Upload
lamcong
View
215
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
3
— Ootsuka Keiko —
─ Keiko-chan, keiko-chaaan !!
Uma voz feminina e aguda me arrasta do mundo dos sonhos e me traz
de volta à realidade. Abro os olhos devagar e levanto a cabeça, tentando
me situar no tempo e espaço.
Demoro alguns segundos para reconhecer a figura diante de mim.
─ Akemi... ─ falo devagar, enquanto estico os braços e bocejo. ─ Que
horas são?
─ Já estamos no horário de almoço! Você dormiu durante o último
tempo inteirinho! A sorte é que o professor não te viu. O que está
acontecendo? Já é a segunda vez na semana que você faz isso!
─ Que saco... Perder matéria é horrível. Você fez anotações?
─ Claro! Depois eu te empresto. Você tá com umas olheiras horríveis.
Não ficou até tarde jogando, ficou?
─ Não, né, Akemi? Acha mesmo que estou tendo tempo para ficar
jogando? Tenho estado atarefada demais com o clube, as reuniões do
grêmio e com esse projeto que ajudará os alunos com dificuldade...
─ Verdade! Quando o projeto começa?
─ Amanhã mesmo.
─ Gostaria de me inscrever para ser uma das tutoras, mas tenho
vergonha.
─ Se mudar de ideia depois, é só falar comigo. Vou ao banheiro, tenho
que lavar o rosto...
─ Eu te acompanho!
Juntas, saímos da sala e adentramos o corredor. Acordei com uma dor
de cabeça irritante, e o barulho dos alunos correndo e gritando pela
escola tornando-a pior. Hoje a advertência vai rolar solta! Mas antes
preciso me recuperar.
Viro à direita do corredor e dou de cara com o banheiro feminino.
Assim que entro, vou direto para a pia de mármore e abro a torneira. A
água sai gelada e forte, ótima para me despertar.
4
─ Keiko-chan... Preciso falar com você. ─ comenta minha amiga, que
até então, tinha seguido meus passos em silêncio.
─ Pode falar, Akemi-chan. ─ digo, enquanto termino de molhar o rosto
e procuro por uma toalha.
─ Você anda estranha ultimamente... Dorme nas aulas, não presta
atenção direito nas coisas que falo. Aconteceu algo?
─ Claro que não. Só ando ocupada, já expliquei.
─ Você sempre foi ocupada e manteve tudo sob controle. Não quero te
chatear insistindo nesse assunto, mas está óbvio que alguma coisa
aconteceu e você não quer me contar. Pensava que nós éramos
melhores amigas!
Fico um pouco chocada ao ouvir Akemi me confrontar desse jeito. Viro
para encará-la, e percebo uma expressão calma, mas séria em seu
rosto.
─ Realmente não há nad-
─ E tudo isso começou no fim de semana passado, quando fomos ao
fliperama! Você saiu correndo da cabine fotográfica que dividia com o
Watanabe-san. O que aconteceu lá?
Droga. Ela acabou de entrar em um assunto que estive evitando
durante todos esses dias. Por que não podemos simplesmente esquecer
aquele maldito fliperama?
─ Nós apenas discutimos. Ninguém melhor do que você para saber que
nós dois não nos damos bem. ─ vejo pela expressão de Akemi que ela
não está comprando o que estou dizendo, então decido contar uma
parte da verdade. ─ Confesso que também fiquei me sentindo um pouco
culpada por ter jogado sozinha com o Watanabe e ter aceitado aquele
bicho de pelúcia mesmo sabendo que você gostaria de estar no meu
lugar.
Akemi fica em silêncio durante um tempo, ponderando, depois suspira.
─ Então foi por causa disso? Não precisa se preocupar. Sei que a
situação foi completamente forçada pelo Makoto-san, por algum motivo
que desconheço.
─ Não queria que pensasse que sou uma traidora...
─ Ah, de jeito nenhum! ─ Akemi ri, enquanto balança as mãos. ─ Você
e o Watanabe-san? Seria como misturar sushi com queijo cheddar.
5
Falando em comida... Estou morrendo de fome. Vamos almoçar?
─ Na verdade, lembrei que tenho de passar na diretoria para resolver
um assunto... Pode ir na frente.
─ Ah, tudo bem. ─ diz minha amiga, enquanto se retira do banheiro.
Assim que a porta se fecha, sinto um peso despencar no meu
estômago. Entro em uma das cabines, e deslizo minhas costas pela
porta de madeira até sentar no azulejo frio e quadriculado.
Menti para minha amiga mais uma vez, penso, enquanto fito minhas
próprias mãos. Mas como contar que realmente me diverti jogando
hóquei de mesa com o garoto que ela gosta? E que fiquei feliz de ganhar
aquele bichinho de pelúcia, por mais estranho que ele fosse?
Que seja. Já cortei o mal pela raiz antes que ele crescesse e desse
frutos! É nisso que tenho de focar.
— Watanabe Hiiro —
Mais um dia tedioso na escola termina. Caminho para casa
rapidamente, procurando evitar dar de cara com Hideki e a sua trupe.
Quando finalmente chego ao meu lar, tiro os calçados e entro na
pequena casa. Cumprimento meus pais e sigo para o meu quarto.
Ao contrário do que possam pensar de mim, mantenho o meu cômodo
particular extremamente organizado. A mesa do computador fica
colada na parede, e ao lado do teclado seis action figures de
personagens de anime estão enfileirados.
No lado direito, fica o meu armário de dois lados, um para as minhas
roupas e outro para os mangás, que devidamente estão em ordem de
lançamento.
Na parede oposta fica encostado o meu grande trav-
Ei, onde está o travesseiro da minha waifu?
Desesperadamente começo a vasculhar o quarto inteiro, e acabo
encontrando a minha best girl debaixo da cama. Me pergunto como ela
foi parar aí embaixo sem eu notar...
6
Tiro a poeira do travesseiro e percebo uma mancha amarelada que não
sai de jeito nenhum. Não acredito que deixei criar bolor! Vou procurar
na internet um jeito de tirar isso imediatamente.
Corro para a mesa do computador, mas antes que de começar a
digitar, minhas mãos param no ar. Quem eu estou tentando enganar...?
A realidade é que não estou me importando tanto com esses fungos
quanto gostaria.
Na verdade, me sento um pouco ridículo. Após sair com amigos em
um fim de semana para me divertir, perder uma partida de hóquei de
mesa para uma garota de verdade e depois ter conseguido presenteá-la
com um estranho elefante de pelúcia– mesmo que no final tenha dado
errado... Essas experiências foram as mais verdadeiras que tive até
agora na minha adolescência.
Abraçar um travesseiro não pode ser comparado a isso, nem em um
milhão de anos. Droga, nem um jogo de dez horas com uma ótima
capacidade de imersão pode chegar à altura!
E agora que saboreei um pouco dessa realidade, voltar para o meu
universo particular é um pouco...
Doloroso.
— Ootsuka Keiko —
Outro dia, outra luta. Chego um pouco mais cedo na escola do que o
habitual, e vou para a sala sem esperar por Akemi. Sento-me na
carteira próxima à janela, e começo a folhear o diário de atividades, que
fiz para organizar os meus horários (Sim, às vezes eu tento ser uma
pessoa organizada!).
São tantas obrigações para um período de tempo tão curto! Como é
que eu fui me meter em tanta coisa diferente? Sinceramente, acho que
darei a vaga de Presidente do Clube de Literatura e Poesia para outra
pessoa no ano que vem e continuarei apenas como membro, se não eu
vou surtar!
─ Keiko-chan! Nem me esperou! ─ viro o rosto para a porta da sala e
7
vejo minha amiga com uma cara emburrada.
─ Foi mal, Akemi-chan! ─ digo e volto a dar atenção ao meu diário.
─ O que está fazendo?
─ Dando uma conferida nos meus horários.
─ Eu nunca conseguiria fazer tanta coisa ao mesmo tempo como você
faz... ─ ela comenta, sentando-se na carteira ao meu lado.
─ Nem me fale. Estou quase tendo um colapso!
─ Você se esforça demais. Tente relaxar um pouco e tudo dará certo.
Qualquer coisa, pode me pedir ajuda.
─ Obrigada pela oferta. Estou esperando mais alunos chegarem, para
anunciar o projeto.
─ Ah, isso vai ser tão bom para quem está com notas vermelhas! Quem
serão os tutores?
─ Além de mim, conversei com outras duas alunas que se interessaram.
A Megumi-san e a Ai-san.
─ As duas também estão no top 10 no ranking de notas! Que bom que
se ofereceram para ajudar.
Continuo conversando com Akemi enquanto os outros alunos chegam.
Quando a turma está cheia o suficiente, me levanto e vou para a frente
do quadro.
─ Bom dia, turma. Gostaria de pedir a atenção de vocês por um
momento. ─ falo e todos fazem silêncio para me ouvir. ─ Como vocês
viram no quadro de avisos dessa semana, o projeto para ajudar os
alunos que estão correndo risco de serem reprovados começa hoje. Eu,
Megumi-san e Ai-san estaremos disponíveis para tirar qualquer dúvida
e dar explicações detalhadas sobre as matérias, das 16h às 18h, na sala
318 do terceiro andar. Lembrando que ainda existem vagas de tutores
para aqueles que se interessarem. A atividade contará como “clube” no
currículo.
A turma reage positivamente à ideia do projeto. Muitos sorriem,
confiantes, com a nova esperança de conseguirem uma boa nota para
passar de ano.
Meus olhos procuram por Watanabe inconscientemente. Ele está
sentado no fundo, com uma expressão neutra no rosto. Será que ele vai
8
aparecer na aula especial depois do escândalo que fiz...? Bem, se não
aparecer, problema dele. Não tenho nada a ver com isso.
Retorno ao meu assento e aguardo o professor chegar para dar início
às aulas.
— Watanabe Hiiro —
Assim que a Ootsuka termina o seu pronunciamento, o professor
entra na sala de aula.
Pondero um pouco se eu devo ir ou não a essas aulas extras. Bem,
acho que não vai fazer mal, afinal, tem a Ai e a Megumi também. Nem
preciso olhar na cara da Ootsuka quando estiver lá.
Tendo tomado minha decisão, resolvo prestar atenção no que o
professor está falando. Vou tentar captar o máximo de conteúdo
possível.
Abro meu caderno e começo a fazer algumas anotações. Não consigo
diferenciar o que é importante do que não é, então acabo quase
compilando a matéria inteira.
As aulas vão se seguindo até o horário de almoço. Subo para o
telhado, levando a comida que minha mãe fez para mim e minhas
anotações.
Como sempre, essa parte do prédio está vazia. Sento em um dos
cantos contra a grade de metal, ponho a marmita no meu colo e o
caderno ao meu lado. Retiro os hashis e como com uma mão, enquanto
com a outra pego o caderno e inicio minha leitura.
O intervalo passa rápido e volto para a sala de aula. Tenho mais dois
tempos de estudo, então vem a limpeza e, por fim, chega a hora das
aulas extras.
Rumo ao terceiro andar. Qual era sala mesmo? 316... 320... Não!
318. Entro na sala sem bater e dou de cara com boa parte da minha
turma. Percebo que estão divididos em vários grupos, e as três tutoras
ficam revezando para tirar as dúvidas do pessoal.
Escolho sentar em uma carteira do lado da janela, um pouco longe dos
outros alunos. Primeiro vou tentar fazer alguns exercícios de
matemática e geografia sozinho e, se tiver muita dificuldade, falarei com
9
a Ai ou com a Megumi.
Coloco o caderno sobre a mesa e inicio minha jornada no mundo da
matemática. Fico empolgado ao perceber que consegui finalizar a
primeira conta, mas quando vou checar o gabarito... Deu em um
resultado completamente diferente!
Tento fazer de novo, dessa vez com mais cuidado, mas erro novamente.
Que droga! Olho em volta, pensando em chamar uma das garotas. Ai
está escrevendo algo no quadro, enquanto Megumi está sentada do lado
de outra garota.
A Ootsuka está falando com um grupinho, provavelmente explicando
alguma coisa. Ela percebe que alguém está encarando-a e vira o rosto,
cruzando nossos olhares.
Acabo desistindo de pedir ajuda a alguém e volto para o meu exercício.
Ao passo que vou escrevendo, uma sombra aparece em cima da folha.
Quando levanto a cabeça, dou de cara com a representante.
Ela pega o meu caderno sem falar nada e o perscruta com um olhar
examinador.
─ Você esqueceu de trocar o sinal do x na terceira linha. ─ ela diz,
sem emoção.
─ Obrigado. ─ respondo em um fio de voz.
─ E o gráfico que tentou construir está completamente errado.
Deveria ser uma parábola no lugar de uma reta. ─ ela faz mais uma
observação, enquanto puxa uma carteira para se sentar do meu lado.
─ Certo.
Refaço a conta seguindo a sua dica, e acabo chegando na resposta
correta. Depois, tento montar o gráfico da função, mas enfrento
dificuldades.
─ Preste atenção nos quadrantes. ─ Ootsuka dá outra dica.
Nós continuamos assim, eu fazendo os exercícios e ela me
supervisionando, apontando os erros, mas nunca me dando as
respostas. Nossa conversa é mecânica, quase tão formal quanto a de
um aluno e um professor de verdade.
─ Keiko-san, eu já estou indo. O céu está com nuvens carregadas,
estou com medo de pegar uma chuva forte no caminho para casa. ─ diz
Megumi, ao se aproximar de nós.
10
─ Tudo bem, Megumi-san.
Ela deixa a sala. O restante continua estudando, mas pouco a pouco,
vão indo embora também.
Troco a matemática por geografia, prova que preciso tirar no mínimo
um B+ para ter esperanças de passar.
Uma trovejada acaba assustando a Ootsuka. Em poucos segundos, o
barulho de gotas de chuva caindo contra o chão se faz presente.
─ Todos já foram embora. ─ atesta a minha colega de classe. ─ Melhor
eu ir antes que a chuva piore ainda mais.
Dizendo isso, a representante vai atrás de seu material para recolhê-lo
enquanto faço o mesmo com o meu.
─ Não pode ser... ─ ouço a voz surpresa de Ootsuka, parada na porta.
Vou em sua direção, à procura do que a deixou congelada.
Ficamos presos na escola.
11
FICHA TÉCNICA
Roteiro │ RENATA ALENCAR
Ilustração │ YSIS DOS SANTOS COBRA
Revisão │ DIOGO LIMA E ANDERSON WILLIAM
Upload │ NOVELAND
CONFIRA OUTRO DOS NOSSOS
TÍTULOS
@NoveLandOficial
Facebook.com/noveland
BR
noveland.com.br
Um anjo desce à Terra e desafia a humanidade a um jogo. Neste jogo, as emoções negativas da humanidade tomam forma, e apenas algumas pessoas com poderes especiais, chamadas de “jogadores”, podem detê-las. Sem um objetivo claro num mundo à beira do Apocalipse, uma dupla se ergue para desafiar todas as possibilidades e dar um fim à tudo.
Autor(a): Diogo Lima
Ilustração: Aline Nyoh
Gêneros: Ação, Fantasia, Seinen
C