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SEMINÁRIO CONJUNTO DO Banco Mundial UNAIDS RESPOSTA À CRISE DE HIV/AIDS LIÇÕES DAS MELHORES PRÁTICAS GLOBAIS Intercâmbio de idéias do Brasil, Senegal, Tailândia e Uganda ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■

RESPOSTA À CRISE DE HIV/AIDS LIÇÕES MELHORES …siteresources.worldbank.org/INTHIVAIDS/Resources/375798... · A Tailândia falou sobre a necessidade de desenvolver uma visão comum

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S E M I N Á R I O C O N J U N T O D O B a n c o M u n d i a l ■ U N A I D S

R E S P O S T A À C R I S E D E H I V / A I D S L I Ç Õ E S

D A S M E L H O R E S P R Á T I C A S G L O B A I S

Intercâmbio de idéias do Brasil, Senegal, Tailândia e Uganda

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Palestrantes: do Brasil, o Diretor do Programa Nacional de DST/AIDS, Dr. Alexandro Grangeiro; do Senegal, o Secretário Executivo do Conselho Nacional da Luta contra a AIDS, Dr. Ibra Ndoye, e a Vice-Secretária Executiva, Sra. Katy Cisse Wone; da Tailândia, o Diretor do Programa Internacional de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde Pública, Dr. Tangcharoensathien Viroj, e o Chefe do Grupo da AIDS do Ministério da Saúde Pública, Dr. Somyot Kittimungkong; de Uganda, o Diretor-Geral da Comissão Nacional de AIDS, Dr. David Kihumuro Apuuli, e a Gerente do Programa de Controle de DST/AIDS do Ministério da Saúde de Uganda, Dra. Elizabeth Madraa.

Moderadores: Sra. Meskerem Grunitzky-Bekele, UNAIDS; Dr. Michel Kazatchkine, Diretor da Agence Nationale de Recherches sur le Sida (ANRS), França; Dr. Gottried Hirnschall, Diretor de Parcerias de Relações Exteriores e Comunicação, Departamento de HIV/AIDS, OMS e Sr. Brad Herbert, Diretor de Desenvolvimento Estratégico do Fundo Global para HIV/AIDS.

Queremos agradecer Debrework Zewdie, Keith Hansen (Banco Mundial), George Tembo (UNAIDS) e Mary Lou Ingram por sua contribuição para o Seminário e pela publicação.

SEMINÁRIO CONJUNTO DO BANCO MUNDIAL / UNAIDS

“RESPOSTA À CRISE DE HIV/AIDS: LIÇÕES DAS MELHORES PRÁTICAS GLOBAIS”

Compartilhamento de Idéias entre Brasil, Senegal, Tailândia e Uganda

Genebra, 20-21 de junho de 2004

Sumário

Resumo P. 1

Introdução Elementos comuns de sucesso Abordagem dos desafios

Transcrição dos procedimentos

Observações iniciais P. 6 Sr. Joseph K. Ingram, Representante do Banco Mundial, Genebra Dr. Peter Piot, Diretor Executivo, UNAIDS Sra. Meskerem Grunitzky-Bekele, Diretora Associada da UNAIDS Apresentação do Dr. Alexandro Grangeiro, Brasil P. 13 Comentários da Sra. Meskerem Grunitzky-Bekele Sessão de perguntas e respostas Apresentações do Dr. Ibra Ndoye e

Sra. Katy Cisse Wone -- Senegal P. 20 Sessão de perguntas e respostas

Apresentações do Dr. Tangcharoensathien Viroj e P. 32

Dr. Somyot Kittimungkong --Tailândia Sessão de perguntas e respostas

Apresentação do Dr. David Kihumuro Apuuli e P. 42 Dra. Elizabeth Madraa -- Uganda

Sessão de perguntas e respostas

Mesa-redonda P. 50 Presidida pelo Dr. Michel Kazatchkine, Agence Nationale de Recherches sur le Sida (ANRS)

Considerações finais P. 60 Sr. Brad Herbert, Fundo Global para HIV/AIDS Dr. Gottfried Hirnschall, OMS

Sr. Joseph Ingram, Banco Mundial

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Resumo e comentários

Introdução A epidemia de AIDS começou como uma crise global devastadora que continua a piorar e se tornou um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento econômico e social. A questão é tão importante que um grupo eminente de economistas recentemente concluiu que o seu tratamento é a prioridade número um entre as dez questões globais mais importantes, não somente por razões humanitárias, mas até de um ponto de vista puramente de custo/benefício. Como parte dos esforços contínuos das Nações Unidas para ajudar mais os países à medida que intensificam suas respostas nacionais à AIDS e alocam recursos financeiros da maneira adequada, o Banco Mundial e a UNAIDS organizaram um seminário em Genebra em junho de 2004 para examinar as lições aprendidas das com as melhores práticas globais em quatro países que implementaram campanhas efetivas de combate ao HIV/AIDS. O objetivo do seminário foi comparar as lições do campo e compartilhar esse conhecimento com pessoas dos países que estão enfrentando as difíceis escolhas que precisam ser feitas na luta contra a epidemia. O seminário envolveu uma análise comparativa entre países das respostas nacionais, conceitualizadas e implementadas em ambientes sociais, culturais, políticos e econômicos totalmente diferentes, para identificar políticas e práticas comuns no tratamento da epidemia de HIV. Os representantes dos países participantes – Brasil, Senegal, Uganda e Tailândia, falaram abertamente de seus sucessos e fracassos e fizeram recomendações que poderiam ser úteis para outros profissionais que estivessem enfrentando situações semelhantes. Devido aos diversos perfis dos países, as lições aprendidas podem não se aplicar necessariamente a todos os países, mas serviram como base para a identificação de estratégias efetivas e baseadas em evidências. Este trabalho apresenta os elementos comuns de sucesso e as lições específicas aprendidas com os programas mais ativos dos quatro países. Seu objetivo é apoiar o compartilhamento de informações, o intercâmbio fecundo de idéias e a possível aplicação em outros países. Elementos Comuns de Sucesso O resumo a seguir ressalta os principais elementos comuns de sucesso identificados pelos representantes dos países que falaram sobre seus programas no seminário. Todos são especialistas em suas áreas de atuação, com anos de experiência na batalha contra o HIV/AIDS. Primeiras Ações e Liderança de Alto Nível Todos os palestrantes concordaram que, como eles enfrentaram a crise da AIDS bem no início, foi muito importante agir o mais cedo possível e começar a quebrar o silêncio sobre a AIDS no nível mais alto. Em Uganda, por exemplo, o Presidente falou pessoalmente sobre a urgência da necessidade de ações e participou dos eventos relacionados com a campanha. Na Tailândia, o Primeiro Ministro presidiu reuniões da Comissão Nacional de Prevenção e Controle da AIDS e o programa tornou-se parte do plano de cinco anos do país. Na verdade, os líderes políticos de

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todos os quatro países, ao falar abertamente sobre a AIDS, permitindo uma resposta rápida, e abraçar os esforços que estavam sendo feitos, tiveram um papel importante no fortalecimento dos programas nacionais, na sua sustentação frente a dificuldades e, em última análise, na estabilização ou na redução da prevalência do HIV.

Coordenação da Resposta Nacional

É evidente pelas apresentações que um elemento crítico de sucesso em todos os quatro países foi a criação de um órgão nacional de coordenação da AIDS com poderes para supervisionar muitos setores para assegurar a continuidade de amplo alcance. Esse órgão tem o dever de coordenar o trabalho de todos os parceiros de acordo com uma estrutura nacional para AIDS que serve como base para todas as intervenções: internacional, nacional ou local. A autoridade nacional coordena as contribuições de doadores externos, organiza as atividades dos diversos setores, atua como um mecanismo centralizado de financiamento e supervisiona a resposta nacional, incluindo a contribuição da sociedade civil. As experiências dos países mostraram que a autoridade de coordenação foi fundamental na implementação de uma resposta multissetorial. A resposta nacional também inclui a necessidade de monitorar e avaliar o programa do país de modo a identificar os pontos fracos e ajudar a modificar os esforços que não estão atingindo os resultados desejados. Durante as discussões, foi observado que, em um esforço para aumentar o impacto nessa área, uma das principais conferências internacionais sobre AIDS in 2003 reconheceu a importância de os governos implementarem os princípios dos Três Pontos Únicos (Three Ones): uma única estrutura de ação, um único órgão coordenador nacional e um único sistema de avaliação e monitoramento. Contudo, a localização da autoridade nacional da AIDS, pode variar de acordo com os dispositivos institucionais do país. Por exemplo, o Senegal, a Tailândia e Uganda estabeleceram comissões nacionais supra-ministeriais de AIDS, mas no Brasil o Ministério da Saúde atua como a autoridade de coordenação. Também foi observado que a Tailândia, o Brasil e o Senegal, que estavam capacitados e comprometidos com a alocação de fundos do orçamento nacional para criar uma resposta à AIDS, desenvolveram respostas mais sustentáveis que abordam de melhor forma as prioridades nacionais. Abordagem Multissetorial, Participação da Comunidade, Comunicações e Descentralização Assim que lançaram seus programas nacionais de HIV/AIDS, os quatro países rapidamente adotaram abordagens multissetoriais para expandir seu impacto. O Brasil envolveu escolas, universidades, instituições sociais, grupos religiosos, o judiciário, sindicatos e o setor privado. Eles mobilizaram o público em geral por meio de campanhas informativas, algumas nacionais, outras dirigidas a públicos específicos. Dois grupos foram especialmente importantes no Brasil, o grupo temático da UNAIDS e o Conselho Empresarial, que reúne as atividades dos sindicatos e das corporações. A Tailândia falou sobre a necessidade de desenvolver uma visão comum através de campanhas intensas de informações na televisão e no rádio para enfrentar o problema do estigma vinculado à doença. Em Uganda, a comissão nacional inclui grupos interessados de uma sociedade civil representativa: ONGs, grupos religiosos, jovens, a mídia, grupos de pesquisa e pessoas de sofrem de AIDS. No Senegal, as publicações informativas sobre prevenção foram ratificadas tanto por mulçumanos como por católicos e os debates televisivos ajudaram a propagar as informações. Em outras palavras, os esforços nacionais, embora às vezes sejam sediados e definitivamente envolvam o Ministério da Saúde, também mobilizaram diferentes setores para agir e agregaram recursos para garantir que outros atores pudessem implementar seus programas. A

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existência de comunidades/sociedades civis fortes e de grupos de ONGs nos quatro países foi catalisadora no sentido de pressionar o setor público e ampliar a rede de atividades de prevenção e tratamento. No governo, os programas abrangem a implementação efetiva nos níveis nacional, estadual e local. A descentralização da resposta nacional à AIDS foi acompanhada não apenas pela descentralização financeira, mas também pela promoção de respostas locais. Os governos locais e as organizações (de base) da sociedade civil foram incentivados a planejar e implementar conjuntamente programas de AIDS monitorados pelos governos federais. Com base nas estruturas existentes, as redes e os mecanismos também foram vitais para acelerar a implementação. O Brasil e a Tailândia conseguiram a descentralização e a ampliação da resposta à AIDS com o uso dos sistemas de saúde descentralizados e sólidos já existentes. No Brasil, metade dos recursos disponíveis é transferida uma vez por ano para os estados e distritos para apoiar os planos anuais de ação. A Tailândia promoveu o uso do preservativo utilizando a rede descentralizada de planejamento familiar existente e a sua rede operacional. Como atingir um equilíbrio entre prevenção e tratamento Os quatro países estão mantendo programas que continuam a sustentar medidas efetivas de prevenção e, ao mesmo tempo, introduzem fortes programas de tratamento anti-retroviral. A manutenção do equilíbrio entre prevenção e tratamento aumenta a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV e, ao mesmo tempo, reduzem o número de novas infecções. Essa abordagem foi fundamental para o seu sucesso. Programas efetivos de monitoramento e avaliação ajudam a garantir o impacto dos programas que estão sendo implementados. No Brasil, existem atualmente cinco centros de avaliação que harmonizam os resultados das pesquisas, o treinamento do pessoal de saúde e os indicadores de avaliação específicos existentes no programa nacional. Esse programa mantém um sistema de laboratórios para testes virais e de CD4. A manutenção de esforços de prevenção no nível mais alto e a promoção de mudanças no comportamento continuam não somente nos grupos mais vulneráveis, mas também na população em geral. O uso do preservativo foi promovido em todos os programas. A prevenção da transmissão de mãe para filho foi enfatizada. Cuidaram de assegurar um suprimento de sangue seguro. Os programas enfatizaram os grupos vulneráveis com seus programas de prevenção: os pobres, os jovens e as mulheres, profissionais do sexo, homossexuais, usuários de drogas, prisioneiros e órfãos. O aproveitamento do acesso a grandes grupos através de instituições como escolas, sindicatos, grupos religiosos e a mídia para passar informações, por exemplo, demonstrou-se bastante efetivo. Na Tailândia, a produção local de preservativos foi subsidiada, o que permitiu uma distribuição massiva a um custo bem baixo. No Senegal, o desafio agora é criar uma resposta no nível da comunidade rural, incluindo as regiões mais remotas que ainda não estão ativas na luta e onde moram 65% da população. Mesmo em um contexto específico em que a religião tenha grande influência no comportamento e na tomada de decisões, é possível adaptar as estratégias envolvendo os líderes religiosos desde o início e trabalhando em conjunto com eles. No Senegal, por exemplo, os folhetos informativos sobre o uso de preservativos incluem versos do Alcorão e citações da Bíblia. No Brasil, a Igreja Católica foi importante para a aceitação dos programas de prevenção nos níveis de base, embora não tenha sido fácil obter esse apoio. Em Uganda, os grupos religiosos foram extremamente ativos no nível local.

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Desde que a disponibilidade de programas efetivos de tratamento anti-retroviral mudaram a perspectiva dos afligidos, uma dinâmica muito mais positiva começou a aparecer, permitindo a expansão dos programas, mas também precisando da consideração dos custos do fornecimento de anti-retrovirais para o público. No Brasil, em 1996, foi feita a opção por fornecer tratamento anti-retroviral a todos os atingidos, gratuitamente. A Tailândia está promovendo o acesso aos cuidados e ao tratamento anti-retroviral em uma abordagem passo a passo, priorizando progressivamente a alocação de recursos de acordo com a capacidade e a disponibilidade de fundos. Entretanto, Uganda, que se baseou mais no apoio externo, está promovendo uma rápida ampliação de tratamento e cuidados, embora esteja buscando outros recursos para garantir a sustentabilidade. No Senegal, os anti-retrovirais foram disponibilizados gratuitamente desde janeiro de 2004. Para tornar o acesso universal uma realidade e garantir a sua sustentabilidade, os representantes dos países indicaram que várias estratégias deveriam ser consideradas ao mesmo tempo: reduções de preços, produção de medicamentos genéricos, mobilização de recursos adicionais e uma maior alocação da receita nacional para evitar a dependência de recursos externos e combater as interrupções do fluxo dos recursos. Em seus esforços para manter os custos baixos, o Brasil defende vigorosamente condições mais favoráveis para produtos farmacêuticos para os países em desenvolvimento, mantém um sistema de pesquisa em laboratórios nacionais, produz medicamentos genéricos localmente e, finalmente, está negociando internacionalmente para obter menores preços de drogas para produtos importados. Abordagem dos desafios Expansão da orientação, dos testes, do tratamento e da capacidade dos recursos humanos Os quatro países reconheceram que existem desafios associados com o uso de mais recursos para ampliar seus programas, principalmente na área de tratamento retroviral. Por exemplo, a expansão da orientação e teste voluntários e a provisão de tratamento anti-retroviral para todos que sofrem da doença criam uma necessidade urgente de um grande número de pessoas treinadas e um aumento da demanda de medicamentos. Isso aumenta a tensão das instalações de treinamento, das redes de distribuição e das práticas de aquisição, que já estão sob pressão. A escassez de recursos humanos atualmente é um grande desafio em Uganda e no Senegal. Essa escassez é causada não somente pelo aumento da demanda, mas também pelo impacto da AIDS nos profissionais e pela migração de profissionais treinados do setor público para empregos mais lucrativos. Tanto o Brasil como a Tailândia, que têm um longo registro de implementações bem-sucedidas de esforços de prevenção, também observaram as dificuldades associadas com a expansão dos serviços voluntários de orientação e teste, bem como do tratamento anti-retroviral gratuito. Na Tailândia, depois de cerca de um ano de experiência da implementação desse programa, reportaram que milhares de pessoas se inscreveram no programa do Ministério da Saúde Pública, bem como em outros esquemas governamentais e do setor privado. O governo está trabalhando em conjunto com o Banco Mundial e outros grupos para administrar os custos e as conseqüências do crescimento do tratamento. As experiências da Tailândia mostram que uma abordagem pragmática para o planejamento e a implementação da resposta, com base na disponibilidade de recursos técnicos e financeiros, é fundamental para enfrentar o desafio dos recursos humanos.

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Foram criados incentivos para manter os profissionais treinados no setor público e foi estabelecida a obrigação de que os jovens profissionais treinados trabalhassem três anos nas áreas rurais após a graduação. A Tailândia sente que a sustentabilidade precisa ser assegurada pelas autoridades nacionais e reconhece que a resposta não deve ser direcionada pelo apoio externo. Trabalho em parceria Nas discussões, os participantes concluíram que, apesar da gravidade da crise global da AIDS, o mundo está respondendo de modo mais efetivo com o aumento do apoio financeiro às respostas nacionais que, por sua vez, precisam ser bem-enfocadas, bem-organizadas, dinâmicas e flexíveis. Ao mesmo tempo, ressaltaram que a excessiva burocracia das iniciativas globais de financiamento e das organizações internacionais pode retardar os esforços nacionais para implementar respostas mais fortes. Alguns países estão sobrecarregados por uma demanda excessiva de vários atores externos que podem causar confusão nos esforços em andamento. Declararam que os parceiros nacionais e internacionais devem tratar a epidemia de AIDS de um modo mais emergencial, com o desenvolvimento de mecanismos de financiamento mais flexíveis e inovadores, e abordagens programáticas que tenham em mente a limitação dos seus recursos humanos. Obviamente são necessários maiores esforços para melhorar a coordenação e a cooperação entre os parceiros nacionais e internacionais, devido ao caráter excepcional e ao impacto global da doença. Também observaram que a assistência técnica e a experiência compartilhada entre os países de renda média e baixa são uma ferramenta importante, embora ainda subutilizada. Os quatro países já estão compartilhando suas lições, mas esse processo pode ter um maior apoio de parceiros externos. Nos itens de monitoramento e avaliação, o Brasil e a Tailândia fizeram importantes conquistas por meio do desenvolvimento de seus recursos nacionais para usar as tecnologias modernas com o fim de garantir uma resposta mais sustentável da saúde pública. Eles promoveram a transferência da sua tecnologia, uma vez que ainda é um desafio para muitos países em desenvolvimento desenvolver sua própria tecnologia para combater a AIDS, como, por exemplo, a produção nacional de medicamentos anti-retrovirais, testes de HIV, CD4 e carga virótica.

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Transcrição dos Procedimentos

Observações iniciais -- introduções Joseph K. Ingram, Representante do Banco Mundial, Genebra Em primeiro lugar, gostaria de dar as boas-vindas a todos e agradecer a participação neste evento patrocinado pelo Escritório do Banco Mundial de Genebra, em colaboração com a UNAIDS. Resolvemos reunir representantes de quatro países que estão em primeiro plano no combate contra o HIV/AIDS, uma pandemia que representa uma ameaça sem precedentes não somente às populações desses quatro países, como também a toda a saúde, ao desenvolvimento e à segurança globais. O Dr. Peter Piot, Diretor Executivo da UNAIDS, vai falar mais sobre isso nas suas observações iniciais. O assunto do seminário de hoje merece algo mais do que nossa discussão usual de meio dia, tanto em termos de tempo como em termos da profundidade com que será examinado. Sabemos que existem atualmente quarenta e dois milhões de pessoas vivendo com HIV/AIDS. Eu disse que sabemos atualmente porque esse número provavelmente é maior. Sabe-se que mais de 60 milhões de pessoas já foram infectadas com o HIV desde que o vírus foi diagnosticado pela primeira vez há mais de 20 anos. As estimativas são de que existem 15.000 novas infecções por dia. Muitas delas nos seus países, assim como no meu. Estudos recentes ressaltam problemas potenciais em alguns dos países mais populosos, incluindo Índia, China, Rússia e Indonésia. Além de ser uma necessidade pública e moral, a luta contra esse flagelo dos dias de hoje também está se tornando um dos principais obstáculos ao desenvolvimento econômico e social. Como foi indicado em um recente relatório do Banco Mundial, se nada for feito rapidamente para deter a epidemia, “os países que estão enfrentando uma epidemia de HIV/AIDS na mesma escala que a África do Sul... poderão enfrentar um colapso econômico daqui a algumas gerações, com as rendas das famílias cortadas pela metade”. Na verdade, o problema de desenvolvimento é tão crítico que um eminente grupo de economistas, incluindo três vencedores de Prêmios Nobel, que se reuniu em maio deste ano como parte do “Consenso de Copenhagen”, concluiu que entre os dez problemas globais mais importantes a serem resolvidos, a principal prioridade, sob um ponto de vista puramente de custo/benefício, seria uma campanha bem-sucedida para tratamento de HIV/AIDS. As prioridades que se seguiam entre as dez identificadas foram: combate à desnutrição, redução das barreiras comerciais e eliminação dos subsídios agrícolas; e, por fim, a melhoria das medidas para controle da malária. Como foi declarado em um artigo recente da revista “The Economist” sobre essas quatro prioridades, “pelos padrões normais de avaliação de projetos, elas são... extraordinariamente boas, com os benefícios ultrapassando os custos por um fator de dez ou mais e, às vezes, muito mais”. Agora precisamos convencer nossos políticos e nossos formuladores de políticas de que eles precisam alocar os recursos financeiros necessários.

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Este seminário pretende contribuir para esse objetivo. Como muitos dos senhores aqui representam governos e esperamos que repassem essas informações às suas capitais, na verdade existem formas custo-efetivas de tratar o problema, tanto em termos de prevenção como de tratamento. Certamente nós, do Banco Mundial, consideramos os benefícios enormes e, como resultado, nos últimos cinco anos concedemos uma ordem de US$1,5 bilhão em subsídios, empréstimos e créditos para programas de combate ao HIV/AIDS, dos quais cerca de US$1 bilhão foi destinado à África subsaariana. Entretanto, não podemos ser eficazes como doadores se trabalharmos sozinhos. Desse modo, trabalhamos em conjunto com parceiros para fornecer análises estratégicas e assessoramento de políticas e outras experiências técnicas no nível de país. Como co-patrocinadores fundadores da UNAIDS, trabalhamos em estreita colaboração com eles e com outros órgãos das Nações Unidas para aprofundar o trabalho contra o HIV/AIDS em todos os níveis. E hoje, juntamente com a UNAIDS, a OMS e o Fundo Global para AIDS, estamos aqui para ouvir e aprender com quatro diferentes países e diferentes programas, programas de diversas partes do mundo com características culturais distintas, rendas e níveis socioeconômicos diversos e diferentes estágios de desenvolvimento dos programas. É essa análise entre vários países que torna este evento único e que nos ajudará a avaliar os sucessos médicos e não-médicos. Esperamos que ela nos permita identificar as políticas e ações comuns que propiciaram progressos na luta contra o HIV/AIDS. Os participantes da nossa mesa-redonda estão aqui hoje para serem ouvidos e as lições que eles trouxerem serão importantes para todos nós, assim como para as instituições que representamos. Gostaria agora de dar a palavra a Peter Piot, Diretor Executivo da UNAIDS, que muitos dos senhores conhecem e que, com o Banco Mundial, é co-patrocinador deste evento. Em seguida passaremos a palavra à Srta. Meskerem Grunitzky-Bekele, Diretora Associada da UNAIDS, que apresentará os palestrantes da sessão desta manhã. Dr. Peter Piot, Diretor Executivo, UNAIDS Também tenho o maior prazer em dar-lhes as boas-vindas a este seminário que estamos organizando em conjunto com o Banco Mundial e falo aos senhores na condição de ‘membro 10%’ do pessoal do Banco Mundial, uma vez que o Banco é um dos nossos nove órgãos co-patrocinadores. Quando Joe e eu nos encontramos pela primeira vez, cerca de seis meses atrás, sentimos que estava na hora de informar à comunidade de desenvolvimento aqui em Genebra sobre o trabalho que o Banco está fazendo sobre AIDS em termos globais. Esse trabalho é bem conhecido nos próprios países, mas aqui em Genebra, não. Também senti que há alguns aspectos originais do trabalho do Banco Mundial que são importantes de ressaltar, tendo em mente que o Banco ainda é o maior doador multilateral na África no que se refere à AIDS. Acho que estamos entrando em uma fase totalmente nova da resposta à epidemia de AIDS em termos globais e em muitos países. Os últimos 12 a 24 meses presenciaram um impulso realmente extraordinário na resposta global. Um impulso político, um impulso financeiro e um impulso de esperança. Portanto, uma combinação desses três aspectos – liderança, dinheiro e esperança – realmente me faz pensar que, pela primeira vez na história da epidemia, temos uma chance real de sucesso na sua contenção de modo a garantir que a nova geração estará livre do HIV e que as pessoas portadoras do HIV terão uma vida mais longa e melhor, e os que são deixados para trás terão cuidados e apoio. Mas esses novos conjuntos de oportunidades também trazem com eles novos desafios e exacerbam alguns dos antigos desafios existentes. Vou falar brevemente sobre eles porque acho que provavelmente serão mencionados nas apresentações dos países hoje.

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Em primeiro lugar, desejo começar pelo financiamento. Houve um enorme crescimento no comprometimento de recursos e no gasto. Quando começamos, gastávamos cerca de US$200 milhões em AIDS nos países de renda média e baixa. Isso foi há sete anos. No último ano estimamos que tenham sido US$4,7 bilhões. Um aumento enorme, e a maior parte desse aumento é de dinheiro gasto, e não comprometido. Esse grande aumento foi mobilizado principalmente nos dois últimos anos e continuará com a aprovação do Congresso dos EUA, em janeiro, do primeiro financiamento para o atual plano emergencial com o Fundo Global para AIDS, que entrou em operação há cerca de um ano. Isso significa que existe mais dinheiro disponível para o tratamento da AIDS do que nunca. Mas ainda há um enorme hiato de financiamento e também temos de examinar esse aspecto. Normalmente sou uma pessoa que acredita que o copo está meio cheio, mas definitivamente isso também indica que ele está meio vazio e, nesse sentido, a melhor maneira de garantir que esse financiamento não seja apenas sustentável, mas que também cresça, tem que ter duas vias. Uma é a apresentação de resultados, mostrando que o dinheiro que está disponível hoje é bem-utilizado e que atinge aqueles que realmente precisam. E também que a opinião pública em todos os países esteja muito mais sensibilizada em relação à questão da AIDS do que antes, inclusive nos países onde o HIV não seja um problema grave, ou onde a maioria das pessoas tenha acesso aos tratamentos para salvar vidas. Em outras palavras, que a complacência em relação à AIDS seja eliminada. Em segundo lugar, e talvez este seja o fator mais importante, é fazer o dinheiro trabalhar. É um problema de capacidade em muitos casos em que um grande aumento dos recursos financeiros e do comprometimento político não coincidem com a disponibilidade de recursos humanos e institucionais. Esse é o principal desafio em muitos países. Durante os últimos seis meses, visitei países onde literalmente centenas de milhões de dólares estão sendo alocados para a AIDS, mas os recursos institucionais foram negligenciados. Uma parte é o resultado de décadas de enfraquecimento do estado pelo próprio governo, por instituições internacionais e pelos doadores. Estamos pagando um preço alto por isso. Uma parte da diminuição de recursos é decorrente da própria epidemia, pois os profissionais estão morrendo de AIDS, além de que, em muitos países, os profissionais não têm acesso aos tratamentos anti-retrovirais. Portanto, precisamos garantir que o financiamento atual não englobe somente os projetos financiados, mas que tenhamos uma abordagem completa e que nenhum projeto seja aprovado se não houver um forte elemento de geração de recursos no próprio financiamento. Não vamos pedir os primeiros resultados depois do primeiro trimestre. Se não investirmos nos recursos e não reconsiderarmos algumas das políticas que prejudicam os recursos, principalmente no setor público, não haverá como termos sucesso na nossa luta contra a AIDS. Por outro lado, quando se trata, por exemplo, de acelerar o acesso ao tratamento, ainda há muitos recursos que não são usados, principalmente nas cidades maiores e nas instituições que já estão tratando de milhares de pacientes. O mesmo ocorre com a prevenção. Um relatório que será emitido no dia 6 de julho, antes da Conferência Internacional sobre AIDS em Bangkok, mostrará que a cobertura dos serviços de prevenção em todo o mundo desenvolvido é muito baixa e que não estamos utilizando as grandes organizações como os sistemas escolares existentes e os locais de trabalho para atingir as pessoas que podem ser salvas por meio do acesso a melhores esforços de prevenção.

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O terceiro desafio é que ainda não aceitamos de forma coletiva o caráter excepcional da AIDS: que não será possível conter essa epidemia e superar todos os aspectos em termos de prevenção, tratamento e cuidados se simplesmente alocarmos recursos do orçamento normal e respeitarmos todas as regras do jogo. Não vai ser possível nos países mais afetados. Será possível, espero, nos países em que a epidemia ainda está engatinhando, principalmente na Ásia e no Leste Europeu. Lá pode dar certo com a introdução de boas políticas e a alocação de recursos dos orçamentos existentes. Nos países mais afetados, principalmente na África, isso não será possível. É uma situação comparável a uma área pós-conflito, onde é preciso envidar um esforço extraordinário. Isso realmente é verdade no nível individual e no que se refere à própria doença devido ao grande estigma e à discriminação que são associados com o HIV e com a grande dimensão relativa ao gênero. Portanto, não sou dessas pessoas que acreditam que mesmo que todos pudessem ser tratados do HIV o estigma desapareceria repentinamente. Precisamos de campanhas e esforços específicos para eliminar o estigma e a discriminação da AIDS. Ainda vemos essa discriminação nos países da Europa Ocidental, onde o acesso ao tratamento é universal. Não é uma doença como as outras. Não conheço ninguém que diga que as pessoas serão espancadas até morrer por causa do diabetes. Portanto, não sejamos ingênuos sobre o que o acesso necessário ao tratamento deveria alcançar no tocante à natureza da doença e da epidemia. Mas também precisamos examinar as políticas. Por exemplo, às vezes ouço que o financiamento extra que está chegando para a AIDS não pode ser gasto devido a uma estrutura de despesas de médio prazo ou a tetos fiscais, que existem e têm um bom motivo para existir. Eles são necessários para controlar a inflação, o crescimento da inflação e a hiperinflação, que afetam os pobres em primeiro lugar. Mas quando o controle da inflação torna-se teoricamente mais importante do que a aceitação dos recursos de controle da AIDS para salvar sociedades inteiras, sei que algo está errado em nossas prioridades. Por isso é necessário ter um bom diálogo e uma melhor compreensão sobre as implicações fiscais das regras comerciais globais que foram adotadas porque existe uma epidemia de AIDS e as modalidades fiscais e de financiamento devem refletir isso. Em quarto lugar, temos um novo desafio, que está relacionado com coerência e a responsabilidade. A boa notícia é que há mais dinheiro, mais atores e mais participantes, mas como será dito em quase todos os relatórios de hoje, muitos países estão se esforçando para assegurar que todos os atores estejam trabalhando para implementar as respectivas prioridades. E francamente, existe um verdadeiro caos em alguns países. Não nos que estão aqui hoje, pois esses são exemplos notáveis de liderança por parte dos próprios países. Em breve nossa diretoria vai se reunir e vamos enviar um relatório mostrando o preço da fragmentação e da falta de coerência. A falta de harmonização realmente mata pessoas. Vemos que alguns países tiveram que enfrentar 60 diferentes missões de AIDS em um ano e algumas vezes nós, do sistema das Nações Unidas, somos tão culpados quanto todos os outros. E é por isso trabalhei muito nos princípios dos Três Pontos Únicos1 que agora foram aceitos e firmados por todos os doadores, exceto pela Comissão

1 A Conferência Internacional sobre AIDS e DST na África (ICASA) realizada em Nairóbi, Quênia, em setembro de 2003, altos funcionários dos órgãos de coordenação nacional e importantes ministérios das nações africanas, importantes mecanismos de financiamento, entidades multilaterais e bilaterais, ONGs e o sector privado reuniram-se para uma consulta destinada a analisar os princípios para a coordenação em âmbito nacional da resposta ao HIV/AIDS.

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Européia. Primeiro, trabalhar sob uma única estrutura de ação acordada contra a AIDS, garantindo que exista adesão do país e que todos trabalhem para as prioridades do país. Segundo, que trabalhemos com uma única autoridade nacional de coordenação da AIDS, com um mandato multissetorial de amplo alcance. Isso reduz a duplicação, mas, ao mesmo tempo, deixa espaço para todos os atores trabalharem. E o terceiro ponto é que exista um único sistema de avaliação e monitoramento acordado no âmbito de país para reduzir os custos das transações para todas as partes. Tenho visto com bastante freqüência que os membros menores das equipes dos programas de AIDS gastam quase todo o seu tempo não apenas recebendo as missões, como também preenchendo formulários para cada doador com um formulário de avaliação diferente. Portanto, se pudermos todos trabalhar de acordo com esses princípios, teremos não só uma melhor participação, como também uma melhor responsabilização e, no final, mais reservas e melhor uso do dinheiro dos contribuintes. E o último ponto que eu gostaria de levantar é que aprendemos que existe a necessidade de uma resposta realmente abrangente para a AIDS. A maioria dos países até pouco tempo atrás tinha enfocado apenas a prevenção e somente alguns trabalharam com o tratamento e, portanto, puderam evitar os difíceis problemas relacionados com sexo e drogas. Mas a única coisa que vai funcionar é uma resposta abrangente para a AIDS. Alguns estudos que anunciaremos um pouco antes da conferência em Bangkok demonstram que os programas de tratamento sem um aspecto forte e acelerado de prevenção não são sustentáveis e, também, que eles ficarão melhores com uma prevenção melhor e, conseqüentemente, vantajosos. Gostaria de parar por aqui e dizer que estou realmente orgulhoso de termos nos associado como o Programa das Nações Unidas sobre HIV/AIDS com a colaboração do Banco Mundial porque acho que haverá alguns aspectos fundamentais e o Banco começou a abordar o caráter excepcional da AIDS. Primeiro, o desenvolvimento de um crédito original e todos os instrumentos de subsídio para o programa multinacional de combate à AIDS, que não é um dos negócios usuais do Banco. Segundo, o mecanismo pioneiro de crédito para assegurar que o dinheiro vá diretamente para as autoridades locais e que possa chegar aos programas comunitários. E terceiro, também aceitar participar dos dispositivos financeiros conjuntos. Estava em Malaui quando foi decidido que o financiamento do Programa Multinacional para AIDS (MAP) em Malaui deveria ser somado ao financiamento proveniente de outros doadores. Acho que foi um ótimo exemplo. Mas acredito que ainda há muito a fazer, que a AIDS ainda não está incluída no trabalho principal do Banco, muito menos no trabalho macroeconômico, ou no trabalho sobre a macropobreza do FMI, em seus Programas de Estratégias de Redução da Pobreza (PRSPs). E é para isso que todos nós temos que trabalhar em conjunto. Os países sobre os quais falaremos são exemplos de destaque de liderança e de descoberta de soluções inovadoras para seus problemas. Francamente, eles fizeram tudo sozinhos, em alguns casos com muitos financiamentos externos, mas tudo foi sempre dirigido pela liderança local e com a adaptação local ao desafio. Creio que agora deveríamos nos concentrar em aprender com os Os princípios foram identificados por meio de um processo preparatório nas esferas global e nacional, iniciado pela UNAIDS em cooperação com o Banco Mundial e o Fundo Global para Combate a AIDS, Tuberculose e Malária, e foram aprimorados em discussões com outros importantes parceiros doadores.

• Uma única Estrutura de Ação acordada contra HIV/AIDS que forneça a base para a coordenação do trabalho de todos os parceiros

• Uma única Autoridade Nacional de Coordenação da AIDS, com um mandato multissetorial de amplo alcance. • Um único Sistema de Avaliação e Monitoração acordado no âmbito de país.

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sucessos ou, melhor, com as experiências mais positivas que podem ser usadas por todos os países, já que não há um sucesso real no combate à AIDS. Nós, do sistema das Nações Unidas, podemos ser facilitadores no compartilhamento dessa experiência por todas as comunidades e países. Joseph Ingram – Apresentação dos oradores Obrigado, Peter. Antes de passar a palavra à Srta. Grunitzky-Bekele, vou apresentar os participantes da mesa-redonda de hoje. São eles: do Brasil, o Diretor do Programa Nacional de DST/AIDS, Dr. Alexandro Grangeiro; do Senegal, o Secretário Executivo do Conseil National de la Lutte contre le SIDA, Dr. Ibra Ndoye e a Subsecretária Executiva, Madam Katy Cisse Wone; da Tailândia, temos o Diretor do Programa Internacional de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde Pública, Dr. Tangcharoensathien Viroj e o Chefe do Grupo de AIDS do Ministério da Saúde Pública, Dr. Somyot Kittimungkong; e, de Uganda, o Diretor Geral da Comissão Nacional para AIDS, Dr. David Kihumuro Apuuli, e a Gerente de Programas do Programa de Controle de DST/AIDS do Ministério da Saúde de Uganda, Dra. Elizabeth Madraa. Nossos moderadores, além de mim e da Srta. Meskerem Grunitzky-Bekele, incluem, para a mesa-redonda desta tarde, o Dr. Michel Kazatchkine, Diretor da ANRS, França, e um dos maiores especialistas na doença atualmente. O fechamento e as conclusões serão feitos pelo Dr. Gottfried Hirnschall, Diretor de Parcerias, Relações Externas e Comunicações do Departamento de HIV/AIDS da OMS, e por Brad Herbert, Diretor de Desenvolvimento Estratégico do Fundo Global para HIV/AIDS. Como os senhores podem ver, temos aqui um grupo ilustre de pessoas que realmente entendem dos problemas e que podem nos ajudar a chegar a algumas conclusões úteis e interessantes nessa tarde. Srta. Meskerem Grunitzky-Bekele, Presidente da sessão da manhã Senhoras e senhores, é um prazer e uma honra presidir a primeira sessão deste simpósio. Desejo começar lembrando a todos dos objetivos das sessões de hoje. O primeiro é ouvir das pessoas que estão no campo, das pessoas que realmente estão acompanhando dia-a-dia os programas no âmbito nacional e aprender como eles desenvolveram um programa abrangente nesse nível. Não estamos nos referindo somente aos aspectos de saúde, mas também aos aspectos que não estão ligados à saúde. O segundo é aprender com essas pessoas quais são os principais obstáculos à implementação, quais são os principais fatores de sucesso ou progresso e, também, identificar com elas quais serão os futuros desafios, que recomendações estão propondo e como querem lidar com esses desafios. Queremos saber com essas apresentações quais são as políticas ou as ações comuns que levaram ao sucesso ou ao fracasso. Portanto, é realmente uma sessão de aprendizado a partir de experiências no nível nacional. A primeira apresentação é do Brasil. Gostaria de apresentar Alexandro Grangeiro, que é o Diretor do Programa de DST/AIDS do Ministério da Saúde no Brasil. Ele é sociólogo e especialista em saúde pública. Como o Brasil é um ponto central do grupo de cooperação técnica da América Latina e Caribe, também está envolvido em promover essa colaboração, que é um dos motivos do sucesso dessa região. Ele também é membro da diretoria da UNAIDS para a América Latina. O segundo apresentador é o Dr. Ibra Ndoye do Senegal, que atualmente é Secretário Executivo do

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Conselho Nacional de AIDS. O Dr. Ndoye é o Gerente do Programa Nacional de AIDS do Senegal desde 1986. Ele também tem contribuído para a luta contra o HIV/AIDS em toda a África. Foi o primeiro Diretor da União Internacional Contra Doenças Sexualmente Transmissíveis e Presidente da União Africana contra DST. Está envolvido em diversas pesquisas, além de ser autor e co-autor de mais de cem publicações. Nosso terceiro palestrante é Mme Katy Cisse Wone, que é atualmente Subsecretária Executiva do Conselho Nacional de AIDS, sob o controle da sociedade civil e do setor privado. Antes disso, ela era Consultora Técnica do Ministério da Saúde na área de HIV/AIDS. De 1991 a 2000, foi Especialista Nacional do Programa Internacional da AIDS trabalhando com o PNUD e a OMS, e antes disso, Gerente de Programas para projetos de HIV/AIDS. Portanto, teremos um grande treinamento nacional com esses palestrantes. Eles são notáveis modelos de liderança, altamente comprometidos, tanto politicamente, como também em mobilização social para abordar o desafio do HIV/AIDS. Passamos agora a palavra ao o Dr. Alexandro Grangeiro, do Brasil.

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Apresentação do Dr. Alexandro Grangeiro, Brasil Senhoras e senhores: Em nome do Ministério da Saúde do Brasil, gostaria de parabenizar a UNAIDS e o Banco Mundial pelo evento de hoje. É uma excelente oportunidade para trocar as experiências que tivemos em diferentes países, além de criar oportunidades e convertê-las em ações concretas que poderiam interromper e reverter a disseminação da AIDS. Hoje vou falar sobre a resposta brasileira para a AIDS, enfocando algumas das suas principais características. Minha apresentação pode ser dividida em três partes: A primeira está relacionada com a estrutura da nossa resposta à AIDS e com alguns dados reais. A segunda parte trata de ações tomadas para promover a saúde e dar assistência às pessoas com HIV. E por último, gostaria de enfocar a experiência que tivemos com cooperação. Primeiro vou tentar destacar os fatores que definiram e facilitaram a resposta brasileira ao HIV/AIDS antes de falar sobre os aspectos que continuam a ser nossos principais desafios. Perfil do país Como sabem, o Brasil é um país de grandes dimensões: 170 milhões de habitantes e cerca de 6.000 municípios. Tivemos nosso primeiro caso de AIDS em 1980 e desde então já tivemos 300.000 casos oficiais. É uma taxa de 12,8 casos por 100.000 habitantes. As taxas de prevalência diminuíram nos últimos anos. Agora temos uma estimativa de 600.000 pessoas infectadas com HIV, o que é igual a 0,6% da população entre 15 e 49 anos. Há uma estimativa de 30.000 a 35.000 novas infecções a cada ano. Em relação à mortalidade: registramos 150.000 mortes relacionadas com a AIDS, que representam 11.000 mortes por ano, ou uma taxa de mortalidade de 6,3 por 100.000 habitantes. As taxas de mortalidade diminuíram nos últimos anos porque o acesso aos medicamentos essenciais aumentou, o que também teve um impacto positivo na expectativa de vida. Características da luta brasileira contra a epidemia de AIDS A quais aspectos podemos atribuir nossos resultados? Em primeiro lugar, a resposta brasileira ao HIV/AIDS foi rápida. Nós a lançamos em 1983, quando havia apenas quatro casos. Em segundo lugar, percebemos desde o início um grande envolvimento por parte do público em geral. Ele participou não apenas da instalação dos nossos programas de assistência e prevenção, como também do processo de administração das políticas públicas, que foi desenvolvido em todos os três níveis de governo: municipal, estadual e federal. Um terceiro aspecto que caracterizou nossa resposta foi que procuramos uma abordagem global e multissetorial, além do setor da saúde pública, envolvendo o setor privado, organizações internacionais, universidades, o judiciário, instituições sociais e outros. Um quarto aspecto importante que não devemos subestimar foi a cultura nacional do nosso país. Ela fez com que o povo brasileiro mostrasse solidariedade com os portadores do HIV e permitiu que discutíssemos abertamente tabus como sexualidade, consumo de drogas ou sexo extraconjugal. Em quinto lugar,

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uma parte importante da nossa resposta foi a promoção de tratamentos. Estávamos convencidos de que deveríamos garantir o acesso universal aos serviços e aos tratamentos de saúde. E, finalmente, o que fez toda a diferença na nossa luta contra o HIV foi o componente ético da nossa resposta, que promove os direitos humanos e define o acesso aos cuidados de saúde como um dever do estado. Estrutura organizacional -- descentralização É responsabilidade do Ministério da Saúde coordenar e harmonizar as atividades dos diversos setores, instituições e atores envolvidos. Para cumprir essa responsabilidade, foram criadas três comissões. A primeira, que é vinculada ao Ministério da Saúde, é chamada de Comissão Nacional. É composta de atores governamentais e não-governamentais que coordenam as atividades no âmbito nacional. A segunda comissão representa os estados e municípios com o objetivo de descentralizar nossa estratégia "no campo". A terceira comissão trabalha com a sociedade e os movimentos sociais. Ela busca harmonizar as atividades governamentais e não-governamentais, além de incorporar as questões sociais na política pública. Gostaria de chamar sua atenção para dois organismos que são fundamentais para a nossa estratégia nacional. Um deles é o grupo temático da UNAIDS. Ele tem um efeito amplificador, uma vez que reúne todas as principais instituições bilaterais e multilaterais que têm participação em nosso país, e é o principal contato com as organizações internacionais. O outro organismo é o Conselho Empresarial. Sua função é unir os sindicatos e as corporações que estão desenvolvendo atividade de combate ao HIV e à AIDS. O aspecto mais importante dos nossos esforços é a descentralização da resposta no país. Os estados e municípios são responsáveis pela execução dos nossos programas de saúde, tanto em relação à assistência como à prevenção do HIV. Dos recursos federais, 45% são transferidos para 27 estados e para 411 municípios. Eles são selecionados com base no número de ocorrências de HIV/AIDS registradas. Ao focalizar esses municípios, conseguimos atingir 90% de todos os casos de AIDS e abranger 53% da população brasileira. A alocação de recursos para os municípios baseia-se em um plano de ação anual, que é elaborado em conjunto pelo governo e pelas organizações da sociedade civil. Esse plano é monitorado pelo governo federal. Financiamento Nosso país gasta cerca de US$250 a US$260 milhões por ano em atividades relacionadas ao combate ao HIV, com os recursos alocados no nível federal e administrados pelo Ministério da Saúde. Existem duas fontes principais de financiamento: 90% dos recursos são provenientes de fundos nacionais e os 10% finais vêm de empréstimos do Banco Mundial. O primeiro acordo com o Banco Mundial foi feito em 1994 e estamos atualmente no terceiro acordo, que deve terminar em 2006. Desses recursos, 60% são para despesas com medicamentos, 15% para prevenção, outros 15% para assistência e 10% para pesquisa, treinamento e administração do programa.

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Monitoração e avaliação Em primeiro lugar, a fim de executar nossas políticas no Brasil, criamos a chamada fase “Stein”, um sistema nacional de monitoramento e avaliação que harmoniza os resultados das pesquisas, os sistemas de treinamento em saúde e indicadores de avaliação específicos, projetados de acordo com o programa nacional, especialmente nas áreas de prevenção, assistência e direitos humanos. Existem atualmente cinco centros regionais de avaliação. Continuamos a harmonizar suas atividades e a buscar a cooperação internacional para essas questões a fim de criar um centro internacional de serviços para AIDS que forneça treinamento e avaliação. Também gostaríamos de criar um comitê composto pelas principais instituições e pelos profissionais envolvidos em avaliações no nosso país. Promoção anti-AIDS e prevenção de HIV/AIDS no Brasil. No tocante à promoção, o Brasil desenvolveu diversas ações complementares em quatro áreas: primeiro, com a promoção dos direitos dos indivíduos que têm HIV/AIDS e de grupos de alto risco através de campanhas nacionais nos meios de comunicação. Lançamos três campanhas de âmbito nacional dirigidas ao público em geral e várias campanhas direcionadas para grupos específicos. Essas duas campanhas nacionais foram complementadas por medidas desenvolvidas no nível da comunidade. Em quarto lugar, temos campanhas específicas para promover medidas de diagnósticos e o tratamento de doenças sexuais. Resultados Desde o início da epidemia, o Brasil adotou uma política de promoção do uso de preservativos. Reconhecemos que era responsabilidade do estado informar os cidadãos sobre as doenças sexualmente transmitidas, especialmente HIV/AIDS, e oferecer meios de prevenção. Com a implementação dessas ações, conseguimos ver um aumento no uso de preservativos, que hoje é cerca de cinco vezes maior do que há dez anos. A distribuição gratuita de preservativos aumentou em 20% e o Ministério da Saúde supervisiona cerca de 30% a 40% dessa distribuição. Essas medidas reduziram drasticamente os preços dos preservativos. Outro efeito que podemos atribuir às políticas de promoção de preservativos está relacionado ao comportamento sexual. Pesquisadores internacionais apontam que entre as pessoas que praticam sexo com parceiros ocasionais, o uso de preservativos aumentou de 64% para 79% nos últimos anos. Esse aumento é significativo em relação aos nossos esforços para controlar a disseminação de HIV/AIDS. Não foram observados os mesmos resultados entre as pessoas que têm parceiros regulares. Nesse último grupo, a taxa de uso de preservativos permaneceu constante em cerca de 20%. Devemos observar que no Brasil o aumento das taxas de transmissão entre mulheres é significativo, principalmente entre mulheres com relacionamentos estáveis. Isso constitui um enorme desafio para nós, e atualmente estamos revendo nossas políticas de prevenção com relação a casais e pessoas com parceiros estáveis. Para apoiar os esforços de prevenção entre as mulheres, o Brasil adotou uma política de distribuição de preservativos para mulheres. Cerca de quatro milhões de preservativos são distribuídos anualmente, principalmente para quatro grupos: mulheres que têm

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HIV/AIDS; profissionais do sexo, usuárias de drogas e seus parceiros, e mulheres vítimas de violência. Além disso, o Brasil adotou uma política de prevenção para usuários de drogas, que promove o uso de agulhas limpas. Esses programas também envolvem o apoio de instituições públicas e ONGs. A eficácia desses projetos é refletida por uma redução no uso coletivo de agulhas e um menor número de casos de AIDS e Hepatite C. Gostaria de observar que os usuários de drogas são um grupo altamente marginalizado e que sua cobertura de seguro é muito baixa, de cerca de 20%. Além da estratégia de prevenção, precisamos enfocar também a promoção do diagnóstico precoce. Estimamos que cerca de 300.000 a 400.000 pessoas no nosso país atualmente não sabem que estão infectadas. Muitas vezes, o diagnóstico só é feito quatro ou cinco anos após a infecção. Para combater isso, lançamos uma campanha intensa para promover o exame diagnóstico. Nosso slogan é: “Fique Sabendo. Positivo ou negativo, seja feliz!” Essa campanha levou a um aumento do exame diagnóstico de 30% a 40% no Brasil. Como resultado de uma política de prevenção combinada que promove o uso de preservativos, conclama os usuários de drogas a usar agulhas esterilizadas e defende o diagnóstico precoce, observamos uma redução da prevalência entre as pessoas mais expostas ao risco de HIV/AIDS, como homossexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas. Finalmente, algumas palavras sobre a promoção da saúde. Em relação à prevenção da transmissão da doença de mãe para filho, o Brasil estabeleceu medidas de prevenção durante as fases pré-natal e da maternidade com a agilização de procedimentos de teste para diagnóstico do HIV e com o fornecimento de profilaxias com tratamentos anti-retrovirais. Embora nos últimos anos a cobertura tenha aumentado consideravelmente, em cerca de 15% somente no ano passado, apenas 40% das mulheres grávidas que são soropositivas foram diagnosticadas e tratadas. Estimamos que existam cerca de 17.000 mulheres grávidas infectadas no país. Devido ao uso da profilaxia, a taxa de transmissão do HIV de mãe para filho diminuiu de 16% em 1998 para 3,7% hoje. Sobre a questão de cuidados de saúde, gostaria de enfatizar que há vários anos o Brasil vem envidando grandes esforços nessa área. Desde a década de 1980, o Brasil tem mobilizado inúmeros recursos de cuidados de saúde em diversas regiões desde serviços básicos, como diagnóstico, até serviços mais complexos associados com hospitalização. O país também estabeleceu um sistema de laboratórios (empresas fabricantes de produtos farmacêuticos) para testes virais e de CD4 (contagem de células para determinar o nível de funcionamento do sistema imunológico), que atualmente está expandindo seu foco para incluir a genotipagem e a pesquisa de resistência viral. Desde 1996, o país garantiu o acesso aos anti-retrovirais (ARV), que incluem 15 medicamentos diferentes. As últimas inclusões nessa lista foram o Atazanavir e o Tenofovir. Os laboratórios do governo produzem sete dessas 15 drogas. Essas políticas de saúde trouxeram importantes resultados para o país: uma redução de 50% nas taxas de mortalidade, ou 90.000 mortes entre 1996 e 2002; uma redução de 70% nos casos de tuberculose; e menor número de casos em que foi necessária a hospitalização para o tratamento de HIV/AIDS, o que ocasionou uma diminuição na demanda de serviços complexos. Em 1996, a taxa

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anual de hospitalização era de 1,65 por paciente. Em 2003, essa taxa caiu para apenas 0,25 por paciente. Durante esse período, conseguimos prevenir mais de 630.000 hospitalizações. Além disso, observamos um aumento considerável da sobrevida de pacientes. Uma projeção de 1996 a 2002 mostra uma taxa de sobrevida de 58 meses. Um estudo nacional de 3.000 pacientes selecionados aleatoriamente mostrou que dos 95% que foram monitorados por três dias consecutivos, 75% cumpriam o tratamento ARV que estava sendo administrado. Esse número é compatível com outros países que promoveram o acesso universal ao tratamento. Em comparação com os outros países, a resistência ao tratamento é baixa no Brasil, provavelmente devido à abordagem brasileira de um tratamento menos invasivo e das medidas de prevenção do HIV/AIDS. O maior desafio que enfrentamos nos esforços para fornecer acesso ao tratamento está relacionado com a sustentabilidade das nossas políticas. Isso que ocorre especialmente na aquisição de medicamentos anti-retrovirais. A compra de medicamentos importados consome 63% do nosso orçamento. A parte do leão recai sobre três medicamentos específicos, enquanto os 12 medicamentos restantes, principalmente os de produção nacional, consomem apenas 37%. Assim, o Brasil segue três estratégias para reduzir o preço dos medicamentos e manter as compras sustentáveis. Primeiro, no nível internacional, o Brasil defende condições mais favoráveis para que os países em desenvolvimento possam adquirir os medicamentos a preços razoáveis, mantendo os interesses da saúde pública acima dos acordos internacionais, conforme foi especificado na Declaração de Doha. Segundo, nosso país mantém um sistema de laboratórios nacionais que produzem os anti-retrovirais, o que reduziu o preço de sete medicamentos em mais de 36%. Terceiro, negociamos com os laboratórios para obter uma redução nos custos dos medicamentos equivalente a US$99 milhões em 2004. Após as negociações, alguns preços foram reduzidos em 75%. Essas três estratégias ajudaram o Brasil a manter os custos estáveis nos últimos três anos, apesar de um aumento no número de pacientes tratados com anti-retrovirais. A cada ano, 16 a 20 novos pacientes são tratados com anti-retrovirais. Nossa projeção é de que no final de 2004 teremos 148.000 pacientes recebendo tratamento no país, com custos de aproximadamente US$1.630 por paciente, em comparação como os US$5.000 por paciente em 1997. Resumindo, a combinação dessas medidas de redução de custos possibilitou que o Brasil poupasse cerca de US$2,4 bilhões, principalmente com a redução das taxas de hospitalização e a diminuição dos preços dos medicamentos. Nos últimos dois anos, o que economizamos em hospitalização é equivalente ao que gastaríamos com medicamentos anti-retrovirais. Portanto, temos uma boa relação custo-benefício no que se refere à promoção do acesso aos medicamentos no Brasil. Cooperação entre os países do sul Para concluir minha apresentação sobre a cooperação internacional, gostaria de acrescentar que o Brasil segue uma estratégia de cooperação de quatro maneiras. Primeiro, com a promoção da solidariedade entre os países do sul – atualmente cooperamos com 14 países fornecendo tratamento com medicamentos brasileiros. Segundo, facilitando a assistência técnica em nossa região por meio de uma rede de assistência técnica para a América Latina – para o estabelecimento dessa rede, adaptamos a metodologia usada pelo UNITAR a fim de identificar as demandas de assistência

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técnica. Terceiro, com a adoção da proposta para estabelecer uma rede de intercâmbio tecnológico entre sete países, que será definida em uma Carta-convênio na Tailândia – o objetivo desse acordo é compartilhar experiências no desenvolvimento da produção de medicamentos e vacinas. E, finalmente, com a definição de um banco de dados de preços internacionais de medicamentos anti-retrovirais. Comentários da Srta. Meskerem Grunitzky-Bekele Apenas para resumir a primeira característica da resposta no Brasil: acho que o senhor descreveu muito bem a estrutura. O Programa Nacional de AIDS pertence ao Ministério da Saúde e está coordenando os outros setores; mas também tem um sistema de trabalho com a sociedade civil e, dentro dos setores, tem uma Comissão para harmonizar os trabalhos dos ministérios. O senhor também apresentou como os processos de descentralização trabalham e como os recursos são alocados com base nessa descentralização, que foi importante para o apoio da sociedade civil. E, finalmente, apontou que 50% dos recursos foram fornecidos para as atividades por meio de apresentações de propostas. Também foi interessante ver que a despesa nacional foi dividida por áreas temáticas, com 60%, por exemplo, para tratamento anti-retroviral, 15% para prevenção, 15% para suporte aos pacientes e 10% para pesquisa e treinamento. A segunda parte foi sobre a prevenção e a promoção da saúde. O senhor apresentou as estratégias que estão sendo usadas e também alguns resultados importantes sobre o uso de preservativos e o acesso ao diagnóstico do HIV, além do impacto da prevenção para as pessoas vulneráveis. A terceira parte da sua apresentação enfocou o acesso ao tratamento e um fato importante é que o acesso ao tratamento é garantido por lei no Brasil. O governo fez esforços bem-sucedidos para produzir medicamentos baratos localmente e o senhor forneceu os principais resultados dessa política para o Brasil. A última seção foi sobre como A segunda parte foi sobre a prevenção e a promoção da saúde.O senhor apresentou as estratégias que estão sendo usadas e também alguns resultados importantes sobre o uso de preservativos e o acesso ao diagnóstico do HIV, além do impacto da prevenção para as pessoas vulneráveis. Agora teremos um tempo para perguntas específicas e uma discussão mais profunda. Perguntas para Alexandro Grangeiro P. Organização Internacional do Trabalho A OIT trabalha com o Brasil há muito tempo. Gostaria de perguntar sobre os custos que o senhor mencionou que foram economizados com os programas brasileiros. O senhor tem um número que também mostre os custos socioeconômicos que foram evitados, em termos de absenteísmo e redução da força de trabalho, bem como a economia feita em benefícios sociais como fundos de pensão, deficiências sociais, etc.? R. Certamente os custos que foram economizados são enormes, mas não tenho os números aqui. P. Organização Internacional de Migração. O Brasil com certeza é conhecido pelo livre acesso universal ao tratamento. Mas isso inclui as pessoas sem seguro-saúde? E também inclui as pessoas sem situação legal no país, principalmente pessoas em trânsito? Caso inclua o acesso às pessoas em trânsito, o senhor já observou se há pessoas que vêm ao Brasil para obter acesso ao tratamento?

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R. O governo brasileiro optou pelo princípio de tratamento universal. Isso significa que serão incluídas todas as pessoas com necessidade de tratamento, independentemente de questões de seguro. Existem vazamentos de países vizinhos e uma conseqüente solicitação por parte das regiões mais próximas das fronteiras. Tentamos fornecer tratamento a essas pessoas de acordo com a nossa capacidade e muitas vezes estabelecemos acordos com os países vizinhos. P. Bureau Internacional de Educação (UNESCO) Gostaria que o senhor falasse um pouco mais sobre como os outros setores estão incluídos, principalmente na esfera governamental, nos ministérios, e de que modo os senhores conseguiram criar uma resposta realmente transetorial ou intersetorial no nível governamental, incluindo principalmente os assuntos sociais e de educação. Como o senhor mencionou, o setor da educação foi atingido pela epidemia em termos de pessoal e recursos. R. Nossa abordagem transetorial inclui um forte envolvimento de instituições ligadas à educação. Envolvemos as escolas e os conselhos locais tanto em programas de conscientização como na distribuição de preservativos. P. Programa de Saúde Pública, Universidade de Genebra Tenho duas perguntas rápidas. A primeira é como os senhores trabalham com as ONGs relacionadas com direitos humanos? O senhor mencionou que essa era uma questão muito importante. A segunda é uma questão emergente, e poderia ser dirigida a todos os países, mas especialmente ao Brasil. Como os senhores trabalham com a religião e os líderes religiosos, principalmente no que se refere ao conflito que a Igreja e o Vaticano representam para todas as questões de saúde reprodutiva? P. AIDS Feedback, Genebra Tive a oportunidade de observar o Programa Brasileiro de Desenvolvimento durante os últimos 15 anos e fiquei realmente impressionado. Essa história de sucesso com certeza deveria ser destacada no tocante ao relacionamento com a Igreja Católica Romana. Portanto, seria ótimo se o senhor mencionasse como tem sido a relação com a Igreja Católica. R. A essas duas perguntas: Nossa abordagem baseada nos direitos humanos significa que trabalhemos em estreita colaboração com diversas categorias de ONGs, incluindo as ONGs de direitos humanos. Elas estão especialmente envolvidas no monitoramento das violações dos direitos humanos relacionadas com a AIDS, assessoria jurídica sobre acesso e tratamento, e direitos trabalhistas. Em relação ao envolvimento da Igreja Católica, o Brasil teve um grande apoio tanto dos católicos como de outras igrejas. A Igreja Católica Romana não representa a maioria no Brasil e outros atores religiosos fizeram importantes contribuições. O Brasil sofreu uma certa resistência dos níveis mais altos da Igreja Católica, principalmente no tocante aos preservativos, mas nos níveis de base o envolvimento no combate à epidemia foi exemplar.

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Apresentação do Dr. Ibra Ndoye, Senegal Perfil do país Em primeiro lugar, vou falar sobre o meu próprio país – no contexto do HIV, o Senegal é um pequeno país da África Ocidental com uma população muito religiosa (95% muçulmanos e 4% cristãos). Mesmo sendo um país fortemente religioso, existe muita tolerância. Fomos um dos primeiros países a intervir nas práticas dos profissionais de sexo. A prostituição foi legalizada e as pessoas religiosas toleram a promoção de preservativos. Começamos a monitorar o HIV em 1988. O que torna o Senegal um caso especial é que fomos capazes de manter a prevalência do HIV constante em 1% da população em geral com HIV 1 e HIV 2. Período de 1986 a 1999 Primeiro, tentamos definir a estratégia usada no Senegal e divisamos dois períodos: um de 1986 a 1999 e o outro de 2000 a 2004. Durante o primeiro período, coordenamos os programas de HIV/AIDS com o Ministério da Saúde. Como no caso do Brasil, conduzimos os programas em colaboração com outros setores, como o setor de educação e os setores que trabalham com as questões ligadas às mulheres. Durante o segundo período, que incluiu a Cúpula de Longas em 2001, os países foram solicitados a mostrar liderança nos níveis mais altos do governo. Desde então, os esforços de coordenação na luta contra o HIV/AIDS foram promovidos para o nível de Primeiro Ministro. Durante o primeiro período de 1986 a 1999, que marcou o início da epidemia, as intervenções médicas eram de grande importância. Mas devo lembrar que o tratamento de doenças sexualmente transmitidas já existia no Senegal mesmo antes da epidemia de AIDS. Nós já tínhamos uma estratégia de pagamento de DSTs, exames para atestar a segurança do sangue e tratamentos de infecções oportunistas, bem como de dar orientação aos pacientes. Em termos de mudanças de comportamento, tivemos várias intervenções na população em geral até 1990. Mas então começamos a falar mais sobre intervenções focalizadas – especialmente para jovens e mulheres. E o mais importante, começamos a enfocar as escolas e as pessoas envolvidas na prostituição. Desde 1989, mesmo antes da existência das estratégias da UNESCO, já estávamos introduzindo ativamente programas de HIV/AIDS nas escolas e atualmente estamos administrando programas de exames. Inicialmente, não foi fácil promover o uso de preservativos em um país tão religioso. Contudo, com o tempo recebemos cada vez mais apoio dos líderes religiosos, primeiro dos líderes católicos e depois dos líderes da comunidade muçulmana. Conseguimos até formar uma aliança entre os dois grupos religiosos em uma campanha conjunta contra o HIV/AIDS. E chegamos a reuni-los com especialistas da área médica. Atualmente temos folhetos informativos sobre o uso de preservativos que incluem versos do Corão e citações da Bíblia. Promovemos o uso de preservativos e, como resultado, o número de preservativos distribuído aumentou de 500.000 em 1988 para 6 milhões em 1996 e chega a 9 milhões hoje.

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Outro fator importante na nossa campanha contra o HIV/AIDS foi a liderança que recebemos no nível presidencial. Em 1986, quando nos reunimos pela primeira vez com nosso Presidente para falar sobre HIV/AIDS, ele disse que nos apoiava totalmente e que iria aprovar nossas propostas. E o atual Presidente demonstrou o mesmo tipo de participação. Na verdade, ele pediu nosso assessoramento mesmo antes de tomar posse. Ele é muito ativo e segue as orientações que recebe dos especialistas. Conseqüentemente, aumentou o orçamento para tratamentos anti-retrovirais. Com isso podemos dizer que tem havido uma continuidade nas políticas das nossas lideranças. Uma parte importante da nossa estratégia tem sido um processo de monitoramento e avaliação. Desde o início, sabíamos que seria impossível combater o HIV/AIDS de outra forma. Portanto precisávamos de vigilância e avaliações. Além disso, investimos um esforço enorme em programas de prevenção e de pesquisa operacional. Nos anos oitenta, trabalhamos com nossos amigos do Quênia e com o IMT para melhor entender as ligações entre o HIV/AIDS e outras doenças sexualmente transmitidas. Os senhores devem se lembrar do exemplo da Tanzânia no qual demonstramos que, com um tratamento adequado, era realmente possível reduzir o número de casos de HIV/AIDS em 42%. Também conduzimos algumas pesquisas fundamentais sobre tratamentos anti-retrovirais em estreita colaboração com a Agência Nacional Francesa de Pesquisa sobre AIDS, e eu posso afirmar que muitas pessoas não acreditavam nesse empreendimento na época. Estou feliz por ver que atualmente várias instituições apóiam tratamentos anti-retrovirais. Convencê-las ainda era um desafio em 1998. A UNAIDS fez um estudo sobre tratamentos anti-retrovirais em Uganda e no Brasil, mas fomos nós que iniciamos o primeiro projeto de pesquisa governamental que demonstrou a tolerância e a viabilidade desses tratamentos. Com o apoio da UNAIDS, representei meu governo nas primeiras negociações que tivemos com empresas do Egito. Como resultado, vimos um aumento de 90% nos tratamentos anti-retrovirais nos países africanos. É importante falar sobre esses resultados porque algumas pessoas não estavam dispostas a incluir essa abordagem. Tivemos que nos reunir com Kazatchkine, a UNAIDS e a OMS antes de podermos emitir um documento que apresentava os tratamentos anti-retrovirais. A questão era como desenvolver uma estratégia global de sucesso. Encontramos a resposta no Senegal. O primeiro caso de HIV apareceu 1986. Em resposta, criamos o Comitê Nacional para AIDS em outubro de 1986. Isso foi antes de 1987, quando Jonathan Mann e a OMS pediram que os países criassem comitês nacionais. Desde o início, tivemos o apoio total do nosso Chefe de Estado e do nosso Chefe de Governo. Com o apoio da França, criamos um orçamento para controlar a segurança dos suprimentos de sangue dentro do território nacional. Isso foi importante porque nossa opinião era que o governo deveria primeiro assumir suas próprias responsabilidades antes de dizer às pessoas para se protegerem da AIDS. Infelizmente, até 1992, 80% dos países africanos não estavam fornecendo os mesmos níveis de padrões de segurança do sangue. Desde o início, acreditamos que era necessário aumentar nossos esforços. Tínhamos a ajuda de especialistas médicos, mas também queríamos incluir a sociedade civil e os líderes religiosos. Em nenhum momento essa tarefa foi fácil, mas nos anos de 1992 a 1994, conseguimos organizar um encontro pan-africano destinado a melhorar as relações entre os governos e a sociedade civil. Para conseguir isso, não podíamos excluir os grupos religiosos e as escolas do debate.

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Outro fator importante da nossa campanha foi assegurar a continuidade da nossa abordagem de gestão. Estamos administrando a estratégia contra a AIDS como uma equipe desde 1986, e quando novas pessoas se juntam a nós, asseguramos a continuidade da nossa abordagem geral. No Senegal, não tivemos uma grande rotatividade dos gestores dos programas porque tínhamos dinheiro suficiente disponível. Acredito que as pessoas só são convidadas para sair quando não existem recursos suficientes. Portanto, para nós a manutenção da continuidade da gestão tem grande importância. Em coordenação com o PNUD, a sociedade civil e os governos nacionais, criamos um fórum de parcerias em 1988 denominado "Comitê Misto de Parceiros sobre a AIDS". Alguns anos depois de termos estabelecido, em conjunto com a UNAIDS, grupos de especialistas em diferentes áreas que estavam sendo tratadas, propusemos que a UNAIDS fosse um contribuidor dinâmico desse fórum de parcerias. E hoje estamos bastante envolvidos no Mecanismo de Coordenação do Fundo Global para Países (CCM - Country Coordinating Mechanism), que enfoca três doenças: tuberculose, malária e HIV/AIDS. Além disso, trabalhamos com os comitês nacionais contra AIDS. Entretanto, freqüentemente nos perguntamos: deveríamos ter um CCM especial como parte integrante desses comitês nacionais e ministérios da saúde? Afinal, quando pensamos em mecanismos de intervenção, precisamos nos lembrar de adaptá-los às circunstâncias no nível do país porque o que funciona para um país nem sempre funciona para outro. Segundo período – de 2000 a 2004 Agora vou falar sobre o segundo período, de 2000 a 2004, durante o qual realizamos a Cúpula de Longas em 2001. Nessa ocasião, conseguimos ter acesso aos tratamentos anti-retrovirais, que foi uma coisa nova para o Senegal. Atualmente os pacientes podem ter acesso a esses tratamentos, e estamos pensando em iniciar um programa abrangente que possibilitaria orientação e testes voluntários, bem como estratégias de prevenção da transmissão de mãe para filho. Até agora, isso tinha sido impossível porque simplesmente não podíamos oferecer nada às pessoas que haviam sido identificadas como soropositivas para HIV. Além das intervenções do ICC/CCC projetadas para a prevenção de DSTs, desenvolvemos uma estratégia de prevenção da transmissão de mãe para filho com base em um primeiro estudo-piloto. Agora estamos na fase de ampliação e três regiões já oferecem esses programas de prevenção. Quanto à orientação e testes voluntários – lançamos esses testes pela primeira vez em 2001 e agora existem dez centros que oferecem esse serviço. Como o governo demorou um pouco para implementar esses programas, várias ONGs decidiram assumir a iniciativa, de modo que a maioria desses centros agora é administrada por ONGs. Decidimos implementar a orientação e os testes voluntários em um total de 45 laboratórios até o final do ano. Falando de acesso aos tratamentos – graças ao comprometimento pessoal do nosso Chefe de Estado, o acesso gratuito aos tratamentos anti-retrovirais está disponível desde janeiro de 2004. O orçamento do estado aumentou de US$500.000 em 1988 para US$1 milhão em 2000 e para US$1,5 milhão em 2001. Agora está em US$2,3 milhões. Além de nossos próprios esforços, contamos também com o apoio que recebemos do Banco Mundial para projetos e medicamentos, e do Fundo Global.

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Existem desafios e riscos associados com a epidemia de HIV/AIDS. Mas se não tivéssemos assumido o risco de oferecer os anti-retrovirais e mostrar resultados concretos, os tratamentos não seriam acessíveis a todos os países hoje em dia. Além disso, discussões como esta podem levar a outras declarações, que farão com que os Chefes de Estado se conscientizem de sua responsabilidade em participar e de fazer com que os governos administrem a implementação desses tratamentos. Os tratamentos de infecções oportunistas já são pagos pelo estado. Temos um grupo separado trabalhando em monitoramento e avaliação. Enquanto todos os parceiros envolvidos têm seus próprios grupos individuais de coordenação, nós temos um plano de coordenação que é usado por todos. Também é importante garantir que tenhamos apoio político contínuo do Chefe de Estado e do governo para que possamos continuar a ampliar nossas respostas em todos os setores. Mas o que podemos dizer sobre a nossa abordagem multissetorial é que agora temos planos implementados para a maioria dos setores vulneráveis: os setores de educação e saúde, para os jovens, as famílias e as mulheres, o exército, os trabalhadores e a sociedade civil como um todo, com financiamento do Banco Mundial. Expansão Acreditamos que seja importante obter apoio das lideranças não somente no nível político, mas também no nível da comunidade, a fim de expandir e descentralizar os tratamentos e os programas de prevenção. Porque se eles não forem funcionais no nível operacional, será mais difícil ver qualquer impacto. Um processo regular de avaliação também é um elemento importante de nossa estratégia. Grandes obstáculos surgem quando existe um conflito entre as lideranças, principalmente entre a comunidade médica e os outros setores. Como a comunidade médica lançou um apelo para o tópico da AIDS desde o início, surgem alguns conflitos quando ocorre o envolvimento de outros setores. Outro ponto problemático é que os dados epidemiológicos muitas vezes são insuficientes, principalmente para populações muito móveis e migrantes. Realizamos um estudo-piloto a fim de validar os resultados das populações móveis. Também temos estratégias implementadas para prostitutas e homossexuais, mas precisamos ser cuidadosos e discretos no contexto religioso predominante. Falta de capacidade Outro obstáculo é a nossa falta de trabalhadores na área médica. Com os diversos tratamentos e programas de acesso que temos em andamento, existe atualmente uma sobrecarga de trabalho. Alguns médicos nos deixam para trabalhar para organizações internacionais porque elas pagam mais. Mas também temos carência quanto ao comprometimento do setor privado. Podemos dizer que estamos avançando constantemente, mas ainda temos alguns atrasos que estamos tentando compensar. O estigma e a discriminação são outros obstáculos que prejudicam nossos esforços. Mas com o acesso aos tratamentos agora disponível, as associações para o HIV se tornaram muito mais visíveis. Além de promoverem estratégias como o CVD e a prevenção da transmissão de mãe para filho, elas também ajudam efetivamente na luta contra o estigma e a discriminação.

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Conclusão Em resumo, os fatores que contribuem para o nosso sucesso são: primeiro, uma resposta multissetorial e ampla, que deveria se basear em parcerias entre a sociedade civil e os líderes religiosos, bem como entre a comunidade médica e os atores de outros setores, como o Ministério da Educação, Família e Juventude. Ao mesmo tempo, precisamos assegurar a continuidade da nossa abordagem porque, de outra forma, a epidemia continuará a se espalhar. Segundo, precisamos de tratamentos médicos para infecções sexualmente transmitidas e segurança do sangue, portanto é essencial termos uma equipe médica bem-treinada e acesso gratuito aos testes e tratamentos anti-retrovirais. Precisamos estender esse acesso gratuito ao CD4 e às cargas virais. Soube que o preço de um tratamento no Brasil era de US$1.600 ao ano, mas acho que no Senegal os preços para um tratamento triplo incluindo CD4 e anti-retrovirais varia entre US$500 e 1.000 por ano. Finalmente, a pesquisa operacional é fundamental para os nossos esforços. É por isso que cooperamos com nossos amigos do INRS e de outras instituições.

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Apresentação da Sra. Katy Cisse Wone, Senegal Os grandes desafios que enfrentamos são encontrar formas de superar os obstáculos que o Dr. Ndoye mencionou anteriormente. O principal obstáculo é, com certeza, a descentralização e a expansão de nossos esforços. Em outras palavras, como transformar as diferentes experiências-piloto que tivemos no nível central e replicá-las para cobrir todo o território nacional. Implementar toda a série de atividades relacionadas ao tratamento e cuidado representa agora um grande desafio para o Senegal. Hoje, o acesso aos tratamentos anti-retrovirais abrange a maioria das regiões. O programa de prevenção da transmissão de mãe para filho ainda não atingiu o nível ideal, mas estamos em vias de descentralizar esse serviço. A orientação e testes voluntários continuam a ser um grande desafio especialmente devido às baixas taxas de prevalência. Isso levanta a questão de qual seria a melhor maneira de encorajar as pessoas a serem testadas quando não sentem a urgência de fazê-lo. Em geral, eles racionalizam que, com uma taxa de prevalência de apenas 1%, eles não correm risco de fazer parte desse 1%. Continuamos a encorajar as pessoas, mas acho que as pessoas estão de um modo geral relutantes em fazer o teste, e esse é um dos maiores obstáculos no Senegal. Podemos oferecer centros para testes, mas as pessoas precisam visitá-los. Portanto, a taxa real de testes voluntários precisa aumentar para que nós possamos reduzir o número de pacientes que aparecem com os sintomas da doença. Também precisamos definir estratégias eficazes de comunicação. Como não havia resposta terapêutica ao HIV/AIDS, foi difícil promover orientação e testes voluntários. Nós ainda precisamos de uma política de comunicação eficiente para promover a disponibilidade de ARVs. E acima de tudo, precisamos comunicar as vantagens de estar consciente da condição sorológica. Quanto à questão do cuidado, precisamos abordar os problemas que as pessoas com HIV encontram, como problemas nutricionais e as dificuldades de encontrar e praticar atividades geradoras de renda. O outro grande desafio é a prevenção. Tínhamos uma política focada na prevenção e no cuidado. O sucesso do Senegal está realmente baseado em um bom equilíbrio entre essas duas questões. Porém, com relação à prevenção, o desafio é criar uma resposta no âmbito comunitário, incluindo nas regiões mais remotas do Senegal, que até agora não viram intervenções na luta contra o HIV. É por isso que daremos uma maior ênfase às comunidades rurais. 60% da população vivem em áreas rurais, portanto, é crucial direcionar nossos esforços a essas áreas rurais e definir estratégias que forneçam acesso às populações locais. Quando observamos a distribuição dos fundos disponíveis do Senegal, devemos nos sentir encorajados a focalizar mais as áreas rurais porque 65% de nossos recursos vão para o âmbito comunitário, enquanto somente 15% de nossos fundos disponíveis são alocados no âmbito nacional e 20% no âmbito regional. Quando falamos em obter uma resposta da comunidade, devemos concentrar nossos esforços no trabalho com as principais organizações comunitárias locais: as ONGs, as associações de mulheres, as associações de jovens, etc. No Senegal, temos uma rede de associações muito densa, e essa rede existe desde os primeiros anos da independência. Essa rede de associações foi estabelecida com o

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Presidente Senghor, e o que fizemos foi direcionar a dinâmica de um já existente tecido social e político para lutar contra o HIV. Portanto, o desafio de hoje é saber como reunir todas as organizações de desenvolvimento, como agricultores e associações culturais, para lutar colaborativamente contra HIV/AIDS. É claro que nem toda organização pode se especializar na luta contra HIV/AIDS, mas acho que há uma outra expressão apropriada em inglês que capta a essência do que é necessário, essa expressão é mainstreaming. Como levar essas associações a se engajarem na luta contra HIV/AIDS em suas atividades diárias? Como esse é um dos grandes desafios enfrentados, tentamos interagir diretamente com todas essas organizações básicas tanto quanto possível. Como já foi dito, é um grande desafio implementar orientação e testes voluntários em larga escala. Existe um estudo recentemente publicado, mencionado anteriormente pelo Dr. Ndoye. É um estudo-piloto de segunda geração que focalizou pessoas que se deslocam com freqüência, como motoristas de caminhão, pescadores e militares. Esse estudo confirmou mais uma vez a taxa de prevalência muito baixa desses grupos específicos. Contudo, embora a taxa de prevalência de HIV tenha sido de apenas 0,5%, a taxa de doenças sexualmente transmissíveis (DST) era muito alta entre esses grupos. Uma das recomendações feitas nesse estudo foi a de que as políticas de comunicação e de prevenção deveriam focalizar o aumento da conscientização geral sobre as DST, considerando sua manifestação e relação direta com o HIV/AIDS. Agora falaremos sobre os grupos mais vulneráveis: Como disse Peter Piot, hoje uma resposta eficiente ao HIV/AIDS tem que ser uma resposta global. E um dos principais grupos que devemos integrar em nossas estratégias é o de homossexuais. Mas como fazemos isso? Nesse contexto, estamos encontrando tensões entre a lógica simples da política de saúde pública e o tom refletido na opinião pública e atitudes sociais gerais. Embora não possamos correr o risco de excluir um grupo por causa de convicções políticas e morais, também não podemos ignorar preocupações da sociedade. Quando começamos a trabalhar com jovens homens homossexuais, observamos um discurso militante emergente. O grande desafio é criar uma forma de trabalhar efetivamente com esse grupo sem provocar a ira de pessoas religiosas e da sociedade como um todo. E temos que encontrar um equilíbrio entre os interesses das comunidades religiosas e das comunidades científicas, assim como do público em geral, sem questionar o trabalho feito durante mais de 18 anos. Esse é um problema que ainda enfrentamos. Agora trabalhamos com homossexuais de uma forma distinta. No entanto, ainda temos que definir estratégias mais claras e sistemáticas. Os consumidores de drogas são outro grupo vulnerável. O uso excessivo de drogas não é um grande problema no Senegal. Mas enquanto existir, será mais uma porta aberta para o vírus. Também precisamos levar em conta as drogas pesadas que estão sendo consumidas. Esse é um novo fenômeno, apesar de não ser muito significativo. Outro grupo vulnerável é a população que vive nas áreas de conflito. O Senegal é uma democracia. É um país com um sistema político estável. Mas nós temos uma área de conflito chamada Casamance, que se encontra em conflito há mais de 20 anos. Casamance é uma das áreas com as mais altas taxas de prevalência de HIV/AIDS, e é importante criar estratégias para aqueles que vivem em áreas de conflito.

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Presidiários e profissionais do sexo formam outro grupo vulnerável. Em dado momento, discutimos sobre a possibilidade de disponibilizar preservativos nas prisões. Mas as pessoas reagiram alegando que isso poderia ser um problema pois equivaleria a um endosso oficial da homossexualidade nas prisões. Portanto, não foi fácil falar publicamente sobre a disponibilização de preservativos nas prisões. Também necessitamos de uma estratégia nacional para órfãos e crianças vulneráveis. Está sendo realizado um workshop em Dakar para definir um plano estratégico nacional que levaria em conta os problemas enfrentados por órfãos e crianças vulneráveis. Também é de suma importância estabelecer uma estratégia nacional para aqueles que já vivem com HIV. Que tipo de serviços comunitários seriam viáveis para as pessoas que vivem com HIV? Quando falamos sobre suprimentos nutricionais, reforços nutricionais, atividades geradoras de renda, ou bolsas escolares para órfãos, o que precisamos considerar? Claramente, precisamos de uma estratégia nacional bem definida para isso. Outro problema que enfrentamos é a feminização da epidemia. Embora observemos as mesmas causas produzindo os mesmos efeitos tanto em homens como em mulheres, ainda temos baixas taxas de prevalência entre as mulheres. Contudo, observamos uma preocupante tendência para a feminização da epidemia. Realizei um estudo em colaboração com a UNEFEM que demonstrou claramente que o número estimado de mulheres infectadas no Senegal aumentou em um fator de 4 durante um período de 14 anos, enquanto para homens esse fator não chegou nem mesmo a 2. Portanto, nós realmente precisamos introduzir uma dimensão de gênero em nossa luta nacional contra a AIDS. As atividades internacionais também precisam ser abordadas. Poderia o Senegal continuar a ser uma ilha de sucesso e baixa prevalência enquanto seus vizinhos observam as taxas de prevalência aumentarem? Um problema que temos em nosso país de baixa prevalência é que a maior parte das organizações comunitárias e ONGs não participam de atividades de cuidados. Elas são mais especializadas em prevenção e comunicação. Mas com relação às atividades de cuidados especificamente, há uma enorme lacuna. Precisamos de mais e mais ONGs especializadas em cuidados porque estamos mudando para a descentralização e expansão de tratamentos, e o sistema de saúde pública existente não será capaz de enfrentar essa demanda. Por isso que é importante que as ONGs e associações comunitárias participem desse processo. É por esse motivo também que precisamos de uma parceria melhor entre as ONGs e a comunidade médica. Atualmente, há alguma relutância de ambos os lados, e devemos começar a criar base para uma parceria. Dr. Ndoye já falou sobre estigma e discriminação. Mas também precisamos de uma estrutura legal para tratar de todas essas questões especificamente, mesmo que já existam disposições legais no Senegal que protejam pessoas com HIV. Nesse caso, não devemos elaborar leis quando temos um dispositivo legal que leva em conta os diferentes problemas relacionados às violações das leis. Qual poderia ser então o papel do setor privado? Geralmente encontramos problemas de adesão. A maior parte dos setores públicos, com a notável exceção do setor de saúde, tem problemas para assumir responsabilidade porque estão convencidos de não terem nenhum participação.

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Existem problemas de coordenação entre parceiros e com suas intervenções. Quem deve coordenar? Qual a melhor forma de manter uma visão geral financeira? Qual a quantidade de dinheiro que entra no país? Como é usado e distribuído? Quem são os atores no lado beneficiário? É possível pensar em uma cesta comum de recursos para todos os parceiros envolvidos? Também precisamos de um sistema de monitoramento e avaliação operacional porque certamente somos capazes de implementar um bom esquema, mas depois precisaremos testá-lo na prática e verificar como podemos reunir dados com o objetivo de informar todos os sistemas. Portanto, vamos enfrentar esse desafio juntos. Muito obrigado. Perguntas para Dr. Ibra Ndoye e Mme. Katy Cisse Wone, Senegal P. De um dos participantes da mesa-redonda da tarde Gostaria de saber mais sobre as duas fases. Quais são as vantagens adicionadas que o senhor pôde verificar ao mudar da fase um para a fase dois? Porque eu sei que na maioria dos países africanos tem sido essa a tendência. E em segundo lugar, gostaria de saber quais são os principais desafios que o senhor enfrentou para coordenar esses recursos? R. Dr. Ibra Ndoye Tenho alguns comentários a fazer sobre a iniciativa do governo voltada para as pessoas que vivem com HIV no país. Conforme disse em minha apresentação, temos duas fases. Na primeira, não tivemos tratamento. Nesse período, as pessoas com HIV são estigmatizadas e discriminadas pela sociedade em que vivem. Mas obtemos melhores resultados com relação ao estigma e discriminação quando as pessoas que vivem com HIV têm acesso a tratamento. Desde essa época, as pessoas que vivem com HIV são parceiros reais dos programas nacionais de combate à AIDS. Eles estão envolvidos como atores, e criaram redes não apenas no âmbito nacional, mas agora também em nível descentralizado criaram redes regionais. Um momento importante foi dezembro passado quando organizamos a conferência internacional de cuidados domiciliares. Essa conferência resultou em uma redução de estigma e discriminação porque promovemos muitos debates televisivos. E desenvolveremos estratégias para reduzir o estigma e a discriminação. Mas acredito que estigma e discriminação sejam uma das conseqüências da ignorância. Acho que é um desafio para a maioria dos países africanos. A doença torna-se crônica, e as pessoas infectadas continuam suas atividades na força de trabalho onde o estigma e a discriminação são prevalentes, e onde precisamos de uma campanha pública para eliminá-los. Os estudos que fizemos mostram as mesmas tendências em áreas urbanas e rurais. P. SECO (DFE), Berna Tenho uma pergunta – o senhor poderia fazer uma comparação com o que se comenta sobre o Brasil? Você tem dados sobre os resultados, como taxas de infecção, mortes evitadas, taxas de sobrevivência? Em sua opinião, quais têm sido as economias realizadas? Foi realizada alguma análise de custo-eficiência? E na estratégia nacional, havia vínculos com uma eventual estratégia de redução da pobreza? R. Ao contrário do Brasil, não temos esse tipo de estudo preciso, mas seria bom reunir esses dados. Com relação às mortes, hoje, por meio do acesso ao tratamento, somos capazes de evitar de 70 a 80% das mortes que havia antes.

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P. WIPO Os delegados falaram sobre a falta de comprometimento do setor privado, e eu não compreendi bem em que aspecto não havia comprometimento do setor privado. R. A intervenção do setor privado começou em 1994, mas só temos cerca de 10 empresas das 100 que gostaríamos de ter. O Ministério do Trabalho começou uma campanha de conscientização no âmbito do sindicato e dos empregadores. Por exemplo, a Nestlé começou uma campanha semana passada voltada para seus empregados. P. ONG, Genebra Minha pergunta diz respeito ao Governo senegalês. Quais são suas contribuições e como isso tudo é coordenado? R. Do comitê nacional, que é coordenado pelo Ministério da Saúde, as vantagens são a adesão e respostas de outros setores. Não é fácil no início porque cada setor acredita que sua responsabilidade foi usurpada. O gerente do programa precisa ter muita diplomacia e um bom senso de colaboração com o Ministério da Saúde. É essencial que haja uma relação próxima entre o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de AIDS para evitar conflitos. É importante no âmbito nacional manter uma boa coordenação de todos os financiamentos (Fundo Global, Banco Mundial e outros fundos bilaterais) com o governo, para evitar a sobreposição de intervenção e financiamento. Todos os doadores têm de trabalhar juntos no planejamento e implementação de programas. Metade do orçamento para AIDS vem do programa de redução da pobreza por meio do Ministério das Finanças. P. Franciscans International, Genebra Participei no ano passado, na França, de um seminário organizado por líderes religiosos a respeito do tratamento da AIDS. Quando a religião se envolve no tratamento da AIDS, os pacientes infectados geralmente tendem a focar questões metafísicas, preferindo depositar confiança na fé e recusando tratamento. Gostaria de saber se os senhores têm esse problema no Senegal, se há pessoas que recusam o tratamento por motivos religiosos. Minha segunda pergunta é sobre a ação sub-regional. Acho que o Senegal é um país muito atraente e muita gente o visita. Portanto, ao focalizar suas ações no âmbito nacional e em países vizinhos, não poderíamos provocar efeitos inconvenientes? R. Os grupos religiosos têm uma parceria com os médicos agora. Por exemplo, temos ONGs religiosas que nos ajudam com o fornecimento de médicos. Com respeito às ações sub-regionais, a migração é um grande problema. Atualmente estamos trabalhando com nossos vizinhos em Mali, Mauritânia e Guiné em colaboração com a UNAIDS para ter acesso aos tratamentos anti-retrovirais. Com a iniciativa "Saúde pela Paz" entre o Senegal e seus vizinhos, trabalhamos com a UNAIDS para realizar ações eficazes em termos de prevenções e tratamento entre países da sub-região. P. Universidade de Genebra Na apresentação, o senhor focalizou o envolvimento da sociedade civil, destacando principalmente as ONGs nacionais e a sociedade civil nacional. A pergunta é: o senhor poderia explicar melhor e dar mais detalhes sobre a participação das ONGs internacionais, como elas contribuem e se elas são consideradas nessas respostas?

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R. Não há discriminação entre as ONGs estrangeiras e as ONGs nacionais. Algumas ONGs estrangeiras me procuraram dizendo que uma vez que seu país estava financiando recursos, eles queriam obter benefícios. Acho que não podemos dar prioridade a esse tipo de exigência. Nós damos prioridade para ONGs que intervêm diretamente no país. Por exemplo, temos a Parceria Internacional contra a AIDS em Londres com uma antena em Dakar com a qual trabalhamos. Ou seja, somos receptivos àqueles que agregam valor. P. Universidade de Beran, Consultor da União Africana Minha pergunta também diz respeito à discriminação, porém está mais relacionada às pessoas afetadas pelo HIV que vivem no Senegal. Como elas têm sido tratados pela sociedade no Senegal e como são integradas na força de trabalho? Como as pessoas fazem elas se sentirem? Há iniciativas específicas do governo para tornar essas pessoas membros da sociedade assim como eram antes de contrair o HIV? Segunda pergunta: dada a aceitação da sexualidade como um negócio, conforme o senhor já mencionou, que influência isso tem sobre o HIV uma vez que está relacionado à transmissão sexual? Existem registros sobre a tendência de aumento de pacientes rurais e urbanos infectados pelo HIV? R. Somos contra a discriminação e a estigmatização de pessoas que vivem com HIV. Desde o início da epidemia adotamos uma lei para evitar a discriminação e a estigmatização. Temos um sistema de acompanhamento dos profissionais do sexo. 50% deles não são senagaleses, e 12% dos profissionais do sexo são soropositivos. Nós mantemos essas pessoas em nosso país e cuidamos deles como senegaleses. Comentários sobre o debate Missão etíope para as Nações Unidas Gostaria de saber mais sobre a experiência brasileira, especialmente sobre a intensa participação da sociedade civil em todas as tomadas de decisões; a participação da sociedade civil como uma parceria bastante decisiva também funcionou eficazmente na Etiópia. Hoje, nosso principal desafio é a extrema pobreza e uma população de 60 milhões de pessoas. UNAIDS Estamos procurando estudos de casos que demonstrem que o tratamento pode ajudar a aumentar a prevenção. Seria o Brasil capaz de demonstrar que, com a expansão do tratamento por meio de acesso universal, a incidência cairia? E se o senhor seria capaz de demonstrar que, tendo analisado o mecanismo em detalhes, o que realmente contribuiu para isso? Federação internacional dos assistentes sociais. Duas áreas de interesse. A primeira: faz-se muito uso da mídia, filmes ou televisão para a possível prevenção da estigmatização de pessoas doentes? Porque eu acho que essa é uma ferramenta muito poderosa, especialmente no Brasil, onde filmes e novelas têm grande influência. Sei que isso não é muito importante em países onde a maioria vive em áreas rurais, mas é importante para as áreas urbanas. Segunda idéia: o que dizer da poligamia no Senegal, onde a grande maioria é de mulçumanos? Por um lado, dizem que é melhor que haja poligamia, pois dessa forma as relações sexuais são praticadas em família, portanto, os homens não precisam freqüentar bordéis. Mas por outro lado, em vez de infectar apenas uma esposa, infecta-se quatro.

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Um participante Gostaria de destacar a importância da conscientização. Acredito que na maioria dos países em desenvolvimento, especialmente nas áreas remotas, as pessoas jamais ouviram falar de HIV e de como cuidar dele, portanto essa é uma questão importante que precisa de atenção especial nos países em desenvolvimento. E a outra coisa que eu gostaria de mencionar é a Declaração Doha e, especificamente, o acesso aos medicamentos e à proteção dos medicamentos nos países em desenvolvimento a preços especiais. Acho que isso pode ser feito por meio de iniciativas regionais como essas que mencionei anteriormente, como por exemplo, negociação com empresas farmacêuticas. Esses países que pertencem a uma organização regional, por exemplo, a União Africana, poderiam estabelecer um acordo com as empresas, e beneficiarem-se de remédios e preservativos a preços especiais. Mme Katy Cisse Woné (Senegal) Gostaria de fazer mais um comentário sobre a poligamia. Realizei um estudo durante dois anos com pacientes portadores de HIV/AIDS hospitalizados. O estudo abrangeu um período de dez anos. E os resultados mostraram claramente que a maior parte dos homens infectados vinha de casamentos monogâmicos, e que entre os polígamos havia uma prevalência muito baixa. O problema é que as organizações de mulheres no Senegal não querem ouvir esse tipo de informação. Elas me pediram que não publicasse os resultados, pois acreditavam que isso poderia encorajar os mulás a defender a poligamia. Foi um verdadeiro dilema para nós. Mas o estudo mostrou claramente que o risco era mais alto entre casais monógamos. Um participante A questão de fornecer suplementos nutricionais para os pacientes é um grande desafio. Os medicamentos são realmente fortes e é necessário estar bem alimentado para suportar a presença dessas drogas no organismo. Gostaria de conhecer a experiência do Brasil com relação ao assunto. Srta. Meskerem Grunitzky-Bekele – Resumo sobre Brasil e Senegal O que posso concluir da sessão dessa manhã, das experiências do Brasil e do Senegal, do que temos visto e aprendido é que o essencial é o seguinte: liderança de alto nível, resposta rápida à epidemia de HIV, um equilíbrio entre prevenção e tratamento desde o início e também a participação da sociedade civil. Uma outra coisa que aprendemos é sobre a necessidade da estrutura de um órgão nacional para responder e coordenar. Os Ministérios da Saúde estão muito envolvidos. O Brasil continua a implementar dessa forma, e o Senegal está experimentando trabalhar em altos níveis visando obter uma resposta multissetorial. Essa é a vantagem comparativa dessa nova estrutura. Os dois disseram que há mais atores, mais fundos e mais iniciativas, o que traz mais oportunidades, mas, ao mesmo tempo, muitos desafios. E o Senegal mencionou especialmente os problemas da coordenação de diferentes iniciativas, mas também o desafio da descentralização, participação da comunidade, e levantamento de fundos no âmbito comunitário. Além disso, o problema das questões internacionais e a capacidade humana de responder à epidemia, especialmente no setor de saúde do Senegal.

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Vimos também que os dois países estão envolvidos no apoio à pesquisa sobre o impacto do acesso aos anti-retrovirais, mas também sobre a resistência dos medicamentos. O Brasil tem experiência na produção de medicamentos genéricos no âmbito nacional e na condução de estudos que tenham analisado o impacto de todas essas intervenções: custo-efetividade da prevenção e também dos cuidados. Portanto, aprendemos bastante; aprendizado que, esperamos, seja complementado pelas experiências de Uganda e Tailândia. Dr. Somyot Kittimunkong – Tailândia Perfil do país Gostaria de iniciar a apresentação com algumas informações do histórico sobre o HIV/AIDS na Tailândia. O número de pessoas infectadas pelo HIV aumentou em cerca de 1 milhão desde que a epidemia surgiu em 1984. O número de pessoas que ainda vivem com HIV/AIDS é de cerca de 600.000. Os primeiros casos que vimos foram entre homossexuais. Depois, detectamos infecções entre usuários de drogas e prostitutas, seguidas por infecções em homens com vários parceiros, assim como homens que tinham relações sexuais com prostitutas. Depois disso, a infecção disseminou-se entre mulheres grávidas e crianças, e agora o problema afetará cada vez mais nossos jovens e populações móveis, se não fizermos nada. Portanto, gostaria de mostrar o número de casos de AIDS relatados nos últimos 20 anos. Os riscos de infecções nesses grupos estão vinculados à transmissão sexual. Felizmente, temos visto menos casos nos últimos dez anos. O que tentamos fazer no passado não foi somente fornecer preservativos, mas também oferecer educação, fortalecer nossos serviços de DST, além de outras coisas. O uso de preservativos não atinge ainda 100%, mas desde que começamos a promovê-lo, verificamos menos casos de DSTs. Em contrapartida, verificamos um aumento no número de casos de HIV/AIDS. Após implementarmos o sistema de soroprevalência para profissionais de sexo diretos e indiretos verificamos que a tendência foi positiva e que surgiram menos problemas com novas infecções. Também implementamos o sistema de soroprevalência para gestantes, homens alistados no serviço militar e suprimentos sangüíneos, o que mostrou resultados semelhantes. Além disso, introduzimos um programa de prevenção de transmissões de mãe para filho. Tomados em conjunto, esses exemplos mostram que temos observado algum sucesso na redução do número de novos casos pediátricos de AIDS. Gostaria de fornecer alguns detalhes sobre a evolução da comissão de AIDS e compartilhar nossa estratégia com os senhores.

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Organização Identificamos o primeiro caso de HIV/AIDS em 1984. Em 1987, lançamos o projeto de prevenção e controle sob o patrocínio do Departamento de Controle de Doenças Transmissíveis. Depois disso, percebemos que ocorreram mais problemas, portanto, em 1989, ajustamos nossa estratégia e estabelecemos a Comissão Executiva de Controle e Prevenção de AIDS, presidida pelo secretário permanente do Ministério da Saúde Pública. Em 1990, mudamos para a Comissão de Consultoria sobre o Projeto de Prevenção e Controle de AIDS, que era presidida pelo Ministro da Saúde Pública. Desde o início, sabíamos que o problema do HIV/AIDS não era somente um problema de saúde, e por isso buscamos cooperação com outros setores. Em 1991, estabelecemos uma subcomissão sobre cooperação com outros setores públicos e privados e criamos a Divisão de AIDS do Departamento de Controle de Doenças Transmissíveis. Após o golpe de estado de 1991, um novo governo tomou posse, demonstrando um forte compromisso com relação à luta contra o HIV/AIDS. Em 1992, também tivemos uma Comissão de Prevenção e Controle de HIV/AIDS no âmbito municipal e estadual, presidida pelo governador. Portanto, nessa época, começamos a criar um sistema abrangente no âmbito nacional, estadual e local. Esta é a organização que temos hoje. Ela inclui coordenação vertical e horizontal em todos os níveis. Gostaria de falar sobre o ex-ministro Mechai Viravaidya e o ex-Primeiro-Ministro Anand Panyarachun. Ambos demonstraram um forte compromisso na luta contra o HIV/AIDS. Dr. Mechai Viravaidya disse: Eu o convenci (Ex-Primeiro-Ministro Anand Panyarachun) a presidir a Comissão Nacional de Prevenção e Controle da AIDS, não o Ministro da Saúde Pública. Os ministros não são os mais poderosos, eles não podem exigir total cooperação dos outros, e não podem solicitar alterações no orçamento – mas o Primeiro-Ministro pode”. Portanto – se o senhor perguntar os motivos que levaram a Tailândia a obter sucesso no combate à AIDS, no topo da lista estaria o compromisso político. Quando mudamos a estrutura da comissão nacional de AIDS durante um período em que o Primeiro-Ministro presidiu a comissão, integramos o plano nacional de combate à AIDS ao plano de desenvolvimento de cinco anos do país, e também recebemos mais recursos financeiros destinados à luta contra o HIV/AIDS. Se levarmos em consideração a assistência e o financiamento estrangeiros, o Governo Real Tailandês gastou muito dinheiro em programas de combate ao HIV/AIDS após 1991. Antes de 1992, somente o Ministério da Saúde Pública obtinha orçamento para programas de HIV/AIDS, ao passo que de 1992 em diante, todos os ministérios envolvidos também obtiveram fundos. Iniciativas da comunidade O dinheiro também é usado para apoiar iniciativas comunitárias em ONGs. Com isso, o ministério e as ONGs passam a compartilhar encargos e responsabilidades no combate ao HIV/AIDS. O orçamento para várias ONGs aumentou a cada ano desde que o governo tailandês começou a apoiá-las de 1992 até 2004. Mas em 1997, quando enfrentamos problemas relacionados à crise econômica na Ásia, fomos forçados a cortar o orçamento. Mas nos últimos quatro anos, a soma de dinheiro alocada pelo governo para as ONGs tem sido em torno de 70 milhões de bahts.

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Gostaria de falar sobre as iniciativas de cuidados médicos em domicílios e comunidades que temos implementado em projetos-piloto nas províncias do norte da Tailândia, incluindo Chiang Mai, Lamphun, Chiang Rai e Payao. Muitas dessas iniciativas foram lançadas pelas ONGs no início da epidemia de HIV/AIDS em nosso país. Embora tenhamos verificado algum sucesso em nosso trabalho com ONGs, os grupos de pessoas que vivem com HIV/AIDS em nossas províncias do norte aumentam a cada ano, desde 1993. Nas regiões do norte da Tailândia surgiram vários casos de HIV/AIDS. Campanhas de comunicação Após 1991, tivemos muitas campanhas veiculadas pelos meios de comunicação de massa. Por isso tivemos tanto sucesso. As estações de rádio e TV são controladas pelo governo, portanto quando o governo decide divulgar informações sobre HIV/AIDS, é fácil. Acho que temos uma boa infra-estrutura. Mesmo que a transmissão seja em preto e branco, muitas pessoas podem receber informações sobre HIV/AIDS. Aqui temos outro fator – quando queremos promover o uso de preservativos, é útil que a Tailândia já tenha campanhas de planejamento familiar há muito tempo, mesmo antes de surgirem os problemas com HIV/AIDS. Por causa disso, a sociedade tailandesa é mais aberta à promoção e uso de preservativos. Quando pensamos nos elementos de uma estratégia abrangente de combate ao HIV/AIDS, o mais importante deles pode ser a informação. Precisamos de informações sobre a doença, precisamos saber quando ela começa, como interromper sua disseminação, como tratar e curar pessoas. Precisamos usar esse tipo de informação como base para nossas estratégias. O segundo elemento de uma estratégia de sucesso diz respeito a nossa forma de pensar. Mudamos nossa opinião e nosso paradigma. O HIV/AIDS não é somente um problema de saúde. Há outros componentes de natureza social e econômica, com os quais devemos lidar. O terceiro elemento sobre o qual gostaria de falar é a visão que temos de parcerias bem-sucedidas. Sabemos que a doença tem várias faces e problemas, portanto temos que trabalhar em conjunto para encontrar soluções para a redução dos efeitos negativos do HIV/AIDS. É por isso que temos a Comissão Nacional de AIDS, a Subcomissão e a Comissão de AIDS nos âmbitos municipal e estadual. Queremos que outros grupos e setores participem do processo decisório e que planejem suas próprias estratégias para combater a AIDS de forma eficaz em suas comunidades locais. Portanto, para superar os principais obstáculos e formular estratégias eficazes, um dos aspectos mais difíceis é persuadir diferentes setores e pessoas a compartilhar uma visão comum e decidir quando lançar campanhas de HIV/AIDS. Em segundo lugar, temos que solucionar problemas econômicos e sociais e problemas associados ao estigma e à discriminação. Isso levou um indivíduo na Tailândia a denunciar que as pessoas não estavam morrendo em conseqüência do HIV/AIDS, mas devido ao isolamento social. Se as pessoas da comunidade não as aceitarem, como elas poderão viver nessa comunidade? Em terceiro lugar, é essencial que haja uma organização eficiente como a que temos, quando desejamos a cooperação de outros setores. Às vezes, é muito difícil solicitar a participação deles. E finalmente, precisamos priorizar a alocação de recursos. Durante a crise econômica em 1997, tivemos que fazer cortes em nossos orçamentos. Contudo, nos últimos três anos conseguimos recuperá-los.

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Obstáculos à implementação bem-sucedida Creio que esse modelo único não serve para todos, pois a Tailândia tem diferentes regiões geográficas. Nas regiões do sul da Tailândia, por exemplo, temos comunidades muçulmanas, por isso às vezes é difícil promover o uso de preservativos. Entretanto, temos vários grupos de organizações de jovens muçulmanos que trabalham conosco para promover estratégias educacionais. Ao implementar nossas estratégias, tentamos ser pragmáticos na seleção de nossos grupos-alvo e atividades de intervenção e assegurar sua acessibilidade e sustentabilidade. O que tentamos fazer no ano passado foi promover a instalação de máquinas de venda de preservativos em escolas e universidades. Na época, recebemos muitas críticas da mídia tailandesa. Muitas pessoas não concordaram conosco e fomos forçados a cancelar nosso projeto. Nossos oponentes argumentaram que se instalássemos máquinas de venda de preservativos em escolas e universidades estaríamos encorajando nossos jovens a praticar mais sexo. Conseguimos, no entanto, fornecer esse serviço para outros grupos, como o dos operários de fábricas. Gostaria apenas de acrescentar que quando tentamos promover máquinas de venda de preservativos, procuramos vendê-los com preço baixo. Para cada 5 bahts colocados na máquina, é possível comprar seis pacotes contendo dois preservativos cada. Em moeda local, isso dá cerca de um franco suíço para cada seis pacotes de dois preservativos. Ou em outras palavras, com um franco suíço é possível comprar doze preservativos. Isso é muito barato. Resumindo, se tivéssemos que explicar as fases pelas quais a Tailândia passou em sua luta contra o HIV/AIDS, acho que podemos dividi-las em três fases. A primeira é o programa de saúde de 1984 a 1990. A segunda fase foi nosso programa social de 1990 a 1996. E desde 1997, temos tentado cada vez mais envolver a sociedade civil em nossas atividades. Finalmente, gostaria de mencionar que seremos o país anfitrião para 15ª Conferência Internacional sobre AIDS em Bangkok de 11 a 16 de julho de 2004. Tenho certeza de que muitas pessoas nesta sala participarão desse evento. Antes da conferência também será realizado o evento “AIDS Competence Knowledge Fair” (Feira de Conhecimentos sobre a Competência em AIDS) em Chiang Mai nos dias 8 e 9 de julho. Será uma boa oportunidade para trocar idéias e experiências obtidas de respostas recentes ao HIV/AIDS que foram abordadas no mundo ou mesmo na impressa local. Dr. Tangcharoensathien Viroj – Tailândia Gostaria de compartilhar algumas experiências da Tailândia. Esta será uma apresentação breve sobre a experiência que tivemos com prevenção e tratamento de HIV/AIDS visando identificar os fatores que determinaram sucesso e fracasso. Em primeiro lugar, gostaria de destacar os legados de nosso sistema de saúde. Temos muita confiança na capacidade de nosso sistema de saúde, que forma a espinha dorsal de todas as intervenções na saúde pública. Gostaria de chamar a atenção para o fato de que nossos serviços de saúde abrangem uma área geográfica bastante extensa. Fornecemos serviços nos âmbitos submunicipal, municipal e estadual. Esse tipo de espinha dorsal é necessária para implementar e integrar programas de saúde pública bem-sucedidos, incluindo programas de AIDS.

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O segundo legado que eu gostaria de mencionar é o de recursos humanos. Há mais de três décadas, todos os médicos, dentistas e farmacêuticos recém-formados são obrigados a fornecer serviços às comunidades rurais por pelo menos três anos. Essa experiência forma a espinha dorsal do sistema. Temos 25 coortes de epidemiologistas competentes, treinados localmente durante um período de três anos pelo Ministério de Saúde Pública, e temos um adicional de 1.000 epidemiologistas trabalhando para o Ministério de Saúde Pública. Portanto, essa espinha dorsal é o ponto forte de nosso país. E finalmente, tem ocorrido muito pouca evasão de cérebros internacionais para os Estados Unidos e Europa. Todos os nossos peritos bem treinados voltaram para ajudar a pátria. Contudo, temos um problema de evasão de cérebros do setor público para o setor privado. O terceiro legado de nosso sistema de saúde é o financiamento da saúde. Temos um financiamento adequado destinado à população pobre e vínhamos privilegiando os pobres nos últimos 25 anos, antes da introdução da cobertura de saúde universal em 2001. Também temos um sistema nacional de saúde extenso, financiado pelos impostos e taxas baixas fixas de pagamentos – chamada de capitação. Por último, eu gostaria de mencionar nossas políticas de saúde e capacidade de pesquisa. Adquirimos bastante conhecimento local sobre como institucionalizar a pesquisa do sistema de saúde e a capacidade local, ou seja, sobre como integrar resultados de pesquisa a políticas e práticas. Nossa história de sucesso incluiu análise da política anterior, o que nos levou a criar o atual sistema de cobertura universal com base em um modelo de contrato de capitação. A seguir, eu gostaria de destacar três fatores que poderiam contribuir para a prevenção bem-sucedida do HIV/AIDS. Primeiro, e acima de tudo, está o compromisso político. A única parceria genuinamente efetiva é aquela baseada na cooperação intersetorial entre órgãos do governo e organizações não-governamentais. Temos financiamento disponível para apoiar atividades de ONGs, assim como financiamento para atividades urgentes. Queremos destacar a importância dos recursos sociais, financeiros e humanos. Embora dependamos enormemente de recursos nacionais, somos relativamente livres de agendas e fragmentação orientadas por doadores. O segundo fator diz respeito às decisões políticas baseadas em sólidos fundamentos de evidência. Todo mês de janeiro, realizamos um censo anual da indústria do sexo, publicamos pesquisas de vigilância soro-sentinela todo mês de junho, todas as províncias têm seu próprio local de vigilância soro-sentinela, e realizamos uma pesquisa anual sobre comportamentos sexuais, também todo mês de junho. Nas duas últimas semanas, eu, pessoalmente, visitei bordéis, bares de karaokê e outros estabelecimentos em quatro ou cinco províncias. E pude constatar que eles usam preservativos e fazem sexo seguro. Em algumas províncias, novos grupos de risco estão sendo incluídos nas pesquisas de soro-sentinela e comportamento sexual, como estudantes de escolas profissionais.

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O terceiro fator-chave para obter êxito em estratégias de prevenção é a capacidade de implementação. Gostaria de destacar a espinha dorsal do sistema de saúde como um legado que existe há 30 anos. Estamos continuamente revisando e ajustando nossas estratégias, à medida que surgem novas evidências. O povo tailandês é muito pragmático. Temos a abordagem moderada certa. Quando temos dinheiro, seguimos em frente com nossa abordagem. Quando não temos dinheiro, desaceleramos. Por exemplo: a produção local de tratamentos anti-retrovirais de baixo custo levou o governo a adotar um sistema de acesso universal às ARVs mas, antes disso, simplesmente não tínhamos condições de financiar, nem queríamos solicitar empréstimos para isso. No início, começamos devagar, e gradualmente desenvolvemos nossas capacidades. Acho que dentro de alguns meses, seremos capazes de lançar a testagem de amplificação do ácido nucléico, que é a mais avançada tecnologia de segurança do sangue na Europa e na América. Não podemos demorar para tornar esses novos tratamentos disponíveis aos pacientes. Temos experiência no comando de projetos de implementação de larga escala. Por exemplo, implementamos uma cobertura PMTCT de 100% em dois anos e passamos de intervenções direcionadas para intervenções mais amplas – e como disse Somyot, de intervenções em saúde para intervenções que não são em saúde. Portanto, temos a capacidade de implementar políticas efetivas, como promover o uso de preservativos, mesmo que isso tenha que ser feito de modo gradual. Contudo, enfrentamos três grandes desafios para realizar nossas estratégias de prevenção. Um problema básico é que a tranqüilidade motivada pelos sinais de sucesso poderia levar a um possível fracasso. O governo não pode ficar tranqüilo agora com relação à prevenção, mesmo que as taxas de prevalência entre os grupos de alto-risco estejam baixas. Apesar de nossos primeiros sucessos, temos vários itens incompletos na agenda. Temos conseguido um progresso lento no avanço do desenvolvimento de habilidades práticas, fornecendo intervenções de prevenção ao UDI (usuário de drogas injetáveis) ou combatendo práticas discriminatórias em determinados setores empresariais. Surge um novo desafio atribuído à mudança de comportamentos sexuais. Verificamos cada vez mais a prática de sexo casual sem uso de preservativos entre jovens e adolescentes. Isso significa que a mensagem sobre sexo seguro não atingiu apropriadamente a todos que estão fora dos setores comerciais da indústria do sexo e que precisamos fazer mais a esse respeito. Tratamentos Identificarei três dos fatores-chave de sucesso no que se refere a tratamento. A esta altura, é difícil dizer se obtivemos êxito em nossas iniciativas para expandir os tratamentos anti-retrovirais (ARVs), pois só começamos a implementá-los na metade do ano passado. Contudo, registramos no mês passado 35.000 inscrições em ARVs do programa do Ministério de Saúde Pública e esquemas do setor privado e ligados ao governo. No total, o esquema de seguro social de saúde e todos os esquemas de reembolso podem ter em torno de 45.000 inscritos hoje. Trata-se de uma

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ampliação muito rápida. Continuamos a trabalhar em total colaboração com o Grupo do Banco Mundial e com outros grupos para avaliar os custos e as conseqüências do tratamento anti-retroviral. Nossa meta de longo-prazo é sermos capazes produzir números similares àqueles que o Brasil apresentou esta manhã. O primeiro fator-chave para tratamentos de sucesso é a capacidade de implementação da espinha dorsal do sistema de saúde e uma cobertura forte e extensiva da Orientação e Teste Voluntários de HIV (OTV), o laboratório de rotina de qualidade e o CD4, e backups de carga viral em hospitais. Integramos prevenção, tratamento e cuidados de saúde no mesmo conjunto de serviços. E nos últimos dez anos, adquirimos experiência em terapias mono e dual mono medicamentosa ou em coquetel de pequena escala. O segundo fator-chave de sucesso é o financiamento de tratamentos anti-retrovirais. Dependemos mais dos orçamentos governamentais do que de fontes de doadores, o que garantirá sustentabilidade financeira de longo prazo, especialmente na era pós-Fundo Global. Acima de tudo, temos produção local de baixo custo de ARVs genéricas e outras drogas relacionadas a infecções oportunistas (IO), e produzimos regimes de ARVs de primeira linha para nosso programa nacional. O último fator-chave de sucesso é a rede de pessoas que vivem com AIDS. Elas tiveram um papel muito significativo ao facilitar a rápida inscrição e o fornecimento de outros suportes sociais para as pessoas inscritas. Contudo, também precisamos nos concentrar nos três itens incompletos da agenda. O recente recrutamento inicial de pessoas diagnosticadas com infecções oportunistas é um desses itens – mais de 50% dessas pessoas inscritas em tratamentos anti-retrovirais têm uma contagem de CD4 inferior a 100. A questão é como acelerar a primeira inscrição e melhorar o resultado clínico. Uma segunda preocupação é a possibilidade de estagnação de nossas iniciativas de ampliação. Após o recrutamento de todas as pessoas com infecções oportunistas, precisamos entender a demanda por orientação e testes voluntários (OTV) entre o público em geral e os grupos de alto-risco. Precisamos entender a demanda por tratamento anti-retroviral entre aqueles com HIV assintomático e aqueles que têm uma contagem de CD4 inferior a 200, a fim de estimular a demanda por anti-retrovirais (ARV) e orientação e testes voluntários (OTV). Acredito que nos veremos forçados a ampliar o programa de tratamento anti-retroviral na metade do próximo ano. Também precisamos entender as características e funções das demandas, a fim de estimular a demanda de OTV e ARV. E finalmente, com relação à qualidade das OTVs. As OTVs constituem um importante componente para o sucesso de um programa de tratamento anti-retroviral, mas testemunhamos atualmente a escassez de nossos recursos humanos. Devido à rápida rotatividade de orientadores e clínicos, precisaremos de um plano de recursos humanos de longo prazo. Identifiquei três causas potenciais para o fracasso da implementação. Todas eram restrições a ambos os lados de oferta e demanda e ao financiamento de ARVs. No lado da oferta, as restrições podem assumir a forma de evasão de cérebros quando a economia melhora e os hospitais privados enfrentam um aumento na demanda, embora o setor público continue a ser o principal centro de distribuição de ARVs. Com relação aos problemas no lado da demanda, gostaria de destacar a fraca adesão dos pacientes aos medicamentos, o que pode levar ao fracasso clínico e regimes com

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medicamentos de patentes de segunda linha mais caros. O comportamento irresponsável pode levar potencialmente à disseminação de cepas virais resistentes, portanto também precisaremos de orientação profissional de qualidade sobre sexo seguro e responsável. Um outro ponto a ser mencionado – é necessário analisar melhor a questão da igualdade de acesso às ARVs para a população pobre e as oportunidades econômicas dos que estão inscritos nos programas de ARVs. E quando se trata de financiamento – há incertezas sobre a garantia de disponibilidade do financiamento do governo no longo prazo, especialmente com o aumento da demanda por medicamentos caros de segunda e terceira linha. Com relação ao Fundo Global – há incerteza com respeito à renovação de subsídios na segunda fase. A possibilidade de uma interrupção em nosso programa é uma preocupação global, e não podemos perder de vista a promoção de intervenções preventivas porque as ARVs levam a parte do leão do orçamento de nosso programa de AIDS. Finalmente, no contexto de recursos crescentes, quais são os novos desafios? Sabemos que o dinheiro é necessário, mas dinheiro em si não responde a todas as perguntas e problemas. Conhecimento, sistema de saúde e capacidade de implementação são essenciais! Essa é a mensagem forte que desejamos transmitir para futuras discussões. Nossa meta política deve ser reverter a tendência de surgimento de novas infecções. Não podemos perder de vista intervenções preventivas com melhor custo-efetividade, e precisamos aumentar as iniciativas no sentido de fornecer ARVs. Uma ampliação rápida de ARVs sem um planejamento cuidadoso estará fadada ao fracasso. Não temos condições de lidar com esse fracasso. Precisamos achar o equilíbrio entre investimentos de curto prazo e de longo prazo em nosso sistema de saúde e em nossos recursos humanos. Embora o Fundo Global forneça apoio financeiro, acreditamos que nossos parceiros de desenvolvimento, especialmente a OMS e a UNAIDS, têm a responsabilidade moral de fortalecer sistemas de saúde e capacidade de implementação, para prevenção e tratamentos. Do contrário, em 2010 ou 2015, lamentaremos as oportunidades perdidas. E acho que não podemos nos dar ao luxo de perder essas oportunidades. Um programa de sucesso precisaria conseguir a renovação ininterrupta de subsídios em uma segunda fase sob o patrocínio do Fundo Global. E existe uma necessidade urgente de projeções financeiras para o futuro, além do apoio do Fundo Global, especialmente em ambientes com recursos limitados, mas também onde atualmente são disponibilizados os recursos adequados. Devido ao custo dos tratamentos anti-retrovirais, temos visto reduções no Brasil, Tailândia e em muitas outras partes do mundo. Mas quando ocorre um fracasso clínico relacionado a regimes de primeira linha, é necessário conseguir medicamentos de patente de segunda e terceira linha, e isso é difícil porque não há substitutos genéricos no momento.

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Perguntas P. Um participante Quais são os fatores determinantes para tornar o preço dos preservativos tão acessível? R. Grangeiro Dois importantes fatores foram fundamentais para a redução do preço dos preservativos:

1) Como no caso da Tailândia, o preço acessível da matéria prima, e 2) O Estado, junto com o setor privado, está coordenando todo o processo, não somente a

produção, mas também a distribuição para escolas, universidades e locais de trabalho. P. Michel Kazatckine, França Um dos pontos fortes que o senhor mencionou, Viroj, é o fato de caminhar lenta, mas constantemente. No entanto, gostaria de saber como o senhor prioriza, com base nessa filosofia, o acesso ao tratamento? Você nos disse que, obviamente, uma de suas prioridades eram as pessoas com infecções oportunistas diagnosticadas. Mas a demanda de tratamentos anti-retrovirais provavelmente ainda está bem longe dos atuais 25.000 que o senhor o senhor tem em tratamento. Portanto, gostaria de saber qual é o seu critério de priorização e se existe um consenso da sociedade civil e do setor de saúde pública sobre como os pacientes são priorizados para tratamento?

R. Na fase inicial, registramos as não-IOs com contagem CD4 2 . E não há cotas porque o orçamento do governo estimou que cerca de 65.000 não havia atingindo a meta ainda. Portanto, não há paradigmas. Mas o problema é a oportunidade perdida, porque a convenção que citamos aqui foi por alguns dias, para um pós-teste e para uma contagem de CD4. Depois, em províncias onde eles não podem realizar todos os processos em um dia. Eles podem se inscrever em ARV, pré-teste e pós-teste IE pela manhã e teste de contagem de CD4 na parte da tarde. Convidamos os pacientes a vir no dia seguinte e pedimos que se decidam com relação à inscrição na ARV. Em seguida, precisamos entender a função e a característica das demandas daqueles que são HIV positivo mas assintomático e que desconhecem sua condição.

P. ILO Primeira pergunta: como soubemos esta manhã pelo Alexandro, eles têm uma iniciativa com outros 14 países para também divulgar sua abordagem na América Latina e eu gostaria de saber como o senhor irá fazer esse tipo de abordagem em sua área, na Ásia? Segunda pergunta: após um simpósio de que acabamos de participar na África a respeito do HIV/AIDS e após a resposta do setor público, há espaço para programas no setor público, mais especificamente nos ministérios de linha, especialmente Educação e Agricultura, e há alguma evidência de que possamos reproduzi-los em outros países?

2 Um tipo de célula T envolvida na proteção contra infecções virais, por fungos e protozoárias. Essas células normalmente orquestram a resposta imune, sinalizando outras células no sistema imune para realizar funções especiais. Também conhecidas como células T auxiliares. 2. Os alvos preferidos do HIV são células com uma molécula docking, chamada de "cluster designation 4" (CD4), em suas superfícies. As células com essa molécula são conhecidas como células CD4-positiva (ou CD4+)

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R. Nossa colaboração com outros países é variada. Temos colaboração com o Camboja, Mianmar, Mongólia, China e parte da Índia em algumas áreas. Temos colaboração com a Índia, Tailândia, Brasil e África do Sul na produção de medicamentos genéricos para AIDS, resultado da Conferência de Dubai. Eles ainda mantêm um diálogo contínuo. Temos colaboração da China para a produção a baixo custo no futuro. Também responderei sobre o acesso a preservativos. O custo da distribuição comum de um preservativo é de 1 baht. 40 bahts = US$1, portanto, os preservativos têm um custo muito baixo porque hoje nós temos uma produção local auto-sustentável. Os preservativos são um dos dispositivos médicos sob controle estrito da FDA. Nós os testamos cuidadosamente. E incluímos a distribuição de preservativos por meio de postos comuns atingindo grupos de alto risco que estão iniciando sua vida sexual. Do contrário, para fins familiares, o posto comum ainda é usado para 50-70% da produção e um terço é vendido no mercado privado.

Outro comentário (Viroj) Uma iniciativa de uma de nossas ONGs é a Coalizão Empresarial Tailandesa sobre AIDS. Eles trabalham com o Ministério do Trabalho e com algumas das fábricas. Eles criaram uma conduta correta e fornecem certificação para fábricas que seguem essa conduta correta. Não há estigma e discriminação nesse lugar e a política adotada na fábrica lida com os testes de HIV. Assinamos esse acordo há poucas semanas.

Outro comentário (Somyot) Também gostaria de acrescentar algo sobre a terapia completa de PM Cities Plus que estendemos não somente para infecções de mãe para filho, mas também temos o exame assintomático para o pai. Fornecemos o medicamento; temos o teste de contagem de CD4 para a mãe, mas se a mãe tiver uma contagem de CD4 baixa, eles podem fazer uso da ARV gratuitamente. E se eles tiverem o problema com o CD4, podem iniciar o tratamento. Comentário de Brad Herbert, Fundo Global de combate à AIDS Há várias questões relacionadas aos pontos de decisão. Há uma questão relacionada ao que pode ser feito em ambiente de poucos recursos. Há uma outra questão relacionada a quem deve realmente aprovar a decisão de prosseguir para a fase dois. Conforme informados na reunião anterior da Diretoria do Fundo Global, essa decisão foi tomada e deve ser levada à Secretaria para tomar a decisão de prosseguir. A decisão de não prosseguir ficaria por conta da Diretoria com base nas recomendações oriundas da secretaria e da Taxonomia de Solicitações de Pacientes (TORP)3. Creio que a decisão foi apoiada pela Diretoria e pela Secretaria, pois parece ser a forma mais eficiente, e assegura ainda não somente eficiência mas oportunidade, uma vez que garante financiamento contínuo entre a fase um e a fase dois. E se não fosse o financiamento contínuo, essa decisão teria sido tomada em uma parte anterior do acordo atual. Deverá ser realizada uma interessante discussão da Diretoria sobre se anulam ou não essa decisão.

3 A Taxonomia de Solicitações de Pacientes (TORP) é um sistema refinado para caracterização de solicitações de pacientes e respostas de médicos na prática clínica

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Resposta Nosso país é ineficaz na implementação do programa. Esse é o problema de dívida que estamos enfrentando. Um sistema de saúde fraco não pode prestar serviço e não pode demonstrar um bom desempenho na implementação do Fundo Global. E é a responsabilidade moral dos parceiros de nosso país, como a OMS e a UNAIDS, que apóiam e melhoram nosso desempenho. Gostaria de discutir mais sobre isso durante o debate geral. Apresentação de Dr. David Kihumuro Apuuli – Uganda Perfil do país Gostaria de dizer que farei somente um resumo da história de Uganda, por se tratar de uma história interessante e triste ao mesmo tempo. Elizabeth preencherá algumas lacunas em áreas como orientação e testes voluntários (OTV), prevenção de transmissão de mãe para filho, (PMTCT), tratamentos anti-retrovirais (ARVs) e outras áreas. Portanto, eu me limitarei a explicar o que aconteceu em Uganda e o que achamos que pode ter feito a diferença, mesmo em um ambiente com recursos limitados. Acho muito interessante falar sobre recursos quando havia muito pouco recurso disponível no período em que as coisas aconteceram. Começarei explicando o que aconteceu com a população geral. Desde 1995, quando a prevalência na população geral era de cerca de 18 a 19%, é possível verificar uma redução na tendência para 6,2% e cerca de 5% em 2003. Na verdade, a taxa de prevalência em comunidades rurais é menor do que entre a população urbana. Isso mostra que o país não é uma entidade uniforme. Posso assegurar que em determinadas áreas de Uganda, as taxas de prevalência foram superiores a 30%. Mas o que deve ser observado, com base em nossos estudos de vigilância de segunda geração, é que a tendência de todos esses 20 lugares é a queda nas taxas de prevalência. E na verdade, também temos evidências de que o número de casos também está caindo. Este ano, estamos realizando uma pesquisa nacional soro-sentinela a fim de validar nossas descobertas. Mas por trás desses gráficos, há uma face humana. Sei que disse aos senhores que não iria aborrecê-los com números, mas permitam-me dizer uma coisa. Nosso sucesso é triste porque perdemos muitas pessoas. Estimamos a perda de cerca de 1 milhão de pessoas. E posso assegurá-los de que há poucas pessoas em Uganda que não tenham perdido uma irmã, um irmão ou um primo. Para nós, o HIV é real. Mesmo agora, nossos números indicam que em 2003 cerca de 70.000 ugandenses morreram de AIDS e que havia cerca de 75.000 novas infecções no país e que cerca de 73.000 pessoas contraíram AIDS por meio de transmissões de sangue. Nos estamos em uma situação que nos coloca no epicentro do HIV/AIDS no mundo, e temos uma população muito pobre que necessita de cuidados. Estimamos que de 100.000 a 150.000 pessoas necessitam de tratamentos ARV. Tivemos uma reunião na semana passada e estimamos que para fornecer tratamentos ARV para todas essas pessoas teremos que realizar testes em 10 milhões de ugandenses. É possível imaginar o que isso envolveria. E a população de Uganda hoje é de 25 milhões de pessoas.

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Também estimamos que a perda anual no GDP total fica em 0,8%. Agora, a taxa de crescimento anual de Uganda é de 5,7%. Nos últimos 17 anos, teríamos crescido cerca de 7 a 8% ao ano, não fosse a epidemia de AIDS. Portanto, realizamos diversos estudos de impacto em vários setores, mas não vou aborrecê-los com todos esses detalhes. Darei aos senhores o meu cartão comercial no qual consta nosso website, onde os senhores poderão obter todas essas informações. O suposto primeiro caso em Uganda foi em um pequeno vilarejo de pescadores às margens do Lago Vitória. Não havia nenhuma resposta estrutural até que o novo governo assumiu em 1986. Lembro-me de estar em uma reunião com nosso Ministro da Saúde quando ele se levantou e anunciou que tínhamos AIDS em Uganda. E os Ministros da Saúde de toda a África ficaram muito preocupados com as implicações dessa notícia. Quebrar o silêncio ajudou nosso país a avaliar a situação e a evitar uma catástrofe.Primeiro programa de controle da AIDS Em 1986, o primeiro programa de controle da AIDS foi criado pelo Ministro da Saúde. Ele começou a divulgar mensagens úteis "batendo o tambor" porque na África quando há um problema, quando é necessário emitir um alerta, as pessoas batem o tambor, e quando se ouve o tambor na África, entra-se em ação. Em 1987, obtivemos respostas espontâneas de várias pessoas, mas não do governo. E o mesmo ocorreu em 1989, quando uma pessoa voltou da Suécia e disse “Eu tenho AIDS”. E as pessoas simplesmente não conseguiam acreditar nisso. Portanto, o Ministro quebrou o silêncio e várias pessoas se apresentaram. Primeiro, estabelecemos o Centro de Informação sobre AIDS e depois, a Comissão de AIDS de Uganda dirigida pelo nosso Presidente. Abordagem multissetorial A abordagem multissetorial nasceu e desenvolveu-se em Uganda, posso garantir isso. Em 1995, realizamos os primeiros testes com vacinas no continente africano. Depois, desenvolvemos o Plano de Operação Nacional antes de descentralizar nossos esforços. Portanto, toda a responsabilidade foi trazida para os municípios. E em seguida aconteceram duas coisas. Em 2000, o governo concordou formalmente em integrar o HIV/AIDS ao seu plano de ação para erradicação da pobreza, chamado de Estratégia para Erradicação da Pobreza. Em 2001, testemunhamos o surgimento do Fórum de Parcerias. Entre outras coisas, o que aconteceu depois foi o início do treinamento de competência em AIDS com o apoio da UNAIDS, a implementação das diretrizes do PMTCT e a coordenação de OTVs. Mas permitam-me explicar melhor todos esses acontecimentos. É verdade que Uganda tem uma história de relativo sucesso na África subsaariana. Gostaria de declarar - pois é o que esperam de nós - que o que tornou essa história um sucesso foi o seguinte. Um fato importante que surgiu em todas as apresentações anteriores é o compromisso político no mais alto nível. Permitam-me dizer, o Presidente não perdeu tempo. Ele percorreu a pé de vila em vila e conversou com a população local. Em 1987/88, ele os avisou que tínhamos um problema, uma crise, e que se não fizéssemos nada, as conseqüências seriam trágicas. Em 1992, o governo lançou a abordagem multissetorial, uma resposta holística que fez com que o setor de saúde não fosse o único a mobilizar e gerenciar os recursos financeiros e humanos.

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Desde o início, ao perceber que se tratava de um problema que ia além da capacidade do setor de saúde, o próprio Presidente fundou uma comissão que ele convocava todos os meses. Ele pediu a todos que compartilhassem informações sobre o que estava ocorrendo para que ele, por sua vez, podesse orientá-los. Essa comissão acabou sendo a antecessora daquela que hoje é conhecida como Comissão de AIDS de Uganda, a primeira comissão a ser instaurada no mundo. Agora, com relação ao Programa de AIDS – um programa sistemático que foi lançado inicialmente pelo Ministério da Saúde em setembro de 1996 e que depois outros ministérios seguiram, como foi o caso do Ministério da Defesa. O Ministro da Saúde fez muito no que concerne ao estabelecimento de um sistema de vigilância, procurando reunir informações importantes, iniciando novos programas e mostrando-se capaz de fornecer tratamento para infecções potenciais. E, de fato, ele lançou os fundamentos para doadores como o Banco Mundial e outros se apresentarem e fornecer assistência. Portanto, creio que agora posso encerrar a explanação sobre a Comissão de AIDS de Uganda e falar brevemente sobre o Processo de Planejamento Estratégico Nacional. É muito importante que todo país tenha um plano de HIV/AIDS integrado. Começamos no início de 1993 a desenvolver um plano de operação nacional. Isso nos proporcionou uma estrutura estratégica que guia todos os nossos parceiros, grandes e pequenos. Os Três Pontos Únicos Exatamente no final do ano passado, realizamos uma revisão de metade de período, e agora revisamos o plano. Como explicarei mais tarde, este plano é o que deve guiar os outros três instrumentos principais que temos disponíveis: uma autoridade de coordenação nacional, um plano de ação nacional e uma estrutura de monitoramento e avaliação nacional. Na próxima semana, finalizaremos um memorando de compromisso. Cada doador, banco, fundo, USAIDS, o Governo dos EUA, assinará um memorando de compromisso para seguir o conjunto de princípios subjacentes a esses instrumentos, de modo que todos estejam bem informados e tenhamos uma única visão. E ao ser ampliado, o plano enfatizará esses princípios como diretrizes para a redução das taxas de prevalência e fortalecimento da capacidade internacional. Gostaria de lançar mais luz sobre a Comissão de AIDS de Uganda porque acredito que ela seja um exemplo de prática de sucesso. Eu venho do setor de saúde, fui Diretor Geral do Serviço de AIDS de Uganda, e hoje sou o Chefe da Comissão. A Comissão foi estabelecida por lei, e ninguém tem o direito de simplesmente eliminá-la. Para mudar essa lei, será necessário levar um projeto para nosso Parlamento. Em segundo lugar, há uma diretoria nomeada pelo Presidente e por mim, Chefe Executivo, e trabalhamos na diretoria por um determinado período. As pessoas que trabalham na Comissão não são funcionários públicos. Eles são empregados contratados da Comissão. Mas as principais funções da Comissão devem ser vistas em termos de orientação e formulação política visando incorporar as políticas de HIV/AIDS em vários setores diferentes, como o setor de educação, setor de agricultura, no âmbito ministerial e assim por diante.

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Alguém deve estar apto a facilitar esse processo, e é por isso que somos chamados a ajudar no planejamento e monitoramento de programas. Ao monitorar a implementação de programas e o uso de recursos, coordenar e liderar uma resposta sustentável e promover pesquisas sobre HIV/AIDS, facilitamos as iniciativas de todas as parcerias envolvidas. Coordenação No final dos anos 90, a abordagem multissetorial obteve alguns sucessos consideráveis, mas nem tudo deu certo. Tivemos a criação de programas de controle de AIDS em diferentes Ministérios, mas identificamos lacunas que nos convenceram da necessidade de uma abordagem multissetorial que evoluiria para uma parceria transetorial. O problema é que simplesmente havia um excesso de atores. Em Uganda, há mais de 1.000 ONGs envolvidas na luta contra o HIV/AIDS. Sabemos quem são as pessoas que trazem dinheiro para o país, mas é necessário saber como atrair a participação de todas essas pessoas. E quando analisamos tudo isso, notamos que a mão direita não sabia o que a mão esquerda estava fazendo. Ao mesmo tempo, as ONGs diziam “Mas o senhor não está coordenando conosco”. Além disso, a UN insistiu em assumir a liderança no grupo temático. E, no entanto, o grupo temático não era nada representativo. Portanto, junto com a UNAIDS e todos os outros parceiros, ficou decidido que tínhamos que fazer algo a respeito. Tratamento anti-retroviral (ARV) O que vamos fazer a este respeito? Como podemos coordenar todas as pessoas envolvidas? Posso assegurar-lhe, e a Dra. Elizabeth pode confirmar, que dentre as 60.000 pessoas que receberam tratamentos ARV na África subsaariana ano passado, cerca de um terço encontrava-se em Uganda. E algo bastante interessante: os tratamentos ARV não eram gratuitos, já que eram realizados em outros países. As pessoas pagavam pelos tratamentos do próprio bolso. À medida que os preços diminuíam, os números aumentavam. Nós acabamos de fazer uma análise do número de pessoas com tratamentos ARV na semana passada. Existem cerca de 23.000. Na verdade, os tratamentos ARV gratuitos começaram a ocorrer nos dois últimos meses. Até então, as pessoas que precisavam do tratamento estavam arcando com as despesas. Por quê? Porque tínhamos um modelo viável baseado em uma parceria público-privada. Os medicamentos essenciais foram importados por uma instituição pública, e as pessoas chegavam e pagavam por eles. Essa organização cobrou uma pequena margem de lucro, o que permitiu importar mais medicamentos, e mais pessoas. As pessoas viajavam para Uganda do Quênia, Ruanda, Tanzânia, e de lugares distantes como Zâmbia, para conseguir tratamentos ARV. Era um sistema bastante inovador dirigido por uma parceria público-privada. E hoje, muitas pessoas estão ajudando na expansão deste programa. Tendo dito isso, outro aspecto de nosso trabalho que necessitava de parcerias era a obtenção de um maior envolvimento das pessoas que vivem com AIDS. São pessoas sem voz e, por isso, precisávamos de um palco, um fórum em que tivessem voz. Elas tiveram de aparecer e se juntar à mesa principal, em vez de permanecerem escondidas e não terem opção de escolher o que comer.

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Sendo assim, eu descreverei uma estrutura proveniente da abordagem multissetorial de nosso país, uma estrutura em que todas essas pessoas com suas pequenas vozes podem falar em voz alta, como pela Iniciativa do Presidente Bush. Logicamente, houve a questão da descentralização, uma vez que o processo de implementação foi estendido aos municípios. Conseguimos apoio para as comunidades e os municípios, e assim eles conseguiram desenvolver competências e capacidades. Mas como alcançar todos os municípios em um país tão grande? Como todas as vozes desse país podem ser ouvidas? Financiamento É verdade que tínhamos muito pouco dinheiro quando as taxas de prevalência começaram a diminuir. Hoje, podemos recorrer a vários recursos. Somos parte da Iniciativa do Presidente Bush, do Fundo Global e de muitos outros programas financiados pelo governo americano. O montante total de financiamento do programa HIV/AIDS sob a iniciativa Bush para Uganda é de US$94 milhões. Isso para um período de doze meses. Uma coisa que gostaria de dizer ao Fundo Global, ao Banco Mundial e a todas as pessoas. Se optar por ir a um país para ajudar, respeite as instituições existentes que foram implementadas para fins de coordenação e, acima de tudo, respeite os seus princípios. Consideramos necessário estabelecer uma subcomissão para supervisionar e coordenar todos os programas como parte de uma única parceria, de modo a garantir que o lado direito soubesse o que o lado esquerdo estava fazendo, e que respeitassem e considerassem uns aos outros. Todos estes pontos são grandes desafios, mas vamos pensar sobre os diferentes sistemas que poderiam ajudar nossos esforços de coordenação. Como se pode ver, as taxas de prevalência estavam diminuindo. Mas temos agora uma nova geração de jovens que não estavam lá quando o tambor foi tocado, que não viram um grande número de mortes. Primeiro, vê-se uma taxa de 6,2%, depois de 6,5% e depois uma redução. Como é possível evidenciar, é preciso que olhemos todo o quadro de modo diferente e que desenvolvamos parcerias que tratem de todas as questões relevantes. Um desses desafios é como cuidar de todos os órfãos. Em Uganda, existem mais de 2 milhões de órfãos... 2 milhões em uma população de 25 milhões! Todos aqui temos um órfão que vive em sua casa. Em minha casa, temos órfãos. Vinte e cinco por cento de todos os lares em Uganda têm pelo menos dois órfãos além de suas próprias famílias. E as taxas de fertilidade em Uganda estão bastante altas. Estão agora em cerca de 6,9%. Assim, com cada vez mais pessoas, um número cada vez maior de famílias vive na pobreza. Uma meta das parcerias acima mencionadas é minimizar esses efeitos negativos com a participação de todos os interessados, usando recursos dentro do contexto de uma estratégia nacional, e maximizando o potencial de harmonização e responsabilidade conjunta a fim de reduzir os custos de transação e aumentar a eficácia de nossos programas. Em uma próxima etapa, precisamos fornecer às comunidades locais os recursos de que necessitam e aumentar os esforços para intensificar a resposta nacional, junto com o fornecimento de mecanismos que permitam que todos os interessados participem de modo coordenado.

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Comissão de AIDS de Uganda Existe a Comissão de AIDS de Uganda. Existe uma Diretoria nomeada pelo Presidente. É a Diretoria criada por lei que toma as decisões referentes à política de HIV/AIDS e que as passa ao Presidente e ao Parlamento para serem aprovadas. Este grupo aqui é composto de representantes eleitos e nomeados. Pode-se ver que existem cerca de dezoito no total. É preciso saber que as ONGs nacionais, as ONGs internacionais e até os membros do Parlamento foram eleitos pelo Parlamento para fazer parte desta comissão. Organizações religiosas, pessoas que vivem com AIDS, representantes da mídia, a juventude, as Nações Unidas, as instituições de pesquisa e os governos locais, todos participam. No centro de tudo, encontram-se importantes atores estratégicos, como o Ministério da Saúde, o Ministério da Fazenda, o Ministério do Gênero, a UNAIDS e a Comissão de AIDS de Uganda. Essa Comissão é convocada na última sexta-feira de cada mês e discute a agenda do programa HIV/AIDS. Todos comparecem e são responsáveis por essa organização. E no final de cada ano, ocorre um fórum de parcerias. Isso ocorre quando todos se encontram no centro de conferências e participam de uma análise conjunta do ano, do progresso obtido em diferentes áreas, e de programas que estão em andamento. Todos na parceria têm o direito de dizer: "Acho que algo está saindo errado”. Afinal, devemos prestar contas ao povo do país. A comissão de parcerias abrange tudo isso. Fórum de parcerias Sim, existe apoio financeiro proveniente de diferentes fontes, ou seja, existe dinheiro do Fundo Global, da comissão de AIDS dos Estados Unidos e do governo. Mas para a realização do trabalho da estrutura de parcerias e para os grupos representados alcançarem as metas definidas e poderem falar com uma voz comum, outros custos estão envolvidos. Este é o motivo pelo qual estabelecemos o denominado fundo de parceria, que é apoiado por países como o Reino Unido, Islândia e Noruega, que injetaram bastante dinheiro. Coisas como o contexto de uma estratégia nacional nunca teriam sido possíveis sem esses fundos. Basicamente, esses fundos ajudam a comissão e outros parceiros na execução das respectivas funções. Eu falei sobre o fórum de parcerias. Este fórum de parcerias é muito importante porque é o local em que todos participam para ouvir o que todas as outras pessoas estão fazendo. É um fórum para discutir questões com as quais o senhor não está satisfeito. Uma estrutura institucional que enfoca a epidemia e envolve as necessidades de todos que precisam ser implementadas para tratar desses desafios para que outros países sigam em frente. Para nós, que estamos relativamente em um nível baixo de prevalência, temos de concentrar nossos esforços na redução da curva naquele gráfico. Como uma primeira etapa, temos de pensar sobre os ajustes na gestão de nossa resposta multissetorial. Desejo parar por aqui e pedir a Dra. Elizabeth para falar sobre as muitas questões que não mencionei, incluindo os principais desafios que enfrentamos. A PMCTC, ela dirá, equivale a apenas 5%, mesmo sendo Uganda um país de baixa prevalência. No ano passado, apenas 5% de todas as mães aceitaram participar do programa. Por quê? É preciso analisar diversos fatores. Tratamentos ARV, como intensificá-los? E como aumentar nossos esforços em um país que possui grande parte das pessoas mais pobres do mundo, não apenas dez ou vinte mil, mas centenas de milhares de pessoas.

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Apresentação da Dra. Elizabeth Madraa, Uganda O Diretor Geral da Comissão de AIDS de Uganda acabou de descrever como Uganda tem avançado desde 1996 para colocar em prática um contexto abrangente e que nos permitiu alcançar os níveis que temos hoje. Mas eu não quero simplesmente deixar tudo do jeito que está. Eu não acho que tudo esteja ótimo. Temos diante de nós desafios importantes, a maioria referente aos programas de combate ao HIV/AIDS no país e às capacidades necessárias de recursos humanos. Capacidade de recursos humanos Estamos presenciando uma grande drenagem intelectual neste momento, não apenas para o Norte da Europa ou para a América do Norte, mas até mesmo dentro da própria África, principalmente para países com um influxo de outros recursos. A drenagem intelectual ocorre principalmente do setor público para as ONGs, que é onde está o dinheiro. E isso é bastante perigoso porque quando vejo alguns dos anúncios de recrutamento para cargos dentro do Ministério da Saúde, a maioria dos médicos que se candidatam a esses empregos é de pessoas que já estão trabalhando em hospitais municipais. Sendo assim, o senhor deseja saber o que está acontecendo. Estamos drenando recursos para fora do setor público, já que as pessoas seguem o caminho do dinheiro. Como tratamos essa questão? Tivemos uma proibição em termos de recrutamento, que acabou de ser eliminada, e isto é o resultado das estruturas que acabei de explicar. Agora estamos tentando preencher os cargos ainda vagos, mas não existe dinheiro suficiente para o recrutamento. O que irá acontecer com todos estes programas que estamos tentando implementar, como OTV e ART e a prevenção da transmissão de mãe para filho do HIV? Precisamos de mais capacidade de recursos, principalmente, orientadores, mas isso não é uma posição definida. Também precisamos de farmácias e tecnologias de laboratório. Os médicos também são muito poucos. Por isso, temos de pensar em algum mecanismo por meio do qual possamos obter tudo isso com os níveis existentes de capacidade de recursos humanos. Coordenação Temos problemas de logística e atividades de aquisição. Inúmeras questões estão surgindo agora que estamos implementando os programas de OTV e ARV. O que podemos fazer quando não temos logística e cadeias de suprimento eficientes, desde a aquisição até a distribuição de medicamentos. Acrescente a isso as questões de garantia da qualidade e coordenação. A coordenação não é uma questão que pode ser tratada em âmbito nacional. Acredito que deva ser o foco dos doadores dentro do país. Mas como eles podem coordenar a si próprios? Freqüentemente, avaliamos nossos próprios programas, mas gostaria de suscitar a seguinte pergunta: como avaliamos os próprios doadores dentro do país? Todos certamente teriam um incentivo para verificar em que o próprio dinheiro foi usado e analisar o impacto correspondente.

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Ao mesmo tempo que precisamos verificar esse ponto, também é necessário pensar sobre os esforços de coordenação em âmbito nacional para harmonizar o uso daqueles recursos que entraram no país provenientes de doações. Se falharmos, o que veremos será uma concorrência improdutiva. Apesar de o dinheiro dever ser usado como uma contribuição positiva, ele não deve provocar concorrência. Mas como podemos ter certeza de que ele não provoca concorrência? Isso tem sido um grande desafio para nós. O mecanismo de coordenação em âmbito nacional foi bem descrito pelo Dr. Apuuli. Afinal, o fórum de parcerias abrange tudo isso. Como usar todos os recursos disponíveis com eficácia e eficiência é o grande desafio que enfrentamos em nossos programas de combate ao HIV/AIDS. Logicamente, primeiro precisamos ser capazes de mapear os recursos que temos disponíveis, independente de quem fez a respectiva doação. Desse modo, esses recursos podem ser igualmente compartilhados com as organizações da sociedade civil, setor público e qualquer pessoa envolvida no programa de combate ao HIV/AIDS. Caso contrário, teríamos uma situação em que alguém diria, "Não toque! É meu porque recebi o dinheiro para tratar algumas pessoas em um determinado período do ano". Ou um paciente poderia se aproximar e dizer, "É meu; não toque!" Por esse motivo, começamos agora a enfocar pacientes que moram nas cidades do país. Sustentabilidade Temos dinheiro disponível para missões de campo no país, que recebemos do Fundo Global, do Projeto do Banco Mundial, e de outros. Mas não sabemos de onde os próximos fundos serão provenientes. O que dizer da sustentabilidade? Bem, não podemos na verdade dizer o quão sustentáveis nossos esforços serão, principalmente agora que estamos começando com tratamentos ARV. Os custos dos medicamentos devem provavelmente cair, o que é ótimo, mas uma vez que o país não possui os recursos necessários e depende de recursos externos, não sabemos por quanto tempo os fundos continuarão a existir. Nossa política em Uganda é de livre acesso aos tratamentos ARV; isto é, ARVs gratuitos para as pessoas qualificadas a obter tal tratamento. Também fizemos reservas para as pessoas que não desejam procurar o setor público. No final, porém, alguém deve pagar de algum modo. Assim, o que estamos tentando fazer é elaborar um mecanismo de seguro-saúde que permitirá que o setor privado continue a fornecer tratamentos a um custo, como já ocorre, mas que também disponibilize alguma forma de subsídios para os pacientes. Com o apoio do Banco Mundial, começamos a comprar medicamentos no valor de US$3 milhões para o setor público, o que é distribuído para cerca de 26 centros, inclusive nossos hospitais regionais e unidades de ONGs sem fins lucrativos. E, no momento, estamos aguardando mais US$1,7 milhão. Com o Fundo Global, conseguimos US$7,6 milhões da primeira vez; sendo que 7,4 devem ser usados na aquisição de medicamentos. E acredito que o restante desse dinheiro será usado na gestão do próprio programa. Em uma terceira rodada do Fundo Global, o acordo de subsídios, que ainda não foi assinado, deve ser no valor de cerca de US$7,4 milhões. Esse valor também seria para a aquisição de medicamentos ARV. Mas, desde abril, estou aguardando nosso plano de aquisição ficar pronto para ser finalizado e enviado ao Fundo Global. E dois meses depois, seremos solicitados a detalhar determinados pontos. Ainda não enviamos o plano de

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aquisição e não sei quando ficará pronto. Mas estou feliz que o Fundo Global esteja aqui. Precisamos selecionar algumas coisas. Como será o sistema de aquisição? Quando será definido? Vocês cuidarão da disponibilização dos produtos para os países que necessitam deles? O ponto principal é lidar com a burocracia envolvida na aquisição. Isso se aplica ao Banco Mundial e talvez ao Fundo Global. E, no entanto, aqui estamos; queremos ver os medicamentos lá o mais rápido possível, ver as pílulas chegarem até as pessoas. Como evitamos chegar a um ponto extremo se estamos no processo de implementação do programa ARV? Talvez, Sr. Presidente, essa questão também deva ser tratada quando estivermos discutindo as questões com o Fundo Global e com a OMS. Isso se aplica ao programa de OTV que estamos implementando, mas a mesma questão é relevante em termos de prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho. Enquanto for necessário fornecer serviços de cuidados eficazes, a prevenção ainda continuará sendo a nossa principal preocupação. E, nesse caso, também precisamos rever e verificar algumas de nossas estratégias como a estratégia IEC. Precisamos avaliar a melhor forma de mobilizar a sociedade e melhorar os programas que já estão em prática. O problema não é dinheiro. O desafio é garantir que temos a capacidade necessária e um entendimento sobre trabalho em parceria. Acima de tudo, o país precisa combater os problemas que enfrentamos de modo coordenado dentro da mesma estrutura. Mesa-redonda Dr. Michel Kazatchkine, Presidente O que discutiremos aqui são basicamente lições aprendidas do que ouvimos hoje dos quatro países que fizeram apresentações e os desafios básicos que estão à nossa frente. Permitam-me primeiro fazer uma breve introdução de tudo que ouvi dos quatro países em termos de fatores de sucesso. Ouvi que a resposta para o HIV/AIDS tem sido abrangente e multissetorial. Logicamente, existem inúmeros componentes para o sucesso com mobilização da sociedade civil, com implementação de tratamento, comprometimento político e inúmeros componentes. Mas todos os quatro países falaram sobre uma abordagem abrangente e multissetorial. O segundo ponto que ouvi foi liderança, isto é, liderança política. Temos ouvido falar dos compromissos do Presidente e do Primeiro-Ministro. Também ouvimos sobre a adesão dos países com relação à luta contra a AIDS, e também ouvi falar sobre descentralização, talvez em um nível menor no Senegal, mas sei que o processo está em andamento. Ouvimos tudo isso desde o início. Vimos com a organização federal, mapeada até o local onde a epidemia está localizada. Ouvimos sobre a descentralização de Uganda e sobre essa forte espinha dorsal da organização da saúde pública na Tailândia do Dr. Viroj. Também ouvi sobre o fato de que todos esses países intervieram de imediato. E essa questão para mim é algo muito importante: intervenção imediata. E devemos tirar essas lições para os

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países que ainda estão na fase inicial da epidemia. E tenho aqui uma pergunta para os quatro participantes da mesa-redonda: o que na verdade motivou essa resposta tão imediata? É uma decisão política, um indivíduo ou uma sociedade civil? Certamente não foi pressão da doença naquele momento, mas por que todos os senhores começaram a responder tão imediatamente? Penso em meu país em 1985, que já estava pressionado pela doença que era visível e pela mobilização da sociedade civil. Ocorreu em toda a Europa e nos Estados Unidos, mas qual foi finalmente o ponto de partida para a mobilização em seus países? Então finalmente ouvi falar de uma abordagem equilibrada em termos de prevenção e tratamento em todos os quatro países das intervenções. E também ouvi falar em tratamentos ARV gratuitos. Quase todos os senhores, de algum modo, nos falaram sobre os ARVs gratuitos ou sobre os ARVs bastante acessíveis, que sabemos que é o principal fator de atração e de sucesso. Agora tenho uma pergunta para os participantes da mesa-redonda. O que querem dizer com sucesso? Dissemos hoje que os quatro países foram “bem-sucedidos”. Mas estamos longe dessa meta mesmo quando todos esses quatro países são considerados, e penso sinceramente que o sucesso é a diminuição da prevalência, que é algo que podemos medir com o início da implementação de ARVs e com uma futura expansão. Creio que o verdadeiro sucesso encontra-se nesses componentes que estava mencionando como fontes de sucesso, ou seja: liderança, abordagens abrangentes, intervenção imediata, uma abordagem equilibrada em termos de prevenção e tratamento.

Sr. Jean-Louis Lamboray, UNAIDS

Tenho uma pergunta para todos os participantes da mesa-redonda. Sei que o progresso começou mesmo antes da chegada da grande ajuda internacional aos seus países. Isso foi no início dos anos 90. Agora estou preocupado como uma pessoa que trabalha nas Nações Unidas, o que digo para os países que necessitam de ajuda? Quais são os quatro pontos comuns oriundos de sua experiência que os senhores gostariam que eu, como seu embaixador, transmitisse a um outro país, de modo a não haver quatro países no painel, mas cinco, dez e vinte. Dr. David Kihumuro Apuuli, Uganda

Vou dizer o que acionou a resposta em Uganda. Penso que alguns dos senhores podem saber o que vou dizer ou podem ter lido um livro denominado The Open Secret about Uganda. Em 1986, Uganda saiu de uma guerra civil e o governo atual tomou o controle do país. E muitos combatentes, quando chegaram para começar o país, não sabiam que estavam com HIV/AIDS. Eles tiveram de enviar cerca de 60 oficiais do exército para Cuba para treinamento. E esses oficiais que haviam se alistado, que haviam lutado pelo Presidente por cerca de cinco anos foram avaliados por ele, sendo que ele estava tentando transformar o exército em um exército tradicional. Sendo assim, foram para Cuba, e o senhor sabe que a polícia em Cuba testava todas as pessoas. Quando a polícia testou essas pessoas, descobriu que dos 60, 18 tinham resultado positivo. Assim, na cúpula sem acordo, o Presidente Castro encontrou-se com o nosso Presidente e disse, “Acho que o senhor está com um problema de AIDS no seu país”. O nosso Presidente compreendeu que ele estava sentado em Cuba e que não sabia o que estava acontecendo com a população de seu próprio país. Assim, ele percebeu que havia uma falta de estrutura no país e que se não fizesse nada, essa nação pela qual teve de lutar tão bravamente para obter uma posição adequada iria simplesmente desaparecer.

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Dra. Elizabeth Madraa O que acionou a intervenção imediata em Uganda foi acima descrito, mas, além disso, todos passaram pela epidemia como em uma guerra onde todos deveriam estar envolvidos. E, logicamente, isso somente é possível quando o senhor tem um sistema de governo que apóie a própria intervenção. A liderança ocorreu em 1986. Se o senhor observar o momento em que diagnosticamos os dois primeiros casos em 1982, até 1986, quantos anos se passaram? Cerca de quatro anos, e isso foi uma grande perda de tempo. E esse não foi apenas o caso de Uganda. O mesmo ocorreu no Quênia e na Tanzânia. No Leste da África, nenhum governo mencionou intervenção em HIV/AIDS. Os soldados estavam vivendo na comunidade, junto com a população. E, logicamente, se as crianças fossem infectadas, isso ocorreria por causa da comunidade. Sendo assim, mesmo quando há o compromisso político, a mobilização da comunidade em termos de ação e mobilização social é fator crucial. Quando desejar que qualquer coisa tenha êxito, envolva a comunidade, apóie a comunidade e mobilize-a. E assim poderá ver as coisas acontecerem. Mas, para isso, a implementação deve ser descentralizada para os níveis inferiores de implementação. Alguns países são descentralizados somente nominalmente. Eles mantêm o dinheiro, o poder e não descentralizam nada. Ninguém pode fazer nada sem dinheiro. É preciso estabelecer 100% de descentralização, criar capacidade, enviar o dinheiro para lá, apoiar as pessoas nos municípios. Para chegar a todos os cantos que necessitam de ajuda, logicamente, também é preciso apoiar as recomendações feitas pela sociedade civil, principalmente, as pessoas que vivem com HIV/AIDS. Para nós, isso mudou a situação em Uganda. E, logicamente, as pessoas precisam conhecer a condição do seu soro. É por isso que estamos promovendo orientação e teste. E dizemos que a orientação deve ser apoiada como um serviço que deveria ser obrigatório. Mas os testes podem ser opcionais ou voluntários. Estamos mudando essa situação por completo e, finalmente, a abordagem sexual madura ainda é a abordagem correta.

Dr. Ibra Ndoye, Senegal Para responder à pergunta do fator de acionamento, descobrimos no Senegal o primeiro caso de AIDS em 1986. No início, a mídia falou bastante sobre a epidemia HIV/AIDS. Dentro de um contexto de colaboração de pesquisa, entre as Universidades de Dakar, Boston, Tours e Limoges, começamos a pesquisar uma população de prostitutas que estávamos gerenciando naquele momento. Pudemos demonstrar que entre as prostitutas havia um vírus que não era o HIV 1 e que possuía características idênticas. Este é o motivo pelo qual se diz com freqüência que a escola de Dakar contribuiu para a descoberta do denominado vírus HIV 2. Quando obtivemos os resultados, fui convidado para ir a Genebra, e eles me mostraram os tipos de destruição que essa epidemia já estava causando em alguns países africanos como o antigo Zaire. Com os documentos de nosso estudo, nos reunimos com o Chefe de Estado e contamos a ele que alguns países da África ainda estavam negando a existência do vírus, mas pensávamos que o Senegal não poderia negar a existência, já que havia uma epidemia de fato e era preciso combatê-la. Assim começamos no Senegal, com o envolvimento do Chefe de Estado, e as coisas começaram a funcionar.

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Dr. Alexandro Grangeiro, Brasil Gostaria de destacar três aspectos referentes à resposta imediata no Brasil:

• Primeiro, conseguimos compreender que a epidemia tinha uma taxa acelerada de crescimento e que estava atingindo categorias específicas da população e causando a sua estigmatização;

• Segundo, durante a criação e a implementação de nosso programa de AIDS, também estávamos concluindo a reforma de nosso sistema de saúde, que responde aos princípios de universalidade, eqüidade e participação social. Isso nos possibilitou adotar tais princípios no programa de combate à AIDS.

• Terceiro, o processo de resposta ocorreu em um momento histórico para o Brasil: quando após a pressão da ditadura, estávamos construindo a base para uma nova democracia com uma poderosa participação do setor social e da sociedade civil.

Além disso, com relação ao conceito de universalidade de acesso ao tratamento, gostaria de destacar que o segredo está no espírito da Declaração de Doha. É verdade que os princípios definidos em Doha não são fáceis de implementar e que os países em desenvolvimento necessitam de recursos humanos e materiais, principalmente, de cooperação para reformar a nossa legislação de propriedade intelectual, nossa tecnologia para elevar a produção de tratamentos ARV, e mais iniciativas semelhantes à iniciativa canadense para produção de produtos farmacêuticos a preços acessíveis aos países em desenvolvimento. Com relação à pergunta colocada pelo Sr. Lamboray, gostaria de mencionar três pontos:

1) O papel de um governo deve ser o direcionamento da saúde e das políticas comerciais e financeiras com base em uma abordagem de direitos humanos, com um enfoque específico nas pessoas mais marginalizadas.

2) Cooperação horizontal entre os países em desenvolvimento. As experiências dos países analisadas hoje mostram o quanto temos em comum e até onde podemos trocar informações preciosas.

3) Uma transferência de tecnologia entre o Norte e o Sul referente à produção de medicamentos e diversos outros aspectos referentes à saúde (monitoramento e assistência)

Dr. Tangcharoensathien Viroj, Tailândia Apenas para responder a algumas das perguntas anteriores, gostaria de propor quatro abordagens pragmáticas para um país com prevalência bastante baixa. O país pode começar com a apresentação dos sentinelas do soro em um local pequeno, e apresentar uma pesquisa de comportamento sexual e o segundo passo é a aceitação se for um problema. Se não for um problema, declare-o como um problema potencial de HIV/AIDS. Politicamente, é um problema a ser aceito em público. E o terceiro passo é a introdução de intervenções seletivas pragmáticas, uma vez que os recursos são limitados. A intervenção mais custo-efetiva é a promoção de preservativos nos grupos de risco, já que se o senhor souber o número de soropositivos, o modo mais eficaz e mais custo-eficiente é a interrupção das infecções de A para B. O quarto passo pode ser uma abordagem mais abrangente em termos de pobreza e AIDS por meio de uma comissão nacional de AIDS mais organizada. Assim, a verdadeira mensagem é enfrentar a AIDS com firmeza e de imediato, independentemente de ser um problema real ou potencial.

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Dr. Michel Kazatchkine, França Vamos agora analisar os desafios mencionados. Eu ouvi muitos, logicamente, como os senhores, e não teremos tempos para abordar todos. Gostaria de começar com três questões. A primeira trata de coordenação, em nível nacional e internacional. Gostaria de falar sobre a melhor forma de utilização e canalização dos fundos disponíveis. E depois gostaria de falar sobre o acesso aos cuidados de saúde. E, se tivermos tempo, falaremos sobre os recursos humanos. Ouvimos principalmente de nossos colegas africanos que na África deveria haver um programa de âmbito nacional. Assim, existiriam programas dos doadores, cada um com suas próprias restrições com relação ao que deveria ser implementado, à natureza do programa, e até às vezes à natureza dos medicamentos a serem usados para tratamento e restrições no monitoramento e avaliação. E temos um número de órgãos das Nações Unidas envolvidos. Cada órgão desempenha uma função que penso estar obscura e sempre sobreposta ao papel dos bilaterais. Temos ouvido falar da enorme perda de tempo e de esforços que essa sobreposição tem custado. O Dr. Ndoye falou sobre o assunto com bastante clareza. Falamos sobre os Três Pontos Únicos. Falamos sobre o conflito potencial de um programa nacional, um Mecanismo de Coordenação de País (CCM) e os Três Pontos Únicos. Como o CCM está afetando essa situação? Dr. David Kihumuro Apuuli, Uganda Passo grande parte do meu tempo falando sobre a importância da coordenação. Devemos reconhecer que as pessoas trabalham no problema do HIV/AIDS por diferentes motivos. Alguns por motivos filantrópicos, alguns por terem preocupações genuinamente humanas e outros por almejarem lucro estritamente financeiro. Isso foi um problema no início de 2001. E tivemos de criar diferentes sistemas e conseguimos. Tivemos bastante ajuda. Solicitamos à UNAIDS e à OMS para nos enviarem assistência. Demorou cerca de cinco meses para haver um consenso sobre o que deveria ser feito. As Nações Unidas, os bilaterais, antes de comparecer às reuniões, primeiro se reuniam e chegavam a uma posição. Quando compareciam, concordavam com a agenda de um determinado assunto e apenas um deles representava o grupo. Mas o maior desafio é, logicamente, a coordenação no nível mais baixo. Uma vez que temos uma estrutura que foi acordada por consenso, é hora de termos uma subcomissão dessa estrutura que unirá todos esses programas e garantirá que sejam complementares de outros.

Dr. Ibra Ndoye, Senegal Precisamos verificar o problema em termos de coordenação da AIDS. Na declaração das Nações Unidas em 2001, ficou acordado que havia um contexto de ação exclusiva e penso que nos Três Pontos Únicos, o contexto de ação permite que todos os parceiros interfiram em todos os países. Os países também foram solicitados a elevar a liderança aos níveis do Presidente ou do Primeiro-Ministro na África para garantir uma resposta apropriada de todos os setores. A maioria dos países africanos tem respeitado essas regras. Os conselhos nacionais, pelo menos o conselho nacional do Senegal, não apenas consideram os parceiros nacionais, como também os bilaterais, o sistema das Nações Unidas, a sociedade civil e o setor privado. No início, não foi fácil porque quando começamos esse trabalho no Senegal, o Ministério da Saúde também almejava a liderança no combate da malária e da tuberculose, criando uma concorrência entre o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de AIDS, o que é obviamente um problema de coordenação. Esta manhã, pensei comigo mesmo que se precisamos respeitar os Três Pontos Únicos, não seria uma boa idéia

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ter um CCM 1 (Mecanismo 1 de Coordenação de País) no combate à malária e à tuberculose em nível de Ministério da Saúde e também ter um CCM 2, apesar de estar integrando o contexto de ação contra o HIV/AIDS. Sendo assim, faço a pergunta porque precisamos encontrar em algum lugar uma solução que nos ajude na execução dos projetos financiados pelo Banco Mundial e assim por diante. Faço a pergunta porque esses fundos não existiam antes. Acho que a coordenação foi liderada em nível de Ministério da Saúde. Não devemos perder tempo hoje por causa de uma falta de coordenação. Dr. Michel Kazatchkine, França Obrigado. Pedirei a Brad Herbert para tecer comentários mais tarde sobre as questões de CCM e a Gottfried para comentar, em nome das Nações Unidas, qual seria o papel eficaz dos diversos órgãos e qual deveria ser o papel ideal em nível nacional e internacional. Viroj ou Alexandro, os senhores têm algum comentário sobre a coordenação internacional? Dr. Alexandro Grangeiro, Brasil Sobre a questão da cooperação, gostaria de lembrar a todos sobre o importante papel desempenhado pelas organizações internacionais. A disseminação do HIV/AIDS deve representar para eles uma nova oportunidade de fazer negócios e acordos de cooperação com os países afetados. Devemos esquecer a idéia de que alguns conhecem a verdade, enquanto outros não; devemos abandonar determinados padrões de dominação cultural e intelectual. Os países em desenvolvimento sabem muito bem como enfrentar a epidemia e necessitam que as organizações internacionais priorizem e complementem a ação governamental. Também gostaria de fazer alguns comentários sobre a ação do Fundo Global. O Brasil não está implementando projetos com o Fundo, embora estejamos trabalhando com o financiamento do Banco Mundial. Desde o primeiro dia, decidimos que o programa Nacional de AIDS seria totalmente responsável por esses projetos, a fim de manter uma resposta integrada à epidemia. Dentro do Programa Nacional, criamos “Comitês” que garantem uma ampla participação no processo de tomada de decisões. Sempre que criamos uma estrutura paralela, como ocorre com o CCM, criamos poderes, conflitos e duplicações paralelas que prejudicam a eficácia dessa resposta. Dr. Tangcharoensathien Viroj, Tailândia Estou bastante pessimista em termos de coordenação e não acho que exista uma resposta fácil. Tenho trabalhado em estreita colaboração com o Laos e o Camboja e tenho visto muitos problemas lá em termos de doadores bilaterais. No ano passado, economistas publicaram um documento muito bom. Na lista de doadores bilaterais mencionados estavam um americano e um japonês. Não estou criticando, mas refiro-me à publicação do The Economist que menciona um escandinavo como o melhor bilateral em termos de criação de capacidade. Foram enfatizados infra-estrutura, compra de equipamentos e veículos, equipamentos, máquinas adicionais, camas hospitalares, etc. Alguns órgãos escolheram três províncias do norte, outros escolheram duas províncias centrais, enquanto as ONGs escolheram outras duas províncias do sul; houve uma fragmentação. Estou bastante pessimista quanto à coordenação eficaz, e peço uma maior atenção por parte dos doadores multilaterais e bilaterais cujo comportamento deveria ser melhor.

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Dr. Michel Kazatchkine, França Permitam-me abordar outra questão agora. A questão referente ao melhor uso dos fundos disponíveis. A Dra. Elizabeth disse que os fundos estão finalmente chegando. Existe uma questão óbvia quanto ao que os tecnocratas chamam de capacidade de absorção. Ouvimos que, no âmbito de país, o financiamento de HIV/AIDS pode concorrer com outras questões de saúde quando tal volume de dinheiro é canalizado para uma determinada doença. Como os países tratarão outras prioridades de saúde e as Metas de Desenvolvimento do Milênio? Ouvimos que o dinheiro que chega restringe o modo como os programas devem ser implementados. Isso logicamente é um pouco exagerado, mas para fins de discussão, ouvi de um lado "vamos devagar, mas sabendo onde estamos pisando (em terra firme)". Vimos o Brasil e a Tailândia confiarem principalmente nos seus recursos nacionais. Vimos o Senegal, que também disse "vamos aumentar nossos cuidados e nosso acesso ao tratamento, mas não mais do que conseguimos fazer no momento". Por outro lado, ouvi Uganda dizer, “vamos enfrentar o desafio de acessar os Fundos Globais, mais o Banco Mundial, além de outros com montantes bastante grandes de dinheiro” e tentar gerenciá-los de modo eficaz. Esses são os principais desafios para os próximos dois a três anos. Gostaria que comentasse se seria aconselhável ir devagar, e, como resultado, deixar algumas pessoas de lado porque, se entendo bem, na verdade, o Brasil fornece tratamento a 25% do número calculado de pessoas infectadas no país. E a Tailândia pode ter menos de 10% e o Senegal também. Pode-se dizer "nós fornecemos tratamento a um número mais elevado de pessoas que realmente conhecem seu status", mas alguém poderia argumentar "vamos utilizar bem mais financiamentos para sermos bem mais agressivos". Como representante de Uganda, o senhor disse: "vamos identificar mais casos e tratar um número maior de pessoas se desejarmos realmente enfrentar o desafio". Dr. David Kihumuro Apuuli, Uganda

É preciso compreender que as pessoas com AIDS são seres humanos e acho que devemos reconhecer que os estudos sobre custo-efetividade ou tratamento não são mais questionáveis quando alguém oferece tratamentos ARV. Também é preciso entender que, em termos da família como uma unidade, como um domicílio e normalmente na pobreza, as necessidades de cuidados para os idosos e os doentes são dimensões que desafiam o ser humano em termos de eqüidade. É verdade que a questão da sustentabilidade desses programas surge quando consideramos o fornecimento de ARVs gratuitos. Essa é uma questão importante porque não sabemos por quanto tempo é possível e o que acontecerá após o Fundo Global. Sendo assim, acho que precisamos nos mobilizar bem rápido. Já mencionei o número de pessoas que perdemos: cerca de um milhão de pessoas e, para nós, isso foi o epicentro da epidemia. Houve uma Cúpula dos Chefes de Estado da África Central e na África Austral que discutiu o que fazer quando os fundos acabarem. Em um comunicado, disseram que os governos devem começar a reservar alguns recursos para os tempos difíceis. Podemos começar a pensar sobre este futuro e começar a fazer um planejamento para os tempos difíceis quando os recursos do Fundo Global e de outras fontes não forem suficientes para nos sustentar. Desejamos que, nesse momento, os preços tenham diminuído o suficiente para podermos prosseguir.

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Dra. Elizabeth Madraa, Uganda Gostaria de chamar atenção para a diversidade nesta mesa. Se compararmos o Brasil e a Tailândia com outros países, existem algumas diferenças básicas. Gostaria de analisar a epidemia e verificar como atinge cada um dos países de forma diferenciada. Quando falo sobre a melhor forma de utilização dos recursos, estou tentando analisar as questões de HIV/AIDS e o que os países têm feito – nós analisamos o plano de redução da pobreza, estamos tratando das questões de HIV/AIDS como uma doença, estamos analisando a questão de infra-estrutura e como o sistema funciona dentro do programa. Estamos novamente considerando a questão da pobreza dentro dos domicílios atingidos por esta epidemia, que deve ser tratada. Não se pode tratar da questão dos setores sociais ou do apoio aos domicílios isoladamente. É preciso ir além; ou seja, considerar a questão do apoio da comunidade. O Dr. Apuuli mencionou os órfãos. São todas questões trazidas pelo HIV/AIDS com outras doenças com inúmeros problemas sociais. Às vezes, o dinheiro chega independentemente dos planos existentes em âmbito nacional, apoiando a mesma questão, como o Programa Multinacional para HIV/AIDS (MAP). Depois outro programa diria que estavam enviando dinheiro para as organizações da sociedade civil. Com o mesmo canal, envia-se dinheiro e coordena-se o procedimento sem saber quem apoiou o quê e qual é a lacuna que precisa ser preenchida, e assim os recursos chegam. Neste momento, teremos um grande e importante apoio em termos de ação neste programa. Por que considerar a abstinência separadamente, analisando somente a prevenção. E o tratamento da questão principal. Isso é novamente uma questão onde não desejamos examinar como esse dinheiro está sendo usado e a questão de as mulheres estarem sendo cada vez mais infectadas. Sendo assim, Sr. Presidente, devemos analisar o melhor uso dos recursos, e precisamos fazer um planejamento estratégico quanto aos locais onde desejamos aplicar os recursos. Dr. Ibra Ndoye, Senegal Bem, sobre a questão dos recursos, não fomos ousados no início porque quando vimos o convite para obter financiamento do Fundo Global, verificamos que havia muito dinheiro, mas nosso plano estratégico no período de seis anos foi de US$ 100 milhões e tivemos US$ 30 milhões do Estado proveniente do programa de redução da pobreza, mais o que o Estado fornece anualmente em fundos, US$ 30 milhões com o projeto do MAP e US$ 15 milhões dos outros parceiros. Sobraram US$ 25 milhões. Poderíamos ter dito que faríamos uma solicitação de US$ 25 milhões ao Fundo Global, mas pensamos em solicitar apenas US$ 11 a 13 milhões e tentar ver o resultado em termos de eficácia, já que quando a epidemia começou, não havia suficiente para permitir que outros países se beneficiassem desses fundos. Existe um problema de procedimento com alguns parceiros. Às vezes, os países são acusados de atrasar e criar problemas na absorção de crédito, mas normalmente nos pedem que preparemos um planejamento de trabalho anual e que forneçamos os fundos para a devida execução. Existem reuniões administrativas da Diretoria e, conseqüentemente, perda de tempo; ou seja, o dinheiro não chega a tempo nos países. Assim, gostaria que todos pensassem sobre o problema de disponibilidade e sobre a possibilidade de uma rápida mobilização dos fundos em âmbito nacional. Isso em termos de recursos disponíveis. Acho que seria muito bom ter a disponibilização dos recursos nos países. No Senegal, se tivéssemos de aguardar o Fundo Global, e até mesmo no início do programa MAP, teríamos rupturas do tratamento. Este é o motivo pelo qual pensamos que para fins de sustentabilidade, os países acabam se envolvendo também. No caso de o Fundo Global não ter mais fundos ou de o apoio internacional não chegar, os programas devem prosseguir de

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qualquer forma. Mas penso que os programas devem começar com os países alocando recursos do orçamento para os tratamentos ARV. Em um país financiado apenas pelo Fundo Global, e onde o Banco Mundial não aloca fundos para um orçamento ARV, haverá problemas a longo prazo. Dr. Alexandro Grangeiro, Brasil Hoje estamos em uma situação bastante diferente de 10 anos atrás; hoje ninguém pode questionar a importância do acesso gratuito e universal ao tratamento. Contudo, lutamos quando temos de priorizar os escassos recursos disponíveis. Aqui gostaria de colocar em discussão uma questão polêmica: Trata-se de fato de uma questão de financiamento, ou as condições institucionais existentes nos países afetados são inadequadas para atender as necessidades atuais? Este é o problema. Acredito que essas condições sejam totalmente inadequadas para uma absorção eficaz dos fundos disponíveis. Todos os atores principais, inclusive a sociedade civil, as organizações internacionais e as instituições nacionais e locais devem enfatizar a necessidade de elevar a eficácia dos países em termos de compra e aquisição; além de aumentar a transparência e reduzir a corrupção. Dr. Tangcharoensathien Viroj, Tailândia Houve dois experimentos internacionais nos últimos três ou quatro anos. Os países com renda nacional bruta inferior a US$ 1.000 normalmente gastam menos de US$ 10 per capita em saúde, optando por comprar uma vacina infantil a um preço de US$ 5 por dose. Se o Fundo Global terminar em cinco anos, os programas não serão sustentáveis. Esse tipo de análise nos leva a desafiar o apoio do Fundo Global. A única resposta sustentável é o tratamento eficaz e de baixo custo. O país terá de escolher e ser responsável, ou seja, não deve pensar no dia de hoje, mas sim daqui a cinco anos ou mais. O preço dos medicamentos e tratamentos anti-retrovirais é fundamental em termos de sustentabilidade. Dr. Michel Kazatchkine - Comentários Falou-se bastante sobre o desafio do acesso de pessoas aos cuidados de saúde, mas elas não sabem nada sobre sua condição sorológica. Ouvimos a preocupação do Dr. Viroj quanto ao que acontecerá quando todas as pessoas com uma IO conhecida e uma necessidade óbvia de tratamento tiverem entrado no sistema. Existe outro ponto que gostaria de destacar, o fato de que todas as discussões estão realmente focadas no que denominamos a emergência da AIDS. Logicamente, é uma emergência o combate a uma doença que está se tornando crônica, e acho que estamos pensando bastante em termos de intervenções, de modo semelhante àquelas que teríamos em uma situação aguda, em vez de pensar na doença crônica. Ouvimos sobre o custo dos medicamentos. E também todos os números em termos do que denominamos tratamentos de primeira linha. Quando as pessoas precisarem mudar para as possibilidades de segunda e de terceira linhas, precisaremos ter laboratórios mais sofisticados para monitorar os tratamentos. Os custos serão bem mais elevados. Ouvi bastante sobre os recursos humanos. O dinheiro está nas ONGs, conforme ouvimos de Uganda, ou no setor público ou privado. Também ouvimos sobre a necessidade de procurar modos alternativos de fornecimento de cuidados, e ouvimos sobre os cuidados comunitários, principalmente no norte da Tailândia. Na verdade, não temos tempo para examinar os detalhes de monitoramento e avaliação sobre o que devemos medir em termos de impacto, curto prazo, longo prazo, incidência, prevalência, mobilidade, mortalidade ou alguns dos muitos outros aspectos

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sociais da AIDS, já que estamos fornecendo uma resposta abrangente. Ouvi duas questões que são mais específicas. A primeira trata da questão internacional versus a questão nacional, enquanto a segunda trata de como lidar com isso no futuro. Viroj mencionou esses pontos de forma resumida. Existe uma ação positiva na fronteira Tailândia-Mianmar, mas também existem muitos problemas naquela região. E também a questão do platô. Vimos em Uganda essa incrível redução de 18% para 6% de prevalência e agora vemos o platô de prevalência de 6% que é logicamente bastante elevado. E qual a razão para a existência do platô e como lidar com ele, após ter conseguido esse enorme sucesso na redução da prevalência.

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Considerações finais

Joseph Ingram Brad, o senhor e a OMS podem, por favor, fazer algumas considerações finais em nome dos órgãos. Michel fez algumas perguntas específicas que espero os senhores possam responder, principalmente a OMS. Brad Herbert, Fundo Global - Comentários Primeiro, permitam-me abordar algumas outras perguntas que surgiram referentes ao Fundo Global. Permitam-me dizer categoricamente que o Fundo Global apóia integralmente os conceitos de harmonização, coordenação e os Três Pontos Únicos. Seria impossível para o Fundo Global ter êxito se ignorasse esses conceitos. O Fundo Global concede subsídios após dois anos inicialmente. São precisos cerca de dois anos para colocar em prática um novo sistema em âmbito nacional. Também são necessários dois anos para desenvolver um novo sistema harmonizado, um novo sistema de relatórios. Não temos tempo disponível nem podemos ser escravos do tempo, criando algo novo para uma nova organização. Com relação a nós, e falo como Chefe de Operações do Fundo Global; apoiamos integralmente os Três Pontos Únicos. Acho que houve uma certa confusão nos primeiros dias sobre o CCM. Simplesmente realizamos 24 estudos de caso em 24 países de CCMs, e o problema sobre os Três Pontos Únicos está se tornando um tanto do CCM. É um problema que está basicamente desaparecendo em muitos países. Ainda existe em alguns países e também em Genebra. Mas não existe em todos os países onde estamos fazendo negócios. Assim, acho que são comparáveis, precisam ser comparáveis e certamente faremos tudo para torná-los comparáveis. Sobre o uso do dinheiro. Desejo que o Fundo Global passe o mais rápido possível de desembolsos trimestrais para desembolsos semestrais ou anuais. Precisamos aplicar as lições aprendidas; precisamos gerenciar nosso risco. E isso significa que se o senhor for um beneficiário com bom desempenho, se tiver programas contínuos com outros parceiros e os senhores forem bem-sucedidos, forneceremos recursos mais facilmente. É uma direção que precisamos tomar em termos de risco de gestão. Não podemos continuar a ter custos de transação elevados. Desembolsamos dinheiro de acordo com o desempenho. Estou bastante satisfeito por termos acabado de realizar uma análise das 25 concessões que estão celebrando o seu primeiro aniversário este mês. Dessas 25 concessões, 48% desembolsaram 91% do dinheiro que haviam solicitado, que estava no programa original de trabalho. Já 32% dos países usaram cerca de 58% do dinheiro. E quanto aos países com os quais estamos preocupados, 20% deles conseguiram gastar apenas 27%. Isso está ligado diretamente ao desempenho que eles atingiram durante os últimos 12 meses. Sobre as perguntas que fui solicitado a responder. Parece-me que a questão da capacidade dos recursos humanos realmente foi direcionada a mim. Quando analiso os 20% dos países que somente atingiram 27%, vê-se que é realmente uma questão de capacidade de absorção. Mas após dizer isso, deixe-me mudar de direção. Não acho que seja apenas capacidade de absorção. Penso que seja mais uma questão de distribuição de capacidade dentro dos países. Acho que o que precisamos fazer é abrir os mercados. Sim, existe uma função absoluta do setor público. Mas sabemos que o Fundo Global significa um dinheiro adicional. Isso significa trabalho adicional. E temos condições de dedicar cinco ou dez anos à construção do setor público até absorver esse dinheiro adicional? Ou devemos encontrar caminhos para desencadear o talento que existe nesses

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países, desencadear a capacidade de nossos parceiros técnicos, UNAIDS, OMS e outros que tentaram, mas que ainda não possuem financiamento para isso. Esta é uma questão importante que precisamos enfrentar. Como será financiada a assistência técnica necessária que pode ser gerada para ajudar a desencadear o talento nesses países? Esta é uma questão que a diretoria do Fundo Global e as diretorias dos respectivos órgãos aqui presentes precisam considerar. Quando desencadeamos o talento, precisamos desencadear o talento das mulheres nesses países. Se os senhores prestarem atenção a este ótimo livro que o Banco Mundial publicou sobre educação, existe um gráfico onde é mostrado que as mulheres representam o dobro das vítimas de HIV/AIDS. E não ouvi quase nenhuma discussão hoje sobre o papel das mulheres na ajuda ao tratamento dessa doença. Sendo assim, quando pensarmos em termos de distribuição de capacidade, vamos pensar também no papel das mulheres. As mulheres africanas podem participar integralmente da solução da AIDS. Em nome do Fundo Global, gostaria de agradecer ao Banco Mundial e a UNAIDS por nos convidar. É uma excelente oportunidade para nós ouvir o que está acontecendo nesses países. No meu país, temos uma expressão: “Nada ecoa mais alto do que o sucesso”. Penso que todos os quatro países demonstraram níveis de sucesso. Mas também sinto uma sensação bastante desconfortável, já que outros 100 países lá fora não estão tendo tanto êxito. Os desafios ainda continuam lá fora. E gostaria de questionar como reproduzir tudo isso? Como utilizar o que os senhores aprenderam e conseguiram fazer e reproduzir nos outros países? Dr. Gottfried Hirnschall, OMS

Gostaria de abordar o desafio da coordenação primeiro e fazer algumas observações adicionais. A OMS está apoiando integralmente o conceito dos Três Pontos Únicos. Não queremos apenas falar sobre o assunto; gostaríamos de trabalhar em conjunto em âmbito nacional para chegarmos a soluções específicas do país e ficarmos compatíveis com essa questão. É óbvio que precisamos ir além da fase conceitual e passar de fato para uma resposta operacional referente ao conceito dos Três Pontos Únicos. E esse é o verdadeiro desafio resultante da discussão de hoje. A UNAIDS se comprometeu a trabalhar especificamente para documentar em alguns países como o conceito dos Três Pontos Únicos pode ser tratado. E acho que é o caminho certo para ver de fato como os diferentes países podem responder de diferentes formas. Não creio que exista uma solução que se encaixe em todos os países. Acho realmente que temos de ser criativos e originais; temos de pensar além dos modos tradicionais de trabalho e documentar com bastante atenção o que funciona e o que não funciona. Quanto a OMS, a questão surgiu com o papel da OMS comparado aos órgãos das Nações Unidas e à secretaria da UNAIDS. Estou tentando abordar um pouco o que consideramos o papel da OMS. Nosso mandato é a experiência técnica e as coisas funcionando dentro do setor da saúde. Isso não significa que trabalhemos exclusivamente com o setor da saúde. Logicamente, apoiamos integralmente uma resposta multissetorial de combate ao HIV/AIDS por parte de outros órgãos das Nações Unidas que possuem experiência técnica, como a OIT, sentada à mesa, e o Banco Mundial. Com a UNAIDS em âmbito nacional, a OMS gostaria de trabalhar integralmente no contexto dos grupos de equipes das Nações Unidas. E sabemos muito bem que em alguns países, isso funciona melhor do que em outros lugares. Mas gostaríamos de fortalecer o conceito dos grupos de equipes das Nações Unidas em relação a trabalho e ir além dos grupos tradicionais existentes. Somos na verdade parte da UNAIDS, mas a secretaria da UNAIDS tem fortalecido a coordenação da

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UNAIDS em âmbito nacional em muitos países para cumprir seu papel de forma mais completa. A OMS está recrutando uma outra equipe técnica para compreender melhor o papel nas áreas técnicas em comparação com o setor de saúde. Estamos recrutando no momento 40 pessoas a mais em nossas representações nos países para termos capacidade e competência técnica totais nas representações desses países na área do HIV/AIDS. A segunda questão tratada foi a capacidade de absorção e o uso de recursos comprometidos. Nossa colega de Uganda, Dra. Elizabeth Madraa abordou muito bem a questão. Provavelmente, não é a quantidade de dinheiro que está entrando, é o caminho por onde ele está entrando, o modo como é planejado e também como será usado. E isso novamente se refere ao primeiro ponto mencionado. Como podemos coordenar melhor e prever melhor a necessidade de recursos. Uma grande parte das discussões tem enfatizado a necessidade do fortalecimento do sistema de saúde. Nos países onde os sistemas de saúde são fortes, obviamente a resposta é mais forte. Nos países onde os sistemas de saúde são mais fracos, obviamente é mais difícil construir uma resposta abrangente. O argumento que gostaria de colocar é que precisamos ter recursos disponíveis para fortalecer os sistemas enquanto criamos a resposta. Não se pode dizer que vamos primeiro criar um sistema e depois responder. Penso que essas coisas precisam caminhar lado a lado e o ponto principal é ter os recursos disponíveis, tanto recursos humanos e financeiros quanto a capacidade técnica para montar de fato a estrutura, enquanto estivermos vencendo obstáculos e, por isso, o financiamento é essencial. Tem havido algumas discussões sobre prevenção, tratamento, cuidados e tudo isso não é muito ambicioso, Estratégia Três por Cinco? Nós na OMS não achamos ambicioso demais. Talvez não seja ambicioso o suficiente. Mesmo assim, 50% das pessoas que deveriam receber o tratamento viverão sem ele. E alguns anos atrás, ninguém ousaria dizer: “bem, se há tratamento disponível, por que não oferecer às pessoas que vivem no sul, nos países mais pobres?” Isso era algo que na verdade ninguém poderia dizer. Mas agora podemos. Podemos dizer que durante um período específico, um determinado número de pessoas deverá receber o tratamento, e um tempo depois todos deverão receber o tratamento. Sendo assim, vamos procurar os recursos para fornecer o tratamento de fato. Devemos estar atentos para não dizer: “apenas forneça o tratamento e não faça mais nada”. É óbvio que defendemos uma resposta abrangente e bem equilibrada e que precisa tratar das necessidades na área de prevenção, tratamento e cuidados. O estranho agora é que quando dizemos que 50% das pessoas devem ter tratamento, essas pessoas que não queriam falar sobre tratamento antes, agora mudaram de posição e dizem que querem. Este é um assunto bastante difícil porque levanta a questão da eqüidade. Quem deve receber o tratamento primeiro e quem deve receber depois? Acho que o argumento que estamos tentando elaborar é o seguinte: vamos começar sim, bem rápido, mas com apoio total e com a maior quantidade possível. Alguns pontos também versaram sobre a resposta que a OMS gostaria de fornecer aos países. Normalmente, existe uma falta de capacidade gerencial e se nós. como órgãos das Nações Unidas, somente enfocarmos os recursos técnicos, sabemos que não forneceremos um serviço bom o suficiente. Assim, existe uma clara lição de que devemos melhorar a nossa capacidade gerencial para fornecer uma melhor assistência nas áreas onde existem carências. Os pontos importantes são: aquisição e gestão de cadeia de suprimentos, determinação de preços e negociações de preço. A redução dos preços para fins de sustentabilidade tem surgido em diversas ocasiões. Estamos

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trabalhando na criação do sistema de serviços de medicina e de medicamentos para a AIDS, o AMDS, que deve ser um serviço usado pelos países para obter informações sobre os melhores preços, sobre questões de aquisição, mas também sobre como melhorar o sistema de gestão da cadeia de suprimentos. O sistema acaba de ser criado. Está sendo usado como um modelo que a instalação de medicamentos globais criou para a tuberculose, e desejamos que esteja disponível para todos dentro de um período relativamente pequeno. Outra questão que surgiu é como podemos aprovar a aprendizagem por todos os países. Garanto a os senhores que vemos uma poderosa participação da OMS na facilitação do processo. E novamente, não deveriam ser apenas os típicos intercâmbios entre os que têm e os que não têm. Como o Brasil, os países na África têm feito grandes progressos. Os países da Ásia deveriam poder ter acesso a esse conhecimento, e verificar se o que eles aprenderam pode ser bem aplicado em outros países. Na minha opinião, como parte de nossa estratégia Três por Cinco, precisamos ver como podemos promover esse intercâmbio. Estou ciente de que temos pouco tempo. Vou parar aqui. Como último comentário, gostaria de dizer que foi bastante encorajador para mim verificar que os problemas que foram identificados nas discussões estão basicamente agrupados dentro dos cinco pilares que colocamos em nossas estratégias Três por Cinco. E que existe este comprometimento e esta defesa no nível mais elevado; uma política e uma orientação normativa por parte da OMS; e novamente um processo mútuo de aprendizagem que precisa acontecer. Também incluo a pesquisa operacional e as parcerias. Ninguém pode fazer isso sozinho. Precisamos trabalhar juntos nesse empreendimento, e no que depender da OMS, isso inclui o fornecimento de assistência técnica e gerencial para países e programas. Joseph Ingram - Considerações finais Primeiro, gostaria de agradecer a todos os representantes dos países pelas intervenções, e aos outros palestrantes e participantes da mesa-redonda também. Este foi um dia rico em informações e experiência prática. Gostaria de acrescentar algo ao que disse em minhas considerações iniciais. Falei sobre o Consenso de Copenhagen e sobre o fato de que oito economistas que se reuniram no mês de maio, inclusive os três ganhadores do Prêmio Nobel, concordaram que, dentre as dez principais questões globais a serem resolvidas, a que mais traria benefícios em termos de custo, trata do combate ao HIV/AIDS. De acordo com o que aprendemos hoje, penso que é mais fácil falar do que fazer. E o modo de obtenção dos benefícios não é tão fácil. Todos nós podemos reconhecer os benefícios em relação aos custos do desenvolvimento social e econômico, mas nunca esquecer da moralidade. Mas o que aprendemos hoje é que para isso, são necessários um pensamento estratégico, uma visão e um comprometimento com o tratamento e com as medidas preventivas. Finalmente, quero dizer algo sobre coordenação, ponto bastante mencionado hoje. Acreditamos firmemente que a adesão do país é absolutamente essencial na luta contra o HIV/AIDS. E o fato de estarmos apoiando os governos por meio da implementação dos programas de estratégia de redução da pobreza (PRSPs) é testemunho dessa crença. Acreditamos que o PRSP seja um instrumento importante, apesar de ainda ser um projeto em fase bem inicial, como já dito anteriormente; é um processo bastante dinâmico e as gerações mais novas de PRSPs estão bem melhores do que as primeiras gerações, e elas continuarão a melhorar. Mas o processo que é colocado em prática é a parte mais importante, uma vez que coloca o governo no controle da

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situação. O modo de escolha do governo para a utilização deste processo determinará o grau de êxito na coordenação, não apenas dos diversos ministérios dentro do governo e da comunidade de ONGs dentro de cada país, mas também o grau de êxito na obtenção de doadores para a coordenação entre eles. Penso que o Dr. David e a Dra. Elizabeth, ao descreverem a firme posição de que o governo de Uganda e seu Presidente estão sendo comparados aos doadores, estão basicamente agradecendo ao Sr. Bush pelos US$ 150 milhões, mas deixam claro que tudo será feito de acordo com as nossas condições e não segundo o governo americano. Queremos ser os proprietários deste programa; não queremos um programa predefinido e que nos diga: "OK, aqui estão US$ 150 milhões; eis o modo como queremos que os senhores implementem o programa!" Assim, acredito e desejo que o processo PRSP seja visto como um instrumento pelo qual os governos possam coordenar de modo mais eficaz todo o tipo de ajuda, além da implementação de uma política, em âmbito nacional e em nível global ou internacional. Por último, nos últimos meses, tenho recebido visitas de pessoas da OMS e da OIT, e as discussões nos dois casos se concentraram em como elas (OMS e OIT) podem se envolver mais no processo PRSP em âmbito nacional. Como nós, comunidade de doadores, podemos utilizar esse processo de modo mais útil para ter certeza de que nossa assistência seja aplicada de modo eficaz? Como podemos na verdade atender as prioridades do governo? São esforços sérios por parte da OMS e da OIT, além de ser um sinal encorajador. O fato de a OMS estar fortalecendo sua presença com o recrutamento de 40 novas pessoas em âmbito nacional para trabalhar no combate ao HIV/AIDS é, ao mesmo tempo, um sinal encorajador, principalmente, se essa equipe for utilizada em países onde uma política eficaz e uma coordenação de doadores estiverem sendo implementadas com o uso de instrumentos institucionalmente gerenciados, como o PRSP.

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