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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO: JORNALISMO
JOSÉ ELIAS MENDES NETO
A DESCOBERTA DA VOZ COMO VERDADEIRA IDENTIDADE
Resenha apresentada como exigência
parcial para aprovação na disciplina
Mídias e Comunicação do Curso de
Comunicação Social da Universidade
Federal de Uberlândia.
UBERLÂNDIA – 2012
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A DESCOBERTA DA VOZ COMO VERDADEIRA IDENTIDADE
ANNAUD, Jean Jacques. A guerra do fogo (La guerre du feu). França – Canadá:
Lume, 1981. 100 min. Color.
Baseado no romance homônimo de J.H. Rosny Sr, o filme A guerra do fogo
retrata a dependência do fogo para a sobrevivência das sociedades pré-históricas às
adversidades naturais e à convivência com as outras espécies que viviam no
planeta. No entanto, um dos focos principais que movem a trama é a evolução da
linguagem nessas sociedades.
Com um estrondoso sucesso de bilheteria e vencedor de vários prêmios –
incluindo um Oscar (Melhor Caracterização) – o filme de 100 minutos foi
inteiramente filmado em locação para que as cenas correspondessem ao máximo
com a realidade da época.
A história foca nos Ulams, uma tribo de homo sapiens que perde a única fonte
de fogo durante um sanguinário ataque dos homens-de-neandertal. Sem haver
dominado a criação do fogo e cultuando-o como algo sobrenatural, os Ulams enviam
três guerreiros numa jornada para encontrar e recapturar as chamas da
sobrevivência. Assim começa uma jornada espetacular de aprendizado e evolução
na paisagem de outra época.
Indícios de uma comunicação primitiva acompanham os guerreiros nessa
aventura, onde a linguagem se baseava em gestos, gritos e grunhidos. Após
recuperarem o fogo confrontando-se com uma tribo de uma espécie de hominídeos
antropófagos, salvam uma prisioneira e, assim, presenciamos os primeiros vestígios
do amor e da ternura, quando um dos guerreiros passa a protegê-la e possuí-la de
maneira que lembra a monogamia moderna. Algum tempo depois, a prisioneira foge
para retornar ao seu grupo social.
Impelido por esse amor, o guerreiro sai à procura da mulher ao invés de voltar
com o fogo para sua tribo que o espera, apesar dos protestos de seus dois
companheiros. O novo grupo o aceita como igual, ele passa a viver entre eles e a
aprender sua cultura. Este segundo clã de hominídeos apresenta uma comunicação
visivelmente melhor desenvolvida, com maior número de sons articulados. Há
também outros elementos culturais, como moradias rudimentares e ritos, que
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denotam um maior grau de complexidade intelectual do segundo grupo com relação
ao primeiro.
Além disso, o novo clã domina a técnica de criação do fogo. Ocorre então um
grande salto evolutivo na história do guerreiro, que aprende a técnica por
observação. Na volta para casa, os três guerreiros apresentam-se claramente mais
evoluídos do que ao início da trama. Com uma articulação vocal cada vez mais
nítida e eficiente, os heróis trazem consigo novos saberes fundamentais para o
progresso da espécie humana – como o riso, o amor, a nova forma de tratar o sexo
feminino, entre outros – que transmitirão para seus conterrâneos.
A cena final mostra o herói principal acariciando a barriga de sua amada,
então grávida, e observando a lua. De uma perspectiva filosófica, percebe-se que o
guerreiro está despertando em si a virtude necessária para caminhar em direção às
faculdades da razão: a contemplação. O desfecho da aventura deixa implícito o
próximo passo da escala evolutiva da espécie. O homem agora possui algo que o
difere dos outros animais, ele possui algo que o define humano.
A comunicação humana é um processo que envolve a permuta de
informações e utiliza os sistemas simbólicos como suporte para este fim. A
verbalização da linguagem, ausente no filme, foi fator de relevante importância para
evolução da humanização da comunicação. A linguagem corporal desenvolvida pelo
pesquisador Desmond Morris e o idioma especialmente criado para a película pelo
premiadíssimo escritor Anthony Burgess vão de acordo com o que o filósofo Jean-
Jacques Rousseau considerou em seu Ensaio sobre a Origem das Línguas.
Rousseau prega que a primeira manifestação de linguagem no homem era como
forma de expressão de suas paixões (prazer, dor, medo, etc). O filme deixa claro
que existia comunicação entre os homens, mas essa comunicação não era
suficientemente abrangente, o que configura outra teoria de Rousseau: a linguagem
humana evoluiu gradativamente, a partir das necessidades de expressão de
sentimentos.
Um projeto revolucionário do diretor Jean-Jacques Annaud, A guerra do fogo
pode ser definido como o oposto de Guerra nas Estrelas (LUCAS, George. Star
Wars. 1977.) onde o idioma, os gestos, a seleção do elenco, a maquiagem, anos de
pesquisa e uma dezena de outros elementos críticos para a realização de um filme
derivaram-se em um clássico definitivo na história do cinema sobre a época
retratada. O resultado se mostra um estudo complexo e cativante sobre o
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comportamento e a linguagem dos hominídeos pré-históricos, altamente verossímil e
merecedor de ovação.
A representação da jornada como forma de metáfora da evolução da espécie
foi o golpe de mestre da produção. Cada minuto da aventura se converte em
aprendizado para os protagonistas, que adquirem cada vez mais conhecimento e
razão. O traço mais perceptível da metáfora do salto evolutivo é a linguagem, sendo
que a sofisticação na relação emissor-mensagem-receptor, ao fim do filme,
simboliza o momento exato em que a espécie humana conseguia – pela primeira
vez – abstrair uma ideia essencial à sua existência. O filme ilustra com majestade o
que diz Ferdinand de Saussure, considerado o pai da Linguística Moderna: o homem
é o único capaz de adotar signos para perpetuar, de forma a vencer distâncias e
tempo, seus conhecimentos.
Com atuações impecáveis de Everett McGill, Ron Pearlman, Nameer El-Kadi
e Rae Dawn Chong, A guerra do fogo é obra imprescindível a quem interessa
compreender e a partir disso cogitar sobre as formas mais antigas de um processo
evolutivo presente na história do ser humano. Além daqueles que se interessam pela
origem da linguagem e pelas raízes da espécie humana, universitários dos cursos
de Comunicação e História não podem deixar passar a oportunidade de assistirem a
esse filme. A temática do filme seria interessante também para alunos em formação
básica para o aprendizado da história da espécie humana, mas a ausência de uma
língua atual torna o filme monótono e cansativo, o que traz o desinteresse já quase
inerente às crianças e adolescentes em idade escolar.
Cineasta e produtor francês, Jean-Jacques Annaud nasceu a 1º de outubro de
1943 em Draveil, Essonne. Antes de se aventurar no cinema, estudou literatura na
Sorbonne. Começou dirigindo centenas de anúncios de televisão nos anos 60 e 70,
antes de escrever e realizar seu primeiro filme – Pretos e Brancos a Cores (Noirs et
Blancs en Couleur) – em 1976, baseado na sua experiência militar em Camarões.
Este filme foi premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, apesar de ter tido
pouco sucesso comercial. O seu filme seguinte, Golpe de Cabeça (Coup de Tête,
1979), preparou o terreno para que A Guerra do Fogo arrebatasse os Césares de
Melhor Filme e Melhor Realizador. A partir de então, foi considerado um realizador
incomum, que aceitou o desafio de levar às telas O Nome da Rosa (Der Name der
Rose, 1986), adaptação do livro de Umberto Eco, seu filme de maior sucesso entre o
grande público. O Urso (L’Ours, 1989), praticamente sem diálogos e baseado na
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história de amizade de um urso e um Kodiak, obteve o César de Melhor Realizador.
O Amante (L’Amant, 1992) chocou pela forma detalhada como levou para a grande
tela os amores entre uma francesa e um chinês rico na Indochina francesa dos anos
20, numa adaptação autobiográfica de Marguerite Duras. Asas da Coragem (Wings
of Courage, 1995) antecedeu o famoso Sete anos no Tibete (Seven years in Tibet,
1997), que fez com que Annaud fosse declarado persona non grata pelo governo
chinês e impedido de entrar na China. Seus filmes mais recentes são Círculo de
Fogo (Enemy at the Gates, 2001) e Dois Irmãos (Two Brothers, 2004).
José Elias Mendes Neto é graduando do 1º período do curso de Comunicação
Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Uberlândia-UFU.
BIBLIOGRAFIA
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Ensaio sobre a origem das línguas. Tradução de
Lourdes Santos Machado. Disponível em:
<http://www.livrariaonline.org/wp-content/uploads/2010/08/Jean-Jacques-Rousseau-
Ensaio-Sobre-a-Origem-das-L%C3%ADnguas.pdf> Acesso em: 28 mar. 2012.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguistica Geral. Tradução de Antônio
Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.