René Remond - Por uma história política

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  • 7/28/2019 Ren Remond - Por uma histria poltica

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    REMOND, Ren (org.). Por uma histria poltica. Rio de Janeiro: Editora daUFRJ / Editora da FGV, 1996. (edio francesa: 1988)

    Apresentao e Introduo

    Novas abordagens, objetos e problemas; perspectiva dos estudos dotema na Frana; objetivo de fazer a defesa da histria poltica, ressaltandosua importncia para a compreenso do todo social.

    Autores que entraram para a academia na dcada de 1950, no auge dosAnnales, com o predomnio da histria econmico-social, voltada para alonga durao e para as grandes massas, apoiada em sries quantitativas.

    Contato com outras disciplinas fundamental para a renovao,sobretudo a cincia poltica, mas tambm a sociologia, antropologia elingstica.

    Crtica s acusaes de que a histria poltica s se interessa pelasminorias privilegiadas e que seu objeto so os fatos efmeros e superficiais,inscritos na curta durao. na longa durao que se busca a histria dasformaes polticas e das ideologias (isto , cultura poltica), que serviropara refletir sobre os fenmenos polticos e verificar as continuidades notempo.

    Princpio comum a todos os autores: Poltico como domnio privilegiadoda articulao do todo social

    *p.10: Cada vez menos pesquisadores acham que infra-estruturasgovernam superestruturas, e a maioria prefere discernir (como os autores

    deste livro) uma diversidade de setores o cultural, o econmico, o social, opoltico que se influenciam mtua e desigualmente segundo asconjunturas, guardando ao mesmo tempo cada um sua vida autnoma eseus dinamismos prprios. E tambm sua especificidade: a poltica lugarde gesto do social e do econmico, mas a recproca no verdadeira.

    REMOND, Ren. Uma Histria Presente, p.13-36.

    *p.13: A Histria, cujo objeto precpuo observar as mudanas que afetama sociedade, e que tem por misso propor explicaes para elas, noescapa ela prpria mudana. Existe portanto uma histria da Histria quecarrega o rastro das transformaes da sociedade e reflete as grandesoscilaes do movimento das idias. por isso que as geraes dehistoriadores que se sucedem no se parecem: o historiador sempre deum tempo, aquele em que o acaso o fez nascer e do qual ele abraa, svezes sem o saber, as curiosidades, as inclinaes, os pressupostos, emsuma, a ideologia dominante, e mesmo quando se ope, ele ainda sedetermina por referencia aos postulados de sua poca.

    Resumos dos estados sucessivos da histria poltica com o contexto e deuma sntese da evoluo de suas relaes com o conjunto da disciplina;ligao da preponderncia da histria poltica com o contexto (exaltao da

    monarquia e glria do soberano; Estado e nao).

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    Combate dos Annales: histria poltica era factual (na superfcie,esquecendo de vincular os acontecimentos s causas profundas), narrativa(sem formular hipteses explicativas), biogrfica (centralidade desmedidaaos lideres, psicologismo); idealista (idias comandam o mundo).

    *p.18: as idias nunca so mais que a expresso dos interesses dos gruposque se defrontam, e os atos polticos apenas revelam relaes de forasdefinidas, medidas, reguladas pela presso dos conjuntossocioeconmicos.

    *p.23: contexto em que a histria poltica ressurge: experincia das guerras,desencadeadas no s pelo fator econmico; papel cada vez maior dasrelaes internacionais na vida interna dos Estados, lembrando aimportncia do poltico sobre os povos e os indivduos, assim tendo opoltico uma consistncia prpria e autonomia em relao aos outroscomponentes da realidade social; interveno estatal nos momentos decrise, lembrando que a relao entre economia e poltica de mo dupla.

    Rediscusso dos conceitos clssicos e das prticas tradicionais.

    *p.29: interdisciplinaridade De fato, a renovao da histria poltica foigrandemente estimulada pelo contato com outras cincias sociais e pelastrocas com outras disciplinas. uma verdade geral a utilidade, para todoramo do saber, de abrir-se ao outros e acolher contribuies externas, maso objeto da histria poltica, sendo por sua natureza interdisciplinar, tornaisso uma necessidade mais imperativa que em outros casos. impossvelpara a histria poltica praticar o isolamento: cincia-encruzilhada, apluridisciplinaridade para ela como o ar de que ela precisa para respirar.

    *p.34-35: pluralidade de ritmos Essa oposio ignora a pluralidade deritmos que caracteriza a histria poltica. Esta se desenrolasimultaneamente em registros desiguais: articula o contnuo e odescontnuo, combina o instantneo e o extremamente lento. H semduvida todo um conjunto de fatos que se sucedem num ritmo rpido, e aosquais corresponde efetivamente datas precisas: golpes de Estado, dias derevoluo, mudanas de regime, crises ministeriais, consultas eleitorais,decises governamentais, adoo de textos legislativos... Outros seinscrevem numa durao mdia, cuja unidade a dcada ou mais:longevidade dos regimes, perodo de aplicao dos tipos de escrutnio,existncia dos partidos polticos. Outros tm ainda por unidade de tempo adurao mais longa: se a histria das formaes polticas fica mais na

    durao mdia, em compensao a das ideologias que as inspiram estligada a longa durao.

    *p.35: cultura poltica a noo de cultura poltica que est prestes aocupar, na reflexo e na explicao dos fenmenos polticos, um lugarproporcional ao vazio que ela acaba de preencher, implica continuidade nalongussima durao.

    *p.35: Mas a histria poltica - e esta no a menor das contribuies queela extraiu da convivncia das outras disciplinas aprendeu que, se opoltico tem caractersticas prprias que tornam inoperante toda analisereducionista, ele tambm tem relaes com outros domnios: liga-se por mil

    vnculos, por toda espcie de laos, a todos os outros aspectos da vidacoletiva. O poltico no constitui um setor separado: uma modalidade dapratica social.

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    *p.36: Se o poltico deve explicar-se antes de tudo pelo poltico, htambm no poltico mais que o poltico. Em conseqncia, a histria polticano poderia se fechar sobre si mesma, nem se comprazer na contemplaoexclusiva de seu objeto prprio.

    REMOND, Ren. As eleies, p.37-56.

    *p.40: eleio tambm um indicador do esprito pblico, um revelador daopinio pblica e de seus movimentos surge aps a I Guerra, no s paraestudar seus resultados.

    Bancos de dados e longa durao favorecem o estudo das eleies naFrana.

    *p.47: aplicar s eleies do passado os mtodos, conceitos e critrioselaborados pela cincia poltica para as consultas contemporneas.

    *p.49: campanhas eleitorais A campanha parte integrante de umaeleio, seu primeiro ato. No apenas a manifestao das preocupaesdos eleitores ou a explicao dos programas dos candidatos e dos temasdos partidos, a entrada em operao de estratgias, a interao entre osclculos dos polticos e os movimentos de opinio. Sobretudo, ela modifica acada dia as intenes e talvez a relao de foras.

    BERSTEIN, Serge. Os partidos, p.57-98.

    *p.60: os trabalhos dos cientistas polticos mudaram as perspectivas daabordagem e a natureza do questionamento sobre os partidos polticosenquanto organizaes.

    *p.61: Na verdade, entre um programa poltico e as circunstancias que ooriginaram, h sempre uma distancia considervel, porque passamos entodo domnio do concreto para o do discurso, que comporta uma expressodas idias e uma linguagem codificadas. no espao entre o problema e odiscurso que se situa a mediao poltica, e esta obra das foras polticas,que tem como uma de suas funes primordiais precisamente articula, nalinguagem que lhes prpria, as necessidades ou as aspiraes mais oumenos confusas das populaes. Por isso, a mediao poltica assume oaspecto de uma traduo e, como esta, exibe maior ou menor fidelidade aomodelo que pretende exprimir. precisamente uma das tarefas dohistoriador que trabalha com as foras polticas tentar perceber essadistancia, fundamental para a compreenso dos fenmenos histricos, entrea realidade e o discurso.

    *p.62-63: critrios que permitem definir um partido, para os cientistaspolticos americanos (referencia a Joseph La Palombara e Myron Weiner):

    A durao no tempo, que garante ao partido uma existncia maislonga que a vida de seus fundadores, e implica que ele responda a umatendncia profunda da opinio pblica. Restaria tentar definir exatamente

    essa durao mnima. Por motivos que exporemos mais adiante,provavelmente ser necessrio considerar a escala da gerao. Uma tal

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    definio exclui de fato as clientelas, as faces, os partidos ligadosunicamente a um homem;

    A extenso no espao, que supe uma organizao hierarquizada euma rede permanente de relaes entre uma direo nacional e estruturaslocais, abrangendo uma parte da populao. Este segundo critrio exclui docampo dos partidos os grupos parlamentares sem seguidores no pas e asassociaes locais sem viso de conjunto da nao;

    A aspirao ao exerccio do poder, que necessita de um projetoglobal que possa convir nao em seu conjunto, e que, por isso, implica aconsiderao de arbitragens necessrias aos interesses contraditrios quea se manifestam. Esta caracterstica, funo direta da mediao poltica deque falamos acima, exclui os grupos de presso representativos de umacategoria definida, como os grupsculos restritos dedicados defesaintransigente de uma ideologia, mesmo quando trazem o nome departidos;

    Enfim, a vontade de buscar o apoio da populao, seja recrutandomilitantes, seja atraindo o voto dos eleitores, condio indispensvel para arealizao do objetivo anterior.

    *p.66: Quer tenham nascido dentro ou fora do Parlamento, os partidospolticos definem-se em relao a ele. [...] Est alm disso estreitamenteligada a um determinado estado da sociedade resultante das conseqnciasda revoluo industrial, do avano das idias liberais, do desenvolvimentodas burguesias e classes mdias que acedem cultura e desejam, atravsdo regime representativo, desempenhar um papel na vida poltica. Areflexo sobre o modelo de Maurice Duverger leva assim a considerar o

    partido poltico como o testemunho de um determinado estagio dedesenvolvimento e de evoluo das sociedades.

    *p.66-67: discusso dos norte-americanos com os franceses Para osexpoentes dessa escola [...] os partidos s podem surgir quando asociedade atinge um determinado estagio de desenvolvimento. Elesobservam que esse estgio de desenvolvimento exige que se renamalgumas condies de modernidade: a existncia de uma especializaoprofissional, fazendo nascer um sistema socioprofissional associado aoprogresso econmico; a constituio de um conjunto nacional e de umaconscincia nacional pela expanso do mercado interno, o progresso dosmeios de informao, a extenso dos transportes, e acima de tudo, a

    mobilidade espacial e social; o desenvolvimento do processo deurbanizao; a independncia do sistema educacional; o plenodesenvolvimento do poder do Estado e a autonomia do poder poltico emrelao aos grupos religiosos e sociais etc. Em outras palavras, o partidopoltico moderno surge estreitamente ligado aos fenmenos estruturaisinscritos na longa durao que permitem julgar a evoluo de umasociedade.

    *p.67-68: contribuio dos norte-americanos - um partido no nascefortuitamente, da deciso de seus criadores, e s tem chance de sobreviverse responder de uma maneira ou outra a um problema fundamentalcolocado para a sociedade contempornea, e que faz com que haja

    adequao entre a imagem que ele transmite de si mesmo e as aspiraesmais profundas de uma parte importante da populao que aceita, como

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    soluo para os problemas que ela percebe, a mediao poltica que ele lheprope. Essa concepo faz o fenmeno partidrio deixar o domnio docontingente, onde foi mantido acantonado durante muito tempo, paraentrar no domnio do estrutural, onde ele aparece como revelador deproblemas fundamentais que ultrapassam de muito o que se conhece delenuma primeira abordagem

    *p.69: De fato, uma vez nascido, o partido poltico torna-se um organismovivo que tem sua existncia prpria e proporciona a si mesmo os meios dedurar. Se ele mais que fogo de palha (o poujadismo, por exemplo), torna-se depositrio de uma cultura poltica com a qual comungam seus membrose que d origem a uma tradio, muitas vezes transmitidas atravs dasgeraes. Dota-se de uma rede de representantes eleitos, da comuna aoParlamento, que criam situaes slidas, constituem clientelas e asseguramsua comum perenidade graas a uma solidariedade obrigada e fecunda.dispe de uma imprensa (ou, em nossa poca, de outros meios deinformao) que lhe permite introduzir aos poucos na opinio publica as

    idias que defende e que, para determinada parcela da opinio, se tornam,se so duradouras, verdades estabelecidas. O conjunto desses elementos,que o partido se esfora naturalmente por conservar, permite-lhe adquiriruma fora considervel e sobreviver durante longo tempo aodesaparecimento das condies precisas que favoreceram seu nascimento.

    *p.83-84: Comando de uma oligarquia dentro dos partidos, mesmo dentreos modernos, que se proclamam democrticos.

    *p.88-89: conceito de cultura poltica O conceito de cultura poltica relativamente recente, ainda que seu contedo seja conhecido e utilizadoh muito tempo. Mas o fato novo provavelmente que o termo cultura

    poltica durante muito tempo reservado s elites capazes de formularclaramente a ideologia, passou a ser aplicado massa daqueles que temopinies polticas, qualquer que seja seu nvel cultural, e ainda que noestejam em condio de sustentar uma discusso terica. Essa culturadifusa se exprime por um sistema de referencias em que se reconhecemtodos os membros de uma mesma famlia poltica, lembranas histricascomuns, heris consagrados, documentos fundamentais (que nem sempreforam lidos), smbolos, bandeiras, festas, vocabulrios de palavrascodificadas etc.

    *p.89: a cultura poltica aparece, em suas diversas manifestaes, como alinguagem comum simplificada (da qual o rito a forma mais sumaria) dos

    membros de uma formao, que desse modo fazem profisso de ideologiasem precisar necessariamente exprimi-la explicitamente, mas com acerteza de serem facilmente compreendidas por todos os membros dogrupo.

    *p.92-93: papel dos partidos: socializao poltica, estruturando o eleitoradoe dando-lhe uma identidade poltica e definindo os limites do jogo poltico;seleo das elites polticas, daqueles que vo para as funes dirigentes.

    RIOUX, Jean-Pierre. A associao em poltica, p.99-140.

    *p.102-103: associaes, ligas, sindicatos, grupos de interesse Todasessas associaes de fato querem de alguma maneira influenciar a opinio

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    pblica e dispor de meios de comunicao altura de suas ambies;fervilham em torno dos partidos que elas denigrem ou contestam, s vezesem nome de outras regras menos... partidrias do jogo democrtico; agitame promovem idias polticas, abrigam feudos ou tribunais de intelectuais;tem de entender do Parlamento e da sua eleio.

    *p.103: objeto do captulo organizaes que no concorrem para aexpresso do sufrgio e para o exerccio direto do poder, mas que, emnome dos interesses que invocam na proporo da presso que exercemsobre a opinio e o poder pblico, no apenas tem acesso ao poltico, mascontribuem para estruturar o que os cientistas polticos chamam de umsistema poltico.

    *p.108: emprstimos uteis da sociologia Durkheim, que diferenciaraassociao (grupo social organizado segundo normas definidas por seusmembros) e instituio (onde as regras so pressupostas e no submetidasao voluntariado da adeso); Max Weber, que conclama para o estudo detodas as estruturas comumente chamadas de sociais, isto , tudo o que seencontra entre os poderes organizados e reconhecidos, o Estado, a comuna,a Igreja estabelecida, de um lado, e a comunidade natural da famlia, poroutro.

    *p.110-111: modelo de organizaes para Genevieve Pujol, inspirada emBordieu:

    1. a reunio de pessoas primordial, porque esses voluntrios soimpelidos pela necessidade de estabelecer um novo tipo de controle socialque determine seu lugar na sociedade, tanto quanto pela promoo daidia geradora ou pelo respeito ao fundador de seu agrupamento.

    2. a associao ao nascer procura agir sobre uma instituio jestabelecida, a instituio-alvo; recebe ento a cooperao de umainstituio-apoio que tambm visa o mesmo alvo: toda associao seposiciona portanto desde a origem entre poderes organizados e j emrelao.

    3. nos conflitos que a opem instituio-alvo que a associao encontrasua coerncia; e acrescentaramos ns, o primeiro segredo de sualongevidade.

    4. ao se desenvolver, a associao transforma-se em instituio, multiplicaas materializaes de sua ao e se torna um rgo de seleo de elites,

    uma escola de quadros sociais.

    5. a associao enfrenta sempre com dificuldade as etapas de renovaode seu recrutamento e de seus dirigentes, que chegam at ela graas a seuprprio impulso de mobilidade social. Poderamos especificar que essadificuldade de perpetuar a idia fundadora com novos voluntrios causafreqente de enfraquecimento ou de desaparecimento de associaes.

    essas associaes surgem onde se produz um vazio de controle social ouum vazio de poder, porque os poderes organizados ainda no tiveramtempo de se apoderar dele.

    *p.128: a associao um vetor da idia que a faz nascer, mas cujaeficcia proporcional aos valores que a vida interna da organizao, o

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    culto de uma comunidade e o voluntariado concretamente exercidossecretam e alimentam.

    LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia, p.141-184.

    Florescimento da biografia a partir do fim dos anos 70 na Frana.

    Relato da biografia, da Grcia ao sculo XIX, como gnero.

    *p.155: No com base no biografado que se dividem as biografiasliterrias e as biografias histricas, nem com base na escrita, o que equivalea dizer no estilo, e sim com base na parte de fico que entra nas primeirase deve ser proibida nas segundas por razoes de mtodo. [...] Pois todabiografia resulta da tentao criadora.

    Debate entre biografia e histria s foi verdadeiramente colocado na

    Frana aps a I Guerra, chegando 1. e 2. gerao dos Annales.*p.162: explicaes para o renascimento da biografia crise do marxismo;libertao de uma histria quantitativa e serial que havia subjugado ahistria factual; debates no interior da Escola dos Annales e ascenso daNova Histria; publicao de dirios e auto-biografias, criando um clima.

    *p.175: a biografia pode ser um empreendimento de homologao seja doconhecimento adquirido, seja das idias prontas sobre um homem, seja dasrelaes entre um sistema poltico e a coletividade.

    *p.176: A biografia histrica hoje reabilitada no tem como vocaoesgotar o absoluto do eu de um personagem, como j o pretendeu e aindahoje o pretende mais do que devia. [...] Ela o melhor meio, emcompensao, de mostrar as ligaes entre passado e presente, memria eprojeto; individuo e sociedade, e de experimentar o tempo como prova davida. Seu mtodo, como seu sucesso, devem-se insinuao dasingularidade nas cincias humanas, que durante muito tempo nosouberam o que fazer dela.

    A biografia o lugar por excelncia da pintura da condio humana em suadiversidade, se no isolar o homem ou no exalt-lo s custas de seusdessemelhantes.

    BECKER, Jean-Jacques. A opinio pblica, p.185-211.

    *p.186: a opinio pblica procede em grande medida das estruturasmentais. Sua histria uma histria em profundidade, uma histria quetem como finalidade perceber, da maneira mais precisa e segura possvel, aatitude, o comportamento dos homens confrontados com osacontecimentos.

    *p.187: a histria da opinio pblica passiva na medida em quedescreve atitudes, comportamentos, mas ativa quando procura saber oque na maioria das vezes muito difcil se a opinio pblica influiu na

    evoluo histrica, no acontecimento.

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    Falta de definio clara do que opinio pblica.

    *p.189: a histria da opinio pblica, para retomar uma expresso deFernand Braudel, uma micro-histria, atenta ao tempo breve, aoindividuo, histria.

    *p.192-193: diferena entre manipulao e condicionamento.

    Manipulao: tentativa de provocar de maneira artificial uma reao daopinio pblica, divulgando uma noticia falsa, organizando um atentado.Ela s tem chance de ser bem-sucedida quando acompanha as tendnciasprofundas da opinio pblica.

    Condicionamento: opera em curto prazo (o condicionamento pelasrealidades infinitamente mais importante que aquele condicionamentoresultante da propaganda) e em longo prazo (prximo s mentalidadescoletivas, enraizadas no inconsciente).

    *p.196: a verdade que, como acontece com os marceneiros, existembons e maus historiadores, profissionais e aprendizes.

    p.194-201: fontes (imprensa, pesquisas de opinio, documentos escritos,testemunhos), mtodos e problemas.

    *p.201: A opinio pblica integra-se no processo histrico e muito emparticular na histria poltica: se a histria tambm explicao do passado,no existe explicao completa sem que seja elucidado o papeldesempenhado pela opinio pblica.

    *p.202: A opinio pblica como fora annima muitas vezes uma fora

    poltica, e essa fora no foi prevista por nenhuma constituio essamaneira de ver o acontecimento influi na realidade, mesmo que esta notenha muito a ver com ela.

    *p.203: frmula de Alain Girard A opinio pblica no faz a polticaexterna, assim como no faz a interna, mas nenhuma poltica, ao queparece, pode ser feita contra, nem sem ela. E acrescentava: a opiniopblica talvez no atue diretamente nos acontecimentos, no tem poder dedeciso, mas tem o poder, ao que parece, de tornar ou no possvel apoltica de seus representantes.

    SIRINELLI, Jean-Franois. Os intelectuais, p.231-269

    Histria dos intelectuais uma histria nascente, um campo aberto,situado no cruzamento das histrias poltica, social e cultural.

    *p.234: A histria dos intelectuais remetia, por algumas de suas facetas, histria poltica, que na poca estava no ostracismo: empreendida pela viaindireta dos engajamentos individuais, ela se situava duplo defeito! nocruzamento da biografia e do poltico.

    *p.234: a histria dos intelectuais, devido ao papel desempenhado poreles, sobretudo a partir de 1945, , ao menos em parte, uma histria dopassado prximo e alm disso de forte teor ideolgico.

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    p.234-35: Problemas para o estudo dos intelectuais: grupo social decontornos vagos, limites imprecisos, por muito tempo pouco significativo emtermos de tamanho, desencorajando abordagens quantitativas; o intelectualator do poltico inscrevia obrigatoriamente sua ao no tempo curto dodebate cvico, num momento em que se pensava que s a longa ou mdiadurao permitiria as abordagens frteis.

    *p.235: Alm do mais, a historiografia recente experimentou umentusiasmo pelas massas, s quais os intelectuais no podiam pretenderpertencer devido a seu numero reduzido, mas tambm pelo fato depertencerem s elites, por muito tempo confinadas, em reao contra ahistria positivista, ao purgatrio dos subobjetos da histria.

    *p.239-40: o prprio objeto desta histria mudou de status nasrepresentaes coletivas: o grupo social dos intelectuais cresceu ao longodas dcadas.

    *p.242: duas acepes do intelectual, uma ampla e sociocultural,

    englobando os criadores e os mediadores culturais (jornalistas, escritores,professores secundrios, eruditos); outra, mais estreita, baseada na noode engajamento.

    Necessidade de um mnimo de harmonia nas definies, para permitir asabordagens comparativas.

    *p.248: Todo grupo de intelectuais organiza-se tambm em torno de umasensibilidade ideolgica ou cultural comum e de afinidades mais difusas,mas igualmente determinantes, que fundam uma vontade e um gosto deconviver.

    *p.249: uma revista antes de tudo um lugar de fermentao intelectual ede relao afetiva, ao mesmo tempo viveiro e espao de sociabilidade,assim como os manifestos e abaixo-assinados.

    *p.252: As redes secretam, na verdade, microclimas sombra dos quais aatividade e o comportamento dos intelectuais envolvidos freqentementeapresentam traos especficos.

    *p.254-55: importncia dos fenmenos de gerao No meio intelectual,os processos de transmisso cultural so essenciais; um intelectual sedefine sempre por referencia a uma herana, como legatrio ou como filhoprdigo: quer haja um fenmeno de intermediao ou, ao contrrio, ocorra

    uma ruptura e uma tentao de fazer tabula rasa, o patrimnio dos maisvelhos portanto referencia explicita ou implcita. Alm disso, e exatamentepor esta razo, o esclarecimento dos efeitos da idade e dos fenmenos degerao no meio intelectual vai alm do procedimento apenas descritivo outaxionmico; reveste-se, em determinados casos, das virtudes explicativas,pois esses efeitos e fenmenos no so inertes: so s vezes engrenagensdeterminantes do funcionamento desse meio.

    *p.255: E esses efeitos da idade so s vezes suficientemente poderosospara desembocar em verdadeiros fenmenos de gerao, compreendida nosentido de estrato demogrfico unido por um acontecimento fundador quepor isso mesmo adquiriu uma existncia autnoma. Por certo, as

    repercusses do acontecimento fundador no so eternas e referem-se, pordefinio, gestao dessa gerao e a seus primeiros anos de existncia.

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    Mas uma gerao dada extrai dessa gerao uma bagagem gentica edesses primeiros anos uma memria coletiva, portanto ao mesmo tempo oinato e o adquirido, que a marcam por toda a vida.

    *p.258: aculturao das idias no meio dos intelectuais a exploraodeste campo se far pela reinsero dessas idias no seu ambiente social e

    cultural, e por sua recolocao em situao num contexto histrico.

    *p.259: analisar a influencia das idias sobre a comunidade nacional e a suaassimilao (ou no) cultura poltica da poca, num movimento dedescida.

    *p.261: meio intelectual , em essncia, o domnio do metafsico (osconfrontos ideolgicos) mais do que o poltico (confrontos eleitorais).

    *p.262: histria dos intelectuais em trs nveis: ideologias, cultura poltica ementalidades coletivas.

    WINOCK, Michel. As idias polticas, p.271-294.

    Obras que fizeram a histria do campo das idias polticas. O corpus dahistria das idias polticas, porm, no est s nas grandes obras, mastambm nas canes, na imprensa, nos almanaques, panfletos, fontesaudiovisuais, pinturas.

    *p.278-79: Em suma, as idias polticas no so apenas as dos filsofos edos tericos, mas tambm as do homem comum. Pela extenso de seucampo de curiosidade, a histria das idias polticas faz necessariamente

    fronteira com a histria da opinio pblica e a histria da propaganda;distingue-se delas, mas seus entendimentos com uma e outra encontram-senuma relao de reciprocidade, numa sociedade de expresso pblicadesenvolvida. Da resultam uma primeira renovao da histria das idiaspela extenso da curiosidade a fontes antes inusitadas.

    *p.284: esta disciplina inseparvel a histria da difuso das idias, da suarepercusso, de sua metamorfose ou de sua diluio em diversas formulasde representaes grficas ou plsticas.

    *p.284-85: Mais preocupada em acompanhar o trabalho das idias nasociedade poltica, ela passou de uma certa forma da histria da literatura eda filosofia para uma histria das mentalidades polticas sempre atenta

    produo intelectual personalizada, est, entretanto, cada vez maisempenhada em apreender o que Michel Foucault chamava de filosofiaespontnea daqueles que no filosofam.

    *p.285: a finalidade da historia das idias no mais oferecer os elementosquase intemporais de uma cultura poltica, mas conhecer os sistemas derepresentaes das sociedades. O estudo desses sistemas inseparvel dados aparelhos de produo e mediao, j que no a idia sozinha queage, mas tambm o lugar de onde ela vem.

    Colaborao de outros mtodos e disciplinas: psicologia social,

    lingstica, sociologia, informtica.

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    PROST, Antoine. As palavras, p.295-330.

    A histria poltica, em especial a factual, j questionada pela Escola dosAnnales, foi atingida em cheio pelo estruturalismo; emergncia dalingstica, diferente da filologia, nos anos 60.

    Mtodos empregados pela lingstica em interseco com a Histria.

    *p.299: Mas o que prova uma citao? Que uma opinio ou um julgamentodeterminados foram formulados, em condies determinados, pordeterminado individuo. De modo algum que essa opinio ou esse

    julgamento so majoritrios, ou dominantes ou representativos. No seu usohabitual - e no me refiro aqui nem ao caso de citaes obrigatrias acitao ilustra a anlise e estabelece a sua possibilidade, at mesmo a suaverossimilhana, mas no a verdade. Isto leva os historiadores amultiplicarem as citaes convergentes, de fontes diferentes, para mostrarque o ponto de vista que destacam no tem nada de excepcional. Aindaassim a multiplicao de citaes que tem valor ilustrativo jamais constituiuma prova irrefutvel: ela manifesta a erudio do historiador, seuconhecimento do caso; incita a que se lhe deposite confiana, mas tudo sebaseia, em ultima instancia, nessa confiana. Na verdade, o acmulo decitaes tem uma funo dissuasiva, invertendo a obrigao de apresentarprovas: o contraditor que fornea, por sua vez, a prova do erro de umainterpretao de tal forma argumentada... a lgica do advogado, no a doerudito.

    *p.311: se considerarmos os textos no somente como testemunhosintencionais, mas tambm como rastros involuntrios de uma atividade queos ultrapassa; se, independentemente da pergunta sobre seu sentido, lhesperguntamos o que eles revelam ou traem, involuntariamente, dasatividades que os produziram. A abordagem lingstica impe-se ento paradescobrir, alm e ao lado do sentido explicito, de primeiro grau, um sentidosecundrio, implcito e mascarado.

    *p.312: As maneiras de falar no so inocentes; para alm de sua aparenteneutralidade, revelam estruturas mentais, maneiras de perceber e organizara realidade denominando-a. traem os preconceitos e os tabus por seusesteretipos ou silncios. Em suma, ao lado dos mtodos etnolgicos, oslingsticos constituem uma das vias mais seguras de uma histria dasmentalidades.

    p.322-24: Porque h estudos lingsticos historicamente pertinentes eoutros no? Problema das perguntas, que so diferentes para o historiador epara o lingista, e pelo corpus documental analisado.

    *p.322: A abordagem lingstica enriquece assim a percepo dos textoshistricos. Revela o texto como colocao de personagens em cena, campofechado onde se confrontam estratgias discursivas; o discurso como ato,at mesmo como ato de violncia.

    *p.323: esse corpus devia apresentar trs caractersticas: ser contrastivo,para permitir as comparaes; ser diacrnico, ou seja, estender-se no temopara permitir recuperar continuidades e viradas; enfim, ser constitudo,seno de textos de organizaes que emanam de locutores coletivos, aomenos de textos significativos, referentes a situaes de comunicaodeterminadas.

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    COUTROT, Aline. Religio e poltica, p.331-363.

    *p.331: as foras religiosas fazem parte do tecido do poltico, relativizando aintransigncia das explicaes baseadas nos fatores socioeconmicos.

    Convergncia da histria religiosa, sociologia religiosa, sociologia poltica.

    *p.331: frase de Jean-Marie Mayeur: A histria religiosa no maisestritamente eclesistica ou apologtica, ela se estende a todos os domniosda vida religiosa e de suas expresses culturais e sociais, apreende apermanncia e a mudana da Igreja numa sociedade em transformao.

    *p.334: o religioso informa em grande medida o poltico, e tambm opoltico estrutura o religioso O fundamento de todas essas mediaesreside no fato de que a crena religiosa se manifesta em Igrejas que socorpos sociais dotados de uma organizao que possui mais de um trao em

    comum com a sociedade poltica. Como corpos sociais, as Igrejas cristsdifundem um ensinamento que no se limita s cincias do sagrado e aosfins ltimos do homem, toda a vida elas pregaram uma moral individual ecoletiva a ser aplicada hic et nunc; toda a vida elas proferiram julgamentosem relao sociedade, advertncias, interdies, tornando um dever deconscincia para os fieis se submeter a eles. Definitivamente, nada do queconcerne ao homem e sociedade lhes estranho, mesmo que de umapoca para outra a insistncia em certos preceitos tenha eclipsado outros.

    *p.340: As foras religiosas intervm com mais freqncia de formacoletiva autoridades religiosas, movimentos, imprensa confessional -, maso voto e a adeso partidria ligam-se deciso individual.

    Descrio das formas coletivas de interveno das foras religiosas esuas relaes com a poltica na Frana contempornea (p.340-50); questoda relao do voto com a prtica religiosa (p.351-53); questo da escolalaica (p.354-56).

    *p.356-57: A histria do poltico adquire dimenses novas ao levar emconta o religioso, no somente sob suas formas institucionais tais comoforam analisadas, mas tambm atravs do acontecimento, o que podeapenas ser sugerido. Ela responde, ao faz-lo, s criticas que concorreramdurante algum tempo para desacredit-la.

    Torna-se agora evidente que as escolhas polticas no so simplesdecalques das relaes socioeconmicas e que elas valorizam aconsistncia prpria do poltico: a anlise do voto e a questo escolar odemonstram amplamente: a poltica tem seu carter prprio, mas nem porisso deixa de ter relaes com outros domnios. Rene Remond escreve comointroduo: A poltica uma modalidade da prtica social, e nada ilustramelhor esta proposio que a anlise dos movimentos confessionais queexercem ao mesmo tempo uma pratica social e poltica. Atravs daconsiderao do religioso, apreendem-se as massas, os comportamentoscoletivos: episcopado, imprensa, movimentos, sindicatos, grupos depresso. Apreende-se tambm elementos importantes da cultura poltica nalonga durao, clericalismo, anticlericalismo; mesmo a laicidade nas suas

    manifestaes concretas se define em relao ao cristianismo.

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    andar nobre -, concede-lhe um lugar secundrio no conjuntural e de fato aconfina no factual.

    *p.410: Privilegiar a dimenso poltica da guerra subordinando seudesenrolar a procedimentos racionais implica um pressuposto: o desfechodo conflito condicionado pelo conjunto da relao de foras, foras estas

    cujos dados especificamente militares no passam de uma variante entreoutras e no desfrutam de nenhum status determinante. Seria portanto avida poltica tomada no sentido lato do termo que condicionaria os fatoresde variadas ordens que a guerra pe em jogo.

    *p.411: devemos valorizar de modo particular a influencia das presseseconmicas? Hoje em dia nenhum historiador procura mais negar essaspresses. O que ainda problemtico o seu lugar relativo. Pois em suamaioria os historiadores do contemporneo recusam umeconomicocentrismo que faria do poltico no mximo o reflexo de umainfra-estrutura dominadora, a tal ponto que o desencadeamento das guerrasseria programado apenas pelas condies objetivas da economia.

    *p.411: A historiografia recente tende a enfatizar muito mais as disputasestratgicas e o peso das mentalidades coletivas [...] parece mais funcionalenfatizar, nessa matria como em outras, a autonomia do poltico e afortiori do mental.

    *p.412: mudanas para a guerra trazidas pela Revoluo Francesa:recrutamento massivo e guerra ideolgica.

    *p.421: aps a II Guerra podia-se ganhar politicamente mesmo sendodominado militarmente; mas a vitria poltica s podia ser conquistada comarmas na mo estratgia dos resistentes, sobretudo nos movimentos de

    libertao nacional.

    *p.423: aumentando o peso do jogo social e da interveno dos dirigentespolticos na conduo das guerras, corremos o risco de minorar aimportncia das regras especificas da gramtica inerente no s aoexerccio da arte militar mas igualmente prpria essncia da guerra.

    *p.425: no nos espantaremos que a guerra, por menos que dure, pela suaprpria violncia modifique radicalmente os comportamentos polticosindividuais e faa ressurgir o que Freud chamava de o homem das origens.

    *p.428: O historiador, por ele, evita erigir em regra o excepcional e

    privilegiar sistematicamente a singularidade do acontecimento em relao longa durao. Mas erraria se se privasse, atravs das descontinuidades edas rupturas, dos observatrios igualmente necessrios, pois quereveladores implacveis das regras no escritas do jogo social. A guerra ter-se- compreendido um desses laboratrios privilegiados.

    *p.431: Antigamente, os historiadores interessavam-se de perto pelasbatalhas, as campanhas, os grandes chefes. Depois instaurou-se umdivorcio relativo entre as expectativas do grande pblico, que continuavavido por narrativas ou biografias relacionadas s guerras, e a memriaerudita. A tal ponto que se podia desejar que os historiadores participassemenquanto tais em maior nmero nos trabalhos dos cientistas polticos,

    socilogos e polemlogos. Pois a guerra, querendo ou no, continua sendoum fenmeno da sociedade fundamental da histria do tempo presente.

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    RMOND, Rne. Do poltico, p.441-450.

    *p.442: poltico como construo abstrata, mas que tambm a coisa maisconcreta com que todos se deparam na vida, algo que interfere na sua

    atividade profissional ou se imiscui na sua vida privada.

    *p.442-43: o poltico no tem fronteiras naturais. Ora ele se dilata atincluir toda e qualquer realidade e absorver a esfera do privado: este umtrao das sociedades totalitrias. Ora ele se retrai ao extremo. Essasvariaes obedecem a necessidades externas; refletem tambm asflutuaes do esprito pblico. O espao que o poltico recorta na realidadeglobal a resultante dessa conjuno.

    *p.443: o campo do poltico no tem fronteiras fixas e as tentativas defech-lo dentro de limites traados para todo o sempre so inteis.

    *p.444-45: ele [o poltico] no tem margens e comunica-se com a maioriados outros domnios. Conseqentemente os historiadores do poltico nopoderiam acantonar-se nele e cultivar seu jardim secreto margem dasgrandes correntes que atravessam a histria. A histria poltica exige serinscrita numa perspectiva global em que o poltico um ponto decondensao.

    *p.445: Estudar a histria do poltico estar convencido de que o polticoexiste por si prprio, professar que ele tem uma consistncia prpria e umaautonomia suficiente para ser uma realidade distinta.

    O historiador nem por isso cr que o poltico mantenha todo o resto sob sua

    dependncia. Seria ingnuo acreditar que o poltico escapa dasdeterminaes externas, das presses.

    *p.445: a deciso poltica a resultante de uma multiplicidade de fatoresque nem todos eram polticos, as escolhas polticas no soimperativamente ditadas pelo seu status socioprofissional.

    *p.447: o poltico o lugar de gesto da sociedade global, ele dirige emparte as outras atividades; define seu status, regulamenta seu exerccio.

    *p.447: O historiador do poltico no reivindica como objeto de sua atenopreferencial essa hegemonia; no pretende que tudo seja poltico, nem tera imprudncia de afirmar que a poltica, mas constata que o poltico oponto para onde conflui a maioria das atividades e que recapitula os outroscomponentes do conjunto social.

    *p.448-49: Quem sabe se uma razo oculta, talvez inconsciente, em funoda qual os historiadores mantiveram a histria poltica sob suspeita no ofato de que ela incomoda? Ela desorienta os esforos de explicao por umacausalidade algo mecnica. A poltica no segue um desenvolvimentolinear: feita de rupturas que parecem acidentes para a intelignciaorganizadora do real. O acontecimento introduz nele, inopinadamente, oimprevisvel: a irrupo do inesperado, portanto do inexplicvel, adespeito do esforo que os historiadores possam fazer para reabsorv-lo e

    integr-lo numa sucesso lgica. H em poltica mais coisas nos efeitos quenas causas, ou, para sermos mais exatos, no se encontra nos antecedentestudo aquilo que resultar deles; o papel da contingncia.

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    *p.449: o poltico o ponto de maior convergncia de sries causais, e suacomplexidade torna-o mais difcil ainda de decifrar.

    no se remonta o curso da histria: as cesuras so definitivas. Da osacontecimentos polticos serem fundadores das mentalidades: oacontecimento solda uma gerao, e sua lembrana continuar sendo at o

    ultimo suspiro uma referencia carregada de afetividade, positiva ounegativa, at que, com o desparecimento desta, ela mergulha nainconscincia da memria coletiva, onde continuar no entanto a exerceralguma influencia insuspeitada.

    *p.449-450: Porque ele recapitula os outros nveis da realidade, o poltico uma das expresses mais altas da identidade coletiva: um povo se exprimetanto pela sua maneira de conceber, de praticar, de viver a poltica tantoquanto por sua literatura, seu cinema e sua cozinha. Sua relao com apoltica revela-o, da mesma forma que seus outros comportamentoscoletivos.

    Cultura poltica reveladora do ethos de uma nao e do gnio de umpovo.