3
Amazônia Geopolítica na virada do III milênio – Bertha K. Becker, Garamond, Rio de Janeiro, , 2004, 166p., 85-7617-042-6 Ladislau Dowbor > Dicas de Leitura > Amazônia Geopolítica na virada do III milênio – Bertha K. Becker, Garamond, Rio de Janeiro, , 2004, 166p., 85-7617-042-6 A Amazônia não faz parte do nosso cotidiano, a não ser quando lamentamos o desmatamento, o garimpo e outras agressões ao meio ambiente. Bertha Becker, com a sua impressionante capacidade de organização da informação e de síntese, apresenta um livro pequeno mas muito rico, que transforma as nossas vagas noções embaçadas de fumaça das queimadas, numa visão sistematizada e diferenciada que como hoje se colocam os principais dilemas deste imenso território. Nas duas pontas, no Acre e no Amapá, uma estratégia de geração de renda com conservação do ecosistema florestal, na linha do Manejo Florestal de Uso Múltiplo, de conceitos novos como o de usofruto coletivo, ou ainda, nas áreas fragilizadas, o conceito de Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado (RECA). Ainda frágil e incipiente, esta estratégia abre caminho para uma visão moderna e cada vez mais intensiva de uso da biodiversidade, onde se cruzam as atividades tradicionais com os insumos tecnológicos mais avançados, com forte apoio inclusive de organizações não governamentais, gerando valor agregado com cosméticos, fármacos, fragrâncias, com o uso, digamos, inteligente dos recursos naturais. Ignacy Sachs qualifica isto de “vetor tecno-ecológico alternativo”.(93, 104) Estas duas pontas encerram um vasto arco que envolve Rondônia, a parte norte do Mato Grosso, Pará, Tocantins e Maranhão, formando uma gigantesca meia-lua de uns 300 a 500 quilómetros de largura, onde predomina a extratégia extensiva, e onde se dão as principais tensões que resultam do desmatamento, da progressão da soja e da pecuária

Resenha Amazônia Geopolítica Na Virada Do III Milênio

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Resenha do livro Amazônia Geopolítica na virada do III milênio – Bertha K. Becker, Garamond, Rio de Janeiro

Citation preview

Page 1: Resenha Amazônia Geopolítica Na Virada Do III Milênio

Amazônia Geopolítica na virada do III milênio – Bertha K. Becker, Garamond, Rio de Janeiro, , 2004, 166p., 85-7617-042-6Ladislau Dowbor > Dicas de Leitura > Amazônia Geopolítica na virada do III

milênio – Bertha K. Becker, Garamond, Rio de Janeiro, , 2004, 166p., 85-7617-

042-6

A Amazônia não faz parte do nosso cotidiano, a não ser quando lamentamos o

desmatamento, o garimpo e outras agressões ao meio ambiente. Bertha

Becker, com a sua impressionante capacidade de organização da informação e

de síntese, apresenta um livro pequeno mas muito rico, que transforma as

nossas vagas noções embaçadas de fumaça das queimadas, numa visão

sistematizada e diferenciada que como hoje se colocam os principais dilemas

deste imenso território.

Nas duas pontas, no Acre e no Amapá, uma estratégia de geração de renda

com conservação do ecosistema florestal, na linha do Manejo Florestal de Uso

Múltiplo, de conceitos novos como o de usofruto coletivo, ou ainda, nas áreas

fragilizadas, o conceito de Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado

(RECA). Ainda frágil e incipiente, esta estratégia abre caminho para uma visão

moderna e cada vez mais intensiva de uso da biodiversidade, onde se cruzam

as atividades tradicionais com os insumos tecnológicos mais avançados, com

forte apoio inclusive de organizações não governamentais, gerando valor

agregado com cosméticos, fármacos, fragrâncias, com o uso, digamos,

inteligente dos recursos naturais. Ignacy Sachs qualifica isto de “vetor tecno-

ecológico alternativo”.(93, 104)

Estas duas pontas encerram um vasto arco que envolve Rondônia, a parte

norte do Mato Grosso, Pará, Tocantins e Maranhão, formando uma gigantesca

meia-lua de uns 300 a 500 quilómetros de largura, onde predomina a extratégia

extensiva, e onde se dão as principais tensões que resultam do desmatamento,

da progressão da soja e da pecuária extensiva. Segundo Bertha, este arco,

ainda recentemente qualificado de “arco do fogo”, está mudando rapidamente,

evoluindo da simples expansão para uma intensificação do uso dos recursos

naturais, com urbanização mais estabilizada, (146), e onde a penetração de

estradas está gerando mais corredores de escoamento do que própriamente

integração regional (134). Apesar de insistir no peso das atividades extensivas,

Bertha considera que a dinâmica dominante é de racionalização crescente do

Page 2: Resenha Amazônia Geopolítica Na Virada Do III Milênio

uso dos recursos, substituindo gradualmente a exploração predatória mais

tradicional.

No centro e no oeste, no “fundão” amazônico, predominam os eixos definidos

pelos grandes rios, com ilhas de produção que gradualmente formam uma rede

regional, com novos eixos estruturadores e um papel significativo das cidades-

gêmeas fronteiriças, onde a bi ou tri-nacionalidade (Tabatinga) permite

intercâmbios crescentes, ainda que fortemente alimentados pela droga.

No conjunto aparecem com clareza crescente os eixos de comunicação e

transporte que devem integrar o conjunto, o eixo leste-oeste do Amazonas-

Madeira e possibilidades de extensão para o Pacífico (eixo intermodal); os

grandes eixos verticais como, além da Belém Brasilia, as rodovias Porto Velho-

Manaus, Cuiabá-Santarem, Manaus-Boa Vista-Caracas, Macapá-Caiena;

paralelamente se desenvolve a integração energética com transmissão de

energia hidroelétrica de Guri na Venezuela até Boa Vista, e o acordo de

exploração de gás e petróleo envolvendo Brasil-Bolívia-Peru-Colômbia e

Equador.

Esta visão mistura curiosamente o geógrafo, o economista e o planificador:

busca-se os eixos estruturadores de uma macro-região, e com isto vai se

desenhando uma Amazônia diversa, onde as excessivas simplificações não se

aplicam, e onde as infaestruturas, as dinâmicas produtivas e os processos

demográficos e culturais se cruzam de maneira rica e complexa. Importante

ainda é o conjunto de iniciativas que busca integrar e organizar de maneira

mais racional as diversas dinâmicas, como o Proambiente, o Reca, o GTA, a

lenta progressão da certificação da madeira, o avanço da demarcação das

terras indígenas, enfim, uma série de iniciativas cruzadas do Estado, dos

grupos econômicos e dos movimentos sociais, construindo uma realidade que

está mudando rapidamente.

A leitura flui, Bertha conhece suficientemente o assunto para soltar o estilo sem

prejudicar a sistematização e a visão de conjunto. O livro é pequeno, e constitui

seguramente a melhor introdução para quem quer dar uma atualizada geral na

sua visão daquilo que constitui uma boa metade do país. A bibliografia é enxuta

e bem centrada na temática, os mapas são lamentavelmente de difícil leitura,

mas nada é perfeito. De toda forma, é de se parabenizar a Garamond por

editar este trabalho.