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RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO André Luis Nigre SUMÁRIO I. Introdução – II. Responsabilidade Civil – III. Natureza da Responsabilidade Civil - IV. Obrigações de Meio e de Resultado – V. Culpa Médica – VI. Culpa Strictu Sensu – VII. Danos Material, Moral e Estético - VIII. Nexo de Causalidade – IX. Excludentes de Responsabilidade – X. Erro de Diagnóstico - XI. Profilaxia do Erro - XII. Conclusão. I . INTRODUÇÃO “A vida humana tem uma intangibilidade desmensurada e não pode ser avaliada em termos propriamente comerciais. Para isto existem outras profissões.”. Panasco É notória a evolução da medicina desde os tempos de Hipócrates, que veio a instituir o juízo da causalidade das doenças, construindo os pilares para a abordagem científica da Medicina e enunciando os princípios éticos fundamentais para o exato relacionamento entre médico e paciente, assim como entre seus pares. Graças às grandes mudanças e evoluções tecnológicas e científicas que, dentre outros benefícios, fizeram com que a medicina evoluísse muito rapidamente, temos hoje inúmeros aparelhos para exames diagnósticos que permitem uma precisão inconcebível pelas mentes mais otimistas e fármacos capazes de curar doenças jamais imagináveis. Porém se faz necessário ressaltar que a Medicina não é um mercado onde se joga na bolsa de valores da saúde. A vida humana tem uma intangibilidade desmensurada e não pode ser avaliada em termos propriamente comerciais. Para isto existem outras profissões. 1 Cabe ao médico manter e até mesmo resgatar o respeito e a admiração de 1 PANASCO, Wanderby Lacerda. A responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 08.

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

André Luis Nigre

SUMÁRIO

I. Introdução – II. Responsabilidade Civil – III. Natureza da Responsabilidade Civil - IV. Obrigações de Meio e de Resultado – V. Culpa Médica – VI. Culpa Strictu Sensu – VII. Danos Material, Moral e Estético - VIII. Nexo de Causalidade – IX. Excludentes de Responsabilidade – X. Erro de Diagnóstico - XI. Profilaxia do Erro - XII. Conclusão.

I . INTRODUÇÃO

“A vida humana tem uma intangibilidade desmensurada e não pode ser avaliada em termos propriamente comerciais. Para isto existem outras profissões.”.

Panasco

É notória a evolução da medicina desde os tempos de Hipócrates, que veio a

instituir o juízo da causalidade das doenças, construindo os pilares para a abordagem

científica da Medicina e enunciando os princípios éticos fundamentais para o exato

relacionamento entre médico e paciente, assim como entre seus pares.

Graças às grandes mudanças e evoluções tecnológicas e científicas que, dentre

outros benefícios, fizeram com que a medicina evoluísse muito rapidamente, temos hoje

inúmeros aparelhos para exames diagnósticos que permitem uma precisão inconcebível

pelas mentes mais otimistas e fármacos capazes de curar doenças jamais imagináveis.

Porém se faz necessário ressaltar que a Medicina não é um mercado onde se joga

na bolsa de valores da saúde. A vida humana tem uma intangibilidade desmensurada e

não pode ser avaliada em termos propriamente comerciais. Para isto existem outras

profissões.1 Cabe ao médico manter e até mesmo resgatar o respeito e a admiração de

1 PANASCO, Wanderby Lacerda. A responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 08.

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outrora, exercendo seu munus com zelo e profissionalismo, respeitando a dignidade do

paciente em razão de sua fragilidade, prestando as informações que devem ser prestadas

e, principalmente, insurgindo-se contra a má prática do exercício da profissão, visto que

em uma matéria sensível como a saúde, e com a referida evolução tecnico-científica, as

expectativas dos pacientes e familiares aumentaram vertiginosamente, fazendo com que

a margem de aceitação do insucesso diminuísse na mesma proporção.

Com tanta evolução tecnológica e científica modificando o dia-a-dia das

pessoas, se faz necessária, sob pena de se gerar um caos social, uma adequação e

transformação no ordenamento jurídico, tendo em vista a velocidade com que certas

normas legais ficam ultrapassadas, gerando uma descomunal lacuna entre o social e o

jurídico.

Desta necessidade evolutiva temos uma variedade de “novos direitos”, entre eles

o biodireito, direito do consumidor e o direito médico, destinados a promover a

harmonia social contemporânea.

Os denominados “Erros Médicos” ou “Má Prática no Exercício da Medicina”

merecem, por parte dos operadores do direito, em sua totalidade, ser analisados sob o

foco do ato médico em sua natureza axiológica, a prática bem conduzida no tratamento,

tentando-se alcançar um bem maior, que é o bem-estar do paciente, tendo em vista que a

atividade médica, por sua natureza, é regida por leis de probabilidade biológica que,

apesar de serem tendenciais, não são exatas.

Isto posto, não se pode olvidar que o “erro” é, sem dúvida, parte elementar, e

que não pode ser desassociado da natureza humana. Segundo Edgar Morin in

Paradigma Perdido, “a natureza humana tem associada à ordem-desordem que resulta

da sua complexidade e que reside no cérebro humano. O que separa as máquinas

artificiais, como os computadores, das máquinas naturais, que são os seres vivos é a

existência, nestas últimas, de desordem, de ruído e de erro. Na espécie humana, e ao

invés das outras espécies, o erro serve à sua própria genialidade e permite, pela auto-

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correção, uma permanente reorganização que subjaz à complexidade e faculta o

progresso da espécie inteligente.”2

O que se faz necessário destinguir é o “erro” que não se pode desassociar da

natureza da atividade médica e o “erro” em que se pode vislumbrar a ofensa direta ou

indireta a normas éticas, contratuais e legais.

Diante de tais considerações, trazemos a lume o objeto de nosso estudo,

podendo-se verificar, de forma irrefragável, que a presente obra não tem a pretensão de

esgotar o assunto, que é complexo e valioso, mas possui a faculdade de provocar uma

maior discussão a respeito do tema.

Por derradeiro, se este artigo for a qualquer tempo objeto de consulta e críticas,

creio que seu objetivo tenha sido alcançado, pois o Direito, principalmente na área

médica está vivo e em evolução, tornando a minha verdade jurídica longe de ser uma

verdade absoluta.

II. RESPONSABILIDADE CIVIL

“Por que temos de passar vinte vezes por um conjunto de dados até entendê-los ? Por que as primeiras afirmativas de fatos novos nos deixam indiferentes ? Isso ocorre porque nosso cérebro primeiro precisa ser “desarranjado” do conjunto de idéias arraigadas para perceber algo novo.”

Jean Martin Charcot

Segundo De Plácido e Silva, o termo responsabilidade forma-se a partir do

vocábulo responsável, de responder, do latim respondere, tomado na significação de

responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou

ou do ato que praticou. Em sentido geral, pois, responsabilidade exprime a obrigação

2 FRAGATA, José e MARTINS, Luís. O erro em medicina. 1.ª ed. Coimbra/Portugal: Almedina, 2004, p. 20/21.

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de responder por alguma coisa. Quer significar, assim, a obrigação de satisfazer a

prestação ou de cumprir o fato atribuído ou imputado à pessoa por determinação legal.3

Sem embargo, é deveras importante consignar que a responsabilidade pode

decorrer tanto de uma convenção como de uma norma ou regra jurídica.

Juridicamente4, responsabilidade tem por designação a obrigação de reparar ou

de ressarcir o dano; deriva de uma ofensa ou violação de direito que advém em dano ou

prejuízo de um terceiro.

Os princípios jurídicos em que a responsabilidade civil está fundada, para efeito

de se determinar a reparação do dano que é causado injustamente, tem origem na

máxima romana inserida no neminem laedere.5

O vocábulo, em sua origem, revela a idéia de obrigação, preceito, encargo e

contraprestação, o que não difere do sentido jurídico que designa o dever de reparar o

prejuízo que teve origem na violação de um outro dever jurídico preexistente.

Savatier conceitua responsabilidade civil como a obrigação que tem a faculdade

de incumbir uma pessoa de ressarcir o prejuízo que causou a outra.

O problema em foco é o de saber se o prejuízo experimentado pela vítima deve

ou não ser reparado por quem o causou. Se a resposta for afirmativa, cumpre indagar

em que condições e de que maneira será tal prejuízo reparado. Esse é o campo que a

teoria da responsabilidade civil procura cobrir.6

Embora não seja comum nos autores, é importante distinguir a obrigação da

responsabilidade. Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é

um dever jurídico sucessivo, conseqüente à violação do primeiro. Em síntese, em toda

3 SILVA, De Plácito e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 1222. 4 Não se pode olvidar que o conceito jurídico da responsabilidade civil alberga além do direito positivo e da doutrina, a ética, a política e as ciências humanas. 5 Não lesar a ninguém.

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obrigação há um dever jurídico originário, enquanto que na responsabilidade há um

dever jurídico sucessivo. Daí a feliz imagem de Larenz ao dizer que “a

responsabilidade é a sombra da obrigação”. Assim como não há sombra sem corpo

físico, também não há responsabilidade sem a correspondente obrigação.7

O agente responsável pelo dano será aquele a quem o direito positivo atribuiu a

obrigação, devendo-se consignar que não se pode imputar responsabilidade a ninguém

sem que este tenha infringido dever jurídico preexistente, ou seja, para que se possa ter

uma identificação precisa do responsável, se faz necessário indicar com exatidão o

dever jurídico que sofreu violação bem como o agente que o violou.

No que concerne ao tema, apesar de sua complexidade jurídica,

responsabilidade civil do médico, em restrita síntese, é o prejuízo de ordem material,

moral ou estética que o esculápio8 se vê obrigado a reparar quando causado ao paciente

em razão de seu mister.

Assim sendo, o esculápio tinha uma obrigação profissional - dever jurídico

originário - que ao ser violada, gerou uma responsabilidade de indenizar o prejuízo

causado, dever jurídico sucessivo.

Não se pode olvidar da especificidade da responsabilidade civil do médico, a

qual tem como pressuposto o ato médico9, que ao ser violado enseja o desrespeito a um

dever profissional positivo.

6 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil – volume 4. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988/1989, p. 4/5. 7 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.24. 8 [Do mit. lat. Aesculapius, 'Esculápio, deus da medicina, na mitol. romana' (gr. Asclépio).] S. m. P. us. 1. Médico. In FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio: Dicionário da Língua Portuguesa Século XXI [CD-ROM, versão 3.0]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 9 Resolução n.º 1.627/2001 do Conselho Federal de Medicina: Artigo 1.º - Definir o ato profissional de médico como todo procedimento técnico-profissional práticado por médico legalmente habilitado e dirigido para: I. a promoção da saúde e prevenção da ocorrência de enfermidade ou profilaxia (prevenção primária); II. a prevenção da evolução das enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos (prevenção secundária); III. a prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos (prevenção terciária).

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Nesse sentido, ato médico ou ato profissional do médico é a designação

científica e específica do procedimento do profissional da medicina com o objetivo de

dispensar ao paciente a melhor assistência médica possível.10

III. NATUREZA DA RESPONSABILIDADE MÉDICA

“Cada profissão encerra em seu seio homens dos quais ela se orgulha e outros os quais ela renega.”

Dupin

Apesar de o Código Civil brasileiro de 1916 ter colocado a responsabilidade

médica no capítulo da liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos, nos limites

do artigo 1.54511, o que gerou controvérsia entre os doutrinadores acerca de ser a

responsabilidade médica aquiliana ou ex contractu, hodiernamente, com a evolução da

doutrina e jurisprudência e com o advento da Lei 8.078/9012 e do novo Código Civil

brasileiro13, creio não mais haver controvérsias a respeito de ser a responsabilidade

médica contratual.

O festejado mestre Aguiar Dias já há muito lecionava no sentido de que “a

natureza contratual da responsabilidade médica não nos parece hoje objeto de dúvida.

A tendência que Josserand observava na jurisprudência francesa acabou por firmar-se

definitivamente, depois do famoso julgado de 20 de maio de 1936, da Câmara Civil da

Corte de Cassação14, pronunciado de acordo com as conclusões do procurador-geral

10 NIGRE, André Luis. O atuar médico: direitos e obrigações. 1.ª ed. Rio de Janeiro: NOA, 2004, p. 05. 11 Artigo 1.545 – “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento.” 12 Código de Defesa do Consumidor 13 Artigo 951 – “O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.” 14 No acórdão foi declarado que “entre o médico e o seu cliente se forma um verdadeiro contrato que, se não comporta, evidentemente, a obrigação de curar o doente (...)” “ao menos compreende a de proporcionar-lhe cuidados (...)” “conforme às aquisições da ciência” (FALQUE, La Responsabilité du médicin aprés l´arrêt du 20 Mai 1936, em Revue Critique de Législation et Jurisprudence, 1937, págs. 609 e segs.). A doutrina, a esse tempo, já afirmava, quase unanimemente o caráter contratual da responsabilidade médica. Apud Dias, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

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Matter e o Relatório de Josserand. (...) Acreditamos, pois, que a responsabilidade do

médico é contratual, não obstante a sua colocação no capítulo dos atos ilícitos.”15

Sendo irrefragável a responsabilidade contratual, o contrato médico irá se

estabelecer com as seguintes características: tácito, expresso, consentido, lícito em seu

fim, sinalagmático e oneroso. Tais características serão a seguir elucidadas:

Tácito: está implícito no atendimento, sem que exista qualquer outro ato

interveniente; há necessariamente a anuência profissional.

Expresso: que fica consignado de forma verbal ou documental.

Consentido: o paciente tem que aquiescer com o ato médico que será realizado

salvo em iminente perigo de vida. Neste caso o médico tem o dever ético, moral e legal

de resguardar o bem maior que é a vida do paciente, em que pese entendimentos em

sentido contrário.

Lícito em seu fim: o objeto do ato médico deve estar em consonância com as

normas estabelecidas em lei.

Sinalagmático: deve haver reciprocidade das obrigações assumidas entre

devedor e credor.

Oneroso: o paciente solicita cuidados profissionais e em contrapartida remunera

o médico por seus serviços.

Sem embargo, apesar de não haver controvérsias a respeito da existência do

vínculo contratual que une médico e paciente, ainda persiste a discussão em relação à

natureza dessa relação contratual.

15 Dias, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 297/298.

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Indagam-se os doutrinadores a respeito da natureza do contrato celebrado entre

médicos e pacientes. Enquanto que para uns existe um verdadeiro contrato de prestação

de serviços, para outros há um contrato sui generis.

Os que apoiam a primeira corrente fundamentam seu entendimento na natureza

locatícia do serviço, asseverando existirem características intuitu personae, visto que, ao

firmar o contrato, o paciente espera ver resguardado o seu direito de ser atendido pelo

profissional que contratou. Esta característica incipiente deve-se à confiança do

contratante em alguém que entende ser capacitado para solucionar ou atenuar sua

enfermidade, ou lhe dar um direcionamento. Os que apóiam a segunda corrente

baseiam seu juízo além de uma mera prestação de serviços técnicos em sentido estrito,

sendo o médico protetor, guardião e conselheiro do paciente.

Em que pese todo o respeito pelos preclaros doutrinadores que acolhem a

segunda corrente, entendemos ser contratual a natureza da prestação de serviços entre

médico e paciente. Entendemos que não se pode desassociar a locação do serviço, da

proteção, aconselhamento e guarda do paciente, posto tratarem-se de deveres éticos e

morais, implícitos no atuar profissional do médico.

Não obstante, dizer que o contrato é sui generis em nada esclarece.

Cabe ressaltar que os posicionamentos doutrinários em razão da natureza

jurídica contratual entre médico-paciente, em nada modificam a responsabilidade

profissional do médico, tendo em vista que o importante é verificar se a obrigação que

deu origem à avença é de meio ou de resultado.

IV. OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO16

“... tu não deves desamparar ou ferir teu paciente ...” Aforismo Hindu

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Em que pese a competência profissional do esculápio (sabedoria, conhecimento,

experiência e dom), aliada aos avanços técnico-científicos, não se pode imputar ao

mesmo o dever de obter a cura do paciente, mormente quando em casos de emergência,

estados ditos graves e terminais; a frustração no escopo do tratamento não caracteriza

inadimplemento da obrigação, nem tampouco enseja dever de indenizar.

Na obrigação de meio, tem o médico como compromisso aplicar todo seu

empenho no tratamento, utilizando todos os meios científicos, tecnológicos e

conhecimentos pessoais para alcançar o pleno restabelecimento do bem-estar físico,

psíquico e social do paciente. O objeto do contrato é o atuar zeloso, com a aplicação da

melhor técnica profissional. Já na obrigação de resultado o profissional, por força

contratual, está obrigado a alcançar um determinado fim, devendo responder pelas

conseqüências decorrentes de seu descumprimento.

Nesse sentido, em uma obrigação de resultado o esculápio se vê obrigado a

alcançar determinado fim sem o qual não terá cumprido sua obrigação; ou alcança o

resultado predeterminado, ou deverá responder pelas conseqüências do seu

inadimplemento, ou seja, enquanto que na obrigação de meios a finalidade é a própria

atividade do profissional, na obrigação de resultado será o resultado da ação.

Deve-se consignar que caso o médico não venha a utilizar os meios tidos como

necessários ao tratamento do paciente, não se podendo olvidar que os referidos meios

devem estar ao alcance e disponíveis, poderá o mesmo dar ensejo à caracterização de

erro em seu atuar.

Não obstante, deve-se respeitar a discricionariedade do médico em relação ao

tratamento que deve ser aplicado. O tratamento eleito, contudo, deve estar de acordo

com a evolução científica e técnica legalmente reconhecida, ou seja, deve-se observar a

lex artis ad hoc17 no momento em que o ato é praticado.

16 Divisão que se deve a Demogue in Traité des Obligations, onde se pode precisar o exato objeto da obrigação. 17 “É o critério valorativo da correção do ato concretizado pelo profissional da medicina – arte ou Ciência Médica -, visando a verificar se a atuação é compatível – ou não – com o acervo de exigências e a técnica normalmente requeridos para determinado ato, observando-se a eficácia dos serviços prestados e a possível responsabilidade do médico/autor pelo resultado obtido. Levam-se em consideração, nessa

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Importante esclarecer que a responsabilidade civil derivada da denominada

cirurgia plástica puramente estética18 é analisada pela doutrina e jurisprudência pátria

de forma pouco favorável ao médico, ensejando no caso obrigação de resultado,

enquanto que a cirurgia plástica terapêutica é vista como de meio.

No mesmo sentido é o entendimento no que diz respeito à anestesiologia.19

Segundo parte da doutrina e jurisprudência, a natureza do ato médico na execução da

anestesia possui fim em si mesma, ensejando uma obrigação de resultado.

Ao reconhecermos saúde como o bem-estar físico e psíquico, entendemos que a

cirurgia plástica estética, na grande maioria dos casos, tem um caráter terapêutico

intrínseco, por trazer consigo um conforto e uma satisfação ao paciente que sofria com

alguma característica física que lhe era desagradável e atingia sua auto-estima.

Se considerarmos que a obrigação do cirurgião não diverge em sua essência da

obrigação dos demais profissionais médicos, em função do caráter terapêutico

intrínseco, podemos vislumbrar uma obrigação de meio em face do risco inerente às

intervenções cirúrgicas.20

V. CULPA MÉDICA

“Mais difícil do que fazer o certo é saber o que é certo fazer.”

Srour

análise, principalmente, as características pessoais do profissional, os recursos materiais de que dispõe, as peculiaridades inerentes à especialidade, a complexidade e importância do ato para a preservação da vida e o estado geral do paciente.” in Kfouri Neto, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 5. ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2003, p. 163. 18 Sem qualquer finalidade terapêutica e sem caráter de urgência ou emergência. 19 Ramo da medicina que estuda os fenômenos da anestesia artificialmente provocada. 20 Ver voto vencido do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito no julgamento do Recurso Especial 81.101-PR – 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – DJU 31.05.1999.

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Pode-se dizer que a conduta humana é fator preponderante para que a culpa

adquira relevância jurídica, máxime no que diz respeito à conduta culposa médica que

venha a causar dano ao paciente, dando ensejo ao dever de repará-lo.

Nesse diapasão, conduta é o procedimento moral voluntário que se manifesta por

meio de uma ação21 ou omissão22, que dará origem a resultados jurídicos, cabendo

destacar que só se pode responsabilizar um profissional médico por omissão se o

mesmo tiver o dever jurídico de agir, ou seja, se estiver em uma condição jurídica que

lhe obrigue a impedir que ocorra o resultado lesivo.

A responsabilidade civil é assinalada pela exigibilidade de uma conduta do

agente, existência de um dano e o nexo de causalidade.

Na exata lição de Altavilla, para que a culpa venha a ser caracterizada, não se faz

necessária a intenção, bastando uma conduta voluntária que deverá ser contrastante com

as normas impostas pela prudência ou perícia comuns.

O objeto do nosso estudo, que é a responsabilidade civil médica, caracteriza-se

por ser subjetiva, e está fundamentada na culpa stricto sensu: negligência, imprudência

e imperícia.

Já na responsabilidade objetiva, que será objeto de capítulo próprio, por ser a

culpa presumida, é suficiente a comprovação do dano e do nexo de causalidade.

Deve-se ter em mente que o novo Código Civil Brasileiro, de forma reiterada,

acolhe em sua totalidade a teoria da culpa em razão da responsabilidade médica, lendo-

se responsabilidade médica como a responsabilidade do profissional médico, ex vi dos

artigos 18623 e 951.

21 Ato ou efeito de agir de forma comissiva caracterizada por um comportamento positivo. 22 Ato ou efeito de agir de forma omissiva caracterizada por um comportamento negativo, inatividade ou abstenção de uma conduta devida. 23 Artigo 186 do CCB – “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

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Assim sendo, para ver atendida sua pretensão, a vítima tem o ônus de provar

que, por meio de uma conduta culposa, o agente violou um direito, e que dessa violação

direta ou indireta veio a surgir um dano, seja a que título for.

Culpa, no sentido clássico da doutrina, pode ser definida como o desvio de

conduta de um modelo idealizado e preexistente.24

Na conduta culposa stricto sensu, o agente não possui a vontade de ocasionar

qualquer espécie de prejuízo a um terceiro, porém com seu modo de agir negligente,

imprudente ou imperito, causa dano a outrem, enquanto que no dolo o agente possui a

vontade consciente de causar dano a outrem, ou assume o risco de produzí-lo.

A negligência no atuar médico é um ato omissivo que, devido à inércia no agir,

irá provocar um dano ao paciente, enquanto que a imprudência é um ato que resulta de

uma ação sem o dever de cautela que ela exige. Já a imperícia é a deficiência de

conhecimentos técnicos ou científicos para o exercício de determinado ato.25

VI. CULPA STRICTU SENSU

“... deves ajudar ou, pelo menos, não causar nenhum mal ao paciente ...”

Aforismo Grego

Conforme apresentado alhures, não há dúvida de que o Novo Código Civil

acolheu a teoria da culpa26 em sua totalidade, no que se refere à responsabilidade civil

do médico. Nesse diapasão, se do atuar médico sobrevier sofrimento, lesão, inaptidão e

falecimento, a vítima deverá provar que o agente, no caso o esculápio, obrou com culpa

24 Na concepção clássica ou subjetiva, considera-se como aspecto primordial que exista uma manifestação de vontade livre e consciente do agente que vai de encontro a valores morais e sociais preestabelecidos. Cabe consignar a existência da concepção conhecida como normativa, e que tem como alicerce o erro do procedimento moral (bom ou mau) do agente. Tal concepção entende que na inexistência de normatização específica, legal ou contratual, existe um dever geral que provém do neminem laedere. 25 NIGRE, André Luis. Op. cit. p. 14. 26 Artigos 186 e 951.

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em seu sentido estrito, ou seja, negligência, imprudência e imperícia, para poder ver

atendida sua pretensão e, conseqüentemente ser ressarcida do dano que lhe foi causado.

Negligência

“Não somos só responsáveis pelo que fazemos, como também por aquilo que não fazemos.”

Otto Milo

Palavra derivada do latim negligentia, de negligere que significa desprezar,

desatender, descurar, descuidar-se e não cuidar, exprime para o esculápio a forma de

culpa in omittendo decorrente de uma omissão. É a desatenção, a falta de diligência ou

de precaução com os procedimentos de seu munus, aqui representado pelo ato médico.

O atuar negligente tem por conseqüência, quase que em sua totalidade, a

manifestação de resultados negativos e/ou prejudiciais para o paciente. Tais resultados,

sem dúvida, não iriam advir caso o ato praticado pelo profissional fosse executado com

a devida prudência.

Caracteriza-se pela parcial ou completa omissão, ou pela não observação do

dever de agir que competia ao agente em razão das precauções aconselháveis pela

prudência e tidas como estritamente necessárias para se evitar qualquer espécie de dano

à saúde psicofísica do paciente.

Como exemplos de negligência temos o esquecimento de objetos, após

procedimento cirúrgico, no corpo do paciente, o encaminhamento de paciente que

necessita de imediata intervenção cirúrgica, subestimar a gravidade de ferimentos e não

requerer os exames necessários para constatação das lesões sofridas, dentre vários

outros casos.

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Imprudência

“Duvidar de tudo ou crer em tudo. São duas soluções igualmente cômodas, que nos dispensam, ambas, de refletir.”

Henri Paicore

Deriva do latim impudentia, cujo significado é falta de atenção, ato contrário à

prudência. Manifesta-se, para o médico, sob a forma de culpa in committendo que tem

origem em um ato comissivo, ou seja, do resultado de uma ação.

É resultado da falta de previsão do profissional médico face às possíveis

conseqüências que irão advir de seu atuar, devendo-se ressaltar o fato de que o mesmo

não só deveria como também poderia ter previsto as conseqüências.

Caracteriza-se o médico imprudente quando o mesmo, apesar de ter consciência

dos riscos e ser conhecedor da ciência que pratica, opta por agir precipitadamente e, por

conseqüência, causa dano ao seu paciente.

Exemplifica-se a imprudência quando um cirurgião, mesmo tendo conhecimento

de que os instrumentos cirúrgicos não foram devidamente esterilizados, opta por realizar

a cirurgia, assumindo as conseqüências de uma provável infecção.

Imperícia

“Assim como não se deve imputar ao médico o evento morte, deve-se imputar-lhe o que houver cometido por imperícia.”

Ulpiano

Tem origem no latim imperitia, de imperitus, que quer dizer ignorante, sem

habilidade, sem experiência. É a falta de conhecimento tecnocientífico que se faz

preponderante no atuar do esculápio em razão do procedimento que deverá ser

realizado.

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É através da imperícia que se revela a ignorância, inexperiência e falta de

habilidade sobre a matéria que o profissional deveria ter conhecimento para executar

com precisão o serviço para que foi contratado.

Deve-se asseverar que, ao se avaliar um caso de imperícia, se faz necessário

apreciar o grau de desenvolvimento científico na área de atuação do profissional,

respeitando as regras estabelecidas pela lex artis.

O tema imperícia, entre as três espécies de culpa strictu senso por nós analisada,

é o que deve ser posto em relevo e apreciado com maior meticulosidade em razão de ser

árdua a identificação da determinação dos limites que separa o atuar escorreito do

culposo.

A imperícia pode ser exemplificada no caso de um experiente e reconhecido

neurocirurgião, cujo conhecimento tecnocientífico de sua área é notório e conhecido por

toda sociedade médica, aventurar-se por soberba a realizar uma cirurgia plástica

reparadora para qual não está qualificado e tampouco possui conhecimento.

VII. DANOS PATRIMONIAL, MORAL E ESTÉTICO

“Damnum et damnatio ab ademptione et quasi deminutione patrimonii dictia sunt.”

Paulus

Dano, palavra originária do latim damnum, no que diz respeito ao seu gênero

significa qualquer mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, gerando

como conseqüência de seu ato um prejuízo.

Para os operadores do direito, dano, juridicamente qualificado, é o prejuízo de

qualquer natureza decorrente de um ato em que o agente não observa a norma jurídica

existente.27

27 Dano aquiliano – é aquele que resulta do ato ilícito, ou seja, do delito ou quase-delito. Dano contratual – é aquele que se origina na inobservância e/ou transgressão de uma obrigação previamente estabelecida e convencionada de um contrato válido, legal e eficaz.

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Não existem dúvidas de que o dano é um dos elementos necessários à

configuração da responsabilidade civil, podendo-se afirmar que não existe indenização28

e tampouco ressarcimento sem a ocorrência de um dano.

Pontifica Cavalieri que pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode

haver responsabilidade sem dano. Indenização sem dano importaria em enriquecimento

ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse,

porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela

vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito.29

Nesse contexto, dano patrimonial ou material é aquele dito concreto e imediato;

pode ser mensurado com precisão, sendo pecuniário e envolvendo obrigações presentes

(dano emergente, aquilo que se perdeu) e futuras (lucro cessante, aquilo que deixou de

ser ganho).

Já o dano moral é conceituado como aquele que está de forma direta relacionado

com a psique humana, o que é chamado de danos d´alma, é intrínseco e integra a

essência do ser.

Por último, e diga-se de passagem, o mais controvertido, é o chamado dano

estético, que é o dano diretamente relacionado à estética pessoal, ao belo, ao

harmonioso, e que é provocado por uma lesão que causa vergonha, sofrimento pela

deformidade e conseqüentemente rejeição social; é extrínseco; afeta o chamado

patrimônio da aparência.

Em que pese o respeito pelos doutrinadores que entendem que não pode haver

cumulatividade entre o dano moral e estético, ousamos discordar por entendermos

existir autonomia em suas naturezas e por atingirem bens jurídicos distintos, conforme

consubstanciado nos dois parágrafos acima.

28 Deve-se esclarecer que ao indivíduo vítima do dano moral cabe o direito a uma satisfação de caráter compensatório, visto que o dano moral não é tecnicamente indenizável em razão da origem do termo em latim in dene, que significa devolver ao estado anterior, o que sem qualquer dúvida não é possível quando ocorre uma lesão de ordem extrapatrimonial. No mesmo sentido para o dano estético. 29 CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit., p. 88/89.

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Deve-se registrar que o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado a favor

da possibilidade de cumulação dos referidos danos.30

VIII. NEXO DE CAUSALIDADE31

“... é preciso esteja certo que, sem este fato, o dano não teria ocorrido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorresse.”

Demogue

Inobstante ser o nexo de causalidade um dos pressupostos da responsabilidade

civil,32 deve-se observar quão interessante é sua conceituação. Diferente do que

primeiramente pode parecer, o conceito de nexo de causalidade exsurge das leis

naturais,33 é o liame de ligação entre o comportamento do agente e o dano gerado.

Configurado quantum satis o comportamento por intermédio do exame da

relação de causalidade, conclui-se se a ação ou omissão culposa do agente deu origem

ao dano experimentado. Tendo em vista que não foi suficiente a conduta ilícita

praticada pelo agente ou tampouco o dano sofrido pela vítima, faz-se necessária a

vinculação entre a causa e o efeito.

A culpa cometida pelo agente deve ter por conseqüência a ocorrência de um

dano sofrido pela vítima.

30 Nesse sentido posicionaram-se os Ministros, Ruy Rosado de Aguiar, César Asfor Rocha, Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Paulo Gallotti, Athos Carneiro e Ilmar Galvão, entre outros. 31 Existem inúmeras teorias relativas ao nexo de causalidade, devendo-se ressaltar que nenhuma delas apresenta soluções definitivas para todos os casos que possam envolver o nexo causal. Para uma melhor compreensão ver CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit., p. 66/82. 32 Na responsabilidade subjetiva os outros pressupostos são: culpa e dano. 33 É, na linguagem de Montesquieu, “a relação necessária que deriva da natureza das coisas”. Ou, como compreende Comte, “as relações constantes de sucessão e semelhança entre os fenômenos, em virtude das quais nos é permitido prever certos fenômenos”. É a constância na variedade. Desse modo, revelando-se condições necessárias regedoras dos fenômenos ou das relações constantes entre os mesmos fenômenos, essas leis, que se dizem naturais, não impõem normas de conduta, nem estabelecem preceitos ao que vai acontecer, declarando apenas o que acontece, sem qualquer intervenção da vontade humana. In SILVA, De Plácito e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 826.

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Cabe ressaltar que, apesar de a responsabilidade objetiva dispensar a

comprovação da culpabilidade do agente, se faz, ela também, necessária à demonstração

do nexo causal.

Diante do escólio apresentado, conclui-se que sem a existência do nexo de

causalidade não há o dever de indenizar.34

IX. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE

“Age de tal maneira que sempre trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, com um fim e nunca como um meio.”

Immanuel Kant

Assim como pode o esculápio ser responsabilizado pelos danos que causar ao

paciente em razão de seu mister; com a exclusão do nexo de causalidade estará ele

isento do dever de indenizar, tendo em vista que ninguém pode vir a ser

responsabilizado por um resultado para cuja causa não tenha concorrido, em que pese a

existência do dano.

Na exata medida da lição de Cavalieri, não raro pessoas que estavam jungidas a

determinados deveres jurídicos são chamadas a responder por eventos a que apenas

aparentemente deram causa, pois, quando examinada tecnicamente a relação de

causalidade, constata-se que o dano decorreu efetivamente de outra causa, ou de

circunstância que as impedia de cumprir a obrigação a que estavam vinculadas. E,

como diziam os antigos, ad impossibilia nemo tenetur. Se o comportamento devido, no

caso concreto, não foi possível, não se pode dizer que o dever foi violado.35

35 CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit., p. 82.

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Segundo nos apresenta a doutrina tradicional, temos como excludentes de

responsabilidade, que visam a impedir a concretização do nexo de causalidade, o caso

fortuito,a força maior,o fato exclusivo da vítima e o fato de terceiro.

Caso fortuito e força maior são episódios ou ocorrências que, apesar de toda

diligência do agente, escapam à sua vontade.

Independentemente de o Novo Código Civil, no parágrafo único do artigo 39336,

considerar as expressões equivalentes (artigo 1.058 caput e parágrafo único do Código

de 1916), entendemos em sentido contrário.

Temos por caso fortuito o evento dito imprevisível e, por conseqüência,

inevitável, sendo superior às forças e/ou vontades do agente, devendo-se utilizar nos

casos relacionados à medicina o standard do médico diligente.

No que diz respeito à força maior37, é o evento previsível, porém inevitável,

sendo superior a vontade ou ação do agente, ex vi das forças da natureza.

Apesar de o caso fortuito e a força maior se distinguirem pela imprevisibilidade

ou previsibilidade, ambos possuem um mesmo atributo que é a irresistibilidade.

O fato exclusivo da vítima ocorre quando o dano suportado pelo paciente guarda

relação direta ou indireta e exclusiva com sua ação ou omissão, não tendo o agente

colaborado ou participado do fato que deu causa ao dano, ou seja, o comportamento do

paciente é decisivo para o resultado danoso.

Em seu brilhantismo, Silvio Rodrigues assevera que no caso de culpa exclusiva

da vítima, o agente que causa diretamente o dano é apenas um instrumento do acidente,

36 Artigo 393 do CCB – O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único – O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. 37 Act of God, o ato de Deus conforme apresentado no direito anglo-saxão.

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não se podendo, realmente, falar em liame de causalidade entre seu ato e o prejuízo por

aquela experimentado.38

Isto posto, rompendo-se o liame de causalidade entre o atuar médico e o dano

perpetrado, não há o dever de indenizar em razão do desaparecimento da vinculação de

causa e efeito.

Quanto ao fato de terceiro, em apertada síntese tem-se por terceiro aquele que

deu origem ao dano com sua conduta, e nesse caso a que titulo for, eximindo a

responsabilidade do agente apontado como causador do ato danoso pelo paciente

vitimado.

X. ERRO DE DIAGNÓSTICO

“A vida é curta; a arte, longa; a oportunidade é fugidia; os experimentos são perigosos e o julgamento, difícil.”

Hipócrates

O erro de diagnóstico39, momento delicado no atuar médico, é escusável, porém

o erro de conduta não se pode perdoar.

Não é fácil compreender como o erro de diagnóstico não venha a prejudicar o

doente, mas que o erro de conduta possa ser fatal. O erro de diagnóstico faz parte do

progresso e do cabedal do conhecimento próprio do médico e não traz maiores

conseqüências para o doente; entretanto o erro de conduta pode levá-lo à morte. Muitas

38 RODRIGUES, Silvio. Op. cit., p. 179. 39 Diagnóstico – Determinação da natureza de uma doença, após as informações fornecidas pelo paciente, o estudo dos sinais e sintomas, os resultados dos exames laboratoriais, etc. Diagnóstico biológico – Todo diagnóstico baseado nos exames feitos sobre o indivíduo, sobre o resultado de culturas bacteriológicas ou sobre a análise de retiradas orgânicas. Diagnóstico clínico – Diagnóstico estabelecido junto ao doente e, por extensão, diagnóstico estabelecido com base no exame do doente, sem recorrer aos exames laboratoriais. Diagnóstico etiológico – Determinação da causa de uma doença. In Dicionário médico Andrei. São Paulo: Andrei, 1997, p. 219. Versão em português da 7.ª edição do original francês Dictionnaire médical. Paris: Masson Éditeur S.A.

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vezes, um caso de abdome agudo diagnosticado como apendicite aguda não o é, mas

sim, uma salpingite. Em ambos, a conduta é cirúrgica. No caso de o médico fazer um

diagnóstico e, ao abrir o abdome, comprovar seu erro, operar corretamente evidencia

esse ponto. Errou o diagnóstico e acertou a conduta.40

Hercúlea tarefa para os operadores do direito consiste em tentar indicar com

precisão a responsabilidade civil do médico originária de um erro de diagnóstico, tendo

em vista o seu tecnicismo. Não se pode olvidar, ainda, que a natureza da ciência médica

é incerta e, na grande maioria das vezes, baseada em suposições.

Apesar da amplitude subjetiva do diagnóstico, é dever do profissional utilizar-se

de todos os recursos que se encontrem à sua disposição para tentar aproximar-se de um

maior grau de certeza do estado mórbido do paciente, observando-se o estágio de

evolução científica que possa auxiliá-lo.

Fato relevante, principalmente no que diz respeito ao acesso à saúde no Brasil, é

que certas conquistas obtidas pela ciência médica e que deveriam ser aplicadas para a

obtenção de um melhor diagnóstico, não estão ao alcance dos profissionais da área de

saúde e tampouco da grande maioria dos pacientes, em razão de sua complexidade e

alto custo.

Dúvida constante que aflige os profissionais são as conseqüências decorrentes

de tratamento equivocado em razão de erro de diagnóstico em exames laboratoriais41 e

radiológicos.

40 MORAES, Irany Novah. Erro médico e a lei. 4.ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 228. 41 Tem, no passado recente, sido dada muita ênfase ao controle de qualidade na área do diagnóstico laboratorial. A análise dos erros tem sido deixada para segundo plano, até porque e para efeitos de acreditação parece importar mais a performance geral do que a ocorrência de erros, os quais são, em regra, eventos excepcionais. Existem várias razões para que os erros, nesta área da Medicina, não tenham recebido até agora uma maior atenção. Um primeiro aspecto prende-se com a definição. Definição não só do erro em Laboratório, mas sobretudo do que é o “erro tolerável” ou seja de qual é a “margem de erro”, dado que em cerca de 75% dos erros os resultados caiem ainda dentro do intervalo de confiança (Goldschmidt, 1995). Assim por exemplo, e ainda para Goldschmidt só 12,5% dos erros que ocorrem no diagnóstico laboratorial prejudicariam a saúde do doente e são esses, normalmente, os que têm conseqüências e acabam por ser conhecidos e registados, ficando por notificar um número, que é certamente muito maior, de erros. Os erros de Medicina Laboratorial ocorrem na fase pré-analítica, na fase analítica e na pós-analítica, no entanto é comum registar só os erros que envolvem o processo técnico da análise ou teste e, sabe-se, estes são uma percentagem mínima do total. É curioso referir que a maior percentagem dos erros envolve as fases pré e pós-análise com 41% e 55% respectivamente do total de

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Ao médico que é levado a efetuar um tratamento ou procedimento equivocado

em razão de um exame laboratorial ou radiológico não deverá ser imputada a

responsabilidade, a que título for, por um casual resultado danoso ao paciente, máxime

quando a sintomatologia e as informações prestadas pelo paciente levarem a presunções

verossímeis sobre o seu estado mórbido.

Sem embargo, haverá responsabilidade do médico se durante o tratamento se

mostrar insustentável o parecer laboratorial ou radiológico em razão da evolução

negativa do estado mórbido do paciente e ainda assim o profissional insistir em aceitar

os resultados originários sem qualquer espécie de questionamento quanto a

possibilidade de equívoco dos mesmos; ao invés de prescrever novos exames e buscar

novos resultados.

Com efeito, embora o tratamento inadequado seja causa freqüente de

complicações que levam ao resultado lesivo, nem sempre há associação necessária entre

o procedimento e o dano, já que mesmo o tratamento correto e rigorosamente dentro dos

padrões científicos pode conduzir a resultado danoso idêntico ao causado por erro. As

reações do organismo variam de um indivíduo para outro, apesar de ser lídimo esperar

determinada reação comum diante de certo medicamento, e, por exceção, haver

evolução diferente. Agindo em conformidade com as normas técnicas vigentes, não

será responsabilizado o profissional pela superveniência de resultado lesivo decorrente

da individual reação do paciente ao tratamento corretamente aplicado.42

Por derradeiro, cabe esclarecer que não é propriamente o erro de diagnóstico que

incumbe ao juiz examinar, mas sim se o médico teve culpa no modo pelo qual procedeu

ao diagnóstico, se recorreu, ou não, a todos os meios a seu alcance para a investigação

do mal, desde as preliminares auscultações até os exames radiológicos e laboratoriais –

erros, sendo os restantes 4% devidos a problemas com a análise em si própria. Para o American College of Pathologists 4,8% dos doentes não internados (seguidos em consultas externas) experimenta pelo menos um erro em relação com o pedido de análises (fase pré-analítica). Na realidade, um pedido desnecessário ou desadequado de um qualquer exame representa uma escolha errada, tanto quanto a resposta inexacta do laboratório ou mesmo uma deficiente interpretação e reacção do resultado correctamente fornecido. Assim sendo, a maior parte dos erros do Laboratório não têm directamente a ver com a actividade deste, mas com a sua articulação interdepartamental. In FRAGATA, José e MARTINS, Luís. Op. cit., p. 105

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tão desenvolvidos em nossos dias, mas nem sempre ao alcance de todos os profissionais

– bem como se à doença diagnosticada foram aplicados os remédios e tratamentos

indicados pela ciência e pela prática.43

XI. PROFILAXIA DO ERRO44

“O imperativo ético mais urgente de nossa época é o resgate da dignidade do médico, através da credibilidade pública.”

Rosselot

A finalidade primordial da profilaxia do erro ou medicina defensiva é

desenvolver no profissional ligado à área de saúde uma forma de atuar, respeitando por

certo a moral, a ética e a lei, de forma direta ou indireta relacionada ao seu mister, que

não deixe qualquer espécie de margem para que o profissional possa vir a ser

responsabilizado administrativa, ética, civil ou penalmente em razão de seu exercício.

É fundamental aprimorar os procedimentos e adequá-los às formas técnicas

exigíveis pelos órgãos de classe, autoridades públicas e normas legais, para que se possa

formar um profissional mais consciente de seus direitos e obrigações.

Em primeira instância, deve o médico manter um bom relacionamento com o seu

paciente, estreitando na medida do possível uma relação de confiança e credibilidade

mútua, inclusive com seus familiares.

A primeira consulta deve ser realizada de forma a fazer com que o esculápio

obtenha o maior número de informações clínicas do paciente, tentando observá-lo como

um todo (parte física e psíquica).

42 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade civil do médico. 1.ª ed. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1998, p. 104/105. 43 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2003, p.91. 44 NIGRE, André Luis. Op. cit. p. 25/27.

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Deve o próprio médico, ou um profissional do corpo clínico a que pertencer,

realizar anamnese detalhada e específica do paciente para cada especialidade médica,

evitando os formulários genéricos que muitas vezes são preenchidos por recepcionistas,

requerendo ao final que o paciente confira as respostas dadas e aponha a sua assinatura.

Deve o profissional esclarecer ao paciente o caso clínico, a conduta e os

procedimentos clínicos que serão adotados.

É aconselhável evitar o olho clínico, assim como diagnóstico precipitado,

consulta e prescrições por telefone ou e-mail.

Na medida do possível, deve solicitar exames que possam confirmar o

diagnóstico.

Todas as informações referentes ao paciente devem estar arquivadas em lugar de

fácil acesso, contendo informações preenchidas cronologicamente, com letra legível, de

forma clara e precisa, sendo colocado ao lado das informações prestadas o nome legível,

assinatura e a inscrição daquele que a preencheu, assim como sua inscrição no órgão de

classe.

Com exceção dos casos de urgência, que devem ter a finalidade precípua de

resguardar o bem maior que é a vida humana, os médicos tem por dever ético-moral

esclarecer ao paciente ou a seu responsável legal, por meio de linguagem clara e

adequada ao nível intelectual e cultural do paciente, a respeito dos efeitos e resultados

previsíveis da terapêutica que lhe será aplicada; ato contínuo, deverá o paciente ou seu

responsável legal aquiescer com o tratamento proposto, ou seja, é um requisito

primordial de todo tratamento ou intervenção.

Para maior segurança, o consentimento esclarecido deve ser expresso de forma

escrita e firmado pelo paciente ou seu responsável legal; caso não seja possível, o

consentimento verbal deve ser testemunhado.

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O esculápio deve sempre estar atento às evoluções técnico-científicas e procurar,

na medida do possível, estar atualizado em sua especialidade , evitando as práticas não

consagradas e os atos médicos para os quais não esteja perfeitamente habilitado.

No relacionamento com o paciente, deve sempre contribuir para que ele

mantenha a esperança de cura e lute para alcançar este objetivo, porém, jamais deve

prometer a cura.

Nos casos em que o médico tenha a necessidade de se ausentar por um longo

período de tempo (congressos, seminários, cursos, férias, etc.), deve comunicar aos seus

pacientes o período em que estará ausente e concomitantemente indicar substituto

qualificado.

O esculápio deve sempre estar atento ao atuar de seus auxiliares e colaboradores,

supervisionando, de forma detalhada, os trabalhos realizados que estão sob sua

supervisão.

É vedado ao médico abandonar de forma repentina o tratamento ou o período

pós-cirúrgico de seu paciente.

Em caso de abandono ou falta de comunicação do paciente, deve o esculápio

diligenciar para que aquele seja informado, por escrito, das conseqüências do abandono

do tratamento.

O médico não deve vestir o manto da onipotência, mas estar aberto à opinião de

outros especialistas no caso de intervenção cirúrgica ou doenças de alto potencial de

malignidade.

Tem ele sempre o dever de informar e esclarecer ao paciente todas as

intercorrências previsíveis do decorrer do tratamento, indicando a evolução natural da

doença e o que se deve esperar do tratamento e do pós-operatório, ficando a decisão a

cargo do paciente ou de seu responsável legal.

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Seguindo as orientações profiláticas suso apresentadas, estará o esculápio

aprimorando sua forma de atuar e agindo dentro dos princípios éticos e legais.

XII. CONCLUSÃO

“Zaratustra é tolerante com os enfermos. Não o enfadam as suas formas de se consolarem, nem a sua ingratidão. Curem-se, dominem-se, criem um corpo superior.”

Friedrich Nietzsche

É de conhecimento de todos a importância quase que divina do médico, por ser

formado para salvar vidas e para abrandar dores; por assim ser, jamais tem a vontade

consciente de cometer um erro. Não obstante, erros acontecem em razão de excesso de

confiança, estresse, má formação profissional, entre inúmeros outros problemas,

fazendo com que sua atuação passe a ser questionada e oscile entre o céu e o inferno,

ora como um semideus ou fidalgo, ora como aquele que abriu a caixa de Pandora.

O ser humano não deve ser visto como uma caixa estanque e compartimentada;

os avanços técnico-científicos e as possibilidades cirúrgicas devem servir ao homem e

não aprisioná-lo em um cárcere de vaidade, soberba e volúpia.

O médico deve ter acima de tudo consciência de seu poder de persuasão e

convencimento, que sem qualquer dúvida está intrínseco em seu atuar, e usá-lo em

favor do paciente, buscando sempre alcançar o bem-estar físico e psicológico,

esclarecendo as vantagens e desvantagens do procedimento, e sabendo principalmente

persuadir o paciente a não realizar o procedimento quando este não se faz necessário ou

quando pode implicar em risco desproporcional.

Cabe ao esculápio resgatar o respeito e a admiração de outrora, exercendo seu

munus com zelo e profissionalismo, respeitando a dignidade do paciente em razão de

sua fragilidade, prestando as informações que devem ser prestadas e, principalmente,

insurgindo-se contra a má prática do exercício da profissão.

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Concluo o presente estudo com o magistral ensinamento do Padre Leo Passini,

camiliano em São Paulo – SP, que deverá servir como paradigma a todos àqueles que

fazem da medicina não apenas uma profissão, mas um sacerdócio e uma razão para se

viver. “1. Respeite a minha dignidade em meio à minha fragilidade da dor e sofrimento.

2. Sirva-me com amor, respeito e solicitude. 3. Trate-me como você gostaria de ser

atendido, ou como você o faria com a pessoa mais querida que você tem no mundo. 4.

Seja a voz dos sem voz: seja defensor dos meus direitos. 5. Evite toda negligência que

possa pôr em perigo minha vida, ou prolongar minha enfermidade. 6. Não frustre

minha esperança com sua pressa e impaciência. 7. Sou um todo uno, um ser integral:

não me reduza a um número ou história clínica. 8. Conserve limpa sua mente e coração,

não permita que a ambição e o egoísmo os invadam. 9. Preocupe-se com minha saúde

integral. 10. Partilhe minhas angústias e sofrimentos, ainda que você não possa me

curar. Simplesmente não me abandone, fique um pouco comigo.”

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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