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João Victor Prof. Carlos Piovezanni Universidade Federal de São Carlos Ciências Sociais – Comunicação e Expressão Resenha do livro Preconceito Linguístico São Paulo 1

Resenha preconceito linguístico

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Page 1: Resenha preconceito linguístico

João Victor

Prof. Carlos Piovezanni

Universidade Federal de São Carlos

Ciências Sociais – Comunicação e Expressão

Resenha do livro Preconceito Linguístico

São Paulo

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Page 2: Resenha preconceito linguístico

A mitologia do preconceito linguístico

O livro Preconceito Linguístico do linguista Marcos Bagno tem como objetivo politizar o leitor a respeito de um dos tipo mais comuns de preconceito: o preconceito linguístico. O preconceito linguístico está ligado à uma grande confusão, alimentada ao longo da história, envolvendo a língua e a gramática normativa.

Bagno inicia os mitos tratando sobre o que ,segundo ele, “é o maior e mais sério dos mitos que compões a mitologia do preconceito linguístico no Brasil”: o mito de que a língua portuguesa falada no Brasil possuí uma unidade surpreendente. O maior prejudicado acaba sendo a educação no Brasil, pois, não reconhecendo a grande diversidade da língua falada no território nacional, os educadores acabam impondo a norma da língua como se ela fosse comum a todos os brasileiros, o que é uma inverdade.

A grande extensão territorial e a trágica injustiça social são dois fatores substanciais que contribuíram para a diversificação e o alto grau de variabilidade da língua portuguesa falada no Brasil. É necessário, então, que as instituições voltadas para a educação e a cultura abandonem o mito da “unidade” e passem a reconhecer a diversidade linguística de nosso país.

O segundo e não menos importante mito reflete o complexo de “vira lata”i do brasileiro, o sentimento de sermos uma colônia dependente até hoje. O mito de que o “brasileiro não sabe português/ só em Portugal se fala bem português” reflete uma ideologia impregnada na cultura nacional há muito tempo, alimentada por intelectuais e filólogos brasileiros.O brasileiro sabe português, sim, mas o que acontece é que o português falado aqui é diferendo do falado em Portugal. Isso não configura uma inferioridade do “nosso” português, só mostra que devemos voltar os nossos olhos não mais para a norma linguística de Portugal, e sim para a falada no Brasil.

É comum ouvir de brasileiros que a língua portuguesa é muito difícil. Esse mito é uma continuação do segundo, pois se apega, novamente, às regras e conceitos da norma gramatical de Portugal. Achamos que o “português é uma língua difícil”, pois temos que decorar regras que não significam nada para nós.

Se grande parte da população brasileira continua achando que “português é difícil”, isso significa que o ensino tradicional da língua no Brasil desconsidera o uso brasileiro da língua, ou seja, não leva em conta a diversidade do português falado no Brasil.

i Essa expressão foi criada pelo dramaturgo e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, referir-se ao trauma sofrido pela Seleção Brasileira de Futebol em 1950, quando foi derrotada pela Seleção Uruguaia na final da Copa do Mundo em pleno Maracanã.

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Considerar que “as pessoas sem instrução falam tudo errado” nos remete ao primeiro mito, de que existe uma única língua portuguesa de que deve ser ensinada nas escolas. Esse mito provém de um fenômeno que existe no português não-padrão e que aconteceu na história do português padrão: o rotacismo. Assim, fica explícito que o preconceito encastoado não é apenas o linguístico, mas principalmente o preconceito social.

É sabido que no Maranhão o pronome tu ainda é usado com frequência, seguido do verbo conjugado na segunda pessoa do singular, que na maior parte do Brasil ele está em “extinção”. Esse fato serve pra municiar o mito de que “o lugar onde melhor e fala o português no Brasil o Maranhão”, pois, mais uma vez, ele nasce da velha posição de subserviência em relação ao português de Portugal. Essa conservação do aspecto da linguagem clássica literária presente no Maranhão, mais uma vez, não configura superioridade frente a variedade nacional, apenas atende às necessidades da comunidade dos que a empregam.

Outro mito muito difundido, principalmente na forma de preconceito, é o de que “o certo é falar assim porque se escreve assim”. Bagno exemplifica usando a palavra “colégio”, que seria lido por um pernambucano em voz alta algo do tipo “còlégio”, ou por um carioca “culégio”. Ora, nem todas as pessoas falam a póropria língua de modo idêntico, logo, nenhuma das formas está errada ou certa, elas são totalmente aceitáveis. Além disso, do posto de vista histórico, o aprendizado da língua falada precede o da escrita, quando esse acontece, então, fica claro que esse preconceito grafocêntrico impede o reconhecimento da verdadeira realidade linguística.

É muito comum encontrar pessoas que concordem com a afirmação de que “é preciso saber gramática para falar e escrever bem”, pois esse conceito nos é ensinado desde que nascemos pelos nossos professores de português, nossos pais e até pela mídia. A gramática surgiu, na realidade, para descrever e fixar regras e pedrões na língua escrita, ou seja, a gramática normativa é decorrente da língua, é subordinada a ela, porém, ela passou a ser usada como instrumento de poder e controle invertendo os valores de subordinação. Através da prática pedagógica poderemos destruir esses mecanismos de exclusão que agem por de trás das normas gramaticais conservadoras

Esses mecanismos de exclusão suportam a existência de outro mito: “o domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”. Ora, se a gramática normativa passou a ser um instrumento de poder, quem dominá-la vai estar, automaticamente, em ascensão. Bagno diz que, se o domínio da norma culta fosse um instrumento de ascensão social, os professores de português ocupariam o topo da pirâmide social, o que nós sabemos que está longe de ser verdade.

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O círculo vicioso, a desconstrução do preconceito linguístico e o preconceito contra a linguística e os linguistas.

Os mitos sobre o preconceito linguístico são transmitidos e perpetuados em nossa sociedade por um mecanismo chamado círculo vicioso do preconceito linguístico, que consiste em três elementos, denominados por Bagno como “Santíssima Trindade” do preconceito linguístico. São eles: a gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino e os livros didáticos. Além desses, existe um outro elemento essencial que compõe esse círculo: os comandos paragramaticais. São eles os manuais de redação de empresas jornalísticas, programas de rádio e de televisão, colunas de jornais e revistas, etc... Esse ciclo serve apenas para dar ênfase ao preconceito não só linguístico como também social.

Para romper esse ciclo preconceituoso algumas medidas deveriam ser tomadas, tais como: reconhecer que todo falante nativo é um usuário competente da língua. Sendo assim, devemos aceitar a ideia de que não existe erro de português, apenas diferenças de uso. Não podemos confundir erro de português com erro ortográfico. A ortografia é artificial, diferente da língua, que é natural ao ser humano. Reconhecer que tudo o que a gramática tradicional chama de erro é na verdade um fenômeno é outra medida importante para acabar com a onda de preconceito. Também devemos nos conscientizar de que toda língua muda e varia. O que hoje é considerado errado, amanhã pode vir a ser aceito como certo. Além disso, deveremos respeitar a variedade linguística de toda e qualquer pessoa, entender que a língua nos constitui enquanto seres humanos, dar-se conta de que a língua prossegue em evolução e transformação, que não pode ser detida, entre outras medidas.

A eterna disputa entre os a linguística moderna e a doutrina gramatical tradicional nos remete à outras disciplinas e suas superações diante do ultrapassado. A gramática tradicional surgiu no mundo helenístico no século III a.C, ou seja, é mais antiga do que as teorias de Galileu de que a Terra gira em torno do Sol, ou da teoria da biogênese de Louis Pasteur. Porém, mesmo após o surgimento da linguística, a gramática tradicional continua como sendo a principal referência nas instituições de ensino sobre a língua.

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Conclusão

Marcos Bagno fundamenta o seu livro acerca dos mitos, preconceituosos e irracionais, que continuam a colocar a nossa língua portuguesa em estado de estagnação. Ele levanta também discussões politizadas sobre o ensino da língua portuguesa no Brasil, o que nos faz repensar sobre todo um sistema de educação brasileiro. Além disso, aparecem questões importantes e cotidianas do brasileiro como o preconceito social e a alienação oriunda principalmente dos grandes meios de comunicação puristas e conservadores. Em suma, o livro “Preconceito Linguístico” coloca em pauta uma discussão que não pode ser esquecida, ou melhor, deve ser cada vez mais levantada para, então, colocarmos um ponto final no preconceito linguístico e repensarmos a educação no Brasil.

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