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RESPONSABILIDADE SOCIAL PARA A EMPRESA OU PARA A SOCIEDADE? QUESTIONAMENTOS DE UM CONCEITO EM CONSTRUÇÃO
Eduardo Antonio Resende Homem da Costa, Leticia Veloso
(Universidade Federal Fluminense; LATEC/UFF; Universidade Estácio de Sá)
Resumo: A responsabilidade social empresarial é uma realidade, não modismo. Existe um fluxo, de fato, de recursos privados na área social, porém com fins públicos e uma intenção de continuidade e expansão do investimento, o que demonstra uma dimensão da importância e retorno para o empresário. O objetivo deste texto é tecer alguns comentários que possam avançar o debate sobre a responsabilidade social empresarial tal como vem sendo incorporada pelas empresas no Brasil, salientando tanto seus avanços, quanto seus limites, quanto suas ambiguidades. O discurso recorrente, tanto no âmbito acadêmico quanto na mídia, é de que a noção de responsabilidade social tem sido bem difundida, principalmente em países considerados mais desenvolvidos por exigência do mercado consumidor. A pressão da sociedade civil organizada contribuiu para promover mudanças nas legislações para gerar produtos mais seguros e menos prejudiciais à natureza. Esse raciocínio parece lógico, mas nossa percepção é que a prática ainda está distante dessa realidade e o passo é mais lento do que o discurso. Este artigo procura tecer uma série de comentários sobre esta problemática, buscando contribuir para o debate através do questionamento sobre o alcance, os limites e as possibilidades da responsabilidade social tal como vem se desenvolvendo no Brasil. O objetivo maior é contribuir para a reflexão sobre uma responsabilidade social que realmente atenda aos dois lados ao mesmo tempo, o da empresa e o da sociedade.
Palavras-chaves: Responsabilidade Social Empresarial, Sociedade Civil, Mercado,
Sociedade
ISSN 1984-9354
X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014
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INTRODUÇÃO
A responsabilidade social empresarial é uma realidade, não modismo. Existe um fluxo, de
fato, de recursos privados na área social, porém com fins públicos e uma intenção de continuidade
e expansão do investimento, o que demonstra uma dimensão da importância e retorno para o
empresário. O objetivo deste texto é tecer alguns comentários que possam avançar o debate sobre
a responsabilidade social empresarial tal como vem sendo incorporada pelas empresas no Brasil,
salientando tanto seus avanços, quanto seus limites, quanto suas ambiguidades.
Para iniciar a discussão, cabe lembrar que o período pós-Carta de 1988 trouxe os direitos
civis, políticos e sociais amplificados pelo aumento de organizações privadas com finalidade
pública (ONGs). Em pouco menos de um século houve uma mudança brutal na forma como se
decidia quem iria governar o país, assim como estados e municípios, ampliando a participação do
cidadão na Res-pública.
Mas qual seria o papel da sociedade civil? Ela deveria participar ativamente na identificação
das demandas, na formulação das políticas públicas, na priorização dos recursos e dos
investimentos, no planejamento operacional, na normatização de processo, no monitoramento, na
fiscalização e na avaliação dos resultados de programas, projetos e ações do governo. Deveria ser
um parceiro ativo nas decisões públicas e não apenas um cliente passivo, mero figurante dos
processos macrossociais em que o poder está fora de alcance e compreensão. Afinal, é em seu
nome que o governo é eleito e para ela o governo deve trabalhar. Monitorar e participar requer
uma capacidade de mobilização e articulação.
A discussão sobre a responsabilidade social empresarial, que era escassa e restrita ao meio
acadêmico, se fortalece à medida que a sociedade civil se mobiliza e desenha um novo cenário:
debates sobre os direitos da mulher, negros, índios, meio ambiente, consumidor, entre outros
entram no dia a dia do cidadão pressionando as empresas a uma mudança de postura em relação
ao comportamento dela na sociedade em que está inserida.
Se fosse possível voltar ao início do século XX, um observador perceberia que a premissa da
legislação sobre as empresas era a de que essas tinham como objetivo a realização de lucros para
seus acionistas. A responsabilidade da empresa era com seus proprietários e a filantropia
empresarial, segundo ASHLEY (2005), podia “ser realizada na medida em que favorecesse os
lucros dos acionistas”.
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O século XX atravessou por inteiro para que houvesse uma mudança nos discursos
corporativos. Não tem sentido um empreendimento que visa extrair lucro, reduzi-los sem uma
explicação minimamente plausível que justifique a mudança. Afirmar que é fruto de uma evolução
de Mercado é apenas apontar o óbvio. A mudança ocorreu e ainda está em andamento. Ela é fruto
de um processo de construção e legitimação conduzido pelos diversos agentes e instituições que
dele participam, e resultado de um contexto histórico, político e econômico bem preciso.
O discurso recorrente, tanto no âmbito acadêmico quanto na mídia, é de que a noção de
responsabilidade social tem sido bem difundida, principalmente em países considerados mais
desenvolvidos por exigência do mercado consumidor. A pressão da sociedade civil organizada
contribuiu para promover mudanças nas legislações para gerar produtos mais seguros e menos
prejudiciais à natureza. Esse raciocínio parece lógico, mas nossa percepção é que a prática ainda
está distante dessa realidade e o passo é mais lento do que o discurso. Este artigo procura, neste
sentido, tecer uma série de comentários sobre esta problemática, buscando contribuir para o debate
através do questionamento sobre o alcance, os limites e as possibilidades da responsabilidade
social tal como vem se desenvolvendo no Brasil.
ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E CIDADANIA: ANTECEDENTES
HISTÓRICOS PARA SE PENSAR A RESPONSABILIDADE SOCIAL
A sociedade civil é a esfera em que o cidadão se faz representar fora do Estado formal. São
manifestações em que o objetivo é garantir ou ampliar os direitos civis, sociais ou políticos. Estes
movimentos podem ser formais e institucionais (igreja, escola, sindicatos etc.). Podem ser
contestatórios ou não.
Existe ainda a expressão Sociedade Civil Organizada. Este termo tomou vulto a partir dos
anos 1980 com o ganho de espaço na mídia pelos movimentos sociais a favor das minorias e da
preservação do meio ambiente. É entendido como o conjunto de entidades formalmente
constituídas pela sociedade civil em prol de uma causa ou tema. É uma forma de ação política.
Atualmente, podemos identificar como sociedade civil organizada as instituições sem fins
lucrativos, em especial as de interesse público, tais como: ONGs, movimentos sociais, associações
de moradores, associações produtivas comunitárias, fundações, institutos, sindicatos e outros tais.
A descrença de que o Estado poderia solucionar ou seria suficiente para resolver os
problemas de uma sociedade seria motivo suficiente para o surgimento desse novo elemento cujo
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emprego do termo teve vários significados ao longo do tempo. A sua conotação assumiu,
historicamente, um sentido oposicionista, segundo Bobbio (1987:38):
Originalmente identificado pelos jusnaturalistas como sinônimo de
sociedade política ou Estado em oposição ao Estado de natureza. (...)
Surpreendente, porque na tradição jusnaturalista chama-se de sociedade
civil aquilo que hoje é chamado de Estado.
O conceito de sociedade civil deixa de identificar-se com o Estado, segundo Hegel (apud
BOBBIO, 1987), ao conceituá-la como sinônimo de sociedade pré-política desprovida de
organicidade. Esta, inerente ao Estado, é chamada por Hegel de “Estado Externo”.
Marx (apud BOBBIO, 1987:31), ao apontar que a história deixaria de lado as relações reais e
os “verdadeiros agentes históricos,” fecha a inversão do conceito.
A forma determinada de relações das forças produtivas existentes em todos
os estágios históricos que se sucederam até hoje, e que por sua vez as
determina, é a sociedade civil (...). é absurda a concepção da história até
hoje corrente que se limita às ações de líderes e de Estados.
Pode-se observar o Estado como antagonista da sociedade civil ou como mais um elemento
legítimo de representação da sociedade e, por consequência lógica, um elemento de
relacionamento que pode ser de oposição e outras vezes de complementação.
Gramsci enxergava a sociedade civil como o momento do consenso contraposto ao da força
representada pelo Estado, que detém as forças de coerção de forma a manter a ordem. “No
pensamento gramsciano, a sociedade do consenso é apenas aquela destinada a surgir da extinção
do Estado” (BOBBIO, 1987:41).
Abandonando, temporariamente, a ideia de extinção do Estado, pode-se evoluir na ideia do
quão importante é a sociedade se organizar fora do Estado. Observe que a participação da
sociedade civil no processo de ampliação dos seus “direitos” trouxe transformações inegáveis no
mundo ocidental. É claro que falar de participação implica falar de liberdade, o que tem outras
implicações merecedoras de atenção; porém, estas estão além do escopo deste artigo.
Interessam-nos mais, aqui, os “direitos”, apontados anteriormente, que são os direitos
políticos, civis e sociais. Não existe exatamente uma hierarquia entre estes “direitos”. Eles estão
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relacionados, mas uma destas dimensões pode estar presente sem que a outra a acompanhe.
Simplificadamente, direitos civis seriam o direito à liberdade, à propriedade, igualdade perante a
lei. Direitos políticos, o direito de votar e ser votado e, por fim, os direitos sociais, tão falados
atualmente, o direito à educação, saúde, aposentaria, entre outros. Carvalho (1999) aponta que a
conquista destes três faria um indivíduo tornar-se cidadão pleno.
Compreende-se melhor a conquista e o exercício da cidadania, quando observamos a
evolução histórica da sociedade estudada. Não é objetivo deste artigo enveredar pela história da
cidadania ou das formas como o brasileiro conquistou ou adquiriu seus direitos. No entanto,
alguns pontos merecem atenção. Ao contrário de nossos vizinhos sul-americanos, a nossa
independência não foi fruto de conflitos violentos, mas negociada pela elite local. A população
assistiu a tudo sem uma participação que pudesse ter algum significado relevante no resultado
final.
Nem mesmo a transição para a república provocou grande celeuma. Uma expressão melhor
dessa letargia e exclusão ou autoexclusão pode ser encontrada nas eleições. No início do século
XX, o voto era direto e universal, contudo, alerta Fausto.
(...) eram considerados eleitores todos os cidadãos brasileiros maiores
de 21 anos, excluídas certas categorias, como os analfabetos, os
mendigos, os praças militares. A Constituição não fez referência às
mulheres, mas considerou-se implicitamente que elas estavam impedidas
de votar.
A experiência do voto não carregava nenhum sentido mesmo para quem tinha esse direito.
Eleições fraudulentas ou “ordenadas” eram uma prática comum Brasil adentro. O direito político
assim como o civil e o social era herdado, adquirido ou determinado, não conquistado.
Percebe-se, portanto, que no âmbito político, a república não trouxe grandes conquistas de
imediato. Carvalho (1999:61-62) considera que os direitos políticos, civis e sociais eram precários.
A assistência social estava quase que exclusivamente nas mãos de
associações particulares. (...) a Constituição republicana de 1891 retirou
do Estado a obrigação de fornecer educação primária (...) não cabia ao
Estado promover a assistência social. (...) A Constituição republicana
proibia ao governo federal interferir na regulamentação do trabalho.
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Se o Estado não fornece educação e impede o analfabeto de votar, nega-se o direito político
ao negar o direito social. Exclui-se, com isso, cerca de 80% da população (CARVALHO, 1987).
Avanços só aconteceriam a partir de 1930, principalmente no que diz respeito aos direitos
sociais (Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, entre outros.). O mesmo não se pode falar em
relação aos direitos políticos pela interrupção provocada pelo período ditatorial do Estado Novo.
Somente com a Carta de 1946 é que foi consagrada, de fato, no plano dos diretos políticos, a
igualdade entre homens e mulheres, pouco úteis com a nova interrupção ditatorial em 1964. Novo
“avanço” só ocorreria com a Constituição de 1988 que, com todas as críticas pelo excesso de
normatizações ou por entrar em áreas que não deveriam ser de natureza constitucional, refletiu um
“avanço” da sociedade. Entre tantas mudanças, está a extensão de direitos políticos e sociais aos
cidadãos em geral e às minorias, como os índios. Sem contar o voto facultativo de quem tem idade
entre 16 e 17 anos. Por fim, o período pós-Carta de 1988 trouxe os direitos civis, políticos e
sociais amplificados pelo aumento de organizações privadas com finalidade pública (ONGs).
Não é pouco. Em pouco menos de um século houve uma mudança brutal na forma como se
decidia quem iria governar o país, assim como estados e municípios, ampliando a participação do
cidadão na Res-pública1.
Mas qual seria o papel da sociedade civil? Ela deve participar ativamente na identificação das
demandas, na formulação das políticas públicas, na priorização dos recursos e dos investimentos,
no planejamento operacional, na normatização de processo, no monitoramento, na fiscalização e
na avaliação dos resultados de programas, projetos e ações do governo. Deve ser um parceiro
ativo nas decisões públicas e não apenas um cliente passivo, mero figurante dos processos
macrossociais em que o poder está “fora do alcance e mesmo de compreensão” (CARVALHO,
1999). Afinal, é em seu nome que o governo é eleito e para ela o governo deve trabalhar.
Monitorar e participar requer uma capacidade de mobilização e articulação.
Para melhor cumprir a função de ampliar e viabilizar o processo, a sociedade deve se
organizar, baseando-se em redes de informação e comunicação que permitem que os indivíduos se
associem em função de interesses, em tempo real e tomem decisões baseadas em um conjunto
mais complexo de informações. Estas podem vir das empresas, de seus parceiros, da comunidade
1 Res publica é uma frase latina, composta de res + publica, significando literalmente a "coisa do povo". O termo
normalmente se refere a uma coisa que não é considerada propriedade privada, mas a qual é em vez disso mantida
em conjunto por muitas pessoas. Phoinix. Rio de Janeiro, UFRJ, n.5, 1999.
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local, de organismos internacionais, ou seja, da rede, fortalecendo a sociedade civil via
empoderamento de redes sociais.
O esforço dedicado à construção e ampliação desse foro de ação pública tem que ter utilidade
prática evidenciada na concretização de algo positivo para a sociedade. Não se trata de criar
mecanismos de medição em curto prazo imitando processos de mercado, ou seja, de empresas,
como definiu Fernandes (2002) com finalidade privada. Mas de, pelos menos, apontar conquistas
que estimulem a continuidade do esforço em direções concretas.
Como se pode perceber, a ampliação da capacidade de mobilização possibilitada pelos
avanços tecnológicos, destaque-se a internet, foi importante para que ideias e práticas circulassem
com maior velocidade, aglutinando elementos dispersos geograficamente que não se
comunicavam ou tinham dificuldades de acompanhar ou mesmo saber o que se passava no resto
do mundo, fora das fontes tradicionais de comunicação estabelecidas.
Observe a discussão sobre a responsabilidade social empresarial. Era escassa e restrita ao
meio acadêmico. O debate ampliou-se à medida que a sociedade civil se mobilizou e desenhou um
novo cenário, incluindo o tema na agenda política e nas preocupações do Mercado. Dito de outra
forma, o tema entra no dia a dia do cidadão pressionando as empresas a uma mudança de postura
em relação ao comportamento dela na sociedade em que está inserida.
Se alguém fizer uma visão panorâmica do que dito até este ponto do texto, terá,
possivelmente, a impressão de um forte embate político com uma transferência de poder do topo
para a base da pirâmide. Pode-se pensar ainda, por exemplo, que no mundo ocidental,
particularmente no período anterior à Revolução Industrial a nobreza ocupasse o topo das
decisões. Ignorando a participação da Igreja, os demais ocupavam a base. O capitalismo colocou o
nobre para trabalhar, não necessariamente na base da pirâmide. Por mais que a ascensão social
tenha sido flexibilizada, a “ordem natural das coisas” permaneceria a mesma. A primeira metade
do século XX foi o rescaldo da nobreza e das principais formas de sustentação sistema metrópole-
colônia. Com exceção da África, considerada até hoje periférica por ser um mercado “pouco
desenvolvido”, a transição estava completa. Pronta para o crescimento do Mercado, que atingiria a
sua “idade adulta” com a queda do bloco socialista.
Na segunda metade do século XX, um personagem passa a influenciar cada vez mais o
andamento das causas políticas. O Mercado, como é reconhecido, representa o poder econômico
privado, inúmeras vezes anônimo e possivelmente por isso mesmo, ao conjugar poder econômico
com a fluidez características das sociedades anônimas.
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Não era incomum relacionar o aumento da pobreza com o desenvolvimento do chamado
Mercado. Ideias dessa natureza, aliadas ao crescimento vertiginoso das trocas comerciais
(acelerado pela intensificação da globalização), criaram um clima de desconfiança em relação ao
Mercado que, pela sua natureza, defenderia apenas aos seus interesses. Com o final do século XX,
algumas corporações concentraram tanta riqueza que, pela sua constante interação, determinou
uma nova relação de forças representada pelo Estado-Mercado-Sociedade Civil.
O discurso sobre a presença de o Estado ser maior ou menor não trouxe maior presença da
sociedade civil, apenas menos ingerência do Estado sobre o Mercado. Segundo Oliveira (1999), "a
pergunta pertinente consiste em analisar se a tendência por ‘menos Estado’ significa apenas “mais
Mercado” ou se a redefinição do papel do Estado não oferece também novas oportunidades para o
fortalecimento do protagonismo do cidadão".
As instituições representativas do cidadão chocam-se com a tendência de defesa de interesses
cada vez mais particularizados, em função de lobbies e da atuação corporativista de grandes
empresas. Se o Estado, que era o elemento organizador da sociedade, perde espaço e a sociedade
não encontra eco para suas questões, a tendência seria encontrar outra saída para se estabelecer
politicamente.
A partir do instante em que o Mercado amadurece e entra no debate, inicia-se uma luta
inglória para as associações da sociedade civil. Imagine que a disparidade de poder é enorme,
percebida pela capacidade de mobilizar recursos do mercado. O Mercado ofusca o papel das
OSC´s2 e a evidente percepção de mudança real nas relações mercado-sociedade. Vale destacar
que é legítimo que o empresariado queira estabelecer controle sobre algo que afete o desempenho
de seus negócios, afinal eles também fazem parte da sociedade. Contudo, deve-se apontar
claramente valorizando a transparência nesse processo de mudança. Inúmeras empresas
perceberam as “diversas vantagens” de abrir uma “instituição”, “ONG”, fundação ou qualquer
denominação que seja para terceirizar sua ação sócio-ambiental ou para aglutinar seus esforços, tal
qual a sociedade civil.
Outro ponto importante a se destacar é a questão ambiental. Ela transcende a geografia
política e os interesses do Estado-Nação. Criticamente, ela também afeta os interesses do Mercado
na medida em que o crescimento econômico das grandes corporações deveria ser abençoado pela
Natureza. Em outras palavras, se o Estado atrapalhava ou limitava a atuação do Mercado, as
teorias neoliberais se encarregavam disso. Contudo, se a sociedade não encontra eco no Estado,
2 Organizações da Sociedade Civil.
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mas sim em uma mobilização global sem precedentes, via Terceiro Setor, o Mercado passa a
depender das respostas da natureza à ação do homem e a aprender a dialogar com os
representantes desta força que não se concentram no Estado, mas estão pulverizados
geograficamente.
Aqui a comunicação ganha muita importância. Segundo Giddens (1991), ela é o ponto chave
na constituição do sentido e na construção e desconstrução da sociedade e de seus movimentos
sociais. É no terreno do simbólico que se articulam as interpelações a partir das quais os sujeitos e
as identidades coletivas se constituem. Da mesma maneira que empresas e produtos deslocam-se
se beneficiando de novas tecnologias, ideias também são difundidas e catalizam movimentos
sociais como nunca vistos anteriormente. Na seção seguinte, exploramos em maior detalhe como a
“ideia” da responsabilidade social vem sendo construída pelas empresas no Brasil.
RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: UM CONCEITO
AMBÍGUO E EM CONSTRUÇÃO
A década de 1990 assistiu não apenas a proliferação de instituições no Brasil que
fundamentavam o seu trabalho na pressão por mudança social, mas também a proliferação de
“ONGs empresariais”, não deixando nítido o papel das organizações da sociedade civil.
Aparentemente, houve uma apropriação com o intuito de liderar o desenvolvimento do tema no
país, de interesse do empresariado e buscar a legitimação que garanta a hegemonia do discurso.
Mas o que, afinal, é a chamada “responsabilidade social empresarial”? Na verdade,
exatamente por ser este hoje um tema tão falado, seja na academia, na mídia ou nas empresas, as
definições existentes são muitas. Para alguns, responsabilidade social refere-se, pura e
simplesmente, ao fato de uma determinada empresa respeitar a legislação e pautar suas atividades
por princípios éticos. Já para outros, responsabilidade social confunde-se com a prática de ações
sociais por parte de empresas, ou seja, ações que visem um determinado bem social. Finalmente,
para outros, e seguindo os moldes da definição proposta pelo Instituto Ethos, responsabilidade
social empresarial refere-se a um amplo espectro de práticas e relações que envolvem todos os
stakeholders de uma empresa em torno de determinados princípios de respeito, legitimidade,
legalidade, ética, e (em certos casos também) justiça social, promoção de cidadania e
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desenvolvimento sustentável.3 Há, ainda, uma parte da literatura que tende a tratar a
responsabilidade social como oportunidade para a empresa se destacar no mercado.
Grosso modo, teríamos, em princípio, dois grandes “modelos” de responsabilidade social
empresarial. Por um lado, teríamos ações que visam intervenção direta no social, seja
desenvolvendo a comunidade adjacente à empresa, seja apoiando causas como educação e meio-
ambiente, seja financiando projetos. De qualquer forma, este tipo de ação envolve a participação
direta da empresa. Por outro lado, teríamos ações baseadas no consumidor, como o “McDia Feliz”
ou uma campanha recente da Kibon (divisão de sorvetes da Unilever), que estimulava alunos de
escolas participantes a coletar embalagens de sorvetes Kibon e enviá-las à empresa, que por sua
vez realizaria doações no mesmo montante dos sorvetes consumidos. Enquanto pode ser difícil
enxergar ações deste último tipo como mais do que estratégias de marketing, as ações do outro
tipo (exemplificadas, por exemplo, pela atuação da Xerox no Morro da Mangueira) não são
facilmente explicáveis como “estratégias” que visam o lucro ou a melhoria da imagem da
empresa.
Enfim, as atitudes “sociais” tomadas pelas empresas são diversas e atendem a diversos
objetivos. Às vezes, até, uma mesma empresa distingue, dentre suas ações, aquelas que possuem
um forte componente de marketing e outras, menos divulgadas, que visam ações sociais em prol
dos funcionários ou da comunidade. Mais interessante, porém, é notar que, apesar de a literatura
acadêmica vir tentando construir um conceito o mais abrangente possível do que seja
responsabilidade social empresarial (ASHELEY, 2005, MELO NETO e FRÓES, 2001), as
próprias empresas vêm produzindo suas definições particulares. Empresas como a Vale ou a
Natura, por exemplo, para citar empresas de segmentos de atuação absolutamente diversos, vêm
trabalhando ativamente para reestruturar toda sua cadeia produtiva em torno do conceito de
responsabilidade social.
No caso da Vale, a empresa vem trabalhando ativamente para reestruturar todo seu processo
produtivo em torno do conceito de responsabilidade social. Toda a produção, comercialização, e
relação com a comunidade e o consumidor devem obedecer a um princípio maior: não da busca do
lucro primordialmente, mas do estabelecimento de relações éticas e responsáveis em todas as
etapas da cadeia produtiva, afetando funcionários, executivos e empresários, produtores,
fornecedores e consumidores, e tanto a empresa internamente quanto suas relações com as
comunidades onde está inserida. Com este objetivo, por exemplo, os habitantes das comunidades
3 Ver http://www.ethos.org.br.
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onde são instaladas unidades da Vale são contemplados com projetos sociais voltados para a
educação e a capacitação profissional, enquanto que o meio-ambiente também recebe cuidado
especial, ao mesmo tempo em que todos os fornecedores devem obedecer a critérios específicos
de ética e responsabilidade estipulados pela própria empresa.4
Um processo igualmente abrangente vem sendo desenvolvido pela Natura, onde até mesmo a
escolha das matérias primas e dos produtos a serem desenvolvidos e comercializados obedece a
uma noção complexa e extremamente abrangente de “responsabilidade” empresarial – perante
consumidor, produtor, fornecedor, público em geral, meio-ambiente etc.5 Toda a cadeia produtiva
desta empresa envolve o desenvolvimento, produção e comercialização de produtos “eticamente
corretos”, tanto do ponto de vista do meio-ambiente quanto das relações de trabalho que se
estabelecem entre empresa e (pequenos) fornecedores. Em outras, palavras, todos os produtos
Natura são concebidos como “responsáveis”: não degradam o meio-ambiente (por utilizarem
apenas matérias primas “naturais” e cuja extração, ainda, é feita de modo a não agredir nem o
meio-ambiente nem os pequenos produtores do Norte e Nordeste brasileiros que são constituídos
como “parceiros” da Natura), nem estabelecem relações de exploração com fornecedores e
funcionários. Até as embalagens de determinada linha de produtos vêm sendo produzidas com o
objetivo primeiro da não agressão ambiental. A empresa, inclusive, desenvolveu uma “tabela
ambiental” referente a cada produto, onde o(a) consumidor(a) pode descobrir quais os impactos
concretos daquele produto sobre o meio-ambiente, desde a extração da matéria prima atéo descarte
da embalagem. Além disso, em se tratando de uma empresa produtora de cosméticos elaborados
com matérias primas brasileiras, o trabalho de responsabilização efetuado pela Natura envolve,
também, a divulgação de produtos tipicamente brasileiros e, por extensão, da própria diversidade
cultural e ambiental brasileira como um valor a ser efetivamente comercializado: valorizando e
divulgando, de forma ética e respeitosa, os produtos e pequenos produtores nacionais, a empresa
percebe-se como valorizando a própria cultura, identidade e diversidade brasileiras.
Tomamos estes exemplos a título de ilustração, mas é importante salientar que estes não são
apenas casos isolados. É verdade que uma parte significativa das empresas (e dos comentaristas do
fenômeno, tanto na academia quanto fora dela, principalmente na mídia) ainda equaciona
“responsabilidade social” com “ação social”. É verdade também que outra parte da sociedade (e da
academia) ainda enxerga o fenômeno negativamente, percebendo-o seja como “estratégia de
4 http://www.vale.com/Brasil/PT/Paginas/Default.aspx.
5 http://www.natura.net.
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marketing” das empresas, seja como estratégia para aumentar o poder das empresas sobre a
sociedade (PAOLI, 2002). Mas, para além da discussão sobre os motivos que levam à
responsabilidade social, parece seguro afirmar que há, hoje, um crescente interesse, por parte das
empresas, pela incorporação de determinados padrões de atuação “socialmente responsáveis”.
Mais do que procurar definir se o que motiva as empresas a agirem desta forma é um
interesse genuíno pelo social, ou se o que buscam é apenas agregar valor à marca ou expandir seu
público consumidor, o que importa para os propósitos deste artigo é o fato de tal interesse pela
responsabilidade estar sendo incorporado (1) à construção da imagem das empresas, (2) à própria
cadeia produtiva das empresas e (3) aos processos de gestão.
Em outras palavras, será que estaríamos tratando aqui de um modo de ação que envolve, mais
do que a construção de políticas internas e tecnologias gerenciais que poderiam ser consideradas
“éticas”, uma real e concreta intervenção no social, seja através de projetos sociais implementados
pela própria empresa, seja através de financiamento de projetos sociais desenvolvidos por outros
(tais como organizações não governamentais), seja através da arrecadação de fundos que irão ser
doados em prol de alguma causa social.
Para avançar o debate, podemos notar que, à primeira vista (e este é um tema recorrente na
literatura crítica à responsabilidade social (GARCIA, 2004, PAOLI, 2002)), poderíamos assumir
que tal tipo de ação nada mais é do que um novo formato dado à filantropia característica de
tempos antigos. Argumentar-se-ia, assim, que desde sempre as empresas têm praticado filantropia,
através de assistencialismo direto ou por meio de doações e financiamentos. Ações sociais
empreendidas por empresas, neste sentido, seriam “mero” assistencialismo. Nos Estados Unidos,
por exemplo, o termo “corporate philanthropy” ainda é de uso corrente quando se trata de ações
praticadas por empresas em prol do bem-estar da comunidade, muitas vezes na forma de doações
em dinheiro ou em tempo (através de programas de voluntariado) (GARCIA, 2004, PAOLI, 2002,
RICO, 2004).
Mas, mesmo se aceitássemos o argumento de que as empresas sempre fizeram filantropia, o
que vemos agora, no Brasil, são empresas investindo em programas que, em vez de caridade,
propõem ações que possam promover cidadania e produzir inclusão social, através de educação,
qualificação para o trabalho, etc. Este ponto é importante, pois sugere a possibilidade de que
empresas possam estar a caminho do que poderia ser entendido, quase, como “políticas públicas
paralelas”, desenvolvendo tecnologias de inserção social que, depois, poderiam ser incorporadas,
até, por governos locais. Para avançar o debate, a questão que verdadeiramente se coloca,
portanto, é quando e por quê este tipo de cultura empresarial se tornou não só desejável, mas
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também viável enquanto explicação racional para tal reformulação da atividade empresarial
através de ações sociais?
É interessante notar que o questionamento sobre se realmente as empresas deveriam estar
desempenhando este papel não costuma fazer parte nem dos discursos, nem das práticas de
responsabilidade social desenvolvidas por empresas. O fato de que empresas privadas estejam
agora atribuindo a si próprias um papel de intervenção social e de provisão de bens públicos
(como educação ou segurança) não parece sugerir, da parte das empresas envolvidas em tais
processos, nenhuma forma de ambiguidade. Toma-se, simplesmente, tal atuação como dada. O
aspecto crítico e ambíguo, que tão enfaticamente tem sido colocado por diversos autores na
academia, qual seja, o paradoxo de se ter a provisão de bens e serviços públicos sendo realizada
por agentes privados (FERNANDES, 2002, GARCIA, 2004, PAOLI, 2002), não faz parte nem
dos discursos, nem das práticas de responsabilidade social das empresas.
Como sugere Rubem César Fernandes em livro que já se tornou referência neste debate
(2002:22), bens e serviços públicos precisam ser tratados de maneira específica, uma vez que, por
definição, não geram lucros e respondem a necessidades coletivas. Da mesma forma, os eventuais
benefícios obtidos pela circulação destes bens não podem ser apropriados enquanto tais por seus
produtores, e devem ser, obrigatoriamente, de consumo coletivo. Precisamente, portanto, o que os
bens e serviços produzidos por empresas não são (ibid.). O que os proponentes da
responsabilidade empresarial, tal como defendida por uma série de empresas e determinadas
organizações de empresários (como o Instituto Ethos, a Fundação Abrinq e o Gife), sugerem, por
outro lado, é que tal provisão de bens e serviços públicos, notadamente aqueles voltados para a
promoção da cidadania (educação, saúde, segurança, capacitação profissional etc.), constitui-se,
hoje, numa dimensão central do que seja uma empresa e de qual seu papel na sociedade. A
dimensão de reflexão e questionamento, como proposta por Fernandes e outros, não tem espaço
neste discurso.
Por outro lado, é igualmente importante perceber que, como também coloca Fernandes
(ibid.), o próprio sentido do que sejam bens públicos e a própria esfera pública parecem estar se
transformando, ampliando-se ao incorporar exatamente a atuação de diversos novos atores da
sociedade civil e movimentos sociais – e, como vimos discutindo até aqui, das próprias empresas.
A chave para este entendimento da questão, para este autor, estaria no fato de que, “como qualquer
cidadão, os grupos particulares, lucrativos ou não, são portadores de direitos e deveres para com
os demais” (FERNANDES, 2002:97). Podemos argumentar, seguindo esta linha de raciocínio, que
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é exatamente este reconhecimento dos “deveres” de uma empresa para com o restante da
sociedade que motiva tal movimento em prol da responsabilidade social.
No entanto, permanece a pergunta: ao engajarem-se em tais atividades, as empresas estariam
realmente modificando sua cultura empresarial, na tentativa de integrar negócios e promoção de
cidadania? Ou seriam estas duas dimensões impossíveis de serem conciliadas, pois ao
desenvolverem tais atividades voltadas para a redução das desigualdades, as empresas ainda assim
não conseguiriam objetivamente questionar ou modificar as estruturas básicas, as relações de
trabalho, e as relações de poder que efetivamente produzem tais desigualdades? E, neste caso,
seria então impossível falar-se de um “novo” papel das empresas, uma vez que, ao manterem suas
ações sociais numa esfera separada da esfera dos negócios, as empresas não estariam efetivamente
contribuindo para a promoção de uma cidadania ativa e inclusiva, mas apenas realizando ações
pontuais que dificilmente se diferenciariam da filantropia (FERNANDES, 2002:101)?
Para além das críticas apontadas quanto à legitimidade e “honestidade” daquelas que se
proclamam empresas “socialmente responsáveis”, permanece o fato de que um diferencial
importante da responsabilidade social tal como se desenvolve no Brasil é o de as empresas
explicitamente situarem a “questão social” como seu objetivo maior. Ou seja, ao mesmo tempo em
que a chamada “questão social” vem sendo incorporada por setores cada vez mais diversificados
da sociedade, através de formas de ação coletiva cada vez mais diversificadas, as empresas
também passaram a incorporar tais preocupações. Constitui-se, assim, uma profunda rearticulação
entre público e privado, uma vez que, diferentemente dos movimentos sociais e outros grupos
comumente envolvidos no tratamento da “questão social”, a singularidade da participação de
empresas privadas em tal questão eminentemente pública não pode ser subestimada.
Nesse sentido, podemos situar a responsabilidade social como um aspecto fundamental na
atual redefinição de responsabilidades – públicas e privadas – perante o social, a desigualdade, e o
chamado “déficit de cidadania” presentes na sociedade brasileira (CARVALHO, 1999). Afinal,
um dos aspectos mais marcantes da atuação social de empresas no Brasil – sejam elas empresas de
capital brasileiro ou grandes empresas transnacionais operando no país -- é exatamente uma
preocupação explícita com a inclusão social, a redução das desigualdades e a promoção da
cidadania. De modo interessante, costuma permear o discurso da responsabilidade social
empresarial uma noção de que as empresas também têm importante papel a cumprir na questão
social brasileira: para muitas empresas, a responsabilidade passa a ser definida como uma
intervenção consciente sobre a exclusão social, com o objetivo explícito de promover a inclusão
através da cidadania.
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Outro ponto a ser ressaltado nessa linha de argumentação é que, como novo paradigma de
ação empresarial, a ideia de “responsabilidade” reflete uma visão, já presente em Polanyi (1980),
de que a economia precisa ser vista como inserida (embedded) na sociedade, ao invés de
considerarmos economia e sociedade como duas esferas separadas. Neste sentido, a
responsabilidade empresarial também significaria um processo de mediação entre dois domínios
supostamente equivalentes, implicando a necessidade de se encontrar maneiras de convívio e
interação não conflituosas. Tal preocupação pode ser percebida, principalmente, naqueles modelos
de responsabilidade social que procuram incorporá-la à “alma do negócio”. E, nesse sentido, a
própria “alma do negócio” estaria passando por uma reconstrução conceitual e prática manifesta
no discurso da responsabilidade social empresarial.
CONCLUSÕES: AMBIGUIDADES E LIMITES DA
RESPONSABILIDADE SOCIAL
Uma forma de se pensar responsabilidade social em seus limites, possibilidades e
ambiguidades é percebendo que, aqui, se trata muito mais de “ideias”, “discursos” e “comunicação
de significados” do que da prática propriamente dita. Não é novidade que deter o poder das ideias,
do discurso e da comunicação trará poder, principalmente o poder de definir de qual conceito se
está falando ao pensar em responsabilidade social – cabendo ainda a pergunta sobre como se daria
a transferência de poder, percebida e potencial, da sociedade para o Mercado. A partir deste ponto,
podemos fechar a panorâmica sugerida anteriormente e pensar a responsabilidade social a partir de
uma reflexão sobre se houve mesmo transferência de poder do topo da pirâmide para a base. O
olhar pode ser otimista e concluir, baseado nos fatos apresentados, que sim. Para um pessimista
essa transferência é aparente e menos importante que a mudança da forma de controle: do controle
baseado na força militar para o econômico, via “consenso” político. Ambas são possíveis e podem
ser aceitas sem muito esforço.
Sem a intenção de optar por sermos otimistas ou não, o desejo aqui foi o de refletir para
contribuir com ambas as visões possíveis. Uma vez que se trata de um conceito em construção,
cabe pensar em todas as alternativas de resposta. Pode-se fazer isto de várias formas, umas mais
filosóficas que outras, mas preferimos uma abordagem onde o discurso pudesse encontrar eco no
tangível, na prática. O caminho escolhido neste artigo foi avaliar a construção do discurso e
práticas de responsabilidade social empresarial no Brasil, com o recorte temporal inevitável indo
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da década de 1990 até a primeira década do século XXI.
Na mesma linha proposta pelo artigo – a de estimular o debate e apresentar visões divergentes
-- nossas conclusões não poderiam ser senão ambivalentes. De um lado, parece que podemos
dizer, sim, que se percebe um movimento abrangente em direção a uma maior responsabilização,
por parte das empresas, pelo social – mesmo que tal responsabilização tenha se dado, em grande
parte, como resposta a demandas cada vez mais candentes da sociedade civil. Por outro lado,
temos que a responsabilidade social empresarial, por mais que as empresas estejam buscando
reconstruir suas práticas, ainda se apresenta como ambígua, se não incompleta: quanto das práticas
de responsabilidade social se direciona a um desejo de atender às demandas da sociedade, e
quanto ainda se mantém focado quase que exclusivamente nos interesses internos da própria
empresa? E seria mesmo possível separar estes dois domínios?
Ao traçarmos aqui alguns apontamentos para se pensar responsabilidade social empresarial,
parece-nos que a questão central ainda está por ser respondida: terá sido discurso de
responsabilidade social assimilado, moldado e legitimado por empresas e institutos empresariais
mais para atender aos seus próprios objetivos empresariais do que os da sociedade? E, se tiver sido
este o caso, como pensar uma responsabilidade social que realmente atenda aos dois lados ao
mesmo tempo, o da empresa e o da sociedade? Este artigo pretendeu oferecer alguns substratos
para se avançar neste interminável debate.
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