3
RESENHA RAZOES PRÁTICAS: SOBRE A TEORIA DA AÇÃO CAPÍTULO II: O NOVO CAPITAL (PIERRE BOURDIEU) Neste capítulo, Bourdieu apresenta as contribuições das instituições escolares para a reprodução da estrutura do espaço social através da reprodução da distribuição do capital cultural que, combinado com o capital econômico, tende à perpetuação da estrutura social balizado no que ele chama modo de reprodução. A relação entre as estratégias das famílias e a lógica institucional escolar determina a reprodução da estrutura de distribuição do capital cultural. Bourdieu aponta que a base das estratégias de reprodução está no esforço das famílias - como ser social - de preservar a si, bem como seus poderes e privilégios e o investimento na educação escolar faz parte dessas estratégias. Esse tipo de investimento vincula-se assim à importância dada ao seu capital cultural e de seu peso relativo definido em relação a seu capital econômico. Quanto maior o capital cultural da família maior será o investimento escolar e essa relação também vai variar com relação ao seu capital econômico. Esse modelo, segundo Bourdieu, permite compreender o aumento do interesse das famílias em educação bem como a correlação existente entre crianças de categorias sociais privilegiadas e as mais altas instituições escolares. Como o próprio Bourdieu afirma, “permite compreender não apenas como as sociedades avançadas se perpetuam, mas também como elas mudam sob o efeito de contradições específicas do modo de reprodução escolar” (2008, p.36). Como elemento de reprodução social, mantenedor da ordem preexistente, o sistema escolar realiza uma operação de triagem ao usar uma linguagem mais acessível àqueles que, por já se encontrarem dentro dessa lógica, possuem mecanismos capazes de decodifica-la, ao passo que àqueles que não possuem tais mecanismos de decodificação esse tipo de linguagem causa estranheza e um sentimento de não pertencimento. Destarte, a lógica do sistema escolar age através de um sistema de seleção que separa os detentores de capital cultural herdado e os despossuídos de tal capital. Segundo Bourdieu, a instituição escolar contribui para reforçar a balizagem das fronteiras sociais ao estatuir uma diferenciação social baseada na titularização escolar,

Resenha - Razoes Práticas - Sobre a Teoria Da Ação - Cap II o Novo Capital

  • Upload
    roddox

  • View
    188

  • Download
    12

Embed Size (px)

DESCRIPTION

RAZOES PRÁTICAS: SOBRE A TEORIA DA AÇÃOCAPÍTULO II: O NOVO CAPITAL(PIERRE BOURDIEU)

Citation preview

Page 1: Resenha - Razoes Práticas - Sobre a Teoria Da Ação - Cap II o Novo Capital

RESENHA

RAZOES PRÁTICAS: SOBRE A TEORIA DA AÇÃO

CAPÍTULO II: O NOVO CAPITAL

(PIERRE BOURDIEU)

Neste capítulo, Bourdieu apresenta as contribuições das instituições escolares para a

reprodução da estrutura do espaço social através da reprodução da distribuição do capital

cultural que, combinado com o capital econômico, tende à perpetuação da estrutura social

balizado no que ele chama modo de reprodução. A relação entre as estratégias das famílias e a

lógica institucional escolar determina a reprodução da estrutura de distribuição do capital

cultural.

Bourdieu aponta que a base das estratégias de reprodução está no esforço das famílias

- como ser social - de preservar a si, bem como seus poderes e privilégios e o investimento na

educação escolar faz parte dessas estratégias. Esse tipo de investimento vincula-se assim à

importância dada ao seu capital cultural e de seu peso relativo definido em relação a seu

capital econômico. Quanto maior o capital cultural da família maior será o investimento

escolar e essa relação também vai variar com relação ao seu capital econômico.

Esse modelo, segundo Bourdieu, permite compreender o aumento do interesse das

famílias em educação bem como a correlação existente entre crianças de categorias sociais

privilegiadas e as mais altas instituições escolares. Como o próprio Bourdieu afirma, “permite

compreender não apenas como as sociedades avançadas se perpetuam, mas também como elas

mudam sob o efeito de contradições específicas do modo de reprodução escolar” (2008, p.36).

Como elemento de reprodução social, mantenedor da ordem preexistente, o sistema

escolar realiza uma operação de triagem ao usar uma linguagem mais acessível àqueles que,

por já se encontrarem dentro dessa lógica, possuem mecanismos capazes de decodifica-la, ao

passo que àqueles que não possuem tais mecanismos de decodificação esse tipo de linguagem

causa estranheza e um sentimento de não pertencimento. Destarte, a lógica do sistema escolar

age através de um sistema de seleção que separa os detentores de capital cultural herdado e os

despossuídos de tal capital.

Segundo Bourdieu, a instituição escolar contribui para reforçar a balizagem das

fronteiras sociais ao estatuir uma diferenciação social baseada na titularização escolar,

Page 2: Resenha - Razoes Práticas - Sobre a Teoria Da Ação - Cap II o Novo Capital

definindo, assim, uma relação de ordem nobiliárquica que legitima a separação entre os aptos

a dominar e os “comuns mortais por uma diferença de essência” (2008, p. 38). Como ele

próprio afirma,

Os exames ou concurso falsificam em razões de divisões que não necessariamente

tem a racionalidade por princípio, e os títulos que sancionam seus resultados

apresentam como garantia de competência técnica certificados de competência

social, nisso muito próximos dos títulos de nobreza. [...] o sucesso social depende

profundamente, daqui em diante, de um ato de nominação inicial [...] que consagra,

através da escola, uma diferença social preexistente (Idem).

Além da função manifesta, técnica, de formação e seleção dos tecnicamente mais

competentes, existe uma função social latente de consagração dos detentores estatutários de

competência social, uma “nobreza escolar hereditária de dirigentes de indústria, de grandes

médicos, de altos funcionários, e até de dirigentes políticos” (Ibidem, p.39). Segundo

Bourdieu, isso se dá pelo fato de que a instituição escolar, respaldada pela pretensa

meritocracia, age de forma a legitimar a cultura de elite ao toma-la como padrão para todos os

estudantes, instaurando assim o que ele chama de “verdadeira nobreza de Estado” ao

relacionar de forma encoberta a aptidão escolar à herança cultural. Uma nobreza que inventa o

Estado para legitimar-se como detentora do poder do Estado.

Para Bourdieu, contudo, os agentes sociais não são nem totalmente compelidos pela

estrutura social a agir de tal ou qual maneira como, tampouco, são totalmente autônomos,

racionalmente conscientes agindo com pleno conhecimento de causa. Para ele

Os sujeitos são [...] agentes que atuam e que sabem, dotados de um senso prático,

[...] de um sistema adquirido depreferências, de princípios de visão e divisão [...] e

de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a resposta adequada. O

habitus é essa espécie de senso prático do que se deve saber em determinada

situação (Ibidem, p. 42).

Ao analisar as influências do que ele chama de estrutura do capital, ou seja, o peso

relativo entre o capital econômico e do capital cultural no sistema de preferencias em

adolescentes, pode se observar como essa estrutura “encoraja-os a se orientar [...] em direção

[ao] polo intelectual ou o polo dos negócios, e a adotar as práticas e as opiniões

correspondentes” (Ibidem, p.43).

Bourdieu aponta ainda para uma possível relação entre a delinquência escolar e a

lógica da competição obrigatória, especialmente o que ele chama de efeito de destino que o

sistema escolar exerce sobre os adolescentes não raramente com grande brutalidade

psicológica. A inadequação ao universo escolar, que é como mostrado anteriormente, de

Page 3: Resenha - Razoes Práticas - Sobre a Teoria Da Ação - Cap II o Novo Capital

diferenciação e exclusão e que, para tanto, toma como critério a inteligência, “critério

coletivamente reconhecido e aprovado, portanto, psicologicamente indiscutível e indiscutido”

(Ibidem, p.46), seria o elemento motivador dessa nova delinquência, ou seja, das rupturas com

a ordem escolar e social ou ainda de crises psíquicas, a doença mental ou até o suicídio.