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Organizaccedilatildeo
Terezinha de Camargo Viana
Glaacuteucia Starling Diniz
Liana Fortunato Costa
Valeska Zanello
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura
Universidade de Brasiacutelia
2012
Psicologia Cliacutenica e Cultura Contemporacircnea
Coleccedilatildeo Psicologia Cliacutenica e Cultura UnB - Volume I
330
Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
ValeskaZanello
FranciscoMartins
Segundo Laplantine (2004) cada cultura apresenta modelos etioloacutegicos de compreen-
satildeo da doenccedila e do adoecer os quais privilegiam por conseguinte determinadas formas
de tratamento As culturas em cada momento histoacuterico apresentam paradigmas espe-
ciacuteficos (muitas vezes multifacetados) que fornecem um enquadre interpretativo que daacute
sentido agraves experiecircncias humanas dentre as quais o adoecer eacute uma delas
A psicoterapia enquanto modelo terapecircutico especiacutefico da sociedade ocidental eacute relati-
vamente recente com menos de um seacuteculo Ela deve ser compreendida como mais um
artefato cultural No Brasil tornou-se profissatildeo reconhecida com exigecircncias de forma-
ccedilatildeo especiacuteficas como preacute-requisito para praticaacute-la haacute apenas 50 anos
No entanto a psicoterapia enquanto praacutetica cultural terapecircutica remete a outras formas
simboacutelicas de intervenccedilatildeo e cura Segundo Kleinman (1988) ela seria apenas uma for-
331Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
ma indiacutegena de cura simboacutelica isto eacute uma terapia baseada em palavras mitos e o uso
ritual de siacutembolos
Apesar das exigecircncias de formaccedilatildeo acadecircmica (e de curso de especializaccedilatildeo em alguns
paiacuteses) haacute uma grande discussatildeo acerca da especificidade (ou natildeo) da eficaacutecia da psico-
terapia em relaccedilatildeo agraves demais alternativas terapecircuticas disponiacuteveis atualmente no mer-
cado
Sampson (2001) destaca que natildeo existe criteacuterio algum para dizer o que seria uma te-
rapia ldquocientiacuteficardquo Ele aponta ldquoA diversidade das etnoterapias tanto as da antiguidade
como as contemporacircneas na sociedade moderna e nas preacute-modernas atuais eacute inegaacutevelrdquo
(retirado da web) Para o autor a atitude ideal seria natildeo repudiar as demais terapias
como preacute-cientiacuteficas visto que o marco para sua definiccedilatildeo natildeo eacute claro mas antes seria
razoaacutevel estudaacute-las para tentarmos explicitar sua loacutegica interna Elas podem e devem
se tornar objeto mesmo de pesquisa cientiacutefica por parte da psicologia cliacutenica O autor
aponta assim uma lista de pelo menos 300 terapias que foram listadas ateacute 1980
Krause (2011) sugere ao menos trecircs transformaccedilotildees necessaacuterias no campo das psicote-
rapias em geral ampliar nosso ponto de vista sobre a psicoterapia ampliar nossa visatildeo
de como se pode adquirir melhor conhecimento cientiacutefico sobre a psicoterapia e por
uacuteltimo ampliar o ponto de vista sobre os contextos humanos nos quais ocorre a psi-
coterapia Ou seja terapias nas quais encontramos fatores similares aos atuantes nas
psicoterapias
Mas como eacute definida a psicoterapia Segundo Cordiolli e Giglio (2008) as psicoterapias
seriam
Meacutetodos de tratamento realizados por profissionais treinados com o objetivo de reduzir ou remover um problema uma queixa ou um transtorno de um paciente ou cliente utilizando para tal fim meios psicoloacutegicos Satildeo realizados em um contexto primariamente interpessoal a relaccedilatildeo terapecircutica e utilizam a comunicaccedilatildeo verbal como principal recurso (Cordiolli amp Giglio 2008 p42)
A definiccedilatildeo de psicoterapia deve ser dada no plural pois mesmo o campo psicoterapecircu-
tico permeado pelas exigecircncias de formaccedilatildeo acima explicitada eacute marcado pela multi-
plicidade de paradigmas teacutecnicas e pressupostos epistemoloacutegicos No entanto a pro-
332
liferaccedilatildeo de abordagens e teorias nem sempre foi acompanhada pela preocupaccedilatildeo em
avaliar sua eficaacutecia e efetividade (Cordiolli2008) Isso levou alguns teoacutericos tais como
Eysenck em 1950 a afirmar que as mudanccedilas ocorridas durante uma psicoterapia eram
devidas a proacutepria passagem do tempo e natildeo agraves teacutecnicas utilizadas Em outras palavras
foi colocada em xeque a eficaacutecia terapecircutica da mesma
Isso acabou por se tornar um grande estiacutemulo agraves pesquisas acerca da eficaacuteciaefetivi-
dade das psicoterapias A eficaacutecia das psicoterapias se refere agrave avaliaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo
causal entre o tratamento e a resposta (Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp
Araujo LB 2009) Visa agrave validade interna exigindo o delineamento de pesquisa ex-
perimental com controle do setting e com intervenccedilotildees bem definidas baseadas em
manuais Jaacute a efetividade das psicoterapias eacute a avaliaccedilatildeo da resposta ao tratamento em
um setting semelhante ao real Visa agrave validade externa e o delineamento da pesquisa eacute
quase experimental O setting eacute menos controlado e mais proacuteximo do natural (Peuker
AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB 2009)
Em 1960 foi realizado o projeto Menninger o qual se utilizou de metanaacutelise para com-
provar a eficaacutecia das psicoterapias (Cordiolli 2008) Os dados foram surpreendentes
Comparando a eficaacutecia sobretudo na supressatildeo dos sintomas entre pacientes submeti-
dos a processos psicoteraacutepicos e outros em lista de espera para atendimento chegou-se
a um nuacutemero confirmado por inuacutemeras pesquisas posteriores de melhora em torno
de 80 Isto eacute pacientes em processo de psicoterapia melhoravam 80 mais do que
aqueles que simplesmente melhoravam com o simples decorrer do tempo (Cordioli amp
Giglio 2008) Aleacutem disso os efeitos mantiveram-se por mais tempo que aqueles efetu-
ados sem uma psicoterapia
Tais pesquisas comprovaram na contramatildeo da acusaccedilatildeo de Eysenck a eficaacutecia da psi-
coterapia Mas outro problema surgia no horizonte das discussotildees quais seriam os
fatores relacionados agrave melhora do sujeito Os investigadores estudaram inicialmente os
resultados da psicoterapia para evidenciar sua eficaacutecia somente depois eacute que se buscou
compreender e estudar os fatores a ela relacionados (Sales 2009)
Houve concordacircncia de que boa parte dos efeitos se dava ao uso de teacutecnicas especiacuteficas
proacuteprias a cada modelo e por outro lado a fatores comuns ou inespeciacuteficos presentes
em todas as abordagens Os fatores especiacuteficos seriam aqueles tiacutepicos e exclusivos a
333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-
lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma
seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir
Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os
de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes
agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou
sistecircmicos
Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-
nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo
de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-
tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do
viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila
de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os
fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-
lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila
Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-
pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-
ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que
natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo
(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-
ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-
retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com
seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal
Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias
seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-
ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de
certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia
Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI
e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-
rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo
334
entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo
gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de
personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de
melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento
aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia
e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais
importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-
sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido
apontado por Kleinman (1988)
A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no
terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)
La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)
A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia
os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi
efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos
pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado
pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional
ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica
grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou
inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral
Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais
eficaz que
Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de
335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)
Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice
no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo
este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas
pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias
inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas
Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito
e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-
tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os
procedimentos terapecircuticos a serem utilizados
O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)
Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-
rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com
ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-
loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens
mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se
ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia
Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E
tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-
vas e outros guiados mais pela teoria
Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus
eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda
que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como
por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo
paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-
vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser
336
um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no
processo de mudanccedila terapecircutica
Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o
ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo
divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz
respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a
praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos
cliacutenicos
Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo
da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-
cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia
Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo
hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos
delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a
abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado
da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-
ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos
atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das
(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do
terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso
da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do
terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela
Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os
tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como
o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Alinguagemquandodizereacutefazer
O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-
tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove
accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O
337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo
deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-
tos sobre a mesma
Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer
coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-
gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como
funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-
nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-
genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e
a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O
proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem
formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o
que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu
entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica
Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-
zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo
saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras
ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras
Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo
relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem
(Wittgenstein 1991)
Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala
justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele
os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio
e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo
de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada
entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais
ou menos definidos)
Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por
exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os
preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-
338
tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)
eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar
Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo
sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um
importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios
a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente
resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-
duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem
estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim
certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a
accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos
ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada
pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-
cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo
terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia
Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos
com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo
linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de
uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas
condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin
(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-
riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-
vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela
com caracteriacutesticas de cada um deles
339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
ValeskaZanello
FranciscoMartins
Segundo Laplantine (2004) cada cultura apresenta modelos etioloacutegicos de compreen-
satildeo da doenccedila e do adoecer os quais privilegiam por conseguinte determinadas formas
de tratamento As culturas em cada momento histoacuterico apresentam paradigmas espe-
ciacuteficos (muitas vezes multifacetados) que fornecem um enquadre interpretativo que daacute
sentido agraves experiecircncias humanas dentre as quais o adoecer eacute uma delas
A psicoterapia enquanto modelo terapecircutico especiacutefico da sociedade ocidental eacute relati-
vamente recente com menos de um seacuteculo Ela deve ser compreendida como mais um
artefato cultural No Brasil tornou-se profissatildeo reconhecida com exigecircncias de forma-
ccedilatildeo especiacuteficas como preacute-requisito para praticaacute-la haacute apenas 50 anos
No entanto a psicoterapia enquanto praacutetica cultural terapecircutica remete a outras formas
simboacutelicas de intervenccedilatildeo e cura Segundo Kleinman (1988) ela seria apenas uma for-
331Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
ma indiacutegena de cura simboacutelica isto eacute uma terapia baseada em palavras mitos e o uso
ritual de siacutembolos
Apesar das exigecircncias de formaccedilatildeo acadecircmica (e de curso de especializaccedilatildeo em alguns
paiacuteses) haacute uma grande discussatildeo acerca da especificidade (ou natildeo) da eficaacutecia da psico-
terapia em relaccedilatildeo agraves demais alternativas terapecircuticas disponiacuteveis atualmente no mer-
cado
Sampson (2001) destaca que natildeo existe criteacuterio algum para dizer o que seria uma te-
rapia ldquocientiacuteficardquo Ele aponta ldquoA diversidade das etnoterapias tanto as da antiguidade
como as contemporacircneas na sociedade moderna e nas preacute-modernas atuais eacute inegaacutevelrdquo
(retirado da web) Para o autor a atitude ideal seria natildeo repudiar as demais terapias
como preacute-cientiacuteficas visto que o marco para sua definiccedilatildeo natildeo eacute claro mas antes seria
razoaacutevel estudaacute-las para tentarmos explicitar sua loacutegica interna Elas podem e devem
se tornar objeto mesmo de pesquisa cientiacutefica por parte da psicologia cliacutenica O autor
aponta assim uma lista de pelo menos 300 terapias que foram listadas ateacute 1980
Krause (2011) sugere ao menos trecircs transformaccedilotildees necessaacuterias no campo das psicote-
rapias em geral ampliar nosso ponto de vista sobre a psicoterapia ampliar nossa visatildeo
de como se pode adquirir melhor conhecimento cientiacutefico sobre a psicoterapia e por
uacuteltimo ampliar o ponto de vista sobre os contextos humanos nos quais ocorre a psi-
coterapia Ou seja terapias nas quais encontramos fatores similares aos atuantes nas
psicoterapias
Mas como eacute definida a psicoterapia Segundo Cordiolli e Giglio (2008) as psicoterapias
seriam
Meacutetodos de tratamento realizados por profissionais treinados com o objetivo de reduzir ou remover um problema uma queixa ou um transtorno de um paciente ou cliente utilizando para tal fim meios psicoloacutegicos Satildeo realizados em um contexto primariamente interpessoal a relaccedilatildeo terapecircutica e utilizam a comunicaccedilatildeo verbal como principal recurso (Cordiolli amp Giglio 2008 p42)
A definiccedilatildeo de psicoterapia deve ser dada no plural pois mesmo o campo psicoterapecircu-
tico permeado pelas exigecircncias de formaccedilatildeo acima explicitada eacute marcado pela multi-
plicidade de paradigmas teacutecnicas e pressupostos epistemoloacutegicos No entanto a pro-
332
liferaccedilatildeo de abordagens e teorias nem sempre foi acompanhada pela preocupaccedilatildeo em
avaliar sua eficaacutecia e efetividade (Cordiolli2008) Isso levou alguns teoacutericos tais como
Eysenck em 1950 a afirmar que as mudanccedilas ocorridas durante uma psicoterapia eram
devidas a proacutepria passagem do tempo e natildeo agraves teacutecnicas utilizadas Em outras palavras
foi colocada em xeque a eficaacutecia terapecircutica da mesma
Isso acabou por se tornar um grande estiacutemulo agraves pesquisas acerca da eficaacuteciaefetivi-
dade das psicoterapias A eficaacutecia das psicoterapias se refere agrave avaliaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo
causal entre o tratamento e a resposta (Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp
Araujo LB 2009) Visa agrave validade interna exigindo o delineamento de pesquisa ex-
perimental com controle do setting e com intervenccedilotildees bem definidas baseadas em
manuais Jaacute a efetividade das psicoterapias eacute a avaliaccedilatildeo da resposta ao tratamento em
um setting semelhante ao real Visa agrave validade externa e o delineamento da pesquisa eacute
quase experimental O setting eacute menos controlado e mais proacuteximo do natural (Peuker
AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB 2009)
Em 1960 foi realizado o projeto Menninger o qual se utilizou de metanaacutelise para com-
provar a eficaacutecia das psicoterapias (Cordiolli 2008) Os dados foram surpreendentes
Comparando a eficaacutecia sobretudo na supressatildeo dos sintomas entre pacientes submeti-
dos a processos psicoteraacutepicos e outros em lista de espera para atendimento chegou-se
a um nuacutemero confirmado por inuacutemeras pesquisas posteriores de melhora em torno
de 80 Isto eacute pacientes em processo de psicoterapia melhoravam 80 mais do que
aqueles que simplesmente melhoravam com o simples decorrer do tempo (Cordioli amp
Giglio 2008) Aleacutem disso os efeitos mantiveram-se por mais tempo que aqueles efetu-
ados sem uma psicoterapia
Tais pesquisas comprovaram na contramatildeo da acusaccedilatildeo de Eysenck a eficaacutecia da psi-
coterapia Mas outro problema surgia no horizonte das discussotildees quais seriam os
fatores relacionados agrave melhora do sujeito Os investigadores estudaram inicialmente os
resultados da psicoterapia para evidenciar sua eficaacutecia somente depois eacute que se buscou
compreender e estudar os fatores a ela relacionados (Sales 2009)
Houve concordacircncia de que boa parte dos efeitos se dava ao uso de teacutecnicas especiacuteficas
proacuteprias a cada modelo e por outro lado a fatores comuns ou inespeciacuteficos presentes
em todas as abordagens Os fatores especiacuteficos seriam aqueles tiacutepicos e exclusivos a
333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-
lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma
seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir
Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os
de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes
agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou
sistecircmicos
Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-
nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo
de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-
tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do
viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila
de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os
fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-
lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila
Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-
pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-
ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que
natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo
(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-
ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-
retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com
seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal
Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias
seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-
ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de
certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia
Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI
e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-
rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo
334
entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo
gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de
personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de
melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento
aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia
e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais
importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-
sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido
apontado por Kleinman (1988)
A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no
terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)
La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)
A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia
os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi
efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos
pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado
pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional
ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica
grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou
inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral
Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais
eficaz que
Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de
335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)
Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice
no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo
este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas
pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias
inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas
Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito
e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-
tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os
procedimentos terapecircuticos a serem utilizados
O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)
Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-
rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com
ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-
loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens
mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se
ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia
Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E
tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-
vas e outros guiados mais pela teoria
Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus
eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda
que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como
por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo
paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-
vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser
336
um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no
processo de mudanccedila terapecircutica
Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o
ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo
divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz
respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a
praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos
cliacutenicos
Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo
da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-
cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia
Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo
hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos
delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a
abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado
da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-
ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos
atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das
(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do
terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso
da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do
terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela
Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os
tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como
o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Alinguagemquandodizereacutefazer
O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-
tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove
accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O
337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo
deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-
tos sobre a mesma
Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer
coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-
gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como
funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-
nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-
genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e
a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O
proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem
formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o
que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu
entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica
Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-
zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo
saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras
ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras
Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo
relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem
(Wittgenstein 1991)
Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala
justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele
os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio
e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo
de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada
entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais
ou menos definidos)
Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por
exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os
preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-
338
tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)
eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar
Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo
sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um
importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios
a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente
resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-
duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem
estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim
certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a
accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos
ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada
pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-
cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo
terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia
Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos
com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo
linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de
uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas
condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin
(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-
riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-
vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela
com caracteriacutesticas de cada um deles
339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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330
Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
ValeskaZanello
FranciscoMartins
Segundo Laplantine (2004) cada cultura apresenta modelos etioloacutegicos de compreen-
satildeo da doenccedila e do adoecer os quais privilegiam por conseguinte determinadas formas
de tratamento As culturas em cada momento histoacuterico apresentam paradigmas espe-
ciacuteficos (muitas vezes multifacetados) que fornecem um enquadre interpretativo que daacute
sentido agraves experiecircncias humanas dentre as quais o adoecer eacute uma delas
A psicoterapia enquanto modelo terapecircutico especiacutefico da sociedade ocidental eacute relati-
vamente recente com menos de um seacuteculo Ela deve ser compreendida como mais um
artefato cultural No Brasil tornou-se profissatildeo reconhecida com exigecircncias de forma-
ccedilatildeo especiacuteficas como preacute-requisito para praticaacute-la haacute apenas 50 anos
No entanto a psicoterapia enquanto praacutetica cultural terapecircutica remete a outras formas
simboacutelicas de intervenccedilatildeo e cura Segundo Kleinman (1988) ela seria apenas uma for-
331Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
ma indiacutegena de cura simboacutelica isto eacute uma terapia baseada em palavras mitos e o uso
ritual de siacutembolos
Apesar das exigecircncias de formaccedilatildeo acadecircmica (e de curso de especializaccedilatildeo em alguns
paiacuteses) haacute uma grande discussatildeo acerca da especificidade (ou natildeo) da eficaacutecia da psico-
terapia em relaccedilatildeo agraves demais alternativas terapecircuticas disponiacuteveis atualmente no mer-
cado
Sampson (2001) destaca que natildeo existe criteacuterio algum para dizer o que seria uma te-
rapia ldquocientiacuteficardquo Ele aponta ldquoA diversidade das etnoterapias tanto as da antiguidade
como as contemporacircneas na sociedade moderna e nas preacute-modernas atuais eacute inegaacutevelrdquo
(retirado da web) Para o autor a atitude ideal seria natildeo repudiar as demais terapias
como preacute-cientiacuteficas visto que o marco para sua definiccedilatildeo natildeo eacute claro mas antes seria
razoaacutevel estudaacute-las para tentarmos explicitar sua loacutegica interna Elas podem e devem
se tornar objeto mesmo de pesquisa cientiacutefica por parte da psicologia cliacutenica O autor
aponta assim uma lista de pelo menos 300 terapias que foram listadas ateacute 1980
Krause (2011) sugere ao menos trecircs transformaccedilotildees necessaacuterias no campo das psicote-
rapias em geral ampliar nosso ponto de vista sobre a psicoterapia ampliar nossa visatildeo
de como se pode adquirir melhor conhecimento cientiacutefico sobre a psicoterapia e por
uacuteltimo ampliar o ponto de vista sobre os contextos humanos nos quais ocorre a psi-
coterapia Ou seja terapias nas quais encontramos fatores similares aos atuantes nas
psicoterapias
Mas como eacute definida a psicoterapia Segundo Cordiolli e Giglio (2008) as psicoterapias
seriam
Meacutetodos de tratamento realizados por profissionais treinados com o objetivo de reduzir ou remover um problema uma queixa ou um transtorno de um paciente ou cliente utilizando para tal fim meios psicoloacutegicos Satildeo realizados em um contexto primariamente interpessoal a relaccedilatildeo terapecircutica e utilizam a comunicaccedilatildeo verbal como principal recurso (Cordiolli amp Giglio 2008 p42)
A definiccedilatildeo de psicoterapia deve ser dada no plural pois mesmo o campo psicoterapecircu-
tico permeado pelas exigecircncias de formaccedilatildeo acima explicitada eacute marcado pela multi-
plicidade de paradigmas teacutecnicas e pressupostos epistemoloacutegicos No entanto a pro-
332
liferaccedilatildeo de abordagens e teorias nem sempre foi acompanhada pela preocupaccedilatildeo em
avaliar sua eficaacutecia e efetividade (Cordiolli2008) Isso levou alguns teoacutericos tais como
Eysenck em 1950 a afirmar que as mudanccedilas ocorridas durante uma psicoterapia eram
devidas a proacutepria passagem do tempo e natildeo agraves teacutecnicas utilizadas Em outras palavras
foi colocada em xeque a eficaacutecia terapecircutica da mesma
Isso acabou por se tornar um grande estiacutemulo agraves pesquisas acerca da eficaacuteciaefetivi-
dade das psicoterapias A eficaacutecia das psicoterapias se refere agrave avaliaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo
causal entre o tratamento e a resposta (Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp
Araujo LB 2009) Visa agrave validade interna exigindo o delineamento de pesquisa ex-
perimental com controle do setting e com intervenccedilotildees bem definidas baseadas em
manuais Jaacute a efetividade das psicoterapias eacute a avaliaccedilatildeo da resposta ao tratamento em
um setting semelhante ao real Visa agrave validade externa e o delineamento da pesquisa eacute
quase experimental O setting eacute menos controlado e mais proacuteximo do natural (Peuker
AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB 2009)
Em 1960 foi realizado o projeto Menninger o qual se utilizou de metanaacutelise para com-
provar a eficaacutecia das psicoterapias (Cordiolli 2008) Os dados foram surpreendentes
Comparando a eficaacutecia sobretudo na supressatildeo dos sintomas entre pacientes submeti-
dos a processos psicoteraacutepicos e outros em lista de espera para atendimento chegou-se
a um nuacutemero confirmado por inuacutemeras pesquisas posteriores de melhora em torno
de 80 Isto eacute pacientes em processo de psicoterapia melhoravam 80 mais do que
aqueles que simplesmente melhoravam com o simples decorrer do tempo (Cordioli amp
Giglio 2008) Aleacutem disso os efeitos mantiveram-se por mais tempo que aqueles efetu-
ados sem uma psicoterapia
Tais pesquisas comprovaram na contramatildeo da acusaccedilatildeo de Eysenck a eficaacutecia da psi-
coterapia Mas outro problema surgia no horizonte das discussotildees quais seriam os
fatores relacionados agrave melhora do sujeito Os investigadores estudaram inicialmente os
resultados da psicoterapia para evidenciar sua eficaacutecia somente depois eacute que se buscou
compreender e estudar os fatores a ela relacionados (Sales 2009)
Houve concordacircncia de que boa parte dos efeitos se dava ao uso de teacutecnicas especiacuteficas
proacuteprias a cada modelo e por outro lado a fatores comuns ou inespeciacuteficos presentes
em todas as abordagens Os fatores especiacuteficos seriam aqueles tiacutepicos e exclusivos a
333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-
lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma
seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir
Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os
de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes
agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou
sistecircmicos
Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-
nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo
de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-
tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do
viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila
de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os
fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-
lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila
Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-
pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-
ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que
natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo
(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-
ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-
retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com
seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal
Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias
seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-
ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de
certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia
Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI
e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-
rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo
334
entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo
gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de
personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de
melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento
aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia
e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais
importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-
sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido
apontado por Kleinman (1988)
A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no
terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)
La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)
A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia
os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi
efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos
pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado
pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional
ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica
grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou
inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral
Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais
eficaz que
Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de
335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)
Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice
no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo
este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas
pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias
inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas
Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito
e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-
tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os
procedimentos terapecircuticos a serem utilizados
O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)
Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-
rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com
ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-
loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens
mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se
ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia
Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E
tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-
vas e outros guiados mais pela teoria
Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus
eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda
que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como
por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo
paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-
vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser
336
um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no
processo de mudanccedila terapecircutica
Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o
ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo
divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz
respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a
praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos
cliacutenicos
Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo
da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-
cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia
Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo
hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos
delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a
abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado
da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-
ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos
atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das
(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do
terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso
da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do
terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela
Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os
tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como
o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Alinguagemquandodizereacutefazer
O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-
tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove
accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O
337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo
deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-
tos sobre a mesma
Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer
coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-
gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como
funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-
nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-
genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e
a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O
proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem
formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o
que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu
entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica
Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-
zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo
saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras
ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras
Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo
relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem
(Wittgenstein 1991)
Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala
justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele
os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio
e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo
de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada
entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais
ou menos definidos)
Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por
exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os
preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-
338
tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)
eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar
Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo
sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um
importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios
a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente
resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-
duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem
estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim
certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a
accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos
ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada
pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-
cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo
terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia
Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos
com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo
linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de
uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas
condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin
(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-
riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-
vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela
com caracteriacutesticas de cada um deles
339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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331Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
ma indiacutegena de cura simboacutelica isto eacute uma terapia baseada em palavras mitos e o uso
ritual de siacutembolos
Apesar das exigecircncias de formaccedilatildeo acadecircmica (e de curso de especializaccedilatildeo em alguns
paiacuteses) haacute uma grande discussatildeo acerca da especificidade (ou natildeo) da eficaacutecia da psico-
terapia em relaccedilatildeo agraves demais alternativas terapecircuticas disponiacuteveis atualmente no mer-
cado
Sampson (2001) destaca que natildeo existe criteacuterio algum para dizer o que seria uma te-
rapia ldquocientiacuteficardquo Ele aponta ldquoA diversidade das etnoterapias tanto as da antiguidade
como as contemporacircneas na sociedade moderna e nas preacute-modernas atuais eacute inegaacutevelrdquo
(retirado da web) Para o autor a atitude ideal seria natildeo repudiar as demais terapias
como preacute-cientiacuteficas visto que o marco para sua definiccedilatildeo natildeo eacute claro mas antes seria
razoaacutevel estudaacute-las para tentarmos explicitar sua loacutegica interna Elas podem e devem
se tornar objeto mesmo de pesquisa cientiacutefica por parte da psicologia cliacutenica O autor
aponta assim uma lista de pelo menos 300 terapias que foram listadas ateacute 1980
Krause (2011) sugere ao menos trecircs transformaccedilotildees necessaacuterias no campo das psicote-
rapias em geral ampliar nosso ponto de vista sobre a psicoterapia ampliar nossa visatildeo
de como se pode adquirir melhor conhecimento cientiacutefico sobre a psicoterapia e por
uacuteltimo ampliar o ponto de vista sobre os contextos humanos nos quais ocorre a psi-
coterapia Ou seja terapias nas quais encontramos fatores similares aos atuantes nas
psicoterapias
Mas como eacute definida a psicoterapia Segundo Cordiolli e Giglio (2008) as psicoterapias
seriam
Meacutetodos de tratamento realizados por profissionais treinados com o objetivo de reduzir ou remover um problema uma queixa ou um transtorno de um paciente ou cliente utilizando para tal fim meios psicoloacutegicos Satildeo realizados em um contexto primariamente interpessoal a relaccedilatildeo terapecircutica e utilizam a comunicaccedilatildeo verbal como principal recurso (Cordiolli amp Giglio 2008 p42)
A definiccedilatildeo de psicoterapia deve ser dada no plural pois mesmo o campo psicoterapecircu-
tico permeado pelas exigecircncias de formaccedilatildeo acima explicitada eacute marcado pela multi-
plicidade de paradigmas teacutecnicas e pressupostos epistemoloacutegicos No entanto a pro-
332
liferaccedilatildeo de abordagens e teorias nem sempre foi acompanhada pela preocupaccedilatildeo em
avaliar sua eficaacutecia e efetividade (Cordiolli2008) Isso levou alguns teoacutericos tais como
Eysenck em 1950 a afirmar que as mudanccedilas ocorridas durante uma psicoterapia eram
devidas a proacutepria passagem do tempo e natildeo agraves teacutecnicas utilizadas Em outras palavras
foi colocada em xeque a eficaacutecia terapecircutica da mesma
Isso acabou por se tornar um grande estiacutemulo agraves pesquisas acerca da eficaacuteciaefetivi-
dade das psicoterapias A eficaacutecia das psicoterapias se refere agrave avaliaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo
causal entre o tratamento e a resposta (Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp
Araujo LB 2009) Visa agrave validade interna exigindo o delineamento de pesquisa ex-
perimental com controle do setting e com intervenccedilotildees bem definidas baseadas em
manuais Jaacute a efetividade das psicoterapias eacute a avaliaccedilatildeo da resposta ao tratamento em
um setting semelhante ao real Visa agrave validade externa e o delineamento da pesquisa eacute
quase experimental O setting eacute menos controlado e mais proacuteximo do natural (Peuker
AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB 2009)
Em 1960 foi realizado o projeto Menninger o qual se utilizou de metanaacutelise para com-
provar a eficaacutecia das psicoterapias (Cordiolli 2008) Os dados foram surpreendentes
Comparando a eficaacutecia sobretudo na supressatildeo dos sintomas entre pacientes submeti-
dos a processos psicoteraacutepicos e outros em lista de espera para atendimento chegou-se
a um nuacutemero confirmado por inuacutemeras pesquisas posteriores de melhora em torno
de 80 Isto eacute pacientes em processo de psicoterapia melhoravam 80 mais do que
aqueles que simplesmente melhoravam com o simples decorrer do tempo (Cordioli amp
Giglio 2008) Aleacutem disso os efeitos mantiveram-se por mais tempo que aqueles efetu-
ados sem uma psicoterapia
Tais pesquisas comprovaram na contramatildeo da acusaccedilatildeo de Eysenck a eficaacutecia da psi-
coterapia Mas outro problema surgia no horizonte das discussotildees quais seriam os
fatores relacionados agrave melhora do sujeito Os investigadores estudaram inicialmente os
resultados da psicoterapia para evidenciar sua eficaacutecia somente depois eacute que se buscou
compreender e estudar os fatores a ela relacionados (Sales 2009)
Houve concordacircncia de que boa parte dos efeitos se dava ao uso de teacutecnicas especiacuteficas
proacuteprias a cada modelo e por outro lado a fatores comuns ou inespeciacuteficos presentes
em todas as abordagens Os fatores especiacuteficos seriam aqueles tiacutepicos e exclusivos a
333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-
lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma
seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir
Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os
de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes
agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou
sistecircmicos
Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-
nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo
de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-
tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do
viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila
de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os
fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-
lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila
Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-
pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-
ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que
natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo
(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-
ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-
retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com
seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal
Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias
seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-
ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de
certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia
Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI
e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-
rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo
334
entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo
gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de
personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de
melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento
aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia
e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais
importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-
sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido
apontado por Kleinman (1988)
A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no
terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)
La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)
A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia
os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi
efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos
pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado
pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional
ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica
grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou
inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral
Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais
eficaz que
Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de
335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)
Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice
no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo
este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas
pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias
inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas
Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito
e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-
tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os
procedimentos terapecircuticos a serem utilizados
O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)
Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-
rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com
ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-
loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens
mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se
ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia
Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E
tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-
vas e outros guiados mais pela teoria
Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus
eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda
que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como
por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo
paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-
vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser
336
um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no
processo de mudanccedila terapecircutica
Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o
ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo
divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz
respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a
praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos
cliacutenicos
Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo
da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-
cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia
Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo
hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos
delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a
abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado
da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-
ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos
atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das
(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do
terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso
da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do
terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela
Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os
tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como
o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Alinguagemquandodizereacutefazer
O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-
tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove
accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O
337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo
deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-
tos sobre a mesma
Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer
coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-
gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como
funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-
nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-
genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e
a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O
proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem
formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o
que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu
entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica
Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-
zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo
saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras
ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras
Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo
relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem
(Wittgenstein 1991)
Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala
justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele
os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio
e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo
de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada
entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais
ou menos definidos)
Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por
exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os
preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-
338
tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)
eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar
Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo
sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um
importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios
a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente
resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-
duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem
estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim
certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a
accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos
ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada
pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-
cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo
terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia
Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos
com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo
linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de
uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas
condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin
(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-
riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-
vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela
com caracteriacutesticas de cada um deles
339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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liferaccedilatildeo de abordagens e teorias nem sempre foi acompanhada pela preocupaccedilatildeo em
avaliar sua eficaacutecia e efetividade (Cordiolli2008) Isso levou alguns teoacutericos tais como
Eysenck em 1950 a afirmar que as mudanccedilas ocorridas durante uma psicoterapia eram
devidas a proacutepria passagem do tempo e natildeo agraves teacutecnicas utilizadas Em outras palavras
foi colocada em xeque a eficaacutecia terapecircutica da mesma
Isso acabou por se tornar um grande estiacutemulo agraves pesquisas acerca da eficaacuteciaefetivi-
dade das psicoterapias A eficaacutecia das psicoterapias se refere agrave avaliaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo
causal entre o tratamento e a resposta (Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp
Araujo LB 2009) Visa agrave validade interna exigindo o delineamento de pesquisa ex-
perimental com controle do setting e com intervenccedilotildees bem definidas baseadas em
manuais Jaacute a efetividade das psicoterapias eacute a avaliaccedilatildeo da resposta ao tratamento em
um setting semelhante ao real Visa agrave validade externa e o delineamento da pesquisa eacute
quase experimental O setting eacute menos controlado e mais proacuteximo do natural (Peuker
AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB 2009)
Em 1960 foi realizado o projeto Menninger o qual se utilizou de metanaacutelise para com-
provar a eficaacutecia das psicoterapias (Cordiolli 2008) Os dados foram surpreendentes
Comparando a eficaacutecia sobretudo na supressatildeo dos sintomas entre pacientes submeti-
dos a processos psicoteraacutepicos e outros em lista de espera para atendimento chegou-se
a um nuacutemero confirmado por inuacutemeras pesquisas posteriores de melhora em torno
de 80 Isto eacute pacientes em processo de psicoterapia melhoravam 80 mais do que
aqueles que simplesmente melhoravam com o simples decorrer do tempo (Cordioli amp
Giglio 2008) Aleacutem disso os efeitos mantiveram-se por mais tempo que aqueles efetu-
ados sem uma psicoterapia
Tais pesquisas comprovaram na contramatildeo da acusaccedilatildeo de Eysenck a eficaacutecia da psi-
coterapia Mas outro problema surgia no horizonte das discussotildees quais seriam os
fatores relacionados agrave melhora do sujeito Os investigadores estudaram inicialmente os
resultados da psicoterapia para evidenciar sua eficaacutecia somente depois eacute que se buscou
compreender e estudar os fatores a ela relacionados (Sales 2009)
Houve concordacircncia de que boa parte dos efeitos se dava ao uso de teacutecnicas especiacuteficas
proacuteprias a cada modelo e por outro lado a fatores comuns ou inespeciacuteficos presentes
em todas as abordagens Os fatores especiacuteficos seriam aqueles tiacutepicos e exclusivos a
333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-
lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma
seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir
Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os
de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes
agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou
sistecircmicos
Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-
nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo
de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-
tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do
viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila
de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os
fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-
lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila
Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-
pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-
ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que
natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo
(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-
ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-
retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com
seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal
Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias
seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-
ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de
certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia
Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI
e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-
rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo
334
entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo
gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de
personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de
melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento
aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia
e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais
importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-
sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido
apontado por Kleinman (1988)
A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no
terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)
La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)
A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia
os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi
efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos
pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado
pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional
ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica
grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou
inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral
Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais
eficaz que
Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de
335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)
Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice
no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo
este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas
pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias
inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas
Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito
e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-
tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os
procedimentos terapecircuticos a serem utilizados
O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)
Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-
rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com
ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-
loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens
mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se
ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia
Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E
tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-
vas e outros guiados mais pela teoria
Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus
eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda
que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como
por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo
paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-
vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser
336
um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no
processo de mudanccedila terapecircutica
Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o
ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo
divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz
respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a
praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos
cliacutenicos
Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo
da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-
cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia
Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo
hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos
delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a
abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado
da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-
ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos
atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das
(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do
terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso
da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do
terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela
Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os
tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como
o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Alinguagemquandodizereacutefazer
O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-
tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove
accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O
337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo
deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-
tos sobre a mesma
Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer
coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-
gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como
funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-
nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-
genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e
a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O
proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem
formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o
que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu
entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica
Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-
zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo
saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras
ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras
Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo
relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem
(Wittgenstein 1991)
Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala
justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele
os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio
e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo
de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada
entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais
ou menos definidos)
Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por
exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os
preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-
338
tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)
eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar
Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo
sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um
importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios
a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente
resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-
duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem
estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim
certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a
accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos
ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada
pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-
cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo
terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia
Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos
com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo
linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de
uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas
condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin
(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-
riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-
vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela
com caracteriacutesticas de cada um deles
339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-
lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma
seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir
Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os
de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes
agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou
sistecircmicos
Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-
nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo
de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-
tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do
viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila
de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os
fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-
lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila
Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-
pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-
ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que
natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo
(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-
ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-
retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com
seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal
Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias
seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-
ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de
certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia
Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI
e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-
rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo
334
entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo
gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de
personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de
melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento
aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia
e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais
importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-
sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido
apontado por Kleinman (1988)
A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no
terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)
La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)
A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia
os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi
efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos
pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado
pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional
ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica
grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou
inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral
Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais
eficaz que
Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de
335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)
Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice
no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo
este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas
pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias
inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas
Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito
e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-
tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os
procedimentos terapecircuticos a serem utilizados
O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)
Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-
rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com
ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-
loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens
mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se
ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia
Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E
tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-
vas e outros guiados mais pela teoria
Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus
eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda
que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como
por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo
paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-
vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser
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um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no
processo de mudanccedila terapecircutica
Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o
ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo
divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz
respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a
praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos
cliacutenicos
Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo
da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-
cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia
Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo
hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos
delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a
abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado
da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-
ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos
atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das
(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do
terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso
da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do
terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela
Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os
tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como
o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Alinguagemquandodizereacutefazer
O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-
tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove
accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O
337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo
deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-
tos sobre a mesma
Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer
coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-
gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como
funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-
nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-
genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e
a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O
proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem
formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o
que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu
entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica
Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-
zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo
saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras
ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras
Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo
relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem
(Wittgenstein 1991)
Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala
justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele
os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio
e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo
de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada
entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais
ou menos definidos)
Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por
exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os
preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-
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tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)
eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar
Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo
sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um
importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios
a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente
resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-
duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem
estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim
certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a
accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos
ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada
pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-
cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo
terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia
Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos
com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo
linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de
uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas
condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin
(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-
riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-
vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela
com caracteriacutesticas de cada um deles
339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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334
entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo
gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de
personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de
melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento
aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia
e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais
importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-
sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido
apontado por Kleinman (1988)
A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no
terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)
La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)
A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia
os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi
efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos
pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado
pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional
ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica
grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou
inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral
Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais
eficaz que
Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de
335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)
Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice
no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo
este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas
pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias
inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas
Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito
e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-
tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os
procedimentos terapecircuticos a serem utilizados
O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)
Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-
rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com
ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-
loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens
mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se
ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia
Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E
tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-
vas e outros guiados mais pela teoria
Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus
eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda
que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como
por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo
paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-
vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser
336
um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no
processo de mudanccedila terapecircutica
Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o
ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo
divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz
respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a
praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos
cliacutenicos
Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo
da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-
cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia
Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo
hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos
delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a
abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado
da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-
ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos
atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das
(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do
terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso
da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do
terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela
Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os
tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como
o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Alinguagemquandodizereacutefazer
O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-
tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove
accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O
337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo
deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-
tos sobre a mesma
Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer
coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-
gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como
funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-
nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-
genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e
a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O
proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem
formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o
que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu
entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica
Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-
zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo
saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras
ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras
Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo
relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem
(Wittgenstein 1991)
Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala
justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele
os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio
e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo
de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada
entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais
ou menos definidos)
Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por
exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os
preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-
338
tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)
eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar
Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo
sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um
importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios
a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente
resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-
duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem
estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim
certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a
accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos
ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada
pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-
cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo
terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia
Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos
com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo
linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de
uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas
condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin
(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-
riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-
vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela
com caracteriacutesticas de cada um deles
339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)
Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice
no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo
este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas
pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias
inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas
Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito
e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-
tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os
procedimentos terapecircuticos a serem utilizados
O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)
Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-
rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com
ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-
loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens
mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se
ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia
Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E
tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-
vas e outros guiados mais pela teoria
Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus
eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda
que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como
por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo
paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-
vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser
336
um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no
processo de mudanccedila terapecircutica
Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o
ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo
divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz
respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a
praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos
cliacutenicos
Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo
da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-
cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia
Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo
hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos
delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a
abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado
da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-
ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos
atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das
(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do
terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso
da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do
terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela
Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os
tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como
o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Alinguagemquandodizereacutefazer
O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-
tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove
accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O
337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo
deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-
tos sobre a mesma
Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer
coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-
gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como
funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-
nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-
genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e
a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O
proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem
formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o
que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu
entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica
Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-
zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo
saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras
ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras
Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo
relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem
(Wittgenstein 1991)
Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala
justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele
os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio
e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo
de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada
entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais
ou menos definidos)
Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por
exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os
preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-
338
tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)
eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar
Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo
sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um
importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios
a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente
resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-
duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem
estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim
certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a
accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos
ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada
pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-
cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo
terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia
Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos
com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo
linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de
uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas
condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin
(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-
riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-
vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela
com caracteriacutesticas de cada um deles
339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no
processo de mudanccedila terapecircutica
Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o
ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo
divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz
respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a
praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos
cliacutenicos
Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo
da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-
cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia
Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo
hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos
delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a
abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado
da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-
ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos
atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das
(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do
terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso
da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do
terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela
Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os
tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como
o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Alinguagemquandodizereacutefazer
O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-
tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove
accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O
337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo
deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-
tos sobre a mesma
Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer
coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-
gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como
funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-
nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-
genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e
a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O
proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem
formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o
que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu
entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica
Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-
zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo
saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras
ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras
Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo
relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem
(Wittgenstein 1991)
Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala
justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele
os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio
e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo
de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada
entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais
ou menos definidos)
Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por
exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os
preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-
338
tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)
eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar
Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo
sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um
importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios
a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente
resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-
duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem
estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim
certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a
accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos
ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada
pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-
cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo
terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia
Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos
com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo
linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de
uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas
condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin
(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-
riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-
vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela
com caracteriacutesticas de cada um deles
339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo
deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-
tos sobre a mesma
Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer
coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-
gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como
funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-
nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-
genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e
a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O
proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem
formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o
que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu
entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica
Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-
zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo
saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras
ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras
Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo
relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem
(Wittgenstein 1991)
Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala
justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele
os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio
e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo
de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada
entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais
ou menos definidos)
Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por
exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os
preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-
338
tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)
eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar
Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo
sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um
importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios
a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente
resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-
duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem
estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim
certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a
accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos
ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada
pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-
cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo
terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia
Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos
com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo
linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de
uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas
condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin
(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-
riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-
vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela
com caracteriacutesticas de cada um deles
339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)
eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar
Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo
sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um
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riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-
vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela
com caracteriacutesticas de cada um deles
339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas
Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos
Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da
proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo
Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo
ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar
condicionadordquo (diz um paciente ao
psicoterapeuta)
Compromissivostem o propoacutesito de comprometer
o falante a alguma linha de accedilatildeo futura
ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo
Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico
ldquoSinto muito pelo atrasordquo
Declaraccedilotildees
o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito
existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria
ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico
Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato
de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase
em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria
as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-
tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos
(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do
que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e
convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao
pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a
mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc
estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-
recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se
da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes
340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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340
Psicoterapiaseousodalinguagem
Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas
das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao
comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca
a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia
simboacutelicardquo
O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)
O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a
importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais
importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras
um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud
1905)
() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)
A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar
uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar
de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a
partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas
(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols
2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-
sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)
e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor
341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-
missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja
possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-
sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-
ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste
sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila
Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)
Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as
partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto
Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas
tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato
de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-
damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um
contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja
possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos
atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica
Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)
Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-
ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar
dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-
lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal
mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais
a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins
(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos
para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
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Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
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345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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Psicanaacutelise (pp139-148) Guarapari Exlibris
342
conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento
psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-
dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era
colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos
que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala
assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)
Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-
sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas
Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta
dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-
ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios
de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de
base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental
(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve
observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-
riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-
ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia
(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes
1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-
ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira
fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso
autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se
repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados
numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui
e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um
discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo
mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em
estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica
(Aristegui e cols 2004)
Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-
munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos
de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de
falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador
343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo
Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo
incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande
parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim
trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
do processo terapecircutico neste grupo
Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp
Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-
tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos
Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma
capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas
analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos
de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos
atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto
o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se
sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do
problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem
como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp
Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)
Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Referecircncias
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Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual
era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-
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parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo
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trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade
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sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo
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problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator
terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem
como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-
gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros
fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a
recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas
que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema
(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos
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Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos
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344
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frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
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Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
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Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
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e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
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345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
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Cultural
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Psicanaacutelise (pp139-148) Guarapari Exlibris
344
paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da
frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo
com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em
momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens
para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-
ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para
mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a
relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores
inespeciacuteficos e agrave teacutecnica
Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda
eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor
compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas
relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade
Conclusatildeo
Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem
ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-
mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras
e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a
teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade
Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo
da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos
e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo
de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-
tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva
comparaccedilatildeo
Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o
cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala
e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda
mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas
abordagens
345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias
Referecircncias
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