Responsabilidade Civil Por Fraude Em Emprestimo Consignado de Aposentado Ou Pensionista Do Inss Jorge Batista Fernandes Jr

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    RESPONSABILIDADE CIVIL POR FRAUDE EM EMPRSTIMO CONSIGNADO DE APOSENTADO OU PENSIONISTA DO INSS.

    Jorge Batista Fernandes Jr. Procurador Federal

    Ps-graduando em direito civil e processo civil pela UGF

    RESUMO: A responsabilidade civil rea frtil para o extravasamento das emoes humanas ensejando a consequncia pouco louvvel de se abandonar a tcnica jurdica. A aplicao do nexo de causalidade cotidianamente feita de forma emprica pelos operadores do direito. A teoria do dano direto e imediato, aplicada ao caso de fraude em emprstimo consignado, a frmula para se chegar a uma concluso consentnea com o direito.

    PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil. Nexo de Causalidade. Fraude. Emprstimo Consignado.

    Sumrio: 1 CONSIDERAES INICIAIS; 2 DO DISSDIO JURISPRUDENCIAL; 3 DAS TEORIAS DO NEXO DE CAUSALIDADE; 4 DA APLICAO DA TEORIA DO DANO DIRETO E IMEDIATO; 5 DA CONCLUSO; 6 REFERNCIAS

    DA INTRODUO

    Tratar de responsabilidade civil no tarefa das mais fceis, embora aparentemente o seja. Qualquer pessoa e no s a vtima sente irresignao ante um ato que causa prejuzo a outro, ensejando assim um desequilbrio de ordem moral e social.

    Na maioria dos casos, esse desequilbrio moral e social revela-se tambm um desequilbrio na ordem jurdica, mas nem sempre isso ocorre. Por vezes uma pessoa se sente moralmente responsvel por um prejuzo, mas juridicamente no o . Em outras tantas a pessoa no se sente moralmente responsvel, mas juridicamente .

    Embora a sensibilidade de cada indivduo contribua sobremaneira na concepo da ideia moral de responsabilidade, esta tambm contribui para obscurecer o raciocnio tcnico-jurdico.

    No raro o jurista se encontra com uma ideia pr-concebida no que tange a responsabilidade civil e, por fim, apenas busca defend-la mediante fundamentos jurdicos idneos.

    H um inexorvel embate velado entre emoo e razo no trato da responsabilidade civil dificultando sobremaneira a sua anlise.

    Isso, todavia, no exclusividade da cincia jurdica. Sobre o tema o filsofo Scrates1-2 assim se pronunciou:

    E conseguir mais claramente quem examinar as coisas apenas com o pensamento, sem pretender aumentar sua meditao com a vista,

    1 PLATO. Fdon. Os Pensadores. Nova Cultural. 1996. p.127.

    2 No se sabe ao certo se o dilogo representa fielmente as palavras de Scrates ou se Plato ps tais palavras na boca de Scrates

    em seu dilogo.

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    nem sustentar seu raciocnio por nenhum outro sentido corporal, aquele que se servir do pensamento sem nenhuma mistura procurar encontrar a essncia pura e verdadeira sem o auxlio dos olhos ou dos ouvidos e, por assim diz-lo, completamente isolado do corpo, que apenas turba a alma e impede que encontre a verdade.

    Nessa perspectiva que nos propomos a debruar sobre o tema da responsabilidade civil decorrente de fraude em emprstimo consignado para aposentados e pensionistas do INSS.

    1 CONSIDERAES INICIAIS

    A lei n. 10.820/03, aperfeioada pela lei n. 10.953/04, veio a permitir a figura da consignao nos benefcios previdencirios em decorrncia de emprstimo feito por aqueles que recebem aposentadoria ou penso da Previdncia Social, implementando uma poltica scio-econmica da Unio Federal no sentido de facilitar, mediante diminuio do risco da operao, a obteno de crdito junto s instituies financeiras.

    Com a mencionada autorizao legislativa a Unio Federal fomentou a economia e possibilitou, por outro lado, a diminuio das taxas de juros cobradas. Beneficiou-se, por um lado, as instituies financeiras, que passaram a ter o risco do negcio sensivelmente diminudo e, por outro lado, os aposentados e pensionistas, que passaram a obter emprstimos mediante taxa de juros menor.

    No h vantagem de cunho financeiro para o INSS, posto que s lhe cabe cobrar apenas pelos custos operacionais acarretados, conforme estabelecido no inciso V do 1 do art. 6 da lei n. 10.820/03.

    A inexistncia de vantagem de cunho financeiro para a autarquia encontra-se regulamentada no art. 34 da Instruo Normativa INSS/PRES n 28/2008, in verbis:

    Art. 34. A Dataprev indicar instituio financeira a conta corrente bancria para depsito do pagamento dos seus custos operacionais, conforme previsto no convnio, at o quinto dia til do ms seguinte ao do desconto por ela realizado no benefcio.

    Quanto s modalidades de emprstimo consignado so trs as hodiernamente existentes, a saber: consignao, reteno e carto de crdito.

    Na primeira modalidade a consignao feita diretamente no benefcio previdencirio, cabendo ao INSS transferir o valor consignado para a instituio financeira conveniada contratada pelo aposentado/pensionista (art. 1 c/c art. 6, primeira parte, da Lei n. 10.820/03).

    Na segunda modalidade, instituda pela Lei n. 10.953/04, o INSS repassa o valor integral do benefcio previdencirio para a instituio financeira que, por sua vez, realiza a reteno (art. 6, segunda parte, da Lei n. 10.820/03).

    A terceira modalidade a realizvel mediante carto de crdito (vedada a cobrana de manuteno ou anuidade art. 15, inciso I da IN INSS/PRES n. 28/08), na qual a instituio financeira comunica DATAPREV para que realize, se possvel, a Reserva de Margem Consignvel.

    Diante da resposta positiva da DATAPREV, cabe instituio financeira emitir o carto de crdito para o aposentado ou pensionista, que passa a ter um crdito pr-aprovado.

    Importa registrar que em todas as modalidades de emprstimo consignado a troca de informaes das instituies financeiras com a DATAPREV se faz mediante

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    arquivo magntico, conforme especificaes tcnicas constantes do protocolo de relacionamento em meio magntico CNAB - Febraban (art. 20 da IN INSS/PRES n. 28/08).

    2 DO DISSDIO JURISPRUDENCIAL

    A jurisprudncia acerca da responsabilidade civil por consignao fraudulenta decorrente de contrato de emprstimo com assinatura falsa no unvoca, admitindo-se tanto a responsabilidade exclusiva da instituio financeira quanto responsabilidade exclusiva do INSS.

    O Tribunal de Justia do Rio de Janeiro, conforme se verifica pelos arestos abaixo, segue o entendimento de que a instituio financeira a causadora do dano, uma vez que presta servio defeituoso na medida em que no propiciou a segurana que dele se esperava.

    2009.001.04747 APELACAO

    DES. LEILA ALBUQUERQUE - Julgamento: 11/02/2009 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL

    INDENIZATRIA. DANO MORAL E MATERIAL. Defeito na prestao do servio. Dano moral. Emprstimo consignado fraudulentamente contratado atravs de carto de crdito no solicitado nem recebido pelo Autor, para dbito na conta corrente utilizada para recebimento de benefcio do INSS. O Banco reconheceu o fato, advindo de fraude, o que tambm lhe teria trazido prejuzos, mas atribuiu a terceiro a responsabilidade pelo ocorrido. Teoria do Risco. O Banco responde pelos prejuzos acarretados por fraudes ocorridas em razo de falhas no seu sistema de segurana, independentemente de culpa. Correto o valor fixado a ttulo de danos morais, que atendeu aos princpios da razoabilidade e da proporcionalidade. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO.

    2009.001.09333 APELACAO

    DES. RICARDO COUTO - Julgamento: 10/03/2009 - SETIMA CAMARA CIVEL

    RESPONSABILIDADE CIVIL - EMPRSTIMO CONSIGNADO - OPERAO FRAUDULENTA - FORTUITO INTERNO - DANO MORAL- CABIMENTO. O emprstimo obtido de forma fraudulenta no exime a instituio bancria do dever de reparar o dano causado quele que teve sua conta debitada indevidamente. Fato de terceiro que se insere no risco do empreendimento. Dano moral caracterizado, cuja quantificao foi bem mensurada, dentro da idia compensatria e punitiva, no merecendo qualquer reparo. Desprovimento do recurso.

    No mesmo sentido a jurisprudncia do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul.

    EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO EM FOLHA. FRAUDE NA CONTRATAO. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIO FINANCEIRA. RISCO DO NEGCIO. CONFERNCIA DOS DADOS. AUSNCIA DE CAUTELA PELA INSTITUIO FINANCEIRA. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM. REDUO. 1. O dano moral, em realidade, nsito prpria situao noticiada nos autos e reside nos diversos incmodos e dissabores experimentados pela demandante, ao se ver privada de dispor da totalidade de seus rendimentos, em razo de emprstimo consignado realizado fraudulentamente. 2. O quantum da reparao deve compreender, dentro do possvel, compensao pelo dano infligido a vtima, ao

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    mesmo tempo servindo de freio, de elemento inibidor e de sano ao autor do ato ilcito. Hiptese em que o montante arbitrado pelo julgador monocrtico reclama reduo. Valor fixado em R$6.000,00. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelao Cvel N 70027987676, Dcima Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Paulo Antnio Kretzmann, Julgado em 22/01/2009)

    EMENTA: INDENIZATRIA. DBITOS NO AUTORIZADOS LANADOS EM CONTA-CORRENTE BANCRIA, REFERENTE A PAGAMENTO DE EMPRSTIMO BANCRIO CONSIGNADO NO CONTRATADO PELO DEMANDANTE. FRAUDE NA CONTRATAO. SITUAO QUE PERSISTE POR SEIS MESES, APESAR DA RECLAMAO DO CONSUMIDOR. DESDIA DO RU QUE ENSEJA O RECONHECIMENTO DE DANOS MORAIS INDENIZVEIS. 1. Falha bancria. Responsabilidade objetiva. Art. 14, 3, do CDC. Fragilidade do sistema de contratao, expondo o consumidor a aes de terceiros de m-f. Risco de disfunes que deve ser assumido pela instituio financeira requerida, exploradora da atividade de risco. 2. Danos morais configurados, em razo da privao do capital, por seis meses seguidos, configurando efetiva desconsiderao para com a pessoa do consumidor, diante da reiterao da prtica e da ausncia de solues. Aplicao da funo dissuasria da responsabilidade civil. Necessidade, todavia, de se reduzir o quantum indenizatrio fixado pela sentena, adequando-o s circunstncias do caso concreto. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cvel N 71001863026, Terceira Turma Recursal Cvel, Turmas Recursais, Relator: Eugnio Facchini Neto, Julgado em 25/11/2008)

    Na Justia Federal do Rio de Janeiro a jurisprudncia em sentido diverso, conforme pode se verificar abaixo.

    Origem: Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro

    Classe: REC - Recurso/Sentena Cvel/RJ

    Nmero do Processo: 20065151023759901

    rgo Julgador: 2. Turma Recursal - 4. Juiz Relator

    Relator: MARCELO LUZIO MARQUES ARAUJO

    Data de Julgamento: 25/03/2008

    Nmero de Origem: 200651510237599

    EMENTA:

    ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DESCONTO NO-RECONHECIDO EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. DANOS MORAIS. CONFIGURAO. PLURALIDADE DE DEVEDORES. RESPONSABILIDADE SOLIDRIA POR ATO ILCITO. LITISCONSRCIO PASSIVO FACULTATIVO. AO PROPOSTA EM FACE DO INSS PERANTE A JUSTIA FEDERAL E EM FACE DA INSTITUIO FINANCEIRAS PERANTE A JUSTIA ESTADUAL. CONDENAO EM VALOR RAZOVEL NA JUSTIA ESTADUAL. INCINDIBILIDADE DO DANO MORAL. RECURSO IMPROVIDO.

    Trata-se de recurso interposto pelo INSS contra sentena que o condenou a indenizar o recorrido em R$ 3.000,00 (trs mil reais) pelos danos morais decorrentes de descontos indevidos nos proventos de aposentadoria feitos a ttulo de emprstimo consignado com instituio conveniada Previdncia Social.

    A partir da competncia de fevereiro de 2006, o recorrido teve descontado de seus proventos a quantia de R$ 429,73 (quatrocentos e vinte e nove reais e setenta e trs centavos) sob a rubrica consignao emprstimo bancrio, em virtude de contrato que teria celebrado junto ao Banco Cruzeiro do Sul S.A., referente a mtuo de R$ 8.600,00 (oito mil e seiscentos reais) a ser pago em 36 parcelas mensais. Entretanto,

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    o emprstimo foi obtido sem o consentimento do recorrido e, mesmo assim, foram descontadas, irregularmente, oito prestaes do valor do benefcio previdencirio.

    O recorrente aventa, em preliminar, a ilegitimidade passiva por no ser uma das partes contratantes. No tocante ao mrito, sustenta a inexistncia de danos morais.

    A teor do art. 6 da Lei n. 10.820/2003, os titulares de benefcios de aposentadoria e penso do RGPS podero autorizar o INSS a proceder aos descontos de emprstimos consignados firmados juntos a certas instituies financeiras. Ora, se competncia do INSS realizar os descontos e repass-los ao agente bancrio, claro que a conduta do recorrente faz parte da cadeia domin que culminou no evento danoso discutido nestes autos. Extrai-se, da, a legitimidade passiva do

    INSS.

    No tocante ao mrito, a questo se insere no mbito da teoria da responsabilidade objetiva, cuja base est no art. 37, 6, da CF, de modo ser necessrio analisar trs elementos: conduta, dano e nexo de causalidade. Por sua vez, a configurao de danos morais pressupe a ocorrncia de situao anormal que gere significativo abalo emocional na vtima alm dos simples aborrecimentos cotidianos.

    A conduta representada pelo ato do INSS que efetivou os sucessivos descontos em contracheque; o dano, pela subtrao de parte dos proventos e o nexo de causalidade, em razo de os prejuzos serem efeito direto e imediato dos descontos feitos pela Administrao (art. 403 do Cdigo Civil). Em relao culpa, ainda que seja desnecessria para formar a responsabilidade civil da Administrao, a recorrida juntou aos autos os documentos utilizados para a celebrao do contrato, que, apesar de registrarem seus dados pessoais, so nitidamente falsificados, de modo que a falta de consentimento para a realizao do negcio jurdico infringe o princpio da autonomia da vontade. Portanto, no h relao jurdica material para justificar os descontos reclamados nesta ao, o que suficiente para revelar a existncia de ato ilcito.

    Em havendo pluralidade de agentes, a responsabilidade civil por ato ilcito solidria (art. 942, caput, do Cdigo Civil). Dessa forma, o terceiro prejudicado, nesse caso o recorrido, pode optar por cobrar a reparao dos danos de qualquer um dos devedores ou, ento, repartir entre cada um deles a parte da indenizao correspondente respectiva participao no evento danoso (art. 275 do Cdigo Civil). Pelo mesmo fato retratado nestes autos, o recorrido tambm props ao, perante a Justia Estadual, em face da instituio financeira em que o emprstimo foi fraudulentamente obtido. O processo n. 2006.800.090920-0, que tramitou junto ao II Juizado Especial Cvel da Comarca do Rio de Janeiro, condenou o Banco Cruzeiro do Sul S.A. a pagar quantia equivalente ao dobro do valor indevidamente descontado dos proventos do recorrido e a reparar os danos morais, arbitrados

    judicialmente em 20 salrios-mnimos. No caso em tela, possvel destacar do evento danoso a parcela de culpa do INSS que, alis, contribuiu para agravar os danos morais provocados no recorrido.

    A indenizao por danos morais foi arbitrada de acordo com o princpio da proporcionalidade.

    Recurso conhecido e improvido. Sem custas, condeno o recorrente ao pagamento de honorrios advocatcios fixados no valor de 10% do estabelecido para a indenizao.

    ACRDO Acordam os membros da Segunda Turma Recursal da Seo

    Judiciria do Rio de Janeiro, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Com o ltimo, votaram os MM Juzes Federais Dr Bianca Stamato Fernandes e Dr. Manoel Rolim Campbell Penna.

    Rio de Janeiro, 25 de maro de 2008.

    MARCELO LUZIO MARQUES ARAUJO Juiz Federal - 2 Turma Recursal/RJ

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    INDEXAO: ADMINISTRATIVO, RESPONSABILIDADE CIVIL, APOSENTADORIA, DANO MORAL, RESPONSABILIDADE SOLIDRIA, JUSTIA ESTADUAL, JUSTIA FEDERAL, RECURSO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), CONDUTA, ATO ILCITO, VALOR. REFERNCIAS LEGISLATIVAS: LEI-10820 ANO-2003 ART-6

    CFD-000000 ANO-1988 ART-37 PAR-6

    LEI-000000 ANO-1040 2002

    LEI-10406 ANO-2002 ART-403 ART-942 ART-275

    VOTANTES:

    Juiz Federal MANOEL ROLIM CAMPBELL PENNA

    Juiz Federal MARCELO LUZIO MARQUES ARAUJO Juiz Federal BIANCA STAMATO FERNANDES

    Origem: Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro

    Classe: REC - Recurso/Sentena Cvel/RJ

    Nmero do Processo: 20065151038839501

    rgo Julgador: 1. Turma Recursal - 2. Juiz Relator Relator: RENATO CESAR PESSANHA DE SOUZA

    Data de Julgamento: 01/08/2007

    Nmero de Origem: 200651510388395

    EMENTA:

    RESPONSABILIDADE CIVIL. CESSAO DE DESCONTOS EM BENEFCIO PREVIDENCIRIO. EMPRSTIMO CONSIGNADO. SENTENA MANTIDA. Recurso conhecido, pois presentes os pressupostos.

    Pedido de cessao de desconto indevido em benefcio previdencirio e restituio das parcelas descontadas mediante o procedimento de emprstimo consignado.

    Sentena que julgou procedentes os pedidos, condenando a r a interromper os descontos no benefcio da autora.

    A r, em recurso, alega ilegitimidade passiva ad causam, e culpa exclusiva da instituio bancria.

    Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva, tendo em vista que os descontos foram efetuados pelo INSS, que sequer apresentou o contrato firmado pela parte autora ou solicitao de desconto pela instituio financeira com a qual teria sido celebrado o suposto emprstimo.

    No mrito, a sentena no merece qualquer reparo, devendo ser mantida nos prprios fundamentos, valendo reiterar que o INSS no produziu prova da celebrao do contrato de emprstimo consignado.

    Recurso a que se NEGA PROVIMENTO. Sentena mantida.

    Honorrios de sucumbncia pelo INSS fixados em R$300,00. Transitado em julgado, baixem ao Juzo de origem. ACRDO A Turma, por unanimidade, decidiu conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto/ementa do relator. Votaram o Juiz Federal Renato Csar Pessanha de Souza, relator, e as Juzas Federais Jane Reis Gonalves Pereira e Lucy Costa de Freitas Campani.

    Rio de Janeiro, 01 de agosto de 2007.

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    RENATO CSAR PESSANHA DE SOUZA Juiz Federal da 1 Turma Recursal

    Seo Judiciria do Rio de Janeiro

    INDEXAO: RESPONSABILIDADE CIVIL, TRMINO, DESCONTO, BENEFCIO PREVIDENCIRIO, EMPRSTIMO VOTANTES:

    Juiz Federal LUCY COSTA DE FREITAS CAMPANI

    Juiz Federal RENATO CESAR PESSANHA DE SOUZA

    Juiz Federal JANE REIS GONCALVES PEREIRA

    Nota-se, pois, que o cerne do dissenso jurisprudencial encontra-se no nexo de causalidade.

    3 DAS TEORIAS DO NEXO DE CAUSALIDADE

    O nexo causal, alm de ser pressuposto objetivo essencial da responsabilidade civil, subjetiva e objetiva, tem sua importncia ressaltada pela finalidade de determinar o causador do dano, notadamente nos casos em que h multiplicidade de fatos que se relacionam com o dano.

    Para tal, algumas teorias foram desenvolvidas, destacando-se entre as principais a teoria da causa prxima, a teoria da equivalncia das condies, a teoria da causa adequada e a teoria do dano direto e imediato.

    A teoria da causa prxima atribui a responsabilidade ao ltimo evento causador do dano, tornando irrelevantes as causas mais remotas.

    J a teoria da equivalncia das condies atribui a responsabilidade a todos os fatos que contriburam para o evento, pouco importando analisar qual provocou, de modo eficaz e adequado, o prejuzo.

    Jos Acir Lessa Giordani3 explica que:

    Pela teoria da causalidade adequada, deve-se perquirir qual foi, efetivamente, a causa adequada para o dano, isto , qual o fato capaz de, por si s, produzir o evento danoso. importante observar que esta anlise deve ser feita em abstrato, e no em concreto. Desta forma, embora no caso concreto todos os eventos tenham contribudo para o dano, nem todos teriam sido capazes de, por si s, produzi-lo.

    Lecionando sobre a teoria da causalidade adequada, o Des. Srgio Cavalieri Filho4 ensina:

    Causa, para ela, o antecedente no s o necessrio, mas, tambm, adequado a produo do resultado. Logo, nem todas as condies sero causa, mas apenas aquela que for a mais apropriada a produzir o evento.

    [...]

    No basta, como observa Antunes Varela, que o fato tenha sido, em concreto, uma condio sine qua nom do prejuzo. preciso, ainda, que o fato constitua, em abstrato, uma causa

    3 GIORDANI, Jos Acir Lessa. A Responsabilidade Civil Objetiva Genrica no Cdigo Civil de 2002. Rio de Janeiro. Lumen

    Juris. 2007. p. 51. 4 FILHO, Srgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. So Paulo. Malheiros. 1997. p.50

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    adequada do dano. Assim, prossegue o festejado Autor, se algum retm ilicitamente uma pessoa que se aprestava para tomar certo avio, e teve, afinal, de pegar um outro, que caiu e provocou a morte de todos os passageiros, enquanto o primeiro chegou sem incidente ao aeroporto de destino, no se poder considerar a reteno ilcita do indivduo como causa (jurdica) do dano ocorrido, porque, em abstrato, no era adequada a produzir tal efeito, embora se possa asseverar que este (nas condies em que se verificou) no se teria dado se no fora o fato ilcito. A idia fundamental da doutrina a de que s h uma relao de causalidade adequada entre fato e dano quando o ato ilcito praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vtima. Segundo o curso normal das coisas e a experincia comum da vida. (grifo do autor)

    A teoria do dano direto e imediato foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal no paradigmtico acrdo proferido no RE 130.764/PR, da relatoria do Min. Moreira Alves, cujos contornos acerca da teoria do nexo causal so at hoje seguidos, como se pode perceber pelo acrdo proferido no RE 369.820-6/RS (04/11/2003), da relatoria do Min. Carlos Velloso, cujos trechos mais importantes se transcreve abaixo.

    RE 369.820/RS

    Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul

    Recorrido: Maria Ansia Hauschild

    EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS PBLICAS. ATO OMISSIVO DO PODER PBLICO: LATROCNIO PRATICADO POR APENADO FUGITIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DE SERVIO. C.F., art. 37, 6.

    ACRDO

    Visto, relatados e discutidos [...] por unanimidade de votos, em conhecer do recurso extraordinrio e lhe dar provimento, nos termos do voto do relator.

    TRECHO DO VOTO DO RELATOR

    [...] O Ministro Moreira Alves, no voto que proferiu no RE 130.764/PR, lecionou que a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade a teoria do dano direto e imediato, tambm denominada teoria da interrupo do nexo causal, que sem quaisquer consideraes de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalncia das condies e a da causalidade adequada ( cf. Wilson Mello da Silva, Responsabilidade sem culpa, ns. 78 e 79, pg. 128 e seguintes, Ed. Saraiva, So Paulo, 1974). Essa teoria, como bem demonstra Agostinho Alvim (Da inexecuo das obrigaes, 5 ed., n 226, pg. 370, Ed. Saraiva, So Paulo, 1980), s admite o nexo de causalidade quando o dano efeito necessrio de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produo deste, no haja concausa sucessiva. Da, dizer Agostinhi Alvim (1.c.): os danos indiretos e remotos no se excluem, s por isso; em regra, no so indenizveis, porque deixam de ser

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    efeito necessrio, pelo aparecimento de concausas. Suposto no existam estas, aqueles danos so indenizveis.(RE 130.764/PR, RTJ 143/270,283)

    A questo a ser posta, agora, esta: a fuga de um apenado da priso, vindo este, tempo depois, integrando quadrilha de malfeitores, assassinar algum, implica obrigao de indenizar por parte do poder pblico, sob color de falta de servio?

    [...]

    dizer, em casos como este, no h falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocnio praticado, tempos depois, pela quadrilha da qual participava o apenado, observada a teoria, quanto ao nexo de causalidade, do dano direto e imediato.

    As expresses dano direto e dano imediato so consideradas reforativas a ideia de necessariedade, ou seja, o dano deve ser consequncia necessria da causa.

    Gustavo Tepedino5 chama a ateno para a falta de tcnica na designao das teorias do nexo causal na jurisprudncia ptria, alertando que a teoria evolutiva da causalidade necessria vem sendo aplicada sem que seja designada como tal. Vejamos:

    A tendncia a uma interpretao evolutiva, alis, encontra-se presente na jurisprudncia brasileira, a tal ponto que, sob a influncia de todas as trs correntes antes mencionadas, os Tribunais fixam o nexo de causalidade de forma intuitiva, invocando alternativamente a teoria da causalidade adequada, da interrupo do nexo causal, e da conditio sine qua nom, sempre na busca de um liame de necessariedade entre a causa e efeito, de modo que o resultado danoso seja consequncia direta do fato lesivo.

    Para de entender, portanto, o panorama da causalidade na jurisprudncia brasileira, torna-se indispensvel ter em linha de conta no as designaes das teorias, no raro tratadas de modo ecltico ou atcnico pelas Cortes, seno a motivao que inspira as decises, permeadas predominantemente pela teoria da causalidade necessria.

    Em outra passagem o Prof. Gustavo Tepedino6 faz outro alerta igualmente importante, in verbis:

    O Professor de Direito Civil e Desembargador Srgio Cavalieri Filho, do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro, invoca a teoria da causalidade adequada, identificando, todavia, em seus votos, a causa mais adequada em concreto, no em abstrato. Estabelece, desse modo, o nexo causal necessrio para o surgimento do dever de reparar.

    A teoria do dano direto e imediato encontra amparo legal no art. 403 do Cdigo Civil que, no obstante tratar de responsabilidade contratual, tambm deve ser aplicada na responsabilidade extracontratual.

    5 TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o Nexo de Causalidade. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro. tomo II. Renovar. 2006.

    p.63-81. p. 70/71 6 Ibid., p. 73-74

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    4 DA APLICAO DA TEORIA DO DANO DIRETO E IMEDIATO

    No caso em anlise, tem-se que o evento danoso consiste no desconto indevido de parte do benefcio previdencirio pela inexistncia ou falsidade do contrato de financiamento.

    O art. 6 da lei n. 10.820/03, com redao dada pela lei n. 10.953/04 impe como condio para a realizao da reteno/consignao a existncia de contrato escrito entre a instituio financeira e o aposentado/pensionista, tendo o art. 3, inciso III da IN INSS/PRES n. 28/08 expressamente vedado a autorizao por telefone.

    Ao regulamentar tal tipo de emprstimo o INSS criou um risco ao admitir o recebimento das informaes contratuais exclusivamente via arquivo magntico pelas instituies financeiras conveniadas.

    Assim, trs so as condies que podem, alternativa ou cumulativamente, ser consideradas causa do evento danoso, quais sejam, a criao de um risco para o negcio, decorrente da aceitao automtica das informaes advindas das instituies financeiras conveniadas pela simples via arquivo magntico, a falsificao da assinatura aposta no contrato por terceiro e, por fim, a falta de diligncia na conferncia dos documentos apresentados e da assinatura aposta no contrato pela instituio financeira.

    Necessrio estabelecer quais condies devem ser elevadas a categoria de causa jurdica do evento danoso.

    A condio de o INSS ter criado uma presuno de veracidade das informaes advindas das instituies financeiras conveniadas pela simples via de arquivo magntico no nos parece que seja causa direta e imediata do dano, uma vez que no fosse a eventual supervenincia de causas, quais sejam, a assinatura falsa e a negligncia da instituio financeira na conferncia, o evento danoso jamais ocorreria.

    Isso porque, embora a admisso automtica, pelo INSS, das informaes advindas das instituies conveniadas, facilite a efetivao do dano, h, no caso, a interrupo do nexo causal pela supervenincia de causa preponderante.

    O eminente Des. Gustavo Tepedino7 cita interessante precedente do STJ para explicar o evento, destacando-se o voto do Ministro Gueiros Leite:

    A ementa do acrdo se refere inexistncia de causalidade adequada. No corpo do acrdo, todavia, a Corte entendeu que a fabricao do carro no era causa imediata, seno mediata e distante, em relao ao dano, este ocasionado pela coliso, causa imediata e direta do resultado danoso. Em seu voto, afirmou o Ministro Gueiros Leite:

    Sempre que seja possvel estabelecer a inocuidade de um ato se no tivesse intervindo outro ato causador exclusivo do dano, no se deve falar em concorrncia de culpas.

    V-se, pois, que a supervenincia de causa preponderante enseja a interrupo do nexo causal da condio anterior.

    Portanto, nos casos de fraudes em emprstimos consignados o risco criado pelo INSS causa indireta e remota do evento danoso. Por outro lado, a assinatura falsa, juntamente com a negligncia no dever de conferncia, revelam-se causa direta e imediata do dano.

    H, pois, solidariedade entre o terceiro fraudador e a instituio financeira conveniada, posto que so os participantes do fato causador do dano.

    7 TEPEDINO, op. cit., p. 73.

  • 11

    No se pode deixar de salientar a aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor, ainda que a vtima no seja correntista da instituio financeira, pois, no caso, aplicvel a figura do consumidor por equiparao (art. 14 do CDC).

    5 DA CONCLUSO

    A ausncia de preocupao com a boa tcnica na designao da teoria do nexo de causalidade pelo Judicirio brasileiro tem dificultado a compreenso da matria. Aliado a isso, tem-se a falta de enfrentamento da questo pela doutrina ptria, que se limita, no rara vezes, a descrever a teoria da causa prxima, a teoria da equivalncia das condies e a teoria da causalidade adequada, sem perquirir a sua efetiva utilizao no cotidiano forense atual.

    A aplicao do nexo causal, por vezes, parece decorrer mais da emoo do que da razo jurdica, ainda mais quando coexiste a inobservncia de um dever de cuidado (ou a criao de um risco) e um dano.

    Todavia, nem toda inobservncia a um dever jurdico gera um dano.

    Dessa maneira, a correta aplicao da teoria da causalidade necessria auxilia o julgador a se livrar da miopia emocional que o cerca.

    Nos casos de emprstimo consignado a causa preponderante, segundo a teoria do dano direto e imediato, a falsificao aposta no documento contratual e a sua indevida aceitao pela instituio financeira, sendo o dano conseqncia direta e imediata desse evento.

    Por essas consideraes o dano deve ser imputado, solidariamente, as pessoas que participaram da celebrao do contrato falsificado.

    6 REFERNCIAS

    PLATO. Fdon. Os Pensadores. Nova Cultural. 1996.

    GIORDANI, Jos Acir Lessa. A Responsabilidade Civil Objetiva Genrica no Cdigo Civil de 2002. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2007.

    FILHO, Srgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. So Paulo. Malheiros. 1997.

    TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o Nexo de Causalidade. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro. tomo II. Renovar. 2006. p.63-81.