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A crise do movimento comunista [Fernando Claudin] 183 A crise do movimento comunista FERNANDO CLAUDIN Tradução de José Paulo Netto São Paulo: Express ão Popular, 2013, 736p. Sergio Lessa * “Este é um livro importante”, escrevia Semprún ao prefaciar A crise do movi- mento comunista. Ele se equivocou: é um livro fundamental. Permanece, mais de quarenta anos depois, o melhor instrumento para os revolucionários conhecerem parte fundamental de nossa história, aquela da incrível sequência de revoluções da primeira metade do século XX. Iniciado em 1905 com a primeira revolução na Rússia, esse ciclo se prolongou por mais de quatro décadas e seus ecos se fizeram sentir mesmo na derrota dos Estados Unidos para o Vietnã. Nada há de similar na história. Contudo, todas as revoluções foram derrotadas. Claudin toma as contradições e idiossincrasias na dissolução da III Interna- cional em 1943 como ponto de partida de sua investigação da causa das derrotas de todas as revoluções por cinquenta anos após 1917. Traça um quadro monu- mental de todas as revoluções, crises políticas e embates dos trabalhadores em que a Internacional Comunista se fez presente. A análise dirige a atenção do leitor para os mais graves problemas e desafios daquele ciclo de revoluções, muitos dos quais continuam a nos atormentar. Desde a relação entre a organização dos revolucionários e o movimento das massas até os problemas mais graves acerca do capitalismo contemporâneo, suas crises, suas perspectivas e suas potencialidades para conter as revoluções nos marcos aceitáveis ao capital; desde as lutas e disputas * Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). CRÍTICA marxista RESENHAS Miolo_Rev_Critica_Marxista-37_(GRAFICA).indd 183 Miolo_Rev_Critica_Marxista-37_(GRAFICA).indd 183 29/10/2013 17:13:17 29/10/2013 17:13:17

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  • A crise do movimento comunista [Fernando Claudin] 183

    A crise do movimento comunista

    FERNANDO CLAUDINTraduo de Jos Paulo NettoSo Paulo: Express o Popular, 2013, 736p.

    Sergio Lessa *

    Este um livro importante, escrevia Semprn ao prefaciar A crise do movi-mento comunista. Ele se equivocou: um livro fundamental. Permanece, mais de quarenta anos depois, o melhor instrumento para os revolucionrios conhecerem parte fundamental de nossa histria, aquela da incrvel sequncia de revolues da primeira metade do sculo XX. Iniciado em 1905 com a primeira revoluo na Rssia, esse ciclo se prolongou por mais de quatro dcadas e seus ecos se fizeram sentir mesmo na derrota dos Estados Unidos para o Vietn. Nada h de similar na histria. Contudo, todas as revolues foram derrotadas.

    Claudin toma as contradies e idiossincrasias na dissoluo da III Interna-cional em 1943 como ponto de partida de sua investigao da causa das derrotas de todas as revolues por cinquenta anos aps 1917. Traa um quadro monu-mental de todas as revolues, crises polticas e embates dos trabalhadores em que a Internacional Comunista se fez presente. A anlise dirige a ateno do leitor para os mais graves problemas e desafios daquele ciclo de revolues, muitos dos quais continuam a nos atormentar. Desde a relao entre a organizao dos revolucionrios e o movimento das massas at os problemas mais graves acerca do capitalismo contemporneo, suas crises, suas perspectivas e suas potencialidades para conter as revolues nos marcos aceitveis ao capital; desde as lutas e disputas

    * Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

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  • 184 Crtica Marxista, n.37, p.183-185, 2013.

    internas que marcaram a vida da IC e dos PCs a ela associados, at as consequncias tericas e prticas da emergncia das revolues de base camponesa, de libertao nacional, depois de 1917. Desde a paralisia terica que se instalou nos anos 1920 at a traio da Revoluo Espanhola pela social-democracia e pelo stalinismo.

    Essa obra, vale assinalar, j fez alguma histria entre ns. Trazida ao Brasil logo aps o lanamento de sua verso espanhola, tanto quanto eu saiba, pelo falecido dirigente do PCdoB, Digenes Arruda, sua reproduo em xerox possibilitou, nos anos de 1980, que no poucos jovens revolucionrios nela encontrassem as informaes imprescindveis para uma anlise crtica de suas prprias prticas e concepes. Tambm por isso, a sua primeira edio se tornou raridade bibliogr-fica. A Expresso Popular possui, com a iniciativa, um duplo mrito. Disponibiliza um texto fundamental para que os revolucionrios compreendam a si prprios como herdeiros de uma longa tradio e, ainda, possibilita o contato dos mais jovens com uma obra que teve sua importncia na evoluo da esquerda brasileira.

    Isso posto, h tambm que se assinalar como o texto de Claudin devedor do momento em que foi redigido. Antes que se instaurasse a crise estrutural do capital, em meados da dcada de 1970, o centro das explicaes de uma sequncia to impressionante de derrotas revolucionrias era ocupado, sempre, pelos erros cometidos pelos outros (dependendo da corrente poltica, pelos leninistas, ou pelos trotskista, ou pelos maoistas, ou pelos albaneses, ou pelos stalinistas, ou pelos anarquistas, ou pelos autonomistas e assim sucessivamente). Em todas as revolues erros so cometidos e logo evidenciam todas as suas mazelas. O fato de que todas as revolues, sem exceo, foram derrotadas j era um indcio, con-tudo, de que algo a mais do que os erros particulares desta ou daquela corrente ou concepo revolucionria estava em ao. Tratava-se de uma tendncia histrica de fundo. Em poucas palavras, a impossibilidade de se iniciar a transio ao co-munismo na primeira metade do sculo XX era to insupervel quanto a prpria ecloso das revolues. O imperialismo gerava contradies que colocavam as revolues na ordem do dia. O sistema do capital, contudo, ainda possibilitava o desenvolvimento das foras produtivas em escala nacional, local, de pases atrasados que rompessem revolucionariamente com os constrangimentos de suas arcaicas relaes de produo. A alternativa termidoriana era, ainda, uma possibi-lidade inscrita no real. Com a colaborao do stalinismo e da social-democracia, Claudin o demonstra de modo cabal, as revolues foram contidas nas fronteiras nacionais mas o stalinismo e a social-democracia apenas puderam cumprir a tarefa de coveiros das revolues porque a ausncia da crise estrutural do capital ainda possibilitava que ideologias armadas de aparatos polticos e repressivos como o stalinismo e a social-democracia jogassem tal papel. Uma vez contidas nas fronteiras nacionais, as revolues, mais rpido do que lento, encontraram suas vias peculiares de explorao dos trabalhadores e as foras produtivas assim desenvolvidas amorteceram a pulso revolucionria, integrando os pases no con-certo das naes pela via do mercado. Da Rssia bolchevique Unio Sovitica,

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    desta Rssia atual; da China vermelha atual; do Vietn indomvel ao atual: Monsieur le Capital se tornou a conexo universal entre todos os pases. esse segundo aspecto da questo (a impossibilidade objetiva da transio ao comunismo que o socialismo) que estava fora do alcance de Claudin.

    A crise do movimento comunista , por essa razo, atravessada por uma tenso que no consegue resolver. Por um lado, a sua crtica da III Internacional se apoia na hiptese de que, no fossem os equvocos polticos, poder-se-ia ter aberto a transio ao comunismo. A qualidade da sua investigao, por outro lado, demonstra como, a cada momento decisivo de todas as revolues, a alternativa nacional, burocratizante e castradora das potncias revolucionrias, era a nica vivel. No longo prazo, tais alternativas significam a inviabilizao da transio ao socialismo; no imediato, eram a nica possibilidade de sobrevivncia do poder revolucionrio. Claudin no consegue resolver essa tenso que perpassa todo o seu texto: o stalinismo era a nica alternativa de sobrevivncia do poder revolucionrio e, todavia, era tambm a mediao para a derrocada da revoluo no mdio prazo.

    Com tal carncia de fundo, a concluso de Claudin no poderia ser outra: os problemas se localizariam na esfera poltico-ideolgica. A sua crtica ao le-ninismo e ao stalinismo, pertinente em no poucos aspectos, no pode, ento, assumir toda a radicalidade imprescindvel. Tanto um como outro apenas podem ser compreendidos a partir do solo social que a sua origem: a impossibilidade de as revolues (que s podiam se apresentar como socialistas) romperem com o fundante do capital: o trabalho proletrio. Desarticulada de seu solo concreto, reduzida esfera da poltica, a superao dos equvocos do movimento comunista apenas poderia se dar pela limitada esfera da poltica: essa iluso conduz Claudin direita, terminando na social-democracia. Hoje, graas principalmente a Istvn Mszros, podemos aproveitar o que de melhor possui A crise do movimento comunista sem nos enredarmos nessa sua limitao de fundo.

    A segunda edio dessa obra, pela Expresso Popular, possui ao menos dois importantes melhoramentos se comparada anterior: faz o esforo de identifi-car as obras e documentos citados por Claudin publicados em portugus (o que tambm ressalta o como fizemos pouco editorialmente na rea da histria do movimento revolucionrio), e traz uma excepcional apresentao de Jos Paulo Netto. No apenas pela qualidade e quantidade de informaes, mas tambm pelo reconhecimento da importncia da obra para os comunistas: este livro presta um inestimvel servio causa comunista. Netto no poderia estar mais correto.

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