem SOO mil livros, isso

Maria Alice: saindo da Idade Média

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um anexo de 1.000 metros quadrados no Instituto de Filosofia e Ciências Huma­nas, a área física das biblio­tecas cresceu de 19.308 para 21.488 metros quadrados. Um passo importante foi a adoção de estantes desli­zantes, para a guarda de coleções especiais e obras raras. De acordo com Ma­ria Alice, esse tipo de es­tante não pode ser usado para obras de grande cir­culação ou de livre acesso. Mas seu emprego, mesmo em áreas especiais, ajuda a ganhar espaço e conserva melhor o material.

Quanto às obras raras, elas agora estão mais bem tratadas, graças a uma lei­tora-copiadora, com a qual os documentos po­dem ser copiados em mi­

crofilme ou em papel. Com isso, re­duz-se sensivelmente o manuseio dos originais. O novo sistema de ar­condicionado ajuda a preservar es­sas obras, muitas das quais vindas de coleções recebidas de intelectuais fa­lecidos, como os historiadores Sér­gio Buarque de Hollanda e Peter Isenberg. O trabalho deve aumentar com a criação de um laboratório de encadernação, restauro e higieniza­ção na própria universidade. Isso significará uma grande economia, já que esses trabalhos são hoje contra­tados a terceiros.

Uma das preocupações de Maria Alice é completar a digitalização do catálogo, pois cerca de metade das obras ainda não está disponível em meios eletrônicos. Outra é um up­grade no sistema de gerenciamento, instalado há quatro anos. Mas, en­quanto isso, medidas aparentemente pequenas, mas de grande impacto, já estão em curso. Para este ano, está prevista a adequação das bibliotecas aos portadores de deficiências físi­cas, o que inclui desde a construção de rampas para cadeiras de rodas à aquisição de equipamentos de infor-

IS

Page 94: Remédio de veneno

Com sua ampla base geográfica, a Unesp tinha problemas próprios. Na biblioteca de Ilha Solteira, por exemplo, com clima tropical úmido, o calor que chega freqüentemente a 41 graus fazia com que usuá­rios e funcionários manti­vessem as janelas abertas, facilitando a entrada de poeira, fungos e isentos. "A climatização do local solu­cionou o problema", afir­ma Mariângela. A tempe­ratura agora é mantida em 20 graus e a umidade do ar em 50%, o que é conside­rado ideal para a conserva­ção do acervo.

Acervo resguardado: temperatura e umidade do ar ideais para a conservação das obras

De qualquer maneira, os planos futuros das bibli­otecas da Unesp incluem um aperto na segurança.

mática destinados a deficientes vi­suais. "Muitas vezes, essas pessoas chegam a interromper seus cursos diante das dificuldades que encon­tram", afirma Maria Alice.

Unesp - Em matéria de número de bibliotecas, porém, é difícil que tantas tenham sido beneficiadas como as que fazem parte do sistema da Uni­versidade Estadual Paulista (Unesp ). A verba de R$ 12,3 milhões investida pela FAPESP contribuiu para mudar a paisagem em nada me­nos de 23 bibliotecas, três na capital e o restante em outras cidades do Estado. "O aspecto geral era de abandono", diz, lembran­do o período anterior, a coordenadora de bibliote­cas da Unesp, Mariângela Spotti Lopes Fujita. Hoje, ela afirma, os visitantes fi­cam impressionados com a estrutura existente. "Prin­cipalmente os pesquisado­res estrangeiros': destaca.

verbas recebidas da FAPESP foi a ins­talação de um sistema de pesquisa in­formatizado, comparável aos melhores do mundo. "Decididamente, o espaço da biblioteca é multidisciplinar e mul­timídia': diz Mariângela. O número de consultas, que podem ser feitas a dis­tância por todos os alunos e profes­sores da universidade, aumentou bas­tante. "Eles são atraídos pelo conforto · e pelos equipamentos muito rápidos': ela destaca. "Não encontram esses recursos em nenhum outro lugar."

"O furto de livros era uma prática que se tornava cada vez mais freqüente", lembra Mariângela. A instalação de portões eletrônicos e a magnetização do acervo parecem ter solucionado esse problema. A uni­versidade quer, agora, espalhar câ­meras de TV pela biblioteca, para di­minuir os casos de pessoas que rabiscam livros ou arrancam pági­nas e fotografias.

"Isso é fruto de uma cultura que infelizmente ainda não aprendeu a respeitar os livros como parte do pa­

trimônio cultural da huma-

Não é para menos. Um dos trabalhos feitos com as Mariângela: medidas contra livros rasgados e rabiscados

nidade': lamenta Mariân­gela. Mas, enquanto isso, a Unesp se preocupa em aju­dar os usuários a aproveitar bem seu acervo, promo­vendo cursos para ensiná­los a usar da melhor manei­ra os programas de busca. "A intenção da biblioteca é facilitar ao máximo o de­senvolvimento científico", afirma. "Para isso, ela pre­cisa dar aos pesquisadores condições de obter o má­ximo de informação com o mínimo de esforço."

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Não são só as institui­ções públicas que re­cebem o apoio do Programa de Infra­Estrutura da FAPESP.

Muitas universidades e outros orga-nismos particulares estão receben­do investimentos para ampliar e melhorar seus serviços. Um dos maiores investimentos feitos pela Fundação na área das bibliotecas -cerca de R$ 1,8 milhão - foi para a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. A verba per­mitiu que fossem totalmente refor­mados, mobiliados e equipados os 4.350 metros quadrados da biblio­teca e do Centro de Documentação e Informação Científica (Cedic) na rua Monte Alegre, no bairro de Per­dizes, na capital.

"Para acompanhar o desenvolvi­mento tecnológico, foi necessário um grande investimento em refor­mas físicas", explica a bibliotecária­chefe, Ana Maria Rapassi, para ex­plicar por que só agora, com verbas da FAPESP, está em curso a infor­matização da biblioteca. A primeira fase da reforma, terminada em se­tembro de 1999, já serviu para tor­nar mais confortáveis, seguras e efi­cientes as instalações. Foi criada, também, uma infra-estrutura tec­nológica que vai permitir a implan­tação de sistemas mais modernos de suporte à pesquisa, como o aces­so a bases de dados científicos e pe­riódicos eletrônicos.

O primeiro obstáculo estava na rede elétrica precária. O sistema era tão ruim que não tinha condições de suportar um número razoável de computadores. Por isso, só parte dos serviços administrativos estava in-

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Investimento em instalações mais seguras e eficientes

PUC prepara a base para passos mais amplos

formatizada. Uma parte do acervo estava catalogada por meios eletrô­nicos, mas, como não havia meios para instalar um sistema de rede, as consultas ficavam limitadas ao espa­ço da biblioteca. Havia outros pro­blemas sérios. As instalações hidráu­licas, por exemplo, também estavam muito ruins. E o forte calor no inte­rior do prédio exigia um sistema de ar-condicionado, para que os equi-

ça e preservação. Entre essas precio­sidades está uma primeira edição de Os Sermões, do padre Antônio Vieira, de 1679.

O Cedic, atormentado pela falta de espaço, foi deslocado do térreo para o subsolo. Com isso, a bibliote­ca ganhou uma grande área livre na entrada, onde foi montado um pe­queno auditório para exposições e lançamentos de livros. O auditório,

Ana Maria: preparada para instalar sistemas mais modernos de apoio à pesquisa

pamentos não fossem danificados pelas altas temperaturas.

Pri meira edição - Com os primeiros trabalhos, já foi possível unificar o acervo, que estava dividido em duas bibliotecas. "As duas já estavam com seus espaços saturados", conta Ana Maria. Também foi possível reunir o acervo de obras antigas e raras numa sala especial. Restringir o acesso a essas obras era um passo essencial para garantir sua seguran-

chamado Centro Cultural Monte Alegre, é um sucesso. Tem sempre agenda lotada para os seis meses se­guintes. Quanto ao Cedic, tem agora 300 metros quadrados, em vez dos 100 metros anteriores. A ampliação do espaço permitiu a instalação de um laboratório de microfilmagem e outras instalações, como um labora­tório de áudio que permite a repro­dução de gravações com qualidade digital. Nada que lembre as antigas e apertadas instalações.

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O nde, no Brasil, é possí­vel encontrar um exem­plar da raríssima obra Metamorphosis des In­sectes, editada na Fran­

ça em 1705? Trata-se de um trabalho sobre a fauna do Suriname, ilustra­do com muitas aquarelas, de tanto valor que é considerado patrimônio

da humanidade pela Unesco. Uma cópia está no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), ao lado de preciosidades como obras de Georges Cuvier (1769-1832), considerado o pai da paleontologia, todas elas ilustradas à mão. Com a ajuda da FAPESP, o museu, instalado num antigo edifício do bairro do Ipiranga, em São Paulo, está recupe­rando suas instalações e cumprindo com cada vez maior vigor sua fun­ção de ser um dos principais centros mundiais de ensino e pesquisa da fauna da região neotropical, que in-

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A renovação de um centro de referência em zoologia

Obras dão sobrevida a prédio do museu no Ipiranga

clui o Brasil e outras partes das Américas do Sul e Central.

''A verba da FAPESP serviu até para reformar as instalações do museu, todas em péssimo estado e algumas mesmo sem condições de uso", afirma o diretor, Miguel Tre­faut Rodrigues. Trata-se de um enorme avanço com relação ao es-

tecer quando o museu mudar-se para um novo prédio, já em proje­to, no próprio campus da USP. Mas não há dúvidas de que as condiçõ­es melhoraram bastante. Por en­quanto, o museu vai enfrentando uma situação peculiar: seu próprio sucesso como instituição de ensino e de pesquisa está aumentando em

Coleções: um dos maiores centros· de pesquisas sobre a zoologia neotropical do mundo

tado anterior das instalações que abrigam o museu desde sua funda­ção, em 1939, quando pertencia à Secretaria da Agricultura, e que continuaram após sua transferên­cia para a USP, em 1969. Há alguns anos, até a biblioteca fora obrigada a mudar de lugar, pois a estrutura da parte do prédio onde ela funcio­nava começou a ceder e a situação das instalações elétricas e hidráuli­cas eram precárias.

Os problemas não estão todos resolvidos e, de acordo com o pro­fessor Rodrigues, isso só vai acon-

escala acelerada suas coleções. Isso faz com que o espaço dedicado às coleções avance cada vez mais so­bre o reservado às exposições pú­blicas. ''A exposição tinha original­mente 1.500 metros quadrados e foi reduzida a cerca de 700 metros quadrados", admite o professor Ro­drigues. A solução, segundo ele, só virá quando for inaugurado o novo prédio.

Degeneração - "O museu vem apre­sentando uma produção científica cada vez mais intensiva': explica o

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diretor. "Os pesquisadores estão co­letando mais e temos que armazenar esse material, diante da degeneração dos hábitats dos animais, tanto no Estado de São Paulo como no resto do Brasil", acrescenta. Exemplos não faltam. A coleção do museu inclui vários exemplares da borboleta Mor­pho menelaus, de cor azul, apanha­dos em Cubatão em 1966. Não se tratava de uma espécie rara. Podia, na época, ser encontrada em regiões de mata de todo o Brasil. Hoje, su­miu de São Paulo. Só existe na Ama­zônia. Espécies típicas da Mata Atlântica, como o mutum Mitu mitu, uma ave aparentada com as gali­nhas, não existem mais na natureza. Só é encontrada em cativeiro. E, com

incomparáveis a quaisquer outras no mundo e indispensáveis para fa­zer qualquer tipo de trabalho nas áreas de ecologia, evolução e siste­mática no Brasil e para resolver pro­blemas sobre grandes grupos em âmbito mundial", afirma o diretor.

Recursos humanos - Além do mate­rial recolhido por pesquisadores e es­tudantes de pós-graduação da USP, o museu também recebe animais co­letados por pesquisadores de outras instituições brasileiras, material de permuta e doações, além de com­prar coleções de particulares, quan­do surge uma boa oportunidade. "Este museu sempre teve um caráter de museu científico, com coleções

Mamíferos e insetos: borboletas encontradas com

facilidade em Cubatão hoje só sobrevivem na Amazônia

a progressiva destruição de seus há­bitats naturais, dificilmente poderá voltar a desenvolver-se nas matas.

Isso torna o Museu de Zoologia um centro muito importante de pes­quisas, não só para zoólogos, mas também para ecólogos e profissio­nais de outras áreas. Seu acervo, hoje com 7 milhões de exemplares, é o maior da região neotropical. Sua co­leção de insetos neotropicais é a maior do mundo. O mesmo aconte­ce com as de aves, répteis e anfíbios. Só a de mamíferos está em segundo lugar. "São coleções absolutamente

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científicas", explica Rodrigues. "Seu impacto na formação de recursos humanos qualificados, na pós-gra­duação do Brasil, vem sendo muito grande. Todos os grandes zoólogos brasileiros tiveram treinamento cien­tífico neste museu."

Quando houve o problema com a parte do prédio onde funcionava a biblioteca, aproveitou-se para mu­dar algumas coisas. O solo foi nivela­do e no local construiu-se um meza­nino, onde foram abrigadas mais coleções. A construção foi feita com verba da USP, mas o ar-condiciona-

do foi instalado com um investi­mento da FAPESP. Quanto à biblio­teca, continua a ser a maior e mais completa do gênero no Brasil, com 89.573 volumes e com séries com­pletas das revistas de zoologia mais usadas nos trabalhos· de pesquisa.

O fato de a biblioteca ser tão completa tem uma explicação. O museu edita anualmente duas revis­tas especializadas, Papéis Avulsos de Zoologia e Arquivos de Zoologia. Como há interesse nessas obras por parte de outras instituições, isso ren­de para o museu cerca de 700 acor­dos de permuta e significa, nos cál­culos de Rodrigues, uma economia de cerca de R$ 200 mil por ano em assinaturas para a USP. Em compen-

sação, o espaço reservado às revistas cresce, em média, entre 20 e 25 cen­tímetros por dia.

Deslizantes - As verbas da FAPESP foram empregadas, em grande par­te, na compactação das coleções, a começar pela de invertebrados. Com a compactação, o acervo é co­locado em armários deslizantes, o que significa uma enorme econo­mia de espaço. ''A compactação de várias coleções nos deu um hori­zonte de crescimento de mais qua­tro anos", diz Rodrigues. "Sem isso,

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teríamos sido obrigados a fechar completamente a seção de visita­ção!' A reforma das instalações elé­tricas permitiu a aquisição de um microscópio eletrônico de varredu­ra, também com o apoio da FAPESP. Com ele, o museu tem um dos la­boratórios de microscopia eletrôni­ca mais modernos da USP.

Parte dos animais é conservada a seco, parte em álcool. Cada qual tem

Armários deslizantes e o professor Rodrigues: cada animal tem

um tipo de conservação diferente

um método específico. Os morce­gos, por exemplo, devem ser con­servados em álcool. Se forem con­servados a seco, ficam com o pêlo ressecado, prejudicando a aparência. Rodrigues explica que essas coleções têm uma importância enorme para diversos tipos de estudo, como os que procuram determinar a evolu­ção das espécies.

Se um pesquisador quiser acom­panhar a evolução dos sagüis, por exemplo, encontrará no museu exemplares de diversas regiões, co­mo Mata Amazônica, Mata Atlânti­ca, Cerrados, Caatinga e Mata de Araucária. Comparando caracterís­ticas como a cor do pêlo, o tipo do

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pêlo, sua distribuição ao longo do corpo, dentes, ossos, crânio e carac­terísticas da anatomia interna e da biologia molecular, será possível res­ponder a diversas perguntas sobre o animal e sua ecologia.

Relação - "O sistemata, o pesquisa­dor que trabalha no museu, parte de características, morfológicas, ecoló­gicas ou moleculares, para sistemati-

zar o conhecimento e responder a questões como quantas espécies existem num grupo e qual sua rela­ção de parentesco': comenta Rodri­gues. "Só quando essas perguntas são respondidas é possível seguir adiante e fazer indagações e procu­rar explicar fatos sobre por que um animal é arborícola ou não, ou se vive em terra ou na água."

Por enquanto, a visitação pública está suspensa, em conseqüência de

outro problema grave. O telhado esta­va danificado, houve uma infiltração de água da chuva e placas de estuque começaram a cair sobre os armários do acervo. O telhado e boa parte do forro foram trocados, com verba da USP, em paralelo aos projetas de in­fra-estrutura financiados pela FA­PESP. Mas o perigo de que uma placa de estuque caísse sobre um visitante levou à interdição. O museu preten­de reabrir as portas em meados do ano, com novas instalações, como catracas e melhor iluminação.

De qualquer maneira, o que está exposto representa menos de um milésimo das coleções do museu. As coleções têm ênfase na fauna brasi­leira, mas incluem animais de várias partes do mundo. O acervo do mu­seu é considerado um dos mais completos da zoologia mundial. Mas é devido ao paciente trabalho de coleta realizado nas últimas déca­das que muita coisa se sabe sobre a fauna brasileira e, especialmente, da Mata Atlântica. O que não livra os pesquisadores de algumas surpresas.

Julgava-se antes que o mu­tum desaparecido da Mata Atlântica era o mesmo en­contrado na Amazônia. Não mais. Agora, sabe-se que o mutum amazônico é uma espécie diferente.

Enquanto houver devas­tação, o papel do museu continuará a crescer. Outra espécie de ave que só existe em cativeiro é a ararinha­azul ( Cyanopsita spixii). O último espécime solto na natureza estava sendo mo­

nitorado por biólogos, no norte da Bahia. Mas desapareceu no ano pas­sado. Outros animais, mesmo de gran­de porte, correm perigo. O exemplar existente no museu do macaco-da­noite (Patos flavus), também conhe­cido como jupará, foi recolhido num pequeno trecho de Mata Atlântica no Estado de Alagoas. Hoje, essa região está completamente devastada. Não se sabe quando será possível dispor de outro macaco-da-noite para estudos.

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Estação de Boracéia: biólogos trabalham para preservar e para conhecer mais a fauna da Mata Atlântica

Aada de terra está relativa­ente livre de buracos. Mes­

mo assim, é tão sinuosa que dificilmente o traje­to de cerca de 50 quilô­

metros até a farmácia ou o pequeno supermercado mais próximos dura menos de uma hora. O acesso difícil é proposital. Desestimula os coleto­res clandestinos de palmito e de bro­mélias. Essa é a via de acesso à Esta­ção Biológica de Boracéia, uma área de 96 hectares de Mata Atlântica, no litoral norte do Estado de São Paulo, pertencente ao Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).

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No meio da mata, um centro de pesquisas FAPESP ajuda a recuperar estação biológica

Não é uma simples área de preserva­ção. É, também, um importante cen­tro de pesquisas.

Ali, também, se vê a mão do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP. Até há pouco, a estação es­tava seriamente comprometida pe­la falta de recursos. As instalações eram muito antigas e não recebiam manutenção. Mal podiam abrigar oito pesquisadores de cada vez. Não havia laboratórios, as salas de aula eram improvisadas. Hoje, os três prédios da estação foram re­formados. Eles são modestos, mas confortáveis - algo importante

para quem fica até mais de uma se­mana no isolamento da estação -que nem tem telefone- para fazer uma pesquisa.

De certa maneira a estação é ca­racterística de uma nova filosofia de trabalho. Antes, os cientistas, em grande parte, procuravam conhecer para preservar. Hoje, infelizmente, é preciso preservar antes de conhecer. "Os biólogos trabalham contra o tempo, concorrendo com interesses econômicos da indústria madeirei­ra e extrativista e com os interesses das comunidades locais, que, por necessidade e ignorância, contri-

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Prédio reformado: instalações agora podem receber até 25 pessoas

buem para a degradação ambien­tal", diz Sônia Casari, chefe da seção de Apoio à Estação Biológica de Bo­racéia.

Bromélias - A estação está situada numa área de mata primitiva, de 16.450 hectares, preservada pela Cia. de Saneamento Básico do Es­tado de São Paulo (Sabesp ), a Adutora do Rio Claro, situa­da no município de Salesó­polis, cerca de 11 O quilôme­tros a leste da capital. Ao contrário do que ocorre em áreas mais freqüentadas, bro­mélias e orquídeas, muito procuradas pelos coletores clandestinos, são vistas com facilidade nas árvores. Há muitos pássaros e insetos. Mar­cas de pequenos animais apa­recem no chão das picadas.

sem que seja preciso entrar nas pica­das. À noite, basta acender uma lâm­pada especial, instalada na frente de um dos alojamentos, para atrair uma multidão de insetos.

Só no ano 2000, pesquisadores da USP concluíram nove projetos com base em coletas feitas na esta-

Tanta vida selvagem chega a trazer desconforto para os pesquisadores. Apesar do for­te calor, eles só entram na mata com roupas de mangas compridas e botas de borra­cha de cano longo. É uma forma de proteção contra os mosquitos e cobras. Mas mui­tas pesquisas podem ser feitas As professoras Sônia e lzaura: sem telefone

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ção, na maior parte sobre insetos ou anfíbios. Além disso, a estação rece­beu 60 pesquisadores de outras ins­tituições, 15 deles estrangeiros. Vários pesquisadores vêm de organismos particulares, como a professora Izau­ra Bezerra Francini, da Universidade Católica de Santos, participante do projeto Levantamento da Fauna de Coleópteros da EBB. "Seria difícil fa­zer um trabalho dessa envergadura em outro local", ela afirma.

Quinino - A estação foi criada em 1938, como um centro experimental para o estudo do cultivo da quina do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). A quina, um arbusto dos An­des, era a origem do quinino, um re­médio muito usado na época para a malária. A partir de 1941, pesquisa­dores do então Departamento de Zoologia da Secretaria de Agricultu­ra, hoje o Museu de Zoologia da USP, passaram a organizar expedi­ções à área para coletar material cien­tífico. Em 1952, o IAC encerrou os trabalhos com a quina e, em 1954, a estação foi oficialmente transforma­da em centro de estudos.

A estação não serve apenas para pesquisas. Também é importante pon­to de apoio para a formação de mão­de-obra qualificada para trabalhos de campo. No ano passado, 86 alunos e 11 professores participaram de seis cursos oferecidos pela EBB. Isso se tornou possível com a criação da no­va sala de aula e do laboratório, com capacidade para receber 25 alunos.

Mesmo o laboratório não tem equi­pamentos sofisticados. Não há com­putadores na estação. Mas biólogos que trabalham no campo estão acos­tumados a longos períodos apenas com o básico. Há outra vantagem nes­sa maneira austera de pesquisar: ela diminui o lixo que cada um é obri­gado a trazer de volta para a cidade. Uma das regras da estação é a de que cada um deve levar embora o lixo que produz. ''A estação deve perma­necer intacta, para garantir a vida das plantas e animais e o futuro das pes­quisas biológicas", sublinha Sônia.

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uando foi formado, em 1975, o Herbário da Universidade Estadual de Campinas (Uni­camp) contava apenas

com dois armários, nos quais guar­dava algumas duplicatas doadas pelo Instituto de Botânica de São

Uma instituição que se tornou modelo

Reforma muda a face do Herbário da Unicamp

Hoje, o Herbário da Unicamp está entre os mais importantes do Brasil. Tem um acervo de 116 miles­pécies. Anualmente, recebe mais 7 mil, fruto de coletas feitas por equi­pes da própria Unicamp, de doações e de permutas com museus de várias partes do mundo. Não é só; ele é re-

Brasil uma organização tão bem es­truturada e equipada': diz Luiza Su­miko Konoshita, professora-assis­tente do Departamento de Botânica da Unicamp.

Essa boa impressão não vem do nada. O Herbário da Unicamp é um exemplo de organização e eficiên-

Amostras conservadas no Herbário da Unicamp: ambiente era tão insalubre que pessoas pensavam em desistir da profissão

Paulo, com as quais começou sua coleção. Esse início modesto, hoje, é apenas uma distante recordação. O herbário ganhou impulso com a criação dos cursos de pós-graduação em Biologia Vegetal, em 1976, e com a necessidade, cada vez mais pre­mente, de recolher e preservar amostras da flora do Estado, especi­almente da Mata Atlântica, antes que seus hábitats fossem completamente destruídos.

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conhecido como uma das mais im­portantes instituições de pesquisa da sua área no mundo e ponto de para­da freqüente para pesquisadores vindos de várias regiões do planeta. Sua estrutura, moderna e bem equi­pada, serviu de modelo para a refor­ma de outros herbários, inclusive o do respeitado Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

"Os pesquisadores estrangeiros ficam admirados ao encontrar no

cia. A coleção está toda compactada em armários deslizantes, que ficam em duas salas do andar térreo do Departamento de Botânica. Tem um bom sistema de ar-condiciona­do, fundamental para a preservação do material. Conta ainda com equi­pamentos para a observação do material, como lupas com capaci­dade de aumento de 40 vezes, e para o preparo das plantas, como estufas e freezers.

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Insalubre - Nem sempre, porém, foi assim. Há pouco tempo, nem ha­via uma bancada ade­quada para o trabalho de estudantes e pesqui­sadores. O velho apare­lho de ar-condicionado funcionava precaria­mente e servia apenas uma das duas salas. Quando chovia, a água entrava pelo aparelho e escorria pelas paredes. Com o alto teor de umidade, os fungos pro­liferavam de tal manei­ra que o ambiente, além de representar um peri­go para as coleções, se tornou insalubre até pa­ra as pessoas.

Lupas especiais permitem exames rápidos no material

a USP de Ribeirão Pre­to, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) de Pira­cicaba e mesmo institui­ções de fora do Estado, como a Universidade Federal de Londrina, no Paraná.

Novas iniciativas fo­ramtomadas.Porexem­plo, o museu passou a patrocinar um projeto de educação ambiental, dirigido por Luiza, do qual participam alunos do primeiro e segundo graus não só de Campi­nas, mas também de São Paulo, Santos e São Carlos. Nesse progra­ma, uma equipe da Unicamp visita escolas públicas e promove ati­vidades em sala de aula e passeios no campo. "A comunidade é um agen­te fundamental da pre­servação': diz a profes­sora. "O resultado é muito gratificante, pois os estudantes começam a respeitar mais as plan­tas': acrescenta.

"Ninguém suporta­va ficar mais de uma hora lá dentro e não era raro um estudante ou professor sofrer uma crise de asma", lembra Luiza. "Alguns profes­sores e alunos chega­ram a pensar em desis­tir da carreira, para não agravar seus problemas de saúde", acrescenta. Os fungos não eram o único problema. Duas detetizações por ano A professora Luiza: projeto de formação nas escolas primárias

A reforma veio em boa hora. O projeto Flo­ra, que está mapeando

não conseguiam mais resolver o caso dos insetos, que en­contravam ambiente propício no ca­lor e umidade.

A isso, se somavam outras ques­tões. Os armários não eram suficien­tes. Materiais preciosos se empilha­vam pelo chão. Chegou-se a um ponto em que nem mesmo no chão havia espaço para o material que chegava. "Isso dava uma impressão tão grande de desorganização que fi­cávamos envergonhados quando re­cebíamos pesquisadores estrangei­ros", diz a professora Luiza.

Pisos e paredes - Ou seja: havia a ne­cessidade de uma reforma completa.

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Ela veio com um investimento de R$ 416,9 mil do Programa de Infra-Es­trutura da FAPESP. O dinheiro deu para reformar pisos e paredes, instalar um novo sistema de ar-condicionado, comprar armários deslizantes ade­quados para a guarda de espécies ve­getais e até obter duas lupas especiais para exames rápidos do material.

Os armários antigos, substituí­dos pelos deslizantes, ainda estavam em bom estado. Mais de 200, com valor estimado em R$ 600 cada um, foram doados a instituições como o Herbário do Instituto de Botânica, o Herbário da Unesp em Rio Claro, o Instituto Agronômico de Campinas,

todos os vegetais exis­tentes no Estado de São Paulo, tem participação ativa dos pesquisado­res da Unicamp e o herbário recebe amostras de praticamente todas as coletas feitas dentro do projeto. "Com isso, o acervo ainda vai crescer muito", diz o curador do Herbário, Washington Marcondes Ferreira Ne­to". Hoje, o museu abriga 140 tipos nomenclaturais, ou seja, espécies no­vas, descobertas por pesquisadores paulistas, cujas amostras-tipo estão guardadas no local. Poucos herbários, mesmo os mais tradicionais, chegam a tanto. Nada mau para um organis­mo com pouco mais de um quarto de século de existência.

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H ouve um tempo em que o terceiro museu em importância da América Latina prima­va pela segurança ze­

ro. Apenas uma porta de vidro sepa-rava o ambiente externo, a rua, da área da exposição, onde se encontram obras de autores valorizadíssimos, como Picasso, Modigliani e Matisse. "O risco de ocorrer um roubo era grande", admite o diretor da insti­tuição, o Museu de Arte Contempo­rânea (MAC) da Universi­dade de São Paulo (USP), José Teixeira Coelho Netto.

Mais problemas? O prédio fora projetado para ter um sistema de ar-con­dicionado, mas ele nunca fora instalado. Assim, o edifício não tinha nem mesmo ventilação natural, por mais precária que fos­se. "O calor era insuportá­vel, o prédio era uma ver­dadeira estufa, as pessoas não conseguiam ficar meia hora no museu': diz Coe­lho Netto. O problema não ficava nisso. O forte calor ameaçava a própria integri­dade das obras.

Um acervo muito valioso agora protegido MAC ganha mais segurança e conforto para os visitantes

com luminárias comuns, as mesmas usadas em fábricas e escritórios, francamente desaconselháveis para um ambiente de exposições.

Umidade - Felizmente, as mudanças começaram. Em boa parte, com o uso de uma verba de R$ 2,6 milhões do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP. Mais da metade dessa ver­ba foi aplicada na instalação de um sistema de ar-condicionado que não se limita a tornar mais confortável a

vida de visitantes e funcionários. Tec­nologicamente bastante avançado, ele controla eletronicamente não só a temperatura, mas também a umida­de relativa do ar, algo importantíssi­mo para a preservação das obras.

Não foi um trabalho fácil pôr esse ar-condicionado em funciona­mento. A infra-estrutura para a ins­talação dos equipamentos já existia. Mas as tubulações eram imensas e, em certos casos, chegavam a cobrir metade de uma parede. A solução foi

instalar paredes falsas de placas de gesso, correndo ao longo das paredes de al­venaria. Com isso, ficaram cobertas as imensas bocas de ar. Ganhou o museu. O equipamento ficou total­mente embutido e as no­vas paredes estão livres para a colocação de qua­dros, sem poluição visual.

A lista continua. O sis­tema de proteção contra incêndios era pouco mais do que alguns extintores espalhados pelo edifício, nada adequado para um museu desse porte. O mí­nimo que se podia dizer para a distribuição de es­paços era que se tratava de algo muito ruim. A ilumi­nação, precária, era feita

Fachada do MAC: maior coleção de arte moderna do Brasil

Para melhorar a segu­rança, a área de exposições foi recuada e agora fica iso­lada do saguão de entrada, protegida por portas mais resistentes. O MAC ganhou, também, um sistema de combate a incêndios muito eficiente, semelhante ao instalado no Museu do Louvre, em Paris. Se um sensor detecta um foco de incêndio, o sistema lança automaticamente na área afetada um gás inerte pres­surizado, o FM-200, que apaga as chamas sem cau­sar danos a pessoas ou às obras. A liberação do gás só se limita à área identifi­cada pelos microprocessa-

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Page 104: Remédio de veneno

A Negra, de Tarsila do Amarai: pintado em 1923, é considerado por muitos críticos o quadro mais representativo do Modernismo brasileiro

dores do sistema como a do foco de fogo. Não chega a outros lugares.

Movimentos - Exagero? Provavel­mente, não, se for considerado ova­lor do acervo do MAC. "O museu tem a maior e mais importante cole­ção de arte moderna e contemporâ­nea do Brasil", declara o diretor Coe­lho Netto. Entre óleos, gravuras e esculturas, o MAC tem cerca de 8 mil obras, mais, por exemplo, do que o Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp). O acervo fixo repre­senta praticamente todos os princi­pais movimentos artísticos do século 20, tanto os aparecidos no exterior como no Brasil.

Entre os artistas estrangeiros com obras no MAC estão, por exemplo, Picasso, Modigliani, De Chirico, Lé­ger, Matisse, Kandinsky, Max Ernst, Morandi, Appel, Albers, Vasarely, Fon­tana, Calder, Rauschenberg e Was­selman. Entre os brasileiros, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Portinari, Goeldi, Flávio de Carvalho, Walde­mar Cordeiro, Lygia Clark, Hélio Oi-

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Bandeirinha,

Auto-retrato de Modigliani: obra do museu mais requisitada para exposições no exterior

de Alfredo Volpi : tela de 1958

ticica, Volpi, Mario Zanini, Bonadei, Gomide, Antônio Henrique Amaral, Nelson Leirner, Tomie Ohtake, Ma­nabu Mabe, Aguilar, Paulo Pasta, Evandro Jardim e Regina Silveira.

Quando aparece uma oportuni­dade de um acesso mais fácil, mes­mo em condições menos ideais, · esse acervo é bastante apreciado pelo público. Uma exposição realizada pelo MAC na Galeria da Fiesp, em São Paulo, entre abril e agosto de 1999, atraiu nada menos de 90 mil pessoas, recorde para exposições de um acervo nacional. Outra medida do valor do acervo do MAC é a fre­qüência com a qual suas obras são solicitadas para exposições em gran­des museus internacionais. Já foram formalizados empréstimos, por exemplo, para instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York (Morna), o Museu Nacional da Alemanha, de Berlim, e a Fundação Antoni Tapies, de Barcelona.

Modigliani - Uma das obras mais re­quisitadas pelos museus estrangeiros

é um dos destaques do museu, o único auto-retrato pintado pelo pin­tor e escultor italiano Amedeo Mo­digliani. "Trata-se de uma obra fun­damental para qualquer exposição desse artista': diz Coelho Netto. Ou­tra obra muito requisitada é A Ne­gra, de Tarsila do Amaral, considera­do o quadro mais representativo do Modernismo brasileiro. Mas o acer­vo tem outras preciosidades, como algumas dezenas de obras deDiCa­valcanti, 21 telas de Volpi e mais de 100 gravuras de Renina Katz. Na úl­tima Bienal de São Paulo, em 1998, havia nada menos do que 40 obras do MAC nas paredes de exposição.

Mas algumas das preciosidades existentes no museu ainda estão sen­do descobertas. O MAC tem um ar­quivo permanente. Parte do seu con­teúdo ficou guardada em pacotes, ignorada, quando o acervo foi trans­ferido do prédio antigo, no Parque do Ibirapuera, para o edifício novo, no campus da USP. Para organizar e tornar esse material acessível, com­posto principalmente por cartazes e

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Figuras, de Pablo Picasso: obra de 1945, valorizada pelo novo sistema de iluminação

objetos doados por artistas, era pre­ciso especialmente verba - e, mais uma vez, ela foi conseguida com a ajuda do Programa de Infra-Estru­tura da FAPESP.

"O que tínhamos antes, guarda­do na USP ou no Ibirapuera, era um arquivo morto, empilhado em con­dições inadequadas, dentro de caixas ou pacotes, como veio quando foi doado pelos artistas': diz a especia­listá em documentação Silvana Kar­pinski, uma das responsáveis pelo trabalho, em conjunto com a dire­tora da Biblioteca do MAC, Dina Elizabeth Uliana. "Agora, temos um arquivo vivo, em condições de rece­ber pesquisadores, com fácil acesso ao que quiserem consultar", prosse­gue Silvana.

Armários especiais - O trabalho de abertura do arquivo revelou muitas surpresas, como, por exemplo, os documentos pessoais do artista Er­nesto de Fiori, espalhados entre o material. Todos os documentos fo­ram tratados e a maioria está guar-

PESQUISA FAPESP

O Implacável, bronze de Maria Martins: esculturas também ganharam espaço

dada em arquivos deslizantes de aço. Alguns cartazes e outros documen­tos de manuseio difícil foram para armários especiais. O acervo foi di­gitalizado e gravado em CD-ROM. "Não há mais o risco de parte se per­der ou se deteriorar': afirma Silvana.

A reforma feita no prédio do campus da USP também melhorou o arranjo das áreas de exposição. Antes, o museu funcionava num único salão. Agora, está dividido em oito seções. Com isso, ganhou -se fie-

Nu, de Ismael Nery: destaque para obras contemporâneas brasileiras

xibilidade na hora de distribuir as obras a serem expostas. A ilumina­ção também mudou. Todas as anti­gas luminárias foram substituídas. As novas foram especialmente pro­jetadas para o museu. É possível, com elas, direcionar e controlar a quantidade de luz em cada uma das seções do MAC.

A readequação de espaços per­mitiu a duplicação da reserva técni­ca, os locais onde ficam as obras que não estão em exposição naquele momento. Com isso, foi possível tra­zer parte do material que continua­va no prédio do Ibirapuera - cerca de metade do acervo-, onde as con­dições de segurança continuam a ser ruins. "Ainda faltou espaço para aco­modar todo o acervo no prédio da USP, mas agora o museu está muito mais tranqüilo com relação à segu­rança': declara Coelho Netto. As prin­cipais obras estão todas no MAC.

Grande Galeria - Das oito galerias em que está agora dividido o prédio novo, quatro ficam na Ala Oeste do

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Page 106: Remédio de veneno

edifício e duas, gêmeas, no centro. O grupo se completa com uma Alta Galeria, para peças de parede de maior porte, e uma Grande Galeria, preparada como um espaço especi­almente adequado para a apresenta­ção de obras contemporâneas.

As mudanças parecem estar agradando. O museu que reabriu as portas em dezembro do ano passa­do, depois de sete meses de reforma, decididamente não é o mesmo. A média de visitantes, que era de 30 pessoas por dia antes da reforma, passou para 80. No primeiro dia de reinauguração, recebeu 2 mil pes­soas, número nunca antes atingido na sua história.

A entrada envidraçada permane­ce, chamando a atenção entre os ou­tros prédios da rua da Reitoria, no campus da USP. O concreto aparen­te tratado e a instalação de painéis de vidro fumê e de uma marquise de proteção da entrada principal de­ram uma nova aparência à fachada. O saguão de entrada ganhou uma pequena loja para a venda de lem-

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Obras de Henri Matisse, Fernand Léger, Cândido Portinari, Nelson Leirner, Hélio Oiticica e

Emil iano Di Cavalcanti: museu mais avançado do Brasil

branças, a exemplo de outros gran­des museus do mundo. Em breve, estarão funcionando também locais para a venda de café e lanches. Os domos de fibra de vidro da cobertu­ra foram substituídos por lajes de concreto, aumentando a segurança e a resistência à água da chuva.

Obra Nova - Coelho Netto conta que as reformas tiveram grande reper­cussão também no meio artístico. Dos cem artistas convidados para a inauguração da Obra Nova, a mos­tra que marcou a reabertura do mu­seu depois da reforma, 97 confirma­ram imediatamente a presença e os outros justificaram a ausência, com problemas pessoais ou viagens ao exterior. "Os artistas também têm comparecido mais ao museu", afir­ma o diretor. "Muitos chegaram a fi­car impressionados com o aspecto moderno e agradável do prédio", acrescenta.

Houve casos em que esse reco­nhecimento teve caráter mais práti­co. Vários artistas ficaram tão mo ti-

vados com a renovação do MAC que decidiram contribuir para o acervo do museu. Em poucas semanas, fo­ram feitas mais de 20 doações, inclu­sive por parte de artistas tão conhe­cidos como Cláudio Tozzi, Ubirajara Ribeiro, Maria Bonomi, Archangelo Ianelli e Renina Katz.

Obras em papel - Depois da iniciati­va da FAPESP, outras doações im­portantes começaram a chegar ao museu. Por exemplo, a Vitae, uma associação que apóia projetas nas áreas da cultura e da educação, enca­minhou R$ 98 mil para o organismo da USP. A verba foi usada para pagar parte das despesas de instalação de uma sala especial para a preservação de obras em papel. A empresa de marketing Thompson está prepa­rando gratuitamente um projeto de divulgação do museu. E uma empre­sa de transportes, a Alves Tegan, leva gratuitamente as obras do MAC para exposições em outros locais.

A sala das obras em papel, o Gabi­nete de Papel, levou especialmente em

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Interior do MAC: museu mantém laboratórios e estrutura de apoio a pesquisadores

conta as necessidades dos pesquisa­dores, além do interesse do público. As obras não ficam propriamente ex­postas, mas guardadas em gavetas especiais. Assim, cabem no local 400 obras, quando, numa exposi­ção comum, não seria possível guardar a décima parte desse total. O museu coloca o Gabi­nete de Papel num conceito que chama de atendimento varia­do, atendendo simultaneamen­te pesquisadores, artistas, edu­cadores e o público em geral.

Além de suas obras e de uma estru­tura de apoio a pesquisadores, o MAC mantém, também, um con­junto de laboratórios de conserva­ção e restauro. Também nessa área a

Estrutura de apoio - "Tecnolo­gicamente, o MAC é hoje o museu mais avançado doBra­sil': afirma Coelho Netto, "e, em termos de agradabilidade e de adequação de espaço, está entre os melhores da América do Sul". O diretor lembra que essas qualidades são funda­mentais para um organismo criado não só para apresentar belas exposições, mas também para dar apoio à pesquisa.

O diretor Coelho Netto: estrutura pode ser comparada à dos maiores museus estrangeiros

PESQUISA FAPESP

FAPESP esteve presen­te, com investimentos em projetas de caráter científico.

Também é impor­tante lembrar que o MAC tem uma divisão de ensino e de ação cul-tural, que atua junto com as escolas públicas de São Paulo. São fre­qüentes, por exemplo, as visitas monitoradas de alunos de escolas primárias às suas insta­lações. O MAC organi-za, no momento, um manual para os profes­sores, destinado a aju­dá-los a preparar seus alunos para visitas des­se tipo. Há também programas orientados para crianças com defi­ciências físicas e men­tais, contando inclusi­ve com materiais e

atividades dirigidos para esse públi­co especial.

Doação - Coelho Netto afirma que a participação da FAPESP vem sendo decisiva para a vida do museu. Ele declara que o primeiro grande mo­mento do MAC ocorreu em 1963, quando o casal Francisco Matarazzo Sobrinho e Yolanda Penteado doou as obras de arte de suas coleções par­ticulares e as que constituíam o en­tão Museu de Arte Moderna (MAM) à USP. A universidade, em troca, se comprometeu a criar o MAC e a construir um prédio para abrigar esse acervo. Esse prédio é o atual, na rua da Reitoria, inaugurado em ou­tubro de 1992.

O segundo grande momento da instituição, na opinião do diretor, foi quando o MAC, com o apoio da FA­PESP, pôde montar uma infra-es­trutura comparável à dos grandes museus internacionais. "Sem dúvi­da, trata-se do segundo aconteci­mento mais marcante da vida do museu", declarou.

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O segundo maior acervo de documentos históri­cos do Brasil, superado apenas pelo Arquivo Nacional, fica em São

Paulo. É o Arquivo do Estado (AE), que existe desde 1721, quando o secre­tário do Governo da então capitania de São Paulo, Gervásio Leite Rabelo, começou a organizar os documen­tos oficiais. Os recursos nunca foram muitos. Ao longo de 280 anos, o arqmvo passou por seis sedes diferentes. Mesmo assim, seus do­cumentos sempre ser­viram de base para im­portantes pesquisas sobre São Paulo.

Um mergulho em 280 anos de história paulista

Arquivo do Estado guarda documentos desde 1721

o material que começou a ser orga­nizado por Leite Rabelo. Ganhou então o nome de Repartição de Es­tatística e do Arquivo do Estado da Secretaria do Interior. Foi o bas­tante para que começasse a chegar, e a ser empilhado, material de to­dos os tipos.

trabalharam de modo improvisado e enfrentando as novas situações conforme iam aparecendo. Com isso, foram criados até alguns misté­rios, como o caso das latas. Até o co­meço da década de 1950, os docu­mentos eram arquivados na forma de maços de papel. Foi então que al-

~------, z guém teve a idéia de ~ guardar os documentos

em latas fechadas, =: ~ achando que eles assim

ficariam mais bem pro­tegidos.

A situação começou a melhorar em 1997, quando o Arquivo do Estado recebeu uma nova sede, na rua Vo­luntários da Pátria, em Santana, na zona Norte da capital. Pela primei-

Documentos: acervo aumentado por doações de diversos tipos

O mistério está num pó que foi colocado nas latas, junto com os pa­péis. A princípio, pen­sava-se que se tratava de um veneno para com­bater traças, brocas e fungos. Mas, antes de começar a trabalhar com esse material, o ar­quivo pediu ao Institu­to Adolfo Lutz que ana­lisasse o pó, para ter certeza de que não faria

ra vez na história, o arquivo deixou de ocupar instalações improvisadas e passou para um prédio apropria­do, planejado para suas necessida­des. No ano seguinte, ele começou a receber verbas do Programa de In­fra-Estrutura da FAPESP. Um inves­timento de R$ 565 mil está ajudando o AE a recuperar e tornar acessível seu acervo com mais tecnologia e menos precariedade.

O trabalho está apenas começan­do, mas dá sinais de imensa riqueza. Oficialmente, o arquivo foi formado em 1891, no prédio da Secretaria do Governo, tendo como núcleo inicial

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Império - Encontram-se no arquivo, por exemplo, papéis das secretarias do governo estadual, do Poder Judiciário, de cartórios e de governos munici­pais. Não faltam, também, documen­tos de origem particular. Ao longo do tempo, o arquivo foi recebendo doa­ções, inclusive de material referente ao período colonial e ao Império. Isso pode ser uma mina de ouro para os pesquisadores, que consideram o arquivo uma referência na historio­grafia de São Paulo e do Brasil. Mas é um pesadelo para os arquivistas.

Durante praticamente toda a his­tória do arquivo, seus funcionários

mal aos funcionários. O resultado foi que o pó era comple­tamente inócuo, nada tendo de ve­neno. "Depois de tanto tempo, não conseguimos mais saber o que era o tal pó", conta o coordenador-geral das Áreas Técnicas do Arquivo, Lau­ra Ávila Pereira.

Manutenção - Um dos pontos prin­cipais da reforma é a informatiza­ção. Do total investido pela FAPESP, cerca de um terço, aproximadamen­te R$ 200 mil, destina-se a essa área. Só com a criação de um sistema con­fiável e a digitalização dos documen­tos será possível servir bem os pes-

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quisadores e o restante do público. Já houve uma iniciativa, em 1994, que se mostrou desastrosa, de acor­do com Pereira. Uma empresa con­tratada montou uma rede interna, com 16 pontos. Mas os programas escolhidos não eram adequados e a manutenção dos equipamentos não se mostrou à altura das necessidades.

termediários, ou seja, que podem ser descartados depois de certo tempo.

Imagens - Como parte do programa de informatização, informa Pereira, o arquivo está criando no momento três segmentos de fundos fechados, ou seja, a digitalização de documen­tos dentro de estruturas que não vão

Material que nunca será descartado cobre quatro quilômetros

Com a verba da FAPESP, foi cria­do um sistema de digitalização. O arquivo ganhou também mais com­putadores, inclusive para consultas do público, e um servidor de rede. Os pontos da rede aumentaram de 12 para 62. O objetivo agora é microfil­mar e digitalizar todo o acervo. Não é pouca coisa. Somente no prédio de Santana, são 4 mil metros lineares de documentação permanente, ou seja, que nunca será descartada.

A eles se somam outros materiais, como os vindos do Departamento de Ordem Política e Social (Deops), classificados como documentos in-

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crescer. O primeiro é constituído por imagens vindas do antigo jornal últi­ma Hora. São cerca de 2 mil imagens, de entre 1951 e 1971, com destaque para caricaturas dos cartunistas Nás­sara, Jaguar e Lan.

Esse material vem do acervo do fundador do jornal, Samuel Wainer, comprado de sua filha, Pinky Wainer, pela Secretaria da Cultura do Esta­do, em 1989, e entregue à guarda do Arquivo do Estado. São 170 mil có­pias de fotografias, 800 mil negativos e 2 mil caricaturas, além de 246 vo­lumes encadernados, com as edições paulista e carioca do jornal. Esse ma-

terial também está sendo publicado em papel, com quatro volumes já prontos da série Arquivo em Imagens - série última Hora.

O segundo segmento é constituí­do por cartas, mapas e plantas, com destaque para cerca de mil fotografias que documentam, passo a passo, a construção do prédio do Museu do

Ipiranga. O terceiro reúne material de revistas ilustradas do começo do século 20, como A Cigarra, Revista Feminina e A Lua, com cerca de 40 mil imagens.

Liquidificador - Os investimentos da FAPESP, no entanto, não se limitam à área da informática. Uma boa par­te foi aplicada na reforma do labora­tório de conservação do arquivo. "Sinto como se estivesse saindo de um barraco para um belo aparta­mento", afirma a conservadora do arquivo, Maria Amélia Arraes de Alencar Pinheiro de Castro. Para

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Documentos antigos: de acordo com os conservadores, qualidade do papel sofreu uma grande piora a partir de 1928

tratar os documentos do AE, muitos dos quais tão deterio­rados que se esfarelam a um simples toque, Maria Amélia tinha apenas luvas, máscara, mesa, estilete e cola. A cola de metilcelulose, usada na res­tauração de documentos, era preparada num liquidificador comum, de cozinha.

Agora, o arquivo conta com equipamentos como a Máquina Obturadora de Pa­pel, usada para restaurar as fi­bras do papel. O papel é feito de fibras, que se rompem quando ele é atacado por uma broca ou outro tipo de inseto, por exemplo. A Máquina Ob­turadora recompõe as fibras e tampa com celulose os bura­cos feitos pelos insetos.

Outro exemplo é a cabine de segurança biológica, usada para evitar que o restaurador

Preparando a restauração: laboratório respeitado

tenha contato com produtos tóxi­cos, os usados para remover resí­duos de cola e fita adesiva ou os ve­nenos colocados antigamente nos papéis para combater insetos ou mi­crorganismos. Uma novidade é a ca­bine de sucção, usada na limpeza dos documentos. ''Antes da chegada dessa cabine, trabalhávamos com capelas improvisadas em papelão, que nós mesmos fazíamos", conta Maria Amélia.

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Celulose - A conservadora comenta que a qualidade do papel usada hoje é muito inferior à dos documentos mais antigos. No século 19 e começo do século 20, usava-se principal­mente papel feito de trapos, com destaque para o linho. "De 1928 em diante, começou-se a usar polpa de madeira e a qualidade piorou': ela comenta. De qualquer maneira, os conservadores pensam no futuro. A cola de metilcelulose, por exemplo,

preparada no próprio labora­tório, é feita de forma a poder ser retirada com facilidade em restaurações futuras.

O laboratório do AE é tão respeitado que costuma ser procurado por organismos públicos ou particulares em busca de conselhos sobre como preservar documentos antigos. O Esporte Clube Pi­nheiros, por exemplo, foi re­centemente ao laboratório, para saber como conservar sua coleção de fotografias, al­gumas com mais de cem anos. "Conservar significa prevenir a deterioração e prolongar a vida do documento", ensina Maria Amélia. "É necessário intervir o mínimo possível no documento e as intervenções inevitáveis devem ser aparen-tes. Já a restauração usa técni­cas que reparam o material

danificado': completa.

Inventário - Ao todo, o Arquivo do Estado guarda mais de SOO toneladas de documentos. Eles incluem 50 mil livros, 12 mil exemplares de jornais, 1 milhão de imagens e centenas de milhares de outros papéis, oficiais e particulares. O mais antigo docu­mento existente no arquivo é o in­ventário do sapateiro Damião Si­mões, de 1578. Ele faz parte de um

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Material pronto: de inventários e testamentos do tempo colonial a registras da vida cultural de São Paulo

fundo, ou setor, chamado Inventários e Testamentos, que vai de 1578 a 1801 e é muito importante para o estudo de São Paulo no pe­ríodo colonial.

Sobre o período do Im­pério, guardou-se toda a correspondência emitida e recebida pelos governado­res da província, além de registras de atos do gover­no. Uma leitura interessan­te é a da correspondência entre o chefe de polícia e o governador e o registro dos atos policiais, tratando, por exemplo, de escravos fugi­dos. O material não se limi-

Mapa: documento mais antigo é de sapateiro morto em 1578

Graças a uma parceria com a Imprensa Oficial do Estado, o trabalho do AE não se limita à guarda de documentos. Ele já editou vários estudos sobre a his­tória do Estado e guias so­bre seu acervo. Uma série semelhante à feita com o arquivo da última Hora está sendo preparada com o material dos Diários As­sociados, também incor­porado ao AE. Ele edita também uma revista, cha­mada Histórica, com arti­gos de pesquisadores, e tem uma série, Como Fa-

ta, porém, a atos oficiais. Pessoas im­portantes na política deixaram seus documentos pessoais para o AE. En­tre eles estão Washington Luís, Júlio Prestes e Armando Salles Oliveira.

Dossiês - Nos últimos tempos, porém, o que mais vem atraindo a atenção de visitantes e pesquisadores é o fun­do do Deops. Ele cobre o período de 1924 a 1983, mas a época que tem o maior número de consultas é a refe­rente à última fase do período mili­tar. Ao todo, explica o coordenador Pereira, o fundo Deops tem 1,1 mi­lhão de fichas nominais e 9 mil pas­tas com dossiês. Os dossiês são te­máticos e às vezes um documento de

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apenas uma página remete para mais de 150 fichas. Por exemplo, o docu­mento sobre o congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna leva a fichas da maioria dos estudantes presos no local.

As buscas nesse fundo não são rea­lizadas apenas por interesse histórico. "Parentes de pessoas mortas duran­te a repressão política ou atingidas de outra forma pelo regime, ou que pre­cisam de documentos para a aposen­tadoria, fazem pesquisas no nosso Arquivo': comenta o coordenador. Uma certidão emitida pelo Arquivo do Estado é reconhecida como prova em casos de pedidos de indenização ou de justificativa de inatividade forçada.

zer, que trata de trabalhos de conservação preventiva em ar­quivos e bibliotecas.

Outra atividade do AE é a prepa­ração de kits com material didático para professores de história e visitas monitoradas de estudantes de pri­meiro e segundo graus para conhe­cer o acervo. Recentemente, foi feito um acordo com o campus da Unesp de Assis para que estudantes da uni­versidade façam estágios nas insta­lações de São Paulo. O Arquivo do Estado não se limita a cumprir com competência a tarefa de guardar grande parte da memória de São Paulo. Permite, também, que o co­nhecimento chegue com maior faci­lidade aos interessados.

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Espaço para a política em arquivo

Na Unicamp e na Unesp, a história das esquerdas

Ãa de formar um arquivo bre assuntos políticos bra­ileiros surgiu no início da década de 1970. Um gru­po de professores do Ins­

tituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) decidiu criar um centro de documentação adequado para as pesquisas

Araújo, do Departamento de Ciên­cia Política do IFCH. Ângela Maria era diretora do arquivo em 1998, quando começaram a chegar os in­vestimentos do Programa de Infra­Estrutura da FAPESP. O financia­mento recebido pelo AEL, de R$ 619 mil, foi um dos maiores do progra-

que começavam a ser feitas nos programas de pós-gradu­ MAICIIÂ~ ação. O ponto de partida foi a aquisição do material acu­mulado ao longo da vida pelo

FRENTE POPULAR

líder anarquista Edgar Leuen­roth (1881-1968).A Unicamp comprou a coleção de jornais, revistas, panfletos, cartas e outros documentos. O arqui­vo, que recebeu o nome de Leuenroth, surgiu em 197 4.

Foi o ponto de partida de um dos maiores conjuntos de documentos existentes sobre os movimentos operários e a esquerda em geral no Brasil. O material de Leuenroth logo ganhou a companhia de ou­tros documentos, adquiridos

Jornais esquerdistas: material brasileiro ganhou ...

por permuta, doações ou compras. Do exterior, veio material do Internationaal Instituut voor Sociale Geschiedenis, de Amsterdã, do Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano, de Milão, do Ministerio degli Affari Ersteri, de Roma, e do National Ar­chives, de Washington. No Brasil, deu-se atenção especial à repressão política no regime militar.

"O AEL cresceu muito e o espaço original ficou de tal maneira reduzi­do que era difícil trabalhar", conta a professora Ângela Maria Carneiro

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ma. Com ele, o material recebeu acomodação adequada, o prédio do arquivo foi recuperado e equipa­mentos necessários para a manuten­ção do acervo foram instalados.

Mesas corretas - O trabalho come­çou com a informatização do acervo e a recuperação da rede de computa­dores. "Fomos equipando o local com o que era necessário", lembra a professora. Por exemplo, a mesa de higienização, onde os documentos

são limpos, com a eliminação de pó e insetos, era improvisada. "Com o dinheiro do Infra, compramos as me­sas corretas, atualizamos a rede de in­formática, trocamos as estantes fixas por deslizantes, climatizamos o prédio inteiro e estabelecemos um sistema de segurança': lembra Ângela Maria.

... companhia de documentos vindos da Holanda, Itália e Estados Unidos

Uma parte importante da refor­ma do arquivo foi o cuidado extre­mo do pessoal da Unicamp com o dinheiro recebido. A conservadora e restauradora Maria Aparecida Re­médio, por exemplo, foi uma das en­carregadas de esticar ao máximo a verba. Ela mesma mediu os espaços, desenhou estantes e prateleiras e ne­gociou com fornecedores.

Maria Aparecida chegou a acom­panhar a fabricação de peças feitas por encomenda. Isso teve enorme

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utilidade. No meio do caminho, des­cobriu que algumas prateleiras iriam vergar sob o peso de livros e docu­mentos. "Como conhecia bem as normas técnicas, convenci o fabri­cante a refazer tudo, dentro das es­pecificações, para que o dinheiro não fosse perdido': recorda.

Nitrogênio - Maria Aparecida tam­bém criou um sistema de desinfesta­ção de insetos, para o qual pediu pa­tente, para evitar que a Unicamp venha a pagar royalties por um tra­balho desenvolvido lá mesmo. O processo consiste, basicamente, em colocar documentos em sacos plásti­cos, nos quais ficam em gás carbôni-

Material recuperado: Unicamp desenvolveu método simples e barato ...

co por cinco dias e em nitrogênio por dez dias. "Isso é suficiente para matar piolhos de livros, brocas e cu­pins': afirma. O processo, além de simples, é barato e não deixa resí­duos que possam prejudicar funcio­nários ou usuários.

O processo é aplicado também nos chamados "documentos bastar­dos': aqueles deixados em caixas, na porta do prédio do arquivo, por pessoas que não querem se identifi­car. Eles se juntam a preciosidades

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como partes dos arquivos do líder comunista Luiz Carlos Prestes e do jornal Voz da Unidade, do PCB; as pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública (Ibo­pe), entre 1942 e 1987; e a coleção Brasil Nunca Mais, com mais de 700 processos de presos políticos.

Memória da Unesp - Não se trata, porém, do único arquivo dedicado a temas políticos que teve o apoio decisivo da FAPESP. Quando foi criado, em 1987, o Centro de Docu­mentação e Memória (Cedem) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) tinha como objetivo pre­servar a memória da universidade.

ANISTIA

atual PPS. Ao mesmo tempo, o Ce­dem recebeu o Archivio del Movi­mento Operaio Brasiliano, que estava sob custódia da Fundação Feltrinel­li, em Milão, na Itália.

A eles se juntaram os arquivos do Centro de Documentação Mário Pedrosa (Cemap), sob custódia da Universidade de São Paulo (USP), e o Centro de Documentação da Ci­dade de São Paulo (Cedesp), com documentos relativos ao período em que Luiza Erundina foi prefeita, de 1989 a 1992. O Cedem via-se, as­sim, diante de dois desafios: organi­zar toda essa documentação e cum­prir a tarefa original, de registrar a história da Unesp.

PaPtldu Comunista do Bmll

Site na Internet - O investi­mento feito pela FAPESP no Cedem foi de R$ 413,6 mil. "Solicitamos recursos para organizar documentos e para comprar móveis, arquivos deslizantes, leitora de micro­filmes e copiadoras", lembra a

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coordenadora Anna Maria Martinez Correia. Antes, a documentação não era aber­ta ao público. Hoje, qualquer pessoa pode obter informa­ções a distância, no site ce­dem. unesp.br .

- -- O arquivo tem informa­ções extremamente valiosas sobre as origens do Partido dos Trabalhadores (PT), por exemplo. Há outros docu-... para eliminar insetos que

atacam documentos das bibliotecas

Hoje, ele se transformou num dos mais importantes centros de docu­mentação sobre a história das es­querdas no Brasil.

O momento decisivo veio em 1994, quando o Instituto Astrogildo Pereira transferiu para o Cedem, em regime de custódia, parte do arquivo do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O material continha a maior parte da documentação relativa às décadas de 1980 e 1990, mostrando, assim, a transição do PCB para o

mentos de valor, como a ata, redigida em russo, da reu­nião da Internacional Co-

munista que aprovou o levante de 1935 no Brasil.

Agora, os pesquisadores do Ce­dem se dedicam a organizar um acervo referente ao Movimento dos Sem-Terra (MST), com mais de 50 mil fotografias e outros documen­tos, e a reunir a memória dos 31 ins­titutos e centros de estudo, espalha­dos por 15 cidades do Estado, que compõem a universidade. Para isso, além do material escrito, já foram gravadas 165 entrevistas.

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D urante muito tempo, ele ficou praticamente esquecido. Mas poucos arquivos têm material tão interessante como

o Wanda Svevo, da Fundação Bienal de São Paulo. Onde encontrar, por exemplo, um registro das complica­das negociações que per­mitiram a vinda, para o Brasil, do quadro Guernica, de Pablo Picasso, em 1953? Com uma verba de R$ 130 mil do Programa de Infra­Estrutura da FAPESP, o ar­quivo da Bienal está or­ganizando seu acervo e preparando o lançamen­to de novas iniciativas.

Obras das bienais terão acesso eletrônico

O arquivo reúne 50 anos da mostra paulista de arte

dia do Museu de Arte Moderna de Nova York (Morna). Picasso não permitia sua entrega à Espanha en­quanto o país fosse governado pela ditadura do general Francisco Franco. Só depois da morte de Franco, em 1975, o quadro pôde ir para Madri.

"Já começamos um projeto para criar um site na Internet com o acervo do arquivo", informa o presidente da Fundação Bienal, Carlos Bratke. Síl­via, por sua vez, considera as obras já feitas apenas a primeira parte de um processo de reestruturação. "Vamos dar continuidade", promete.

"Todo o acervo já está acondicionado em caixas de arquivos apropriados e desacidificados, armazena­dos em armários deslizan­tes, que ganham muito es­paço", diz a coordenadora da instituição, Sílvia Caste­lo Branco. Os recursos da FAPESP permitiram ainda a contratação como esta­giários de estudantes de

O acervo foi reestruturado, ganhou armários deslizantes e criou-se um banco de dados

História, que estão organizando os documentos, e a aquisição de equi­pamentos de informática, a partir do qual foi criado um banco de dados.

O arquivo foi criado em 1955, como Arquivo de Arte Contemporâ­nea do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). Recebeu, então, documentos relativos às bienais que eram realizadas em São Paulo desde 1951, livros de arte e dossiês de artistas.

As negociações sobre a vinda do Guernica foram difíceis pelo fato de o quadro, na época, estar sob custó-

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A bienal foi realizada no Museu de Arte Moderna até 1993. Nesse ano, o conde Francisco Matarazzo Sobri­nho extinguiu o MAM, doou seus quadros para o Museu de Arte Con­temporânea (MAC) da Universidade de São Paulo (USP) e criou a Funda­ção Bienal. Os documentos passa­ram para o acervo da fundação. O nome de Wanda Svevo vem de uma secretária-geral da fundação que mor­reu em 1962, num desastre de avião, quando ia ao Peru, para tratar de uma exposição de arte pré-colombiana.

A professora Ana Maria de Al­meida Camargo, do Departamento de História da USP, responsável pelo projeto de reforma do arquivo, acha que um ponto fundamental é chamar a atenção do público e dos pesquisadores para o potencial in­formativo do acervo da instituição. "Seria interessante ter um guia ou catálogo que desse visibilidade a es­ses documentos", sugere.

O acervo do arquivo, de qual­quer maneira, será a base de uma exposição que vai comemorar, este

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ano, os 50 anos da Bienal. Bratke informa que será editado um livro, a partir desse acervo, para contar a história das bienais e mostrar a per­sonalidade do conde Matarazzo, responsável por várias outras ini­ciativas culturais em São Paulo, como a criação do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC).

revelações sobre as complicadas negociações que permitiram a vinda para

o Brasil do quadro Guernica, de Picasso

Há muitas outras preciosidades espalhadas pelos arquivos do Esta­do de São Paulo. A FAPESP está contribuindo para aproximá-las de pesquisadores e outros interessa­dos. Na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sa­besp ), por exemplo, um dos proble­mas era alterar a forma de arquivar desenhos, guardados em enormes mapotecas de aço, que demandam muito espaço e não conservam ade­quadamente os originais. Além dis­so, conta o responsável pelo arqui­vo, o professor Milton Tomoyuki Tsutiya, da USP, o simples manu­seio já representava um risco para o material.

A solução encontrada foi infor­matizar o controle da documenta­ção, com um software específico para as necessidades da própria Sa­besp. Os recursos para a compra dos equipamentos necessários ape­nas numa primeira etapa, abran­gendo 300 mil de um total de 1 mi-

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lhão de desenhos, foram fornecidos pela FAPESP.

Verificou-se, então, um problema. O investimento prometido, de R$ 300 mil, mostrou-se inadequado diante da mudança do câmbio, ocorrida justamente no processo de liberação. Uma suplementação acabou saindo -fato não muito raro, pois normal­

mente uma mudança de patamar gera novas demandas. De qualquer maneira, era um traba­lho importante. "Tra­ta-se de preservar a memória técnica do sa­neamento ambiental do Estado de São Paulo, um patrimônio da na­ção brasileira", diz o professor Tsutiya.

Em Campinas, uma ação inicia­da em 1983, por professores da Uni­camp, transformou-se numa refe­rência para os moradores de toda a região, o Centro de Memória da Unicamp (CMU). Um contato entre professores e dirigentes dos tribunais de Justiça de Campinas e Jundiaí, apoiado pela reitoria da universida­de, chegou a um acordo pelo qual o acervo das instituições passou para a Unicamp. Vieram logo depois os ar­quivos do Corpo de Bombeiros local e várias doações de particulares. O centro transformou-se em realidade em 1985.

"O espaço físico foi conquistado gradualmente", conta o coordena­dor do centro, Paulo Miceli, lem-

brando que sua sede funciona onde era antes a da Faculdade de Educa­ção da Unicamp e que, além dos três andares do local, tem instala­ções espalhadas por vários pontos da universidade. O apoio da FA­PESP, obtido em 1998, foi funda­mental para que esse espaço fosse mais bem aproveitado.

Só a instalação de estantes desli­zantes significou uma economia de 70o/o de espaço. Aproximadamente 60o/o dos livros da biblioteca estão digitalizados e à disposição do pú­blico na Internet. Dos 50 mil artigos da coleção de jornais e outros perió­dicos, que começa em 1920, 20 mil estão na mesma situação. A maior parte do investimento de R$ 475 mil, porém, foi para os arquivos his­tóricos. Com a instalação de um ele­

vador de carga, todo o acervo passou para a parte inferior do pré­dio. A parte de catalo­gação ganhou assim 80 metros quadrados.

O acervo do centro tem materiais impor­tantes, como os mapas, desenhos e diários das viagens do naturalista Langsdorff ao Brasil en­tre 1824 e 1829 e a cor­respondência pessoal do abolicionista Francisco

Glicério. Mas entre os mais procura­dos estão os registras de 1882 a 1922 da Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo. "As pessoas querem do­cumentos que permitam requerer a dupla cidadania", conta Miceli.

Enquanto isso, o centro vai de­senvolvendo um trabalho especial com várias cidades, para resgatar sua memória. O trabalho, normalmente, dura dois anos e envolve principal­mente professores, que divulgam suas descobertas em programas de rádio e artigos de jornal. Em Jarinu, o tra­balho levou a uma exposição públi­ca, a pedido dos próprios morado­res. No dia da inauguração, estavam presentes nada menos do que 5 mil dos 12 mil habitantes da cidade.

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Dificilmente alguém pode­rá fazer uma pesquisa de peso sobre a

política brasileira no Im-

Registro de transformações históricas

Arquivo da Assembléia mostra como Estado evoluiu

pério e nas primeiras déca­das da República sem con­sultar o Arquivo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. É uma das melhores fontes de documentos sobre o período que vai de 1824, pouco depois da Indepen­dência, até 9 de julho de 1947, quando a Assem­bléia retomou suas ativi­dades, depois de um fecha­mento de dez anos, em conseqüência do Estado Novo. A Assembléia tam- São Paulo antigo: governadores nomeados pelas autoridades do Rio de Janeiro

bém tem um riquíssimo material sobre o período a partir de 1947. Mas ele fica no arquivo nor­mal, não no Arquivo Histórico.

O material, só no Arquivo Histó­rico, soma 480 mil páginas de docu­mentos, 90 mil negativos de fotogra­fias, 25 mil livros e 1 O mil textos de emendas parlamentares, explica o diretor da Divisão do Acervo Históri­co da Assembléia, Dainis Karepous. O investimento feito pela FAPESP no arquivo foi muito importante para preservar tudo isso. Ele ajudou, por exemplo, a digitalizar 150 mil páginas de documentos e fotografias e, ainda, a restaurar 5.020 livros.

Os documentos originais, agora, estão em arquivos deslizantes, o que facilita seu manuseio e economiza espaço. O apoio da Fundação per­mitiu, ainda, a instalação de uma rede de computadores, com um ser-

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vidor, quatro estações de trabalho, um scanner e três impressoras. Ou-' tra iniciativa tomada com a verba da FAPESP foi a organização de peque­nas exposições, especialmente desti­nadas a visitas de grupos de alunos de escolas públicas.

Prado Júnior- Essas exposições se cen­tralizam num tema, geralmente um período da história de São Paulo ou em um parlamentar específico. Não há problemas para que sejam incluí­dos, na mesma exposição, materiais do Arquivo Histórico e do arquivo nor­mal. Nos próximos meses, será reali­zada, por exemplo, uma exposição sobre o escritor Caio Prado Júnior, deputado estadual em 1947 e 1948.

"Estamos agora pleiteando novos recursos, para concluir a digitaliza­ção dos documentos': diz Karepous.

Ele explica que a digitalização é mui­to importante por dois motivos: tor­na as consultas mais ágeis e, como não há mais contato físico com os documentos, prolonga sua duração. Numa etapa posterior, ele pretende colocar todo o material digitalizado na Internet, permitindo assim a rea­lização de consultas a distância.

Se isso acontecer, será possível aces­sar documentos anteriores, inclusive, à constituição da Assembléia Legisla­tiva, em 1835. O Arquivo Histórico tem documentos que remontam a 1824, quando foi organizado o Con­selho Geral da província de São Pau­lo. Naquele período, os presidentes, ou governadores, da província eram nomeados pelo governo central. Os conselhos eram órgãos consultivos, compostos por 21 membros. Os con­selheiros podiam elaborar leis, que

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eram encaminhadas ao presidente, mas não tinham poderes exatamente legis­lativos. Esses pertenciam aos membros de outro or­ganismo, a Câmara Geral.

~ aumentado para 50. ~ Os senadores passa­~ ram a ser 24, com ~ mandatos de nove ~ anos.

Todo esse movi-~ :J

~ mento se reflete nos o ~ documentos do Ar-~ quivo Histórico. "Até ~ 1935, o Executivo :J

g era proibido de S. apresentar projetos

~ ~~~~!: t~~sa:i:::r~~

Paraná - As Assembléias Legislativas das províncias, com poderes legislativos, só seriam criadas na Re­gência, com o Ato Adicio­nal de 1834. Na época, São Paulo era bem maior que hoje. Seu território abran­gia todo o Estado do Para­ná e partes de Santa Catari­na. A separação do Paraná só viria em 1853.AAssem­bléia Legislativa de São

São Paulo em 1836: Paraná e partes de Santa Catarina

Assembléia", lembra Karepous. A ativi­dade parlamentar reflete, também, as mudanças na eco-

Paulo foi instalada oficialmente no dia 2 de fevereiro de 1835. Funciona­va num prédio vizinho ao do palácio do governador, no Pátio do Colégio, no centro de São Paulo.

Os deputados passavam mais tempo em suas casas e fazendas do que no plenário. Os trabalhos legis­lativos ocupavam apenas entre três e quatro meses por ano, geralmente no princípio do ano. O Arquivo His­tórico mantém os registras da ativi­dade parlamentar até 1889, quando ela foi interrompida, com o fim do Império. Os trabalhos recomeçariam em 1891, já na República.

de 1 milhão de habitantes, no início da década de 1890, para 5 milhões, em 1930, dos quais 1 milhão na capital.

Mudança ainda mais profunda, São Paulo transformou-se no Estado mais importante do país. A Repúbli­ca eliminou as exigências de renda para quem quisesse ser eleitor. Mas continuaram outras restrições: anal­fabetos, mendigos e parte dos mili­tares e dos padres não podia votar. No começo, a Assembléia tinha 40 deputados, com mandatos de três anos, e 20 senadores, com mandatos de seis anos. Isso logo mudou. Em 1906, o número de deputados foi

nomia. "Temos do­cumentados, por exemplo, os con­tratos de imigração, realizados por iniciativa do senador Nicolau Ver­gueiro': afirma o diretor. Por outro lado, surgem constantemente proje­tas de emergência, preparados à últi­ma hora, para contornar crises em torno do preço do café no mercado internacional.

Modernidade- O voto não era obri­gatório e não faltavam campanhas de incentivo ao alistamento, com car­tazes, por exemplo, que misturavam as tradições paulistas, como o ban­deirante, com toques de modernida-

Transformações -Em 1891, a Assembléia Constituinte determinou que o Legisla­tivo de São Paulo seria bi­cameral, com Assembléia e Senado estadual. Cada Es­tado, na ocasião, pôde es­colher como seria seu par­lamento. Ao contrário da administração muito cen­tralizada do Império, a nova República queria au­mentar a autonomia dos Estados. A República Velha foi cenário de enormes transformações. Nesse pe­ríodo, a população do Es­tado saltou de pouco mais

Covas, Quércia, Montoro, Fernando Henrique: fotografias também estão preservadas

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de, como os arranha-céus que começavam a surgir na capi­tal e outras cidades importan­tes. O interessado, de qualquer maneira, tinha muito o que apresentar: prova de ter mais de 21 anos, atestados mos­trando que morava há mais de dois meses (mais tarde, quatro) no município e uma prova de que tinha meios de subsistência. Para demonstrar que sabia ler e escrever, escre­via seu nome e dados pessoais num livro especial.

~oo::::::--.::::::::""':::::--o::::oo::::"""~~='f7777="'7"~,..::;..;;.;:::;,...J i tentativas de mobilização po­. pular. Os moradores de uma ::! ----_-_-_-_-"11., g localidade, quando queriam a ~ instalação de uma escola pú-

----• ~ blica na área, se organizavam § para preparar um abaixo-as­~ sinado, que era então enviado ~ ~ à Assembléia com o pedido. g

Os dados do Arquivo His­tórico permitem acompanhar características do processo eleitoral que hoje soam estranhas. Por exem­

Charge: caça ao eleitor valoriza o pobre

~ Corporativismo - A Assem­g bléia voltou a suspender seus

trabalhos em 1930, com a vi­tória da revolução liderada por Getúlio Vargas. O Legisla­tivo só foi reaberto em 1935, para ser novamente fechado em 1937, com a chegada do Estado Novo. Karepous acha a

plo, o voto era s.ecreto, mas não obrigatoria­mente secreto - quem quisesse (ou fosse pres­sionado a tal) podia vo­tar a descoberto. Havia umas tão estreitas que os votos se empilhavam um sobre o outro, per­mitindo que, pela or­dem de votação, fosse descoberto quem vota­va em quem. E, especial­mente, havia a chama­ Época de eleições: críticas dos jornais também são preservadas

documentação sobre esses dois anos extre­mamente significativa. De um lado, alguns de­putados já começam a apresentar projetas de iniciativa popular, rom­pendo o domínio quase absoluto das elites so­bre o plenário. De outro, aparecem propostas claramente inspiradas no corporativismo e no regime fascista de Beni­to Mussolini na Itália.

Seja como for, o Ar­quivo Histórico, mes­mo sem fazer concor-

da "degola". Por uma lei vinda do Império, mas que foi usada especialmente na Pri­meira República, os resultados das eleições deviam ser confirmados pela própria Assembléia. Não é ne­cessário dizer que muitos eleitos in­desejáveis para o partido dominante viam sua carreira interrompida an­tes até de assumir o cargo.

Mas o acervo do arquivo da As­sembléia não se limita a dar infor­mações sobre a política. O exame dos trabalhos legislativos dá impor­tantes informações sobre a educa­ção, a saúde e sobre as grandes ques­tões sociais. Por exemplo, durante o Império, a Assembléia era a respon­sável pelo trato dos índios, que ain­da dominavam grandes trechos do Estado. E há sinais das primeiras

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CEIHR.O DE ALISTAHEWTO ELE I TOlA L- R. DO THESOUl0.2.

Alistamento: toques de modernidade

rência ao arquivo normal, é um campo de estudos que ultrapassa o ano de 1947, quando foram reinicia­das as sessões depois do Estado Novo. Tem, por exemplo, uma cole­ção de negativos de fotografias sobre os trabalhos da Assembléia, no perí­odo de 1950 a 1992, e cópias de pro­nunciamentos feitos de 1948 a 1996. Isso cobre um período importante da história brasileira, inclusive a re­democratização depois do regime militar. A isso se somam 25 volumes, que guardam os trabalhos do Con­gresso Legislativo, e toda a biblioteca de José Carlos Macedo Soares, minis­tro das Relações Exteriores e da Jus­tiça de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, recebida em 1965.

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