23
RESSIGNIFICAÇÃO DA CIDADE: As pontes João Luís Ferreira, Juscelino Kubitschek e Mestre João Isidoro França na construção da paisagem cultural ribeirinha da cidade de Teresina FERREIRA, CAMILA S. (1); MATOS, KARENINA C. (2) SOARES, MOEMA S. (3) 1. Universidade Federal do Piauí. Departamento de Construção Civil e Arquitetura Avenida Abdias Neves, 285 [email protected] 2. Universidade Federal do Piauí. Departamento de Construção Civil e Arquitetura Rua Vereador Luís Vasconcellos, 975 [email protected] 2. Universidade Federal do Piauí. Departamento de Construção Civil e Arquitetura Rua Vereador Edmundo Geuino de Oliveira, 3501 [email protected] RESUMO Teresina é a única capital nordestina não litorânea, entretanto os rios Poti e Parnaíba moldam a paisagem e dão uma identidade única na cidade. Devido a sua posição estratégica, foi consolidada ás margens do rio Paranaíba, a fim de estreitar o relacionamento comercial com o estado do Maranhão. Nessa paisagem foram construídas nove pontes que se tornaram um marco urbano e através delas é possível contar uma parte da história cidade. Elas são marcadoras da transformação urbana, dotadas de memórias e significados. Três dela estão sob o rio Parnaíba, ligando Teresina ao Maranhão, as demais estão sob o rio Poti ligando o núcleo central ás demais zonas. As pontes configuram-se como marcos urbanos pela sua singularidade do contexto onde estão inseridas, sendo elementos visuais, carregando em si a identidade local e convertendo-se em referenciais para o usuário da cidade. Notoriamente, para que Teresina se expandisse além rios, foi preciso traspassá-los, criando pontes.

RESSIGNIFICAÇÃO DA CIDADE: As pontes João Luís Ferreira ... · RESSIGNIFICAÇÃO DA CIDADE: As pontes João Luís Ferreira, Juscelino Kubitschek e Mestre João Isidoro França

Embed Size (px)

Citation preview

RESSIGNIFICAÇÃO DA CIDADE: As pontes João Luís Ferreira,

Juscelino Kubitschek e Mestre João Isidoro França na construção

da paisagem cultural ribeirinha da cidade de Teresina

FERREIRA, CAMILA S. (1); MATOS, KARENINA C. (2) SOARES, MOEMA S. (3)

1. Universidade Federal do Piauí. Departamento de Construção Civil e Arquitetura

Avenida Abdias Neves, 285

[email protected]

2. Universidade Federal do Piauí. Departamento de Construção Civil e Arquitetura

Rua Vereador Luís Vasconcellos, 975

[email protected]

2. Universidade Federal do Piauí. Departamento de Construção Civil e Arquitetura

Rua Vereador Edmundo Geuino de Oliveira, 3501

[email protected]

RESUMO

Teresina é a única capital nordestina não litorânea, entretanto os rios Poti e Parnaíba moldam a

paisagem e dão uma identidade única na cidade. Devido a sua posição estratégica, foi consolidada ás

margens do rio Paranaíba, a fim de estreitar o relacionamento comercial com o estado do Maranhão.

Nessa paisagem foram construídas nove pontes que se tornaram um marco urbano e através delas é

possível contar uma parte da história cidade. Elas são marcadoras da transformação urbana, dotadas

de memórias e significados. Três dela estão sob o rio Parnaíba, ligando Teresina ao Maranhão, as

demais estão sob o rio Poti ligando o núcleo central ás demais zonas. As pontes configuram-se como

marcos urbanos pela sua singularidade do contexto onde estão inseridas, sendo elementos visuais,

carregando em si a identidade local e convertendo-se em referenciais para o usuário da cidade.

Notoriamente, para que Teresina se expandisse além rios, foi preciso traspassá-los, criando pontes.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Algumas transformaram-se em cartões postais, e na maioria assumem um nome popular, dando

identidade ao local que estão inseridas. Nessa perspectiva de crescimento, surge a primeira ponte da

cidade, ligando o Piauí ao Maranhão, oficialmente nomeada João Luís Ferreira conhecida como Ponte

Metálica em virtude do material utilizado na sua construção. Esta caracterizou-se como o primeiro

marco urbano, na década de 40, sendo hoje um cenário consolidado do centro histórico teresinense e a

única tombada como patrimônio histórico nacional, pelo IPHAN, no ano de 2008. Com a expansão

urbana para a zona leste da capital é construída uma nova ponte, chamada de Juscelino Kubitschek,

um marco na década de 60, que se insere em um panorama de constante mudança, que foi mais

notório na década de 90, com as políticas públicas municipais de verticalização. Essa área por sua vez

tem característica recreativa, devido à presença de shoppings e o parque urbano da Poticabana.

Teresina foi assumindo posturas diferentes à medida que as pontes eram inseridas na paisagem, dessa

forma a cidade foi determinada a mudar de ares e assumir outros símbolos, como foi o caso da ponte

Estaiada. A ponte José Isidoro França, conhecida como ponte Estaiada, devido aos cabos atirantados

que são fixados em sua base, conta com um mirante em sua estrutura, tornando-se um ponto turístico

da capital desde o ano de 2010. Sua inserção mudou por completo a paisagem local, permitindo o

prolongamento da avenida Raul Lopes para abrigar suas alças, estreitando a relação das pessoas com

o rio Poti. Assim, o objetivo dessa pesquisa é analisar a paisagem cultural ribeirinha de Teresina, a

partir da influência das pontes em cada zona, ressaltando-as como elemento simbólico, na criação de

uma identidade urbana. A metodologia adotada foi levantamento fotográfico, histórico e de dados, além

de entrevistas com as pessoas que se inserem diariamente no cenário criado pelas pontes.

Palavras-chave: Pontes; Rios; Marco urbano; Paisagem cultural; Fonte Arial 10, separadas por ponto

e virgula, três a cinco palavras.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

1. INTRODUÇÃO:

As cidades são compostas por um conjunto de elementos, edificados ou não, que se agregam

e formam a paisagem urbana. A primeira definição de paisagem foi proposta por Carl Sauer,

onde o mesmo a conceituava como um conjunto de formas naturais e culturais associadas em

área. A partir desse conceito pode-se inferir que a paisagem cultural urbana é formada pelas

transformações sofridas pelo o local ao longo do tempo e sempre terá um elemento

identificador.

A história da cidade é testemunha das transfigurações sofridas pela paisagem. Assim, com o

passar dos anos o espaço urbano assume marcos característicos de cada época, que dão à

paisagem um caráter singular e peculiar. Os marcos urbanos são definidores das memórias

da cidade, é a partir deles que a formação da paisagem cultural urbana ganha importância,

pois se cria uma relação de identidade e pertencimento com o local. A criação dos marcos

pode se dar através da relevância histórica ou pelos instrumentos urbanos (planos urbanos,

planos diretores, agendas) que moldam as cidades. Abreu (2011) afirma que a memória

urbana é fundamental na constituição da identidade de um lugar e seu resgate requer o

conhecimento dos processos sociais urbanos ancorados nos lugares em que ocorreram.

O conceito de paisagem cultural foi adotado pela UNESCO em 1992 e incorporado como uma

nova tipologia de reconhecimento dos bens culturais, conforme o artigo 1º da Convenção de

1972, que instituiu a Lista do Patrimônio Mundial.

“ Art. 1º: (1) monumentos: obras arquitetônicas, obras de

escultura monumental e pintura, elementos ou estruturas de

natureza arqueológica, inscrições, cavernas, habitações e

combinações de recursos, que são de valor universal

excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

(2) grupos de edifícios: grupos de construções isoladas ou

reunidas que, pela sua arquitetura, unidade ou integração na

paisagem, têm valor universal excepcional do ponto de vista da

história, da arte ou da ciência; e (3) sítios: obras do homem ou

obras conjugadas do homem e natureza, e áreas, incluindo

sítios arqueológicos, que são de valor universal excepcional do

ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. “

(CONVENÇÃO PARA A PROTECÇÃO DO PATRIMÓNIO

MUNDIAL, CULTURAL E NATURAL - UNESCO, 1972, PAG.02)

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Em âmbito nacional, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), por meio

do artigo 1º da Portaria nº 127, de 30 de abril de 2009, define paisagem cultural como “uma

porção peculiar do território, representativa do processo de interação do homem com o meio

natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores” (IPHAN,

2009).

Partindo dessas definições, será feito neste estudo um recorte espaço/temporal, a fim de

discutir o conceito de paisagem urbana desde os símbolos da cidade de Teresina. Para fazer

mais clara a discussão, escolheu-se implementar o conceito de marcos para Kevin Lynch,

definidos como elementos pontuais, onde sua principal característica é a

especificidade/singularidade, sendo, portanto, um aspecto único e memorável no contexto

urbano que é inserido. Os marcos são utilizados pelos usuários da cidade, que os entendem

como referenciais de um local ou época específica.

Nesta perspectiva, o conceito de paisagem cultural é tratado como aglutinador de memórias,

espaços e marcos. Dentro da cidade fica visível esse entendimento, quando se observa que

determinados símbolos são memorados por sua época e causam uma significação importante

do espaço em que está inserido.

Teresina também passou por esse processo de ressignificação e isso foi observado através

de um dos principais símbolos de crescimento da cidade, as pontes. A capital piauiense é

delimitada por dois rios, o Poti e o Parnaíba, e à medida que Teresina crescia era necessário

atravessar os flumens, para fugir do núcleo central. Notoriamente, para que a cidade se

expandisse para os territórios além rios, foi preciso traspassá-los, criando pontes.

As pontes tornaram-se uma característica única da cidade de Teresina e através delas é

possível observar a formação da paisagem cultural da cidade. A capital piauiense possui nove

pontes que contornam as margens dos rios. Três dela estão sob o rio Parnaíba, ligando

Teresina à Timon, as demais estão sob o rio Pot ligando o núcleo central ás demais zonas.

Algumas dessas pontes transformaram-se em cartões postais, outras passam despercebidas.

Em sua maioria assumem um nome popular, diferente do nome oficial que foi lhe dado,

adquirindo a identidade de onde foram inseridas ou dando identidade ao local. Incrustadas em

nossa malha urbana, as pontes surgem como elos, elementos de conexão da cidade, dentro

da cidade. Com um olhar mais aguçado, é possível ainda dizer que o local em que cada ponte

foi inserida, fomentou a criação de um cenário característico. Fica assim destacado, que o

objeto de estudo são as pontes, na qualidade de marcos e suas influências na criação da

paisagem cultural urbana da cidade de Teresina.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

O recorte temporal definido vai do ano 1940 ao ano de 2010 e o recorte espacial, são três

delimitações dentro da cidade de Teresina. Cada delimitação é representada por uma ponte.

Foram escolhidas três pontes: Ponte João Luís Ferreira (01), Ponte Juscelino Kubistchek (02)

e Ponte Mestre João Isidoro França (03), o que se justifica pelo fato destas serem as mais

representativas para os teresinenses, como situa o mapa abaixo:

Figura 01 – Mapa com a localização das pontes citadas

Fonte: Google, 2016, editada pelas autoras.

As transformações dos espaços juntamente com a inserção de marcos, geram uma discussão

sobre a composição da paisagem urbana cultural, sem deixar de levar em consideração as

singularidades derivadas dos contextos históricos em que os monumentos foram inseridos.

Assim percorre-se a delimitação de espaço e tempo a fim de analisar as mudanças

perceptivas para a população, bem como na captação de símbolos como referências,

destacando a importância dessas mudanças na criação da paisagem cultural.

A proposta metodológica desse trabalho está pautada na coleta de dados, através de

entrevistas, busca de documentos em repartições públicas e levantamento fotográfico, além

da vivência urbana com o espaço das pontes, a fim de criar um estudo histórico que faça

visível a transformação e ressignificação da paisagem cultural de Teresina.

01

03

02

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

2. OS PLANOS URBANOS E A MODIFICAÇÃO DA PAISAGEM:

A província do Piauí nos anos 1800 era economicamente sustentada pela pecuária, em

especial, a criação de gado de corte, dessa forma, o desbravamento dessas terras se dava

pela medida que as fazendas de gado adentravam no território piauiense. Originária de uma

dessas fazendas de gado, surgia a cidade de Oeiras, primeira capital piauiense. Entretanto,

sua localização geográfica, ao sul do estado, era um obstáculo para o escoamento da

produção pecuária e agrícola da província, e assim decidiu-se que era necessária a

transferência da capital piauiense para um local estratégico, onde os pontos comerciais

fossem acessados de forma mais rápida e houvessem mais formas de saída dos bens

produtivos do estado.

A partir desses requisitos, decidiu-se que a nova capital deveria estar próxima aos rios, para

que pudesse ser explorada a navegação comercial e deveria estar próxima dos centros

economicamente ativos da época. Após estudos territoriais feitos por José Antônio Saraiva,

governador da província do Piauí, escolheu-se a Chapada do Corisco, um local de

proximidade com dois rios, o Parnaíba e o Poti, mas de cota geográfica relativamente alta, por

se tratar de uma chapada como forma de relevo – o que evitaria inundações no período das

cheias. O mapa abaixo mostra a localização da cidade de Oeiras e da cidade Teresina,

destacando a proximidade com os rios:

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Figura 02 – Mapa com a localização de Teresina, Oeiras e o rio Parnaíba.

Fonte: Google, 2016, editada pelas autoras.

A fundação da cidade Teresina ocorreu no ano de 1852, tendo sido planejada e executada no

traçado xadrez, característica típica do urbanismo português. Nesse primeiro momento a

cidade nasce delimitada pelo rio Parnaíba, tendo estreita relação comercial com a cidade de

Caxias no estado do Maranhão. É importante destacar que as províncias do Maranhão e do

Piauí, eram divididas apenas pelo rio Parnaíba, a cidade de Teresina, do lado piauiense e o

povoado de Flores, do lado maranhense. Nessas primeiras décadas o principal marco urbano

da cidade é o cais do rio Paranaíba, pois se tratava do ponto mais movimentado, que servia de

entrada e saída de pessoas e mercadoria.

Devido essa relação de estreitamento com o estado Maranhense, as embarcações que saíam

do cais de Teresina, em sua maioria só faziam uma pequena travessia para o estado vizinho.

Na década de 20, o cais teresinense era de extrema importância para população dos estados

do Piauí e Maranhão, pois a ferrovia que vinha de São Luís, capital Maranhense fazia viagem

apenas até o povoado de Flores e para que os viajantes pudessem se deslocar entre os dois

estados era necessário fazer a travessia de barco.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Desde sua fundação até a década de 30 a nova capital piauiense ainda se apresentava como

uma vila, com pouco crescimento populacional e pequenas expansões além do núcleo inicial

de sua fundação.

Nos anos de 1937 a 1942, a capital piauiense passava por um crescente momento de

modernização, fomentado principalmente pela política de Estado do Presidente da República

Getúlio Vargas, que assumira o poder no ano de 1930. Os governantes locais eram

influenciados pelas ideias de populismo e modernização que o governo nacional apresentava,

dessa forma, a cidade de Teresina passou a ganhar “ares” de metrópole. Nesse recorte

temporal, Teresina já era um centro comercial, com 51% da sua população já morando em

zona urbana (Nascimento, 2010).

Em tal espaço de tempo, Teresina recebe em sua paisagem a urbanização de praças, ruas e

avenidas, já possuindo até indícios de saturação no serviço de abastecimento de água. O

intuito era projetar uma nova cidade a partir da antiga, atitudes previstas no Código de

Posturas aprovado no ano de 1939.

De acordo com Nascimento (2010), o Código de Postura de 1939, ditava normas de

comportamento e determinava que as novas construções da cidade devessem ter paredes de

alvenaria de pedra, tijolo e concreto simples. As orientações eram resultado dos interesses

dos mais abastados da cidade, que, em busca de uma melhor localização para suas

moradias, interferiam na especulação imobiliária da época. Inicialmente, Teresina estava

restrita ao bairro Centro, entretanto a classe dominante se fazia incomodada com o pequeno

território em que dividia com casas de taipa e cobertura de palha, fazendo-se necessária a

expansão da cidade para outra zona.

No ano de 1942 é inaugurado o Hospital Getúlio Vargas, o primeiro da capital, concomitante a

esse fato a impressa teresinense anunciava a inauguração dos serviços de navegação aérea,

com uma rota ligando Teresina ao Rio de Janeiro. Além da modernização e alargamento da

principal avenida da cidade, a Avenida Frei Serafim, também ganhava iluminação pública,

passeio arborizado e edificações com gabarito delimitado pelo código de posturas de 1939, já

ditando que tipo de paisagem aquele local deveria preservar. A Avenida Frei Serafim após

essas reformas passou a ser um importante instrumento urbano, pois apontava o crescimento

da cidade para outra zona.

Economicamente, ainda nesse intervalo, o Estado do Piauí se destacava por ser o principal

produtor do País na produção de cera de carnaúba, sendo exportador para países como

Inglaterra e Alemanha. Tendo em vista essa larga manufaturação, eram necessárias vias para

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

o escoamento da produção. Assim resolveu-se projetar uma ferrovia que ligasse Teresina à

cidade de São Luís – entretanto existia um recorte espacial que impedia essa ligação direta.

O estado do Piauí faz divisa com o estado do Maranhão através de um limitório natural, o Rio

Parnaíba. Do lado piauiense, existia a cidade de Teresina, às margens do rio, do lado

maranhense existia o povoado de Flores, atualmente a cidade de Timon. Em meados dos

anos trinta, a linha férrea já chegava ao povoado Flores, entretanto, não havia ainda

atravessado o Rio Parnaíba para de fato chegar a Teresina.

A rotina da população dos dois estados era atravessar o rio Parnaíba em canoas, o que era

inaceitável para elite local e pelo Estado, que visava modernizar a cidade em todos os meios.

Assim surge o projeto da Ponte João Luís Ferreira, inaugurada no ano de 1939, inserida na

paisagem ribeirinha, representando culturalmente, os primeiros surtos de modernização da

capital.

Passados quase 20 anos da realidade acima descrita, a cidade de Teresina já havia tido um

crescimento populacional considerável, a atividade residencial não se abrigava mais somente

no centro da cidade e a necessidade de expansão para outras áreas era necessária. Em

meados dos anos 50 Teresina possuía duas pontes, a Ponte Metálica, sobre o rio Parnaíba, e

uma ponte de madeira, sobre o rio Poti, que ligava a zona central de Teresina à zona leste da

capital. Esta última era um prolongamento da Avenida Frei Serafim e servia de rota para os

principais municípios do interior do Estado do Piauí, como as cidades de Campo Maior e

Parnaíba. Assim localiza o mapa abaixo:

Figura 03 – Mapa com a localização das cidades Teresina, Campo Maior e Parnaíba.

Fonte: Google, 2016, editada pelas autoras.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Ainda nos anos 50, a ponte de madeira, acima descrita, ruiu em uma forte enchente. Tendo

em vista a necessidade de crescimento da cidade, rapidamente se elaborou um projeto de

reconstrução da ponte, no mesmo local, projetada em concreto armado. No ano de 1959 a

ponte é inaugurada e recebe o nome de Juscelino Kubistchek. Por se localizar em posição

central na malha urbana teresinense, a ponte JK, como foi apelidada, foi um importante vetor

de crescimento da cidade, sendo responsável pela expansão da cidade para zona leste da

capital. Outro fator importante foi a paisagem urbana formada pelo eixo Avenida Frei Serafim

e Ponte Juscelino Kubistechek.

Principalmente nas direções leste-nordeste e sul. No sentido leste-nordeste,

o destaque foi a ocupação de novas áreas que, anteriormente, eram

desabitadas devido ao obstáculo natural que era o rio Poti. A criação da ponte

dos Noivos, sobre o rio Poti, possibilitou a expansão nessa direção

estimulando o surgimento de novos bairros como o de Fátima, Jóquei e São

Cristóvão. Estava delineado, assim, o surgimento de uma nova área de

ocupação na cidade a qual, entre as décadas de 70 e 80, foi marcada pela

existência de áreas residenciais de populações de alto poder aquisitivo, e

pelo surgimento de vários conjuntos habitacionais (FAÇANHA, 1998, p. 73)

Os planos de modernização da cidade de Teresina resultaram na abertura de grandes

avenidas, dentre elas a Avenida Frei Serafim, como já foi descrito, inspirada nos boulervards

parisienses – uma via arborizada, com um grande canteiro central que finalizava com a

paisagem ribeirinha do Rio Poti. A inserção da Ponte JK nessa paisagem foi recebida com

esmero pela população, que rapidamente criou grande identificação por esse conjunto

paisagístico, fazendo da Avenida Frei Serafim e da Ponte JK um dos eixos mais importantes e

movimentados da cidade.

A ponte JK, nessa conjuntura foi responsável pela mudança significativa da paisagem

ribeirinha do rio Poti, pois a partir dela, uma área que antes era inexplorada passou a ser

habitada e valorizada, causando o abandono das áreas centrais.

A cidade foi-se expandindo e o centro caracterizando-se cada vez mais como

área comercial, administrativa e financeira. Houve ao longo do tempo o

abandono de áreas residenciais centrais, a marginalização de áreas nobres,

subutilização de espaços públicos e a ocupação de áreas por usos

inadequados. (PMT, 2002c, p.26)

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Nesse contexto, a ponte JK passa a ser um marco de ressignificação da capital, onde antes as

principais travessias eram feitas no sentido oeste da cidade, rumo ao estado Maranhense,

aqui passam a serem feitas em sentido leste, em busca de uma expansão da cidade para

essa zona, tendo como motivador a mudança da paisagem local, que recebia ares modernos,

motivando a população a trocar suas memórias e identidade. Em Memória e Identidade

Social, Pollak fala sobre a identidade coletiva, que está relacionada com a história e

identidade do lugar:

[…] Além desses acontecimentos, a memória é constituída por pessoas,

personagens. Aqui também podemos aplicar o mesmo esquema, falar de

personagens realmente encontradas no decorrer da vida, de personagens

freqüentadas por tabela, indiretamente, mas que, por assim dizer, se

transformaram quase que em conhecidas, e ainda de personagens que não

pertenceram necessariamente ao espaço-tempo da pessoa. […] Além dos

acontecimentos e das personagens, podemos finalmente arrolar os lugares.

Existem lugares da memória, lugares particularmente ligados a uma

lembrança, que pode ser uma lembrança pessoal, mas também pode não ter

apoio no tempo cronológico. (POLLAK, 1992, p.02)

Poucos anos após a Inauguração da Ponte Juscelino Kubistchek, Teresina já apresentava

traços de uma população segregada, onde os mais ricos moravam no centro da cidade, área

servida pelas redes de abastecimento de água, energia elétrica, telefone, ruas calçadas, e os

mais pobres na periferia do centro, uma área suburbana não atingida por esses serviços

(Nascimento, 2010). A construção da Ponte Juscelino Kubitschek sobre o rio Poti deu início ao

deslocamento das pessoas com renda mais alta para a zona leste da cidade, movimento

incentivado pelos promotores imobiliários que vendiam a imagem de um local verde e

tranquilo para residir (Lima, 2002).

A ocupação das margens do rio Poti se deu principalmente por causa da ponte JK, juntamente

com as propostas imobiliárias. Nesse cenário é possível perceber que a paisagem ribeirinha

de Teresina assume características morfológicas criadas pelos governantes e pela classe

mais rica, tornando desse ponto um local nobre da cidade. O processo de urbanização ganha

dinamicidade a partir do final da década de 1950, devido à inserção do Estado do Piauí no

cenário regional e nacional, e ocorreu de forma autoritária, como aconteceu com outros

estados durante o Estado Novo (1937-1945). (FAÇANHA, 2002, p.128)

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Passados dez anos da criação da Ponte Juscelino Kubistchek, surge o primeiro Plano de

Desenvolvimento Local Integrado da cidade de Teresina, conhecido como PDLI 1969. De

acordo com Façanha (1998) o plano já descrevia o decréscimo da população do Centro,

confirmando a estratégia criada pelos governantes da década de 50 que buscavam a

exploração de novas áreas da cidade. Além disso, é importante destacar a preocupação do

PLDI de 1969 com a paisagem urbana da capital:

Estes estudos resumem-se a apresentação de modelos de organização de

quadras e ocupação urbana em zonas residenciais, reestruturação da zona

comercial, limpeza urbana, reconstrução e zoneamento de praças, indicação

de sistemas construtivos para casas populares, integração paisagística da

Beira- Rio, zoneamento do campus universitário da UFPI, projetos para o

tráfego urbano, projetos da legislação urbanística, dentre outros. (PMT, 1969,

p.76)

O PLDI 1969 não foi implementado e serviu mais de diagnóstico para a cidade, mostrando

principalmente a preocupação com os profissionais com os aspectos paisagístico de

Teresina, ainda mais no que se faz respeito a paisagem ribeirinha, que no plano chega a ser

abordada como ponto de relevância para o desenvolvimento urbano.

No ano de 1977 surge Plano Estrutural de Teresina (I PET, 1977), que foi elaborado para

suprir os problemas urbanos da época, principalmente no que se dizia respeito a expansão da

cidade. Este é constituído de três volumes, onde o primeiro subdivide-se em duas partes: na

parte I é feita uma avaliação físico-sócio-econômica e um diagnóstico socioeconômico do

primeiro Plano, o PDLI; e na parte II encontram-se as análises e diretrizes da estrutura

físicoespacial, no ano de 1977. O segundo volume trata sobre os planos de ação e o projeto

de lei de uso e ocupação do solo, e o terceiro, por fim, traz os mapas elaborados.

O I PET de 1977 vem para confirmar a dependência comercial e de identidade da população

teresinense com o centro histórico da cidade, afirmando a necessidade de implantação de

novas pontes para que a cidade conseguisse se expandir e criar novos centros.

A proposta do I PET visava à descentralização da dinâmica urbana, que era

mais intensa no centro da cidade, incentivando a ocupação da Zona Leste,

área já ocupada por uma população de alta renda, tentando evitar o

estrangulamento das funções urbanas entre os dois rios e a fim de equilibrar

o ritmo de crescimento demandado por Timon. Assim, foi proposto um

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

modelo no qual eram estimulados polos de interesse interligados pelo

sistema viário. (RESENDE,2013, p.132)

No início da década de 90, a cidade continua a se expandir de forma desigual. A cidade

apresenta uma crescente verticalização os mesmo tempo em que aumenta o número de

favelas. (LIMA, In: Cadernos Metrópole, 2006, p. 125). Concomitante a isso é possível citar o

engessamento do transito da cidade, devido às poucas rotas de deslocamento entre o centro

e as áreas mais movimentadas. Apesar da urgência para solução, apenas no ano de 2001 foi

instalado pelo poder público municipal o Congresso da Cidade, que com a participação da

população objetivava a elaboração do Plano Estratégico da Cidade de Teresina – Agenda

2015. (FAÇANHA, 2007, p.28). A Agenda tratava-se de um plano que tinha prazo para ser

concluído e a previsão era o ano de 2015.

Assim como os demais planos urbanos, este também apresenta uma preocupação com a

paisagem ribeirinha, podendo citar inclusive os pontos em que os rios precisam de

revitalização, ou é necessária a criação de pontes:

Além disso, Teresina é uma cidade entre rios, sendo o rio Poti o que mais

diretamente influencia as atividades normais de sua população. O rio Poti

possui aproximadamente 25 km de extensão na área urbana, existindo

apenas cinco pontos possíveis de travessia por pontes, ou seja, um ponto de

passagem a cada 5 km em média, o que representa uma distância

significativa. Verifica-se a existência de sete corredores naturais, bloqueados

pelo rio, e que poderão, ao longo do tempo, ter sua continuidade estabelecida

pela construção de pontes. (PMT, 2002c, p.23)

A Agenda 2015, já tratava as pontes como elemento urbanos e paisagístico, buscando

sempre a integração entre o homem e os rios, assim de imediato o plano trata dos pontos

fracos e fortes de cada instrumento urbano, podendo citar:

Quanto aos Sistemas de Circulação e Transporte:

Pontos fracos:

Insuficiência do número de pontes sobre os Rios Poti e Parnaíba, agravada

por pistas ou localização inadequadas. (PMT, 2002c, p.23 )

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Quanto ao Meio Ambiente e Saneamento:

Pontos fortes:

• A beleza cênica da paisagem da cidade, cortada por dois rios, e sua

topografia relativamente plana, facilitando a urbanização e a implantação de

serviços públicos. (PMT, 2002c, p.19)

Cenário Desejável:

Cultura, Esporte, Lazer e Segurança:

32. A relação homem-rio estará resgatada, estando os rios mais integrados à

paisagem urbana e utilizado para o esporte, lazer e ecoturismo. (PMT, 2002c,

p.52)

Sob a gestão da Agenda 2015, é construída a ponte Mestre João Isidoro França, mais

conhecida como ponte estaiada, pelos cabos atirantados em sua estrutura. Esta surge como

marco na cidade por ter sido inaugurada para a comemoração do sesquicentenário da cidade

de Teresina. Além de chamar atenção por sua arquitetura, também foi bastante esperada

pelos teresinenses, por se apresentar como mais uma forma de locomação sob o Rio Poti. Ela

estava prevista na Agenda 2015, pela necessidade de uma ponte que ligasse diretamente a

zona norte da capital à zona leste, mais movimentada.

Essa remontagem histórica dos planos urbanos serve de constatação de como a paisagem

cultural ribeirinha foi alterada através dos anos, podendo-se destacar que à medida que a

população acompanhava o crescimento urbano, juntamente com os instrumentos de

legislação, a identidade assumida pela cidade era modificada. De maneira geral, os planos

apresentados possuem as mesmas constatações, e é sempre visível como necessidade a

criação de pontes na cidade de Teresina, a fim de traspassar os rios e fugir do núcleo central,

criando novos núcleos na cidade.

Nesse âmbito, as pontes surgem como elementos morfológicos da paisagem, tratados como

marcos urbanos, ou seja, componentes únicos da malha da cidade, que se destacam por sua

simbologia, história e identidade visual, sendo trabalhados na criação de cenários típicos de

cada época. Nos anos 40 aos anos 50 existe um primeiro cenário, que tem como marco a

Ponte Metálica (João Isidoro França), em seguida surge um segundo cenário na década de 60

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

com a Ponte Juscelino Kubitscheck, por fim no ano de 2010 surge o cenário da Ponte

Estaiada.

3. RESSIGNIFICAÇÃO DO CENÁRIO TERESINENSE A PARTIR DA

ANÁLISE DAS PONTES:

De acordo com Lynch (1960), as pessoas adaptam o seu meio ambiente e constroem uma

imagem do lugar onde vivem. Os tipos de elementos usados na imagem da cidade e as

características típicas de cada um desses elementos tornam a paisagem singular. Entretanto

uma mesma cidade pode assumir várias imagens ao longo dos anos, ou até mesmo possuir

diferentes imagens dentro de uma mesma época.

O conceito de paisagem cultural dentro da cidade está diretamente ligado à forma como se

constrói a imagem da mesma. Existem inúmeros instrumentos capazes de moldar os cenários

existentes em uma cidade. Dentre eles pode-se falar dos planos urbanos que direcionam a

expansão da cidade, permitindo a criação de novos núcleos e símbolos, e o tempo, capaz de

ressignificar a cidade através das transformações ocorridas. Cada local e época possuem um

marco dentro da cidade, e estes marcos são capazes de identificar a paisagem em que se

inserem, além de serem norteadores visuais para as pessoas que habitam a cidade, em outra

perspectiva podem inclusive fazer parte da relação afetiva da pessoa com o meio em que vive.

Para Lynch (1960), a imagem urbana é formada por elementos, e estes se referem a formas

físicas. Dentre esses elementos, o autor classifica um deles como “marcos” ou “elementos

marcantes”, onde para ele estes de caracterizam por:

Podem situar-se dentro da cidade ou a uma tal distância que desempenham a

função constante de símbolo e direção. É o caso de torres isoladas, cúpulas

douradas, colinas extensas (...). Parecem adquirir um significado crescente à

medida que as deslocações se vão tornado cada vez mais familiares.

(LYNCH, 1960, p.59)

Em Teresina é visível que essa ressignificação da cidade se deu através de insumos de

políticas públicas, assim como através das mudanças ocorridas na História. Isso nos permite

fazer uma análise da paisagem cultural ribeirinha através de pontos marcantes inseridos

nesse panorama. Por ser uma cidade ladeada por dois rios, Teresina delimitou-se através

deles ao longo dos anos, sendo eles os definidores do crescimento da cidade. Para que estes

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

não se tornassem obstáculos, as pontes surgem como marcos sob os rios, onde cada uma

delas é representante da época em que foram construídas e por sua vez possuem uma razão

para serem inseridas naquele local. É permitido dizer que a paisagem ribeirinha de Teresina,

segue um padrão, pois o território em que a cidade habita necessita de pontes para permitir o

crescimento da cidade.

Após analisar a morfologia teresinense é possível definir que as pontes escolhidas para

analise são marcos urbanos, por serem capazes de identificar um local e uma época

específica da cidade, além de se enquadrarem no conceito de Lynch em que o usuário define

um marco por ser um ponto que chama atenção dentro do espaço urbano.

Para entender a ressignificação da cidade foram definidos três cenários que se fazem de

extrema importância para construção da paisagem ribeirinha teresinense. O primeiro cenário

ocorre entre os anos 40 e 50, tem como composição a primeira ponte criada para o município

de Teresina. O segundo cenário ocorre na década de 60, com a criação da ponte Juscelino

Kubistchek, esta que foi um importante vetor de crescimento da cidade. E por fim o terceiro

cenário com a criação da ponte Mestre João Isidoro França, que permitiu a ocupação de uma

área antes subutilizada.

O primeiro cenário abordado nesse artigo tem como marco urbano a ponte João Luís Ferreira

e como recorte temporal o intervalo entre os anos 40 e 50. A obra da ponte era de fato uma

necessidade para população local, pois já existia um fluxo constante de pessoas que faziam a

travessia em canoas sob o rio Parnaíba, a fim de transitarem entre os estados do Piauí e do

Maranhão.

A inauguração da obra em 1939 foi tão significativa que provocou feriado nas repartições

públicas e no comércio de Teresina, tendo sido citada na reportagem do Diário Oficial do Piauí

como “verdadeira festa cívica”, conforme descreve Dantas (2009). Ele afirma ainda: a ponte

metálica era o grande sonho dos teresinenses da primeira metade do século XX, importando

para o incremento das relações econômicas entre os Estados do Piauí e Maranhão

A ponte João Luís Ferreira foi um símbolo da modernização da paisagem teresinense,

primeiramente por ser a conectora que levava a ferrovia que já havia chegado ao Maranhão

ao Piauí, em seguida por conta da tecnologia que foi aplicada em sua construção. Construída

de material metálico parafusado, o seu design remete a ”arquitetura do ferro”, possuindo um

sistema estrutural de treliças parafusadas, motivo pelo qual passou a ser chamada pela

população de ponte metálica.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Figura 04 – Ponte metálica.

Fonte: Iphan, 2009.

Devido a sua importância arquitetônica e paisagística, a ponte metálica de Teresina foi

declarada como patrimônio cultural brasileiro pelo IPHAN, sendo tombada no ano de 2008

(IPHAN,2008). Como se pode ver na imagem abaixo, a delimitação do perímetro de

tombamento engloba o entorno imediato do lado teresinense que se refere ao centro histórico,

além de delimitar também a beira rio do lado do Piauí bem como a do Maranhão, fazendo do

tombamento não apenas um ato isolado em relação à ponte, mas de contemplação da

paisagem local.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Figura 05 – Perímetro de tombameto do centro histórico de Teresina.

Fonte: Iphan, 2009.

O cenário em que se inseriu a ponte metálica era composto pela beira rio e seu cais, ponto de

encontro e comércio entre os teresinenses. Além do mais se pode destacar também que a

ponte faz parte da rota histórica da cidade de Teresina, por ter sido inserida justamente no

cerne da cidade. Frente à ponte pode-se destacar o Largo do Amparo, primeiro espaço aberto

para a fundação da capital, o Mercado Público e A Praça Marechal Deodoro da Fonseca, onde

se encontra o marco zero da cidade.

A paisagem que compunha essa cena na década de 40 era de extrema movimentação dos

barcos a vapor, juntamente com a intensa atividade comercial do centro da cidade. Entretanto,

é importante ressaltar que a ponte só podia ser atravessada de trem, apenas na década de 60

foi criada a travessia lateral para pedestres. Essa condição reforça a ideia de marco, devido

ao fato de que para muitas pessoas a ponte foi apenas um objeto de contemplação durante

certo tempo.

Devido a sua importância histórica a ponte metálica foi durante muitos anos o maior cartão

postal da cidade de Teresina, sendo sempre lembrada por sua beleza e proximidade com o rio

Parnaíba. Hoje a ponte Metálica teve sua visualização sufocada pelas construções próximas a

ela, impedindo que esta continuasse a ser contemplada como ponto turístico. Outro fator que

fez com ela fosse substituída dentro da cidade foi o fato do rio Paranaíba perder a sua

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

navegabilidade, o que impediu que as travessias de barcos fossem feitas e que esta fosse

contemplada mais de perto.

A medida que a cidade se expandiu para as zonas além do centro da cidade esse cenário

descrito acima foi sendo abandonado. A busca por novos locais de moradia fez com que a

Avenida Frei Serafim, que finalizava às margens do rio Poti, fosse estendida com a criação da

ponte Juscelino Kubistchek, a fim de permitir a popularização da zona leste da cidade, como já

era previsto pelos planos urbanos da época. A partir daqui a cidade passa a ser delimitada

pelo rio Poti, não mais pelo rio Parnaíba.

A criação da ponte JK permitiu uma maior valorização do cenário da beira rio do Poti e do

bairro Ilhotas, pois através dela a cidade ganhou naquele local um surto de verticalização,

com condomínios em alto padrão e arquitetura moderna para os parâmetros teresinenses.

Dessa forma a inserção da ponte na malha urbana foi fomentadora do cenário criado hoje pela

Avenida Marechal Castelo Branco. A composição feita pela ponte JK era a contemplação de

toda a extensão da Avenida Frei Serafim, alargada e arborizada pelas reformas de

modernização da cidade, culminando com a Avenida Marechal Castelo Branco, onde é

possível contemplar o rio e os prédios. Imagem que mostra as pontes no jornal* 11

Figura 06 – Fotografia mostrando a Avenida Frei Serafim, Ponte JK e margem do Rio Poti.

Fonte: PMT.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

O conjunto criado pela Avenida Frei Serafim e a ponte JK passaram a ser o local mais

movimentado da cidade, por se tornarem o principal corredor de acesso ao centro. Aqui se faz

importante destacar a relação paisagística do passeio para pedestres da Avenida Frei Serafim

com a ponte JK, já que este permitia ver a fundo a imagem da ponte.

Ainda hoje esse cenário é consolido, sendo a beira rio da Avenida Marechal Castelo Branco

utilizada para realização de caminhadas e atividades físicas. É importante destacar que o

bairro Ilhotas é um dos locais de metro quadrado mais caro de Teresina. A paisagem cultural

aqui analisada é formada por elementos históricos, como a Avenida Frei Serafim, reformulada

ainda na década de 50, entretanto se comunica com elementos mais novos, como os prédios

do bairro Ilhotas próximos às margens do rio, construções da década de 70 e 80.

O terceiro cenário abordado neste contexto surge no ano de 2010 e tem como marco urbano a

ponte Mestre João Isidoro França, mais conhecida como ponte estaiada, como é possível ver

na imagem abaixo. Esta foi criada para facilitar a comunicação da zona norte da cidade com a

zona leste. Sua inauguração ocorreu junto à comemoração do sesquicentenário da cidade de

Teresina, e devido à tecnologia empregada em sua construção esta passou a ser um dos

maiores pontos turísticos da capital. Sua estrutura conta com um mirante capaz de contemplar

toda a cidade de Teresina, bem como visualizar toda extensão da beira rio do Poti.

Figura 07 – Fotografia mostrando a Ponte Estaiada e o Rio Poti.

Fonte: TV Cidade Verde, 2010.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

A inserção da ponte estaiada mais ao norte do rio Poti permitiu o desenvolvimento da Avenida

Raul Lopes, como é possível verificar na seguinte imagem. O conjunto formado pela ponte

estaiada contempla o complexo cultural da ponte, onde existe um píer de acesso ao mirante, a

avenida Raul Lopes, que possui um calçadão à beira rio para que a população possa fazer

atividades físicas e caminhadas, além da crescente verticalização dessa área em que está

inserida o bairro Noivos. A Avenida Raul Lopes também é um dos locais mais onerosos da

cidade de Teresina, se caracterizando por estar inserido na zona nobre da capital. A paisagem

da ponte estaiada pode ser contemplada tanto pela Avenida Marechal Castelo Branco quanto

pela Avenida Raul Lopes, pois a ponte recebe toda noite iluminação própria, o que permite

que esta também seja um atrativo à noite.

Figura 08 – Avenida Raul Lopes e Ponte Estaiada ao fundo.

Fonte: Skyscrapercity, 2011.

Diante disto é visível o avanço da cidade e de seus marcos. Estes foram evoluindo junto com

o crescimento de Teresina, sem deixar, porém, de conferir continuidade na forma como cada

cenário foi se inserindo em sua época. Vale ressaltar que todos foram consequências de

instrumentos de legislação urbana.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Os significados que a paisagem pode assumir diferem na forma como os grupos culturais a

entendem, entretanto no meio urbano muitos fatores podem interferir na paisagem cultural e

em suas acepções. Assim se faz importante destacar, que dentro da cidade os instrumentos

de legislação urbana são fatores que impulsionam a mudança da paisagem, junto as

transformações históricas.

Ressignificar a cidade é dar a ela novas leituras de um mesmo espaço, assim a paisagem

cultural se torna memorável não apenas pelos aspectos visuais, mas por sua representação

dentro de um determinado espaço de tempo. A cidade de Teresina sofreu intervenções

urbanas que impulsionaram a mudança do cenário cultural ribeirinho, este por sua vez de

extrema importância cultural por estar ligado a formação e identidade da capital piauiense.

A interpretação do espaço beira rio se deu através das pontes e como elas foram importantes

na visualização desses cenários, à medida que as pontes eram implantadas se via necessário

a construção de uma nova identidade e significado, fazendo dos rios propulsores e

delimitadores da paisagem cultural urbana e das pontes seus marcos.

5. REFERÊNCIAS

- ABREU, M (2011). Sobre a memória das cidades. In CARLOS, A., SOUZA, M. e SPOSITO,

M. (Orgs.). A produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios (9-39).

São Paulo: Contexto.

- DANTAS, Deoclecio. Uma obra para sempre. Edição Própria. Teresina, 2006.

- ESTAÇÃO Ferroviária São Luís-Teresina (2010). Estações Ferroviárias do Brasil. Disponível

em:< http://www.estacoesferroviarias.com.br/ma-pi/teresina.htm > Acesso em: 05/07/2016).

- FAÇANHA, A. (1998). A Evolução Urbana de Teresina: Agentes, Processos e Formas

Espaciais da Cidade. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco,

Recife, PE, Brasil.

- FAÇANHA, Antônio Cardoso. A cidade sob o fogo: modernização e violência policial em

Teresina – (1937-1945). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2002.

- FAÇANHA, Antônio Cardoso. Planejamento estratégico e mercado urbano: Teresina em

questão. In: LIMA, Antônia Jesuíta de. (Org.) Cidades brasileiras – atores, processos e gestão

pública. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

- FAÇANHA, Antônio Cardoso. Desenvolvimento territorial recente em espaços subregionais

dinâmicos no Piauí. 2009. Tese (Doutorado)- Departamento de Geociência da UFPE.

Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

- IPHAN. Ponte João Luís Ferreira: Dossiê de Tombamento . Volume IV. Teresina: IPHAN,

2009.

- IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Portaria n. 127, de 30 de abril

de 2009, publicada no DOU em 5 de maio de 2009.

- LYNCH, Kevin. The image of the city. Cambridge: The M.I.T. Press, 1960.

- LIMA, I M. M. F. ET AL. Teresina Agenda 2015. A cidade que Queremos. Diagnósticos e

Cenários: Meio Ambiente. Prefeitura de Teresina, 2002.

- LIMA, I. (2002). Teresina: Urbanização e Meio Ambiente. In Scientia et Spes ano 1, n. 2,

181-206. Teresina.

- NASCIMENTO, F. (2010). As múltiplas portas da cidade no centenário de Teresina. In:

NASCIMENTO, F. (Org). Sentimentos e Ressentimentos em Cidades Brasileiras (181-208).

Teresina: EDUFPI.

- POLLAK, MICHAEL - Memória e Identidade Social, in Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.

5, n. 10, 1992, p. 200-212. Disponível em:

http://reviravoltadesign.com/080929_raiaviva/info/wp-gz/wpcontent/uploads/2006/12/memori

a_e_identidade_social.pdf. Acesso em: 02/08/2016.

- PREFEITURA MUNICIPAL DE TERESINA. Diagnóstico da Capacidade Institucional da

Prefeitura Municipal de Teresina para Intervenção no Setor Habitacional Urbano. PMT:

Teresina, 2000.

- PREFEITURA MUNICIPAL DE TERESINA. I Plano Estrutural de Teresina. PMT: Teresina,

1977.

- PREFEITURA MUNICIPAL DE TERESINA. Plano de Desenvolvimento Local Integrado

.PMT: Teresina, 1969.