3
RESENHA AÇÃO ECONÔMICA E ESTRUTURA SOCIAL: O PROBLEMA DA IMERSÃO (Mark Granovetter) O problema hobbesiano da ordem social para o qual ele encontra solução na formação de um estado autocrático autoritário constituído a partir de um contrato social no qual os indivíduos abdicam de seu poder particular em prol de uma convivência não beligerante, encontrando, a partir de então e das relações sociais que se estabeleceram, transformações institucionais e comportamentais a fim de evitar a “guerra de todos contra todos”, como hipoteticamente haveria de ter sido em algum estado anterior ao estabelecimento da vida societal, o que Hobbes chamou “estado natureza”. No artigo Ação Econômica E Estrutura Social: O Problema Da Imersão, Granovetter afirma que é neste ponto que economistas e sociólogos divergem quanto à influência das relações sociais em relação ao comportamento e as instituições, principalmente no que concernem as sociedades pré-mercantis e modernas. Enquanto sociólogos apontam para o fato de que as relações sociais exerceram grande influência no comportamento dos indivíduos em sociedades pré-mercantis e que, com o advento da modernidade, a esfera econômica tornou-se autônoma, alheia de certa forma às relações sociais, economistas apontam para o lado oposto, no qual a racionalidade e o interesse pessoal sempre orientaram o comportamento, relegando o papel das relações sociais tanto nas sociedades modernas como em sociedades anteriores. Assim, o que defendem os economistas é, portanto, que indivíduos atomizados buscando seus próprios interesses de forma racional sempre orientaram os comportamentos e instituições de forma mais efetiva que as relações sociais tanto hoje como outrora, em sociedades pré- mercantis. Para os economistas clássicos e neoclássicos, a atomização faz-se necessária para a existência de um mercado competitivo embasado na concorrência perfeita. Para estes economistas, a livre concorrência regularia o mercado, independentemente de relações sociais. As relações pessoais não influenciariam em decisões econômicas ou de mercado, daí resultariam, portanto, ações sociais subsocializadas, indivíduos agindo racionalmente buscando unicamente interesses próprios. Alguns autores citados por Granovetter que

RESENHA - Ação Econômica e Estrutura Social- Mark Granovetter

  • Upload
    roddox

  • View
    85

  • Download
    11

Embed Size (px)

DESCRIPTION

RESENHAAÇÃO ECONÔMICA E ESTRUTURA SOCIAL: O PROBLEMA DA IMERSÃOMark Granovetter

Citation preview

Page 1: RESENHA - Ação Econômica e Estrutura Social- Mark Granovetter

RESENHA

AÇÃO ECONÔMICA E ESTRUTURA SOCIAL: O PROBLEMA DA

IMERSÃO

(Mark Granovetter)

O problema hobbesiano da ordem social para o qual ele encontra solução na formação

de um estado autocrático autoritário constituído a partir de um contrato social no qual os

indivíduos abdicam de seu poder particular em prol de uma convivência não beligerante,

encontrando, a partir de então e das relações sociais que se estabeleceram, transformações

institucionais e comportamentais a fim de evitar a “guerra de todos contra todos”, como

hipoteticamente haveria de ter sido em algum estado anterior ao estabelecimento da vida

societal, o que Hobbes chamou “estado natureza”.

No artigo Ação Econômica E Estrutura Social: O Problema Da Imersão, Granovetter

afirma que é neste ponto que economistas e sociólogos divergem quanto à influência das

relações sociais em relação ao comportamento e as instituições, principalmente no que

concernem as sociedades pré-mercantis e modernas. Enquanto sociólogos apontam para o fato

de que as relações sociais exerceram grande influência no comportamento dos indivíduos em

sociedades pré-mercantis e que, com o advento da modernidade, a esfera econômica tornou-se

autônoma, alheia de certa forma às relações sociais, economistas apontam para o lado oposto,

no qual a racionalidade e o interesse pessoal sempre orientaram o comportamento, relegando

o papel das relações sociais tanto nas sociedades modernas como em sociedades anteriores.

Assim, o que defendem os economistas é, portanto, que indivíduos atomizados buscando seus

próprios interesses de forma racional sempre orientaram os comportamentos e instituições de

forma mais efetiva que as relações sociais tanto hoje como outrora, em sociedades pré-

mercantis.

Para os economistas clássicos e neoclássicos, a atomização faz-se necessária para a

existência de um mercado competitivo embasado na concorrência perfeita. Para estes

economistas, a livre concorrência regularia o mercado, independentemente de relações

sociais. As relações pessoais não influenciariam em decisões econômicas ou de mercado, daí

resultariam, portanto, ações sociais subsocializadas, indivíduos agindo racionalmente

buscando unicamente interesses próprios. Alguns autores citados por Granovetter que

Page 2: RESENHA - Ação Econômica e Estrutura Social- Mark Granovetter

escrevem sob essa perspectiva são Furubotn e Pejovich, 1972; Alchian e Demsetz, 1973;

Lazear, 1979; Rosen, 1982.

Rompendo com o atomismo e enfatizando o contexto social no qual os atores se

encontram, economistas neo-institucionalistas acabam enviesando por uma abordagem que

Granovetter, por sua vez, denuncia como sendo supersocializada. Sob essa perspectiva, a

socialização tem a incumbência de interiorizar nos indivíduos normas e valores, e estes, por

serem especialmente sensíveis às opiniões alheias, são resignados e obedientes. Economistas

como Harvey Leibenstein (1976) e Gary Becker (1976), que adotam essa perspectiva e,

segundo Granovetter (2007, p. 8), apesar de levarem “as relações sociais verdadeiramente a

sério [...] se abstraem da história das relações e de sua posição relativamente a outras

relações”, como resultado, as relações descritas resumem-se em relações entre papeis formais,

sem conteúdo individualizado.

Contudo, Granovetter argui que tanto a perspectiva subsocializada como a

supersocializada compartilham uma mesma concepção atomizada do ator social. A primeira

como resultada da busca utilitarista por interesses próprios e a segunda devido à interiorização

dos padrões comportamentais que minimizam os efeitos das relações sociais existentes sobre

os comportamentos.

Como alternativa teórico-metodológica, Granovetter propõe uma análise de rede que

considere não somente os papéis formais, estilizados, mas as interações reais e concretas entre

indivíduos e grupos. Para ele, as relações sociais e as redes de relações interpessoais

condicionam as ações dos atores sociais - a questão da imersão -, ou seja, “os

comportamentos e as instituições a serem analisados são tão compelidos pelas contínuas

relações sociais que interpretá-los como sendo elementos independentes representa um grave

mal-entendido” (2007, p.4), portanto, a imbricação de redes de relações sociais é o que

caracteriza o mercado e não a livre concorrência entre atores atomizados. Contudo, ele afirma

que o nível de imersão do comportamento econômico em sociedades pré-mercantis não era

tão substancialmente contrastante com os níveis de imersão encontrados nas sociedades

modernas, em contrapartida, ele afirma também que o nível de imersão é consideravelmente

maior do que sustentam os economistas.

Destarte, sua proposta para uma abordagem da imersão situa-se “entre a abordagem

supersocializada da moralidade generalizada e a abordagem subsocializada dos dispositivos

institucionais impessoais ao identificar e analisar padrões concretos de relações sociais”

Page 3: RESENHA - Ação Econômica e Estrutura Social- Mark Granovetter

(2007, p.15). Segundo essa abordagem, é a estrutura social que determina cada situação sem

produzir previsões generalizáveis de ordem ou desordem universal.

Granovetter afirma que a imbricação entre as relações sociais e as transações

econômicas de todo tipo inviabilizam a existência de qualquer modelo teórico de mercado

atomizado e anônimo, pois as relações sociais acabam por operar de maneira preponderante

no que pode haver começado como transações puramente econômicas.

Como afirma Granovetter

Os atores não se comportam nem tomam decisões como átomos fora de um contexto

social, e nem adotam de forma servil um roteiro escrito para eles pela intersecção

específica de categorias sociais que eles porventura ocupem. Em vez disso, suas

tentativas de realizar ações com propósito estão imersas em sistemas

concretos e contínuos de relações sociais (2007, p.9).

Portanto, a abordagem da imersão proposta por Granovetter evita os extremos da sub-

e supersocialização da ação humana ao afirmar que a maior parte do comportamento está

intrinsecamente conectado a redes de relações interpessoais. Assim, ambas as teorias, tanto a

perspectiva supersocializada de obediência passiva como a perspectiva subsocializada

atomística da escolha racional, mostram-se incompatíveis com a perspectiva da imersão

apresentada por Granovetter.