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Centro de Convenes Ulysses Guimares
Braslia/DF 4, 5 e 6 de junho de 2012
REMUNERAO VARIVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PBLICO:
INVESTIGAO DAS CAUSAS DO FRACASSO E IMPLICAES PARA O ESTADO BRASILEIRO
Lus Otvio Milagres de Assis Mrio Teixeira Reis Neto
Painel 06/021 Contratualizao de resultados: desempenho, recompensas e gaming: anlise de casos concretos
REMUNERAO VARIVEL POR DESEMPENHO NO SETOR
PBLICO: INVESTIGAO DAS CAUSAS DO FRACASSO E IMPLICAES PARA O ESTADO BRASILEIRO
Lus Otvio Milagres de Assis
Mrio Teixeira Reis Neto
RESUMO A implantao de sistemas de remunerao varivel por desempenho na administrao pblica brasileira observa significativo crescimento, mas o otimismo dos gestores no encontra fundamento na teoria. A literatura mostra que sistemas de remunerao varivel no setor pblico no exterior fracassam ou tm sucesso muito limitado. Este artigo tem por objetivo estudar as experincias de implantao de sistemas de incentivo em governos, analisar as causas dos fracassos ocorridos e identificar prticas que tero mais chances de conduzir um sistema de remunerao varivel a gerar bons resultados no servio pblico brasileiro. Para tal, foi investigada a efetividade de diferentes modelagens de sistemas de incentivo, os aspectos relevantes da cultura nacional, os argumentos da teoria econmica e estudos recentes no campo da psicologia. Finalmente, so apresentadas seis prticas que podem contribuir para melhorar os resultados de sistemas de incentivo no setor pblico, a saber: 1) a construo de uma agenda estratgica para toda a organizao; 2) o estabelecimento de resultados quantitativos como base da premiao; 3) a estruturao do modelo em torno de equipes e no em torno de indivduos; 4) o uso de uma unidade de inteligncia contra o gaming; 5) a realizao de um processo formal e peridico de contratualizao de metas e 6) a criao de sistemas de incentivo diferenciados em funo do tipo de tarefa.
2
1 INTRODUO
Dois momentos marcam a implementao de sistemas de remunerao
varivel (performance-related pay ou PRP) no setor pblico brasileiro: a experincia
do governo federal ps-FHC e a recente expanso dessas iniciativas nas
administraes estaduais brasileiras.
No final da dcada de 1990, o governo federal generalizou a
implementao de remunerao varivel na forma de gratificaes por desempenho
acrescidas ao salrio mensal na administrao pblica federal (PACHECO, 2009).
No perodo 1995-2002, foram criadas vrias gratificaes de desempenho. Alm de
possibilitar a concesso de aumentos diferenciados, a gratificao permitiu
desvincular a remunerao dos ativos da dos inativos e, assim, conceder aumentos
maiores aos ativos. No entanto, ainda no governo FHC, algumas gratificaes foram
estendidas aos inativos, por presso legal (PACHECO, 2010). No segundo governo
FHC, a remunerao varivel por desempenho foi generalizada, sem o avano de
outras medidas que subsidiassem o sistema, como a contratualizao de resultados.
No governo Lula, os valores variveis foram aumentados
significativamente, passando a representar, em muitos casos, valores entre 22% e
94% das tabelas salariais. Em seguida, presses corporativas fizeram com que a
parcela varivel fosse integralmente incorporada ao salrio fixo. Ainda segundo
Pacheco, o governo Lula adotou como poltica a extenso de todas as gratificaes
aos inativos. No Brasil, a maior parte das gratificaes variveis tende a ser, na
verdade, prenncio de simples aumento salarial. Boa parte dessas gratificaes
acabou, simplesmente, incorporada ao salrio, evidenciando um prognstico
sombrio para experincias de remunerao varivel no setor pblico brasileiro.
Mais recentemente, especialmente aps 2008, o Brasil parece viver uma
nova onda de implantao de incentivos. Programas de remunerao varivel,
geralmente em formato de bnus peridicos semestrais ou anuais, foram
implantados em diversos governos estaduais. Minas Gerais o estado onde a
iniciativa mais abrangente, tendo sido expandida em 2008, para mais de 90% dos
funcionrios do executivo estadual. Segundo Reis Neto e Assis (2010), de 2004
a 2009 foram distribudos R$ 905 milhes a ttulo de premiao por produtividade.
3
So Paulo implantou a PRP, em 2009, nas reas de educao, fazenda e
planejamento e distribuiu mais de R$ 600 milhes em premiao i . Pernambuco
distribuiu aos servidores da educao, em 2009, um total de R$ 29 milhes em
funo do cumprimento de metas definidas para cada escolaii. No nvel federal, foi
aprovada a Lei no 12.155, de 23/12/2009, que atribui aos servidores do
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) bnus de R$ 3 mil a
R$ 28 mil (dependendo do cargo) em funo do cumprimento de metas do Programa
de Acelerao do Crescimento (PAC). No Rio de Janeiro, em 2010, policiais civis e
militares foram premiados em funo de metas de reduo da criminalidade, sendo
que R$ 6 milhes foram distribudos no estado at o momentoiii.
Parece haver um otimismo generalizado dos gestores pblicos quanto ao
potencial dessas iniciativas, mas esse otimismo no encontra fundamento na teoria.
A literatura mostra que sistemas de remunerao varivel no setor pblico
fracassam ou tm sucesso muito limitado (OCDE, 2005a; Perry, Engbergs e Jun,
2009; Bowman, 2010; Weibel, Rost e Osterloh 2010). Em algumas situaes, o
modelo gera resultados positivos mas, em diversos outros casos, ele fracassa em
seu objetivo de motivar as pessoas e pode, inclusive, gerar efeitos perversos.
A experincia no governo federal brasileiro j traz um sinal adicional de
alerta. O uso da PRP como instrumento de legitimao de simples aumentos
salariais ilustra, de forma contundente, o fato de que caractersticas culturais
brasileiras parecem influenciar negativamente a implantao de sistemas de
avaliao e incentivo, conforme argumento de Barbosa (1996). Diante da recente
expanso da remunerao varivel no Brasil, praticamente ainda no existem
trabalhos acadmicos que avaliam a implantao desses modelosiv.
Nesse cenrio, justifica-se entender melhor as razes pelas quais os
sistemas de remunerao varivel esto apresentando, em outros pases, resultados
aqum do desejado. O estudo tambm se justifica na medida em que a recente
implantao de modelos dessa natureza na administrao pblica nacional no
deveria repetir erros j observados na experincia internacional. Assim sendo, o
presente artigo objetiva sistematizar o debate atual sobre o tema, luz da literatura
sobre remunerao varivel, da experincia internacional e do conhecimento
disponvel a respeito do contexto brasileiro.
4
Como estratgia metodolgica, utilizou-se a reviso da literatura com foco
em dois objetivos: a) analisar estudos que sistematizam os principais argumentos
tericos que explicam fracasso ou sucesso da implantao de modelos de incentivo
no setor pblico nesse ponto, destacam-se os trabalhos de Burgess e Ratto (2003)
e Weibel et al (2010) e b) analisar resultados de pesquisas empricas que buscaram
investigar casos concretos de implementao de modelos de PRP a este respeito,
destacam-se os estudos de Marsden (2004), OCDE (2005) e Perry et al (2009).
Pode-se dizer que a questo central que norteou o trabalho foi: quais so
as prticas que tero mais chances de conduzir um sistema de remunerao
varivel a gerar bons resultados no servio pblico brasileiro?
2 A INEFICCIA DOS SISTEMAS DE REMUNERAO VARIVEL NO SETOR PBLICO
O aspecto mais debatido na produo cientfica mundial a respeito de
programas de remunerao varivel no setor pblico tem sido sua efetividade.
Parece bvio que implantar um sistema de remunerao varivel vinculado ao
desempenho seja positivo, moderno e eficaz. Entretanto, pesquisas realizadas nos
pases da OCDE apontam que a remunerao varivel no setor pblico fracassa ou
tem sucesso muito limitado (OCDE, 2005a; Perry et al, 2009; Bowman, 2010; Weibel
et al 2010).
A OCDE (2005b) investigou modelagens bem e mal sucedidas de
remunerao varivel na rea pblica de 14 pases desenvolvidos. Sua concluso
foi que a PRP motiva apenas uma pequena parcela dos funcionrios, enquanto a
grande maioria no a v como um incentivo para um melhor desempenho. Extensas
pesquisas empricas conduzidas no Reino Unido e nos Estados Unidos mostraram
que, apesar do apoio ideia de vincular a remunerao ao desempenho, apenas um
pequeno percentual dos empregados acredita que ela os induz a produzir acima dos
requisitos do trabalho. Em muitos casos, ocorreu um desestmulo cooperao.
Muitos servidores pblicos, particularmente aqueles em funes no gerenciais,
consideram o valor do salrio-base e sua comparao com os valores de mercado
muito mais importantes do que os acrscimos salariais vinculados ao desempenho.
5
A natureza e o contedo do trabalho e as perspectivas de desenvolvimento na
carreira so considerados, por esses servidores, como as verdadeiras fontes de
incentivo. A remunerao varivel geralmente no motiva a maioria dos funcionrios,
independente de sua configurao (OCDE, 2005b).
Perry, Engbergs e Jun (2009) analisaram as concluses de 57 estudos
publicados entre 1977 e 2008 sobre a implantao de sistemas de remunerao
varivel no setor pblico em diversos pases. Dentre as constataes, foi destacado
que a remunerao varivel por desempenho no setor pblico falha em sua
promessa, pois no se apresenta como um incentivo para a maioria dos
colaboradores (PERRY et al., 2009, p. 43). Na percepo dos funcionrios, a PRP
no promoveu uma motivao adicional. Complementando, os autores analisaram,
desses estudos, os 14 trabalhos julgados de melhor qualidade e encontraram
resultados contraditrios. Quatro so claramente negativos, outros cinco no
permitem tirar qualquer concluso e cinco so favorveis remunerao varivel.
Estudos mais recentes so ainda mais pessimistas. Bowman (2010) revisa os
resultados de mais de vinte anos de uso da remunerao varivel no governo
federal americano. O autor argumenta que o desempenho de programas de
remunerao varivel , no mnimo, decepcionante em relao s expectativas. O
resultado da implantao , muitas vezes, contraprodutivo. Dois livros recentemente
publicados sobre a reforma do servio civil Bilmes e Gould (2009)v e Donahue
(2008)vi rejeitam a ideia de remunerao varivel nos governos. Segundo Bowman
(2010), muitos estudos sugerem que os indivduos no querem acreditar que
trabalham apenas por dinheiro. Isso vale especialmente para os servidores pblicos.
Eles podem at se sentir ofendidos quando so tratados como se pudessem ser
manipulados por incentivos monetrios. Um argumento semelhante ao de Bowman
(2010) defendido por Weibel, Rost e Osterloh (2010). Para estes, a remunerao
varivel, em geral, destri a motivao intrnseca,vii levando, assim, a uma queda no
desempenho. Weibel et al (2010) propem a suspenso da implantao da
remunerao varivel no setor pblico.
Importantes estudos (OCDE, 2005; Perry et al 2009; Marsden, 2010;
Burgess e Ratto, 2003) enfatizam que as limitaes dos modelos de remunerao
varivel no setor pblico so srias, recorrentes e esto relacionadas s ms
condies institucionais, estruturais, ambientais e de implementao.
6
Por que, ento, a PRP fracassa na maior parte dos casos? E por que ela,
s vezes, tem efeitos positivos? Algumas dessas questes sero exploradas a
seguir.
3 A VISO DOS ECONOMISTAS: A REMUNERAO VARIVEL SOB A TICA DA ESCOLHA RACIONAL E DA RELAO AGENTE X PRINCIPAL
Estudos publicados, principalmente no campo da Economia, argumentam
que os problemas de ineficcia da remunerao varivel no setor pblico esto
relacionados a esquemas de incentivo modelados e administrados incorretamente.
Weibel et al (2010) afirmam que esses estudos baseiam-se na teoria da escolha
racional, do indivduo autointeressado, egosta e extrinsecamente motivado viii .
Segundo os autores dessa vertente, em situaes adequadas a PRP geraria,
necessariamente, aumento no desempenho das pessoas. Entretanto, existiriam
problemas tpicos da relao agente x principal e caractersticas estruturais da
administrao pblica que levariam a incentivos subtimos. O foco dos
pesquisadores , ento, compreender essas situaes, estudar formas adequadas
de modelagem e implementao e possveis solues para esses problemas.
Essa tica enxerga a PRP a partir da relao agente x principal. Nessa
relao, um ator (principal) delega a outro ator (agente) a realizao de determinada
atividade. A relao fica problemtica na medida em que principal e agente no
compartilham os mesmos objetivos, o que possibilita a esses ltimos atuar
contrariamente aos interesses desejados. Podem-se enxergar os servidores pblicos
como agentes de cidados, polticos e lideranas burocrticas (principais). O
principal, no exerccio de suas atribuies e na busca de seu interesse, pode exigir
maior produtividade dos servidores. Estes no necessariamente compartilham dessa
vontade e podem se negar ao pretendido desempenho superior. O problema se
agrava quando o comportamento ou o desempenho do agente difcil de ser medido
e o principal tem informao incompleta, insuficiente, para avaliar quo bem o
agente est atuando no exerccio de suas funes (EISENHARDT, 1989).
7
3.1 As consequncias das mltiplas tarefas no sistema de incentivos
Segundo Burgess e Ratto (2003), caractersticas tpicas do setor pblico
dificultam a implantao de sistemas de incentivos. A existncia de mltiplas tarefas
desempenhadas pelos agentes, por si s, j complica a estrutura de incentivos. Se
as aes forem substituveis entre si (no sentido de que mais tempo numa atividade
significa menos tempo em outra), o uso de poderosos sistemas de incentivo pode
gerar efeitos indesejados nos resultados globais. Segundo MacDonald e Marx
(2001)ix, diante da existncia de atividades substitutas, os agentes iro privilegiar as
tarefas menos difceis, enquanto o principal desejar que eles realizem todas as
atividades. Os autores afirmam que, se o principal no tem certeza sobre as
preferncias de seus agentes, estabelecer recompensas por desempenho a tarefas
individuais pode ser subtimo, j que pode induzir os empregados a focar em tarefas
mais fceis.
Uma possvel soluo seria fazer com que todas as atividades
importantes fossem mensuradas de forma separada, com metas especficas. A cada
meta atribuir-se-ia uma recompensa ou uma parcela distinta da recompensa. Quanto
mais metas fossem atingidas, maior seria a premiao auferida. Novamente o risco
de mltiplas tarefas existe. O peso da recompensa a cada tarefa deve, ento, ser
cuidadosamente calculado em funo da dificuldade de execut-la e de sua
importncia relativa face s prioridades da organizao.
3.2 O problema dos mltiplos principais
Uma caracterstica-chave do setor pblico que os agentes (servidores
pblicos) trabalham para diversos principais (cidados, lideranas polticas, altas
lideranas da burocracia, gerncia intermediria da burocracia). Nessas
circunstncias, estabelecer incentivos adequados mais complicado, uma vez que
esses principais esto interessados em apenas alguns aspectos dos resultados e,
ainda, por vezes, os interesses dos diversos principais no esto alinhados.
8
O argumento elaborado por Bernheim e Whinston (1986)x que, nessas condies,
cada principal vai oferecer mais incentivos positivos aos elementos em que est
interessado e incentivos negativos aos demais, enquanto os agentes vo acabar
privilegiando aqueles que oferecerem incentivos maiores, deixando de lado outros
principais e outras tarefas. Uma possvel soluo tentar negociar com os diversos
principais para formalizar os objetivos e metas, deixando-os claros para os agentes.
3.3 Dificuldades na mensurao de resultados no setor pblico
Segundo Burgess e Ratto (2003), alguns tipos de tarefas no setor pblico
so particularmente difceis de serem mensuradas e recompensadas. Isso ocorre
por duas razes: a) na administrao pblica, parte dos servidores tomadora de
deciso em diversas atividades, tais como as dos policiais, fiscais de renda e
assistentes sociais e b) os servidores trabalham para organizaes que no tm
uma meta nica, clara e evidente. Para os autores, as duas caractersticas
combinadas tornam mais difcil o incentivo e o monitoramento desses indivduos.
Considerando a dificuldade em se mensurar resultados finais, torna-se
ainda mais importante monitorar o desempenho durante a execuo das atividades,
mas novamente, caractersticas tpicas de organizaes pblicas complicam essa
tarefa. Wilson (1989) analisou diversas organizaes do governo dos Estados
Unidos e as classificou em relao possibilidade de mensurar os meios que os
funcionrios utilizam e os fins (resultados) que elas perseguem. Nessa classificao,
surgem organizaes nas quais nem os resultados nem os meios so fceis de
medirxi. Nelas, os burocratas tm o controle da distribuio de bens e servios para
os clientes e suas decises dependem de fatores ou variveis que no so
facilmente observados por seus superiores. Policiais so o exemplo tpico: a deciso
de prender uma pessoa baseada na suspeita imediata de culpa, o que no
observvel por seus superiores. E a deciso de transferir um bem ou prestar um
servio no pode ser baseada num preo pago pelo cliente, o que seria facilmente
observvel. Nessas organizaes, em que nem o esforo do agente nem o resultado
entregue so facilmente observveis, a mensurao do desempenho desafio e um
problema recorrente.
9
Burgess e Ratto (2003) argumentam que, nessas situaes, as
informaes sobre desempenho esto geralmente disponveis somente de forma
mais agregada. Os resultados so produzidos por indivduos, mas so mensurveis
tendo por referncia o grupo de indivduos (unidade gerencial). Assim, o foco em
equipes particularmente relevante como soluo para mensurao de
desempenho no setor pblico.
3.4 O trabalho em equipe e sua relao com incentivos
Holmstrm (1982) xii argumenta que, em uma situao em que os
membros de uma equipe dependem uns dos outros para a produo dos resultados,
surge o problema do carona (free rider). Esse problema fica mais grave quanto
maior for a organizao. Uma recompensa tima, nessa situao, depende de
quanto o resultado fcil de medir e tambm depende do tamanho da equipe.
Quanto maior for a dificuldade em medir os resultados, maior e mais complexa ser
a concepo de um sistema timo de incentivos. O problema do free-rider a
explicao mais comum da Economia para a dificuldade em se ter sucesso com
sistemas de recompensas por equipes (Burgess e Ratto, 2003). Ainda segundo esta
viso, no trabalho em equipe, uma situao que pode estimular o desempenho o
monitoramento pelos pares (colegas de trabalho). Vincular recompensas ao
desempenho do grupo estimula esse monitoramento e, consequentemente, reduz a
prtica do free-rider. Kendel e Lazear (1992) xiii mostram que um maior
monitoramento pelos pares pode induzir a um maior esforo dos indivduos caso o
risco de ser pego fazendo corpo mole seja maior. Isso tem uma implicao no
tamanho das equipes, uma vez que em equipes muito grandes fica mais difcil o
monitoramento pelos pares. Na anlise de Holmstrm (1982), a equipe definida
por ser uma unidade de produo, na qual seus membros contribuem para um
mesmo resultado.
10
Um importante debate a respeito da modelagem de sistemas de incentivo
ocorre entre os defensores de avaliaes baseadas no indivduo e avaliaes
baseadas em equipes. Gehardt (2009) aponta que, quanto ao nvel de mensurao
do desempenho, os modelos de remunerao varivel se dividem em individuais,
coletivos ou hbridos (em que a remunerao baseia-se parte no desempenho
individual e parte no desempenho coletivo). Embora a viso econmica apresente
riscos envolvidos na utilizao de modelos coletivos, eles esto crescentemente
ganhando fora nas experincias de PRP nos governos. Os modelos focados em
indivduos, embora possam promover forte incentivo em funo da ligao direta
desempenho individual-premiao, tambm possuem aspectos negativos,
principalmente vinculados cooperao. Gehardt (2009) argumenta que o uso de
modelos de incentivo individuais pode fomentar a desagregao e dificultar o
trabalho em grupo, na medida em que cada servidor ser avaliado e recompensado
individualmente e o resultado coletivo do trabalho pode deixar de ser prioridade. O
estudos da OCDE (2005a, 2005b) e de Perry et al (2009) concluem que modelagens
focadas em equipe parecem ter melhores resultados do que esquemas baseados na
avaliao individual de desempenho.
Uma das principais consequncias do relatrio Makinson (2000)xiv, que
sugeriu modelagens de incentivos para o servio pblico britnico, foi o surgimento
de sistemas de remunerao varivel baseados em equipes. Essas equipes
variavam desde 100 funcionrios at milhares de empregados de divises inteiras.
Burgess e Ratto (2003) argumentam que uma definio clara da equipe muito
importante para a concepo exitosa de um sistema de incentivos. Nesse sentido,
equipes podem ser definidas em funo do processo de produo ou, ento, ser
forjadas artificialmente, no sentido de proporcionarem um estmulo para a
cooperao entre unidades distintas. Deve haver uma racionalidade na definio da
equipe e isso deve ser estudado caso a caso. Por exemplo, se o objetivo for gerar
incentivo e controle pelos pares (colegas de trabalho), evitando assim o free-rider, a
concepo da equipe deve considerar esse aspecto, especialmente em funo do
tamanho do grupo, devendo esse ser relativamente pequeno.
11
4 AS INTERFERNCIAS DA QUESTO PSICOLGICA NA REMUNERAO VARIVEL
Vises mais ligadas Psicologia enxergam as causas do fracasso de
sistemas de PRP no em incentivos subtimos, mas sim na motivao dos
empregados. Segundo Weibel et al (2010), as teorias econmicas baseadas no
autointeresse no possuem uma estrutura analtica suficiente para analisar a
motivao dos empregados, especialmente empregados do servio pblico. O uso
da remunerao varivel geraria efeitos adversos nos servidores pblicos, muitas
vezes reduzindo sua motivao.
As modernas teorias psicolgicas fundamentam-se na ideia de que
existem dois componentes na motivao: a motivao intrnseca e extrnseca.
Enxergar o peso desses dois componentes na motivao dos indivduos parece ser
fundamental para a compreenso do impacto da remunerao varivel no
desempenho de cada profissional. Segundo Weibel et al (2010), no servio pblico
os funcionrios tm, em geral, motivao intrnseca significativa, realizando tarefas
em funo do senso de dever, lealdade e prazer, ou seja, realizam as atividades
porque acreditam nelas e, ao faz-lo, tm a sensao de que esto cumprindo seu
dever. Essa motivao intrnseca, em certas condies, pode ser reduzida ao ser
introduzida a remunerao varivel. Dar a algum incentivos financeiros para
realizar tarefas que j seriam feitas por prazer reduz a motivao, na medida em que
a pessoa passa a enxergar a tarefa como algo controlado por incentivos externos e
no por um prazer, por uma vontade interna. Portanto, esses incentivos financeiros
podem produzir custos ocultos e, assim, reduzir o desempenho (WEIBEL et al,
2010). Esse efeito da reduo ou neutralizao da motivao intrnseca em funo
da existncia de recompensas extrnsecas genericamente conhecido na literatura
como efeito deslocamento ou expulso (crowding-out effect). Em outras palavras, o
aumento motivao extrnseca por meio de mecanismos externos (recompensas)
provoca o deslocamento ou a expulso da motivao intrnseca. atribuda a
este efeito boa parte das limitaes motivacionais da remunerao varivel.
12
4. 1 O efeito crowding-outxv
Diversos autores tm buscado compreender o problema do efeito
crowding-out. Osterloh e Frey (2002) sintetizam argumentos tericos e resultados de
pesquisas empricas sobre o assunto. Duas vises existem a respeito desse efeito.
Segundo a viso da teoria da avaliao cognitiva, o referido efeito faz com
que a motivao intrnseca seja substituda pela interveno externa, o que
percebido como uma restrio autonomia do indivduo. O indivduo em questo
no mais se sente responsvel por determinada tarefa, j que a tarefa est sendo
controlada e incentivada pelo dinheiro, pela premiao varivel. A tarefa passa a
ser orientada no mais pelo prazer, mas pelo dinheiro. O indivduo passa, ento, a
atribuir a responsabilidade da tarefa para quem est pagando por ela, isentando a si
prprio de investir energia em sua realizao.
J a teoria dos contratos psicolgicos argumenta que cada relao de
trabalho inclui um aspecto extrinsecamente motivado (dinheiro) e um aspecto
relacional entre as duas partes. Caso a parte relacional do contrato seja quebrada, a
boa-f recproca colocada em xeque. Evidncias empricas demonstram que,
quando isso ocorre, as partes no contrato percebem que a realizao da tarefa foi
transformada numa simples relao comercial. Por exemplo, quando um supervisor
cumprimenta um empregado por um grande esforo com um presente simblico
(flores, por exemplo), a motivao intrnseca desse empregado tende a aumentar
porque ele sente que seu esforo valorizado. Entretanto, se por algum motivo,
esse empregado percebe que o gesto do superior serve somente a um objetivo
instrumental, sua motivao intrnseca afetada negativamente. As flores passam a
ser percebidas como controladoras e a relao interpretada como comercial,
reduzindo a motivao (OSTERLOH e FREY, 2002).
Diversas anlises empricas tm sido realizadas a respeito do crowding-out
effect. Uma das mais relevantes (Eisenberger e Cameron, 1996)xvi analisou um total
de 59 artigos produzidos entre 1971 e 1997 e concluiu que recompensas reduzem a
motivao intrnseca para atividades consideradas interessantes (aquelas que os
experimentos mostraram ser intrinsecamente orientadas) de uma maneira altamente
13
significante e bastante confivel. Osterloh e Frey (2002) argumentam, portanto, que
no h dvidas de que o crowding-out effect existe e um fenmeno significativo sob
certas condies. Assim, necessrio calcular o resultado lquido entre o efeito-
premiao (decorrente da recompensa) e subtrair o efeito crowding-out, para avaliar
de fato o impacto da remunerao varivel sobre a motivao.
4. 2 A comparao entre estmulos intrnsecos e extrnsecos
A viso da Psicologia prope, portanto, que a remunerao varivel reduz
o desempenho no caso de tarefas interessantes. Em oposio, a viso da Economia
argumenta que a remunerao varivel aumenta o desempenho independentemente
do tipo da tarefa, quando o sistema de incentivos est modelado e implementado
corretamente.
Novos estudos publicados por Weibel et al (2010) iluminam essa aparente
controvrsia. Os autores revisaram concluses de 46 estudos publicados em
revistas acadmicas das reas de Economia e Psicologia. Os estudos foram
classificados na medida em que se referiam a atividades interessantes e no
interessantes. Os autores concluram que a remunerao varivel aumenta
significativamente o desempenho no caso de atividades no interessantes, enquanto
no caso de atividades interessantes ela reduz o desempenho. No estudo, no foram
encontradas diferenas significativas entre os estudos publicados em revistas de
Economia e Psicologia. Assim, possvel articular as duas vises (econmica e
psicolgica) em uma concluso convergente. A Economia argumenta que boa parte
dos problemas da remunerao varivel est relacionada a incentivos modelados
inadequadamente. A viso da Psicologia complementa esse raciocnio
acrescentando um aspecto: PRP funciona bem para atividades no interessantes e
tem srias limitaes para atividades interessantes, podendo, nesses casos, at
reduzir o desempenho do funcionrio.
Essas concluses tm importantes consequncias para a modelagem de
incentivos no setor pblico. O estudo da OCDE (2005a) mostrou que os incentivos
variveis tendem a ser de, no mximo, 10% da remunerao para o nvel no
gerencial. Como consequncia, o efeito-premiao pequeno no servio pblicoxvii.
14
O efeito crowding-out, contudo, alto, j que o contedo do trabalho e a motivao
intrnseca parecem ser importantes elementos de incentivo no servio pblico, o que
confirmado por uma srie de autoresxviii. Um pequeno efeito-premiao somado a
um grande efeito crowding-out resulta em uma queda de desempenho,
especialmente para tarefas interessantes.
Para Weibel et al (2010), essa realidade sintetiza a maior parte das
causas do fracasso da remunerao varivel no setor pblico. Nesse ambiente,
servidores de nvel operacional so mais propensos a considerarem seus trabalhos
menos interessantes do que os gerentesxix e, assim, so bons candidatos para a
remunerao varivel. J para os gerentes, a PRP seria uma estratgia arriscada e
potencialmente negativa, j que a funo gerencial tende a ser interessante em
razo do desafio e da complexidade da tarefa. Essas afirmaes tericas parecem
estar de acordo com estudos empricos. Perry et al (2009) concluem, aps avaliar
a efetividade das experincias de PRP, que elas parecem ter mais sucesso nos
nveis operacionais, onde as tarefas so menos ambguas e os resultados mais
concretos e mensurveis, contradizendo a premissa de que seriam mais efetivas
nos nveis gerenciais.
5 EM BUSCA DO IMPACTO POSITIVO: OUTRAS CONDIES CRTICAS DE IMPLEMENTAO
A maioria dos estudos enfatiza, porm, que a remunerao varivel no
setor pblico pode ter efeitos positivos (OCDE, 2005; Perry et al 2009; Marsden,
2010; Burgess e Ratto, 2003). O modelo no um simples fracasso. Suas
limitaes, embora srias e recorrentes, podem ser enfrentadas ou minimizadas e
resultados positivos podem ser obtidos.
Segundo Marsden (2010), embora a remunerao varivel possa ter
efeitos perversos sobre a motivao em algumas condies, existem contribuies
para a melhoria do desempenho das organizaes. A mensurao do desempenho
e a definio de metas (que geralmente so fortalecidas com a implantao da
PRP) tm contribudo para um melhor desempenho. O autor afirma que a
implantao da remunerao varivel tem incentivado a renegociao de
15
prioridades e padres de desempenho entre empregados e chefia. Uma vez que
metas e objetivos organizacionais so a base de clculo da parcela varivel, torna-
se necessrio que eles sejam esclarecidos, comunicados, negociados e
repactuados com os empregados. A relao contratual entre chefe e subordinado
passa a ser regularmente rediscutida e favorece a convergncia das metas
individuais e organizacionais.
Os estudos reforam uma importante constatao: discutir a relao entre
remunerao varivel e melhoria do desempenho no implica, somente, em verificar
possvel aumento no esforo dos funcionrios. H de se verificar, tambm, em que
grau esse esforo foi redirecionado aos objetivos desejados (Gerhart, 2009). O
simples redirecionamento do esforo (mesmo que no haja aumento dele) em direo
s prioridades da organizao pode gerar melhoria do desempenho. Mesmo que a
PRP no gere mais esforo, ela pode induzir a um esforo de melhor qualidade, ou
seja, pode melhorar o alinhamento entre indivduo e organizao. Essas observaes
so coerentes com importantes estudos publicados recentemente. Os trabalhos de
Perry et al (2009) e OCDE (2005a, 2005b) concluram que a PRP pode melhorar o
desempenho, em geral, no por via da motivao. Os bons resultados so
decorrentes de efeitos derivados como o alinhamento de esforos em torno de
prioridades, mensurao e avaliao do desempenho, melhor tomada de deciso e
maior cooperao quando as metas so coletivas.
A literatura aponta, entretanto, que esses efeitos positivos ocorrem
quando h boas condies de implementao. Mas estas condies parecem
presentes em poucas experincias investigadas. Uma vez que grande parte dos
autores mostra-se reticente e pessimista quanto aos resultados da remunerao
varivel no servio pblico, necessrio aprimorar a modelagem e os processos
de implementao da remunerao varivel para fortalecer seus aspectos
positivos. A seguir, sero discutidos outros aspectos relevantes de modelagem
e implementao.
16
5.1 Primeiros passos na introduo de sistemas de PRP
Kerr (2004) afirmou que para se ter uma gesto efetiva, o
estabelecimento das recompensas deve ser a terceira coisa com o que se
preocupar. Mensurar o desempenho deve vir em segundo lugar e tanto as
recompensas quanto a mensurao devem estar subordinadas definio clara e
precisa sobre o que, de fato, deve ser feito. O primeiro passo, portanto deve ser a
construo de um plano estratgico para a organizao. Ele pode estar em uma
folha de papel com as dez prioridades para o ano ou em um mapa estratgico
elaborado com o apoio de uma boa consultoria. Ainda segundo o autor, o mais
interessante desse princpio que ele, por mais senso comum e autoevidente que
seja, violado sistematicamente. Kerr (2004) ensina que estabelecer indicadores de
desempenho e metas para verificar o cumprimento (ou no) das prioridades
definidas pela organizao deve vir antes de se pensar na implantao de um
sistema de PRP. A ausncia de um plano estratgico com metas organizacionais
anteriores introduo de sistemas de incentivo pode levar a metas criadas de
qualquer maneira, apenas para a implantao da PRP, desconectadas de um
processo maior, estipuladas apenas para setores (ou carreiras) especficos da
organizao e direcionadas para objetivos nebulosos (j que no se discutiram as
prioridades e a estratgia para a organizao como um todo). Assim, surgem,
naturalmente, situaes como a descrita por Kerr (1975), ou seja, a organizao
pode estar recompensando coisas erradas e, inclusive, aquilo que deseja evitar.
5.2 Definio dos indicadores de desempenho
Segundo Pacheco (2009) diversos autores tm discutido a questo de
mensurar os produtos/servios ou impactos. Entende-se produtos/servios como
aqueles oferecidos ou prestados em nome do governo pelos ministrios/secretarias
a indivduos ou a organizaes externas (Trosa, 2001). So conhecidos na literatura
como outputs. Os produtos/servios so diretamente vinculado s polticas pblicas,
como por exemplo o nmero de atendimentos preventivos nos postos de sade. J
os impactos tambm chamados de outcomes so as mudanas efetivas
desejadas pela sociedade em decorrncia das polticas pblicas, como por exemplo
a reduo da mortalidade infantil de determinada populao.
17
Os produtos/servios so muito importantes para avaliar o resultado da
poltica pblica de forma mais especfica e concreta, estabelecendo relao entre
processos e resultados. Existem argumentos clssicos: os defensores dos
produtos/servios argumentam que eles so mais facilmente mensurveis, so
consequncia direta da poltica pblica e, portanto, mensuram melhor o
desempenho. Os defensores dos impactos argumentam que so estes que medem,
de fato, se a poltica est funcionando embora apenas sejam observveis em
mdio/longo prazo.
Trosa (2001) apresenta uma soluo pragmtica: produtos/servios e
impactos so, ambos, importantes e respondem a perguntas distintas. Para a autora,
a mensurao dos produtos/servios permite conhecer o que efetivamente
produzido com os recursos pblicos e os impactos permitem indagaes sobre a
eficcia e utilidade daquilo que produzido. Os governos devem comear pelos
produtos/servios, cuja mensurao mais fcil, e ir evoluindo em direo aos
impactos, por meio da construo da cadeia lgica que liga as aes aos objetivos
visados, relacionando impactos, resultados intermedirios e aes.
Para Behn (2003, 2004a), no basta discutir a medio de
produtos/servios ou impactos. Deve-se explicitar qual o propsito com a
mensurao, pois diversos objetivos requerem diferentes medidas. Segundo o autor,
para motivar as pessoas, a organizao precisa de medidas praticamente em tempo
real, pois s tem sentido a recompensa caso seja possvel monitorar os resultados a
tempo de corrigir rumos. Behn defende enfaticamente a mensurao de
produtos/servios, especialmente quando o objetivo motivar. Portanto, quando se
fala em remunerao varivel por desempenho, a literatura nos esclarece que o foco
em medidas de produtos/servios mais eficaz, pois gera condies efetivas de
corrigir rumos e tambm gera a percepo, nos servidores, de que basta modificar o
comportamento para melhorar os resultados, j que esses resultados so
consequncia direta da ao da organizao.
18
Segundo Pacheco (2010xx), parece haver, no Brasil, uma tendncia a
supervalorizar os impactos. Fala-se cada vez mais em impactos, como se eles
representassem a mais moderna face da gesto por resultados no servio pblico.
Entretanto, embora sejam medidas importantes e que devem ser mensuradas,
restringir-se aos impactos traz srias limitaes. Eles podem demorar muito tempo
(s vezes muitos anos) para manifestar o resultado de aes. Os impactos tambm
so influenciados por diversos fatores. Por exemplo, a melhoria das condies de
sade da populao no depende somente do nmero de atendimentos preventivos.
H tambm influncias do padro de saneamento, do nvel de educao e higiene e
de uma srie de outros fatores. Embora a mensurao desses impactos seja
importante e necessria para uma srie de objetivos, a utilizao deles para
sistemas de PRP deve ser bastante reduzida.
5.3 O papel da dificuldade e do volume das metas no desempenho
Locke e Latham (2002) afirmam que metas difceis levam a melhores
resultados. Foi encontrada uma correlao positiva linear, fortemente significativa,
de que as metas mais difceis (na percepo de quem deve cumpri-las) levam a
maiores nveis de esforo e desempenho. Segundo os autores, essa relao entre
metas difceis e desempenho foi comprovada por 35 anos de pesquisas e verificada
em mais de 100 diferentes tarefas envolvendo 40 mil participantes em 8 pases,
tanto em laboratrio quanto em estudos de campo. Os resultados so aplicveis a
indivduos e grupos (LOCKE e LATHAM, 2002). Os autores tambm compararam os
efeitos da definio de metas difceis e especficas simples utilizao do incentivo
moral faa o seu melhor. Os resultados mostram que metas difceis, especficas e
claramente definidas levam a um desempenho superior do que simples incentivo
moral verbal.
Outro ponto importante que metas em excesso levam a uma sobrecarga
cognitiva. A no ser que a maior parte delas possa ser delegada, um gerente
sozinho, provavelmente, tem condies de gerenciar algo entre trs e sete metas,
dependendo de sua complexidade e de quanto tempo elas demandam para sua
consecuo (LOCKE, 2004). Os autores tambm argumentam que, para que as
19
metas sejam efetivas, as pessoas precisam de feedbacks peridicos para revelar a
evoluo do seu desempenho. Se elas no souberem de que forma esto
desempenhando sua funo, ser praticamente impossvel ajustar ou redirecionar o
esforo e as estratgias em direo meta. Este mais um argumento a favor dos
produtos/servios, em detrimento dos impactos, para subsidiar sistemas de incentivo.
5.4 Os riscos associados ao fenmeno do gaming em sistemas de PRP
A palavra gaming se refere situao em que os controlados aprendem
a regra do jogo e passam a jogar em busca do seu interesse, mesmo que isso v
de encontro aos objetivos do sistema. Trata-se de uma manipulao e mau uso do
sistema, especialmente por parte dos controlados (agentes). Qualquer modelo de
incentivo que se baseie na avaliao de indicadores e metas est sujeito a esse
fenmeno, o que representa, assim, uma limitao e um risco para os sistemas de
remunerao varivel.
A literatura est recheada de exemplos desse fenmeno. Hood (2006)
mostra que, na Inglaterra, houve situaes em que foi solicitado a pacientes que
aguardassem dentro das ambulncias (evitando que chegassem recepo) at
que o hospital tivesse certeza de que eles poderiam ser atendidos dentro da meta de
4 horas de espera. Observaram-se, tambm, professores treinando alunos
especificamente para o teste que avalia o desempenho da escola, esquecendo
qualquer outro contedo ou disciplina que no fossem aqueles da prova; ainda, h
relatos de que alunos fracos so deixados de lado, na expectativa de focar a
ateno naqueles que vo melhorar o desempenho da escola no testexxi.
Incentivos perversos geralmente aparecem quando o trabalho exige uma
srie de tarefas, mas somente algumas so mensuradas e recompensadas. Neste
caso, o trabalhador concentra esforos somente nas que so recompensadas, em
detrimento dos objetivos organizacionais. Robert Behn (2007) alerta os gestores
pblicos a este respeito ao afirmar que poucas medidas concentram a ateno das
pessoas, o que uma vantagem bvia e, ao mesmo tempo, uma desvantagem. Para
o autor, o que no medido no feito e, portanto, os gestores devem avaliar
cuidadosamente o que deve ser estabelecido como medida e, especialmente, quais
medidas devem ser a base do sistema de incentivo.
20
Segundo Hood (2006), especialistas identificaram no mnimo trs tipos de
gaming e comportamentos oportunistas em torno de metas. O mais conhecido
ocorre quando os controlados (agentes) percebem que as prximas metas sero
influenciadas pelo maior desempenho obtido no passado (rachet effect ou efeito bola
de neve). Assim, eles passam a acreditar que se trabalharem muito durante o ano
iro prejudicar a si prprios, j que uma meta ainda maior lhes ser imposta no
prximo ano. Consequentemente, os agentes tendem a reduzir a produtividade no
perodo corrente para ficarem mais confortveis no futuro. Um segundo tipo
conhecido como efeito do limite mnimo ou nivelamento por baixo (threshold effect).
Ele ocorre quando metas iguais so impostas a todas as unidades do sistema,
fazendo com que no haja incentivos para a excelncia e, ainda, com que aqueles
que tm melhor desempenho sejam encorajados a reduzir a quantidade e qualidade
de seus servios em direo ao nvel mnimo definido pela meta. Um terceiro tipo de
gaming consiste na distoro dos objetivos hitting the target and missing the point
atingir o alvo mas no o sentido- como, por exemplo, situaes em que tempos de
resposta so reduzidos com perda da qualidade de atendimento. Nessas condies,
o processo de definio de metas pode se assemelhar a um jogo entre agente e
principal, em que ganha quem for mais esperto. E o objetivo de melhor desempenho
se perde neste jogo.
Na concepo e implementao de um sistema de remunerao varivel,
mais importante do que tentar reduzir o gaming depois de identificada sua
existncia, evitar criar incentivos para que ele venha a surgir. A possibilidade de
ocorrer o gaming est relacionada a dois aspectos: a presso exercida nos
indivduos em funo do sistema de metas, por um lado, e a existncia de
mecanismos anti-gaming, por outro.
A existncia de remunerao varivel atrelada avaliao dos resultados
ou a um sistema de monitoramento de metas gera maior presso e maior incentivo
para que as pessoas pratiquem o gaming. Uma situao tpica ocorre quando h
forte cobrana de metas pela liderana, como no caso do ingls na gesto de Tony
Blair (em que gestores sofriam pesada cobrana executiva xxii e poderiam ser
21
demitidos em funo de resultados ruins). Nesse sentido, o valor ou o peso
monetrio da remunerao varivel faz diferena. Segundo a OCDE (2005b), o valor
monetrio da PRP no setor pblico tem ficado, nos pases desenvolvidos, at o
limite de 10% do salrio, para servidores, e de 20% para o nvel gerencial. No
ultrapassar esse limite parece ser importante para evitar o vale-tudo na busca de
resultados, o que incentivaria a prtica de gaming.
Mecanismos anti-gaming podem minimizar a ocorrncia desse fenmeno.
Hood (2006) cita a definio de especificaes detalhadas em relao aos
indicadores e metas, realizao de auditorias e punio exemplar de controlados
mal-intencionados. Para Locke (2004), uma forma adequada preveno desse tipo
de comportamento fazer com que regras de conduta, normas ticas e padres de
comportamento sejam claramente comunicados e sistematicamente reforados pela
liderana. Outras medidas so possveis para reduzir o efeito bola de neve. O
principal pode buscar meios de aumentar o conhecimento sobre a execuo da
tarefa, reduzindo a assimetria de informaes e conhecendo mais sobre o nvel de
esforo despendido na produo. Alm disso, esse principal pode comparar o
desempenho de sua unidade de produo com o de outras similares na mesma
organizao ou em outras organizaes, o chamado benchmarking.
A definio de metas pode, por si s, minimizar o gaming. A pactuao de
resultados pode ser feita por conjunto de indicadores, buscando contemplar,
nesses indicadores, quantidade e qualidade, gerando incentivos para evitar efeitos
perversos. Metas de reduo de tempo de espera de servios, por exemplo, devem
vir acompanhadas de indicadores de qualidade e satisfao desses servios.
A aplicao desses mecanismos anti-gaming demanda, entretanto,
anlise, pesquisa, dilogo e conhecimento da poltica pblica. A existncia de uma
unidade de inteligncia composta por servidores qualificados, ligada diretamente ao
principal e que o auxilie nos detalhes da negociao com o agente parece ser
fundamental. Na relao agente x principal, solucionar o problema da assimetria de
informao pode ser impossvel, mas implementar mecanismos para minimiz-la
parece necessrio.
22
5.5 A cultura brasileira e sua influncia sobre os resultados do sistema de PRP
Barbosa (1996) mostrou que tentativas de implementar sistemas de
avaliao individual por mrito no Brasil foram feitas diversas vezes em nossa
histria e presses sociais sempre levaram os modelos ao fracasso. Embora todos
apoiem a lgica meritocrtica, a prtica social no a legitima. A autora argumenta
que o valor de igualdade no Brasil diferente do existente nos Estados Unidos. L, a
ideia de igualdade significa o tratamento igual perante a lei, no necessariamente
significa a busca de um estado substancialmente igualitrio. A existncia da
diferena entre os indivduos reconhecida, legitimada e percebida como o
resultado do diferencial de talento aptido inata , que permite a alguns indivduos
realizar e praticar certas aes com muito melhor desempenho do que outros, em
funo de sua capacidade e desejo de realizao. As diferenas so, assim,
percebidas como inevitveis e desejadas. A sociedade americana est pronta para
admitir a igualdade jurdica e a desigualdade de fato, em funo das diferenas de
desempenho individual. Nesse contexto, o desempenho funciona como um
mecanismo socialmente legtimo, que permite sociedade diferenciar, avaliar,
hierarquizar e premiar os indivduos entre si.
A noo de igualdade no Brasil diferente. Barbosa (1996) afirma que o
desempenho entendido mais como resultado do ambiente do que como esforo do
indivduo. A consequncia disso que produes individuais no so comparveis,
pois o produto de cada uma visto como fruto de condies histricas subjetivas.
Para a autora, os brasileiros atribuem um desempenho ruim falta de oportunidades
na vida, no legitimando o mrito enquanto fonte natural de diferenciao social
em uma frase: no Brasil, desempenho no se avalia, se justifica. Da a sndrome da
isonomia, as progresses automticas para todos e o engessamento do servio
pblico, no qual diferentes categorias funcionais se encontram amarradas umas s
outras, de forma que qualquer diferenciao, mesmo que baseada na diferena de
funes, vista como concesso de direitos que devem ser estendidos a todos, o
que leva ao famoso efeito cascata. Na sociedade brasileira, o estabelecimento de
gradaes ou hierarquias visto como a introduo de uma desigualdade que vai de
encontro ao prprio objetivo do sistema. Em um universo como este, a luta pelo
23
reconhecimento do mrito individual extremamente difcil e polmica.
Especialmente quando essa avaliao tem impactos financeiros, o problema se
radicaliza. Mesmo quando h avaliaes objetivas sobre diferenciao de
desempenhos, no momento de eventuais distribuies financeiras a distribuio
acaba sendo igualitria. O argumento que, normalmente, como o dinheiro
disponvel muito pouco, melhor dar um pouquinho para cada um. para todos
receberem alguma coisa. Por isso que ou todos so avaliados positivamente, ou
ningum avaliado. (BARBOSA, 1996).
As consequncias dessa anlise so impactantes para a modelagem e
para a possibilidade de sucessos de sistemas de PRP no Brasil. Embora o
argumento de Barbosa se volte especificamente noo de avaliao de
desempenho individual, qualquer modelo de incentivo vai se basear nessa parcela
individual ou em uma avaliao coletiva para aferio da remunerao varivel. A
sndrome da isonomia e a busca de uma igualdade substantiva fazem com que,
mesmo havendo diferena de desempenho, exista uma presso social para que
todos ganhem de forma igual. Isso leva a presses adicionais no sistema de
avaliao porque a cultura brasileira atribui a desigualdade de desempenho falta
de oportunidades na vida. Assim, no faz sentido dar uma nota diferente de 10,
uma vez que cada um fez o que pde. A implantao de sistemas de PRP no Brasil
deve considerar esse aspecto cultural e, assim, prever mecanismos que possam
tornar mais objetiva possvel a diferenciao do desempenho. Modelos baseados
em resultados mensurados de forma objetiva so, por esse motivo, mais
adequados ao caso brasileiro do que modelos estruturados em avaliaes
subjetivas de desempenho.
5.6 Os efeitos da credibilidade e do senso de justia
A imagem que os empregados constroem sobre o funcionamento do
sistema de remunerao varivel influencia o fracasso ou o sucesso do modelo. Perry
et al (2009) concluram que o sucesso da PRP depende da percepo, por parte
dos empregados, de que o sistema justo, transparente e no poltico.
24
O nvel de confiana e a consistncia do sistema de avaliao foram observados
como fatores crticos para o sucesso do modelo. Se os empregados perceberem que
as regras do sistema foram relativizadas, flexibilizadas ou manipuladas em benefcio
de alguns, o sistema cair em descrdito. Os autores tambm argumentam que a
credibilidade da liderana parece ter um papel importante para induzir os empregados
a um senso de justia em relao PRP. Gehardt (2009) e Dahlstrm e Lapuente
(2010) tambm reafirmam a importncia de que os empregados tenham o sentimento
de confiana e credibilidade em relao s regras, para a efetividade do modelo.
6 ESCOLHENDO MODELAGENS ADEQUADAS PARA SISTEMAS DE INCENTIVO NO CASO BRASILEIRO
As experincias investigadas nas diversas publicaes aqui referenciadas
e os argumentos tericos propostos pelos autores indicam prticas que tero mais
chances de conduzir um sistema de remunerao varivel a gerar bons resultados
no servio pblico brasileiro. A seguir, descreve-se uma proposta preliminar dessas
prticas, que podem e devem ser aprimoradas pela literatura gerencial brasileira.
Conforme foi possvel observar na literatura, para que a PRP realmente
contribua para a melhoria do desempenho, necessrio garantir que o modelo
incentive o comportamento e os resultados na direo adequada. Metas criadas
apenas para compor o clculo varivel da remunerao dificilmente so levadas a
srio. A remunerao varivel , nas experincias exitosas, parte de um sistema
mais amplo de gesto de resultados e metas, em que as informaes do
desempenho so monitoradas e utilizadas para a tomada de deciso no dia a dia.
nessas condies que o potencial do sistema utilizado plenamente, j que os
incentivos podem ser acompanhados e redirecionados medida que prioridades
especficas da organizao forem identificadas. Assim, cabe esperar que a prtica 1,
a seguir, gere bons resultados no contexto brasileiro:
25
Prtica 1: Uma primeira e indispensvel etapa para a concepo de um sistema eficaz a construo de uma agenda estratgica (com indicadores e metas) para toda a organizao (e no para apenas partes dela).
Conforme apontado na literatura, arriscado estruturar o modelo de PRP
em torno de avaliaes de comportamento que tm um grau maior de subjetividade.
O motivo principal o risco de tendncia benevolente. Dessa forma, parece ser mais
indicado estruturar a mensurao em torno de produtos/servios. Eles so mais
adequados para proporcionar redirecionamento de esforos em busca de resultados,
uma vez que podem ser medidos praticamente em tempo real. Eles tambm so
mais adequados para representar, de fato, o esforo empreendido na execuo da
poltica pblica. Os produtos/servios enxergam melhor e mais diretamente o
desempenho, sendo mais teis para a tomada de deciso e gesto do dia a dia.
Estudos apontam que as pessoas precisam ter a sensao de que cabe a elas
alcanar as metas para, assim, sentirem-se motivadas. Uma pequena parcela da
composio varivel pode ser reservada aos impactos, apenas para que eles
exeram a funo de inspiradores e para que o exerccio de repensar a relao
processos x resultados seja constante. Assim, cabe esperar que a prtica 2, a
seguir, venha a gerar bons resultados no contexto brasileiro:
Prtica 2: O modelo deve basear-se na avaliao de resultados objetivamente quantificveis, exclusivamente. Os resultados devem privilegiar mais produtos/servios e menos impactos.
Sistemas baseados em equipes tm sido apontados como mais eficazes
no setor pblico, seja pela dificuldade em medir resultados no nvel individual, seja
porque fortalecem a cooperao. No existe uma receita nica para a definio da
equipe. Deve-se avaliar, caso a caso, o que favorece mais o desempenho. A equipe
deve ser composta por indivduos que respondam pela produo de um nico
produto/servio, ou seja, indivduos que contribuam para um mesmo resultado.
Equipes pequenas podem favorecer o controle pelos pares, se esse objetivo for
relevante para o caso concreto. E, finalmente, equipes podem ser ampliadas, para
que diferentes unidades persigam as mesmas metas, fortalecendo a cooperao.
Assim, cabe esperar que a prtica 3, a seguir, venha a gerar bons resultados:
26
Prtica 3: O modelo deve basear-se em metas por equipe e em premiao por equipe. A composio e o tamanho da equipe devem ser estudados caso a caso e privilegiar dois critrios: unicidade da produo/servio e possibilidade de controle pelos pares.
A construo de indicadores e metas de forma que eles orientem os
comportamentos desejados no trivial. Cada resultado requer um conjunto de
indicadores para promover o incentivo na direo correta e evitar o gaming. Essa
construo requer pesquisa, anlise e conhecimento da poltica pblica. Alm
disso, considerando a relao agente x principal, quanto mais informao puder
ser levantada sobre benchmarking, melhor ser a efetividade da relao e melhor
ser a definio das metas. Contudo, no parece crvel que metas difceis, que
levam a melhores resultados, possam ser definidas sem uma anlise detalhada do
desempenho. , portanto, indispensvel, para a efetividade de modelos de PRP, o
estabelecimento de uma unidade de inteligncia, dotada de alta qualificao e
ligada diretamente ao principal, com o propsito de coordenar o modelo e
assessorar a liderana. Assim, cabe esperar que a prtica 4, a seguir, venha a
gerar bons resultados:
Prtica 4: Uma unidade de inteligncia deve ser constituda para negociar metas ousadas, reduzir a assimetria de informaes e evitar o gaming.
Para minimizar o problema dos mltiplos principais, um processo de
formalizao daquilo que ser a base para o clculo da parcela varivel parece
importante. Quanto mais esse processo for formal, sistemtico, discutido e
negociado, melhor ser o resultado final em termos de efetividade da PRP. Os
estudos mostram, tambm, que a credibilidade do modelo perante os empregados
fator imprescindvel para se obter sucesso. E essa credibilidade depende da
percepo, por esses empregados, de que o sistema tem regras claras, justo,
transparente e no poltico. Assim, cabe esperar que a prtica 5, a seguir, venha a
gerar bons resultados:
27
Prtica 5: necessrio um processo formal, sistemtico e peridico de contratualizao de metas quantitativas que serviro como base do sistema. Nesse processo, os empregados devem ser ouvidos. Regras claras de funcionamento do sistema devem ser estabelecidas, divulgadas e respeitadas. Deve-se investir na transparncia das metas e do processo de avaliao.
A teoria claramente mostra que a PRP funciona muito bem para tarefas
pouco interessantes. Nessa parcela do funcionalismo, deve-se tomar cuidado
apenas para que o valor monetrio da premiao no gere presses fortes demais,
de modo a estimular o gaming. O teto identificado na experincia internacional,
de 10% da remunerao dos servidores, parece adequado. Assim, a prtica 6
parece adequada:
Prtica 6: A modelagem do sistema deve adaptar-se em funo do tipo de atividade. Uma modelagem nica parece ser ineficaz. Tarefas (ou funcionrios) com caractersticas diferentes precisam de modelagens de remunerao varivel tambm distintas. No nvel operacional, especialmente em setores que realizam tarefas pouco interessantes, a implantao da PRP com valores monetrios relativamente baixos altamente eficaz para a melhoria do desempenho.
Excetuando-se tarefas operacionais e pouco interessantes, as quais so,
claramente, alvos preferenciais de sistemas de remunerao varivel, uma questo
mais estrutural aparece: deve-se implantar PRP nas outras parcelas do
funcionalismo? Uma resposta precisa e definitiva a essa questo no parece
possvel neste momento. Pode-se arriscar uma hiptese: uma vez que os efeitos
positivos e no mensurveis da PRP parecem estar levando esse mtodo a ser
implantado em governos de todo o mundo, pode-se inferir que os ganhos derivados
so suficientemente interessantes para que se aceite os custos ocultos da perda de
parte da motivao. Mas no h consenso. Para atividades interessantes, outros
fatores motivacionais como possibilidade de participao em treinamentos
especializados, alocao do servidor em aes estratgicas e premiao e
divulgao dos bons resultados parecem mais eficazesxxiii. A remunerao varivel
como fator motivador para esse tipo de tarefa parece muito limitada.
28
7 CONSIDERAES FINAIS
O presente trabalho mostrou que os sistemas de remunerao varivel
utilizados no setor pblico esto fracassando ou tm sucesso muito limitado. As
explicaes para um desempenho insuficiente esto reunidas em duas vertentes
tericas. A primeira origina-se a partir de trabalhos no campo da Economia e se
estrutura em torno da teoria da escolha racional e da relao agente x principal. O
argumento que boa parte dos problemas da remunerao varivel est
relacionada aos incentivos modelados inadequadamente e s caractersticas
estruturais do servio pblico (Burgess e Ratto, 2003). A segunda vertente, mais
ligada s teorias psicolgicas, explica que a remunerao varivel, sob certas
condies, no tem motivado as pessoas a ter um melhor desempenho. Segundo
Weibel et al (2010), no servio pblico os funcionrios tm, em geral, motivao
intrnseca significativa, realizando tarefas em funo do senso de dever, lealdade e
prazer. As pessoas realizam as atividades porque acreditam nelas e, ao faz-lo, tm
a sensao de que esto cumprindo seu dever. Nesse contexto, a implantao de
sistemas de incentivo monetrio pode gerar efeitos negativos na motivao,
especialmente no caso de tarefas interessantes. Discutiu-se, tambm, uma srie de
argumentos fundamentados em pesquisas empricas que indicaram fatores crticos
de implementao, dentre os quais os gestores devem dedicar ateno: ao
necessrio cumprimento de certas etapas na implementao, importncia de
metas difceis, relevncia do fenmeno do gaming e s implicaes da cultura
brasileira na modelagem de esquemas de incentivo.
Foram, ainda, identificadas as seguintes prticas que podem contribuir
para melhorar os resultados dos sistemas de remunerao varivel no setor pblico
brasileiro: 1) a construo de uma agenda estratgica com indicadores e metas para
toda a organizao; 2) o estabelecimento de resultados quantitativos,
preferencialmente produtos/servios, como base da premiao; 3) o uso de metas e
prmios por equipes; 4) o uso de uma unidade de inteligncia contra o gaming; 5) a
realizao de um processo formal e peridico de contratualizao de metas e 6) a
criao de sistemas de incentivo diferenciados em funo do tipo de tarefa.
29
Os argumentos analisados neste artigo no deixam dvida de que
importante melhorar o design e a implementao de modelos de incentivo. De toda
forma, o contraste entre a opinio pessimista dos acadmicos e a prtica otimista
dos gestores (que esto expandindo o uso da PRP) pode ter explicaes no
desenho das pesquisas. Os estudos acadmicos procuraram enxergar sucesso ou
fracasso dos modelos de incentivo em funo da anlise de sries histricas de
indicadores de desempenho que estariam mensurando os principais resultados das
organizaes. Esses estudos, dessa maneira, so incapazes de enxergar outros
efeitos positivos da PRP, como a melhoria do desempenho em funo do incentivo
ao debate em torno de metas e resultados. O incentivo a este debate pode estimular
reflexes relevantes, eventualmente alterando os produtos/servios e provocar
modificaes sobre os processos e estratgias utilizados no ambiente de trabalho.
Um eventual redirecionamento de esforos, decorrente desse debate, no captado
pelas pesquisas, uma vez que o foco no desempenho pode se deslocar e no ser
mensurado pela mesma srie histrica de indicadores. Colocar o desempenho no
centro do debate cotidiano da organizao parece ter um importante porm ainda
pouco estudado efeito positivo. Essa uma das lacunas que poderiam ser
investigadas por novas pesquisas.
Outras duas lacunas do conhecimento poderiam ser preenchidas por
novos estudos. No obstante a crtica metodolgica acima, continua sendo
indispensvel o estudo sobre quais resultados esto sendo obtidos pelas
experincias de PRP em funcionamento no governo brasileiro. E, finalmente, a
experincia internacional nos mostra, de forma inequvoca, que distintas
modelagens e estratgias de implementao so variveis importantes para explicar
fracassos ou sucessos de sistemas de incentivo. Compreender melhor o impacto de
diferentes modelagens e diferentes prticas de implementao no contexto nacional
outro passo indispensvel para gerar uma perspectiva mais otimista na
implantao da remunerao varivel no setor pblico brasileiro.
30
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NOTAS
i Segundo dados publicados no Relatrio de Gesto 2007-2010, Secretaria de Gesto Pblica-SP. ii Dirio de Pernambuco, 29/05/2009.
iii Informaes do site oficial da Secretaria de Segurana Pblica, acesso em 19/06/2010.
iv Um estudo recente mostrou resultados razoavelmente positivos em Minas Gerais. Um survey que foi realizado com 339 servidores da Secretaria da Sade apontou que 56% dos servidores acreditam que a qualidade do seu trabalho melhorou com o incentivo dado pela remunerao varivel, enquanto 19% discordam. Foi estudada, entretanto, apenas uma organizao estadual entre as 60 que implementaram o modelo. Para detalhes, ver Albergaria, Ariane, R. (2010) Remunerao Varivel no Setor Pblico: Estudo de Caso sobre a Percepo dos Servidores da Secretaria de Sade de Minas Gerais sobre o Prmio por Produtividade e suas Relaes com o Desempenho Funcional e a Adaptao Social. Dissertao (mestrado em administrao). Belo Horizonte: FACE-UFMG. Paralelamente, Reis Neto e Assis (2010) levantam indcios que de os resultados em outros setores do governo mineiro podem no ser to positivos. v Bilmes, L., E Gould, W. (2009). The people factor: Strengthening America by investing in public service.
Washington, DC: Brookings Institution Press como citado em Bowman (2010). vi Donahue, J. (2008). The warping of government work. Cambridge, MA: Harvard University Press, como citado
em Bowman (2010). vii
Atividades intrinsecamente motivadas so realizadas porque o indivduo as enxerga como prazerosas, desafiadoras, interessantes ou recheadas de propsito. Ou seja, neste tipo de motivao, no h necessidade de benefcios externos: a tarefa ou atividade vai ser realizada porque o indivduo assim o deseja. viii
Motivao extrnseca aquela baseada nas recompensas externas. As tarefas so realizadas porque elas geram compensaes (como o dinheiro) que podem ser, posteriormente, convertidas em produtos ou servios que vo preencher necessidades e, a, gerar satisfao. ix Macdonald, G. e Marx, L. M. (2001). Adverse specialization, Journal of Political Economics, 17, 199-236, como
citado em Burgess e Ratto (2003). x Berheim, B. e Whiston, M. (1986) Common Agency. Econometrica 54(4), 923-42, como citado por Burgess e
Ratto (2003). xi Wilson (1989) as chamou de coping organizations.
xii Holmstrm, B. (1982) Moral harzard in teams, Bell Journal of Economics, 13, 324-40, como citado em Burgess
e Ratto (2003). xiii
Kandel, E. e Lazear, E. (1992). Peer pressure and partnerships, Journal of Political Economy, 100(4), 801-17, como citado em Burgess e Ratto (2003). xiv
Makinson, J. (2000) Incentives for change: rewarding performance in national government networks. Public Service Productivity Panel como citado em Burgess e Ratto (2003). xv
Uma traduo aproximada para o portugus seria efeito de amontoamento. xvi
Eisenberger, R. and Cameron, J. (1996). Detrimental effects of reward: reality or myth? American Psychologist, 51, 115366, como citado em Osterloh e Frey (2002). xvii
Uma srie de autores confirma essa afirmao: Ingraham, Patricia W. (1993). Of pigs in pokes and policy diffusion Another look at pay-for-performance. Public Administration Review 53:34856, Kellough, J. Edwards, and Haoran Lu. (1993). The paradox of merit pay in the public sector: Persistence of a problematic procedure. Review of Public Personnel Administration 13 (2): 4564 e Moon, M Jae. (2000). Organizational commitment revisited in new public management: Motivation, organizational culture, sector, and managerial level. Public Performance & Management Review 24, 17794. xviii
Para maiores informaes sobre esse argumento, ver: Franois, Patrick. (2000). Public service motivation as an argument for government provision. Journal of Public Economics 78:27599, Frank, Sue A., and Gregory Lewis. 2004. Government employeesWorking hard or hardly working? American Review of Public Administration 34:3651, e Grand, Julian. (2006). Motivation, agency, and public policy: Of knights and knaves, pawns and queens. Oxford: Oxford University Press. xix
Buelens, Marc e Van Der Broeck, Herman. (2007) An analysis of differences in work motivation between public and private organizations. Public Administration Review 67: 65-74. xx
Regina Pacheco, palestra de encerramento, congresso CONSAD 2010, Braslia-DF. xxi
Van Dooren, W. (2008) Performance indicators: wolf in sheeps clothing?, mimeo, como citado em Pacheco (2009).
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xxii
Para maiores detalhes sobre o funcionamento do sistema ingls ver Kelman, Steven. (2006). Improving service delivery performance: organization theory perspectives on central intervention strategies Journal of Comparative Policy Analysis, 8(4) 393-419. xxiii
Argumento do professor Jobst Fidler (Hertie School of Governance), durante conferncia na Fundao Getlio Vargas-SP entitulada Comparative Public Management Reform em 21/07/2010.
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AUTORIA
Lus Otvio Milagres de Assis Mestre em Administrao Pblica e Governo Fundao Getlio Vargas (EAESP/FGV). Especialista em Polticas Pblicas e Gesto Governamental do Governo de Minas Gerais.
Endereo eletrnico: [email protected] Mrio Teixeira Reis Neto Professor do Programa de Mestrado em Administrao do Centro Universitrio UMA, Doutor em Administrao pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Endereo eletrnico: [email protected]