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1 Faculdade Boa Viagem Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração Programa de Mestrado em Administração Grayci Kelli Alexandre de Freitas Representação do “eu” em comunidades virtuais de marcas: Um estudo de caso inspirado na teoria social de Erving Goffman Recife, 2009

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Faculdade Boa Viagem

Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração

Programa de Mestrado em Administração

Grayci Kelli Alexandre de Freitas

Representação do “eu” em

comunidades virtuais de marcas:

Um estudo de caso inspirado

na teoria social de Erving Goffman

Recife, 2009

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Grayci Kelli Alexandre de Freitas

Representação do “eu” em

comunidades virtuais de marcas:

Um estudo de caso inspirado

na teoria social de Erving Goffman

Orientador: Prof. André Luiz M. de Souza Leão, Doutor.

Recife, 2009

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Grayci Kelli Alexandre de Freitas

Representação do “eu” em

comunidades virtuais de marcas:

Um estudo de caso inspirado

na teoria social de Erving Goffman

Orientador: Prof. André Luiz M. de Souza Leão, Doutor.

Dissertação apresentada como

requisito complementar para

obtenção do grau de Mestre em

Administração, área de

concentração em Gestão

Organizacional, do Programa de

Pós-Graduação em Administração

da Faculdade Boa Viagem.

Recife, 2009

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Àqueles que sempre estão de mãos dadas comigo em meus sonhos:

Meus pais, meus irmãos e meu esposo.

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Agradecimentos

É chegada a hora de retribuir a todos que me trouxeram algum tijolinho para a

construção deste trabalho. Assim, sem receio de parecer “lugar-comum”, agradeço a Deus por

iluminar os caminhos que me conduziram até aqui, pelo sabor dos acertos e, principalmente,

pelo aprendizado dos erros.

Aos meus pais, irmãos, sobrinhos e avós, pelo amor e apoio de sempre, arrimos sem os

quais minha vida se tornaria um caminho muito tortuoso.

Ao meu esposo, Júnior, pela paciência, companheirismo e amor surpreendentes, que

me serviram de combustível para prosseguir, especialmente nos momentos mais críticos (e

pelos cafés que me mantinham acordada).

Ao meu orientador, André Leão, pelas “novas lentes” que me foram dadas para ver um

mundo menos exato e mais humano. Por todo apoio, pela brilhante atuação, enquanto

orientador, e pela inspiração acadêmica que ora me conduz.

Às minhas amigas “de moda”, de turma, de núcleo, de traduções, de grupo de

pesquisa, de madrugadas em debates no “MSN” para elaboração de trabalhos: Flávia, Ísis,

Anete, Lívia e Roberta, pelo apoio, compartilhamento de dores, arquivos e referências

bibliográficas. E aos colegas de trabalho e chefes, pela paciência e por “segurarem as pontas”

nas minhas ausências para aulas e trabalhos.

Aos professores e coordenadores do CPPA-FBV, pelas contribuições e conhecimentos

compartilhados. Bem como aos componentes da banca, pelas valiosas presenças e

contribuições para este trabalho.

Enfim, a todos aqueles, mesmo os não especificamente mencionados, que

contribuíram, de alguma forma, para que eu chegasse à conclusão deste tão almejado trabalho,

que, assim aspiro, é o passo inicial de uma nova carreira e opção de vida.

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Resumo

As mudanças por que passam a sociedade e as pessoas, de um modo geral, sob vários

aspectos de suas composições, tais como comunicação, consumo e organização social, desde a

concepção da modernidade, conforme conceituado tradicionalmente, colocaram em xeque

muitos conceitos que embasavam a compreensão a respeito das pessoas e das suas relações

sociais, incluídas as de consumo. Destacamos, neste quadro, as interações sociais encenadas

pelas pessoas e os caminhos que percorrem para a elaboração dos seus “eus”; partindo-se de

uma realidade cujo uso massivo da internet e o surgimento das comunidades virtuais são

enfatizados, recortamos as comunidades virtuais de marca como terreno para entendermos

como as pessoas se utilizam de signos marcários como mediadores para a elaboração de suas

faces. Para tanto, discutimos a concepção do “eu” sob duas das principais perspectivas do

conhecimento sobre este tema. Daí, abordamos os assuntos que implicam os objetivos da

pesquisa, passando por concepções de marca, de comunidades, e suas variações, e de uma

netnografia da comunicação enquanto recurso para acessar os significados permeadores dos

discursos estudados, até desembocarmos nas conclusões, que não carregam a pretensão de

encerrar as discussões que se erguem ao redor dos assuntos ora abordados, mas, sim, oferecer

uma possibilidade de compreensão destes.

Palavras-chave: marcas; comunidades; netnografia; faces; discurso; linguagem.

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Abstract

In general, the society and people experience changes, such as communication,

consumption and social organization, inquiring many concepts which supported the

comprehension about people and their social relations, including the consumption, according

to the modern concept. We emphasize in this scenario, the social interactions performed by

people and the paths they follow to elaborate their "selves". Nowadays, the massive use of

the Internet and the appearance of virtual communities are current. We are going to focus on

brand virtual communities as a field to understand how people use signs brands as mediators

for developing their faces. We discuss the conception of the “self" from two major

perspectives of knowledge of this subject. Hence, we approach the issues involving the

research objectives, focusing on concepts of brand, communities, their variations, and also

nethnography communication as a resource to access the meanings of words which constitute

the studied discussion, leading to conclusions. However, we do not have intention to end the

discussions about this subject, but offer an opportunity to understand them.

Keywords: brands; communities; nethnografy; faces, speech, language

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Listas de tabelas

Tabela 1 (3) – Guia para análise de interações face-a-face de Leão e Mello (2007) 54

Tabela 1 (3) – Guia para análise de interações face-a-face de Leão e Mello (2007) (cont.) 55

Tabela 1 (3) – Guia para análise de interações face-a-face de Leão e Mello (2007)

(continuação) 56

Tabela 2 (3) –Funções da linguagem 57

Tabela 2 (3) –Funções da linguagem (Cont.) 58

Tabela 2 (3) –Funções da linguagem (Continuação) 59

Tabela 3 (3) –Atividades marcarias 60

Tabela 3 (3) –Atividades marcarias (cont.) 61

Tabela 3 (3) –Atividades marcarias (cont.) 62

Tabela 3 (3) –Atividades marcarias (continuação) 63

Tabela 4 (4) –Guia para análise de interações virtuais 70

Tabela 4 (4) –Guia para análise de interações virtuais (continuação) 71

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Tabela de quadros

Quadro 1 (4) - Elaborando a face a partir da adesão à outra marca ......................................... 76

Quadro 2 (4) - Elaborando a face a partir do aspecto da marca ............................................... 78

Quadro 3 (4) - Elaborando a face a partir do assunto relativo à marca .................................... 80

Quadro 4 (4) – Elaborando a face a partir da característica do usuário da marca .................... 82

Quadro 5 (4) – Elaborando a face a partir da comparação da marca........................................ 84

Quadro 6 (4) – Elaborando a face a partir da conhecimento da marca .................................... 86

Quadro 7 (4) – Elaborando a face a partir da defesa à marca ................................................... 88

Quadro 8 (4) – Elaborando a face a partir do desabono à marca ............................................. 90

Quadro 9 (4) – Elaborando a face a partir da desconfiança da marca ...................................... 92

Quadro 10 (4) – Elaborando a face a partir do desconhecimento da marca ............................. 94

Quadro 11 (4) – Elaborando a face a partir da diferença em relação à marca.......................... 95

Quadro 12 (4) – Elaborando a face a partir da dissimulação em relação à marca.................... 96

Quadro 13 (4) – Elaborando a face a partir do envolvimento com à marca ............................. 98

Quadro 14 (4) – Elaborando a face a partir da escolha da marca ........................................... 100

Quadro 15 (4) – Elaborando a face a partir da forma de usu da marca .................................. 102

Quadro 16 (4) – Elaborando a face a partir da gafe em relação à marca................................ 104

Quadro 17 (4) – Elaborando a face a partir da inadequação do usuário à marca ................... 105

Quadro 18 (4) – Elaborando a face a partir da incoerência em relação à marca .................... 107

Quadro 19 (4) – Elaborando a face a partir da intimidade com à marca ................................ 109

Quadro 20 (4) – Elaborando a face a partir do juízo a respeito da marca .............................. 110

Quadro 21 (4) – Elaborando a face a partir da lealdade à marca............................................ 112

Quadro 22 (4) – Elaborando a face a partir do objeto da marca ............................................. 113

Quadro 23 (4) – Elaborando a face a partir da opinião sobre à marca ................................... 114

Quadro 24 (4) – Elaborando a face a partir da rejeição à marca ............................................ 116

Quadro 25 (4) – Elaborando a face a partir da sentimento pela marca .................................. 118

Quadro 26 (4) – Elaborando a face a partir da uso do conceito da marca .............................. 119

Quadro 27 (4) – Elaborando a face a partir do valor da marca .............................................. 121

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Sumário

1 Introdução ..................................................................................... 11 1.1 Problemática ....................................................................................................................... 13

1.2 Questões de pesquisa .......................................................................................................... 15

1.3 Justificativas ....................................................................................................................... 15

1.4 Limites e limitações ............................................................................................................ 18

2 Fundamentação teórica ..................................................................................... 20 2.1 Construindo uma concepção do “eu”. ................................................................................ 20

2.1.1 O “eu” na tradição do marketing .................................................................................. 21

2.1.2 A constituição do “eu” na perspectiva do interacionismo simbólico ........................... 24

2.1.3 O “eu” na teoria social de Erving Goffman .................................................................. 26

2.1.3.1 A elaboração da face ..................................................................................................... 28

2.2 Marcas como fomentadoras de comunidades virtuais. ....................................................... 31

2.2.1 Marcas: de nomeadoras de produtos a signos de consumo. ......................................... 31

2.2.2 Comunicação Mediada por Computador - CMC .......................................................... 34

2.2.3 Comunidades [Pós-] Modernas. .................................................................................... 36

2.2.3.1 Comunidades virtuais de marca .................................................................................... 40

3 Procedimentos Metodológicos ..................................................................................... 43 3.1 Orientação paradigmática ................................................................................................... 43

3.2 Método escolhido ............................................................................................................... 44

3.3 Construção do corpus de pesquisa ...................................................................................... 49

3.4 Procedimento analítico ....................................................................................................... 51

3.4.1 Componentes do procedimento analítico ...................................................................... 53

3.4.1.1 Usos da linguagem ........................................................................................................ 53

3.4.1.2 Funções da linguagem .................................................................................................. 56

3.4.1.3 Atividades marcárias .................................................................................................... 59

3.4.1.4 Trincas de significação ................................................................................................. 63

4 Descrição dos resultados ..................................................................................... 66 4.1 Estudo-piloto para uma netnografia da comunicação......................................................... 66

4.2 Processo de construção das faces em interações virtuais mediadas por signos marcários. 72

4.3 Achados: Faces ................................................................................................................. 122

4.3.1 Tipologia das faces ..................................................................................................... 123

5 Conclusão ................................................................................... 136

Referências bibliográficas ................................................................................... 143

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1 Introdução

O contexto contemporâneo da nossa sociedade descortina diversas mudanças na forma

de as pessoas se apresentarem enquanto indivíduos sociais. Isto se configura num amálgama

entre a evolução dos meios de comunicação e o enraizamento dos moldes do sistema

econômico capitalista, com os ditames da sua cultura do consumo predominante, nascedouro

do homem moderno, cuja busca no consumo está além da utilidade oferecida pelos produtos.

Temos, portanto, que o consumo permeia a interação1 entre as pessoas, e esta já não exige

presença física, pois que isto pode se dar intermediado por algum meio eletrônico ou digital.

Assim como o desenvolvimento de tecnologias da comunicação, mudanças na forma

de consumir das pessoas influenciam as suas relações sociais. Com isto, queremos dizer que,

atualmente, os indivíduos não mais compram um produto ou serviço apenas pela necessidade

funcional que este pode suprir. Há uma infinidade de opções que se apresentam ao sujeito

quando de um desejo; sendo que a diferença, entre as opções, reside, dentre outras

possibilidades, na capacidade de comunicar para o outro o que este indivíduo quer dizer de si

ao se apresentar com determinada marca em suas escolhas de consumo.

Encontramos na literatura sobre comportamento do consumidor este assunto sendo tratado,

habitualmente, a partir da auto-imagem ou autoconceito (KOTLER, 2000; SCHIFFMAN E KANUK,

1997; BELK, 1988) e do gerenciamento de impressões (GROVE E FISK, 1992), e, em alguns

destes, as marcas são adotadas como referência para a comunicação entre os consumidores.

Entretanto, nas abordagens sobre o assunto, trata-se o “eu” a partir dele mesmo, ou seja, de

como a pessoa se concebe em diversas situações, ou, no máximo, na influência que os outros

1 Situação derivada de estar face a face com outros (sujeitos), que compartilham da mesma realidade da vida

cotidiana (BERGER E LUCKMANN, 2006).

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exercem sobre a nossa concepção de nós mesmos, porém, sem adentrar um aspecto mais

complexo que envolve este assunto: as interações sociais, de onde se pode compreender a

construção do “eu” sob uma perspectiva mais próxima da realidade, que envolve a dinâmica

natural ao assunto.

Doravante, lidaremos com a construção do “eu” sob a perspectiva da teoria social

goffmaniana, com raízes no interacionismo simbólico, como forma de nos aproximarmos da

compreensão desta dinâmica, e no contexto das marcas, servindo estas como recursos para a

construção deste “eu”, assunto importante aos estudos do comportamento do consumidor.

Além disto, adotamos como lócus de pesquisa a internet, mais especificamente, uma

comunidade virtual de uma marca icônica (Coca-cola) e as interações virtuais elaboradas

entre seus membros, através das enquetes postadas na comunidade, como forma de

concebermos uma nova maneira de construção do “eu” na atualidade. Para tanto, utilizamos a

etnografia, enquanto método que capta, profundamente, as minúcias que circundam um

determinado nosso objeto de estudo: as interações sociais (BRAGA, 2006; ROCHA et al., 2005).

Contudo, adequando-se o método às circunstâncias dos dados e ao lócus recorremos à

netnografia, variação daquela, mais adequada ao ambiente virtual (KOZINETS, 1998).

Por fim, o conteúdo deste trabalho se constitui por cinco capítulos, que funcionam

como apresentadores do contexto da pesquisa, seus objetivos, as teorias em que se embasa

para alcance destes, os métodos adotados e seus usos e tudo que se refere a este aspecto na

pesquisa, e pelas conclusões, que figuram, de modo mais geral, a que lugares chegamos ao

final desta caminhada.

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1.1 Problemática

A comunicação entre as pessoas, da maneira como fora apresentada na introdução,

remete-nos á noção de identidade, figurando como erigida na alteridade, sob o olhar do outro.

Contudo, esta construção não ocorre de maneira unilateral, pois a identidade é fruto da

dialética existente entre a pessoa e a sociedade na qual se insere, bem como os tipos de

identidade são produtos sociais. Ao passo que os processos sociais moldam, conservam, ou

remodelam a identidade da pessoa, esta mesma identidade também exercerá, dialeticamente, a

mesma influência sobre a estrutura e os processos sociais (BERGER E LUCKMANN, 2006).

Se, para a pessoa, a realidade só é concebida a partir da alteridade (BERGER E

LUCKMANN, 2006) e se o encontro face a face é o canal para desenvolver a sua subjetividade a

partir do outro, temos, nas atuais construções de interações verbais2 e comunicação, como nas

comunidades virtuais, particularmente, um exemplo deste tipo de encontro; contudo,

apresentando características inerentes ao ambiente virtual, já que neste, as tipificações, ou

tipos de identidades estabelecidas pelas pessoas, quando do encontro com outras, inicialmente

anônimas, não serão construídas e nominadas a partir das pistas paralingüísticas e não-

verbais, como ocorre nos encontros face a face habituais. Neste ambiente, a pessoa se revela

por outros artifícios, como por textos escritos, fotos e revelação de gostos e preferências –

pistas virtuais, digamos.

2 Sob este contexto, cabe elucidarmos que, como estudaremos as interações verbais em ambiente virtual, elas se

apresentarão na forma escrita, constituindo-se, outrossim, um dos desafios que situamos, mais detalhadamente,

na seção “limites e limitações”. Assim, trataremos, analogamente, linguagem verbal e não-verbal como

linguagem escrita, com aspectos particulares ao ambiente virtual.

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Nas comunidades virtuais, estas pistas podem se apresentar a partir da opção por uma

determinada marca de produto ou serviço. A adoção e consumo destas marcas passam a

significar estilos de vida ou de personalidades, além de outras possibilidades, levando as

pessoas a se reunirem, por exemplo, em comunidades virtuais de marcas, onde, assim como

em outras formas de interações, as pessoas, além de outras ações, negociam e constróem

valores socialmente positivos a respeito delas mesmas, no que se constitui uma face. De modo

geral, obedecendo a um protocolo social, as pessoas apresentam uma imagem de si aos outros

e esperam que estes a acatem, ou acreditem nela, e estes (os outros) o fazem, porque também

precisarão da recíproca. Uma ameaça à face pode gerar grande mal-estar numa interação, por

isto há grande empenho das pessoas por preservá-las (GOFFMAN, 2006).

Sob a égide desta perspectiva, buscamos contribuir com a área do comportamento do

consumidor através dos usos que as pessoas fazem das marcas, em uma comunidade virtual de

uma marca icônica, para a elaboração das possíveis faces e, conseqüentemente, uma nova

forma de se conceber a construção do “eu”, situação que contribui, de forma inovadora, para

esta área da administração, visto que adotamos uma abordagem, considerando-se pontos das

interações sociais, virtuais, que começaram a alcançar expressividade neste campo da

administração.

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1.2 Questões de pesquisa

Elucidados os pontos que pretendemos abordar nesta pesquisa, quais sejam:

elaboração da face, comunidades virtuais de marca, signos marcários e interações verbais,

apresentamos as relações entre estes sobre as que pretendemos nos debruçar ao longo deste

trabalho. Por conseguinte, a partir dos conceitos previamente postos, e futuramente

expandidos neste estudo, esta pesquisa se guiará pelas seguintes questões3:

Questão-guia:

Como podemos compreender a elaboração de faces em interações verbais mediadas por

signos marcários em comunidades virtuais de marca?

Questões específicas:

a) Como podemos interpretar as interações verbais que ocorrem em

comunidades virtuais de marca?

b) Como as pessoas elaboram suas faces em interações verbais mediadas

por signos marcários em comunidades virtuais de marca?

c) Que faces são elaboradas em interações verbais mediadas por signos

marcários em comunidades virtuais de marca?

1.3 Justificativas

Há tempos as pesquisas sobre o consumidor se dedicam, dentre outros assuntos, à

relação entre autoconceito, consumo e marcas (SOLOMON, 2002; SCHIFFMAN E KANUK, 1997;

3 Esta pesquisa adota os moldes das pesquisas qualitativas, com orientação paradigmática não-positivista – como

é o caso do interpretativismo -; assim, opta pela elaboração de uma ou mais perguntas de pesquisa ao invés de

objetivos ou hipóteses (CRESWELL, 1998; 2003). Naquela linha, as perguntas podem se apresentar de duas

formas: uma questão “grand tour” – que tem sua elaboração com caráter mais geral possível, visando a não

limitar as possibilidades do estudo, mas, concomitantemente, ser focada o bastante para delimitá-lo - ou uma

questão-guia seguida de questões específicas, sendo esta última a opção desta pesquisa (CRESWELL, 2003; MILES

e HUBERMAN, 1994).

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KOTLER, 2000; BLACKWELL et al, 2005), no intuito de detectar uma resposta coerente para a

relação consumidor x opção de compra/consumo, quer seja de um produto, um serviço ou

uma marca.

Estas pesquisas inseridas neste paradigma do marketing têm se guiado por diversas

perspectivas e métodos, que, geralmente, detêm-se aos relacionamentos entre organizações e

consumidores (B2C), conduzidos pelos ditames do mix de marketing (KOTLER, 2000). Mas,

conseguimos vislumbrar um maior esforço da disciplina para refletir sobre a relação entre os

consumidores (C2C), que continua reconhecendo o valor do mix de marketing, mas

acrescenta a importância da criação e manutenção de relacionamentos duradouros, que geram

lucros contínuos às empresas; especialmente, numa visão européia do marketing voltado às

empresas industriais e de serviços (GRÖNROOS, 1989; GUMMESSON, 2002). Esta pesquisa

busca investigar a noção do self no marketing por esta linha. Ademais, entendemos a

identidade de forma menos dura, relacionada à visão pós-moderna, cuja noção de sujeito se

relaciona com seu deslocamento, fragmentação e complexidade, inseridos numa hiper-

realidade que lhe possibilitam mover-se com habilidade por entre várias auto-imagens sem se

preocupar com a conformidade racional típica da modernidade (Firat et al, 1995).

A tradição do marketing, ao estudar os temas relacionados ao autoconceito recorre,

mormente, à psicologia cognitiva, figurando um exemplo da interdisciplinaridade. Este

recurso já corriqueiro neste campo desde a sua concepção, por recorrência à economia, mas,

mantenedora do paradigma positivista para estas aplicações, como argumenta, fortemente,

Hunt (1994) ao defender que, por exemplo, o marketing pode recorre à filosofia, mas sem se

tornar anárquico ou niilista, como ocorre nos paradigmas não-positivistas, segundo ele.

Para além da adoção interdisciplinar já corriqueira na tradição do marketing, nossa

pesquisa recorre a áreas ainda incipientes na prática do marketing, como a antropologia, a

psicossociologia, a filosofia, a microssociologia, e a outras ciências sociais que conferem

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tenacidade à concepção de marcas e do self que aqui sugerimos, em consonância com o

paradigma que assumimos.

Outra especificidade desta pesquisa é a opção pela internet, como ambiente de estudo,

e suas comunidades como lócus de pesquisa, já que a importância da Internet no cotidiano das

pessoas, hoje, é de tamanha representatividade que lhes permite continuar sua realidade social

num ambiente virtual, onde se estabelecem redes de relacionamentos, de cultura e de consumo

e outros apanágios da vida real. Inseridas neste contexto estão as comunidades virtuais, que,

dentre outras características, se constroem em torno de interesses partilhados por várias

pessoas, que compartilham a mesma linguagem, códigos simbólicos e normas específicas e se

esforçam pela preservação do grupo (KOZINETS, 2002).

Por conseguinte, as comunidades virtuais oferecem farto material para compreensão

dos mecanismos utilizados pelo indivíduo na construção dos seus “eus”, a partir dos papéis

(GOFFMAN, 2006) que representam em cada contexto ou circunstância, dos símbolos

intermediadores da comunicação e da linguagem, verbal e não-verbal, bem como da

concepção de si mesmos através da alteridade.

Diversas pesquisas já foram feitas dentro deste contexto (BRAGA, 2007; HARLON,

2006; LUEDICK, 2006; MCALEXANDER, 2002; MEUCCI e MATUCK, 2005; MILLER, 1995;

PRIMO, 1997; SERRA, 2006), contudo, esta pesquisa propõe uma inovação no sentido de que

traz a teoria goffmaniana para o consumo, no contexto das comunidades virtuais e,

principalmente, a partir do uso da netnografia, enquanto variação do método etnográfico

adequado à internet, fundará a netnografia da comunicação, método fundamentado a partir do

Guia para Análise de Interações face a face (LEÃO E MELLO, 2007), que sofreu adequações ao

ambiente virtual, do qual foi decorrente o Guia para Análise de Interações Virtuais4, para o

4 Optamos por nomear o nosso guia se referindo a interações virtuais para relacionarmos sua derivação com o

ambiente virtual, mas ele está, diretamente, ligado às interações verbais que norteiam esta pesquisa.

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qual foi elaborado um estudo-piloto, antes da aplicação direta na coleta e análise dos dados

desta pesquisa, que será detalhadamente abordado no capítulo 4.

Assim, uma das mais importantes contribuições que nosso estudo pode trazer para a

gestão de marcas e para o marketing de relacionamento reside na possibilidade de se acessar o

conteúdo que está para além do proferimento das palavras pelas pessoas, evidenciando o que,

de fato, as atrai para o consumo e/ou adoção de uma marca como signo da sua identidade

social.

Em termos práticos, tal conhecimento propicia recursos necessários à elaboração de

estratégias mercadológicas mais fiéis à imagem que os consumidores de marcas fazem de si

mesmos e das pessoas com que se relacionam.

1.4 Limites e limitações

Os limites da pesquisa se referem à demarcação do terreno da pesquisa determinada

pelo próprio pesquisador, com intuito de estabelecer as fronteiras do estudo. No caso desta

pesquisa, em termos de campo de coleta de dados, seus limites se reportam a uma comunidade

virtual, em português, de uma marca comercial icônica – a Coca-Cola - intitulada “Queremos

coca-cola de 20 litros!!!!”, organizada e mantida espontaneamente por pessoas que consomem

este produto, escolhida intencionalmente, conforme seção de metodologia. O ambiente virtual

também se configura um limite, por se tratar de uma escolha.

No que tange a limitações, referem-se a obstáculos que se erguem ao pesquisador e

que este não consegue transpor, fazendo-se necessário lidar com os mesmos, minimizando

seus impactos. Temos na consideração da linguagem não-verbal na Internet um desafio aos

métodos de pesquisa adotados, uma vez que esta se apresenta de forma textual e sem meios

diretos de acesso à linguagem não-verbal, reveladora do material que a linguagem verbal não

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expõe, concedendo recursos para que o indivíduo mascare suas intenções e outros aspectos

verdadeiros de sua identidade social (KOZINETES, 2002).

Entretanto, o desenvolvimento e o uso corriqueiro dos meios e ambientes virtuais nos

permitem obter alguma superação tocante a esta limitação da linguagem não-verbal. Tal

proposta de superação se dá por meio de um estudo-piloto a ser elucidado em seção específica

adiante.

Outra limitação se apresentou durante a coleta e análise dos dados, pois na área

designada “fórum”, no Orkut, onde tínhamos expectativas de encontrar as interações que

buscávamos, não havia discussões que mencionassem a marca da comunidade, motivo que

nos fez considerar a área “enquetes”, onde surgem interações a partir do lançamento de

perguntas sobre a marca elaboradas pelos próprios membros da comunidade, livremente.

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2 Fundamentação teórica

Nas seções a seguir faremos uma explanação geral dos termos e conceitos que

cerceiam esta pesquisa. Começamos pela abordagem às concepções do “eu”, ou do self,

usualmente adotadas pelo marketing geral, para, depois disto, partirmos à concepção do “eu”

que, de fato, é fundamental a esta pesquisa, a teoria goffmaniana do “eu”.

Em seguida, passamos à abordagem de outro assunto fundamental a esta pesquisa,

as comunidades virtuais de marca, onde trataremos, separadamente, cada um dos conceitos

que se aglutinam para compor este tema.

2.1 Construindo uma concepção do “eu”.

Partindo-se do pressuposto que guia esta pesquisa, as pessoas adotam como recurso de

construção de suas identidades, na sociedade contemporânea, os signos das marcas que usam.

Em nossa proposta, isto se dá consoante com a perspectiva da metáfora teatral, já bastante

difundida na atualidade, fundada por Erving Goffman, com o intuito de oferecer uma visão

mais condizente com a natureza humana e suas complexidades, fugindo de “explicações”

simplistas e objetivistas. Assim, sendo a teoria social de Goffman aquela que guia este

trabalho, torna-se imprescindível de explanar para que se elucide como ela concebe certos

conceitos.

Entretanto, por esta pesquisa assumir uma abordagem sobre o “eu” que não é a mais

amplamente adotada nas pesquisas de marketing – ainda que trabalhos de marketing de

relacionamento tenham adotado a supracitada metáfora – antes de explanarmos os principais

conceitos que a nortearão, abordaremos como o marketing tem concebido o “eu”.

Feito isto, apresentamos a noção do “eu” conforme desenvolvido pela escola do

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interacionismo simbólico, fonte em que Goffman busca conhecimento para compor boa parte

de suas teorias e, em seguida, a própria noção desenvolvida pelo autor.

Por fim, o fato de as pessoas utilizarem marcas para construir identidades nos remete,

dentro da perspectiva goffmaniana, à teoria da elaboração da face para estudar tal questão,

pois que esta elucida, a partir da psicologia social, a “etiqueta”, por assim dizer, que norteia as

pessoas, inseridas no processo social, adotada para cada situação ou identidade cotidianas.

2.1.1 O “eu” na tradição do marketing

A noção de self mais amplamente adotada pela teoria de marketing está no campo de

pesquisas do consumidor. Trata-se daquela fundada na teoria do autoconceito (BELK, 1988).

Esta perspectiva é baseada, principalmente, na divisão entre um “eu” interior e particular e

outro “eu” exterior e público, pressupondo uma unicidade entre estes. O autoconceito

concerne à(s) imagem(ens) que o indivíduo tem de si e é assumido como resultante das

experiências sociais dos indivíduos, significando, para o consumo, o desafio de elaborar e

ofertar produtos que sejam “congruentes” com a auto-imagem concebida pelo consumidor e

com os objetivos sociais que este deseja alcançar. Sendo assim, o comportamento do

indivíduo é expresso a partir de vários “eus”, que se adequam às situações sociais em que este

se insere e suas representações se estabelecem. Estes se referem às auto-imagens de si (real e

ideal) e pelo outro (social e ideal) (SIRGY, 1982; CLAIBORNE E SIRGY, 1990).

Sirgy (1982), por outro lado, preconiza a existência da auto-estima, que busca

experiências realçadoras do autoconceito, e da autoconsistência, que denota a procura do

indivíduo por se comportar constantemente de acordo com a visão que tem de si. Além disto,

o autor afirma a existência de um autoconceito situacional, substituto dos outros conceitos de

self, composto por uma variável comportamental, que se revela em vários autoconceitos do

mesmo indivíduo.

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Outra noção bastante aceita do self foi proposta por Belk (1988). Partindo de uma das

definições mais antigas deste conceito, a de William James, de 1890, Belk infere o conceito

do “eu” estendido, cujo princípio defende que as posses do indivíduo comunicam sua

identidade e fazem parte dela, ou seja, que somos o que temos e possuímos, e mais, defende

que nós somos a soma de nossas posses, e demonstra a importância deste princípio para a

compreensão do comportamento do consumidor, bem como a influência que este

comportamento exerce sobre a existência humana. Nesta concepção, isto ocorre devido à

inferência de que aquilo que é “meu” também faz parte do que sou “eu”, como uma parte do

meu corpo (e.g. os dedos dos meus pés).

Com isto, Belk se propõe declarar um conceito do “eu” mais amplo do que o de

autoconceito e completa que quanto maior o nosso poder sobre as coisas, mais íntimo o “eu”

se torna daquele objeto, que pode ser, inclusive, um membro do corpo, um animal, uma

pessoa, enfim. Sob este aspecto, considerando pessoas também como posse de um “eu”, esta é

a única referência que Belk faz a outras pessoas para além do indivíduo, enfatizando o livre-

arbítrio como característica distinta das pessoas em relação aos objetos. Sob a definição de

Belk, podemos deduzir que não só o “eu” controla os objetos, como estes também exercem

algum controle sobre o “eu”, ou seja, há uma influência recíproca entre as identidades dos

objetos e do indivíduo.

Discordante da definição de Belk, por sua vez, Kernan (1992) acredita que o

amálgama das coisas que uma pessoa possui é apenas uma das facetas do seu “eu”. O autor

afirma que o comportamento de consumo do indivíduo diz apenas parcialmente sobre seu

“eu” ou caráter; que os objetos que o indivíduo tem são inseparáveis do que ele faz, mas não

são suficientes para determinar quem e o que ele é.

Schouten (1991) corrobora a concepção do “eu” em Belk. Entretanto, a ela acrescenta

que o corpo e seus adornos compõem uma parte importante do “eu”, como símbolos de um

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papel específico de identidade, inclusive, aludindo a Goffman, ao expandir a metáfora teatral

à manipulação dos símbolos para uma gestão de impressões.

Nesta pista, podemos destacar o crescente interesse pelo entendimento do self por

meio do interacionismo simbólico (vide MOWEN E MINOR, 2004; SOLOMON, 2002). Neste

sentido, vemos referências mais gerais dos pensamentos de George Herbert Mead (1934) e de

Thomas Cooley (1992) e um uso mais específico da teoria de Erving Goffman (2006).

Sob esta ótica, Schau e Gilly (2003) compreendem o “eu”, a partir da teoria

goffmaniana, como formado a partir de uma negociação entre atores sociais para construir

uma impressão. Desta forma, os autores conduzem a teoria de Goffman ao chamado

“gerenciamento de impressões” (GROVE E FISK, 1992) e, neste ponto, unem-na à técnica de

etiqueta corporal atribuída a Marcel Mauss.

Czellar (2006), na mesma linha, ao medir a representação do “eu” utilizando um

método específico (Implicit Association Test – IAT), concebe que o “eu” se constitui em

interações sociais, com intuito de influenciar os outros ou construir uma identidade e, para

tanto, o indivíduo utiliza simulação, no sentido de tática enganosa, a fim de aumentar sua

importância para os outros, o que configuraria uma representação do “eu” com resultados

positivos.

Saliente-se, contudo, que a utilização dos conceitos de Erving Goffman por estes

autores não condiz com perspectiva deste autor, pois que, em sua abordagem, a representação

do “eu” não se refere, de modo algum, a um “gerenciamento de impressões” no sentido

intencional do termo, mas sim, à etiqueta social apreendida pelas pessoas, socialmente, ao

longo de suas vidas e que embasam um acordo social tácito entre aqueles que compõem

qualquer interação social (GOFFMAN, 2006).

Podemos compreender, pois, que as noções de self em uso corrente na teoria de

marketing se baseiam, de um modo geral, numa concepção do “eu” subjetivo e cognitivo, na

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qual o sentido das coisas se constrói a partir do entendimento do indivíduo sozinho – no que

incluímos aquelas atribuídas a uma influência goffmaniana.

Já a perspectiva do interacionismo simbólico, adotada neste trabalho, compreende o

“eu” através dos significados edificados nas interações sociais, isto é, entre, pelo menos, duas

pessoas. Ademais, Goffman (2006), considerado nesta perspectiva, caracteriza a construção

do “eu”, além da concepção do interacionismo simbólico, como parte de um acordo social, no

qual as pessoas atuam, segundo sua metáfora teatral, reciprocamente, na preservação das faces

envolvidas em determinada interação.

2.1.2 A constituição do “eu” na perspectiva do interacionismo

simbólico

O termo interacionismo simbólico foi mencionado primeiramente por Herbert Blumer,

em 1969, cuja base conceitual advém do pensamento de George H. Mead, compilado em

obras póstumas, como a referenciada Mind, Self and Society, de 1934. (MENDONÇA, 2001;

Haguette, 1997; Stryker e Statham,1985). Mead inaugurou uma teoria que explica o self e a

mente como construções sociais, advindas da relação dialética existente entre a sociedade e os

indivíduos. A teoria foi nominada, inicialmente, pelo autor, de “behaviorismo social”, numa

oposição direta ao behaviorismo radical de John B. Watson, cuja teoria para explicar o self

considera apenas aspectos científicos do comportamento externo do indivíduo e reduz à

ínfima importância a dimensão social.

O interacionismo simbólico realça a importância dos símbolos e seus significados na

formação do self, principalmente por serem elementos unicamente humanos e sociais, uma

vez que não só surgem (os símbolos) da relação entre estes, mas modificam-nos e são

modificados nesta relação (GIRADI JR, 2007; STRYKER E STATHAM, 1985). Isto quer dizer que

não há relação de passividade entre o indivíduo e a sociedade; na concepção do

interacionismo simbólico; a existência, a construção e a transformação destes estão

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essencialmente relacionadas ao seu caráter dialético. (MENDONÇA, 2001).

Assim, pela compreensão da lógica do pensamento de Mead, a sociedade (society)

precede o “eu” (self) e a mente (mind) sucede este (HAGUETTE, 1997; MENDONÇA, 2001),

ordem que se justifica pelo fato de o indivíduo, ao nascer, encontrar uma sociedade que se lhe

é posta, de modo que ele não consegue conceber outra possibilidade, e na qual, durante seu

crescimento biológico, aprenderá a desenvolver posturas e linguagens, incluindo símbolos,

que intermediarão sua relação com outros indivíduos, permeados por um sentido de

cooperação mútua, base para a sociedade. Só então, o indivíduo, numa interação consigo

mesmo, mas ainda utilizando os mesmos símbolos da interação externa e comungando com

elementos desta, constrói a sua mente; ou seja, para além da indispensável estrutura física

(ex.: cérebro), a mente se forma a partir dos comportamentos e experiências adquiridos na

sociedade e na interação, utilizando o cérebro para isto (HAGUETTE, 1997; SOLOMON, 2002;

MENDONÇA, 2001).

No tecido de comunicação em que se constitui a sociedade, tecer um fio daquele

significa que o indivíduo já vislumbra e compreende as intenções do outro, e que consegue

elaborar uma linha compatível com a do seu interlocutor. Sendo que as intenções são

comunicadas através dos símbolos, ou melhor, da interpretação destes. “A sociedade humana

se funda, pois, na base do consenso, de sentidos compartilhados sob a forma de compreensões

e de expectativas comuns” (HAGUETTE, 1997, pg. 27; STRYKER E STATHAM, 1985).

Ora, no que tange ao self, define-se como objeto de si, uma vez que se constrói a partir

da visão dos outros, servindo como uma espécie de espelho, no qual o indivíduo vê o

parâmetro que conduzirá à constituição do seu self correspondente àquilo que nele os outros

vêem. (STRYKER E STATHAM, 1985) Este aspecto foi observado por Charles H. Cooley e

definido pela expressão “looking glass self” (HAGUETTE, 1997).

Ainda dentro da mesma perspectiva de Mead: o self, enquanto processo social interno

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ao indivíduo, apresenta dois componentes: o “eu” e o “mim”. O “eu” seria a individualidade

per si, sinônimo de desorganização e impulsividade. O “mim” seria a representação do

“outro” dentro do indivíduo; refere-se à preocupação com o que Mead denomina “outro

generalizado” (o outro no sentido coletivo, a sociedade), significando compreensão,

expectativas. Este entendimento do self meadeano é análogo à noção freudiana de “Id”, “Ego”

e “Superego”; contudo, esta relação pressupõe repressão e frustração, ao passo que a relação

entre o “eu” e o “mim” é recíproca, contínua e natural, pois que todos os impulsos do “eu”

desembocam, naturalmente, em atos ordenados pelo “mim”. (HAGUETTE, 1997; MENDONÇA,

2001)

Por fim, o self carrega a característica de não ser estático ou padronizado; ao contrário,

evolui e muda de acordo com a situação que a ele se põe, bem como com a interação consigo

e com os outros. Este apanágio do self lhe confere atividade, no sentido oposto à passividade,

uma vez que, assim, o indivíduo, inserido num contexto social, tem um self e uma mente

construídos e seleciona os impulsos e estímulos aos quais dedicará suas respostas.

2.1.3 O “eu” na teoria social de Erving Goffman

Erving Goffman foi sociólogo e antropólogo social e, assim como Mead, um

interacionista da Escola de Chicago. Ele revolucionou a Sociologia ao inaugurar uma nova

forma de estudar e interpretar o homem e a realidade social a partir da microssociologia,

estudando as micro relações e estruturas da sociedade e utilizando métodos e preceitos da

Antropologia para isto, em contraposição à macrossociologia vigente, que entendia o homem

num contexto macro da sociedade.

O conceito do “eu” 5 goffmaniano pressupõe o homem, para além dos aspectos

biológicos, como um ser construído socialmente a partir da alteridade. Isto significa dizer que

5 Utilizamos o termo “eu” como aquele mais próximo, em português, de self.

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sua identidade se perfaz na assunção de papéis sociais, cujo principal objetivo é conhecer a si

mesmo e aos outros (GOFFMAN, 2006).

Em sua metáfora teatral da vida social, o papel assumido por um ator social (pessoa)

se estabelece partindo da interpretação dos outros atores inseridos na cena (contexto), da

platéia, de possíveis participantes, e, daí, da impressão que o ator pretende construir. Assim, o

ator encenando um papel social pode assumir o caráter de “sincero”, quando crê neste papel e

espera que os outros também o façam; ou de “cínico”, quando encena um papel objetivando o

seu fim, desconsiderando a sinceridade dos meios que utilizará para alcançar tal, ainda que

para isto, precise usar de escamoteação para com seu público, o que seria uma postura

extrema de alguém que não está preocupado com as conseqüências desta atitude (GOFFMAN,

2006).

Diante desta perspectiva, Goffman compara a realidade a um grande espetáculo teatral,

onde os contextos são as cenas, e as pessoas, os atores, que encarnam papéis, entendidos

como identidades, a cada respectiva cena do seu cotidiano, a fim de conhecer a si mesmos e

aos outros com quem interagem, de modo mediado ou imediato, e usando de recursos verbais

e não-verbais (gestos, postura,...) para vislumbrar o papel assumido pelos outros e quais os

respectivos papéis se devem assumir condizentes com este cenário. Os aspectos não-verbais

servem para corroborar um papel assumido, quando “sincero”. Contudo, em um papel

“cínico” denunciarão a incoerência patente entre o que a pessoa diz e o que seus aspectos não-

verbais demonstram, uma vez que estes não estão muito próximos da manipulação consciente

do ator.

Goffman busca esclarecer a diferença entre indivíduo e pessoa, dentro de sua

perspectiva. Concepção que será utilizada ao longo deste trabalho. Sabendo-se que, um

indivíduo passa a ser compreendido como pessoa, cuja primeira significação foi de máscara,

partindo do pressuposto de que todo homem está sempre, conscientemente ou não,

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encarnando papéis; que, por seu turno, fornece-nos informação sobre quem ele é, pois que

demonstra quem ele realmente gostaria de ser. “Ao final a concepção que temos de nosso

papel torna-se uma segunda natureza e parte integral de nossa personalidade. Entramos no

mundo como indivíduos, adquirimos um caráter e nos tornamos pessoas” (GOFFMAN, 2006,

pg.27).

2.1.3.1 A elaboração da face

Em seu artigo “A Elaboração da Face”, Erving Goffman define que o “eu” de uma

pessoa se constitui de dois aspectos: um, sendo produto de suas experiências sociais e

moldado por estas; e outro, como uma espécie de jogador, com habilidades para ponderar as

contingências que lhe são ocorridas (GOFFMAN, 1980).

Diante desta dicotomia levantada por Goffman (2006) cabem os esclarecimentos,

também suscitados pelo autor, de que ela servirá como parâmetro para as situações inseridas

dentro destes dois extremos. Quer dizer, uma pessoa pode assumir papéis que variem entre a

sinceridade e o cinismo no percurso de construção de sua face, cujo nível de consciência em

tal variação pode ser igual ao de inconsciência. Isto porque o ator vai se moldando ao cenário

durante a encenação e, muitas vezes, se vê em situações em que, para obter êxito em seu

papel, é impugnado a fazer o que as pessoas com que interage esperam, podendo ser,

inclusive, algo negativo, como num assalto, onde é esperado que se sofra algum tipo de

agressão do assaltante, quer seja psicológica ou física, conforme seu papel. Bem como, um

ator pode ser cínico, inicialmente numa atuação e depois assumi-la sinceramente, porque

realmente passou a acreditá-la como seu papel, por exemplo, ou pode alternar do papel

sincero para o cínico, a fim de preservar seu “eu” íntimo ou carregando a idéia de que visa ao

bem das pessoas (GOFFMAN, 2006).

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Elaborada por Goffman (1980), a teoria da face se caracteriza pela reivindicação de

reconhecimento social empreitada por uma pessoa, que, para tanto, faz uso de uma linha:

mecanismo psicossocial utilizado consciente ou inconscientemente, através de linguagem

verbal ou não-verbal, com o objetivo de comunicar aos outros interagentes sociais que

avaliação constrói de si e destes durante um encontro social.

A apresentação de uma linha, por uma pessoa, ocorre sempre que se dá um encontro

social com outras pessoas, e será o caminho percorrido para a elaboração de uma face, cuja

avaliação poderá, ou não, ser condizente com aquilo que a pessoa endossou para si, numa

interação, resultando em reações sentimentais que variarão de acordo com a resposta

oferecida pelas outras pessoas que interagem na situação, sendo, ainda, a carga de sentimentos

e a compreensão da interação os produtos culturais.

Goffman (1980) explica, ainda, alguns aspectos importantes para a compreensão do

termo face, que, advindo do inglês, deriva outros significados para as situações e seus

resultados. E, sendo entendida a face como referência tanto à aparência, quanto ao auto-

respeito, têm-se outras conotações dela produzidas, como “salvar a face” (to save face),

envergonhado (shamefaced) e “perder a face” (to lose face), para expressar as reações

tomadas pelas pessoas diante do resultado obtido, através dos outros, numa interação social.

A manutenção ou a credibilidade de uma pessoa perante seu grupo está diretamente

ligada ao empenho que ela dedica para zelar por sua face, já que, se a pessoa não toma ações

acerca de sua face no presente, certamente, no futuro, terá maiores dificuldades para fazê-lo,

pois sua credibilidade estará abalada; ao passo que, o contrário disto produz uma face

consistente e verdadeira aos olhos dos outros interagentes.

Diante do exposto, compreendemos, ainda segundo Goffman (1980), que, ao longo da

socialização da pessoa, cuja ocorrência se dá desde o nascimento em diante, um acordo tácito

é aprendido pelas pessoas, de modo que, em suas interações sociais, zelarão mutuamente

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pelas suas faces, ou seja, uma pessoa adotará posturas coerentes para preservar a sua face e a

face do outro com quem interage, crendo que, na oportunidade de outrora, poderá contar com

a mesma postura da outra pessoa em relação às faces inseridas na interação. Isto significa que

a face é algo pessoal, mas a segurança e o prazer dela são conferidos pela sociedade,

configurando-se um mecanismo de coerção social, cuja condição para proteger a face e não se

ver em situações de constrangimento (fora de face ou face errada ou se ter a face

envergonhada) a pessoa deverá zelar pela face alheia a fim de obter reciprocidade quanto a

isto.

A manutenção da face não é um fim em si, mas o caminho para alcançar um objetivo

corriqueiro, como desempenhar uma profissão, obter credibilidade para expressar crenças, etc.

Nas situações em que alguma das partes envolvidas numa interação se vir em situação

de ameaça à face, sua ou de outrem, recorrer-se-á ao recurso, nominado por Goffman, to save

face, ou salvar a face. A pessoa pode adotá-lo por vários motivos, dentre eles, preservar seu

“eu” (self), pelo status que este lhe pode ter conferido; preservar a face dos outros, por

motivos de ligações emotivas com estes, por compaixão, por solidariedade. Quando as

pessoas se empenham em que sua elaboração da face e a dos outros dêem certo, estão

legitimando sua socialização. A prática de salvar a face é um artifício padronizado e habitual,

culturalmente, ou seja, é característica de cada cultura ou subcultura. Saliente-se, ainda, que é

necessária perspicácia ou perceptividade por parte das pessoas que intencionam salvar uma

face, sua ou alheia, para detectar se o salvamento é esperado pelo outro, ou se ele ignorará o

incidente, que seria um dos vários recursos listados por Goffman (1980) quando se refere aos

tipos de elaboração de face adotados pelas pessoas nas interações sociais.

Finalmente, todo este mecanismo social se corrobora pela legitimação de uma ordem

social, incutida e aprendida pelos indivíduos, como um código de conduta social, cujos

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objetivos desejados por uns dependem do empenho destes em fazer com que os objetivos dos

outros também sejam cumpridos.

2.2 Marcas como fomentadoras de comunidades virtuais.

Nas subseções a seguir, trataremos dos temas e conceitos que remetem a outro tema

importante, que denomina esta seção. Buscaremos, ao fazê-lo, abrangência nas explanações e

demarcaremos sob qual esta pesquisa se guiará, dentre as explanadas. Destacamos as marcas,

a comunicação mediada por computador (CMC) e, por fim, as comunidades virtuais de marca.

2.2.1 Marcas: de nomeadoras de produtos a signos de consumo.

A palavra “marca”, com cuja significação concebemos atualmente, surgiu nas

sociedades mais antigas da humanidade, advinda, por exemplo, da necessidade de um

mercador babilônico informar o produto que oferecia em placas de argila, como uma forma de

diferenciação dos falsários ou de garantia da procedência do produto por determinado artesão,

assim como outros mercadores em várias partes do mundo e em tempos distintos, donde, por

fim, o emprego da palavra como atualmente se faz, originou-se das marcas cunhadas nos bois

dos rebanhos mantidos nas terras do novo mundo (PEREZ, 2007).

Em séculos, perpassando a I e a II Revoluções Industriais (a II referente à que se

configura com o desenvolvimento das telecomunicações, meios de transportes e eletricidade,

na segunda metade do século XIX) o sentido da marca ficou restrito à mera identificação

mercantil do produto ao qual ela se referia. E, a despeito do vislumbre encabeçado por alguns

poucos autores na década de 1980 sobre um sentido maior para a marca, apenas no século

passado, partindo de constatações da área financeira, a marca passou a ter maior importância

devido ao caráter lucrativo com que ela incrementava os ativos de algumas empresas, que

passaram a comunicá-la como distinção no valor destas empresas. Daí para a importância

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social que carrega hoje, a marca se incluiu campo de interesse de várias áreas do

conhecimento, como filosofia, sociologia, empreendedorismo, entre outras. (KLEIN, 2008;

KOTLER, 2000).

A American Marketing Association (AMA, 2005) define marca como “um nome,

termo, desenho, símbolo ou qualquer característica que identifique o produto ou o serviço de

um vendedor como distinto daqueles de outros vendedores”. Entretanto, tem-se, há uma

década e meia, que a importância conferida à marca elevou as observações e estudos sobre

esta, do nível tático para o estratégico, passando os estudiosos a se debruçarem sobre o

conceito “valor de marca”, ou brand equity, cujo sentido carrega a idéia de geração de valor

tanto para o cliente quanto para a organização por trás da marca (KOTLER, 2000).

As marcas passaram a expressar algo bem maior que os produtos que lhe deram

origem e a preocupação da comunicação publicitária voltou-se para significá-las e não apenas

anunciar seus produtos (KLEIN, 2008). Apoiada numa comunicação que antes de vender

produtos busca vender sentidos, a marca se transformou em uma entidade em si mesma,

virando o próprio objeto de troca desejado pelos sujeitos (KLEIN, 2008; PEREZ, 2007;

SEMPRINI, 2006). Um primeiro esforço, neste sentido sígnico das marcas veio de Levy,

(1959). Atualmente, a marca se apresenta como entidade autônoma de comunicação, condição

que a impulsionou para a posição de evidência e importância que ocupa no mundo

contemporâneo.

Nesta nova perspectiva para marca, e dentro do “valor de marca”, emergem várias

definições, sendo que duas prevalecem sob aspectos, aparentemente, distintos (LEÃO, 2007):

Uma, elaborada por Aaker (1996), tem como beneficiária a organização por trás da marca,

concebendo o “valor de marca” como valor para a organização, porque forneceria este valor

em várias áreas de marketing a partir da eficiência e eficácia advindas dos seus programas, e

por ser uma definição ligada à geração ou à perda de ativos e passivos através do desempenho

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da marca, e seus apanágios de símbolo e nome, para a empresa que representa. Já Keller

(1993) compreende o “valor de marca” como a capacidade positiva de uma marca influenciar

a escolha do consumidor, isto é, se o mesmo produto não houvesse tal marca, o consumidor

não o escolheria, e esta definição de Keller se refere à memória de marca ou à imagem da

marca, como num mecanismo mental de associação desempenhado pelo consumidor entre a

imagem da marca e o produto.

A despeito de serem duas perspectivas tidas como de enfoques distintos, Aaker para a

organização e Keller para o cliente, para a definição de “valor de marca”, ambas, direta ou

indiretamente, apresentam o interesse e a visão da organização, porque, inclusive Keller

(1993) vislumbra a imagem de marca como recurso para fomento da produtividade da

empresa que a sustenta (a marca).

Por fim, Leão (2007) sugere que outra concepção de “valor de marca”, construída por

Kapferer (2003), seja uma síntese do que Aaker e Keller defendiam: propõe um circuito de

comunicação em que a imagem da marca advém da construção da identidade de marca, e,

neste esquema, a identidade e a imagem de marca seriam transmitidas, como mensagem, ao

consumidor, receptor desta, decodificando-a.

No intento de transpor a perspectiva pacífica do consumidor apenas como mero

receptor pacífico das estratégias das organizações, trataremos, ao longo desta pesquisa, a

marca e o “valor de marca” como frutos do consumo simbólico, cuja concepção está no fato

de o consumo de produto ocorrer menos pela sua utilidade e mais pelo signo marcário6 que

ele significa para a coletividade onde se insere seu consumidor. Ou seja, concebemos as

marcas sob a perspectiva sugerida por Leão (2007), de acordo com a qual, as marcas são

signos marcários que servem às interações humanas e cujos significados são elaborados

6 O termo “marcário(a)(s)” é bastante familiar à área de direito (Direito Marcário) e diz respeito ao registro de

nomes de marcas ; é utilizado de forma corrente também em trabalhos das áreas de comunicação (vide Perez,

2007) e foi inserido na área de marketing, originalmente, por Leão ( 2007), com o sentido de uma locução

adjetiva para “de marca”, em todos os casos citados

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socialmente, de maneira dinâmica, destacando-se, por isto, o seu valor de uso, sobre o

habitualmente enfocado, pela literatura de marketing, valor de troca.

2.2.2 Comunicação Mediada por Computador - CMC

Das inúmeras conseqüências que as “novas tecnologias” acarretam à vida cotidiana

das pessoas, Bourdieu, segundo Girardi (2007) - em “Pierre Bourdieu – questões de

Sociologia” - destaca que nenhum outro dispositivo tecnológico comunicacional, de natureza

analógica, como o telefone ou o rádio, alteraram a forma de se nomear a comunicação entre

pessoas como aconteceu com o surgimento das “novas tecnologias” digitais, que ocasionaram

nova nomenclatura para a comunicação que não se dá face a face, mas através daqueles

meios, assim sendo a comunicação mediada por computador se caracteriza, principalmente,

por um encantamento, ou “feitiço”, das pessoas diante destes novos meios, concebidos como

superiores aos meios analógicos, esquecendo-se, no entanto, que ambos são fruto da criação

humana, cultural e socialmente.

Da mesma forma, Lévy (2007) chama a atenção à cegueira dominante nos argumentos

que corroboram, dentre outras possibilidades, a provável e apocalíptica substituição da

realidade pela virtualidade. No entanto, não há como se negar algumas conseqüências

contundentes na realidade humana, provocadas pela existência do ciberespaço, a saber:

Conforme argumentado por Nicola (2003), em citação a Y.Masuda (1982), a concepção de

comunidade passa, ora, a significar, não mais pessoas situadas em um território, como uma de

suas fortes características, mas, sim, num novo conceito de espaço, uma “conscientização de

idéias abstratas comuns”.

A partir disto, passamos à compreensão da comunicação mediada por computador,

segundo a qual, para Primo (2005), necessita, antes, de alguns esclarecimentos, pois se

diferencia muito da comunicação de “massa”, tida como “um-todos”; neste caso, seria “todos-

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todos” ou “um-um”, sob uma perspectiva baseada na pragmática da comunicação, fundada

por Bateson, para a qual a comunicação importa enquanto relação que se constrói entre

indivíduos. Não o olhar de cada indivíduo, separadamente, mas a relação que se constitui

fruto da “interação mútua” entre elas, para além da soma das partes. E, ainda, contrapondo-se

ao termo interatividade, usado indiscriminadamente e como sinônimo de eficiência

comunicativa, Primo (2005) defende que o termo “interação” é o mais alinhado à perspectiva

anteriormente exposta, e classifica dois tipos de CMC, baseados num modelo sistêmico-

relacional: interação mútua – reunião dos indivíduos em questões afins e problematizações

constantes durante o processo de interação – interação reativa – guiada pela previsibilidade e

automatização dos estímulos-resposta produzidos na interação.

Corrêa (2006) utiliza o conceito de tribalização de Maffesoli (2006) para conceber a

CMC, defende que, antes desta forma de comunicação, propriamente, a forma que a realidade

onde ela se situa toma para si é distante daquela mecânica e racional da realidade cartesiana.

Importam, muito mais, a afetividade e a sensibilidade, da perspectiva estilística de Maffesoli,

erguendo uma cultura baseada na comunicação afetiva e na promoção da interação social.

A autora encara a cibercultura inserida na construção do social, como natural, sendo

mais uma forma de promover a agregação social, porém, no espaço virtual, bem como um

desfrutar do presente e do compartilhamento do imaginário coletivo. E se apóia em Maffesoli

(2006) para caracterizar essas agregações como tribos, que, por sua fluidez e movimentos,

unem-se e se separam, constantemente, sem possibilidades de determinação cartesiana,

porque são baseadas no imaginário, mormente, por ser este o caminho tomado pelo homem

para superar sua própria condição.

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2.2.3 Comunidades [Pós-] Modernas

As maneiras como as comunidades se apresentam e sua importância na atualidade nos

remetem a uma reflexão referente ao que caracteriza as comunidades contemporâneas. E,

dentro do contexto da então pesquisa, cujo lócus se situa nas comunidades de marca, faz-se

imprescindível sua apresentação.

De forma nuclear, a definição de comunidade foi e, principalmente na atualidade, é

foco de discussão teórica entre os cientistas. Neste sentido, Ferdinand Tonnies, com seu

clássico “Comunidade e Sociedade” (1887), conforme citado em Muniz e O‟Guinn (2001),

propõe um olhar sobre o significado da comunidade em relação à sociedade, considerando a

modernidade e o período anterior a ela. Sob esta visão, o sentido de comunidade está atrelado

à idéia rudimentar de clã, familiar, rural e emocional, enquanto que a sociedade é inerente à

idéia contratual, mecânica, racional e urbana. Os críticos argumentam que o avanço da

modernidade, no século XIX, significou a destruição do conceito de comunidade na realidade

(MUNIZ E O‟GUINN, 2001).

De acordo com Muniz e O‟Guinn (2001), o conceito de comunidade pressupõe três

aspectos: consciência de espécie; rituais e tradições compartilhados; e sentimento de

responsabilidade moral. E, respectivamente, significam: um sentimento compartilhado de

pertinência ao grupo; a prática e a perpetuação dos costumes e ritos da comunidade; e, por

último, o sentimento de coletividade, que pode ser usado como ação coletiva contra alguma

ameaça à comunidade. Há ainda que se destacar o fato de que a idéia de comunidade

pressupunha restrição geográfica, na pré-modernidade. Contudo, concomitantemente à

modernidade, os meios de comunicação, especialmente os de massa, empossaram seu lugar

nesta época, promovendo a queda das barreiras geográficas e permitindo que as pessoas

transpusessem distâncias através destes meios. Também o desenvolvimento dos meios de

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comunicação conduzirá a idéia de comunidade sendo um lugar, passando a ser uma identidade

compartilhada (MCALEXANDER et al., 2002).

Serra (2006), com base em Ferdinand Tonnies e Gabriel Tarde, comunga, em parte,

com a visão de Muniz e O‟Guinn. Contudo, retruca que à existência da comunidade suceda a

sociedade, reta e determinantemente, mas que as duas formas convivam em uma mesma

estrutura social, inclusive na nossa contemporaneidade; argumento coerente, pois que a

realidade não é, nem nunca foi uniforme, e esta transformação de comunidade para sociedade

não deve carregar a idéia de evolucionismo.

Sob este prisma, a concepção de comunidade passou por diversas reestruturações

desde o desenvolvimento dos meios de comunicação até o espraiar da globalização, contexto

no qual a comunidade tornada sociedade, unificada pelos antigos aspectos nacionalistas, passa

à situação de comunidade, contudo, sob outra roupagem.

Ocorre que, sob a perspectiva da pós-modernidade, assumida nesta pesquisa,

revestem-se de modificações áreas que vão desde o conhecimento até a própria concepção do

homem, que, ora, além de suas múltiplas atribuições, é mutável, com infinitas imagens

sociais, que, por sua vez, são passageiras, efêmeras e fragmentadas. (HALL, 2006). Diante

deste cenário, o sujeito, inserido na multiplicidade cultural nascida da globalização, busca no

consumo uma maneira de ser reconhecido e identificado como integrante desse ou daquele

grupo (BARBOSA E CAMPBELL, 2006; MCCRAKEN, 2003; SLATER, 2002).

Em Castells (2008) nos deparamos com a insólita constatação de que a globalização,

com sua internacionalização e universalismos, ao contrário do que se possa pensar, serviu ao

fortalecimento dos nacionalismos, contudo por um caminho independente do Estado. O

nacionalismo seria fruto do compartilhamento de algo em comum, etnia, religião, entre

indivíduos, indo ale da territorialidade; e da subjetividade pura. Distante, ainda, das

tradicionais tiranias que se erguiam na modernidade, o nacionalismo ressurge da necessidade

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de fortalecimento e reconhecimento da identidade pelos outros, mais uma vez, o

compartilhamento.

Este cenário descortina a impossibilidade de ser conceber o comportamento do

consumidor como fixo e manipulado (LEÃO E MELLO, 2007). Ao contrário, a elaboração das

identidades se dá de várias formas, podendo se relacionar a diversos aspectos que se ligam ao

pertencimento do sujeito a diversos grupos (e.g. étnicos, raciais, lingüísticos, nacionais, etc.).

Dessa forma, a identidade cultural está relacionada a uma construção social e histórica por

parte de um grupo que compartilha das mesmas idéias, valores, modos de vida e símbolos

(HALL, 2006).

Nasce, ora, a comunidade imaginada, regida pela noção de cultura nacional, enquanto

discurso cujo produto seria a identidade. Neste caso, tem-se a identidade nacional como

instrumento de poder político utilizado na restauração da força do Estado, advindo de uma

crise da nacionalidade. E esta identidade nacional se figurará comunidade imaginada. Tais

características reverberam esta identidade, mormente, a partir de algumas narrativas – e não

mais sob uma grande narrativa, como se legitimava a “nação” na modernidade -, como a

narrativa da nação (estórias contadas, literatura, mídia e cultura popular); a ênfase nas origens,

na continuidade, na tradição e na intemporalidade (apelo genético); invenção da tradição (de

fato, tradição falaciosa) e o mito fundacional - mito criado numa época tão longínqua que

foge à lembrança -, consolidando-se, assim, o nacionalismo como um pêndulo que se move

entre o particular e o universal (HALL, 2006), bem como as identidades, que acompanham este

movimento, dado seu caráter comunitário e individual.

Para Bauman (2003), o sentido que guiava a comunidade, no passado anterior à

sociedade individualista, era de “círculo aconchegante”, onde nada se questionava sobre ela,

um lugar de proteção onde todas as angústias e incertezas que o rondam se tornam

inofensivas. Entretanto, numa época em que ele define como difícil de encontrar a

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comunidade na vida real, porque neste mundo tudo se desloca, nada é dado por certo, a

comunidade passa, contraditoriamente, a ser buscada na identidade, encarada como algo que

nunca será testado, na prática, mas que reside na imaginação das pessoas, que continuam a

buscar o “círculo aconchegante”. O autor explica que, para cumprir seu papel de substituta, a

identidade deve negar esta origem, fazendo-se crer uma nova possibilidade daquela

comunidade (aconchegante e segura) existir. Contudo, essa identidade significa buscar o

destaque, a singularidade, que conduzem, indubitavelmente, à separação das pessoas, já que

todas assim pensam. A busca pela construção da identidade, então, conduz os indivíduos a

buscarem, também, uma conjunção dessas identidades, um lugar onde elas possam se juntar a

outros que sentem as mesmas angústias da individualidade, isto é, uma comunidade, que nem

se sabe, ao certo, se oferecerá o remédio buscado, mas que continua a inspirá-lo.

Ressaltamos, ora, a concepção de comunidade para Maffesoli (2006), cuja visão

compartilhamos para nos guiar nesta pesquisa. Tal visão preconiza que, contra o argumento

burguês e moderno da individualização dos sujeitos, as (re)arrumações históricas condutoras

da atual realidade favoreceram o surgimento de uma comunidade “desindividualizante”,

marcada por um pontilhado figurativo, no sentido de uma delimitação existente no

inconsciente ou “não-consciente” coletivo. A este contexto Maffesoli (2006) nomeia

“nebulosa „afetual‟”, que simboliza o “vaivém das massas”, característica do neotribalismo,

cujos principais aspectos (fluidez, dispersão e ajuntamentos pontuais) se contrapõem ao

tribalismo clássico. O neotribalismo está fortemente ligado à aparência, aparelho

comunicativo de que papel a pessoa desempenha e a que grupo ou tribo pertence, naquele

momento, no teatro do mundo. A importância da aparência serve à agregação, pela

possibilidade que ela oferece de experimentar, reconhecer o outro, servindo à legitimação da

teatralidade, que, por seu turno, viabiliza a comunidade. Esta concepção de comunidade

permite ao sujeito desempenhar dois papéis concomitantes, o de ator e o de expectador, e ela é

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marcada por seu caráter sensível e táctil, pois que o prazer, na existência social, oferecido

pelo tocar é o apanágio primordial que motiva as multidões, enquanto aglutina vários tipos de

tribos e proporciona a comunhão, sem, contudo, perder o espírito de sujeitos e realidade

fragmentados, descentralização e de pequenas autonomias.

2.2.3.1 Comunidades virtuais de marca

Atualmente lidamos com outro tipo de comunidade, que está além das definições

supracitadas, mas não completamente. Nestas, é muito incomum o compartilhamento do

mesmo espaço físico pelos seus membros, ao contrário das comunidades pré-modernas, em

cuja proximidade geográfica habitava um dos seus princípios (LUEDICKE, 2006).

Neste contexto se inserem as comunidades de marcas. Na concepção de Muniz e

O‟Guinn, uma comunidade de marca tem função interpretativa ativa, pois que a significação

da marca é negociada, socialmente, e não entregue de pronto e inalterável. As comunidades de

marca são pouco efêmeras; seus membros apresentam maior grau de compromisso e

responsabilidade moral com a comunidade, mas não são simplesmente vítimas desavisadas da

função de consumo permeada pelas comunidades, e sim, estão em busca, através deste

consumo, de autenticidade e identidade.

As comunidades de marca são formas legítimas de comunidade, em seu sentido

primário, porém contextualizadas em seu tempo, podendo ser suscitadas em torno de qualquer

marca, as comunidades serão mais prováveis naquelas cuja imagem, história e

competitividade são mais fortes, e cujos produtos são consumidos publicamente, em

detrimento daqueles de consumo privado (MUNIZ E O‟GUINN, 2001).

Para além do conceito de comunidades de marca, as sociedades atuais experimentam o

desenvolvimento veloz da tecnologia, que se torna expressamente importante na vida das

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pessoas, a ponto de fazê-las estender sua realidade social ao ambiente virtual; fenômeno que,

no contexto das comunidades de marcas, produz as comunidades virtuais de marca.

Bagozzi e Dholakia (2002) definem comunidades virtuais, primeiramente, como

espaços sociais transpostos ao ambiente virtual, que se mantêm através da comunicação

contínua entre seus membros, que, por sua vez, se reúnem sob o propósito de alcançar

objetivos pessoais comuns e compartilhados entre si.

Kozinets (1999), por sua vez, define as comunidades virtuais de marcas como fruto da

intensidade de dois motivos independentes: a relação do indivíduo com a atividade de

consumo e a relação mantida com membros da comunidade virtual; ou seja, quanto maior a

intensidade destes dois aspectos, tanto maior será o engajamento do indivíduo na comunidade

virtual.

Sob outra ótica, Primo (1997) parte dos conceitos de organização social gemeinschaft

(ou comunidade) e gesellschaft (ou associação), elaborados por Ferdinand Tönnies,

comparando as comunidades virtuais à gemeinschaft e enumerando as características desta, a

saber: uma aproximação espacial; consciência de interesses em comum e participação de

objetivo comum, sendo que estes aspectos são transferidos ao ciberespaço para se constituir a

comunidade virtual, onde a proximidade não é exigida.

Muniz e O‟Guinn (2001, pg. 412) definem que uma comunidade de marca é “uma

comunidade de ligação especializada e não definida geograficamente, baseada em um

conjunto estruturado de relações sociais entre os admiradores de uma marca”.

Porter (2004) anuncia que há mais de noventa definições para esta expressão, no

entanto, consegue extrair destas uma ampla definição. Para ela, comunidades virtuais se

compõem por indivíduos ou empresas que compartilham interesses comuns, onde esta

interação conta com a mediação de algum tipo de tecnologia e se guia por protocolos e

normas.

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No tocante à tipologia, Porter declara que cada área enfatizará uma característica

específica da comunidade virtual, condizente com a área de referência. Porter proporá, neste

caso, duas tipologias: a primeira são as comunidades de marca fundadas por pessoas com

interesses compartilhados; a segunda se refere às comunidades elaboradas sob o estímulo de

uma empresa, por exemplo.

No caso da nossa pesquisa, guiaremo-nos a partir das concepções de comunidades

virtuais e de marca elaboradas por Muniz e O‟Guinn (2001) e por Porter (2004), uma vez que

se aproximam estreitamente da nossa perspectiva para tal contexto. Ademais, adotaremos o

primeiro tipo de comunidade virtual proposto por Porter (2004), qual seja, as comunidades de

marca fundadas por pessoas com interesses compartilhados, aspecto melhor discutido na

sessão Limites e Limitações desta pesquisa.

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3 Procedimentos Metodológicos

As escolhas metodológicas de uma pesquisa vão além da simples escolha do método

de coleta. Antes, remetem-se à visão de mundo, concepção do ser e do conhecimento do

pesquisador, do paradigma, e de qual é a natureza do objeto de estudo. Só após serem feitas

tais identificações é que se seleciona o método mais adequado ao atendimento de tais

posições.

3.1 Orientação paradigmática

Neste trabalho, adotamos o paradigma interpretativista, cujo principal enfoque não

repousa sobre a busca pela certeza, mas sim, sobre a manutenção da realidade social e

simbólica permeadora das relações intersubjetivas (DENZIN E LINCOLN, 1994), e por estarmos

alinhados com a concepção de que o homem e suas relações demandam profundidade em seu

estudo, este paradigma é que melhor serve a este intento, pois que seus métodos são mais

eficazes na captação do conteúdo que permeia as relações humanas.

Neste sentido, nossas perspectivas ontológica e epistemológica inserem-se na

orientação do socioconstrucionismo (BERGER E LUCKMANN, 2006). Tal perspectiva concebe o

homem inserido numa realidade dada, existente antes e independente dele, já que sua vida é

finita e a realidade social perdura após esta finitude. Contudo, a realidade se apresenta em

diversas opções, e é o homem, em sua coletividade, que estabelecerá a predominante, isto é,

aquela que será compartilhada por todos, cujo elo para este compartilhamento são a

linguagem, a intersubjetividade, a temporalidade e a rotineirização dos problemas. Ademais, a

despeito de sua consciência de finitude, o homem e a realidade dominante mantêm uma

relação dialética, em que se moldam mutuamente.

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No que tange ao que seja conhecimento, tal perspectiva apóia-se fortemente na

“epistemologia socializada” de Ludwig Wittgenstein (LEÃO, 2007). Aqui o conhecimento é

assumido como herança social, repassada por gerações, desde que seja pragmático, ou seja,

tenha utilidade na rotina das pessoas, servindo para reduzir o gasto de energia na solução de

problemas corriqueiros. Este conhecimento é concebido pelas pessoas como dado, durante sua

socialização, sendo modificado quando não atender à solução de problemas rotineiros a que se

deve sua concepção. Todavia, o conhecimento herdado como acervo social de experiências

não oferece aprofundamento para questões além da rotina. Também não será uniforme a todas

as pessoas, pois sua distribuição está atrelada à especificidade de áreas, classe social e

interesses individuais. Além disso, o conhecimento não pode ser completamente concebido

por uma pessoa. Sempre haverá áreas de penumbra na realidade social.

3.2 Método escolhido

A natureza do nosso objeto de estudo pode ser mais bem compreendida sob os

auspícios da tradição qualitativa. Isto porque envolve o homem em interações sociais e

possibilita que se estude o fenômeno social com a menor distância do seu ambiente natural

(PAIVA et al., 2007; GODOI E BALSINI, 2006).

Assim, cabe elucidar que esta pesquisa adota, como método de pesquisa, o estudo de

caso, inspirado na perspectiva não-positivista de Robert Stake (1994), para quem um estudo

de caso é, antes de uma metodologia, uma escolha de objeto de estudo. Quem se propõe a

fazê-lo está interessado em um caso em específico, que será foco da pesquisa diferentemente

da concepção de estudo de caso para Robert Yin (2005), que o concebe sob a ótica mais

positivista, encarando-o como uma metodologia em si, e preconizando que cabe em pesquisas

cujas questões sejam do tipo “como” e “por que”, e quando o pesquisador não puder controlar

os acontecimentos, que são contemporâneos a ele.

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No tipo de estudo de caso definido por Stake (1994) o “quê” encontraremos ao final

do trabalho pode variar, ou seja, os resultados deste podem se diferenciar se outros

pesquisadores percorrerem o mesmo caminho, por não acompanhar a perspectiva positivista,

para a qual os resultados seriam os mesmos, nesta situação. Contudo, a teoria que guia o

trabalho neste tipo de estudo de caso é invariável, isto é, o resultado do trabalho pode variar,

entre os pesquisadores, mas a teoria seguida por eles será a mesma.

Mais especificamente esta pesquisa se guia pelo estudo de caso do tipo Instrumental

(STAKE, 1994), no qual o caso é secundário, pois ao que de fato ele serve, após ser

contextualizado e aprofundado, é para nos ajudar a compreender um interesse maior.

Portanto, esta pesquisa será um estudo de caso instrumental, de cunho naturalístico –

característica que foi nomeada por Stake (1994) “generalização naturalística”, e que serve de

substituição à generalização positivista, pois, através da descrição densa e viva – aspecto do

estudo de caso etnográfico, explicado a seguir -, permite ao leitor a experiência vicária, na

qual, ao ler o caso estudado, ele poderá ser remetido as suas próprias experiências pessoais

para compreensão do estudo. (STAKE, 1994).

Por fim, outra característica importante do estudo de caso adotado nesta pesquisa é sua

natureza etnográfica. André (2005) classifica um dos mais polêmicos tipos de estudo de caso:

o etnográfico. Isto porque há muitas críticas a respeito da etnografia enquanto estudo

antropológico e em termos de metodologia organizacional. A autora afirma que para ser

reconhecido um estudo de caso etnográfico, este, deve enfatizar o conhecimento do singular e

seguir os preceitos da etnografia: relativização a partir do estranhamento e da observação

participante. Entendendo-se por relativização a capacidade de se deslocar o eixo da sociedade

do pesquisador para a unidade em estudo; este requisito será alcançado por meio do

estranhamento, que exige um distanciamento da unidade estudada para melhor apreendê-la.

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Juntamente com o estranhamento, a relativização provoca o movimento de ir e vir da

cultura estudada, ou unidade de estudo, para melhor concebê-la, tendo como meio para tal

recurso a observação participante, que permite o imbricamento do pesquisador na situação

estudada, de modo interativo e dialético, em que ambos se afetam, naturalmente, com o

intuito do pesquisador de conceber seus códigos e pensamentos.

Diante disto, o método etnográfico se enquadra adequadamente enquanto método de

pesquisa, dado que pressupõe a imersão do pesquisador no cotidiano onde se insere o

fenômeno social alvo de estudo, a fim de “ver com os olhos do outro”. (ROCHA et al., 2005).

A etnografia é concebida como um método de pesquisa e análise de dados, que se

utiliza da descrição densa, significando que o pesquisador conceberá as culturas como teias de

significados, frutos da vida em sociedade dos indivíduos, guiadas por seus conjuntos de

valores, os quais serão alvo da interpretação do pesquisador, sendo estes conjuntos, mesmo

antes, produto das interpretações de sua sociedade. É, também, usada para análise de

interações face a face, onde o pesquisador, através da participação ou observação desta, torna-

se uma fonte de dados para a pesquisa, materializando o discurso da interação, que será fonte

de consulta a qualquer tempo, sendo um modo de conservação daquele momento (BRAGA,

2006; ROCHA et al., 2005).

Para melhor compreensão da etnografia, devemos olhar para um breve histórico seu. A

etnografia tem sua sistematização devida a Bronislaw Malinovisk, antropólogo que, em 1922,

com a publicação de sua obra “Os Argonautas do Pacífico Ocidental”, de onde emergiram os

preceitos de que a etnografia seria um estudo realizado a partir da visão de dentro da cultura,

ou seja, pressupõe imersão do pesquisador na cultura pesquisada, e, com o convívio íntimo e

próximo, tentar enxergar com os olhos do pesquisado. Para tanto, a etnografia demanda a

adoção da observação participante, que, como o próprio nome enuncia, permitirá que o

pesquisador acesse os valores sociais cotidianos (ROCHA, BARROS E PEREIRA, 2005). Com o

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passar do tempo, diante das lacunas produzidas por outros métodos e abordagens, a etnografia

foi importada para outros campos além da Antropologia, como para a Administração, a

Sociologia, a Medicina e outras, para acessar mais profundamente o objeto de pesquisa.

A metodologia utilizada no estudo etnográfico pressupõe a inserção do pesquisador

dentro do universo microscópico estudado, partindo da visão de dentro da vida do grupo por

meio de seus indivíduos, revelando, assim, a constituição do pensamento e dos valores

daquele grupo estudado. Para tanto, faz-se imprescindível a relativização nos estudos destes

pequenos grupos, contextualizando-se a visão do outro para compreender sua realidade

(ROCHA, 2007).

Em se tratando de um estudo de comunidades virtuais, a etnografia se enquadra

perfeitamente como método para tal, uma vez que, de acordo com os princípios herdados

desta pela Antropologia, utiliza metodologias que possibilitem conhecer a vida coletiva

através de estudos microscópicos dela (GEERTZ, 1978).

Ademais, no caso de uma investigação que acessa interações sociais, um tipo

específico de etnografia se faz mais adequado: a etnografia da comunicação, cuja busca pelo

conhecimento se dá através do estudo das interações interpessoais (LEÃO E MELLO, 2007).

Portanto, salientamos a importância da etnografia da comunicação, ainda, uma vez que este

trabalho se baseia na teoria da elaboração da face, explanada anteriormente, analisando a

comunicação nas comunidades virtuais (lócus). Daí, a etnografia se configura uma alternativa

à necessidade de métodos que acessem objetos de estudo inseridos em interações sociais. A

etnografia da comunicação se caracteriza pela sua base lingüística e antropológica,

concebendo o mundo a partir da comunicação, enquanto parte da cultura, que, por sua vez,

estabelece uma relação dialética com aquele, ambas se constrangendo e se moldando perante

a outra (LEÃO E MELLO, 2007).

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Diante do exposto, há a necessidade, neste trabalho, de um método relacionado à

etnografia da comunicação, que se encaixe nos estudos de comunidades virtuais e que atenda

o requisito comunicacional já mencionado. Encontramos na netnografia este arcabouço. Este

método foi fundado pelo antropólogo e administrador Robert V. Kozinets, como uma

derivação da etnografia tradicional, porém adequada às características do ambiente das

comunidades virtuais, de modo que possibilita a contextualização do comportamento do

consumidor inserido numa comunidade virtual, uma vez que seu comportamento dentro desta

não se faz isolado, mas como derivação da vida real, e vice-versa. Neste sentido, recomenda-

se o uso da netnografia como método de estudo tanto de comunidades virtuais puras como das

derivadas, sendo aquelas referentes às ciberculturas resumidas apenas à CMC (comunicação

mediada por computador), e estas a um mesclado de CMC e vida real, que, neste caso,

demandaria outros tipos de métodos complementares à netnografia (KOZINETS, 1998; ROCHA

et al., 2005).

Um dos problemas da netnografia, segundo Kozinets (1998), seria a questão da ética

exigida na etnografia tradicional, já que esta é reafirmada pelo autor como critério de rigor

científico, cujos princípios éticos compreendem o respeito aos limites entre o público e o

privado, e a permissão do informante para divulgação de conteúdo que lhe diga respeito,

aspectos nem sempre possíveis de serem relevados ou cumpridos na netnografia.

Comungando com Clifford Geertz, Kozinets (1998) reitera o aspecto da etnografia no

que tange à imersão do pesquisador no contexto estudado, a ponto de ser reconhecido como

membro da comunidade, a fim de acessar seus símbolos e linguagem para uma interpretação

subjetiva do pesquisador sobre esta realidade.

Por fim, dado o fato de que esta pesquisa aborda, de forma específica, um fenômeno

ocorrente nas comunidades virtuais, cujo acesso demanda um método eficaz que ainda não se

apresentou, esta pesquisa se constitui como propositora do que estamos chamando de

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“netnografia da comunicação”. A proposta é de fundação de um tipo de método que capte,

além das pistas concedidas pelos conteúdos das comunidades virtuais, a linguagem não-verbal

e os signos utilizados pelas pessoas para se comunicarem virtualmente e se estabelecerem

faces nesta interação. Para tanto, iniciamos a coleta de dados a partir de um estudo-piloto,

baseado em um guia proposto por Leão e Mello (2007), como recurso de adequação deste à

limitação da linguagem não-verbal nas comunidades virtuais, exposto em seção mais adiante.

3.3 Construção do corpus de pesquisa

Uma definição para corpus de pesquisa, numa perspectiva qualitativa, se configura

num conjunto limitado de materiais selecionados a priori pelo pesquisador, arbitrando, para

tanto, de modo inevitável nesta escolha. Além disto, poder-se-iam classificar os dados desta

pesquisa de acordo com o conceito de corpora, que se refere ao conjunto de dados de

linguagem usados em vários tipos de pesquisa (BAUER & AARTS, 2002).

O critério utilizado para determinar quais comunidades observar, bem como os dados

de textos selecionados se liga a sua origem introspectiva, ou seja, gerados à base do

conhecimento da linguagem do falante pertencente àquela comunidade ou cultura. Neste

sentido, seguimos a premissa de Ludwig Wittgenstein, em sua segunda filosofia, para quem

os membros das comunidades devem compartilhar do mesmo “jogo de linguagem”, definido

como aquilo que se insere entre as palavras e o mundo, numa via de mão dupla, dando

significado à relação objeto-realidade, caracterizando suas respectivas competências para

participar daquele grupo (LEÃO E MELLO, 2007; SALZANO, 2004).

Assim, definimos uma marca icônica e uma comunidade virtual referente a ela que se

apresentasse com o maior número de integrantes, na base do Orkut, sendo ela “Queremos

coca-cola de 20 litros!!!”, no intuito de compreender os critérios e formas de que as pessoas se

valem para construir identidades nestes ambientes. A comunidade foi escolhida a partir das

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condições já citadas porque, em se tratando de marca icônica, será maior o contingente a

compartilhá-la, e mais profundo será seu significado social, bem como, atende o requisito da

etnografia, onde o pesquisador deve estar inserido na comunidade que estuda, a fim de

compreender a linguagem e os significados pertencentes àquela.

Observando uma condição etnográfica de validade da pesquisa qualitativa, foi

necessária a imersão do pesquisador nesta comunidade, adotando-se, enquanto método de

coleta de dados, a observação não-participante, em que o pesquisador não interage com a

realidade investigada, apenas a observa à distância, sem participação, método também

conhecido como lurking (CATERRAL; MACLARAN, 2001), no qual o pesquisador se mantém

“oculto” às interações da comunidade a fim de observá-las, contudo, no nosso caso, não

objetivamos interagir com os membros da comunidade. Este aspecto é tratado por Dholakia e

Zhang (2004) como uma vantagem do ambiente virtual, pois, assim, podemos nos aproximar

mais do verdadeiro pensamento daquelas pessoas, em relação às coletas de dados em campos

tradicionais. Isto porque o anonimato, possível na comunicação virtual concede maior

abertura para a expressão do pensamento sincero, uma vez que permite liberdade com relação

à classe social, religião, tabus e outras amarras. Além disso, é um método pouco intrusivo,

pois o investigado não se sabe assim, portanto, não sofre coerções, neste contexto. Este ponto

remete à questão da identidade do investigado: se ela é verdadeira e se isto, realmente,

interessa. Dholakia e Zhang (2004) defendem que sequer na realidade há como se ter esta

certeza, uma vez que as pessoas se moldam ao contexto social no qual se inserem, e a pouca

importância deste aspecto se deve ao fato de que a vida real, hoje, se estende pelo mundo

virtual.

Por isso, a coleta de dados se constitui partindo da compilação dos depoimentos

extraídos das comunidades, cuja viabilidade e conveniência digitais não exigirão o uso nem

de gravador, nem de anotação durante a coleta, conforme preconizam os procedimentos

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habituais da etnografia. No entanto, o pesquisador deve estar atento, na coleta de dados,

àquilo que é relevante para interpretação do fenômeno, a fim de descartar a informação

prescindível que acompanha o conteúdo bruto apanhado (LEÃO E MELO, 2007).

3.4 Procedimento analítico

A sociolingüística e a etnografia da comunicação se unem nesta análise por dois

motivos diferentes. Respectivamente, esta se ocupa das características culturais de uma

comunidade, enquanto aquela se dedica a estudar a interação no momento em que ela

acontece (LEÃO E MELLO, 2007), pois é neste ínterim que identificamos, além da linguagem

falada, a linguagem dita, resumidamente, não-verbal, que é fonte de informações não

reveladas no discurso falado e matéria-prima para entender os “eus” (GOFFMAN, 2006) que os

sujeitos constroem nas interações a partir da competência para o uso dos signos que

compartilham no grupo.

Assumimos, em consonância com a perspectiva pragmática, como meio para

interpretarmos os dados coletados, a análise do discurso do tipo funcional, que, segundo Gill

(2002), é fruto da teoria dos atos da fala, da etnometodologia, e da análise da conversação,

elaboradas por autores como Harold Garfinkel, John Maxwell Atkinson e John Heritage,

principalmente inspirados pela teoria de Ludwig Wittgenstein. Dentre outras modalidades de

análise do discurso, esta se caracteriza, primordialmente, por se concentrar em como as

narrações se organizam numa interação social e o que objetivam alcançar através de suas

construções.

Outrossim, o contexto é o arcabouço fornecedor de sentido para o discurso e seus

enunciadores. Neste sentido, a análise do discurso funcional vai além da análise semântica

daquilo que é enunciado pelo indivíduo. E o contexto é elucidativo daquilo que habita entre o

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enunciado, aquilo que o sujeito diz, e a enunciação, o que realmente o sujeito pensa e sente.

(GODOY, 2006; GILL, 2002, LEÃO E MELLO, 2007).

O ambiente virtual, conforme explicitado anteriormente, apresenta características

muito particulares em suas interações, dado que nos conduziu à adoção da netnografia

(KOZINETS, 1998), contudo, sob o aspecto comunicacional.

Não havendo registros disponíveis de tal método na literatura acadêmica, tivemos que

fundá-lo. Para conseguirmos vislumbrar o que buscamos na análise do discurso era

imprescindível um protocolo adequado à análise específica dos dados coletados, cujo alcance

atingisse os aspectos não-verbais existentes numa CMC (comunicação mediada por

computador), mais especificamente nos discursos que foram coletados das comunidades

virtuais. Já há protocolos consolidados para este tipo de análise de dados. Transpomos o guia

criado por Leão e Mello (2007) em seu estudo a respeito de investigações marcárias, com as

devidas alterações demandadas pelo nosso estudo, com base na netnografia da comunicação.

Tal adoção serviu como referência para validação da adaptação do método, que se iniciou

com um projeto-piloto, no primeiro mês de observação para coleta de dados.

Como na literatura sobre esses assuntos existe mais discussão conceitual de seus

princípios do que uma apresentação processual de sua análise, Leão (2007) propôs um

procedimento analítico próprio, que articula aspectos da teoria de Wittgenstein, da

sociolonguística interacional e da etnografia da comunicação.

A proposta de procedimento analítico elaborada por Leão (2007) sugere que o

significado advém de um processo de significação que tem base de inferência na relação de

três aspectos, a saber: de forma pragmática, os usos da linguagem, buscando entender a

função destes para analisar os atos de fala, que, no contexto desta pesquisa, diz respeito às

atividades marcárias, enquanto objetos discursivos na fala dos interactantes, de modo que se

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tornam, para além do significado que as marcas carregam, recursos para as interações, neste

caso, virtuais (LEÃO, 2007).

3.4.1 Componentes do procedimento analítico

3.4.1.1 Usos da linguagem

Para atender tal proposta, cabe elucidar que os usos da linguagem foram enquadrados

no guia elaborado por Leão e Mello (2007). Tais usos se referem aos aspectos interacionais e

não-verbais (paralinguísticos e extralingüísticos) adaptados desta proposta (LEÃO E MELLO,

2007), que se dedica a interações do tipo face a face, para o ambiente virtual, fator importante

na detecção de quais destes elementos poderiam ser identificados nas interações virtuais

analisadas, devido, conforme explicado anteriormente, a restrições de adaptação dos usos

destes aspectos das interações face a face para as interações virtuais, contexto desta pesquisa.

De acordo com os princípios inerentes à etnografia da comunicação, os autores adotaram

a observação participante e recorreram a um “bricoleur” do que se tinha de escrito sobre

princípios de validade confiabilidade, critérios de escolha da comunidade e do pesquisador,

juntamente com a filosofia da linguagem ordinária de Ludwig Wittgenstein para suprir a

carência de um único método que pudesse concatenar todos os aspectos que demandava a

pesquisa. Além disto, adotaram, ainda, de forma complementar à etnografia da comunicação,

a sociolingüística interacional (Gumperz, 2002), porque atendem o caráter funcional da

análise do discurso buscado nesta pesquisa, e aquela se concentra nos aspectos culturais

usados por uma comunidade numa interação verbal, enquanto esta se foca no que acontece

quando as pessoas interagem. (Leão e Mello, 2007).

Para escolha da comunidade a ser estudada, os autores seguiram o critério de

comunidades de fala, cuja identificação está atrelada ao compartilhamento no uso da

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linguagem. Além disto, outro critério observado seria que o pesquisador, para tanto, deveria

buscar a naturalização, segundo a etnografia tradicional, aprender, de alguma forma, as regras

que norteavam a comunidade.

A validade e confiabilidade, nesta pesquisa, seguiram os ditames da chamada

reflexividade, de Creswell (1998), onde o pesquisador, que compartilha das regras da

comunidade, usa este conhecimento tanto para discernir os dados que realmente importam à

pesquisa, dentre tantos, quanto para interpretá-los. (LEÃO E MELLO, 2007).

Assim, enquanto aqueles autores, ao elaborarem seu guia, observavam a linguagem de

forma funcional em interações face a face, com todos os aspectos daquela, identificavam e

protocolavam seus diversos usos nas situações por eles investigadas, tomando por referência

os signos, de modo a entender, por exemplo, expressões faciais que denunciavam emoções,

uma distância corporal que indicava um grau de intimidade entre as pessoas, ou a entoação de

uma elocução, que poderia ser de pedido, sugestão ou ordem. Para além destes, Leão e Mello

(2007) também consideraram os aspectos interacionais, dentre outros, como características de

linguagem, tais como a influência do lugar onde ocorre uma interação, que pode evocar uma

lembrança, intimidade ou expurgar determinado assunto.

Asp

ecto

s “

o v

erb

ais

Asp

ecto

s p

aral

ing

üís

tico

s

Acentuação

Trata-se da intensidade dada a certos trechos silábicos e não

necessariamente às sílabas tônicas próprias de cada palavra. Isto quer

dizer que não nos atemos se a acentuação está correta ou não, do ponto

de vista da norma culta.

Altura da

voz

A altura da voz refere-se à qualidade do som da fala relacionada à

freqüência de suas vibrações (aguda, média, grave). Em nossa análise se

caracteriza por ser mais baixa ou mais alta em cada circunstância.

Duração da

elocução

A duração da elocução refere-se ao tempo de articulação do som da fala

e varia, de forma inversamente proporcional, de acordo com a

velocidade de elocução. Toda elocução, evidentemente, tem uma

velocidade e, assim, uma duração, mas consideramos apenas situações

que contribuem na significação.

Entoação

A entoação refere-se, fundamentalmente, às formas afirmativa,

interrogativa e exclamativa. Evidentemente, todas as elocuções têm

entoações. Contudo, para efeito de nossa análise, consideramos aquelas

em que a força expressiva da entoação tenha contribuído na

significação.

Tabela 1 (3) – Guia para análise de interações face-a-face de Leão e Mello (2007)(cont.)

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A

spec

tos

“n

ão

ver

bais

Asp

ecto

s p

aral

ing

üís

tico

s Tom

Tom é uma inflexão da voz que se refere à maneira de se expressar.

Toda elocução é acompanha de tons de voz, evidentemente. Mais uma

vez em nossas investigações consideramos apenas os que contribuem

na significação.

Variações

ortoépicas

As variações ortoépicas se referem àquelas dialetais e fonéticas. O

primeiro tipo refere-se ao impacto que diferentes sotaques têm sobre a

pronúncia. A variação fonética, por sua vez, trata-se dos chamados

“barbarismos fonéticos”, ou seja, palavras soletradas erradamente. Em

ambos os casos, não nos atemos a um sotaque padrão nem à forma

correta, do ponto de vista da norma culta, de se soletrar as palavras.

Asp

ecto

s “n

ão v

erb

ais

Asp

ect

os

extr

ali

ngü

ísti

cos

Contato visual

O contato visual a que nos referimos se trata da comunicação que as

pessoas estabelecem entre si por meio do olhar, com o intuito de

expressar alguma coisa ao outro.

Expressão

facial

A noção de expressões faciais que assumimos se refere a variações no

movimento muscular da face que, voluntariamente ou não, expressem

um sentimento, comumente emotivo. Podem ser sorrisos – em suas

diversas variedades (desde um “ar de riso” até uma “gargalhada”) – ou

expressões com o rosto (tais como caretas, rubor da face etc.).

Gestos

O que chamamos de gestos aqui se refere àqueles cujo uso já é

consagrado numa dada cultura, como, por exemplo, o polegar erguido

com os demais dedos fechados para indicar um sinal positivo.

Movimento

da cabeça

Os movimentos da cabeça que nos referimos aqui são posições ou

movimentos horizontais ou verticais que as pessoas fazem com a

cabeça e que assuma um significado para seu interagente.

Movimento

dêitico

Os movimentos dêiticos são tipos de gestos específicos.

Diferentemente do que chamamos de gestos, estes são demonstrativos

de algo, como, por exemplo, apontar para algo com o dedo ou inclinar

a cabeça em direção de alguma coisa para evidenciá-la.

Postura

A postura corporal se refere à forma de se movimentar ou manter o

corpo numa dada posição, como forma de criar mais ou menos

interesse ou intimidade, dentre outros, em relação ao interagente.

Movimentos

corporais

Movimentos corporais são contatos físicos intrusivos – como

empurrar, agarrar, segurar etc. – como forma de impedir ou incentivar

uma ação do interagente.

Interações

corporais

As interações corporais se referem ao contato pessoal afetuoso – por

exemplo, um aperto de mão, um toque, um abraço, dentre outros – que

indica a proximidade afetiva entre os interagentes.

Distância

corporal

A distância corporal se refere ao espaço em que duas ou mais pessoas

estabelecem entre si, indicando o grau de intimidade/formalidade entre

os interagentes.

Tabela 1 (3) – Guia para análise de interações face-a-face de Leão e Mello (2007) (cont.)

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A

spec

tos

inte

raci

on

ais

Asp

ect

os

de

visã

o ê

mic

a

Alternância

de código

São passagens do uso de uma variedade lingüística para outra, em que

os participantes de uma interação, de alguma forma, percebam como

distintas. Nisto podemos incluir mudanças de sotaque, de escolhas

lexicais, de postura etc. Apesar de tais aspectos já terem sido

considerados em outras oportunidades, aqui aparecem como pontos de

articulação êmica, em que a alternância de um código para outro deve

ser entendido como uma demarcação de grupo cultural.

Cenário

Por cenário temos o espaço delimitado do ambiente físico definido

pelos participantes como socialmente distintos de outros aspectos, no

qual se desenrolam os eventos e as atividades de fala, bem como o

equipamento fixo de sinais ali presentes.

Conhecimento

de mundo

Conhecimento de mundo se refere a um conhecimento tácito, baseado

em crenças, hábitos e costumes compartilhados, teorias do senso

comum, experiências vividas, fatos e dados sociais, econômicos,

políticos e de outras naturezas, que os interagentes têm acerca dos mais

variados aspectos e, por esperarem, conscientemente ou não, que os

seus interlocutores também tenham, o dão por certo.

Contexto

Por contexto aqui assumimos qualquer conhecimento – de um fato ou

situação, uma informação, experiência etc. – alçado, direta ou

indiretamente, voluntariamente ou não, ao ambiente interacional.

Asp

ect

os

de d

efin

ição

do “

eu” Face

Por face devemos entender o valor social positivo que um interagente

almeja ter reconhecido pelo outro por meio do que este

presuma ser sua linha (conduta) durante uma interação. Pode se

mostrar como ameaça ou, por outro lado, salvação da face do

interagente ou de se próprio numa interação.

Footing

Refere-se a uma mudança no alinhamento que alguém assume para si e

para os outros. Em outras palavras, como, durante uma interação, as

pessoas mudam sua conduta de acordo com o desenrolar da mesma.

Tabela 1 (3) – Guia para análise de interações face-a-face de Leão e Mello (2007)

3.4.1.2 Funções da linguagem

Quanto às funções do uso da linguagem, trata-se do aspecto que tomamos emprestado

da proposta de Leão (2007), haja vista que nossa pesquisa se constitui com base na análise de

discurso do tipo funcional (GODOY, 2006; GILL, 2002), por acreditarmos que a linguagem

apresenta funções em relação aos signos (LEÃO, 2007). O procedimento analítico parte da

premissa de que os usos da linguagem têm uma finalidade e que se referem a atos de fala.

Assim, a linguagem não-verbal e os aspectos interacionais terão funções específicas na

linguagem respectiva a cada interação, como, por exemplo, uma expressão facial que

denuncia um sentimento, ou um contexto que determina o comportamento dos interactantes.

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A função dá sentido à linguagem em seus usos relacionados aos atos de fala

(atividades marcárias), de modo que, em interações face a face, é encontrada em aspectos

verbais (tom de voz, por exemplo) e não-verbais (distância corporal, por exemplo). A

diferença aqui verificada é a transposição destas funções, elencadas por Leão (2007), de

interações face a face para interações virtuais, uma vez que elas perpassam usos e atividades

também estudados neste ambiente; e, ainda, referir-se-ão a “algo” relativo à marca. (LEÃO,

2007).

Tais funções são abordadas no quadro a seguir, ora, de acordo com os tipos

encontrados em nosso corpus, dispostos em ordem alfabética, em seu sentido restrito de

significação per si, e, posteriormente, serão melhor explicadas quando das suas relações com

os outros aspectos em subseção posterior, que abordará as trincas de significação em si. Isto

porque, desta forma, evitamos fadiga na leitura e no entendimento da análise.

Função da linguagem Descrição

Caracterizar (algo relativo à marca)

Pode ocorrer por meio de definições para se

referir a algo da marca; em nossos dados tem

forte presença, aparecendo sob vários usos,

exceto em footing, interrogação, expressão facial,

conhecimento de mundo e comparação.

Chamar atenção (para algo relativo à marca)

Entende-se por algo relativo à marca que se

chama a atenção de alguém e por isto é trazido ao

centro da interação. Em nossas análises esta

função se apresenta em quase os usos,

excetuando-se, apenas, para afirmação e

interrogação.

Tabela 2 (3) –Funções da linguagem

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Corroborar (algo relativo à marca)

Ocorre quando alguém menciona algo relativo à

marca que é confirmado por outrem da interação.

Em nossas análises aparece também com a

função de reafirmar uma opinião da própria

pessoa que já fora emitida. Em termos de nossos

dados, esta função é menos expressiva, pois só

aparece nos usos de conhecimento de mundo,

duração da elocução e tom.

Deduzir (algo relativo à marca)

Acontece quando se deduz uma peculiaridade da

marca através de alguma pista que é inserida ou

percebida durante a interação. Nos dados desta

pesquisa, esta função é uma das menos

expressivas, por só se mostrar pelo uso “duração

da elocução”.

Demonstrar (algo relativo à marca)

Esta função se refere a, mais do que mostrar algo

evidente da marca, trazer à tona algo que

evidencie o que se menciona sobre a marca na

interação, e, para tanto, escreve-se (de)

mo(n)strar. Esta função se revelou, em nossa

pesquisa, apenas através do uso “duração da

elocução.

Desvelar (algo relativo à marca)

Ocorre quando algo que está oculto ou

subentendido é trazido à tona, durante a

interação, mas não necessariamente de modo

explícito. Em nossas análises esta função é pouco

diversificada, pois aparece apenas com o uso

“entoação”.

Enfatizar (algo relativo à marca)

Dá-se quando um dos interagentes enfatiza algum

aspecto da marca e traz isto ao centro da

interação. Esta é uma das funções com maior

representatividade em nossas análises, porque só

não é encontrada com o uso “comparação”, mas

o é em todos os outros tipos de usos.

Ironizar (algo relativo à marca)

Nestas funções, a ironia aparece sob a forma de

brincadeira, ou algo do tipo, de um interagente

com outro em relação a um aspecto da marca.

Nas nossas análises, esta função também aparece

sob a forma de ridicularizar o outro sobre algum

aspecto da marca.

Tabela 2 (3) –Funções da linguagem (Cont.)

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Preservar-se (de algo relativo à marca)

Esta função aparece como recurso de preservação

tanto de si, em relação a algo da marca, quando

do outro, em um interação, por isto se escreve

preservar(-se). Esta função se mostra, em nossos

dados, apenas sobre os usos “tom” e “variação

ortoépica.

Propiciar (algo em relação à marca)

Esta função propicia as condições para que uma

atividade marcária ocorra. Tal função só nos

aparece, em nossos dados, juntamente com o uso

“variação ortoépica”.

Provocar (algo em relação à marca)

Diferente da função “propiciar”, que estimular

algo da marca que está pronto pra emergir na

interação, esta função atua para trazer à tona algo

que não está na contramão da atividade marcária.

Aparece em nossas análises somente com o uso

“variação ortoépica”.

Solicitar (algo a respeito da marca)

Acontece quando a marca se fortalece, na

interação, pela solicitação de um interagente ao

outro de algum aspecto da marca. Nos nossos

dados, esta função tem a ver, apenas, com o uso

“variação ortoépica”.

Sugerir (algo em relação à marca)

Ocorre quando algo da interação sugere uma

marca, e em nossos dados, esta função se

relaciona com vários usos, exceto com

“afirmação”, “footing” e “interrogação”.

Tabela 2 (3) - Funções da linguagem (Continuação)

3.4.1.3 Atividades marcárias

Ora, em se tratando dos atos de fala, que se caracterizam, nesta pesquisa, como

atividades marcárias, salientamos, primeiramente, que tomamos o termo de Leão e Mello

(2007) e o concebemos de acordo com sua perspectiva, na qual um ato de fala corresponde a

uma ação, na medida em que a fala é um ponto fundamental numa interação social, ainda que

esta aconteça por meio da escrita, como no contexto da pesquisa neste trabalho. Por

conseguinte, as atividades marcárias são concebidas como ações dos consumidores em

relação à marca e demonstram como estes a concebem através do uso dela em seus atos de

fala, tomando-se aquela enquanto objeto discursivo por meio do uso de suas peculiaridades

como fonte de conteúdo às falas dos interactantes. Conseqüentemente, as atividades marcárias

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são ações sociais, e o seu conjunto fornece um meio para a compreensão social, segundo Leão

e Mello (2007), em incorrência à teoria social de Max Weber.

Na exposição sobre os significados das atividades marcárias desta pesquisa, além do

embasamento no guia de Leão (2007) e Leão e Mello (2009), incluímos a relação destas com

a dinâmica da face, de acordo com os sentidos que estas atividades revelaram no contexto em

que foram pesquisadas. Esta dinâmica, no contexto das marcas, acontece quando uma pessoa,

inserida numa interação, recorre a aspectos relacionados às marcas para elaborar sua face, e,

nesta elaboração, pode ameaçar a face do seu interlocutor, para validar e salvar a sua própria,

ou, simplesmente, salvar sua face desta mesma situação que poderá ser suscitada pelo seu

interlocutor. Devido ao seu caráter dinâmico, este movimento de face ficará mais claro

quando for explicado a partir dos exemplos que abordaremos em subseção à frente. Por ora,

faremos uso dele para explicar as atividades marcárias.

No quadro a seguir, explicamos as atividades marcárias encontradas nos dados desta

pesquisa. Sua disposição será feita em ordem alfabética, de modo a anular a possibilidade de

atribuir maior importância a umas em relação às outras. Ademais, o guia de Leão (2007) e

Leão e Mello (2009) aborda, também, a relação teórica das atividades, o que não fora

elaborado nesta pesquisa porque o foco desta pergunta e desta pesquisa reside da elaboração

da face.

Atividade

marcária Descrição

Adesão à outra

marca

Refere-se a um tipo de infidelidade à marca, ao contrário da fidelidade à marca

definida pela literatura de marketing. Esta atividade marcária aparece atrelada à

chacota, a um clima de descontração e brincadeira, na nossa pesquisa ela se

caracterizou pela possibilidade de experimentar ou adotar mais de uma marca,

ou a marca rival, àquela congregadora da comunidade, nas interações, podendo

aparecer, ora como aspecto de salvamento da face, ora como ameaça à face de

outrem.

Tabela 3 (3) - Atividades marcarias

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61

Aspectos da

marca

Refere-se aos atributos (concretos ou abstratos) e às conseqüências do uso

(funcionais ou psicológicas) de uma marca, seu produto ou serviço, porém vai

além dos benefícios defendidos pela literatura de marketing, e opta por coaduná-

los sob a denominação de aspectos, a fim de destacar suas funções simbólicas em

relação às marcas a que se referem. Em nossos dados, encontramos esta atividade

relacionada tanto ao salvamento quanto à ameaça à face.

Assunto relativo à

marca

Aparece nas interações como algo natural, que remete, por exemplo, ao início de

uma conversa ou embutido em outros assuntos da nossa vida cotidiana.Em nossas

análises, tal atividade aparece como a razão, de fato, que guia a resposta; ou seja,

as perguntas das enquetes já remetem, per si, a algum assunto relativo à marca, e

os membros respondem a tais enquetes através das opções de funções e de usos,

que descrevemos ao longo deste trabalho, e se mostrou como recurso, apenas, de

ameaça, em nossas relações, sob a dinâmica das faces.

Característica do

usuário da marca

Mais explicitamente do que nas outras atividades marcárias, as pessoas revelam

suas afinidades com as marcas que usam sob a incorrência nesta atividade, pois

caracterizam a si mesmos ou a terceiros, implícita ou explicitamente, a partir

destas marcas; revelando-se, em nossos dados, como um recurso de salvamento

da face, na dinâmica desta.

Comparação da

marca

Tem seu sentido na comparação entre marcas com outras marcas, produtos,

lugares e comportamento humanos, em interações, como recursos de

conceituação à marca, diferentemente das comparações de produtos que atendam

necessidades, como defende a literatura de marketing. Funciona como recurso

tanto à ameaça quanto ao salvamento da face, como revelado nos nossos dados.

Conhecimento da

marca

O conhecimento que uma pessoa tem a respeito de uma marca, seja este de

natureza objetiva (aspectos concretos) ou subjetiva (opinião). Ademais, em nossa

coleta, esta atividade se apresentou como forte recurso de ameaça à face de

outrem, ainda que, em alguns casos, tenha servido, também, como recurso de

salvamento.

Defesa da marca

Em nossos dados encontramos esta atividade como recurso de defesa da marca,

em interações, quando esta sofre algum tipo de desabono; portanto, serve como

recurso, principalmente, de salvamento da face, mas, também, como recurso de

ameaça à outra face, como constatamos em algumas situações.

Tabela 3 (3) - Atividades marcarias (cont.)

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Desabono à marca

Acontece quando um interagente desabona a marca de alguma forma;

apresentou-se, em nossos dados, como recurso tanto de ameaça quanto de

salvamento da face.

Desconfiança da

marca

Ocorre, mormente, em relação a marcas desconhecidas ou pouco conhecidas;

contudo, em nossos achados, além desta característica, apresentou-se em

relação a boatos negativos sobre a marca; demonstrou-se, ainda, como recurso,

apenas, de salvamento da face.

Desconhecimento

da marca

Apresenta-se tanto em situações de desconhecimento da marca por um

interagente, quanto do desconhecimento pelos outros de uma marca que ele

menciona. Em nossos dados verificamos que esta atividade se caracteriza,

também, pelo desconhecimento de aspectos da marca por algum interagente, e

que tal contexto favoreceu o recurso à ameaça à face, em nossos dados.

Diferença em

relação à marca

Dá-se pela constatação de diferenças entre marcas ou entre estas e outras

opções de consumo. Conforme nossos achados, esta esta atividade se mostrou

recurso de salvamento da face, também.

Dissimulação em

relação à marca

Trata-se de quando um interagente renega uma marca que usa ou já usou,

sentido que se confirma em nossos achados, sendo que aqui se acresce o que

esta atividade serve como recurso de salvamento da face, segundo nossos

dados.

Envolvimento com

a marca

Trata-se da relevância que um interagente atribui a uma marca e está

classificada nas atividades com base em afeto. Em nossos achados, esta

significação se confirma; serve, apenas, como recurso de salvamento, em

nossos achados.

Escolha da marca

Esta atividade se dá, antes da compra de um produto de certa marca, por uma

declaração ou demonstração da opção do interagente por esta marca. Em

nossos achados encontramos significação semelhante; acrescente-se, apenas,

que era uma atividade encontrada como ênfase na escolha da marca, sempre

que esta declaração era requisitada, e apresenta-se mais fortemente como

recurso de salvamento da face; somente em alguns poucos pontos apareceu

como recurso de ameaça à face.

Forma de uso da

marca

Esta ocorre quando um interagente menciona como usa certa marca ou

prescreve esta forma a outrem, ainda que ambas se dêem implicitamente. Tal

significado se propaga em nossos achados e serve como recurso de salvamento

da face, como também de ameaça.

Gafe em relação à

marca

Acontece quando um interagente comete um equívoco em relação à marca ou

emite algum comentário que afete a marca ou quem a usa. Esta é uma atividade

que demonstra, mais diretamente, o uso da dinâmica da face, pois exige o

salvamento da face quando é acessada por alguém, para sanar a gafe.

Tabela 3 (3) - Atividades marcarias (cont.)

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63

Inadequação do

usuário à marca

Quando um interagente sugere ou declara que outra pessoa é inadequada ao uso de

certa marca, por diversos fatores, ocorre esta atividade. Já nos nossos dados, ela

aparece como recurso, além disto, de ameaça à face, contra apenas uma ocorrência

de salvamento da face através dela.

Incoerência em

relação à marca

Ocorre quando um interagente se contradiz ao justificar sua opção pela marca, em

relação à outra. Em nossos dados ela aparece, ainda, quando um interagente declara

algo sobre uma marca, e se mostrou como recurso tanto de salvamento quanto de

ameaça à face.

Intimidade com

a marca

Caracteriza-se por intimidades com a marca obtidas através de reconhecimento pelo

uso dela, nostalgia através dela ou pela participação em grupo social relacionado a

ela. Estes aspectos se confirmam em nossos dados e a atividade serve tanto como

recurso de ameaça á face quanto de salvamento dela.

Juízo a respeito

da marca

Refere-se a juízos, positivos ou negativos, emitidos sobre uma marca. Em nossas

relações, ela aparece, ainda, como recurso de salvamento da face, principalmente

porque os juízos constantes dos dados são negativos.

Lealdade à

marca

Esta atividade não consta do guia de Leão e Mello (2009) ou Leão (2007), ela é

típica desta pesquisa e aparece quando um interagente, mesmo ao optar por outra

marca, justifica esta outra escolha por esta outra marca apresentar semelhanças com

sua marca preferida, argumento que serve como recurso de salvamento da face, mas

que também apareceu como recurso de ameaça à face de outrem.

Objeto da marca Quando os objetos de uma marca definem uma situação; significado que atende,

também, aos nossos dados, e mais, serve como recurso de salvamento da face.

Opinião sobre a

marca

Opinião que se revela por solicitação ou não de outrem, situação que se confirma

em nossos dados, porém, principalmente quando a opinião é solicitada,e, em geral,

representa salvamento da face; apresentando-se como recurso de ameaça apenas em

uma situação.

Rejeição à

marca

Acontece quando um interagente recusa uma marca que já usou, por quaisquer

motivos, definição que se confirma em nossos dados, acrescida do ponto em que se

mostra como recurso tanto de ameaça à face quanto de salvamento dela.

Sentimento pela

marca

Demonstrações de sentimento declarado e afetos, assim como encontramos em

nossos dados, e se caracteriza apenas como recurso de salvamento da face.

Uso do conceito

da marca

Ocorre quando as pessoas fazem uso dos conceitos elaborados pelas marcas, em

certas situações, ainda que nem sempre com o mesmo sentido sob os quais foram

elaborados. Esta definição se confirma em nossos achados, com o aditivo de atuar

como recurso de salvamento da face.

Valor da marca

Diz respeito a valores monetários, quer sejam altos ou baixos, e quer sejam estes

tidos como positivos ou negativos. Nossos achados também encontraram este

sentido para a atividade, e com recursos de ameaça e salvamento da face.

Tabela 3 (3) - Atividades marcárias (continuação)

3.4.1.4 Trincas de significação

Das relações entre os dados derivaram as trincas de significação7, nome que

concedemos ao resultado composto pelas situações encontradas no contexto de investigação,

7 As trincas de significação são o resultado da relação de inferência entre usos da linguagem, funções da

linguagem e atividades marcárias, derivados do procedimento analítico de Leão (2007), conforme seção 3.4.

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tendo como balizadores os três aspectos: os usos, as funções e as atividades marcárias,

analisados sob a dinâmica das faces. As trincas se apresentaram em 347 situações distintas, ou

seja, em que as relações entre os aspectos não se repetiam; tal se justifica, de acordo com

Wittgenstein (2005), pelo fato de a linguagem poder ser usada de formas muito diversas, e

esta diversidade se alinhar à comunidade ou à forma de vida onde seus usos são elaborados e

compartilhados, daí o resultado de um número tão expressivo de situações recolhidas dos

dados da pesquisa.

As trincas, como já fora antecipado, dizem respeito aos resultados das relações entre

os aspectos de classificação dos dados que compõem o corpus. Destes aspectos, os usos já

foram exaustivamente abordados na seção de construção do estudo-piloto. As atividades

marcárias e as funções da linguagem também já foram descritas; assim, resta-nos explanar,

pressupondo esta compreensão, de fato, as relações entre elas que resultaram nas trincas e

que, por sua vez, servirão de terreno para a compreensão da dinâmica de faces que deriva o

entendimento da construção das faces.

Desta forma, o aspecto “atividades marcárias”, enquanto um dos pontos-chave desta

análise, ganha destaque neste processo pelo fato da pesquisa ter seu foco, na grande área da

administração, na importância das marcas para a construção dos “eus” das pessoas, ou

consumidores. Assim, parte-se das atividades marcárias, cujos tipos foram extraídos e

adaptados do guia de Leão (2007) e Leão e Mello (2009) para a análise com os tipos de

funções da linguagem, já que nossa análise do discurso é de natureza funcional (GILL, 2002;

GODOY, 2006), e com os usos da linguagem adotados pelos interactantes na comunidade

virtual da marca escolhida, e, por fim, para serem submetidos à dinâmica da face.

Outro componente das trincas são as funções da linguagem, que se constitui um

importante fator nesta análise, por seu cunho funcional, baseado na análise do discurso

funcional.

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Findados os esclarecimentos a respeito dos significados e atuações das atividades

marcárias e das funções em nossa pesquisa, procedemos aos exemplos que ilustram as trincas

originadas destes aspectos, juntamente com as explicações de suas construções, na subseção a

seguir, cujo principal objetivo é tornar patente o que o pesquisador tinha em mente quando

das suas elaborações, obedecendo a um dos critérios da etnografia (“ver com os olhos do

outro”) e à descrição densa.

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4 Descrição dos resultados

As perguntas específicas, norteadoras desta pesquisa, encontram algumas prováveis

respostas nesta sessão. Porém, cabe destacar que, o conteúdo desta não se constitui resposta

direta e objetiva, como nos moldes das pesquisas positivistas; ao contrário, serve como pista

para a compreensão de tais questionamentos; inclusive, abrem espaço a que futuras pesquisas

possam se dedicar.

Desta forma, buscamos abordar cada questão na ordem em que foram inseridas neste

trabalho. Apenas a pergunta-guia será abordada no capítulo dedicado à conclusão da pesquisa.

4.1 Estudo-piloto para uma netnografia da comunicação

Sobre a primeira questão específica desta pesquisa, ora, exporemos os recursos a que

recorremos para transpor o primeiro desafio deste trabalho, no que tange ao acesso ao

discurso virtual.

Na busca por compreender a construção do eu através das marcas, deparamo-nos com

a necessidade de uma ferramenta que nos permitisse transpor um dos desafios desta proposta

em ambiente virtual ao decifrar o que se encontra entre o dito (escrito) e o não dito (também,

escrito) pelas pessoas em interações virtuais. Então, encontramos esta ferramenta no Guia

para Observação e Análise de Interações (LEÃO E MELLO, 2007), a partir do qual derivamos o

Guia para Observação e Análise de Interações Virtuais, cuja construção é descrita a seguir.

O site de relacionamentos Orkut concentra inúmeras comunidades em torno dos mais

variados assuntos, sendo este um dos principais fatores que nos levaram à seleção de uma de

suas comunidades, que serviu de lócus para o estudo-piloto, donde derivou o Guia para

Observação e Análise de Interações virtuais.

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67

A comunidade escolhida deveria (1) se constituir em torno da marca Coca-cola,

definida na seção “Limites e limitações”; (2) conter as áreas “fóruns” e “enquetes”, onde,

habitualmente, ocorrem discussões e opiniões sobre vários assuntos, e, dentre estes, alguns

relacionados à marca da comunidade e (3) dispor de tópicos, nestas áreas, sobre a marca.

Por conseguinte, a comunidade escolhida para este propósito inicial foi “Sou viciado

em Coca-cola”, que, dada a característica do Orkut de preservação e disponibilidade de todos

os tópicos postados nas comunidades desde a fundação desta, dispunha de uma quantidade de

tópicos postados durante um período de anos, pois a comunidade se fundara desde 2004 e

continua ativa; assim, o acesso a estes possibilitou o atendimento ao critério da saturação,

estabelecido como aspecto para determinar o fim da coleta de dados embasadora do estudo-

piloto. Desta forma, estabelecemos o período de coleta em um ano, concentrado entre Junho

de 2007 e Junho de 2008.

Durante a coleta de dados, buscamos uma maneira de organizar os dados em função da

sua futura análise, de modo que, como dito anteriormente, no Orkut, as comunidades se

constituem de, pelo menos, duas partes, fóruns e enquetes, onde as pessoas levantam

questões, aleatoriamente, sobre o tema da comunidade ou não, e outros membros postam suas

opiniões sobre tais. No caso da comunidade por nós escolhida, estabelecemos que nos

deteríamos, primeiramente, aos fóruns, na busca de “discussões” relacionadas à marca (Coca-

cola); no entanto, nesta área da comunidade não havia expressividade sobre tais

circunstâncias, apenas questões sobre outros temas, e os que tratavam da marca apresentavam

apenas uma ou duas opiniões de outros membros. Diante disto, passamos às enquetes, e nelas

encontramos farto material que servia ao nosso propósito. Aqui, os membros lançam questões

ou afirmações sobre assuntos relacionados à marca (são as enquetes propriamente ditas), que

serão respondidas ou comentadas por outros membros, gerando várias “telas” de discussão. A

partir disto, construímos nossa coleta de dados da seguinte forma: Separamos as enquetes de

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68

acordo com a data de sua postagem, salvando-as em pastas de arquivo virtuais com os título

das das enquetes, obedecendo ao período estabelecido (Junho de 2007 a Janeiro de 2008) e

classificando-as com a letra “E” e a data da sua postagem; dentro das pastas de cada enquete,

havia as telas salvas, às quais chamamos de “T”, e, finalmente, os comentários dos membros,

foco do nosso estudo, aos quais denominamos “C”. Desta forma, durante a análise dos dados,

cada parte da coleta era analisada sob a forma E1T2C3, por exemplo, em que os números

seguintes às letras correspondiam à numeração atribuída a cada enquete (E), tela (T) e

comentário (C) em foco.

Ora, findada a coleta dos dados, chegara a hora mais crítica e decisiva da construção

do estudo-piloto: adaptar o guia de Leão e Mello (2007) ao ambiente virtual. Para tanto,

iniciamos por buscar aspectos dos “usos” do guia original (LEÃO E MELLO, 2007) que

pudessem ser prontamente identificados no ambiente virtual, tais como “acentuação”, que no

guia original se refere a alterações na acentuação, em termos da sílaba tônica das palavras,

durante a fala, enquanto no nosso guia para o ambiente virtual, esta “acentuação” se transpõe

da pronúncia para a escrita, caracterizada por alterações no tamanho das palavras e

substituição dos acentos tônicos por letras, como o “h” que substitui o acento agudo na escrita

do verbo “ser”, na terceira pessoa do singular, no presente do indicativo (é = eh).

Em alguns casos, encontramos dificuldades, como já esperado, para compreender os

símbolos utilizados nas interações virtuais, cujos significados eram compartilhados pelos

membros da comunidade e por usuários habituais da internet. Então, para superar este

obstáculo, fortalecendo a validade da pesquisa, tais dados foram expostos a pessoas que

trabalham num centro de informática, cuja principal forma de comunicação interna é a CMC

(comunicação mediada por computador) com uso, também, da internet; estas pessoas

informaram os significados dos símbolos dos quais tínhamos dúvidas e suas interpretações

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foram confrontadas com os símbolos e os contextos em que se encontravam nas comunidades,

a fim de buscar compatibilidade de sentidos.

Durante a adaptação de um guia ao outro, percebemos que o guia original continha

aspectos específicos da interação face a face que dificilmente seriam identificados no

ambiente virtual, principalmente, porque dependiam de recursos extralingüísticos ou, ainda,

corporais. No entanto, constatamos que a adoção de um símbolo ou escrita pode se remeter a

tais recursos, basta que o seu significado seja compartilhado pelos outros membros da

comunidade através do seu uso. Foi assim que conseguimos identificar o uso do footing8 em

interações virtuais e dos “movimentos dêiticos”, classificados no guia original como

“aspectos de definição do „eu‟”, cuja possibilidade de identificação, inicialmente, não se podia

cogitar na linguagem de interações virtuais, por se tratarem, o primeiro de um conceito

abstrato, e o segundo, de um movimento corporal. Ainda assim, houve aspectos que, de fato,

não puderam ser identificados nos dois guias, mas isto não representa uma finitude da

correlação entre os aspectos de interação face a face e de interações virtuais; ao contrário,

podemos entender como uma possibilidade de continuidade e extensão deste estudo, uma vez

que os aspectos não identificados nesta pesquisa podem servir de ponto-de-partida para

pesquisas futuras.

Por fim, apresentamos a versão concluída do nosso guia, de modo comparativo com o

guia original:

8 Erving Goffman propôs o conceito de footing (GOFFMAN, 1980). Trata-se de situação na qual localizamos o

sentido não declarado da mensagem-ação, para designar o alinhamento que assumimos para nós mesmos e para

os outros presentes, expresso na maneira como conduzimos a produção ou a recepção de uma elocução. Quando,

numa conversa, a postura é alterada de formal para informal, e vice-versa; ou quando uma pessoa é incluída na

conversa, ou excluída; ou ainda, quando a conversa se dirige a outrem que nem participa da conversa, mas está

no mesmo ambiente, tem-se que este movimento dos enquadres caracteriza o footing.

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Asp

ecto

s para

lingu

ísticos

Guia-Leão e Melo (2007) Guia-Freitas e Leão (2009)

Acentuação

"Trata-se da intensidade dada a certos

trechos silábicos e não

necessariamente às sílabas tônicas

próprias de cada palavra. Isto quer

dizer que não nos atemos se a

acentuação está correta ou não, do

ponto de vista da norma culta."

Trata-se de alterações na escrita

das palavras com acentos tônicos,

de modo a reduzir a quantidade de

caracteres ou símbolos digitados

necessários à construção da

palavra, segundo a norma culta.

Altura da voz

"A altura da voz refere-se à qualidade

do som da fala relacionada à freqüência

de suas vibrações (aguda, média,

grave). Em nossa análise se caracteriza

por ser mais baixa ou mais alta em cada

circunstância."

A altura da voz na comunicação de

internet se caracteriza,

principalmente, pelo uso de todas

as letras da(s) palavra(s) em

maiúsculo.

Duração da elocução

"A duração da elocução refere-se ao

tempo de articulação do som da fala e

varia, de forma inversamente

proporcional, de acordo com a

velocidade de elocução. Toda elocução,

evidentemente, tem uma velocidade e,

assim, uma duração, mas consideramos

apenas situações que contribuem na

significação."

Refere-se à repetição de letras ou

uso de sinas de reticências no

sentido de alongar a pronúncia da

palavra ou expressão.

Entoação

"A entoação refere-se,

fundamentalmente, às formas

afirmativa, interrogativa e exclamativa.

Evidentemente, todas as elocuções têm

entoações. Contudo, para efeito de

nossa análise, consideramos aquelas

em que a força expressiva da entoação

tenha contribuído na significação."

Caracteriza-se pela utilização dos

sinais de exclamação,

interrogação, no sentido de

demonstrar surpresa, dúvida,

espanto e afins.

Tom

Tom é uma inflexão da voz que se

refere à maneira de se expressar. Toda

elocução é acompanha de tons de voz,

evidentemente. Mais uma vez em

nossas investigações consideramos

apenas os que contribuem na

significação."

Refere-se a expressões, que não

são faciais, ligadas ao tom de voz,

geralmente no sentido de suspirar,

opinar, gabar-se, etc.

Variações ortoépicas

"As variações ortoépicas se referem

àquelas dialetais e fonéticas. O

primeiro tipo refere-se ao impacto que

diferentes sotaques têm sobre a

pronúncia. A variação fonética, por sua

vez, trata-se dos chamados

“barbarismos fonéticos”, ou seja,

palavras soletradas erradamente.

Emambos os casos, não nos atemos a

um sotaque padrão nem à forma

correta, do ponto de vista da norma

culta, de se soletrar as palavras."

Este aspecto se refere a mudanças

na escrita das palavras e

expressões, com intuito de reduzí-

las, em termos de tamanho, e de

destacar sotaques.

Tabela 4 (4) - Guia para análise de interações virtuais

Page 71: Representação do “eu” em comunidades virtuais …imagens.devrybrasil.edu.br/wp-content/uploads/sites/88/...2 Grayci Kelli Alexandre de Freitas Representação do “eu” em

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Asp

ecto

s extra

ling

üístico

s

Expressão facial

"A noção de expressões faciais que

assumimos se refere a variações no

movimento muscular da face que,

voluntariamente ou não, expressem

um sentimento, comumente emotivo.

Podem ser sorrisos – em suas diversas

variedades (desde um “ar de riso” até

uma “gargalhada”) – ou expressões

com o rosto (tais como caretas, rubor

da face etc.)."

Trata-se de palavras e

símbolos escritos de modo a

demonstrar expressões facias,

tais como risos, gargalhadas e

outros, a partir de repetições de

letras ou outros usos de

símbolos de uma forma não-

habitual (:P), por exemplo.

Asp

ecto

s de d

efiniçã

o d

o "

eu"

Movimento dêitico

"Os movimentos dêiticos são tipos de

gestos específicos. Diferentemente do

que chamamos de gestos, estes são

demonstrativos de algo, como, por

exemplo, apontar para algo com o

dedo ou inclinar a cabeça em direção

de alguma coisa para evidenciá-la"

Referem-se a expressões

escritas usadas no sentido de

demonstrar gestos específicos,

que indiquem direção, por

exemplo.

Alternância de código

"São passagens do uso de uma

variedade lingüística para outra, em

que os participantes de uma interação,

de alguma forma, percebam como

distintas. Nisto podemos incluir

mudanças de sotaque, de escolhas

lexicais, de postura etc. Apesar de tais

aspectos já terem sido considerados

em outras oportunidades, aqui

aparecem como pontos de articulação

êmica, em que a alternância de um

código para outro deve ser entendido

como uma demarcação de grupo

cultural."

Ocorre quando a forma escrita

de alguma palavra ou o uso de

aspas nestas muda o seu

sentido habitual, incluindo a

substituição de palavras por

números,por exemplo, cujo

uso específico seja

compreendido por um grupo

cultural ou tribo.

Conhecimento de mundo

"Conhecimento de mundo se refere a

um conhecimento tácito, baseado em

crenças, hábitos e costumes

compartilhados, teorias do senso

comum, experiências vividas, fatos e

dados sociais, econômicos, políticos e

de outras naturezas, que os

interagentes têm acerca dos mais

variados aspectos e, por esperarem,

conscientemente ou não, que os seus

interlocutores também tenham, o dão

por certo."

Caracteriza-se pelo

conhecimento construído por

um grupo ou pelo senso

comum, demonstrado, aqui, a

partir do uso de palavras

escritas de forma distinta da

ditada pela norma culta, ou

alterando seu sentido habitual

para outro compartilhado por

um grupo, cultura ou senso

comum.

Footing

"Se refere a uma mudança no

alinhamento que alguém assume para

si e para os outros. Em outras

palavras, como, durante uma

interação, as pessoas mudam sua

conduta de acordo com o desenrolar

da mesma."

Ocorre pelo uso de símbolos

ou sinais, e.g. parênteses, que

demarquem mudança no

alinhamento dos interactantes.

Tabela 4 (4) - Guia para análise de interações virtuais (continuação)

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4.2 Processo de construção das faces em interações virtuais

mediadas por signos marcários.

A segunda pergunta específica que norteia esta pesquisa encontrou resultados a partir

do corpus construído com a coleta de dados na comunidade do Orkut escolhida, cujos dados

foram organizados de acordo com os seguintes aspectos: usos da linguagem; função da

linguagem; atividades marcárias. Aspectos tais, e sua ordem, foram estabelecidos desde a

construção do estudo-piloto, em consonância com a busca desta pesquisa.

Assim, passamos à coleta e análise dos dados propriamente dita do corpus que

compunha esta pesquisa, cujos resultados culminaram, também, numa possível resposta à

referida pergunta de pesquisa que intitula esta seção. E, nesta pergunta encontramos dois

aspectos que merecem destaque por serem os norteadores dela: a construção das faces e a

mediação pelos signos marcários, que serão detalhadamente abordados em subseção adiante.

Dispúnhamos dos dados derivados da coleta que estavam organizados sob os três

aspectos já mencionados (usos da linguagem, função da linguagem e atividades marcárias) e,

além destes, contava com os tipos de face, suscitados daquele contexto, e a dinâmica destas

faces, variável entre salvamento e ameaça. Por conseguinte, para compreensão do processo de

construção destas faces, foco de um dos pontos importantes desta pergunta, analisamos os

dados de modo que a dinâmica das faces (ameaça/salvamento)9 e as atividades marcárias

fossem o ponto-de-partida e de chegada, perpassando, ou usando, os outros aspectos, usos e

função.

9 Os significados dos termos “salvamento” e “ameaça” à face foram elucidados na seção 2.3.1, sobre “a

elaboração da face”, baseado na teoria de Erving Goffman (1980).

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Ao relacionarmos os dados de que dispúnhamos na coleta, tínhamos em mente que,

nesta relação, deveríamos buscar a compreensão do processo de elaboração da face com as

atividades marcárias (atos de fala) ali envolvidas. Para tanto, optamos, como um dos

instrumentos, pela análise do discurso funcional, buscando coerência com a nossa maneira de

compreender a linguagem; portanto, buscamos atentar para as funções que a linguagem

adotava ao longo dos discursos e quais usos da linguagem se demonstravam nisto, e um dos

caminhos que se vislumbrava para tal intento era buscar uma relação entre estes elementos,

tornando-se um desafio inicial, uma vez que relacionar dois aspectos é mais usual e fácil de

demonstrar, mas com mais de dois aspectos a se relacionar recorremos ao que optamos por

chamar de trincas, significando, exatamente, a relação entre os três aspectos mencionados,

sendo que organizados sob a égide da dinâmica da face (ameaça/salvamento), que era um dos

principais objetivos desta pesquisa.

A seguir, pinçamos uma parte da tabelas que construímos sobre as relações entre os

aspectos interacionais considerados nesta pesquisa, inclusive a dinâmica da face. Trata-se do

trecho das relações que analisa as respostas à enquete E1: “NO MERCADO Q VC COMPRA

COCA-CALA QUAL E O PREÇO DA COCA 2LITROS”:

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74

Localizador Referência Uso Função Atividade Face

(significado) Salvamento/ameaça

E1T2C5

no mercado

é tres reais,

mas no

Cinemark o

copo de um

litro custa

mais ou

menos 5

reais!

conhecimento

de mundo

(Cinemark)

chamar

atenção

valor da

marca abastada Salvamento

E1T2C7

7.00 e ainda

tqa barato

eu axo

alternância de

código (ainda

ta = ainda

está)

variação

ortoépica

(axo = acho)

conhecimento

de mundo

(barato)

enfatizar

defesa da

marca

valor da

marca

abastada Salvamento

E1T3C1

bah.... mas

é caro pra

lá em...

por aqui é

1,38 a

quente e

2,39 a

geladinha!!!

conhecimento

de mundo

(bah);

duração da

elocuação (...

Mas é caro

pra lá em...)

entoação

(geladinha

!!!)

Sugerir

Caracterizar

valor da

marca

intimidade

com a

marca

conhecedor Ameaça

Tabela 5 (5) – Relações entre aspectos interacionais – Corpus de pesquisa

Feitas as relações entre os aspectos mencionados, obtivemos um número de 347

trincas distintas, e, como elas foram elaboradas a partir da dinâmica da face, contamos, dentre

estas, 87 relações que tomaram como recurso a ameaça à face, conseqüentemente, o número

de trincas que recorreram ao salvamento da face somam 260. Tal quadro nos levar a observar

quão fragmentados são os usos da linguagem, pois, por diversas vezes, os mesmos recursos

lingüísticos são usados, mas, a função a que se destinam, juntamente com a respectiva

atividade marcária, servirá, ora, à ameaça, ora ao salvamento da face.

Antes de partirmos à explanação dos exemplos em si, cabe salientar que, devido à

quantidade de trincas resultantes das análises e a fim de evitar fadiga na leitura destas,

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optamos por expor todas as trincas em forma de diagrama, facilitando a compreensão do todo,

porém explicaremos apenas uma ou duas das situações detalhadamente, cujo entendimento

poderá se estender aos outros casos. Começaremos, sempre, as explanações pela dinâmica da

face, esclarecendo se tal atividade marcária, em tal situação se apresenta como salvamento ou

ameaça à face e o porquê, ou como chegamos a tal constatação.

Doravante iniciaremos as explanações das trincas, que tomarão como ponto de partida

as atividades marcárias, em detalhes.

Elaborando a face a partir da adesão à outra marca:

No esquema abaixo, podemos visualizar todas as trincas possíveis, nos nossos dados,

para a atividade marcária “adesão à outra marca”, juntamente com qual(is) aspecto(s) da

dinâmica de face ela se relaciona. Estas relações serão melhor exemplificadas a seguir,

partindo-se dos casos que se encontram destacados, no esquema.

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Quadro 1 (4) - Elaborando a face a partir da adesão à outra marca

O uso da “duração da elocução”, com a adaptação feita do guia de Leão e Melo (2007)

pelo estudo-piloto desta mesma pesquisa, diz respeito à repetição de letras de uma palavra ou

uso de reticências com intuito de alongar a palavra.

Por conseguinte, a relação entre estes três aspectos resulta na trinca „adesão à outra

marca caracterizada pela duração da elocução”, por ser evidente que o uso desta, nas situações

específicas, caracteriza adesão à marca, como no exemplo a seguir, no qual a enquete

pergunta o que a pessoa faria se a coca-cola não mais existisse, ao que um membro da

comunidade responde:“tomava pepsi......... é a mema coisa....” (E35T1C6). Neste exemplo,

percebemos que as reticências (uso: duração da elocução, nesta situação) se caracterizam

(função) por denunciar a adesão à outra marca, com aspectos de salvamento da face do

membro. Se analisarmos a resposta em partes, temos que, o trecho “tomava pepsi...” pode ser

compreendido como a parte da frase que responde diretamente a enquete, ou seja, se o

respondente resumisse sua opinião a isto, sem o uso de reticências e do restante do trecho, não

teríamos elementos suficientes para identificar aspectos não-verbais, tampouco qual a

dinâmica de face que ele adotara. Entretanto, o respondente não se detém apenas a responder

a enquete, indo mais além e demonstrando preocupação em justificar sua opção de marca

oponente à marca da comunidade, ainda que a opção pela marca da comunidade tenha sido

excluída das opções, coerente com a pergunta da enquete.

Assim, a resposta se caracteriza pela adesão à outra marca quando menciona, de modo

patente, qual a sua outra opção de marca (Pepsi), e esta caracterização é viabilizada pelo uso

das reticências em meio à resposta, pois ilustra um intervalo entre a resposta e o restante da

frase, que serve como recurso de salvamento da face do respondente, de modo que justifica

sua opção pela outra marca – ainda que não haja, como já dito, a opção da marca da

comunidade – ao declarar que “... é a mesma coisa”, como numa tentativa de continuar sendo

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leal à marca da comunidade, ainda que optando por outra. E este salvamento da face aparece

como uma resposta antecipada a qualquer crítica que venha a surgir sobre sua adesão à outra

marca, já que ele afirma que “... é a mesma coisa”, fazendo entender que mesmo em outra

opção de refrigerante, que não a sua preferida, buscaria, ainda, uma outra opção que parecesse

o mais próxima possível daquela.

Na outra, trinca que destacamos para ilustrar como exemplo elucidativo, temos uma

resposta à enquete que pergunta “quantos % vc adora a coca-cola?”, donde destacamos a

seguinte resposta:“Banlaciado entre Kuat e Coca-Cola” (E89T1C3). É bem perceptível a

adesão da pessoa à outra marca distinta da coca-cola (Kuat), mas a palavra “balanciado”

(escrita da mesma forma que fora coletada) tem função de sugerir um tom de flexibilidade a

sua resposta, o que já caracteriza uma tentativa de salvamento da face deste respondente. Ou

seja, o respondente não prefere apenas a coca-cola, como normalmente se vê nesta

comunidade, mas a ter que responder diretamente que não há preferência exclusiva pela

marca da comunidade e ficar suscetível às críticas dos outros membros, declarou sua opinião

iniciando-a com uma palavra – “balanciado” com um sentido de dividido - que sugere

flexibilidade a sua resposta e salva sua face; caso alguém venha a questioná-lo ou a criticá-lo,

poderá retrucar com o argumento de que não opta por uma em detrimento da outra, mas que

gosta, igualmente, das duas, por exemplo. Outro ponto que justifica sua declaração pelas duas

opções é que a marca Kuat também pertence à coca-cola, que também funcionaria como

salvamento da sua face.

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Elaborando a face a partir de aspecto da marca:

Em relação à atividade marcária “aspecto da marca”, obtivemos as seguintes trincas:

Quadro 2 (4) - Elaborando a face a partir do aspecto da marca

De antemão, deste esquema das trincas relacionadas à atividade “aspecto da marca”,

podemos notar que esta atividade se relaciona com as duas possibilidades de dinâmica da

face. Estes e outros aspectos desta relação podem ser melhor compreendidos no exemplo do

esquema, cuja ilustração advém de uma das respostas à enquete que pergunta o que a pessoa

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sente quando toma coca-cola:“A Coca-cola e o pior refrigerante que tem pq vc toma e tem um

gostinho d quero +++++++++++++++++++++++++++flw!!!!!!!!”(E76T1C1). A

ironia a um aspecto da marca é notável nesta resposta, pois o membro ironiza quando afirma

que “a coca-cola e o pior refrigerante...”, que seria uma observação negativa sobre a marca,

mas, logo em seguida, justifica esta opinião negativa sobre a marca com outra que traz um

aspecto positivo da mesma, qual seja “... tem um gostinho d quero +++++...”. Dado que esta

longa repetição do sinal “+”, em substituição à palavra “mais”, pode ser entendida como uma

opinião positiva da marca, por sua vez, o tom dado às palavras “gostinho” e “pior” é o que se

relaciona diretamente com a ironia, sempre sob o aspecto da marca, porque elas (as palavras)

se mostram antagônicas, mas as suas funções são de, exatamente, conceder o tom de ironia à

resposta, como se, primeiro, a resposta ameaçasse a face de quem opta pela coca-cola, e, por

sua vez, salvasse a face de quem não a adota; depois, na mesma frase, o respondente emite

uma opinião extremamente positiva do aspecto gosto ou sabor do produto da marca e salva

sua face das críticas que poderiam surgir devido à primeira parte da sua resposta e salva a

face, também, de quem prefere a coca-cola, porque, agora, ela é a pior devido ao seu

excelente gosto, assim podemos compreender.

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Elaborando a face a partir de assunto relativo à marca:

Observemos, a seguir, as trincas resultantes das relações que se desenharam sob esta

atividade marcária:

Quadro 3 (4) - Elaborando a face a partir do assunto relativo à marca

Do corpo de dados desta pesquisa, para a referida atividade marcária, encontramos

apenas uma função (ironizar) atuando na formação das trincas, e, mais, neste contexto, esta

atividade serviu somente ao recurso de ameaça à face, perante a dinâmica da face.

Conforme destacado no esquema acima, ilustraremos a formação desta trinca, a fim de

oferecer uma maior compreensão desta dinâmica. Para tanto, observemos o exemplo da

enquete que questiona se coca-cola engorda, que obtém numa das respostas: “ai a cola naum

engorda keim engorda eh keim bebe..kkk maix msmo assim eu bebO.” (E6T1C2). Podemos

identificar a função “ironizar” no seguinte trecho da resposta “ai a cola naum engorda keim

engorda eh keim bebe..kkk...”, cuja correção à pergunta, que questiona se coca-cola engorda,

ameaça a face de quem a elaborou, mas o que destaca, ainda mais, a ironia na resposta é o uso

da expressão facial “kkkk”, concebido como risada, segundo protocolo resultante do estudo-

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piloto, pois enfatiza a ironia e aumenta a ameaça à face de quem elaborou a enquete, como

alguém que não tem conhecimento para fazer o que se propôs, ou seja, elaborar uma pergunta.

Ademais, a ironia se torna ainda maior porque a enquete trata de um assunto relativo à marca

bastante melindroso, que, por sua vez, ameaça a face de quem consome seu produto, pois

pressupõe que quem consome coca-cola pode ser gordo, ou engordar, aspecto rechaçado na

nossa sociedade atual, e, provavelmente, o motivador da grande ironia desta trinca, guiada

pela ameaça à face de quem elaborou a enquete.

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Elaborando a face a partir da característica do usuário da marca:

Sobre as trincas resultantes das relações dos dados desta pesquisa, temos uma presença

maior de outros tipos de funções, diferentemente da atividade anterior, que as apresentou em

número bastante reduzido.

Segue quadro demonstrativo das relações envolvendo esta atividade marcária:

Quadro 4 (4) – Elaborando a face a partir da característica do usuário da marca

A referida atividade marcária somente serviu às duas possibilidades da dinâmica da

face, nas trincas acima, cujas ilustrações retiraremos de dois exemplos, sendo que o primeiro

se remete a uma enquete que questiona sobre os ingredientes da coca-cola, e se neles se

incluem substâncias cancerígenas e algum tipo de droga, e numa das respostas, temos:

“Acredito que vicie mesmo, pois não consigo viver sem tomar coca- cola, mas tô nem ai, se

matasse ja estaria morta ha muito tempo, pois tomo mais de 2 litros por dia ( sozinha )”

(E17T3C3). Nesta resposta temos a função “enfatizar” encontrada na palavra “sozinha”, cuja

função, aqui, é reforçar, ainda mais, a opção da respondente pela coca-cola, a despeito de

todos os malefícios sugeridos pela enquete, figurando-se, desde então, uma tentativa de

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salvamento de sua face, pois, à medida que demonstra sua indiferença a tais malefícios porta-

se como destemida ou leal à marca, compreendidos como características do usuário da marca,

a atividade marcária que o exemplo visa a ilustrar.. Por sua vez, o uso “footing” reside na

mesma palavra, “(sozinha)”, já que seu uso aparece como algo que fora dito “por fora” de

tudo que a respondente quis mencionar, como se, depois da sua resposta, ela finalizasse, num

cochicho, ou no intuito de destacar a circunstância em que realiza tudo que respondeu (“...

pois tomo 2 litros por dia...).

Na outra trinca, a resposta atende à enquete que pergunta se a pessoa acha que coca-

zero tem o mesmo gosto da coca-“normal”: “é ruim d+ eu heim!! coca 0 é coisa d

gordinho(a)” (E119T1C7). Temos a função “sugerir” aparente no tom de toda a resposta, pois

caracteriza o usuário da marca e a própria marca, “coca-zero”, como “gordinho” ou “coisa de

gordinho”, constituindo-se ameaça à face de quem opta por esta marca, visto que ser

“gordinho” significa um defeito, segundo o tom usado pelo respondente, principalmente,

como se vê com a expressão “hein”, carregada de sentido de exclusão daquela possibilidade,

ou seja, o respondente se exclui, com “... eu hein!” da possibilidade de ser reconhecido como

“gordinho”.

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Elaborando a face a partir da comparação de marca:

Sob esta atividade marcária encontramos exemplos de quase todas as funções e tipos

de usos da linguagem, contudo, por motivos já expostos, anteriormente, optamos por abordar

as relações destas trincas a partir de dois exemplos, que possam mostrar toda a riqueza de suas

constituições.

Antecipamos que tal atividade carrega recursos tanto de salvamento quanto de ameaça

à face, portanto, nos exemplos abordados a seguir, optaremos por um tipo de cada recurso da

dinâmica de face.

No mais, vejamos a ilustração de todas as trincas possibilitadas, nesta pesquisa, pela

referida atividade marcária.

Quadro 5 (4) – Elaborando a face a partir da comparação da marca

Co

mp

ara

ção d

a m

arc

a

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Am

eaça

/ S

alv

am

ento

Caracterizar

Chamar atenção

Corroborar

Deduzir

Enfatizar

Preservar-se

Provocar

Sugerir

Duração da elocução

Variação ortoépica

Conhecimento de mundo

Acentuação

Expressão facial

Tom

Entoação

Alternância de código

Comparação

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Conforme anunciado antes da exposição do esquema das trincas, esta atividade

marcária produz um número enorme de trincas, mas, ora, trabalharemos em cima de dois

exemplos ilustrativos, sendo que um deles se refere à resposta a uma enquete que indaga qual

é a melhor das opções, sobre várias alternativas de bebidas de outras marcas, citando a coca-

cola: “coca eh bom mas guarana aquarius e h2° sao melhores” (E29T1C4). Aqui, podemos

compreender a comparação entre as marcas pelas palavras seguintes aos nomes das

respectivas marcas: “... bom...” e “... melhores”, cuja colocação da coca-cola é menor em

relação às marcas de outros de seus produtos e do concorrente (guaraná e h2O), onde também

identificamos o uso “conhecimento de mundo”, pois o respondente menciona as marcas

pressupondo que todos as conheçam (“aquarius” e “h2O”) e a ênfase da resposta reside,

também, na menção destas mesmas marcas, além da classificação de “melhores” em relação à

coca-cola, e, desta forma ameaça a face de quem opte por esta última, já que quem opta pelas

outras duas marcas pode considerar, segundo esta opinião, que está consumindo “as

melhores”, característica que, por seu turno, pode ser estendida a quem consome as

respectivas marcas.

Já em outro exemplo, temos uma resposta à enquete que levanta a opinião dos

membros da comunidade a respeito da coca-zero: “é uma merda !!é mt amarga!!!troço

ruin!!!so mt mais a original1!recuse imitaçoes!!!” (E39T2C2). Nesta resposta, o membro da

comunidade, realmente, provoca a quem possa se ofender com sua opinião a respeito da outra

marca (coca-zero) e a provocação reside no tom das palavras mais marcantes da resposta

(“merda”, “amarga”, “troço”, “ruin”), que, por sua vez, caracterizam ameaças às faces de

quem optar pela coca-zero, e, por continuidade, seriam pessoas que consomem imitações, pois

o respondente aconselha, após a classificação negativa da marca, que “... recuse imitações!”,

sugerindo que a coca-zero seja uma imitação, ainda que seja do mesmo fabricante da coca-

cola. Saliente-se, ainda, que o respondente estende a característica positiva que ele mesmo

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atribui à coca-cola a si mesmo em “so mt mais a original...”, como se ele se afirmasse,

também, “original”, suscetível de imitações, um ícone, complementando a provocação em

relação à comparação de marca.

Elaborando a face a partir do conhecimento da marca:

Nas trincas originadas desta atividade marcária encontraremos recursos tanto de

ameaça à face quanto de salvamento, e abarcará quase todos os tipos de função que

enumeramos no quadro na introdução desta subseção, bem como quase todos os prováveis

tipos de usos da linguagem.

Quadro 6 (4) – Elaborando a face a partir da conhecimento da marca

Duração da elocução

Variação ortoépica

Conhecimento de

mundo

Acentuação

Expressão facial

Tom

Entoação

Interrogação

Comparação

Footing

Con

hec

imen

to d

a

marc

a

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Am

eaça

/ S

alv

am

ento

Caracterizar

Chamar atenção

Enfatizar

Ironizar

Sugerir

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Dentre todas as trincas geradas pela referida atividade marcária, optamos por

exemplificá-las através de uma, obedecendo ao critério de sempre escolher uma função ou um

uso que ainda não tenham sido abordados, neste caso, será a entoação, um uso ainda não

abordado.

Tomemos como exemplo uma resposta à enquete que questiona se coca-cola faz mal

ou não: “na verdade não tem mais na composição da coca-cola cocaína.Os cientistas

trocaram por cafeína.SABIA que John Pemberton em 1836 criou a coca e era um remédio

pra tosse.... ESTÃO FALANDO COM O CARA MAIS INTENDIDO DE COCA,EU!!!! VLW”

(E10T1C7). A demonstração de conhecimento da marca é visível em toda a resposta, pois o

respondente faz questão de exibir o máximo de informação possível sobre a marca, no intuito

de chamar atenção para si através do conhecimento da marca que ele propaga dominar, quais

sejam: mudanças na composição, nome do criador, inclusive com menção ao ano da

descoberta, e sua função original (remédio); e, por fim, escreve, em letras maiúsculas, que

“ESTÃO FALANDO COM O CARA MAIS INTENDIDO DE COCA, EU!”; onde também

encontramos a entoação destacada no “EU”, já que é ele mesmo que está posto em evidência

na resposta deste membro. Ademais, toda a resposta soa como recurso de salvamento à face

do respondente, pois que ele justifica todo o seu conhecimento da marca no fato de ser “... O

CARA MAIS INTENDIDO DE COCA ...”, provavelmente, no intento de se preservar de

possíveis questionamentos sobre as fontes de suas afirmações.

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Elaborando a face a partir da defesa à marca:

Quadro 7 (4) – Elaborando a face a partir da defesa à marca

Esta atividade apresenta recursos tanto de salvamento quanto de ameaça à face, a

despeito de seu nome (defesa à marca) e, como demonstração, abordaremos um exemplo de

cada possibilidade desta dinâmica.

Primeiramente, tomemos, por exemplo, a situação que responde à enquete sobre se

coca-cola faz mal ou não: “ahsuahusa eu tomo tdos os dias...na escola d manhã... no

almoço... no lanchinho da tard e nunk fez mal...” (E10TC4). Neste exemplo encontramos a

função deduzir, representada nas palavras “tdos” e “nunk”, também, representantes do uso

“variação ortoépica”, pela forma escrita que assumem, que, inseridos na resposta,

caracterizam uma defesa á marca e um salvamento à face do respondente, pois, ao mesmo

tempo que defende a marca de boatos, salva a face do respondente sobre quaisquer críticas

Duração da

elocução

Variação

ortoépica

Conhecimen

to de mundo

Acentuação

Expressão

facial

Tom

Entoação

Alternância

de código

Def

esa

à m

arc

a

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Am

eaça

/ S

alv

am

ento

Ironizar

Deduzir

Caracterizar

Propiciar

Corroborar

Enfatizar

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que venha a sofrer em relação ao seu consumo da marca, como se ele mesmo fosse um

exemplo de consumidor desta marca.

No segundo exemplo, temos uma resposta à enquete se coca-cola mata: “sim... meu

amigo foi comprar uma coca no mercado e morreu atropelado kkkkkkkkkkkkk zuera”

(E19T2C3). E, neste caso, temos a função “ironizar”, marcada no tom de toda a resposta, pois

se configura uma brincadeira em relação à enquete, e esta ironia se mostra, fortemente, no

“sim‟, antes do desenrolar da resposta, pois este “sim” chamaria a atenção de outros membros

para a sua resposta, por se caracterizar uma provável fatalidade, envolvendo a marca da

comunidade; contudo, o respondente, em seguida, na mesma resposta, termina o argumento

desta, caracterizando-a uma ironia à enquete; ao mesmo tempo, ameaça a face do emissor da

enquete e recorre a uma forma debochada para defender a marca, tornando a enquete mais

absurda possível, como se dissesse que uma coisa deste tipo, contra a marca, só pode ser de

brincadeira.

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Elaborando a face a partir do desabono à marca:

Quadro 8 (4) – Elaborando a face a partir do desabono à marca

Mais uma vez, por se tratar de uma atividade que serve como recurso à dinâmica da

face em seus dois aspectos, ilustraremos a explicação com dois exemplos distintos, cada um

focalizando uma das dinâmicas, como forma de elucidar ainda mais a compreensão das

trincas.

Portanto, iniciemos com um exemplo que se pode considerar um recurso de ameaça à

face, ilustrado na resposta à enquete que pergunta qual é o melhor refrigerante: “GENTY A

ZERO É HURRIVEL....PARECE IMITAÇÃUM DO PARAGUAY...OPA EU JA TOMEI UMA

DO PARAGUAY ELA É MELHOR” (E51T1C7). Donde podemos entender por “variação

ortoépica” as palavras “genty”, “hurrível” e “imitaçãum”, que, por seu turno, chamam a

Duração da

elocução

Variação

ortoépica

Conhecimento

de mundo

Acentuação

Expressão facial

Tom

Entoação

Alternância de

código

Footing

Des

ab

on

o à

ma

rca

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Am

eaça

/ S

alv

am

ento

Caracterizar

Chamar atenção

Enfatizar

Ironizar

Provocar

Sugerir

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atenção para um desabono à coca-zero, tratando-se de uma ameaça à face de quem opta por

esta marca, já que a respondente a considera “hurrível” e ainda supõe sua origem sendo do

Paraguay, soando um modo pejorativo à origem, que depois se parece melhor do que a própria

coca-zero, pois este trecho pressupõe que esta se constitui uma imitação muito ruim da coca-

cola, sendo que todo este contexto se perfaz um desabono à marca, coca-zero.

Em outro exemplo, agora focando o salvamento à face, encontramos uma resposta à

enquete que pergunta se coca-cola é igual à coca-zero: “aiaiai..da noju vey..sai azar..”

(E9T2C6). “aiaiai”, “vey” (velho) e “sai azar” se configuram exemplos de tom que visam a

enfatizar o desabono à marca coca-zero, constituindo-se ameaça à face de quem por ela opta,

chegando a declarar, este respondente, “noju” (nojo) da tal marca que seu consumo gera

alguma espécie de má sorte (“sai azar”). Por fim, o “aiaiai” tem o tom de advertência,

provavelmente à suposição contida na enquete, que põe em comparação a coca-cola e a coca-

zero, que se constitui uma ofensa à coca-cola para a maioria dos membros da comunidade.

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Elaborando a face a partir da desconfiança da marca:

Encontramos poucos casos de trincas resultantes desta atividade marcária, e estes

poucos só se apresentaram como recurso de salvamento da face.

A seguir, o esquema das trincas desta atividade marcária:

Quadro 9 (4) – Elaborando a face a partir da desconfiança da marca

Como esta atividade só apresentou duas situações de trinca resolvemos que

explanaríamos os dois exemplos na íntegra, para enriquecer a compreensão.

Num dos exemplos, temos uma resposta à enquete que levanta sobre a provável

composição da coca-cola, mas já sugere a participação de algumas drogas ou substâncias

cancerígenas: “Talvez seja verdade a parte q fala "q a coca-cola da cancer no sangue e

leucemia E tambem falaram que tem cocaina" Mas eu bebo e nao sou viciado” (E17T3C8). O

respondente admite a possibilidade de todos os malefícios supostamente causados pelo

consumo da coca-cola, quando ele menciona “talvez...”, num tom de concordância com a

desconfiança da marca; porém, imediatamente, o mesmo respondente afirma que toma coca-

cola e não é viciado, numa tentativa de salvar a própria face e a de quem consome a coca-

Tom

Des

con

fian

ça d

a

marc

a

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Salv

am

ento

Preservar-se

Sugerir

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cola, negando a afirmativa de malefícios da marca: “... mas eu bebo e não sou viciado”; o

trecho carrega o salvamento da face do respondente e a conseqüente preservação da marca,

como alguém que deseja demonstrar sua opção pela marca, sem, contudo, ter sua face

ameaçada por boatos que desmereçam esta marca, daí a negativa do resposta deste membro,

como exemplo de quem consome a marca e não sente tais malefícios.

No exemplo da outra trinca temos a resposta à seguinte enquete. “coca-cola é igual à

coca-zero?”: “e a mesma coisa mas so o nome qui muda” (E9T1C7). Neste exemplo,

observamos que o tom da resposta sugere desconfiança da marca, principalmente, pelo fato

dela afirmar que é a mesma coisa, as duas marcas, como se a distinção que se propaga das

duas marcas não existisse, fosse apenas uma jogada pra enganar os consumidores, exceto ele,

que salva sua face ao afirmar que “e a mesma coisa...” e que “... so o nome qui muda”, como

se fosse um grande conhecedor dos auspícios das duas marcas,ou mantivesse alguma

informação privilegiada a respeito das duas marcas.

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Elaborando a face a partir do desconhecimento da marca:

Trata-se de outra atividade marcária cujo número de trincas geradas aponta para a

explanação de, pelo menos, dois casos, e, em todos eles, esta atividade serviu, apenas, como

recurso de ameaça à face.

Vejamos as possibilidades de trincas e, posteriormente, passaremos à explanação

detalhada de duas delas, no intuito de enriquecer a compreensão das mesmas.

Quadro 10 (4) – Elaborando a face a partir do desconhecimento da marca

Os exemplos explanados a abaixo advém da mesma enquete, que levanta o preço da

coca-cola nas cidades, respectivas, de cada respondente, das quais observamos, primeiro:

“Epâ, sou da bahia e compro por 3,50” (E1T1C4). Aqui, o tom resultante do “êpa” chama a

atenção para uma ameaça à face de um respondente anterior a este, que informou ter a coca-

cola um preço maior do que “3,50” (r$), caracterizando-se, pela correção feita por este

respondente, um desconhecimento da marca por parte do outro, o que só corrobora a ameaça a

sua face, como alguém que responde a enquete sem o devido conhecimento da marca.

Tom

Variação

ortoépica

Conhecimento

de mundo

Des

con

hec

imen

to

da m

arc

a

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Am

eaça

Chamar

atenção

Sugerir

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95

Já em outro exemplo, ainda referente à mesma enquete, temos o seguinte: “quem foi

que disse que em minas a coca e 4,00 reais e um burro eu ja combrei lá por 2,50 a dois e 2,30

gelada” (E1T1C1). Neste exemplo, o respondente é ainda mais enfático na ameaça à face do

outro, pois jê sugere que o respondente anterior a ele desconhece a marca, por fazer uma

afirmação tão equivocada, aos olhos deste respondente, e o classifica como “burro”, num uso

pejorativo da palavra, característico de um conhecimento de mundo, que exige

compartilhamento do seu significado para que a fala alcance o efeito desejado perante os

outros.

Elaborando a face a partir diferença em relação à marca:

Quadro 11 (4) – Elaborando a face a partir da diferença em relação à marca

Uma vez que esta atividade marcária gerou, apenas, duas trincas distintas,

abordaremos ambas para maior enriquecimento da compreensão dessas relações e da

dinâmica da face, que, nestes casos, só se mostrou como recurso ao salvamento da face.

Portanto, temos um exemplo para ambas as trincas numa resposta à enquete que

pergunta se coca-cola é igual à coca-zero: “A coca zero até q é boa!! Mais não se compara a

Dif

eren

ça e

m

rela

ção à

marc

a

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Salv

am

ento

Entoação

Variação

ortoépica

Caracteriza

r

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96

normal!!”(E9T1C10). Onde se vê “!!” está a conteúdo que se caracteriza como entoação (uso)

e em “q” está a variação ortoépica, que destacam a diferença em relação às marcas, onde uma

é definida como “... até q e boa!!” e a outra como “... mais não se compara a normal!!”, daí,

pode-se concluir que não se trata de comparação de marcas, como a respondente, mesma,

esclarece, já que a coca-zero “... até q é boa!!”, mas “... a normal” é muito mais do que isso.

Conclui-se, ainda, que há uso do salvamento da face destacado, principalmente, pelo trecho

“... até q é boa!!”, numa tentativa de flexibilizar sua opinião e livrar sua face de possíveis

críticas dos que não aceitam outra marca que não seja a coca-cola, e, concomitantemente,

mostrar-se alguém que não se fecha a uma única opção.

Elaborando a face a partir da dissimulação em relação à marca:

Quadro 12 (4) – Elaborando a face a partir da dissimulação em relação à marca

Alternância de

código

Variação ortoépica

Conhecimento de

mundo

Tom

Dis

sim

ula

ção e

m

rela

ção à

marc

a

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Sa

lvam

ento

Caracterizar

Desvelar

Sugerir

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97

A atividade “dissimulação em relação à marca” se apresentou, segundo nossos dados,

apenas como recurso de salvamento à face, e, como suas trincas contêm usos e funções que já

foram abordadas, anteriormente, optamos por expor a relação que se estabelece entre os

aspectos das trincas em apenas um exemplo, que carrega um uso ainda não abordado,

alternância de código.

Dessa maneira, analisemos uma resposta à enquete que pergunta se coca-zer é igual à

coca-cola: “é melhor coca-cola 0 mas o gosto é igual” (E9T2C7). A alternância de código,

que substitui a palavra “zero” pelo símbolo (0) caracteriza a dissimulação do respondente

assim que prosseguimos na leitura da sua resposta, pois classifica que a coca-zero “... é

melhor”, para, em seguida, equipará-la à coca-cola tradicional, donde se pode deduzir uma

tentativa de salvamento da face, de modo que, se o respondente sofre algum rechaço pela sua

opção distinta da marca da comunidade, poderá se resguardar, afirmando que só respondeu

assim porque, na verdade, “... o gosto é igual”. Tem-se, portanto, uma dissimulação em

relação à marca coca-zero, uma vez que a respondente a classifica como a melhor, e, em

seguida, afirma que o gosto dela é igual ao da coca-cola tradicional, numa tentativa de salvar

sua face.

Elaborando a face a partir do envolvimento com a marca:

Envolvimento com a marca é uma atividade que originou vários tipos distintos de

trincas, a partir dos nossos dados, mas, diferentemente de todas que apresentaram tal

resultado, ela se caracteriza por apresentar apenas uma trinca com recurso de ameaça à face,

sendo o restante de salvamento à face.

Assim, prosseguindo com o layout que vínhamos adotando até aqui, exporemos todas

as trincas oriundas desta atividade, e, abordaremos, pelo menos, dois exemplos delas, a fim de

explorar melhor os esclarecimentos que se possam obter destas relações, dada a riqueza de

trincas que se tem nesta atividade.

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Quadro 13 (4) – Elaborando a face a partir do envolvimento com à marca

Ora, vejamos os exemplos correspondentes a cada trinca selecionada, lembrando que

estabelecemos como critério para seleção delas usos ou funções que ainda não foram

explorados, ou alguma relação inédita entre estes, e que cada um representasse um aspecto da

dinâmica de face.

Assim, temos a resposta da enquete que levanta o que aconteceria se a pessoa ficasse

um mês sem tomar coca-cola: “mi matar eu ñ me matava ñ (quem garante que no ceu tem

COCA-COLA?) mas eu ficava cum uma bela de uma depreçao mas eu tumando mt coca mais

mt coca mesmu e logico q eu milhorava ne?!” (E33T1C3). Desta resposta extraímos, para a

trinca selecionada, a função “demonstrar” através do uso “footing” situados no trecho “(quem

garante que no céu tem COCA-COLA?)”, pois, entendemos que a respondente tenta

Duração da elocução

Variação ortoépica

Conhecimento de

mundo

Acentuação

Expressão facial

Tom

Entoação

Alternância de código

Footing

En

vo

lvim

ento

com

a m

arc

a

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Sa

lvam

ento

Demonstrar

Caracterizar

Enfatizar

Sugerir

Corroborar

Chamar

atenção

Preservar-se

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demonstrar envolvimento com marca, mas de modo a salvar sua face, logo retruca uma

possível crítica à resposta mais recorrente entre os respondentes desta enquete, que seria a

maneira mais forte de demonstrar envolvimento com a marca. Porém, como faz uso do

footing, a respondente põe tal observação entre parênteses, como numa tentativa de justificar,

de forma subliminar, o porquê de sua declaração não seguir as vias radicais de declarado

envolvimento com a marca, a despeito de ela se mostrar bastante envolvida com esta, mas não

tanto a ponto de expor sua face a algum tipo de ameaça, então, ela opta por fazê-lo de modo

recursivo ao salvamento da sua face.

Para abordagem às relações da trinca seguinte, observamos a resposta à enquete que

pergunta se coca-cola faz sua vida: “ah faz sim...com certeza..xD” (E11T1C1). O elemento

destacável desta resposta na composição da trinca é a expressão “ah”, aqui, caracterizada por

dar o tom de envolvimento com a marca que se quer chamar atenção nesta resposta.

Observemos que o uso do “ah” dá um tom de obviedade ao que a enquete questiona,

constituindo-se uma ameaça à face de quem a elaborou e à de quem pensa diferente sobre a

marca, pressupondo que quem prefere tal marca mantém tamanho envolvimento que ela guia

a sua vida, é para isso que se chama a atenção nesta resposta. Isto se dá, possivelmente, pelos

aspectos positivos da marca que se toma emprestado para construção de uma face, também,

positiva aos olhos dos outros.

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Elaborando a face a partir da escolha da marca:

Quadro 14 (4) – Elaborando a face a partir da escolha da marca

Caracterizada por atuar como recurso aos dois aspectos da dinâmica de face

(ameaça/salvamento), nesta atividade encontramos diversas trincas formadas a partir de

diversos tipos de funções e usos da linguagem, contudo, abordaremos dois exemplos que

abarquem de forma mais abrangente esta diversidade.

Iniciemos, a título de exemplo, com uma resposta à enquete que pergunta se a pessoa

prefere tomar coca-cola à água: “desde q nasci nunca ovi falar nesse bixo chamado agua ele

ta extinto é????” (E110T1C5). Nesta resposta, encontramos um uso ainda não abordado,

“interrogação”, que, aqui, serve como recurso de salvamento da face, com função de ironia.

Mais especificamente, com intuito de demarcar fortemente sua escolha pela marca, o membro

responde à enquete com uma pergunta, que ironiza a própria enquete, “desde q nasci nunca

Variação ortoépica

Conhecimento de

mundo

Acentuação

Expressão facial

Tom

Entoação

Alternância de

código

Footing

Afirmação

Interrogação

Esc

olh

a d

a m

arc

a

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Am

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/

Salv

am

ento

Deduzir

Caracterizar

Enfatizar

Sugerir

Demonstrar

Chamar

atenção

Preservar-se

Ironizar

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101

ovi falar nesse bixo chamado água ele ta extinto é?????”, pois esta resposta rebaixa a água,

considerada essencial à vida, numa colocação abaixo da coca-cola, como se esta, sim, fosse o

líquido primordial à vida, daí a referência à água como “bixo”, no sentido de algo bastante

desconhecido, juntamente com a interrogativa que predomina na resposta. Conclusivamente,

podemos afirmar que, através do uso da interrogativa, o respondente ironiza para destacar sua

escolha pela marca, ao passo que salva sua face ao ironizar a opção pela água, numa tentativa

de se proteger, caso sofra alguma crítica pela sua opção.

No outro exemplo, temos uma resposta à enquete que pergunta o que a pessoa faz se

sai com amigos que pedem uma Pepsi: “cara eu adoro coca-cola mais se entre a skol e a

GOSTOSA tem nem como escolher coca so esses gays aqui pra colocar coca-cola”

(E112T2C9). Neste caso, é patente a ênfase que o respondente concede à escolha da marca,

ainda que esta não seja coca-cola, no caso é a Skol. Além disto, ele sugere, numa ameaça à

face dos outros respondentes que optaram pela marca da comunidade, que possivelmente

sejam gays, num sentido pejorativo à palavra; percebe-se pelo tom da sua resposta, no uso da

palavra “cara” e “gays”, sendo que a primeira palavra anuncia sua escolha de marca, e a

segunda, ameaça a face dos outros respondentes que opinam diferente deste membro, por

denominá-los, pejorativamente, de “gays”.

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Elaborando a face a partir da forma de uso da marca:

Quadro 15 (4) – Elaborando a face a partir da forma de uso da marca

Esta é uma das atividades que apresentam grande diversidade na formação das trincas

e, também, na dinâmica de face, com vários casos tanto de ameaça à face quanto de

salvamento desta.

Como habitualmente vimos fazendo, optamos por duas trincas que ilustrem esta

diversidade, sendo uma de com recursos de ameaça à face e outra, de salvamento da face,

conforme veremos nos exemplos a seguir.

“Uma hora e olhe lá, pois quem ama coca, é fiel. Nem passa perto de outros líquidos

para se beber quando a nobre morena está na área. Beba coca, faz bem!!!”(E80T4C1). Esta

resposta de refere a uma enquete que pergunta quantos se demora pra tomar 10 litros de coca-

Duração da

elocução

Variação ortoépica

Conhecimento de

mundo

Acentuação

Expressão facial

Tom

Entoação

Alternância de

código

Form

a d

e u

so d

a m

arc

a

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Am

eaça

/ S

alv

am

ento

Ironizar

Caracterizar

Enfatiza

r

Sugerir

Chamar

atenção

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103

cola. Nela, percebemos a forma de uso da marca como intensa, pressupondo que 10 litros é

uma quantidade razoável pra se consumir em uma hora; assim, e, para enfatizar sua forma de

uso, o respondente se refere à marca, ou ao seu produto, como “nobre morena”, que serve,

além de revelar aproximação com a marca, para ameaçar a face de quem elaborou a enquete,

pois, condiciona que “... quem ama coca, é fiel...” adota esta forma de uso da mesma, quem

não conseguir, não atende esta fidelidade.

No exemplo da outra trinca, temos uma resposta à enquete que levanta com que a

pessoa costuma consumir coca-cola: “X tudo + chique neh” (E7T1C6). A forma de uso da

marca aqui adotada visa a chamar atenção para uma combinação entre coca-cola e “X tudo”

como “+ chique...”, onde o uso destacado, nesta trinca, é a alternância de código figurada na

substituição da palavra “mais” pelo sinal “+”, que chama a atenção para este uso da marca, e

que, por sua vez, serve ao salvamento da face deste respondente, que justifica tal forma de uso

porque é “...+ chique”, soando como uma busca de comportamento sua.

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Elaborando a face a partir da gafe em relação à marca:

Quadro 16 (4) – Elaborando a face a partir da gafe em relação à marca

Como nesta atividade contamos com poucas trincas e todas servem como recurso de

salvamento da face, optamos por ilustrar suas relações com o exemplo de uma resposta que

atende ao questionamento de uma enquete sobre qual é o melhor refrigerante: “MeO sii a

cOmunidade é dá cOca cOla é clarO quiii a maiioia ia vOtar na cOca néèh..dãrr...iii meO

nem presisa pergunta qual é a meiÓ pq é clarO quii eu ia responder..?!” (E60T2C6). Ora,

temos uma ameaça direta à face de quem elaborou a enquete emitida por este respondente, já

que a partir do uso do tom nas palavras “nééh”, “dãrr” e “claro” ele chama a atenção para a

gafe cometida por quem elaborou uma pergunta sobre qual o melhor refrigerante numa

comunidade da coca-cola, onde, pressupõe-se que todos que dela participam, grosso modo,

preferem esta marca. Portanto, a ameaça à face de quem elaborou a enquete se dá pela gafe

em relação à marca que ele, obviamente, comete e que é apontada pelo respondente com

recursos de uso que têm tom de obviedade, também.

Ga

fe e

m r

ela

ção

à

ma

rca

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Sa

lvam

ento

Afirmação

Cohecimento

de mundo

Tom

Chamar

atenção

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105

Elaborando a face a partir da inadequação do usuário à marca:

Quadro 17 (4) – Elaborando a face a partir da inadequação do usuário à marca

Para esta atividade encontramos poucos tipos de trinca, especialmente como recurso

de salvamento da face, pois ela apresenta apenas um caso deste, enquanto todo o resto se

figura como ameaça à face.

Ao ilustrar os exemplos, começamos por uma resposta à enquete que pergunta qual

desses refrigerantes é melhor: “ainda perguntar valei-me -.- coca né :x” (E58T1C2). A

ameaça à face de quem elaborou a pergunta é realizada pelo uso do tom de ironia ilustrado em

toda a resposta, mas, especialmente, nos termos “valei-me” e “ainda”, que conferem

obviedade à resposta, tornando a atuação da enquete e de quem a formulou inócua, pois ela se

Duração da

elocução

Variação ortoépica

Acentuação

Tom

Entoação

Inad

equ

açã

o d

o

usu

ári

o à

ma

rca

(ati

vid

ade

mar

cári

a)

Am

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/ S

alv

am

ento

Ironizar

Provocar

Sugerir

Chamar

atenção

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106

mostra inadequada ao uso nesta comunidade. Da mesma forma, quem opinar em discordância

com esta obviedade também terá sua face ameaçada por esta resposta.

Em outro exemplo, analisamos uma das respostas à enquete sobre qual refrigerante a

pessoa prefere: “Quem ta na comu Quer dizer que bebe refri.E a ultima opsao é absurda por

que quen ta na comu bebe refri” (E72T1C2). O elaborador da enquete a fez de forma

inadequada ao que busca saber, pois, além de pôr, nas opções, alternativas de bebidas que não

são refrigerantes, também pôs, como última opção, uma alternativa para quem não bebe

refrigerante, daí se origina todo o quadro de se chamar atenção à inadequação do elaborador à

marca, e à comunidade, principalmente pela menção contínua da variação ortoépica de

refrigerante (“refri”), que completa todo o quadro de ameaça à face do elaborador da enquete

montado pela respondente, fazendo-o figurar, de fato, como alguém inadequado à

participação na comunidade e, principalmente, à elaboração de enquetes, esta ameaça fica

mais aparente no adoção da palavra “absurda”, como algo inadmissível àquela situação.

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Elaborando a face a partir da incoerência em relação à marca:

Nas trincas oriundas destas atividade marcária observamos seu uso servindo à

dinâmica da face, tanto para ameaça quanto para salvamento da face. Há casos de vários tipos

de funções e usos da linguagem, dos quais extrairemos dois para ilustrar as relações que se

formam entre estes aspectos.

Quadro 18 (4) – Elaborando a face a partir da incoerência em relação à marca

Conforme anunciado, selecionamos dois casos de trincas que ilustram uma ameaça à

face e um salvamento da face, cujas explicações serão melhor explanadas nos exemplos

descritos abaixo.

Inicialmente, analisamos uma resposta a uma enquete que levanta qual era o

refrigerante preferido da pessoa: “votei em coca mesmo sem ser guaraná rsrsrsrsrrssrrs”

Duração da

elocução

Variação ortoépica

Conhecimento de

mundo

Acentuação

Expressão facial

Tom

Entoação

Footing

Afirmação

Interrogação

Inco

erê

nci

a e

m

rela

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marc

a

(ati

vid

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mar

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Am

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ento

Caracterizar

Enfatizar

Sugerir

Chamar

atenção

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108

(E66T1C9). É visível a sugestão relacionada à pergunta mal elaborada e como ameaça à face

de que a fez, pois este classifica qualquer refrigerante como guaraná, que seria apenas uma

das marcas dentre todos os tipos de refrigerantes, caracterizando-se incoerência em relação à

marca, porque considera o nome produto já sendo uma opção de refrigerante, que se opõe à

preferência de quem opta pela coca-cola, e o respondente destaca esta sugestão quando

“emite” uma gargalhada, na expressão facial “rsrsrsrsrsrsrsrsrsrs”, também destacando a

ameaça à face de quem elaborou a enquete, pelo tom de deboche, como alguém que não

conhece ou não sabe o que significa ser consumidor da marca.

No outro caso das trincas, temos uma resposta à enquete que pergunta em quanto

tempo a pessoa tomaria o conteúdo de uma caixa d‟água de coca-cola: “uma semana certeza

ninguem toma num dia ninguem é camelo hehehehe......abraçao” (E105T1C4). Neste caso,

temos no uso da palavra “certeza” a afirmação que enfatiza uma incoerência em relação à

marca, porque uma resposta desta não condiz com a realidade de consumo da marca, e uma

ameaça a quem afirmar que consegue realizar tal feito (“... tomar num dia...”), com sentido de

mentira atribuído pela respondente, que ameaça, novamente, na mesma resposta, a face de

quem insistir neste tipo de resposta, pois ela equipara a um “camelo”, com sentido pejorativo.

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Elaborando a face a partir da intimidade com a marca:

Quadro 19 (4) – Elaborando a face a partir da intimidade com à marca

Desta atividade marcária foram derivadas apenas duas trincas, que, também,

representam, respectivamente, um recurso da dinâmica de face, e, portanto, abordaremos,

detalhadamente, as relações de ambos os casos, através de exemplos.

Como ilustração de uma das trincas, temos uma resposta à enquete que levanta quanto

custa coca-cola em sua cidade: “bah.... mas é caro pra lá em... por aqui é 1,38 a quente e 2,39

a geladinha!!! “ (E1T3C1). A intimidade com a marca se mostra caracterizada na entoação

dedicada à palavra “geladinha”, da resposta, pois ressoa como intimidade com a marca,

principalmente depois de ser alegado que na cidade do respondente, a coca-cola tem um preço

melhor do que na cidade de muitos respondentes. É como se o fato de ter um preço melhor

fosse uma gratificação àquela pessoa que é tão íntima da marca. Esta resposta carrega, ainda,

o sentido de ameaça à face dos outros respondentes, pois pode ser compreendida como se

desmentisse suas respostas, que encarecem a coca-cola em suas cidades, pondo em questão a

veracidade de suas respostas e a sua relação coma coca-cola.

Inti

mid

ad

e co

m a

ma

rca

(ati

vid

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mar

cári

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Am

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Entoação

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de mundo

Caracterizar

Chamar

atenção

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110

Em outra trinca, temos como exemplo uma das respostas à enquete que indaga por que

coca-cola vicia: “porq ela é tudo de bom melhor q minha mina” (E45T1C9). Resposta na qual

a intimidade com a marca se caracteriza na comparação, ou mesmo, substituição, da “... mina”

do respondente com a coca-cola, num forte sinal de intimidade, já que uma namorada é uma

pessoa de profunda intimidade na vida de alguém. E é, exatamente, neste uso da palavra

“mina” que reside o conhecimento de mundo, já que é um uso pertencente a um grupo que

concebe e compartilha um significado desta ou ao senso comum. Por sua vez, é uma resposta

que salva a face do respondente, pois a partir de tão forte declaração (“porq ela é tudo de

bom...”) poderia ser questionado sobre uma comparação entre a marca e outra coisa tão boa

quanto, em sua vida, como a namorada, então ele se antecipa e salva a própria face de

quaisquer questionamentos.

Elaborando a face a partir do juízo a respeito da marca:

Quadro 20 (4) – Elaborando a face a partir do juízo a respeito da marca

Com esta atividade marcária, a dinâmica da face se apresenta em apenas uma de suas

formas, a de salvamento da face, por isto, apresentaremos apenas um exemplo que ilustre a

Ju

ízo

a r

esp

eito

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vid

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Cohecimento

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Alternância

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Tom

Acentuação

Variação

ortoépica

Duração da

elocução

Caracterizar

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111

relação das trincas, já que as relações das outras trincas foram abordadas sob outras atividades

marcárias.

Analisemos uma das respostas à enquete que pergunta se coca-cola faz mal ou não:

“bem se fizer mal que eu sei que faz se lasque não vou parar de tomar coca por conta

disso..um dia eu vou morrer mermo que eu morra tomando coca pelo menos vou morrer feliz

;) nada com nada :x” (E10T1C1). Neste exemplo, analisaremos três usos distintos referentes à

atividade marcária „juízo a respeito da marca”, quais sejam: “bem” (tom), “se lasque”

(conhecimento de mundo), “...” (duração da elocução); todos remetidos àquela atividade,

sendo que o tom anuncia uma opinião ou declaração a seguir, dentro do contexto da resposta,

como alguém a quem se pergunta algo e esta inicia sua resposta com “bem”, introduzindo o

juízo a respeito do que se perguntou, aqui se trata da marca;o conhecimento de mundo serve

de salvamento da sua face contra daqueles que insistirem em afirmar que a coca-cola faz mal

à saúde, pois, o respondente deixa claro que sabe disto, mas isto não é suficiente para corta

sua relação com a marca ou mudar seu juízo a respeito da mesma, a expressão “..se lasque”

soa como defesa do respondente a possíveis críticas a sua opinião; e, por fim, a duração da

elocução representada, aqui, pelo uso das reticências, que anunciam a continuação da

resposta, porém em tom de conformismo, diante dos malefícios da marca, como recurso de

salvamento da face para justificar sua continuidade de consumo da mesma, pois, assim, pelo

menos, vai “... morrer feliz”.

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112

Elaborando a face a partir da lealdade à marca:

Quadro 21 (4) – Elaborando a face a partir da lealdade à marca

Na referida atividade marcária encontramos trincas cujas relações de usos e funções

que já foram bastante demonstradas em trincas anteriores, e a dinâmica da face atua nesta

atividade sob suas duas possibilidades. Assim, exporemos um exemplo de trinca que traz a

relação de uma função com vários usos, a fim de evitar repetições e fadiga na leitura.

Numa das respostas à enquete que indaga o que é melhor, em relação a marcas de

refrigerantes, temos o seguinte: “sem comparações , eu pessoalmente ñ tomo outro refri a ñ

ser Coca – Cola Sou um Cocólatra” (E29T2C4). Os usos que remetem à lealdade à marca são

“sem comparações” (tom), “ñ” (acentuação) e “cocólatra” (conhecimento de mundo) que

servem fortemente a chamar atenção para esta atividade, ou seja, o respondente tenta salvar

sua face, durante todo a resposta, quando emite sua opinião sobre a marca, e, para suavizar

toda o radicalismo desta, argumenta que é “... cocólatra”, isto é, um viciado em coca-cola, o

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que justificaria sua lealdade à marca e opinião sobre esta, e, concomitantemente, salvaria sua

face de prováveis críticas.

Elaborando a face a partir do objeto da marca:

Quadro 22 (4) – Elaborando a face a partir do objeto da marca

Sob esta atividade marcária se apresentou apenas uma trinca, cuja dinâmica de face é

de salvamento, e que, portanto será melhor explanada em exemplo a seguir. Podemos

observar que a escassez de trincas com esta atividade se deva ao fato de ela se referir,

diretamente, ao objeto da marca, o que pouco se discute nas enquetes da comunidade, visto

que, em geral, conduzem as discussões sempre para o plano mais abstrato da marca, mesmo

quando a enquete se refere a um aspecto tangível da marca.

Uma das respostas à enquete que questiona se coca-cola alegra a pessoa traz um

exemplo da trinca guiada pela referida atividade marcária: “fico triste porque a coca acaba ia

ser bao se cabesse na latinha o triplo dai sim” (E2T1C8). No exemplo citado a atividade

marcária se apresenta a partir do uso do conhecimento de mundo “bao”, que serve para

enfatizar o objeto da marca, já que na resposta há um tom de reivindicação de mudança num

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aspecto concreto da mesma, indicado no trecho “... ia ser bao se cabesse na latinha o triplo...”.

Assim, tem-se uma tentativa de salvamento da face do respondente, que faz uso do sentimento

que o consumo do produto lhe causa (“fico triste porque a coca acaba...”), quando do

consumo do mesmo, para solicitar alterações na apresentação do objeto da marca, aqui, o

tamanho da latinha.

Elaborando a face a partir da opinião sobre a marca:

A “opinião sobre a marca” se apresentou, exclusivamente, como recurso de

salvamento da face em todas as possibilidades de trincas que se formaram a partir dos nossos

dados. Sendo assim, optamos por explorar dois exemplos que apresentem algum uso ou

função inéditos até agora nas nossas demonstrações, ou a relação entre estes.

Quadro 23 (4) – Elaborando a face a partir da opinião sobre à marca

Opinião sobre a

marca

(atividade marcária)

Ameaça / Salvamento

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Enfatizar

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As trincas a que vamos nos deter estão destacadas no esquema acima, escolhidas por

critérios mencionados no parágrafo anterior.

Assim sendo, comecemos analisando uma resposta à enquete que levanta qual o preço

da coca-cola na cidade do respondente: “Isso porque ela é vendida quente. Se preferir gelada

o valor vai para 4,00. De qualquer jeito...vale rsrsrs.” (E1T4C4). Deste exemplo, destacamos

o trecho “... de qualquer jeito... vale...” como núcleo do uso entoação que propicia a adoção da

atividade marcária opinião sobre a marca, pois, conforme respondido pelo membro da

comunidade, a despeito do preço que ele próprio destaca, com indícios de alto, declara, com

entoação de opinião, que está disposto a pagar qualquer preço, figurando-se, então, um

salvamento à face do respondente, que justifica o consumo, apesar do preço sugerido alto,

porque “... vale”, apenas como validação da sua opinião sobre a marca e como defesa a

críticas que possa vir a sofrer quem consome um produto, mesmo que ache o preço mais alto

do que poderia ser.

Em outro caso, observamos uma das respostas à enquete sobre com que coca-cola

combina: “coca combinaa com td! Rsrsrrsrs” (E7T1C2). A função de corroborar a opinião

sobre a marca se mostra em “... td!”, numa junção de alternância de código (td = tudo) e

entoação (!), de modo que salva a face da respondente quando esta opta por não especificar

quais combinações ela prefere, usando sua resposta apenas para corroborar sua opinião sobre

a marca, como se fosse algo óbvio, por ser “ ...com td!”.

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Elaborando a face a partir da rejeição à marca:

Nesta atividade verificamos a dinâmica da face em suas duas possibilidades,

salvamento e ameaça, a despeito de o número de trincas resultante dela ser pequeno,

conforme podemos conferir no esquema a seguir. Assim, optaremos por explorar dois

exemplos, um de cada tipo de dinâmica, a fim de enriquecer a compreensão desta atividade.

Quadro 24 (4) – Elaborando a face a partir da rejeição à marca

Na análise dos trincas destacamos dois exemplos elucidativos de sua formações, dos

quais, o primeiro se refere a uma das respostas à enquete sobre a suposta coca-cola de 20

litros: “eu naum sei pq eu entrei nessa comunidade” (E3T1C8). A função, aqui, é de chamar

atenção a uma pergunta, ou suas opções, que foi mal elaborada, causando aborrecimento neste

respondente, que faz uso da variação ortoépica nas palavras “naum” (não) e “pq” (porque),

como forma de ameaçar a face de quem elaborou a enquete, e rejeitar a marca, indiretamente,

porque não correspondeu ao que ele esperava ao participar de sua comunidade, numa

interpretação do comportamento dos seus membros como uma extensão da marca. Daí, a

rejeição à marca desempenha um papel de ameaça tanto a esta quanto a quem elaborou a

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enquete, de forma que este, pela atividade utilizada pelo respondente, parece-se com alguém

que não tem competência para desempenhar esta ação, e a marca, por sua vez, parece ter

decepcionado o respondente, porque não pensava, talvez, que as pessoas que a adotassem

pudessem apresentar tais características, às quais ele (o respondente) encara como inferiores

ou inadequadas ao seu perfil.

Já no caso da outra opção da dinâmica da face, esta atividade aparece nas trincas com

a seguinte roupagem verificada numa das respostas à enquete que indaga o que é a coca-cola

para você: “prefiro Pepsi + mesmo assim eu gosto d coca e quem quiser me xingar pq eu falei

isso, fique a vontade” (E47T2C9). Neste exemplo, o respondente faz uma provocação à

comunidade, pois expõe sua predileção, justamente, pela marca mais oponente à coca-cola,

“prefiro Pepsi...”; contudo, preocupa-se em salvar sua face, nesta situação, pois, em seguida,

declara seu gosto, também pela coca-cola, e a despeito de usar um tom de ameaça, faz isto

para salvar a própria face (“... fique a vontade”), como numa tentativa de esbravejar para que

ninguém se atreva a criticá-lo, salvando, assim, a própria face.

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Elaborando a face a partir do sentimento pela marca:

A partir desta atividade, a dinâmica da face se mostrou apenas como recurso de

salvamento, conforme constatamos no esquema abaixo, cujas trincas revelam as relações que

serão explicadas adiante.

Quadro 25 (4) – Elaborando a face a partir da sentimento pela marca

Assim, utilizaremos uma das trincas, sendo que desta derivaram mais de um uso para

enfatizar o sentimento pela marca, que diz respeito a uma das respostas à enquete que

questiona o que a pessoa faria se não existisse mais a coca-cola: “S e hj acabasse coca-cola eu

me matava pois sou 1 "cocolatra" assumidoe ñ aguentaria ficar 1 mês,um ano ou um século

s/ coca. COCA,I LOVE YOU FOREVER!!!!” (E35T6C4). A ênfase nos usos de conhecimento

de mundo “cocólatra”, “I love you forecer” e da acentuação “ñ” (não) revelam à ênfase no

sentimento pela marca, porque servem à demonstração de quanto o respondente está

envolvido com a marca, já que o uso do conhecimento de mundo “cocólatra”, por exemplo,

visa a enfatizar o quanto a pessoa é viciada em coca-cola, fazendo uma analogia aos

“alcoólatras”. Já o conhecimento de mundo “I Love you forever” tem a função, também, de

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enfatizar o sentimento pela marca através de uma declaração de sentimento que, geralmente, é

direcionada a uma pessoa, mas que, aqui, é usada em relação à marca coca-cola. O uso da

acentuação “ñ” serve à negação de se viver sem a coca-cola, também visando a expressar um

forte sentimento pela marca. E todos os usos e função a que recorreu o respondente nesta

trinca caracterizam o aspecto de salvamento inerente a esta atividade, de acordo com nossos

dados, pois o exagero é justificado pelo sentimento dedicado à marca nesta atividade, atuando

como recurso de salvamento à face daqueles que possam vir a ser criticados por outros devido

ao exagero de declarações pela marca, justificado pelo sentimento e apego que dedicam a ela.

Elaborando a face a partir do uso do conceito da marca:

Esta atividade se apresentou em poucos casos das nossas análises, e estes se referiram

apenas a uma trinca, que se utilizava dela (atividade) como recurso de salvamento à face, em

relação à dinâmica da face.

Quadro 26 (4) – Elaborando a face a partir da uso do conceito da marca

Apresentaremos, então, o exemplo de que derivou a trinca referente à atividade

marcária em questão, que se situa numa resposta à enquete que indaga o que é coca-cola:

“Viva o lado Coca-Cola da vida;@” (E47T2C2). A atividade marcária se encontra evidente

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em toda a resposta, que faz uso do conceito da própria marca, coca-cola, caracterizado pelo

slogan desta. Assim, o conhecimento de mundo se remete a toda a frase, que só é conhecida

por aqueles que estão atentos ao slogan da marca; e a expressão facial está caracterizada em

“;@”, que significa, de acordo com estudo-piloto desta pesquisa, um rosto que “solta” um

beijo, ao mesmo tempo que pisca um dos olhos, num sentido de diversão para a resposta.

Desta forma, tem-se uma provocação indireta durante a resposta, pois além de recorrer ao

slogan da marca, que pressupõe compartilhamento do seu significado pelos que participam da

comunidade, emite uma expressão de diversão ou descontração junto com a resposta,

apontando para o salvamento da face deste respondente, porque, no momento em que recorre

à descontração e ao compartilhamento, livra-se de críticas sobre sua resposta que recomenda

que a vida deva ser vivida pelo lado “coca-cola”, numa referência à condução da vida pela

marca, alvo fácil de críticas, salvo pela descontração e menção indireta de tal recomendação

através do slogan da marca.

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Elaborando a face a partir do valor da marca:

Esta é a última atividade resultante das análises dos nossos dados e se apresentou

como recurso para ambas as possibilidades da dinâmica da face, ameaça e salvamento. Desta

derivaram várias trincas, dentre as quais, selecionaremos duas a serem exploradas,

detalhadamente, visando à compreensão das relações delas resultantes. Para tanto, iniciemos

observando o esquema a seguir, que revela todas as trincas derivadas desta atividade.

Quadro 27 (4) – Elaborando a face a partir do valor da marca

A fim de revelarmos as relações constituintes das trincas, selecionamos duas destas,

sob o critério de apresentar as duas possibilidades da dinâmica da face resultantes delas.

Começamos pelo primeiro exemplo, que advém de uma resposta à enquete que levanta

o que a pessoa acha do preçoda coca-cola: “caramba pra ser o melhor refri do mundo, 4,00

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R$fica até barato...” (E34T3C3). O salvamento da face de quem paga R$4,00 num

refrigerante, considerado um preço alto em relação aos das outras marcas, fica assegurado,

uma vez que o respondente, a partir do uso do conhecimento de “refri” e do tom “caramba”,

concede um tom de justificativa a sua resposta, e ressalta o valor da marca, justificado pelo

significado da marca, “... pra ser o melhor refri do mundo...fica até barato”, e mais ainda,

argumenta, o respondente, em favor da marca, de tal modo, que o valor, antes considerado

alto, em relação a outras marcas, passa a ser defendido com barato diante da grandiosidade da

marca, que é enquadrada como o melhor refrigerante do mundo. Este argumento reforça ainda

mais o salvamento da face do respondente.

Na outra trinca selecionada para ser explorada através de um exemplo, temos uma

resposta à outra enquete que também questiona sobre o preço da coca-cola, só que no Estado

em que a pessoa mora: “Isso porque ela é vendida quente. Se preferir gelada o valor vai para

4,00. De qualquer jeito...vale rsrsrs.” (E1T4C4). Neste exemplo temos as duas possibilidades

de dinâmica da face: a primeira, de ameaça, situada no trecho “porque ela é vendida quente.

Se preferir gelada o valor vai para 4,00.”, que aponta uma ameaça à marca ou a quem a

consome, pois a alternância de código “4,00” (R$4,00) sugere o alto preço que se considera

para um refrigerante. No entanto, na segunda parte da resposta, mais precisamente no trecho

“... De qualquer jeito...vale rsrsrs.”, temos um recurso de salvamento da face, como se o

respondente justificasse sua opção pela marca, a despeito de seu valor alto, porque “vale”,

destacando um valor maior do que o financeiro, o valor da marca e tudo o que ela representa,

simbolicamente.

4.3 Achados: Faces

A terceira e última das perguntas de pesquisa específicas deste trabalho pressupunha

que vários tipos de face poderiam ser encontrados durante o estudo. Assim constatado,

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atribuímos algumas pistas para a compreensão destes tipos, a fim de fugir de definições que

possam encerrar a riqueza de suas naturezas, salientando-se que estes tipos pertencem ao

contexto virtual e de marcas, e que suas significações foram construídas ao longo da coleta e

da análise dos dados, e, também, são inerentes ao contexto em que foram encontradas. Isto,

contudo, não impede que outras pesquisas dedicadas ao mesmo assunto não possam encontrar

outros tipos de face além dos ora identificados.

4.3.1 Tipologia das faces

Pressupúnhamos que vários tipos de face poderiam ser encontrados durante o estudo.

Assim constatado, atribuímos algumas pistas para a compreensão destes tipos, a fim de fugir

de definições que objetivam encerrar a riqueza de suas naturezas, salientando-se que estes

tipos pertencem ao contexto virtual e da marca, e que suas significações foram construídas ao

longo da coleta e da análise dos dados, e, também, são inerentes ao contexto em que foram

encontradas. Isto, contudo, não impede que outras pesquisas dedicadas ao mesmo assunto não

possam encontrar outros tipos de face além dos ora identificados, circunstância que serve à

validação do que caracteriza o estudo de caso, segundo Stake (1994), onde os resultados de

uma pesquisa podem variar, como no caso dos tipos de face aqui encontrados, mas a teoria

seguida é invariável.

De modo explicativo, a elaboração desta tipologia da face resultou de nossas análises

do material coletado na comunidade virtual selecionada, de maneira que, em meio às

respostas para as primeiras questões de pesquisa, já vislumbramos esta tipologia, pois que, os

usos da linguagem, as funções da linguagem e as atividades marcárias como identificados nas

respostas às enquetes da comunidade, já figuravam alguns tipos de face inerentes ao contexto,

caracterizadas pela forma de uso daqueles elementos. A composição desta tipologia fica mais

clara nas explanações, a seguir, de cada uma delas.

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“do bem”: Tipo de face caracterizada quando alguém usa uma marca contrária à outra

nomeada “do mal”. Por conseguinte, situações de interação em que uma marca é usada

pressupondo a analogia entre bem versus mal, ou afins, culminarão na adoção de uma destas

pelos interactantes, donde, na tentativa de adotar uma face “do bem”, um interactante poderá

ameaçar a face do outro que não seguir sua opção, ou salvar a face dele, como a sua, no caso

de concordância de ambos sobre o assunto. Configura-se, portanto, um recurso de percepção

positiva de um interagente aos olhos do outro pela transferência de uma virtude da marca

àquele que a adota, de maneira conseqüente. Percebe-se, por conseguinte, que este é o

propulsor de adoção das marcas na elaboração das faces, conforme continuaremos a constatar

nos outros tipos de face.

Este tipo de face pode ser ilustrado quando um membro da comunidade referida

(localizador E66T2C2), ao expor sua opção de refrigerante, nomeia uma marca de refrigerante

menos famosa (Dolly) como sendo “do mal”, pressupondo que a coca-cola é “do bem”; daí,

podemos considerar que quem adota a coca-cola, neste contexto, visa a elaborar este tipo de

face, “do bem”, transferida da marca para o interagente que a assume.

Abastada: caracteriza-se pela ênfase no valor monetário da marca ou do produto desta, onde,

quanto mais caro parecer, maior é o interesse do membro por adotá-la e destacar o seu alto

preço, demonstrando alto poder aquisitivo. Neste sentido, a elaboração do tipo de face

“abastada‟ concederá destaque social e financeiro, pois a marca passa a significar, neste

contexto, um símbolo de status, servindo à comunicação, sutil, desta condição social,

encarada de forma positiva por quem a adota e deseja que os outros a percebam, mesmo que,

geralmente, a elaboração deste tipo de face implique a ameaça à face de outrem, já que,

possivelmente, para que se destaque aquela, faz-se necessário o rebaixamento da opção do

outro, para servir de recurso comparativo.

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Como exemplo, vejamos o caso no localizador E1T2C7, em que o membro afirma

que em sua cidade a coca-cola custa três vezes mais que o normal e que ele “ainda” acha que

está “barato”, na tentativa de construir uma face abastada, afirmando que sabe que é caro,

perante o preço habitual do produto, quando utiliza a palavra “ainda”, antes de dizer que acha

“barato”, quando rebaixa a condição dos outros interagentes que responderam um valor

normal para o produto da marca, e destaca sua condição “abastada”, graças à adoção da marca

a um preço mais alto, legitimando a referida face.

Outro exemplo deste tipo de face é o do localizador E1T2C5, no qual um membro, ao

ser questionado sobre o preço da coca-cola em sua cidade, responde: “no mercado é tres

reais, mas no Cinemark o copo de um litro custa mais ou menos 5 reais!”. A pessoa não

menciona diretamente, assim como não o fez o do exemplo anterior, mas ao responder

mencionando uma marca de cinemas (Cinemark) e explicando especificidades do consumo da

coca-cola ali, ela adota uma face “abastada”, pois freqüenta cinemas daquela marca e

consome coca-cola a um preço bem maior, neste lugar, do que o que pagaria fora dali,

constituindo-se, ainda, uma situação de salvamento da face da pessoa que adota este tipo de

face, pois é tida como algo positivo por quem o faz.

Autêntica: Face caracterizada pela adoção da marca justificada em atributos como original,

única, melhor do que todas as outras, insubstituível, normal, tradicional, e afins. Destaca-se

dentre os outros tipos de face por ser a que se refere, mais proximamente, à identidade

comunicada, comercialmente, pela marca. Por isto, verificamos vários exemplos de interações

da comunidade em torno desta característica da marca, que sempre figuram como tentativas

de comunicar esta característica de si através da adoção da marca, constituindo-se a referida

face.

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Por sua vez, a elaboração deste tipo de face, por vezes, implica ameaça à face de

outrem, durante a interação, pois que a elaboração de um tipo de face, em determinada

situação, dar-se-á pela desqualificação ou ameaça à elaboração da face de outrem, como um

recurso de comparação que favorece quem ameaça para legitimar a tal face elaborada.

No exemplo do localizador E9T1C5, no qual o membro declara, sobre a possibilidade

de outros refrigerantes, temos: “coca-zero é horrível nda (nada) substitui a original”, situação

de face que transfere, como as outras faces, as características positivas da marca ao seu

usuário; bem como, salva a face de quem a adota e ameaça as que lhe contrariam, pelo uso da

palavra “horrível” e pelo construção comparativa da resposta, que favorece a face autêntica de

quem adota a marca coca-cola e a enfatiza pelo uso do “nda” (nada).

Para clarificar um pouco mais, vejamos o exemplo, que responde à mesma pergunta

do exemplo anterior: “essa coca zero amarga muito principalmente no final prefiro a nossa

coca de todos os dias kkk!!” (E9T1C2). Ora, a despeito de não haver, de fato, nenhum dos

atributos mencionados na caracterização deste tipo de face, o trecho “a nossa coca de todos os

dias” entoa tais características, pois põe a marca como a habitual, corriqueira, normal, enfim,

a única que pode ocupar tal posição nas escolhas e na vida da pessoa. E, ainda, ameaça a face

de quem assim não a vê, salvando, por contraposição, a face de quem a encara como tal.

Chique: Ocorre quando a adoção da marca, ou seu produto, refere-se a um comportamento de

pessoas “chiques”, conferido pela elaboração deste tipo de face, que atribui um significado ao

uso do signo marcário atrelado ao comportamento diferenciado de pessoas que desejam ser

reconhecidas, distintivamente, como tal.

Este tipo de face, por seu caráter distintivo, normalmente, será elaborado em

detrimento da ameaça à face de outrem, uma vez que, para demarcar sua distinção, recorrerá,

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ainda que indiretamente, ao demérito da face de outrem, na interação, com intenção

comparativa.

No exemplo do localizador E7T1C6, em que o membro caracteriza o consumo da

coca-cola com “x-tudo” como “chique”, verificamos o atributo transferido a quem adota tal

consumo e que constitui ação de salvamento da face desta mesma pessoa, e,

consequentemente, ameaça à face do outro que não o faz.

Conhecedor: tipo de face caracterizado pela demonstração de conhecimento sobre uma

marca, ou seu produto, a partir da coleção do maior número de informações sobre tais,

geralmente, usadas para justificar uma opção (salvamento) ou ameaçar a face de outrem.

A título de exemplo, mencionamos a do localizador E9T3C5, numa enquete que

pergunta se coca-cola zero é igual à normal, e um membro se insurge: “O gosto refinado para

coca ñ me deixa tomar tal coisa, e nem presenciar tal falta de pudor o fato de falarem, que

realmente trata-se da tão querida "coca-cola de todos os dias".

Em outro exemplo, a pessoa é mais evidente e se auto-intitula conhecedor, numa

resposta à enquete sobre se coca-cola faz mal ou não: “na verdade não tem mais na

composição da coca-cola cocaína. Os cientistas trocaram por cafeína. SABIA que John

Pemberton em 1836 criou a coca e era um remédio pra tosse....ESTÃO FALANDO COM O

CARA MAIS INTENDIDO DE COCA,EU!!!! VLW” (E10T1C7).

Observamos, ademais, que o argumento se constitui uma ameaça à face de quem

consome o produto ou a marca, mas salva a face do membro, que usa a informação para

construir uma face positiva aos olhos dos outros interagentes.

Defensor: refere-se à defesa à marca, e ao seu usuário, diante de situações ou argumentos que

os ponham em condição de ameaça, como aquelas que mencionam seus malefícios à saúde ou

aquelas que comparam os atributos de outra marca, ou produto, e que a marca em defesa não

apresente.

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O caráter deste tipo de face pode ser de ameaça ou de salvamento, assim como todos

os outros, de acordo com o contexto em que é elaborada, no entanto, em geral, ela se

apresenta como tentativa de salvamento da marca, e de quem a adota, em resposta a alguma

situação de ameaça ou demérito.

Por exemplo, temos a situação em que se questiona, numa enquete, se coca-cola faz

mal e um membro responde com chacota: “ahsuahusaeu eu tomo tdos os dias... na escola d

manhã... no almoço... no lanchinho da tard e nunk fez mal...“. (do localizador E10T1C4). Em

outro exemplo, uma enquete pergunta se a coca-cola foi o primeiro refrigerante, e um membro

responde: “olha se naum doi o primeiro a ser inventado foi o primeiro que prestou pq existe

ate hj e todo mundo gosta........rsrs” (E4T2C1). Percebe-se, neste exemplo, o tom de defesa

em relação à marca usado pelo membro no trecho “... foi o primeiro que prestou...”, que

culmina numa ameaça às outras marcas e às faces dos seus consumidores.

Desapontado: situação de face que funciona, também, como recurso de salvamento da

mesma, quando o indivíduo se propõe a experimentar outras marcas, e seus produtos, e deseja

demonstrar arrependimento depois disto. È um tipo de face, portanto, que serve a quem deseja

expor suas experiências sem, contudo, expor sua face à ameaça de parecer controverso aos

olhos do outro; então, logo em seguida à elocução na qual conta sua experiência com outra

marca, a pessoa recorre a alguma justificativa para tal feito, mesmo que seja atribuindo más

qualidades à marca contrária à comentada para salvar a própria face.

Como no exemplo de uma enquete que pergunta o que a pessoa acha da coca-cola

zero, e um membro responde: “o gosto muda totalmente...ja tomei,não gostei,não tomo mais.”

(localizador: E39T2C7).

Ou no exemplo de um pergunta sobre se coca-cola é igual à coca-zero e que um

membro responde: “acho q a cora zero deixa um gosto estranho na boca depois q toma”

(E9T2C1). Ora, é patente, nesta resposta, que o membro experimentou a outra marca, e agora

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se justifica sob o argumento de que “... deixa um gosto estranho...”, com tom de

desapontamento pela experiência com a outra marca.

Desinformado: trata-se de um tipo de face que, geralmente, é atribuído pelo outro da

interação, em contraposição à face “conhecedor”; também segue acompanhada da ameaça à

face, conforme exemplo a seguir: “quem foi que disse que em minas a coca e 4,00 reais e um

burro eu ja combrei lá por 2,50 a dois e 2,30 gelada” (localizador: E1T1C1). Constata-se,

aqui, uma ameaça à face do outro membro que, em sua resposta, tenha afirmado tal

“absurdo”, que logo é desmascarado por este membro, que constrói uma face de

“conhecedor”, enquanto atribui a face de “desinformado” ao outro membro.

Num outro exemplo, que responde à mesma enquete, temos outra resposta: “o cara ai

de baixo é louco,estamos falando de coca-cola ele fala de dolly xD” (E1T2C1). Neste caso, a

ameaça à face do outro é mais direta, pois é nomeado de “louco”, além de lhe ter atribuída,

pelo respondente, a face de desinformado, por mencionar outra marca numa enquete sobre a

coca-cola.

Divertido: refere-se a um tipo de face caracterizada pela descontração e, normalmente, suas

elocuções aparecem acompanhadas por símbolos de expressões faciais ou tom (vide item

“uso”, no guia para interações virtuais desta pesquisa) ligados a este tipo de situação.

Constitui-se recurso de salvamento ou de ameaça à face, de acordo com a situação, mas,

principalmente, serve a contextos onde a pessoa deseje ameaçar a face de outrem, sem ser

ríspido, mas sim, recorrendo ao tom de brincadeira para expor suas opiniões ou, mesmo,

salvar sua própria face. Assim, a pessoa salva sua face de um contexto ameaçador anterior a

esta elaboração, ao mesmo tempo que salva a face de uma possível retaliação do outro

interlocutor diante da ameaça a sua face, pois o tom de brincadeira serve para aliviar as

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reações às elocuções. Como se confere no seguinte exemplo, que responde à pergunta se

coca-cola engorda: “ai a cola naum engorda keim engorda eh keim bebe..kkk maix msmo

assim eu bebO”(E6T1C1).

Em outra resposta, como exemplo deste tipo de face, à pergunta com que coca-cola

combina, temos: “coca combinaa com td! Rsrsrrsrs”(E7T1C2). A seqüência “Rsrsrrsr”

(risada) e o uso da exclamação, ao fim da frase, caracterizam o tom de diversão e

descontração conferido à resposta, que se transfere para o membro que a escreve, e ainda tem

características de salvamento da face, porque este mesmo tom de diversão também serve de

salvamento para situações de ameaça à face.

Envolvida: diz respeito à face elaborada com elementos de sentimento e apego à marca, numa

forte tentativa de representação da identificação do indivíduo com esta. Em geral, suas

elocuções carregam um tom de sentimento exagerado e funcionam como elementos de

salvamento à face, sendo pouco usadas para ameaçar a face de outrem, uma vez que sua busca

se concentra no sentido maior de destacar a identificação da pessoa com a marca, a fim de

estabelecer uma ligação entre esta e a personalidade de que a adota, mesmo que, para tal, a

relação entre a pessoa e a marca se pareça com a relação afetuosa entre duas pessoas íntimas,

que se conhecem e que são parecidas.

Por exemplo, um membro, ao responder uma enquete que pergunta sobre que

ingredientes compõem a coca-cola, em sua opinião, registra: “amor paixao carinho ternura

etc... p ser tao bom assim,so pode ser esses ingredientes.” (localizador: E70T1C4).

Em outra resposta, a uma pergunta sobre com que coca-cola combina, temos: “coca

cola combina com tudoo eu amoo” (E8T5C8). Neste caso, o sentimento pela marca, ou

produto, é explicitado (“... eu amo”), tamanho o envolvimento que se deseja demonstrar em

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relação à marca. Este tipo de face, também, configura uma tentativa de salvamento da face de

que a adota, porque seu envolvimento com a marca justifica suas escolhas e opiniões.

Esperto: face elaborada para demonstrar inteligência da pessoa, no uso da marca, ou

seu produto, em relação aos usos dos outros. Neste tipo de face encontramos recursos de

salvamento, mas, principalmente, de ameaça à face de outro, pois, geralmente, fará referência

a alguma vantagem, de qualquer natureza, que um interagente tem e o outro, não. Como no

exemplo a seguir: “Eu PrEfIrO A 0!Q pRa nóS MeNiNaS,é mElHoR FiCaR SeM

CeLuLiTe!EsSaS bOlInHaS XaTaS!pRiNcIpAlMeNtE Na pRaIa!” (localizador: E9T3C1),

onde a respondente opta por uma outra marca, distinta da marca a comunidade, ainda que seja

apenas uma variação desta, e justifica com o argumento de esperteza, como se esta marca

satisfizesse pessoas com preocupações estéticas e saudáveis para i.

Numa das respostas sobre por quanto se venderia a coca-cola de 20l, tem-se: “se caso

eu tivesse a dita jóia rara ñ venderia só mostraria e só cobrando ingressos de dez reais e

mais dez para poder tocar hahahaha!!!!!!”(E128T4C8). É patente, nesta resposta, a esperteza

que o membro faz questão de demonstrar quando responde que cobraria dinheiro das pessoas

para ver e mais caro ainda para tocar na suposta coca-cola de 20 litros. Constitui-se, aqui, uma

ameaça à face do outro em relação a quem o interactante seria mais esperto.

Flexível: situação de face em que a pessoa se mostra indiferente às opções que lhe são postas,

em relação às escolhas da marca e seus produtos. Em geral, carrega um tom de salvamento da

face, pois pode vir acompanhada de justificativas, ainda que pouco evidentes, pela(s)

escolha(s). Trata-se de um tipo de face adotada para justificar as variações na escolha das

marcas, dependendo da situação; ou seja, serve para caracterizar as mudanças nas escolhas de

marca da pessoa, que são justificadas sob a idéia de que alguém pode gostar e se identificar

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com mais de uma marca, sem que, por isso, perca a identificação que cada uma delas serve a

quem as escolhe.

Vejamos um exemplo: “entre a zero e a original eu gosto mas da original.... meu

amigo se ñ tive a original vai a zero.... sendo coca vai a qualquer hora..” (localizador:

E51T2C8).

Em outra resposta sobre quanto, percentualmente, prefere-se a coca-cola em relação a

outros refrigerantes, temos: “Banlaciado entre Kuat e Coca-Cola” (E89T1C3). O uso da

palavra “Banlaciado” (balanceado) já anuncia que a pessoa não apresentará uma resposta com

uma única opção, e, de fato, quando responde com duas possibilidades de escolha, o membro

constrói uma face flexível, também servente ao salvamento de sua face, pois não precisa

restringir sua resposta a só uma opção, que poderia lhe render mais críticas do que sua

provável flexibilidade, que, por seu turno, abrange aprovação de um número maior de

pessoas.

Irônico: apresenta-se, normalmente, como uma ameaça à face do outro, pois se mostra em

tom de resposta a situações que carregam obviedade. Ou seja, este tipo de face se figura

recurso de ameaça à face de outrem e reforça uma característica positiva a alguém que

consegue elaborá-la, pois esta pessoa estará atenta a detalhes do contexto que, talvez, fujam

aos outros, e os inserirá na interação de forma que valorizem sua percepção e inteligência, na

adoção daquela marca.

Pode-se constatar no exemplo abaixo, na qual uma enquete, na comunidade da coca-

cola, pergunta se seus membros gostam de coca-cola: “Não, não eu to nessa comu pq eu

odeio” (localizador: E137T2C7), que denuncia a incoerência de quem elaborou a pergunta e

não observou que ela seria óbvia dentro de uma comunidade construída em torno desta marca.

Ilustremos, ainda, com mais uma situação na qual uma enquete levanta se é sabido que

existe coca-cola de 200ml e um membro lança: “grande coisa... poden inventar ateh a d uma

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gota... queremos eh a d 20 litros auhsuahsuahs” (E126T1C2). É evidente a ameaça à face de

quem elaborou a enquete, pela falta de sensibilidade ao lançar tal pergunta numa comunidade

que reivindica que se venda coca-cola em recipientes de 20 litros. A evidência reside nos usos

“... grande coisa...” e na risada sarcástica (auhsuahsuahs), que concedem o tom de ironia à

resposta.

Leal: caracteriza-se pela ênfase na escolha da marca, ou seu produto, sob quaisquer

circunstâncias. A elaboração desta face está atrelada à demonstração de identificação com a

marca enquanto signo, pois, a partir de elocuções que demonstram lealdade à marca, sob

qualquer circunstância, as pessoas buscam comunicar aos outros interagentes uma ligação

profunda com a marca. Além disto, esta face é mais usada como recurso de salvamento da

face do que de ameaça, mas esta última possibilidade não é nula. Como se vê em:“ehh óbvio,

lógico, claro e evidente.. que pepsi pode ser oq for.. ( e a única coisa kii eh::: Horrível..)mas

eoO naoO beboO nem se me pagarem..Eh coca-cola.. nao importa de que jeito” (localizador:

E16T2C5).

Em outra situação, um membro responde, ao ser questionado se coca-cola engorda:

“EU NOOOM ME PREOCUPA EU GOSTO DELA ASSIM MESMO” (E6T1C1). A despeito

da ameaça à saúde e à estética suposta pela pergunta, o membro não renega sua escolha; ao

contrário, enfatiza-a com o uso “... assim mesmo”, caracterizando, assim, sua lealdade à

marca, e, além disto, salva sua face, pela incondicionalidade de sua escolha, pressupondo

ameaça à face de quem assim não for, em relação à coca-cola.

Racional: São tentativas de demonstrar racionalidade no consumo, na opção da marca e seus

produtos, e, geralmente, carrega tom de ameaça à face do outro, especialmente, daquele que

demonstra sentimento exagerado à marca.

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Este tipo de face é adotado por pessoas que desejam, assim, renegar que sejam

dominadas ou manipuladas pela marca ou pelo consumo, daí, costumam admitir a opção pela

marca, mas sempre o fazem de modo a elaborar uma face racional, que o projete,

positivamente, como alguém que tem controle da situação e da sua vida. Segue exemplo: “O

medico dissse q A coca distrói os ossos e q se tu toma di++Morre + cedo” (localizador:

E143T1C2).

Ao se questionar “pra vc o que é coca-cola?”, tem-se em uma das respostas que se

pode considerar um exemplo de adoção da face racional: “eu não idolátro uma coca gosto

bastante mas não dexa d ser só um refri” (E47T2C4). A preferência pela coca-cola é

constatada na resposta do membro, e, inclusive, na sua participação ativa na comunidade, mas

ele faz questão de enfatizar uma suposta racionalidade na sua opção e consumo da marca ao

mencionar “eu não idolatro uma coca...” e “... só um refri”, mesmo após afirmar que “...

gosta bastante...”. Ademais, como já dito, anteriormente, ao adotar uma face racional, o

membro ameaça a face de outrem que não assuma o consumo da marca desta forma, e salva a

sua própria face, pois demonstra, ou pelo menos, deseja demonstrar, que mantém o controle

do seu consumo a despeito de todas as investidas de marketing da marca.

Radical: Significa sentimento radical pela marca ou seu produto, fechando espaço para outras

possibilidades. A pessoa tenta demonstrar a adoção da marca de forma tão veemente que não

abre espaço para outras em seu discurso. Desta forma, temos um recurso que funciona mais

como recurso de ameaça à face de outrem do que ao salvamento da própria face.

Vejamos um exemplo: “Todos os dias, o dia todo, a qualquer hora, amo tanto coca

cola que não tomo nenhum outro refrigerante.” (Localizador: E78T1C4).

Em outro exemplo, ao responder sobre o que é coca-cola pra ele, um membro desafia:

“prefiro Pepsi + mesmo assim eu gosto d coca e quem quiser me xingar pq eu falei isso, fique

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a vontade” (E47T1C1). A face radical se desenha, principalmente, pela atitude que o membro

adota quando, além de optar por outra marca, distinta da que guia a comunidade, ainda desafia

quem quiser lhe criticar; ou seja, ele adota uma postura radical diante do contexto de

concordância em relação à marca coca-cola, característica da maior parte da comunidade.

Assim, ainda, ameaça a face dos outros, diretamente, porque desafia quem condenar sua

opção discordante da comunidade.

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5 Conclusão

Ao final dos esforços empenhados nesta pesquisa é chegada a hora de ponderarmos

sobre o rico material que dela resultou, considerando-se, principalmente as questões

específicas e a questão-guia, que são suas reais norteadoras, mas que, como foi dito no início

deste trabalho, não se propunham a encerrar todas as considerações concernentes aos assuntos

de que tratam.

Enveredar-se por uma nova forma de olhar o mesmo assunto que já conta com uma

forma consolidada de ser abordado não é tarefa fácil, mas foi a opção por este novo olhar que

nos permitiu vislumbrar, consequentemente, novas considerações a respeito da área do

comportamento do consumidor que lida com a maneira como se dá a formação do “eu” nas

pessoas (SIRGY, 1982; CLAIBORNE E SIRGY, 1990; BELK, 1988; KERNAN, 1992; SCHOUTEN,

1991; MOWEN E MINOR, 2004; SOLOMON, 2002; SCHAU E GILLY, 2003; GROVE E FISK, 1992;

CZELLAR, 2006), sendo que nosso trabalho remete este assunto em relação à escolha e aos

usos da(s) marca(s) em consonância com os “eus” que estas pessoas desejam cultivar ou

demonstrar aos outros, em determinadas circunstâncias. E, neste novo olhar, embora já venha

sendo, há pouco tempo, campo de alguns autores (GROVE AND FISK,1992; GRÖNROOS, 1985),

reiteramos uma grande importância conferida à interação na formação destes “eus”.

Nesta busca pela compreensão do “eu”, recorremos a áreas ainda pouco consideradas

pela tradição do marketing, mais especificamente pela gestão de marcas e do marketing de

relacionamento, onde adotamos as ciências sociais como lente para esta elaboração, a fim de

colaborarmos com uma visão distinta daquela que envereda pela administração como ciência

aplicada para outra visão que pudesse enriquecer ontológica e epistemologicamente o referido

campo a partir da ótica das ciências sociais. Igualmente, segundo esta ótica da pesquisa social,

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buscamos consolidar a importância das atividades marcárias para o marketing, enquanto

caminhos para melhor entendimento das relações que por elas perpassam, cujo interesse para

a área é considerável diante da sociedade do consumo, na qual as marcas se inserem como

signos inerentes às interações entre as pessoas e servem à comunicação sobre seus “eus” e

sobre o acesso aos “eus” dos outros, donde inferimos a formação e os tipos de face, que, por

seu turno, oferecem um novo conteúdo às áreas mencionadas, tanto para enriquecimento das

teorias quanto para a aderência de suas práticas.

Ao buscarmos um meio, neste caso, um protocolo, que nos permitisse acessar e

interpretar a linguagem, verbal e não-verbal, utilizada na internet, deparamo-nos com a

constatação de que as pessoas, diante da, praticamente, onipresença da internet e sua

importância na agilidade conferida as suas vidas, criam formas de comunicação adaptadas a

este ambiente, e, o mais interessante, esforçam-se por expressar, inclusive, os aspectos não-

verbais, que na interação face a face já são difíceis de serem destacados do contexto, devido a

sua inerência a fatores culturais e sociolingüísticos, e que vão além da voz.

Assim, as pessoas se utilizam de símbolos, cujo significado é compartilhado por outras

pessoas, enquanto inseridas neste ambiente, para superar a limitação visual que ainda persiste

em comunidades virtuais, nosso lócus. Ainda sobre o esforço empreendido para adequar esta

linguagem ao ambiente virtual, percebemos que ela carrega consigo características que se

relacionam à velocidade típica da internet, pois, em grande parte, a linguagem apresenta

reduções de palavras, termos, números e símbolos na sua forma escrita, substituta da voz e de

outros aspectos da linguagem, no ambiente virtual; isto é, há uma redução nas letras, mesmo,

das palavras escritas, bem como descarte no uso de acentos (FREITAG; FONSECA E SILVA,

2006), geralmente substituídos por outras letras, e adoção de símbolos e novas formas de uso

das letras e números para demonstrar expressões faciais, sentimentos e outros recursos da fala,

que estão além do proferimento de palavras; tudo visando a acompanhar o ritmo frenético

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com que os acontecimentos se dão pela internet, e este esforço carrega, ainda mais, a

importância da cultura e dos aspectos sociolingüísticos na interação, pois que, serão cruciais

para o compartilhamento dos significados.

Tal quadro nos remete às neotribos de Maffesoli (2006), numa interpretação de que

esta linguagem particular que encontramos nas comunidades virtuais (de marcas) se mostra

como um esforço de pertencimento - dentre outros aspectos que pudemos enumerar quando

tratamos de comunidades - originado do individualismo e da massificação da sociedade,

conforme argumento do autor. Assim interpretamos, também, porque, como já fora dito, os

significados desta linguagem são compartilhados, o que nos remete à idéia de finitude, pois

estes significados não serão compartilhados por todos no mundo, mas, sim, por um grupo, ou

comunidade que se agrega em torno de alguns interesses em comum, dentre outros motivos e

características já esboçados na seção sobre comunidades.

Outro ponto de destaque gerador de algumas considerações reside, exatamente, na

principal busca desta pesquisa: a elaboração das faces mediadas por signos marcários.

Durante esta busca, e após uma concepção para os usos da linguagem no ambiente virtual das

comunidades, interpretamos que a elaboração das faces se apresenta em qualquer interação,

quer seja esta face a face ou virtual; sendo que o contexto em que ela ocorre é determinante

sobre que signos a permearão, dado que elas (as interações) são suscitadas, geralmente, sob

contextos ou assuntos que sejam compartilhados pelos interagentes, como numa busca pela

tipificação (BERGER E LUCKMANN, 2006) recíproca, a fim de estabelecer uma comunicação

com significados compartilhados, cujo principal objetivo será o salvamento da face ou a

ameaça a esta, de acordo com o tipo de face que os interagentes almejam elaborar durante

interação.

Por conseguinte, em nossas análises dos dados da comunidade virtual da marca

escolhida, como uma das possibilidades que o estudo destas elaborações pode nos fornecer,

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inferimos que as marcas, e tudo que se refere a elas (características tangíveis e intangíveis), no

contexto da comunidade, tornam-se recursos ou atos de fala (atividades marcárias)

legitimadores da face que os interagentes ali envolvidos elaboram, dado que buscam

demonstrar e se fazer crer que mantêm, de fato, uma identidade com aquela marca, quer seja

isto feito por meio de ameaça à face de outrem ou pelo salvamento da sua própria face, ou do

outro, mas, por fim, para construir uma imagem positiva de si aos olhos dos outros.

Salientamos, ainda, que a elaboração da face é uma ação desempenhada pelo interagente de

forma natural, pois isto é apreendido ao longo da socialização, de acordo com Berger e

Luckmann (2006). Em nossas análises, tanto corroboramos com esta afirmativa como

inferimos que a elaboração da face não é da consciência do sujeito, mas algo que é adotado,

de forma natural, objetivando uma avaliação positiva de si pelo outro, mas sem figurar uma

opção, como se houvesse outras a sua escolha, e sim, apenas esta, já que foi um processo

aprendido durante toda a sua vida pela socialização e suas etapas.

Em prosseguimento à elaboração da face, cabe tecermos algumas considerações sobre

os tipos de face que se revelaram após as análises dos dados desta pesquisa. Tais tipos

fornecem um material de cunho muito prático à área do comportamento do consumidor, pois

que podem ser compreendidos como uma nova forma de olhar a identidade da marca para a

formação dos “eus” dos consumidores. Nosso pensamento aponta para que as marcas,

considerando os tipos de face, assumam diversas características que possam se aproximar das

elaborações das faces dos seus consumidores e acompanhar suas dinâmicas; isto é, ao invés de

determinar uma única identidade para a marca, apresentar esta e suas características de forma

maleável, a partir da concepção de que os consumidores não possuem apenas um “eu”, e sim,

que este pode ser variado e circunstancial, como aspecto inerente a sua formação social. Por

conseguinte, teríamos marcas que pudessem se referir a vários “eus” e às suas dinâmicas

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contextuais, sem apelo à objetividade e determinação dos sujeitos que geralmente

acompanham o processo de composição da identidade e da construção da marca.

Portanto, nossas inferências, no que tange à questão-guia desta pesquisa, apontam

para, assim como já supúnhamos em nossas questões norteadoras e guia, as marcas como

signos de linguagem (LEÃO E MELLO, 2007); contudo, sua importância na elaboração das

faces, no contexto das comunidades virtuais de marca, está, diretamente, relacionada aos usos

que se fazem da(s) marca(s) neste contexto específico; ou seja, na comunidade de uma

determinada marca, os usos desta, bem como de seus aspectos tangíveis e intangíveis, estarão

atrelados aos significados compartilhados pelos membros que desta comunidade participam,

e, que, por sua vez, servirão à elaboração das faces destes interagentes durante as interações

virtuais na comunidade, acompanhando a dinâmica que eles desejam adotar. No entanto, vale

ressaltar que os usos da marca, enquanto signo de linguagem, não se restringem ao ambiente

virtual, haja vista que compõem, também, as interações face a face, como já reconhecido no

trabalho de Leão e Mello (2007). Apontamos ainda que os tipos de face inferidos nesta

pesquisa não encerram todas as possibilidades destes; ao contrário, abrem caminho para um

uso gerencial como uma nova opção à construção de marcas e sua relação com os “eus” dos

consumidores que deseja alcançar, considerando a dinâmica inerente à elaboração das faces

que compõem estes “eus”.

Cabe, ainda, uma reflexão sobre a influência das marcas na elaboração das faces dos

sujeitos, pois que esta, ao que nos parece, tornou-se um processo inerente à socialização nas

sociedades de consumo. Desta forma, podemos inferir que este processo, ao passo que acirra o

individualismo, concomitantemente, depende do coletivismo, porque, ao observarmos em

detalhes, temos: signos (marcas) com significados compartilhados, que funcionam à

elaboração de uma face que seja positiva aos olhos do outro, em ambientes comunitários

(virtuais) - ainda que num sentido distinto daquele que caracteriza as comunidades primitivas.

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Ora, o que interpretamos desta conjuntura é que há uma dinâmica de idas e vindas entre o

individualismo e o coletivismo, que objetiva a interação (ainda que virtual) entre os sujeitos,

compondo o tecido social característico das sociedades de consumo; assunto que deveria

inspirar maior importância aos olhos acadêmicos e políticos, afinal, falamos de vidas, que não

podem ficar à mercê dos auspícios comerciais, meramente. Falamos de signos que

enriquecem as interações e são inerentes à socialização dos sujeitos, atualmente (BARBOSA E

CAMPBELL, 2006); todavia, são gerados com intuito comercial e lucrativo, diferentemente dos

signos criados para perpetuação da cultura. Não que as marcas não possam se perpetuar

culturalmente, nem que desejemos instalar, aqui, uma visão purista do assunto, como fez

Slater (2002), uma vez que já reconhecemos a importância delas nas sociedades atuais, mas

não podemos assistir a este processo de modo tão passivo quanto se fosse natural à

humanidade, enquanto condição de vida, quando não o é.

Portanto, sugerimos a adoção destes signos de modo crítico, sem apelos a uma suposta

consciência do sujeito, mas, sim, sendo reconhecidos como signos comerciais que, até,

participam da atual sociedade, contudo, não dizem respeito à cultura alguma, especificamente,

pois que são frutos da globalização, e que seus usos, isto sim, é que podem caracterizar uma

cultura específica.

Por fim, a partir dos achados desta pesquisa, podemos considerar que o conhecimento

do marketing, independente de sob qual perspectiva, ainda se perfaz superficial em relação à

gestão de marcas e ao marketing de relacionamento; mais especificamente, podemos inferir

que pesquisas que se debrucem sobre o comportamento humano, sob a ótica da

interdisciplinaridade, especialmente, da social e antropológica, possivelmente, estarão mais

próximas de compreender os elementos que permeiam, atualmente, as relações sociais, e,

consequentemente, o comportamento do indivíduo e consumidor, já que estas duas instâncias

se encontram tão atreladas entre si.

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Diante disto, vislumbramos, enquanto possibilidade para futuras pesquisas, outros

estudos sobre a influência das marcas na vida das pessoas, a partir da linguagem, uma vez que

elas se configuram como signos, inerentes à cultura de consumo. Assim, pesquisas desta

natureza podem ser realizadas em outros lócus além da internet, dedicando-se, por exemplo,

às interações entre vendedor e consumidor em lojas de varejo, no momento da compra, a fim

de compreender a influência das marcas na formação do “eu” durante o processo de compra, a

partir dos discursos, considerando-se os elementos de marca que apontam para sua opção,

ainda que não seja a decisão de compra em si. Ou, ainda, pode-se adotar esta mesma linha de

pesquisa para, considerando os usos das marcas nos discursos e na formação dos “eus”,

direcioná-la a diversos contextos em que se deseje uma compreensão sobre quais caminhos as

pessoas percorrem para a adoção de uma marca ou outra de acordo com que imagem elas

objetivam construir aos olhos do outro, em variados contextos.

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