Resenha - A Ideia de Cultura_Eagleton, Terry

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  • 8/13/2019 Resenha - A Ideia de Cultura_Eagleton, Terry

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    Eagleton, Terry. (2003).A ide ia de cul tura Lisboa, Actividades Editoriaispp., 167ISBN 972-759-511-1

    Lina Fernanda Cabral FonsecaUniversidade do Minho, Braga, Portugal

    12 de Dezembro de 2006

    O livroA ideia de culturade Terry Eagleton est organizado emcinco captulos que se relacionam, todos eles, directamente com o ttuloescolhido para esta obra. Provavelmente nenhum outro ttulo se adequariatanto a esta obra como o que foi eleito.

    Toda a obra retrata aspectos culturais. O autor faz umaabordagem temporal histrica, evolutiva, iniciando pelo aparecimento doconceito de cultura, referindo-se s diversas verses de cultura captuloI. No captulo seguinte e estando a cultura relacionada com a sociedade,retrata-a como dinmica e em crise. Esta ideia dilata-se no capitulo III aoreferir a existncia de guerras culturais, j que cultura referente humanidade em geral e pode ser tambm um produto da poltica. Semesquecer a cultura relacionada com a natureza no captulo IV, o autor fazuma distino entre a influencia que a natureza e a cultura podem ter nasociedade. A problemtica abordada no captulo V prende-se com a ideia de que a cultura s podeperdurar se for de uma maioria popular e no uma cultura minoritria

    Eagleton (2003) d-nos no captulo 1 Verses da cultura, uma perspectiva geral de toda a obra.Somos levados a perceber os diferentes significados da palavra cultura. Faz-se uma descodificao dotermo que acompanha o xodo rural para as cidades. Inicialmente ligada com o campo, num processomaterial, numa actividade, passa a fazer parte de uma ligao com o esprito; faz parte de umapopulao que no se relaciona directamente com as actividades da terra, mas antes daqueles que tmtempo para se instruir; como refere o autor (2003: 12) , a agricultura no permite tempo livre para acultura.

    Eagleton levanta um pouco do vu da relao entre cultura e natureza. A natureza estabelececontinuidade entre o Homem e o ambiente. J cultura tem um significado diferente: reala asdiferenas. O Homem apesar de fazer parte da natureza pode ser distinguido pela capacidade de seautomodelar. Aqui introduzida uma outra verso de cultura, relacionada com uma cultura de Estado.H passagem do natural para o artificial. Como referido Os interesses polticos governam osculturais definindo assim uma verso de humanidade (2003: 19). Cultura, no sendo o mesmo quecivilizao, uma forma de poder que depende da sociedade devendo ser promovida pelo estado paraque a sociedade civil seja harmoniosa e responsvel, seja humana que o mesmo que livre deconflito. Os cidados so formatados de acordo com as necessidades polticas; no entanto a cultura contrria poltica pois favorece todas as qualidades humanas e no uma em especial. A culturaimplica uma viso global no s dos interesses prprios, mas tambm dos outros. Existe umainterligao entre cultura e vida social no mundo ps-moderno. A cultura floresceu na modernidade.

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    Ainda neste captulo so analisadas as variantes da cultura num domnio mais geral como ascincias e filosofia e num mais especfico como a msica, a pintura e a literatura. Esta reduo faz comque esta ideia de cultura se restrinja a uma pequena parte da populao. Aqui Eagleton (2003) aborda operigo de declnio da cultura apoiada na arte pois esta tem tendncia a desaparecer. Com uma mudanada sociedade a cultura sobreviver se for ao encontro de determinados bens materiais e desde que no

    se especifique demasiado, pois perde a sua capacidade crtica.No captulo II -A cultura em crise, Eagleton (2003) deixa transparecer as dificuldades em definiro que e o que no cultura. Hoje tudo parece cultura mas havendo uma especializao cada povo temas suas referncias literrias, culturais e artsticas. O autor faz uma distino entre Cultura, como sendoum termo mais abrangente, e cultura como mais especfico, referente a um povo, a uma civilizao. Oque antes podia unir os Homens, agora pode afast-los. Como refere o autor (2003: 57), a culturapassou de parte da soluo a parte do problema. A cultura passa a fazer parte do conflito poltico.

    Cultura ao confundir-se com sociedade relaciona-se com o homem e por isso, tudo deveria sercultura; mas de facto o que se passa diferente. Eagleton (2003: 51) traz colao o raciocnio de

    Williams salientando que a cultura um elemento construtivo de outros processos sociais, no o seureflexo ou representao.

    Com a religio a perder o controlo sobre as massas trabalhadoras (Eagleton, 2003: 60), a ideiade cultura, antes ligada com a religio est em queda. A cultura parece-me parte integrante da poltica,envolvendo questes econmicas, sem a capacidade de exercer o seu papel de homogeneizar, deunificar a sociedade. A alterao social pe em risco a cultura. Eagleton (2003) transmite a ideia da nosupremacia de uma nica cultura. Apesar disto a cultura ocidental v-se como universal e portantocapaz de alterar as outras. O autor (2003) refere-se cultura como no esttica, mas antes dinmica,logo no pode ser comum, caso contrrio passar a ser considerada civilizao.

    Em Guerras culturais mais precisamente no terceiro captulo - faz-se uma ponte, tal como emtodos os outros, com os assuntos que previamente foram abordados e com os que ainda se iro falar.Neste novo milnio as guerras culturais ganham grande importncia na poltica mundial sendo cada

    vez maiores as diferenas econmicas entre os povos.

    Eagleton (2003) faz uma abordagem existncia de diferentes naes com culturas prprias,que so promovidas pelo Estado e unificadas pela poltica. Faz vrias vezes referencia Europa comolocal de produo da alta cultura, como produto da civilizao, a uma cultura ocidental que tidamuitas vezes como universal por nada impor s restantes. Apenas tenta cham-las razo.

    A cultura ocidental tem-se a si prpria como a Cultura, onde no se consideram outras raas,outras religies, outros nacionalismos. As guerras culturais so entre a cultura ocidental e outrasculturas. Portanto as grandes guerras culturais situam-se no Ocidente. Estas guerras culturais sodevidas a uma movimentao, uma infiltrao dos povos, principalmente dos islmicos - com um fortesuporte poltico ou religioso - na cultura ocidental desagregando-a e fazendo surgir novas culturasconduzindo a uma perda de identidade. As funes ideolgicas da religio com papel unificador demassas e elites no podem falhar, sob pena de haver crise cultural. Mas realmente a religio no

    Ocidente est em crise e um dos motivos desta crise a actividade capitalista mundana. A cultura ps-modernista fortemente sustentada pela economia, pelo consumismo; hoje o maior conflito entre aeconomia e a identidade cultural.

    Como referido na obra as sociedades actuais so grupos de subculturas que se intersectam(Eagleton, 2003: 101). Isto acontece no apenas pela migrao de povos mas tambm pela informtica.No h de facto melhor expresso do que aquela que a seguir transcrevo para ilustrar este facto:Enquanto os emigrantes viajam pelo mundo, o mundo viaja at aos cosmopolitas (Eagleton, 2003:87). Podemos questionar: at que ponto a tecnologia educativa contribui para pr a cultura em risco.Realmente estamos cada vez mais integrados em diferentes mundos em simultneo. Vivemos numMundo dividido por outros mundos onde o Estado-nao pode deixar de fazer sentido seconsiderarmos a comunidade internacional.

    Parece-me ainda interessante a ideia de que hoje o mundo dividido pelos processos quesupostamente o unificariam (Eagleton, 2003: 99). Se pensarmos na altura em que surgiu a internet,todos ramos levados a crer que seria um meio para unir povos, as civilizaes; no entanto, se

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    reflectirmos no que se passa na realidade percebemos que esta tecnologia antes uma forma de osdividir. (nas escolas poder passar-se algo semelhante com a tecnologia educativa). Portanto, a internetdeve ser tomada tanto como um meio de unir, como de separar as comunidades.

    O captulo IV Cultura e natureza inicia-se por uma abordagem preocupao que as pessoas tmcom o corpo que nos liga a um grupo que designamos espcie, que natural e que se tornou numa

    cultura. Os ps modernistas preocupam-se com o corpo, que visto como construo cultural ecom o qual tudo se relaciona incluindo a comunicao.

    Integrando nascena uma cultura da qual no nos separamos mais e com o surgir dalinguagem e de toda a simbologia acabamos por nos afastar de uma natureza inata. O autor faz umaanalogia muito interessante entre os humanos dotados de linguagem, e os outros animais ditosselvagens ou irracionais. Realmente as criaturas que utilizam uma simbologia, que pode ser a linguagem,so capazes de uma maior agressividade pela ironia que os animais selvagens que se agridemfisicamente; a simbologia utilizada pelos homens pode ter vantagens mas muitas desvantagens; podepr-nos em desacordo com os outros. Somos portanto uma mistura de seres culturais e naturais.

    A nossa constituio fsica no nos permitiria sobreviver neste mundo se no fossemos dotadosde uma cultura da qual dependemos nascena, tal como dependemos das nossas mes; o mesmo no

    se passa com os outros animais, que tambm passam pela socializao que so desde o nascimento maisindependentes relativamente a todo o meio envolvente.

    As vidas humanas no so apenas determinadas pelas necessidades naturais ou materiais, maspor necessidades culturais que so muitas vezes mais persistente que a natureza. No entanto, num pasconservador no h evoluo poltica nem cultural pois a natureza humana a cultura!

    Apesar de fazermos parte de uma cultura e de necessitarmos de depender dela, no temos queconcordar integralmente com tudo o que por ela defendido. Portanto, uma cultura estando emconstante contacto com outras pode ser facilmente modelada; no algo fechado, mas antes aberto.

    A incapacidade de nos abstrairmos do nosso carcter animalesco e as necessidades naturaislevam-nos a desenvolver uma poltica. Terry Eagleton (2003) tece uma dura crtica aos norte-americanos: sociedade egocntrica e aos polticos que recorrem frequentemente a uma linguagem de

    divindade para justificar as suas sombrias aces. entoquestionada a semelhana entre religio ecultura.

    Culturalismo surge em oposio a naturalismo. Critica o facto de muitos Homensdesacreditarem as Cincias da Natureza. Neste captulo podemos perceber que ao contrrio do que sepoderia pensar, cultura no nos desenvolve harmoniosamente mas pode mesmo levar-nos autodestruio pois da interaco entre a cultura com a natureza surgem foras como violncia, desejode vingana, paixo e domnio que nos podem levar escurido.

    Finalmente no ltimo captulo Para uma cultura comumEagleton (2003) deixa a nu que a culturapode ser comparada com a conscincia que nunca est completa nem estvel, nem terminada. Naactualidade percebemos que as pessoas se unem pelos mesmos modos de vida e no pela literatura oumesmo pela religio. Numa cultura comum apesar dos valores particulares serem os mesmos, os nveis

    de participao e conscincia so diferentes. Podemos considerar que a cultura se divide em consciente(referente a todos, a uma maioria) e em inconsciente (referente minoria). No h portanto umacultura comum.

    Terry Eagleton (2003) defende que uma cultura s pode perdurar se for uma cultura de umamaioria popular e no uma cultura minoritria; no entanto, esta cultura de massas inicialmenteimplantada por uma minoria, atravs da poltica. A cultura abordada de modo diferente conforme asclasses sociais pois os interesses so igualmente diferentes. O autor faz uma decantao crtica exaustivaentre a cultura comum defendida por Eliot e por Williams.

    Para Williams a cultura em comum resulta de uma participao activa de todos, de umasociedade; para este autor Uma cultura comum nunca poderia ser inteiramente autotransparente ... porcausa do grau de colaborao que supe (Eagleton, 2003: 154). J para Eliot, segundo Eagleton (2003:

    154) a cultura comum elitista j que os valores em causa so os de uma elite existente e no sofreroalteraes significativas no processo de transmisso para o povo .

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    Ambos os autores consideram os valores duma classe social como intervenientes no processocultural: Eliot considera a aristocracia e a intelligentsia de direita, Williams o movimento da classeoperria, cujas tica de solidariedade e instituies cooperativas prefiguram uma cultura comumbastante mais inclusiva. No entanto o primeiro no prev qualquer alterao a esses valores poisconsidera que o povo no capaz de tal e tambm porque no prev a colaborao das classes na

    elaborao de uma cultura. J o segundo considera que esses valores podero sofrer uma transformaode acordo com as classes sociais. Cultura comum diferente de cultura uniforme. Eagleton (2003) falade uma cultura ps-moderna como uma cultura sem classes, relacionada com a influncia doconsumismo e dos mediadando a ideia de o destino do conceito ser coisificado ou reduzido.

    Por muitas e variadas razes a cultura converteu-se numa preocupao vital para a eramoderna (Eagleton, 2003: 166). Parece-nos que a cultura responsvel por todos os problemassociais, mas de facto Eagleton defende que no assim. No vivemos apenas da cultura. Tambm

    vivemos para a cultura (Eagleton, 2003: 167).Eagleton (2003) termina com uma expresso relativa posio da cultura. Parece que a cultura

    tem actualmente uma importncia mas assumiu uma dimenso poltica tornando-se por vezesdesproporcionada e mesmo arrogante, sendo portanto necessrio voltar a p-la no seu lugar.

    Termino esta resenha socorrendo-me de uma ideia constante no ltimo captulo: esta obra trata de umeco distino de Williams entre formas de cultura residuais, dominantes e emergentes.

    Acerca do autor do livro:Terry Eagleton um filsofo e crtico literrio britnico identificado com o marxismo que temintegrado os estudos culturais com a teoria literria mais tradicional. Foi discpulo de Raymond

    Williams, professor de Literatura Inglesa da Universidade de Oxford e actualmente lecciona Teoria daCultura na Universidade de Manchester. Autor de vrias obras entre as quais Teoria da Literatura: umaintroduo e As Iluses Do Ps-modernismo, entre outras.

    Acerca da autora da resenha:

    Lina Fernanda C. Fonseca, natural de Vila Real, Portugal, onde se licenciou, em 1993, no ramoeducacional de Biologia e Geologia. Exerce a actividade docente no ensino secundrio e actualmenteencontra-se a iniciar o seu projecto de investigao do Curso de Mestrado em Tecnologia Educativa naUniversidade do Minho. A sua rea de investigao incide sobre a utilizao de blogues pelas cinciasnaturais e em contexto educativo.

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    Todas as informaes so avaliadas pelos editores:

    Editor para Espanhol e PortugusGustavo E. Fischman

    Arizona State University

    Editor Geral (ingls)

    Gene V GlassArizona State University

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    Editora de Resenhas Breves (ingls)Kate Corby

    Michigan State University

    As resenhas so arquivadas e sua publicao divulgada por meio da listserv (EDREV). Education

    Review um signatrio da Budapest Open Access Initiative.