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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUIS STEFANI SABO AGUERA RESTRIÇÕES AO DIREITO DE CONSTRUIR PARA ATENDER A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CÓDIGO CÍVIL Florianópolis 2013

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUIS STEFANI SABO AGUERA

RESTRIÇÕES AO DIREITO DE CONSTRUIR PARA ATENDER A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CÓDIGO CÍVIL

Florianópolis

2013

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LUIS STEFANI SABO AGUERA

RESTRIÇÕES AO DIREITO DE CONSTRUIR PARA ATENDER A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CÓDIGO CÍVIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Deise Cristini Schveitzer, Msc.

Florianópolis

2013

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Dedico este trabalho a meus pais, pelo

esforço empenhado em dar a seu filho

condições de se tornar uma pessoa de bem,

transferindo, com afinco, os valores que

outrora lhes foram passados. É certo que

sem o apoio e a dedicação de vocês, eu não

teria alcançado esta vitória.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a meus professores da UNISUL, pela oportunidade

de me proporcionar, por meio de seus ensinamentos, a base do conhecimento

jurídico, que contribuiu para minha formação acadêmica. Em especial, à minha

professora orientadora Msc. Deisi Cristini Schveitzer, pela disposição em corroborar

com minha formação na orientação deste trabalho e sua realização.

Agradeço, também, ao Dr. Everton Balsimelli Staub, nobre defensor, com

quem tive a honra e o prazer de aprender verdadeiramente a Ciência do Direito, não

apenas na teoria, mas também na prática, com humanidade, respeito e presteza às

pessoas.

A meus colegas de sala, pelos prazerosos anos de estudo com

companheirismo e troca de aprendizado mútuo.

Um especial obrigado a meus pais, Daniel Aguera e Maria Tanara Sabo

Aguera, pela educação, pelos valores passados e pelo esforço realizado em apoio

incondicional à minha formação, especialmente nesta etapa, cuja realização não se

daria sem os valiosos ensinamentos que me fizeram adquirir o caráter de que sou

possuidor.

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“Nossa maior fraqueza está em desistir. O caminho mais certo de vencer

é tentar mais uma vez”. (Thomas Edison)

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RESUMO

A existência humana exige a apropriação das coisas para a manutenção da vida.

Dessa relação do homem com a coisa nasce o instituto da propriedade. Na

Antiguidade, os fundamentos do direito de propriedade outorgavam ao proprietário

um poder absoluto e individualista que o autorizava a fazer o que bem entendesse.

Entretanto, com o desenvolvimento das sociedades e dos valores sociais, adveio a

necessidade de valorização do bem coletivo. Acompanhando essas mudanças, a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5º, incisos XXII

e XXIII, respectivamente, afirma o direito à propriedade como fundamental e

determina que “a propriedade atenderá a sua função social”. Desse modo, o direito à

propriedade fica condicionado ao cumprimento e sua função social. Seguindo os

ditames constitucionais, o Código Civil de 2002 trouxe, em seu capítulo V, a

normatização voltada ao direito de vizinhança, expondo, de maneira clara, as

limitações impostas a este direito para que a propriedade atenda a sua função

social. Inserido nesse contexto de limitação ao direito de vizinhança, encontra-se o

direito de construir que atenderá às exigências normativas, de acordo com o

interesse social. Com base no dispositivo Constitucional acima exposto e nos artigos

1.277 a 1.313, o presente trabalho tem como objetivo a análise das limitações

impostas ao direito de construir, para que se possa concretizar a função social da

propriedade.

Palavras-chave: Propriedade. Função Social da Propriedade. Direito de Vizinhança.

Direito de Construir.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

TJSC – Tribunal De Justiça de Santa Catarina

STJ – Superior Tribunal de Justiça

Unisul – Universidade do Sul de Santa Catarina

CCB – Código Civil Brasileiro

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 112 NOÇÕES ELEMENTARES DO INSTITUTO DA PROPRIEDADE ....................... 132.1 DIGRESSÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE ................................................. 13

2.2 CONCEITO DE DIREITO DE PROPRIEDADE, CARACTERÍSTICAS E

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS ........................................................................ 16

2.2.1 Conceito ........................................................................................................ 162.2.2 Características .............................................................................................. 172.2.3 Elementos constitutivos .............................................................................. 202.3 CLASSIFICAÇÃO ............................................................................................... 21

2.4 LIMITAÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE ................................................ 23

2.4.1 Limitações administrativas .......................................................................... 252.4.2 Limitações ao direito de propriedade no Código Civil brasileiro ............. 272.4.3 Função social da propriedade ..................................................................... 282.4.4 Desapropriação por necessidade pública, utilidade pública de

interesse social e desapropriação privada. ................................................ 303 AS NORMAS DO DIREITO DE VIZINHANÇA PREVISTAS NO CÓDIGO

CIVIL ATUAL ........................................................................................................ 353.1 CONCEITO DE DIREITO DE VIZINHANÇA ....................................................... 35

3.2 USO ANORMAL DA PROPRIEDADE................................................................. 37

3.3 ÁRVORES LIMÍTROFES .................................................................................... 40

3.4 PASSAGEM FORÇADA E PASSAGEM DE CABOS E TUBULAÇÕES ............. 42

3.5 ÁGUAS ............................................................................................................... 45

3.6 LIMITES ENTRE PRÉDIOS E DIREITO DE TAPAGEM ..................................... 51

4 RESTRIÇÕES AO DIREITO DE CONSTRUIR E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. ................................................................................................... 56

4.1 RESTRIÇÕES LEGAIS DE VIZINHANÇA .......................................................... 56

4.1.1 Distancia entre construções........................................................................ 574.1.2 Paredes divisórias ........................................................................................ 604.1.3 Águas pluviais, correntes e subterrâneas .................................................. 654.1.4 Construções prejudiciais à vizinhança ....................................................... 67

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4.1.5 Entrada em prédio vizinho para construções reparações e limpeza ....... 694.2 O DIREITO DE CONSTRUIR E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ........ 70

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 74REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 76

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho, requisito parcial para a conclusão do curso de Direito

da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, tem como objetivo trazer ao

meio acadêmico a análise das limitações impostas ao direito de construir para que

se possa concretizar a função social da propriedade.

Portanto, para que esta análise atinja seu objetivo, é necessário partir de

um estudo histórico da evolução dos povos no que diz respeito ao desenvolvimento

do direito de propriedade ao longo do tempo.

Um desenvolvimento que perpassa pela maneira como homem e coisa

(propriedade), nos primórdios, se relacionavam, por meio de um absolutismo em que

o proprietário poderia fazer o que bem entendesse de sua propriedade, até atingir a

maneira atual de se relacionar, em face do cumprimento da função social.

Assim, observar-se-á que tal desenvolvimento refletiu e reflete na

legislação Constitucional e Infraconstitucional do Brasil.

Diante disso, baseado em premissas verdadeiras e respeitando uma

forma lógica de raciocínio, o estudo destes temas, no presente trabalho, programar-

se-á pelo método dedutivo, partindo-se da regulamentação do direito de propriedade

previsto na lei maior, CRFB, que estabelece o princípio constitucional da função

social da propriedade, até atingir a análise da legislação do direito de construir,

pautada neste princípio, prevista no Código Civil de 2002.

O procedimento técnico utilizado para o presente trabalho é a pesquisa

documental e bibliográfica. Utiliza-se, também, o tipo de pesquisa exploratória, com

base na doutrina e na lei, comparando diferentes opiniões para a conclusão do

assunto estudado.

Para alcançar o objetivo proposto, o presente trabalho será apresentado

em cinco capítulos. O primeiro refere-se à introdução, e o quinto à conclusão.

No segundo capítulo, apresentar-se-à, dentre outras, uma abordagem

histórica, conceitual, classificatória, limitativa e social do instituto da propriedade.

No terceiro capítulo, seguindo uma estrutura lógica, serão analisados

todos os aspectos inerentes ao direito de vizinhança.

O quarto e último capítulo foi reservado ao estudo das restrições impostas

ao direito de construir para a concretização da função social da propriedade, em que

pormenorizadamente, se encontrarão as restrições legais de vizinhança, as

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construções em desacordo com as restrições de vizinhança e o próprio direito de

construir e a função social da propriedade.

Dessa forma, será construído um referencial teórico a partir do estudo da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; das normas que tratam da

matéria, previstas no Código Civil de 2002; além de questões suscitadas, na

doutrina, por autores como Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald, Silvio de

Souza Venosa, Maria Helena Diniz, Silvio Rodrigues, Arnaldo Rizzardo, Helly Lopes

Meirelles, entre outros.

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2 NOÇÕES ELEMENTARES DO INSTITUTO DA PROPRIEDADE

No presente capítulo, será objeto de estudo o instituto da propriedade,

seus aspectos históricos, conceituais, característicos, constitutivos, classificatórios,

dentre outros.

2.1 DIGRESSÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE

Desde o principio civilizatório, os seres humanos sempre objetivaram a

busca pela satisfação das necessidades vitais por intermédio da apropriação de

bens. Inicialmente, os homens eram atraídos por bens de consumo imediato, com o

passar do tempo, o domínio de coisas móveis, até perfazer a noção de propriedade.

(FARIAS; ROSENVAL, 2011, p. 194).

Venosa (2012, p. 157) descreve que em um período histórico anterior à

época romana, nas sociedades primitivas, somente existia propriedade para as

coisas móveis, exclusivamente para objetos de uso pessoal, como por exemplo,

peças de vestuário, utensílios de caça e pesca. “O solo pertencia a toda coletividade

todos os membros da tribo, da família, não havendo o sentido de senhoria, de

determinada pessoa.” (VENOSA, 2012, p. 158).

Segundo Monteiro (2012, p. 95) nos primórdios da civilização, a

propriedade, inicialmente, era coletiva, transformando-se, paulatinamente, em

propriedade individual.

“Verifica-se que é no direito romano que vamos encontrar a raiz histórica

da propriedade” (DINIZ, 2011, p. 119).

Segundo Wald (2009, p. 124) em Roma:

[...] passamos do ager publicus (terras do Estado), concedido precariamente aos súditos romanos, para o sistema do ager privatus (terras particulares), inicialmente pertencentes à gens e depois à família e administrado pelo seu pater. Quando o grupo familiar se torna insuficiente para a exploração dos latifúndios, recorre-se aos clientes e aos escravos.

Apesar de ter havido duas formas de propriedade coletiva, a da gens e a

da família, na era romana preponderava um sentido individualista de propriedade.

No principio da cultura romana, a propriedade era da cidade ou gens, cabendo a

cada indivíduo restrita porção de terra, sendo alienáveis, apenas, os bens móveis.

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Ante o crescente fortalecimento da autoridade do pater famílias, foi, paulatinamente,

sendo aniquilada a propriedade coletiva da cidade, ou seja, a propriedade coletiva

foi dando lugar à privada. (DINIZ, 2011, p. 119-120).

Wald (2009, p. 124-125) afirma que, no direito romano, a propriedade foi

um fato antes de ser um direito, existindo três espécies de propriedade em Roma: a

denominada quiratária, que recaía sobre bens imóveis situados no solo itálico,

transmitida por atos solenes, como a mancipatio e a in iure cessio, a titulares que

fossem cidadãos romanos, o que constituía uma espécie de soberania territorial

denominada pater famílias. O poder político e jurisdicional era exercido pelo pater, o

dominium ex iure quiritium, que inicialmente não sofria intervenção do Estado. A

propriedade dos bens de família identificava-se com a autoridade do pai, pois nesta

fase do direito romano não havia distinção entre direitos civis e políticos.

A segunda espécie, denominada pretoriana, teve sua origem a partir da

legis actiones, criada pelos pretores, magistrados da época, em favor dos

proprietários de coisas não mancipi ou então de coisas mancipi não transferidas com

as solenidades necessárias. A terceira e ultima espécie, denominava-se provincial,

sendo a propriedade concedia pelas autoridades da época àqueles que realmente

usavam e gozavam das terras. (WALD, 2009, p. 125).

No período da Idade Média, a propriedade acaba perdendo o caráter

unitário e exclusivista, pois, modificam-se os conceitos jurídicos, em razão da

influência das diferentes culturas bárbaras. O território mais do que nada passa a ser

sinônimo de poder. Os vassalos serviam ao senhor e não eram senhores do solo. A

ideia de propriedade estava ligada à de soberania nacional. (VENOSA, 2012, p.

159).

“A propriedade medieval, de acordo com John Gilissen, assenta-se no

feudo e na concessão do senhor em favor de seu vassalo de uma porção de terra e

proteção militar em troca de respeito e fidelidade”. (GILISSEN apud FARIAS;

ROSENVALD, 2011, p. 195).

Para Monteiro e Maluf (2012, p. 96) a propriedade na Idade média:

[...] principalmente a propriedade sobre terras situava-se em plano especial. Na época medieval, como ensina Brugi, o proprietário livre era o mais frágil de todos, prevalecendo então a velha máxima feudal nulle terre sans seigneur. Realmente, a esse tempo, no alto da escala social, situava-se o senhor, em que se confundiam o direito de propriedade e a jurisdição

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política. Embaixo, postava-se o vassalo, o servo, o semilivre, obrigado muitas vezes a fornecer pela violência a mão de obra.

Os feudos, inicialmente, eram concedidos a certos beneficiários que se

comprometiam a prestar serviços, inclusive, militares. Com o passar do tempo, a

propriedade sobre estes feudos se tornou perpétua e transmissível, apenas, entre

pessoas do sexo masculino. (DINIZ, 2011, p. 120).

Foi nas mãos de poucas pessoas que o regime feudal concentrou os

bens. As demais cultivavam as terras praticamente em troca de alimentos.

(RIZZARDO, 2011, p. 172).

Segundo Wald (2009, p. 126) paulatinamente a consistência desses

vínculos diminuem com o fortalecimento do poder real, pois passa-se a exigir do

vassalo certo pagamento pela terra e, ao mesmo tempo, admiti-se que os feudos

possam, em virtude de prescrição, tornar-se terras de propriedade plena de seus

titulares.

“O feudalismo só desapareceu do cenário jurídico mundial com o advento

da Revolução Francesa em 1789”. (DINIZ, 2011, p. 120).

Os privilégios da nobreza foram abolidos durante a Revolução Francesa,

renascendo o conceito romano de exclusividade sobre a propriedade, ou seja,

apenas um único titular. Encontrando no Código de Napoleão a regulamentação

legal que garantiu ampla liberdade a seu titular, afirmando-se como direito civil o

direito à utilização econômica da coisa. O direito de propriedade desvinculou-se do

direito de cobrar impostos, daquele ideal do proprietário de julgar direitos e deveres,

assim como de fazer política, passando essas práticas para o Estado (WALD, 2009,

p. 127).

Para Coelho (2012, p. 71), neste período de Revolução, o direito de

propriedade encontra dois marcos importantes:

O primeiro marco é a revolução francesa (1789). Nele, o direito de propriedade é proclamado como natural, ilimitado e individualista. Para a declaração dos direitos do homem e do cidadão, a propriedade é um direito “inviolável e sagrado”. Define-o, por outro lado o Código Napoleão – expressão da mesma ideologia burguesa impulsionadora da revolução Francesa – como “o direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta”. [...] O segundo marco é a flexibilização a que se obrigou o Estado capitalista ao longo do século XX para sobreviver ao avanço do socialismo. Ela reclamou uma profunda alteração no direito de propriedade, cujo exercício passou a se subordinar ao atendimento da função social.

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Observa-se que “o liberalismo do século XIX reconheceu amplamente os

poderes do proprietário, só admitindo em casos excepcionais a intervenção do

Estado na propriedade alheia”. (WALD, 2009, p. 127).

Entretanto, no próprio século XIX, esses amplos poderes, de

individualidade, acabam perdendo força em razão do desenvolvimento industrial e

das doutrinas socializantes. Buscando-se um sentido social na propriedade.

(VENOSA, 2012, p. 159).

“Hodiernamente, a configuração da propriedade depende do regime

político”. (DINIZ, 2011, p. 120).

Portanto, para atingir o modelo de direito de propriedade atual, verifica-se

que a evolução deste instituto, vincula-se diretamente às condições econômicas e

políticas do momento. Em sua trajetória histórica, há uma oscilação entre a

exclusividade romanista e a dispersão ou superposição medieval; ora garantindo ao

seu titular amplos poderes, ora dependendo do interesse social representado pelo

interesse do Estado.

Assim, o item a seguir, trará conceitos, características e elementos

constitutivos atuais do direito de propriedade.

2.2 CONCEITO DE DIREITO DE PROPRIEDADE, CARACTERÍSTICAS E

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

2.2.1 Conceito

“É possível definir a propriedade de forma sintética pelos seus elementos

intrínsecos e extrínsecos como sendo o poder de senhoria que uma pessoa exerce

sobre uma coisa, dela excluindo qualquer ingerência e terceiros”. (MELO, 2009, p.

83)

A propriedade é o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro de

uma limitação legal, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo,

bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha. Assim, a propriedade

não é a soma desses atributos, ela é direito que compreende o poder de agir

diversamente em relação ao bem, usando, gozando ou dispondo dele. (DINIZ, 2011,

p. 127-128)

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No art. 1.228 do Código Civil, o legislador descreveu os poderes do

proprietário, o qual tem “a faculdade de usar, gozar, dispor da coisa, e o direito de

revê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. (BRASIL,

2002).

Monteiro (2012, p. 99) reconhece que a propriedade é:

[...] parte nuclear ou central dos demais direitos reais, que pressupõem, necessariamente, o direito de propriedade, do qual são modificações ou limitações, ao passo que o direito de propriedade pode existir independentemente de outro direito real em particular.

A propriedade é “o mais amplo dos direitos reais, abrangendo a coisa em

todos os seus aspectos. É o direito perpétuo de usar, gozar e dispor de determinado

bem, excluindo todos os terceiros de qualquer ingerência neste”. (WALD, 2009, p.

119).

Embora o direito de propriedade seja um instituto não aberto, deve ser

necessariamente dinâmico, pois recebe direta e profunda influência dos regimes

políticos por cujos sistemas jurídicos é concebido. (GONÇALVES, 2009, p. 208).

2.2.2 Características

É comum identificar, na doutrina, algumas características direcionadas ao

direito de propriedade, destacando-se as de caráter absoluto, exclusivo e perpétuo.

Para Gonçalves (2011, p. 242-243) o caráter absoluto:

é um direito primário ou fundamental, ao passo que os demais direitos reais nele encontram sua essência. Encontrando-se em mãos do proprietário todas as faculdades inerentes ao domínio, o seu direito se diz absoluto ou pleno no sentido de poder usar, gozar e dispor da coisa da maneira que lhe aprouver, podendo dela exigir todas as utilidades que esteja apta a oferecer, sujeito apenas a determinadas limitações impostas no interesse público.

Assim, verifica-se que a propriedade tem a característica de ser absoluta,

“pois ao contrário dos direitos pessoais, se exerce contra todos” (MELO, 2009, p.

83).

O caráter absoluto atribui ao direito de propriedade a característica de ser

o direito real mais completo em face aos demais direitos reais, oportunizando ao

titular este direito, a possibilidade de desfrutar e dispor do bem como quiser,

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sujeitando-se, apenas, às limitações impostas em razão do interesse social ou da

coexistência do direito de propriedade de terceiros. (DINIZ, 2011, p. 130).

Entretanto observa-se que esta característica de absolutismo não dá ao

proprietário o direito de usar e abusar de qualquer maneira da propriedade, como

nos tempos romanos. O exercício do direito de propriedade é submetido às normas

legais, não se admitindo que venha a lesar direitos de terceiros e muito menos que

seja utilizado contrariamente a sua função social. (WALD, 2009, p. 121).

Portanto tal característica deve ser relativizada, quando estiver na

contramão dos interesses sociais, pois a função social e socioambiental da

propriedade prevista no art. 1.228, §1º, do Código Civil, limita este absolutismo.

(TARTUCE; SIMÂO, 2008).

Outra característica da propriedade que merece destaque é a

exclusividade. Característica que descreve que a “mesma coisa não pode pertencer

com exclusividade e simultaneidade a duas ou mais pessoas, em idêntico lapso

temporal, pois o direito do proprietário proíbe que terceiros exerçam qualquer

senhorio sobre a coisa”. (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 228).

Wald (2009, p. 134) também compartilha dessa visão exclusivista da

propriedade:

[...] a propriedade é exclusiva, por não se admitir que mais de uma pessoa possa exercer o mesmo direito sobre determinado objeto. No caso do condomínio, o que ocorre não é a propriedade de diversas pessoas sobre o mesmo objeto, mas a de cada condômino sobre uma fração ideal do objeto em condomínio.

Sob esse prisma, redige o Código Civil brasileiro, no art. 1.231: “A

propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrario”. (VENOSA,

2012, p. 172). Cabe ao contestante provar que naquela situação concreta existe

uma limitação legal em seu favor, que relativiza o caráter absoluto da propriedade.

(DINIZ, 2011, p. 130).

No entanto observa-se que a regra é de que “o proprietário poderá excluir

terceiros da atuação sobre a coisa mediante adoção da reivindicatória”. (FARIAS;

ROSENVALD, 2011, p. 228).

No caso do condomínio tradicional, convém esclarecer que a

exclusividade não desaparece, porque os condôminos são conjuntamente, titulares

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do direito. (DINIZ, 2011, p. 130). “Cada condômino é proprietário, com exclusividade,

de sua parte ideal”. (GONÇALVES, 2011, p. 243).

“Pelo estado de indivisão do bem, cada um dos proprietários detém

fração ideal do todo”. (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 228).

Portanto, “a plenitude da propriedade decorre da liberdade que o

proprietário tem de usá-la como lhe aprouver, acatando as restrições legais,

evitando a sua utilização abusiva e atendendo à sua função socioeconômica”.

(DINIZ, 2011, p. 130).

No tocante à característica da perpetuidade, Farias e Rosenvald (2011,

p. 230) afirmam que a propriedade tem duração ilimitada, “subsistindo

independentemente do exercício de seu titular, sendo transmitida por direito

hereditário aos sucessores”.

Neste sentido, Diniz (2011, p. 131) compreende que a perpetuidade está

na possibilidade da transmissão da propriedade, uma vez que, em regra, os bens

duram mais do que os seus donos.

Farias e Rosenvald (2011, p. 230) alertam que:

[...] não podemos aderir à tradicional noção da intangibilidade do direito de propriedade antes da usucapião. A pretensão reivindicatória será paralisada sempre que o magistrado observar o ato ilícito pelo abuso do direito de propriedade. Ele se instala, quando ficar demonstrado que o proprietário abandonou o patrimônio, descurando em conceder função social ao bem. A verificação do não uso da coisa, associado à lesão à função social, não resultará propriamente na perda do direito subjetivo dito – como ocorre na usucapião -, mas na perda da possibilidade de defendê-la contra terceiros, pois não se pode falar de nascimento de pretensão quando não há lesão a um direito subjetivo que não é exercitado pelo seu titular. Os direitos nascem para serem exercidos e não apenas para serem conservados no plano da abstração.

Porém a característica da perpetuidade da propriedade prevalece

independentemente de exercício, enquanto não sobrevier causa extintiva legal ou

oriunda da própria vontade do titular, não se extinguindo, portanto, pelo não uso.

Cumpre destacar que essas características não são as únicas. Farias e

Rosenvald (2011, p. 231) apontam outras, como por exemplo, a elasticidade,

atributo da propriedade em face da qual ela é suscetível de reduzir-se a certo

mínimo, ou de alcançar um máximo, sem deixar de ser propriedade; e a

consolidação, em que serão reunificados os direitos desmembrados do titular da

propriedade que reassumirá o domínio em sua plenitude.

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2.2.3 Elementos constitutivos

Os elementos constitutivos da propriedade correspondem aos mesmos

atributos da propriedade romana, jus utendi, fruendi, abutendi e a rei vindicatio, ou

seja, o direito de propriedade de usar, gozar e dispor e reivindicar do bem. (DINIZ,

2011, p. 128).

O próprio legislador arrolou esses poderes do proprietário no art. 1.228 do

Código Civil, que dispõe que: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar, dispor

da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua

ou detenha”.

No caso do direito de propriedade de usar, jus utendi, destaca-se que

este “compreende o direito de exigir da coisa todos os serviços que ela pode prestar,

sem alterar-lhe a substancia”. (MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 105).

No entendimento de Diniz (2011, p. 128): “o jus utendi, é o direito de usar

a coisa, dentro das restrições legais, afim de se evitar o abuso do direito, limitando-

se, portanto, ao bem-estar da coletividade”.

Dessa forma, Melo (2009, p. 85) chama atenção para o uso adequado

deste direito de usar da coisa:

Usar de um bem é retirar do mesmo tudo aquilo que ele puder proporcionar, seja em favor do próprio proprietário ou de terceiro. Para que o uso não se converta em ato ilícito pelas mãos do abuso do direito é necessário que ele seja exercido segundo a função social e não se volte para prejudicar ninguém, conduzindo o exercício regular do direito para o próprio bem-estar da sociedade.

O jus fruendi é o direito de gozar da coisa ou de explorá-la

economicamente. Exterioriza-se na utilização dos produtos da coisa, assim como

nos ganhos econômicos. (DINIZ, 2011, p. 129).

Gozar da coisa significa extrair seus benefícios e vantagens, por meio do

recolhimento de seus frutos naturais e civis. (VENOSA, 2012, p. 170).

É possível extrair das palavras de Melo (2009, p. 85) exemplos de como

recolhimentos dos frutos naturais ou civis, por intermédio do gozo ou fruição,

auferem vantagens econômicas:

Fruir ou gozar tem a sua significação ligada a percepção de frutos e produtos que a coisa puder proporcionar, tais como alugar o imóvel e receber os frutos civis ou fazer a colheita dos frutos de uma plantação.

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O jus abutendi, o direito de dispor da coisa, “consiste no poder de

consumir a coisa, de aliená-la, de gravá-la de ônus e de submetê-la ao serviço de

outrem”. (MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 105). “É o direito de dispor da coisa (jus

abutendi), de transferi-la, de aliená-la a outrem a qualquer título” (GONÇALVEZ,

2003, p. 84).

Para Melo (2009, p. 85), o poder de dispor da coisa (jus abutendi) pode

ser subdividido em duas manifestações jurídicas:

A primeira contempla o poder de fato de destruir todas as coisa submetidas ao seu domínio. Também não deve ser exercido abusivamente como no caso de destruir determinada safra de alimentos para forçar o aumento do preço no mercado. A segunda é o poder jurídico de alienar o bem ou gravá-lo, salvo hipótese de clausula restritiva de inalienabilidade ou impenhorabilidade.

A rei vindicatio consiste “no poder que tem o proprietário de mover ação

para obter o bem de quem injustamente o detenha, em virtude de seu direito de

sequela, que é uma das características do direito real’’. (DINIZ, 2011, p. 129).

Para Gonçalves (2003, p. 84): “é o direito de reaver a coisa (rei

vindicatio), de reivindicá-la das mãos de quem injustamente a possua ou detenha”.

O direito de propriedade não pode ser objeto de autotutela, assim, a

reivindicação da posse da coisa pelo titular da propriedade é feita, necessariamente,

por meio de processo judicial. (COELHO, 2012, p. 81).

Nota-se, portanto, que há limites aos poderes do proprietário ditados pela

ordem jurídica ou até mesmo por declaração de vontade dos sujeitos envolvidos em

um negócio jurídico. (COELHO, 2012, p. 82).

2.3 CLASSIFICAÇÃO

É voz corrente na doutrina classificar a propriedade, entretanto observa-

se que essa classificação não é unânime, ou seja, sofre variação, conforme as

diferentes interpretações jurídicas.

Para alguns juristas, como por exemplo, Coelho (2012, p.73) a

propriedade pode ser classificada em:

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corpórea, quando dotada de existência física, provida de materialidade e de corpo, por isso ocupa espaço. Ou incorpórea quando seu objeto são alguns direitos, como por exemplo, as marcas registradas, as patentes de inovações e as obras intelectuais, estudadas pelo direito autoral e comercial.

Diniz (2011, p. 134) entende que os bens incorpóreos encontram amparo

legal na própria Constituição Federal ao estabelecer em seu art. 5º, XXIX que:

a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País (DINIZ, 2011, p. 134).

Entretanto, no que diz respeito aos bens corpóreos, revela que três

princípios devem estar consagrados: o da coproriedade ou materialização; o da

individualização e o da acessoriedade, para que o objeto tenha valor econômico

materializado, individualmente determinado, com todos os acessórios. (DINIZ, 2011,

p. 133).

Na dicção de outro jurista, a propriedade encontra sua classificação de

plena, quando “o proprietário pode exercer todos os direitos a ela inerentes” e

limitada quando “o proprietário pode exercer apenas alguns dos direitos inerentes ao

domínio ou não pode exercer qualquer desses direitos” (LISBOA, 2005, p. 185).

Nas palavras de Coelho (2012, p.73), a propriedade encontra sua

plenitude, quando todos os poderes associados ao direito de propriedade estão

concentrados nas mãos do proprietário. E sua restrição, “quando sofrer alguma

limitação por declaração de vontade do proprietário (locação, usufruto etc.)”.

A propriedade plena reúne todos os seus elementos constitutivos (jus

utendi, fruendi et abutendi) em favor de um único titular. A limitada encontra sua

classificação, quando um dos atributos acima mencionados é desmembrado do

proprietário (MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 106).

Ainda, na interpretação de Coelho (2012, p.73), a propriedade pode ser

classificada como:

Propriedade imobiliária ou mobiliária. Imóveis são, segundo o artigo 79 do Código Civil “o solo e tudo quanto se lhe incorporar naturalmente ou artificialmente”, como, por exemplo, a fazenda, o terreno no condomínio fechado, o edifício de apartamentos ou de escritório. Os Móveis são, conforme o artigo 82 do diploma legal civil, “os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da

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substancia ou da destinação econômico-social”, como por exemplo, veículos, livros e vestimenta. [...] Singular ou copropriedade. Singular é aquela que um sujeito de direito, pessoa física ou jurídica, é o proprietário. Copopriedade, por sua vez, se verifica quando dois ou mais sujeitos dividem o direito de propriedade sobre o mesmo objeto, como por exemplo, condomínio.

Porém, no que diz respeito à perpetuidade de domínio, observa-se que a

propriedade perpétua é aquela que tem sua duração ilimitada, ou seja, que durará,

enquanto o proprietário tiver interesse por ela. E resolúvel ou revogável, quando no

seu título constitutivo as próprias partes estabelecem uma condição resolutiva.

(DINIZ, 2011, p. 135).

Classifica-se como “perpétua, no sentido de durar, enquanto o proprietário

por ela se interessar, ou resolúvel, hipótese em que deixa de existir, quando

implementada a condição”. (COELHO, 2012, p. 73).

Segundo Lisboa (2005, p. 185), a propriedade também pode sofrer outras

classificações, ou seja, não se limitando, apenas, às acima expostas.

2.4 LIMITAÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE

Deve–se reconhecer que a propriedade tem limites de ordem

constitucional, legal e convencional (MELO, 2009, p. 94).

Sendo a propriedade o mais amplo direito real, que congrega os poderes

de usar, gozar e dispor da coisa, de forma absoluta, exclusiva e perpétua, observa-

se que com a evolução histórica das sociedades, a propriedade evoluiu do sentido

individual para o social (DI PIETRO, 2012, p. 130).

Tal evolução ampliou as leis e regulamentos que existiam apenas no

âmbito do direito de vizinhança. Com foco no princípio da função social da

propriedade, o legislador autorizou, em caso de interesse da coletividade, a

intervenção do poder Público na propriedade (DI PIETRO, 2012, p. 130).

No Brasil, a limitação do direito de propriedade ligada à realização da

função social enraíza-se, na Constituição Federal, tanto na disciplina dos direitos e

garantias fundamentais (art. 5º, XXII e XXIII), como na dos princípios da ordem

econômica (art.170 II e III). (COELHO 2012, p. 83).

Assim, observa-se que a intervenção estatal, na propriedade privada, é

direito assegurado constitucionalmente, pois o seu exercício pode ser limitado a

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partir da finalidade do próprio Estado, que é a de buscar, permanentemente, o

interesse público e, também, amparando-se na supremacia do interesse público

sobre o particular. (BRUNO, 2005, p. 431).

A lei que limitar o exercício do direito de propriedade só será considerada

constitucional, se estiver em consonância com as garantias da função social que

exerce a propriedade. (COELHO, 2012, p. 83).

Portanto: “a garantia constitucional da propriedade está submetida a um

intenso processo de relativização, sendo interpretada, fundamentalmente, de acordo

com parâmetros fixados pela legislação ordinária” (MENDES; BRANCO, p. 383).

No campo infraconstitucional, a propriedade encontra limites de ordem

legal nas relações de vizinhança, previstos no art. 1.277 e seguintes do Código Civil

que, entre outros, veda que o proprietário se utilize nocivamente do bem. (MELO,

2009, p. 95).

A legislação infraconstitucional também legitima o Estado a intervir na

propriedade com base no interesse da coletividade, por meio das modalidades de

ocupação temporária, de tombamento, de requisição, de servidão administrativa, de

desapropriação e de parcelamento, de edificação compulsória e de limitação

administrativa (DI PIETRO, 2012, p. 131).

No tocante ao limite convencional do direito de propriedade, observa-se

que este se efetiva, quando houver a colocação de cláusula de inalienabilidade,

incomunicabilidade e impenhorabilidade nos atos gratuitos constitutivos da

propriedade. (MELO, 2009, p. 95).

Para Wald (2009, p. 148), a limitação do direito de propriedade pode ser

voluntária, quando decorre da declaração de vontade do interessado ou acordo

entre as partes. Ou decorrer das limitações legais, cuja fonte é a própria lei.

Segundo este jurista:

As limitações legais, por sua vez, dividem-se em restrições de direito público, estabelecidas em favor da coletividade, e de ordem privada, favorecendo os particulares. As primeiras são de caráter administrativo, e o sujeito ativo do direito é uma pessoa jurídica de direito publico (União, Estado, Município); as segundas originam-se do direito civil, havendo interesse imediato do particular. (WALD, 2009, p. 148).

De acordo com Venosa (2012, p. 173) “são muitas e cada vez mais

numerosas as leis que interferem na propriedade. A exigência de limitação decorre

do equacionamento do individual e do social”.

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À vista disso, observa-se que várias são as leis que impõem restrições ao

direito de propriedade, como o Código de Mineração, o Florestal da Lei de Proteção

ao Meio Ambiente etc. Outras leis contêm restrições administrativas, de natureza

militar, eleitoral etc. (GONÇALVES, 2009, p. 224).

2.4.1 Limitações administrativas

Impostos pela ordem jurídica, o desempenho de atividade particular

conforma-se com certos limites, bem como o desfrute de bens e o exercício de

direitos. Essas limitações ocorrem em todos os Estados, inclusive nos que

reconhecem e asseguram a propriedade privada, garantindo os regimes da livre

competição e da liberdade de iniciativa. (GASPARINI, 2012, p. 883).

Essa intervenção Estatal na propriedade também é reconhecida por

Meirelles (2012, p. 695):

As limitações administrativas representam modalidades de expressão da supremacia geral que o Estado exerce sobre pessoas e coisas existentes no seu território, decorrendo do condicionamento da propriedade privada e das atividades individuais ao bem–estar da comunidade. Como limitações de ordem pública, são regidas pelo Direito Administrativo, diversamente das restrições civis, que permanecem reguladas pelo Direito Privado (CC, arts. 1.277 e ss.).

“As limitações, ditas administrativas, do exercício do direito de

propriedade são exercitadas pela Administração com base em expressa disposição

legal, alcançando o caráter absoluto do direito de propriedade, relativizando-o”.

(BRUNO, 2005, p. 433).

A limitação administrativa pode ser definida como “toda imposição geral,

gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de

atividades particulares às exigências do bem–estar social” (MEIRELLES 2011, p.

89).

Segundo Filho (2008, p. 486):

A limitação administrativa à propriedade consiste numa alteração do regime jurídico privatístico da propriedade, produzida por ato administrativo unilateral de cunho geral, impondo restrições das faculdades de usar e fruir de bem imóvel, aplicável a todos os bens de uma mesma espécie, que usualmente não gera direito de indenização ao particular.

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Observando-se as limitações administrativas impostas à propriedade,

verifica-se que decorrem de normas gerais e abstratas, que se dirigem a

propriedades indeterminadas, com o fim de satisfazer interesses coletivos. (DI

PIETRO, 2012, p. 138).

Nas palavras de Di Pietro (2012, p. 137)

Ao contrario das limitações impostas no direito privado (normas referentes ao direito de vizinhança), que constituem objeto do direito civil e visam regulamentar os direitos e obrigações reciprocas dos particulares, as limitações administrativas, impostas nos interesse público, constituem objeto de direito público, mais especificamente do Direito Administrativo, pois, muitas das normas legais limitadoras de direitos individuais sejam de caráter constitucional, penal, eleitoral, é a Administração Pública que cabe o exercício dessa atividade de restrição ao domínio privado.

As restrições de vizinhança distinguem-se substancialmente das

limitações administrativas, pois estas são estabelecidas por normas de ordem

pública, leis e regulamentos, em benefício do bem-estar social, conforme os artigos

5, XXIII, e 170, III da CRFB e aquelas são reguladas por normas civis para proteção

da propriedade particular em si mesma e resguardar a segurança, o sossego e a

saúde dos que habitam, artigos 1.277 e 1.283 do CC. Os dois regulamentos incidem

sobre o mesmo objeto; a propriedade privada, entretanto, com finalidades diversas:

as limitações administrativas protegem genericamente a coletividade, uti universi e

as restrições civis protegem especificamente os vizinhos, uti single. (MEIRELLES,

2012, p. 702).

Esta diferenciação entre as limitações administrativas e as de ordem civil

sobre o direito de vizinhança também são descritas por Gasparini (2012, p. 888):

As limitações administrativas não se confundem com as restrições de vizinhança, com a servidão predial, com a servidão administrativa ou com a desapropriação, embora algumas vezes isso ocorra. Não se confundem com as restrições de vizinhança em razão das distintas finalidades de cada uma dessas imposições. As limitações administrativas são editadas em benefício do bem-estar social, enquanto os direitos de vizinhança são estabelecidos para a proteção da propriedade privada e como garantia de segurança, conforto, sossego e saúde dos que utilizam. As limitações administrativas protegem a coletividade; as restrições de vizinhança prestigiam os vizinhos. (GASPARINI, 2012, p. 888).

Na defesa dos interesses coletivos é que ocorre a atuação do Poder

Público e acaba restringindo direitos individuais, condicionando o uso da

propriedade privada e regulamentando atividades particulares que afetam

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diretamente a comunidade, ou seja, policiando tudo quanto possa refletir no bem-

estar geral. (MEIRELLES, 2012, p. 697).

Monteiro e Maluf (2012, p. 104) apontam um exemplo de restrição

administrativa, in verbis:

O direito de construir que é o que mais apresenta limitações. As normas edilícias e de zoneamento fixam os usos e construções permitidos em cada em cada região da cidade, estabelecendo recuos, coeficientes de aproveitamento, a implantação do lote, área máxima de edificação e gabaritos de altura. A exigência prévia de licença de edificação evidencia a ingerência do Estado no direito de propriedade conformando-o e harmonizando-o com o da coletividade.

Portanto observa-se que as limitações administrativas só podem ter

assento em lei, ainda assim não deverão ser impostas desproporcionalmente, com

restrições tais que inutilizem a propriedade atingida, pois, se isso ocorrer, a pretexto

de aplicar uma limitação, o Poder Público estaria virtualmente expropriando um

direito. (MOREIRA NETO, 2009, p. 420).

O Código Civil brasileiro também apresenta diversos limites ao direito de

propriedade, resultantes do direito de vizinhança, como se verá a seguir.

2.4.2 Limitações ao direito de propriedade no Código Civil brasileiro

Observa que são inúmeras as restrições da lei civil à propriedade,

indicando, principalmente, as decorrentes do direito de vizinhança, previstas nos

artigos 1.277 a 1.298 do Código Civil de 2002, e as previstas nos artigos 1.378 a

1.389, do mesmo diploma legal, referente às servidões prediais. (MONTEIRO;

MALUF, 2012, p. 115).

O Código Civil de 2002, em seus artigos 1.228 a 1.332, a exemplo do seu

antecessor, artigos 524 a 529 do Código Civil de 1916, apresenta disposições gerais

no que diz respeito à propriedade. Sendo que algumas dessas disposições

representam, na lei civil, claras restrições ao direito de propriedade, sendo a mais

notória a aclamada função social. (TARTUCE; SIMÃO, 2011, p. 131).

Sob este mesmo prisma, Melo (2009, p. 95) aponta que:

No campo infraconstitucional temos como principal exemplo os limites criados nas relações entre vizinhos previstos no art. 1.277 e seguintes do Código Civil, que, entre outros, veda que o proprietário se utilize

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nocivamente do bem, causando com este proceder lesão à saúde, ao sossego ou à segurança dos vizinhos.

Por essa razão, observa-se que por meio dessa e de outras inserções

normativas no mundo fático, acabaram por transformar a visão individualista, que

era base da propriedade, por uma propriedade com finalidade social, objetivando

eliminar a propriedade estéril e improdutiva. (MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 116).

“No Código Civil, a função social da propriedade emerge do disposto no

art. 1.228 § 1º, primeira parte: “O direito de propriedade deve ser exercido em

consonância com as suas finalidades econômicas e sociais””. (COELHO, 2012, p.

83).

À vista disso, mesmo não mencionando o conceito, a lei ordinária

estabelece, nesse dispositivo, uma limitação ao direito de propriedade que traduz

igual noção: as “finalidades econômicas e sociais” da propriedade são alcançadas

quando atendida sua função social. (COELHO, 2012, p. 84).

2.4.3 Função social da propriedade

A expressão função social tem sua origem no latim e significa cumprir

algo ou desempenhar um dever ou uma atividade. (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p.

235).

Significa dizer que, sim, o direito real deve ser exercido no interesse

individual, mas que este deve coincidir, ou apresentar alguma relação com o

interesse social, em uma relação de equilíbrio. (PENTEADO, 2012, p.195).

Por esse motivo, para Farias e Rosenvald, (2011, p. 242), a função social

da propriedade define o comportamento do proprietário perante a coletividade:

A locução função social traduz o comportamento regular do proprietário, exigindo do mesmo uma atuação numa dimensão na qual possa realizar interesses coletivos, sem eliminar a condição de direito privado do bem, assegurando-lhe as faculdades de uso, gozo e disposição. Assim, a propriedade mantém-se privada e livremente transmissível, porém detendo finalidade que se concilie com as metas do organismo social.

A Constituição da República Federativa do Brasil, lei maior, tutela a

propriedade formalmente individual a partir do instante em que se exiba

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materialmente social, por intermédio de uma relação de equilíbrio. (FARIAS;

ROSENVALD, 2011, p. 241).

“Como sabido, estabelece o art. 5º, XXIII, da Carta Política Federal que a

propriedade deverá cumprir a sua inafastável função social”. (MELO, 2009, p. 86).

Seja do ponto de vista dos direitos fundamentais, art. 5º da CRFB, caput e

incisos, XXII e XXIII, ou do ponto de vista da ordem econômica, incisos II e III do art.

170 da CRFB. (PENTEADO, 2012, p. 195).

Com a CRFB, a função social da propriedade ganhou status de direito

fundamental, estando estabelecido no Capítulo dos Direitos e Garantias

Fundamentais, art. 5º, incisos XXII e XXIII, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...] (BRASIL, 1988)

Tal normatização assegura a propriedade como um direito fundamental

que deve atender a sua função social, ou seja, será garantido o direito de

propriedade quando e enquanto for cumprida sua função social.

A CRFB também considera a função social da propriedade nos termos do

princípio da ordem econômica, estabelecida no seu art. 170, incisos II e III, in verbis,

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; [...]; (BRASIL, 1988).

Nesse caso, percebe-se que tanto o direito de propriedade, quanto o

princípio da função social da propriedade são tidos como fatores condicionantes

para uma vida digna, baseada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, ou seja, não há dignidade humana sem existência do direito de

propriedade e sem o atendimento à sua função social. (CARVALHO, 2012, p. 228).

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Seguindo orientação da Lei Maior, a lei infraconstitucional, em seu

parágrafo primeiro, do artigo 1.228 do Código Civil, também positiva a função da

propriedade:

Art. 1.228 O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (BRASIL, 2002)

Este dispositivo reproduz a mensagem da Constituição Federal na ordem

privada e estabelecendo um rol exemplificativo de aferições de função social.

(FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 246).

Da mesma forma que é importante a defesa dos direitos individuais dos

titulares da propriedade, é fundamental que se exija do proprietário a observância

das potencialidades econômicas e sociais dos bens que deverão ser revertidos em

benefício da sociedade, pois a função social da propriedade tornou-se uma

exigência do convívio em sociedade. (MELO, 2009, p. 86).

Inexiste, até o presente momento, um conceito constitucional fixo,

estático, de propriedade, afigurando-se, fundamentalmente, legítimas não só as

novas definições de conteúdo, como a fixação de limites destinados a garantir a sua

função social. É que, embora não aberto, o conceito constitucional de propriedade

há de ser necessariamente dinâmico. (MENDES; BRANCO, p. 383).

2.4.4 Desapropriação por necessidade pública, utilidade pública de interesse social e desapropriação privada.

A desapropriação é uma forma de intervenção do Estado na propriedade

privada, que tem seu início com a indicação, por parte do Poder Público, de um bem

de interesse social, ou que apresenta utilidade pública, tendo sua conclusão

mediante a justa e prévia indenização, paga em dinheiro ao expropriado. (MELO,

2009, p. 189).

Segundo Meirelles (2011, p. 185), a desapropriação é:

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[...] a transferência compulsória da propriedade particular (ou publica de entidade de grau inferior para a superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública, ou ainda por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, salvo a exceção constitucional de pagamento em títulos da dívida agrária para o caso de propriedade rural que não esteja cumprindo sua função social (art. 184).

Na CRFB o fundamento da desapropriação está expresso em seu art. 5º,

XXIV, in verbis:

Art. 5º. [...]; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; [...]; (BRASIL, 1988)

Por intermédio de uma digressão histórica, observa-se que “o poder de

expropriar está inserido nas Constituições do País desde a carta imperial

outorgada”. (VENOSA, 2012, p. 258).

Já no direito infraconstitucional, a desapropriação por utilidade pública

tem “a matéria regulada basicamente pelo Decreto-Lei nº 3.365, de 21-6-41, com

modificações introduzidas por várias leis posteriores”. (VENOSA, 2012, p. 258-259).

O Decreto-lei nº 3.365/41 (com alteração da Lei nº 9.785 de 29 de janeiro

de 1999), considerando a lei geral das desapropriações, elenca, em seu art. 5º, as

hipóteses de desapropriação por utilidade pública:

Art. 5º Consideram-se casos de utilidade pública: a) a segurança nacional; b) a defesa do Estado; c) o socorro público em caso de calamidade; d) a salubridade pública; e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência; f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica; g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saude, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos; i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o loteamento de terrenos edificados ou não para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o loteamento de terreno, edificados ou não, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais.

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i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais; j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo; k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico; m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios; n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves; o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária; p) os demais casos previstos por leis especiais. (BRASIL, 1941; BRASIL 1941).

Diante disso, verifica-se que a utilidade pública ocorre quando a

apropriação do bem é conveniente para a Administração, sem que ocorra urgência

ou imprescindibilidade. (VENOSA, 2012, p. 260).

No tocante à necessidade pública, segundo Seabra Fagundes, verifica-se

que esta ocorre quando:

[...] a administração se encontra diante de problema inadiável e premente, isto é, que não pode ser removido nem procrastinado e para cuja solução é indispensável incorporar no domínio do Estado o bem particular. (FAGUNDES, 1948, apud MEDAUER, 2008, p. 351).

Nesse mesmo sentido, verifica-se que a necessidade pública acontece

quando há urgência em obras ou atividades do Estado, sendo necessária a pronta

transferência do bem privado à administração. (VENOSA, 2012, p. 260).

“A desapropriação por interesse social é aquela que se decreta para

promover a justa distribuição da propriedade, ou acondicionar o seu uso ao bem-

estar social (Lei 4.132/1962, art. 1º)”. (MEIRELLES, 2011, p. 190).

A Lei nº 4.132/62 (com alteração da Lei nº 6.513 de 20 de dezembro de

1977) define os casos de desapropriação por interesse social, dispondo em seu art.

2º, in verbis:

Art. 2º Considera-se de interesse social: I - o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico; II - VETADO;

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III - o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola: IV - a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias; V - a construção de casas populares; VI - as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas; VII - a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais. VIII - a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas. (BRASIL, 1962; BRASIL, 1977).

Este interesse social não é o Interesse da Administração Pública, mas sim

de toda a coletividade administrada. (MEIRELLES, 2011, p. 190).

O interesse social é o pressuposto, que efetivamente, permite ao Estado

buscar o sentido social da propriedade, sendo que, nesse caso, os bens

desapropriados podem se destinar à coletividade. (VENOSA, 2012, p. 260).

Todavia existe, no âmbito jurídico nacional, a possibilidade da

desapropriação privada, que encontra amparo legal nos artigos 1.258 e 1.259 do

Código Civil, in verbis:

Art. 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não superior à vigésima parte deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente. Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste artigo, o construtor de má-fé adquire a propriedade da parte do solo que invadiu, se em proporção à vigésima parte deste e o valor da construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção. Art. 1.259. Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro. (BRASIL, 2002).

Assim, observa-se que esta legislação regulamenta as hipóteses de

construções efetuadas por proprietários em terrenos próprios, mas que acabam por

exceder os limites, gerando pequenas invasões em terrenos limítrofes. (FARIAS;

ROSENVALD, 2011, p. 398).

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À vista do exposto, observa-se que a desapropriação, por meio do seu

arcabouço jurídico, é um moderno e eficaz instrumento de que se utiliza o Estado

para remoção de obstáculos à execução de obras e serviços públicos; para propiciar

a implantação de planos urbanísticos; para preservação do meio ambiente contra

devastações e poluições e serve, ainda, de ferramenta para realização de justiça

social, com a distribuição de bens inadequadamente utilizados pela iniciativa

privada. (MEIRELLES, 2011, p. 185).

Portanto, neste capítulo foram abordadas as noções elementares do

direito de propriedade que sofre inúmeras restrições ao seu exercício, impostas não

só no interesse coletivo, mas também no individual. Que abrirão caminho para o

entendimento do próximo capítulo, que descreve detalhadamente as limitações

impostas ao direito de propriedade no âmbito do direito de vizinhança.

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3 AS NORMAS DO DIREITO DE VIZINHANÇA PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL ATUAL

Este capítulo abordará os aspectos inerentes do direito de vizinhança.

3.1 CONCEITO DE DIREITO DE VIZINHANÇA

No Brasil, os direitos de vizinhança ganham força com a edição do Código

Civil de 1916, que tinha um perfil exclusivamente privado. Mantendo esses aspectos,

o Código Civil de 2002 incorporou inúmeras inovações ocorridas no direito brasileiro,

principalmente em razão do regramento constitucional de 1988, com toda a

abordagem do princípio da função social da propriedade. (ROCCO, 2006, p. 19).

Entretanto os direitos de vizinhança também ganham conceituação a

partir da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, que

apresentou limitações impostas pela boa convivência social, inspirada na lealdade e

na boa-fé. Passando a propriedade a ser usada de modo que torne possível a

coexistência social. Se assim não se procedesse, as propriedades se aniquilariam

no entrechoque de suas várias faculdades, impossibilitando a prática de qualquer

direito, caso os proprietários pudessem invocar uns contra os outros seu direito

absoluto e ilimitado. (MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 161).

Nas palavras de Melo (2009, p. 191):

Os chamados direitos de vizinhança são previsões legais que tem por objetivo regulamentar a relação social e jurídica que existe entre os titulares de direito real sobre imóveis, tendo em vista que a proximidade entre prédios ou apartamentos no condomínio em edifícios (arts. 19 da Lei 4.591/64 e 1.336, IV, CCB), não raro, gera animosidades e problemas de intricada solução. Para atingir o desiderato de harmonização da relação entre vizinhos, a lei limita reciprocamente o exercício do direito de propriedade dos vizinhos, apontando para a preservação do interesse público privado.

“As restrições de vizinhança são sempre recíprocas, afetando igualmente

todos os vizinhos. De fato, todos os prédios são servientes e dominantes ao mesmo

tempo, pois há uma ideia imanente de coexistência de direitos” (FARIAS;

ROSENVALD, 2011, p. 510).

“Para fins de Direito, o conceito de vizinhança abrange, na sistemática do

nosso Código Civil, não só os prédios confinantes como os mais afastados desde

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que sujeitos às consequências do uso nocivo das propriedades que os rodeiam”

(MEIRELLES, 2011, p. 48).

Para serem vizinhos, os prédios não precisam ser contíguos, mas sim que

a atividade exercida em um possa repercutir em outro. (MELO, 2009, p. 191).

“As imposições de vizinhança, nos seus efeitos jurídicos, alcançam todos

os moradores do bairro, confinantes ou não confinantes, para sujeitá-los às mesmas

obrigações de proteção à segurança, ao sossego e à saúde dos vizinhos”

(MEIRELLES, 2011, p. 48).

Diante disso, torna-se apropriado trazer à baila o exemplo esclarecedor

desse direito nas palavras de Melo (2009, p. 191):

Imagine-se uma pessoa que exerce atividade nociva em seu terreno, depositando no rio alguns dejetos químicos. Para efeitos legais, quem sofrer a repercussão nociva, será reputado vizinho, independentemente de confrontar com o prédio ou não.

Percebe-se, assim, que os chamados direitos de vizinhança são direitos

de convivência decorrentes da proximidade ou interferência entre prédios, não

necessariamente da contiguidade (VENOSA, 2012, p. 280).

Outro destaque a ser dado ao direito de vizinhança diz respeito a sua

natureza jurídica, que já foi alvo de muita discussão pela doutrina por entender se é

uma obrigação ou um direito real.

Farias e Rosenvald (2011, p. 509) destacam que:

Qual seria a natureza jurídica dos direitos de vizinhança? Segundo o abalizado magistério de FABIO MARIA DE MATTIA, após a promulgação do Código Beviláqua, os autores se dividiram em dois grupos: “ de um lado os partidários da natureza obrigacional dos direitos de vizinhança (Sá Pereira, Tito Fulgêncio) e de outro lado a corrente dos adeptos do caráter real dos direitos de vizinhança (Carvalho Santos). Porém logo a controvérsia esmoreceu e outros passaram a admitir a natureza de obrigação propter rem. Esta é a posição atual dos nossos doutrinadores (San Tiago Dantas, Antonio Chaves, Silvio Rodrigues, Serpa Lopes, etc.).

Nesta senda, é o posicionamento de Venosa (2012, p. 281): “não diverge

a doutrina na impossibilidade de enquadrar os direitos de vizinhança exclusivamente

no campo do direito obrigacional ou no dos direitos reais”.

O conteúdo decorrente das limitações do direito de vizinhança está a

meio caminho entre as obrigações e o direito real. Ligando-se umbilicalmente ao

direito de propriedade a obrigação propter rem (VENOSA, 2012, p. 281).

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Assim, verifica-se que as limitações impostas pela lei às prerrogativas

individuais têm o objetivo de harmonizar interesses de proprietários vizinhos,

reduzindo os poderes inerentes ao domínio, de modo a regular a convivência

(MELO, 2009, p. 192).

3.2 USO ANORMAL DA PROPRIEDADE

O uso anormal da propriedade é aquele em desacordo com a sua

finalidade econômica ou social, a boa-fé ou os bons costumes, por meio de ato,

tanto ilícito como abusivo. (GONÇALVES, 2009, p. 330).

O direito de propriedade limita-se quanto à intensidade de seu exercício

em razão do princípio geral que proíbe ao indivíduo um comportamento que venha a

exceder o uso anormal de um direito, causando prejuízo a alguém (DINIZ, 2011, p.

291).

Entretanto cumpre ressaltar que não é apenas o proprietário que se

encontra em posição de sofrer consequências do uso anormal do imóvel vizinho. A

norma jurídica dos direitos de vizinhança se refere, também, à titularidade do

possuidor direto e indireto. Sendo assim, todos são titulares de direitos subjetivos a

um comportamento de abstenção de vizinhos, aptos a impedir o uso anormal da

propriedade e da posse (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 512).

As ações que derivam dos direitos de vizinhança competem ao

proprietário, locatário, usufrutuário e em geral a todo possuidor, detentor ou quem

utiliza a coisa (VENOSA, 2012, p. 280).

“O direito de vizinhança tem seu cerne vinculado ao mau uso da

propriedade, pela mensuração de condutas de proprietários e possuidores que

excedam o razoável e prejudiquem a segurança, sossego e saúde de vizinhos”

(FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 512).

Regina Vera Villas Boas revela que:

Se o vizinho não for atento às regras de boa convivência, utilizando-se de sua propriedade em condições anormais à sua época, meio ou o grupo de convivência, não conseguirá atender de maneira efetiva à finalidade de vizinhança, posto que a conduta anormal de um vizinho, fatalmente atingirá a regularidade da conduta de outro vizinho, provocando-lhe alterações não queridas de seus hábitos, perturbando-lhe a tranquilidade, segurança e saúde (BÔAS, apud FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 512).

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Com vistas a preservar o sossego, a segurança e a saúde dos vizinhos, o

artigo 1.277 e seu parágrafo único, do Código Civil, assim dispõem:

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança (BRASIL, 2002).

Tanto por ação, como por omissão, pode-se dar a ofensa à segurança do

vizinho. O ato ou inatividade deve produzir um dano efetivo, ou criar uma situação

de perigo para o prédio vizinho ou para a integridade de seus habitantes, ou

frequentadores (MEIRELLES, 2011, p. 37).

““Segurança” é a segurança material e a moral. Não está seguro quem,

razoavelmente se sente inseguro. Tanto se pode tratar de insegurança para o prédio

como para a pessoa que o habita ou tem de frequentar” (MELO, 2009, p. 195).

Até mesmo a atitude inadequada do vizinho que realiza reuniões de

malfeitores, ajuntamento de pessoas alcoolizadas, congestionamento de trânsito ou

outras situações potencialmente comprometedoras da segurança do bairro pode ser

reprimível por via judicial, uma vez que caracteriza o uso anormal da propriedade

(MEIRELLES, 2011, p. 37).

Nem sempre as perturbações à vizinhança possuem materialidade ou

percepção visível. A perturbação pode ser olfativa ou auditiva: o ruído excessivo, a

emissão de gases poluentes são exemplos patentes (VENOSA, 2012, p. 283).

Portanto, no que diz respeito ao sossego, não se pode conceituar como a

completa ausência de ruídos, mas a possibilidade de afastar ruídos excessivos que

comprometam a incolumidade da pessoa (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 513).

Pontes de Miranda ensina que:

“Sossego” é a relativa tranquilidade, o ter-se o que permite a normalidade da vida, com as horas de atividade e as de descanso, que hão de ser especificamente distintas. O ruído máximo que se tolera, à noite, não é o ruído máximo que há de se tolerar de dia (MIRANDA, apud MELO, 2009, p. 195).

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Diante disso, observa-se que são ofensas ao sossego aqueles ruídos

excessivos que tiram a tranquilidade dos habitantes de um prédio confinante, por

meio de festas noturnas espalhafatosas em residências e etc. (DINIZ 2011, p. 292).

Não olvidando a interferência que a propriedade vizinha pode causar na

saúde do vizinho, ou seja, a salubridade física ou psíquica que pode ser afetada por

moléstia, mediante agentes físicos, químicos e biológicos, como a emissão de gases

tóxicos, poluição de águas e matadouros. (FARIAS; ROSENVALD, 2013, p. 642).

Segundo a voz de Monteiro e Maluf (2012, p. 162):

Constituem ofensas à saúde as emanações de gazes tóxicos, as relações fétidas a poluição de águas pelo lançamento de resíduos, a presença de substancias putrescíveis ou de águas estagnadas e o funcionamento de estábulos ou de matadouros.

Diniz (2012, p. 297), nesse mesmo sentido, também apresenta alguns

exemplos elucidativos dos danos que podem ser causados à saúde dos vizinhos

pelo uso anormal da propriedade, como no caso da criação de animais que exalem

mau cheiro e o escoamento de suas fezes no prédio inferior, os gases tóxicos, a

queima de detritos com penetração de fumaça e odores dentre outros.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça - STJ aplica normas do

direito de vizinhança para satisfação de interesses de proprietários em conflito:

Uso indevido No caso de imóvel alugado, o locador (proprietário) tem o dever de zelar pelo uso adequado de sua propriedade, assegurando-se da correta destinação dada pelo inquilino, principalmente no que se refere à higiene e limpeza da unidade objeto da locação. Esse entendimento é da Terceira Turma. No Condomínio Residencial Suite Service há uma regra que obriga os condôminos a permitir o acesso às suas unidades para que sejam realizados serviços de limpeza. Mesmo notificada dessa obrigação, uma locatária não permitiu que os funcionários responsáveis pela limpeza entrassem em seu apartamento. Diante disso, o condomínio moveu ação cominatória contra a locatária. Sustentou que as condições precárias de higiene da unidade afetaram os demais condôminos, causando-lhes riscos à saúde e ao bem-estar no prédio. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2013)

Portanto, observa-se que cabe ao vizinho obter em juízo, por meio do uso

das normas do direito de vizinhança, a ordem para cessar o uso anormal da

propriedade, isto é, as interferências nocivas à segurança, ao sossego e à saúde de

vizinhos. (COELHO, 2009, p. 171).

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3.3 ÁRVORES LIMÍTROFES

“A existência de árvores limítrofes dá origem à relações de vizinhança”

(DINIZ, 2011, p. 297).

Por isso, quando o tronco da árvore estiver na linha demarcatória de duas

propriedades, isto é, situa-se parte no imóvel de um sujeito e parte no de outro, a

árvore presume-se ser de propriedade comum deles (COELHO, 2009, p. 171).

Essa descrição encontra seu fundamento legal no art. 1.282 do Código

Civil que preceitua que ”a árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se

pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes” (BRASIL, 2002).

Neste mesmo sentido Farias e Rosenvald (2013, p. 654) destacam que:

Quando arvore tiver o seu tronco na linha divisória, há presunção juris tantum de pertencer esta, em partes iguais, aos dois vizinhos, em condomínio necessário. Posto ser a arvore comum, os frutos e o tronco são de co-propriedadedos confinantes, da mesma forma que os demais proventos, bem como os encargos serão entre eles divididos, sendo que nenhum deles poderá cortá-la sem anuência do outro (art. 1.282 do CC). Caso seja cortada ou arrancada, será repartida entre os vizinhos.

Em razão disso observa-se que a presunção de que a árvore pertence em

comum aos donos dos prédios confinantes, é suscetível de prova em contrário,

oriunda de evidência específica ou resultante das circunstâncias do caso (DINIZ,

2011, p. 297).

Pertencendo a árvore aos confinantes, cabem-lhes as despesas de

conservação e colheita dos frutos, podendo aquele que gastou cobrar do vizinho a

metade (VENOSA, 2012, p. 293).

As árvores pertencem ao titular da propriedade do imóvel em que se

encontram seus troncos. A localização da copa e das raízes é irrelevante para a

definição da titularidade do direito de propriedade (COELHO, 2009, p.171).

Porém cabe destacar que os frutos caídos naturalmente da árvore, em

propriedade particular vizinha, ao dono deste prédio pertencerão, pois o código traz

uma exceção com base no princípio de que o acessório seguirá a sorte do principal.

(MELO, 2008, p. 195).

Quando os frutos caírem naturalmente no terreno vizinho:

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[...] em local próximo a linha divisória, pertencerão estes ao dono do local da queda, evitando-se invasões em terreno alheio e posteriores contendas entre vizinhos (art. 1.284 do CC). Excepciona-se aqui o tradicional brocardo “o acessório segue o principal”, eis que mesmo sendo o fruto um acessório da arvore, pertencerá ao vizinho. (FARIAS; ROSENVALD, 2013, p. 654).

Entretanto ressalta-se que a norma diz respeito aos frutos caídos

naturalmente. O vizinho não pode sacudir a árvore para derrubar os frutos em seu

solo, ou colher os frutos pendentes em ramos que invadam sua propriedade.

(COELHO, 2009, p. 172).

Sendo comum a árvore, serão comuns as despesas com o seu corte e

colheita de frutos, devendo os frutos serem repartidos pela metade, quer tombem

naturalmente quer seja provocada sua queda (DINIZ, 2012, p. 301).

“Caso os frutos tombem em propriedade pública, não há mais perigo de

conflitos, de modo que o proprietário da árvore ainda conserva a propriedade dos

frutos caídos” (DINIZ, 2012, p. 301).

Já o artigo 1.283 do Código Civil preceitua que “as raízes e os ramos de

árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano

vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido” (BRASIL, 2002).

As raízes e ramos que forem cortados pelo proprietário do terreno

invadido, pela Municipalidade ou pela empresa fornecedora de energia elétrica, o

farão, em oposição à negligência do dono da árvore, que tem o dever de mantê-la

em tal situação para que não prejudique a propriedade vizinha, as vias públicas e os

fios condutores de alta tensão. Não tendo o dono da árvore direito a qualquer

indenização (GONÇALVES, 2009, p. 336).

Quando os ramos e raízes ultrapassarem a divisão dos prédios, Farias e

Rosenvald (2013, p. 654) destacam que:

[...] o dono do terreno invadido poderá cortá-los até o plano vertical divisório, independentemente de aviso prévio ou qualquer outra formalidade (art. 1.283 do CC). Trata-se de excepcional autorização do ordenamento jurídico a autoexecutoriedade de obrigação de fazer, dispensando-se a intervenção judicial em questão de pequena monta. Tratando-se de emanação do direito de propriedade, não se cogite da prescrição da pretensão ao corte dos ramos e raízes, pois a atividade poderá ser realizada a qualquer tempo. Qualquer inação será mera tolerância.

Portanto o dono do terreno invadido pelos galhos não tem a obrigação de

reclamar previamente nem avisar, previamente, ao proprietário da árvore que vai

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apará-la. O dono da árvore não terá direito a qualquer indenização de perdas e

danos ainda que esta venha a perecer em razão do corte. (DINIZ, 2012, p. 303).

3.4 PASSAGEM FORÇADA E PASSAGEM DE CABOS E TUBULAÇÕES

Passagem forçada é o direito assegurado ao proprietário que não tem

acesso à via pública. Obtendo o direito de passagem por meio do prédio alheio.

(Monteiro; Maluf, 2012, p. 169).

Tal instituto encontra seu fundamento no Código Civil de 2002, no artigo

1.285, que assim dispõe “o dono do prédio que não tiver acesso a via pública,

nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o

vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”

(BRASIL, 2002).

Melo (2008, p. 196) destaca que:

O encravamento deve ser natural e tornar totalmente impossível a passagem. Apesar de se tratar da manifestação de um direito potestativo em que o vizinho se submete ao exercício do direito de outrem sem o concurso de sua vontade, o vizinho que se utiliza da passagem deverá indenizar o dono do prédio pelo qual transita. Se não houver acordo, a indenização poderá ser fixada judicialmente em um quantum que represente a perda patrimonial do prédio que se submeteu à passagem. Havendo dois ou mais prédios que se mostrem aptos a suportar o exercício do direito do vizinho, este recairá sobre o prédio que mais natural e facilmente se prestar a passagem. Se na alienação de um prédio, o alienante ou adquirente venha a perder a passagem que tinha um ou outro terá direito a passagem forçada para chegar a via pública nascente ou porto, mesmo que antes da alienação tenha existido passagem através de imóvel vizinho.

Diante disso, observa-se que existe uma discussão se o encravamento

deve ser absoluto. Parte da doutrina sustenta que o imóvel deve estar

absolutamente encravado, sem qualquer saída para via pública, fonte ou porto. Caso

exista qualquer comunicação, ainda que insuficiente, incômoda, rudimentar ou

onerosa, não se considera encravado o imóvel para obtenção do direito de

passagem. (Monteiro; Maluf, 2012, p. 169).

Entretanto uma corrente mais social entende que o imóvel encravado não

é apenas o prédio inteiramente sem saída, como também aquele cuja única via de

acesso se apresenta sumamente onerosa, impraticável ou perigosa, só utilizável à

custa de imensos sacrifícios (Monteiro; Maluf, 2012, p. 169).

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Na resolução dessa discussão, a jurisprudência pátria já se mostrou

favorável à primeira corrente. (Monteiro; Maluf, 2012, p. 169).

Portanto o proprietário de prédio que não tem acesso a via pública,

nascente ou porto, tem o direito à passagem forçada mediante o pagamento de

cabal indenização ao vizinho que teve seu direito de propriedade limitado (DINIZ,

2012, p. 303).

Na falta de acordo quanto à forma de fixação (rumo, largura, pontos de

passagem), a passagem forçada será fixada judicialmente, sendo a indenização

estimada pela pericia, considerando-se algum dano eventualmente causado ao bem

não onerado. (FARIA; ROSENVALD, 2013, p. 657).

“A limitação imposta ao prédio serviente só se justifica, efetivamente, em

função da necessidade imperiosa de seu vizinho. Cessada tal necessidade,

desaparece a razão para permanência do aludido ônus” (GOLÇALVES, 2009, p.

338).

Ocorrerá a extinção da passagem forçada e o desaparecimento do

encravamento, nos casos, por exemplo, de abertura de estrada pública que

atravessa ou passa ao lado de suas divisas, ou quando é anexado a outro, que tem

acesso para via pública (GOLÇALVES, 2009, p. 338).

O Código Civil disciplina duas hipóteses de passagem forçada, as acima

expostas e aquelas que se destinam à passagem subterrânea, para abrigar dutos,

cabos ou tubulações de serviços públicos, como água, luz, gás, comunicações etc.

(COELHO, 2009, p. 174).

“Sendo assim, o proprietário torna-se obrigado a tolerar a passagem,

através de seu imóvel, de cabos e tubulações em proveito de proprietários vizinhos

quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa”. (WALD, 2009, p.

211).

A obrigação do proprietário de tolerar a passagem, por meio de seu

imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos encontra previsão legal no artigo

1.286 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.286. Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa. (BRASIL, 2002).

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Este dispositivo estabelece que o proprietário será obrigado a tolerar a

passagem, por meio do seu imóvel, dos cabos e tubulações, referentes aos serviços

públicos essenciais, por exemplo, água, luz, telefone e gás, para facilitar a vida de

todos, ou seja, proporcionar bem-estar geral em razão da prevalência do interesse

social dos proprietários vizinhos. (FARIAS; ROSENVALD, 2013, p. 658).

Assim, observa-se que “é previsto o pagamento de justa indenização ao

proprietário que teve o seu imóvel atingido, observando-se, na instalação dos cabos

e tubulações, o critério da menor onerosidade”. (GONÇALVES, 2009, p. 340).

“O quantum indenizatório deverá ser proporcional à desvalorização do

imóvel ou ao prejuízo sofrido pela limitação do jus fruendi em benefício do bem-estar

social, pela redução potencial do prédio, pela produção de ruídos, etc.”. (DINIZ,

2012, p. 306).

Por sua vez, o artigo 1.287 do Código Civil estabelece que “se as

instalações oferecerem grave risco, será facultado ao proprietário do prédio onerado

exigir a realização de obras de segurança”. (BRASIL, 2002).

“Qualquer forma de risco a solidez e segurança do prédio ou a

incolumidade de pessoas será justificador da realização de obras de segurança.”

(FARIAS; ROSENVALD, 2013, p. 659).

Neste sentido Caio Mario da Silva (2006, p. 126) pondera que:

O art. 1.287 parte do principio de que a propriedade do imóvel onerado não pode ficar exposta a risco ante a obrigação de tolerar passagem de tubulações e cabos, pois justo não seria que, para favorecer outro prédio, seu proprietário fosse prejudicado pelo fato de não terem sido tomadas as devidas medidas de segurança. Por isso há permissão legal para que o lesado imponha, judicialmente, a efetivação daquelas obras de segurança, sob cominação alternativa de efetuá-las às expensas do lesante ou interromper a serventia.

Assim serão sempre necessárias as devidas cautelas, principalmente no

que diz respeito à segurança que será de responsabilidade do poder público ou das

concessionárias que exploram o serviço considerado perigoso. (GONÇALVES,

2009, p. 340).

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3.5 ÁGUAS

Diante do inestimável valor das águas no papel que exerce na satisfação

das necessidades humanas e no progresso de uma nação, é necessário que

existam normas idôneas para atender a esses reclamos e solucionar os conflitos

que, porventura, surgirem (DINIZ, 2012, p. 307).

“O direito de águas pode ser conceituado como conjunto de princípios e

normas jurídicas que disciplinam o domínio, uso, aproveitamento, a conservação e

preservação das águas, assim como a defesa contra suas danosas consequências”

(POMPEU, 2006, p. 39).

Segundo Monteiro e Maluf (2012, p. 172):

A importância do seu estudo manifesta-se tanto no direito privado como no direito público, razão por que se deparam normas legais, que lhes são concernentes não só no direito civil, como no direito constitucional, no direito administrativo e no direito penal.

No campo do direito de vizinhança, ao tratar do regime de águas

legalmente estabelecido, tem-se em vista o complexo de normas reguladoras de

relações referentes às águas de nascentes e pluviais, que, com a finalidade de

harmonizar interesses e contendas, criam direito e obrigações recíprocas (DINIZ,

2012, p. 301).

A normativa que se inicia no art. 1.288 do Código Civil objetiva uma

regulamentação da questão das águas no que diz respeito aos conflitos de

vizinhança, nada mais. Assim, tudo que diga respeito ao controle das águas pelo

Poder Público mantém a sua eficácia no Código de Águas. (FARIAS; ROSENVALD,

2013 p. 660).

Portanto, dispõe inicialmente o Código Civil, em seu artigo 1.288, o dever

legal de escoamento:

Art. 1.288. O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior (BRASIL, 2002).

Assim as causas que não são naturais, aquelas que, em razão de obra,

atividades ou outras não naturais determinem o escoamento para o prédio inferior

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são proibidas. O prédio situado em uma superfície inferior só recebe as águas que

correm naturalmente do superior. Ao dono do prédio inferior é vedado impedir a

passagem, realizar diques ou outras obras que possam agravar a situação do prédio

superior, provocando represamento ou qualquer meio de contenção. (PEREIRA,

2006, p. 219).

O proprietário de prédio superior é obrigado a indenizar os prejuízos

causados ao dono do prédio inferior em consequência de terem corrido para este,

águas artificialmente levadas por aquele. O direito de canalização só se exerce

mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados. Também devem ser

indenizados os prejuízos sofridos pelos donos dos terrenos pelos quais passa o

aqueduto, se houver infiltração (GOMES, 2008, p. 236).

Diante disso, deve o dono do prédio superior promover a correta

captação, extração ou colheita de águas artificiais, para evitar que corram para o

prédio inferior. (PEREIRA, 2006, p. 219).

O artigo 1.289 do Código Civil bem regula essa relação: “quando as

águas, artificialmente levadas ao prédio superior, ou aí colhidas, correrem dele para

o inferior, poderá o dono deste reclamar que se desviem, ou se lhe indenize o

prejuízo que sofrer”. (BRASIL, 2002).

Assim, “a norma prevê que, quando as águas artificialmente conduzidas

ao prédio elevado, ou aí, colhidas precipitarem-se dele para baixo, poderá o dono

deste reclamar que se desviem, ou lhe indenize o prejuízo que sofrer.” (FACHIN,

2003, p. 104).

No que diz respeito ao curso natural das águas, observa-se o artigo 1.290

do Código Civil que diz que “o proprietário de nascente, ou do solo onde caem

águas pluviais, satisfeitas as necessidades de seu consumo, não pode impedir, ou

desviar o curso natural das águas remanescentes pelos prédios inferiores”.

(BRASIL, 2002).

Consequentemente, “os proprietários e possuidores de prédios inferiores

têm o direito de usar as águas que nascem ou caem do solo superior, quando

naturalmente a eles se destinam, depois de saciadas as necessidades do dono

deste último” (COELHO, 2009, p. 175).

“Em outras palavras, a norma não proíbe a realização de obras, mas tão

somente aquelas que ofendam a condução natural do prédio inferior”. (FARAIS;

ROSENVALD, 2013, p. 661)

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O artigo acima exposto se traduz em dever para o titular do prédio em que

nasçam, ou caiam águas pluviais, pois satisfeitas suas necessidades, não pode

impedir o curso delas. (FACHIN, 2003, p. 105).

Neste mesmo sentido destaca Chalhub (2003, p. 108) que:

O dono ou possuidor do imóvel inferior é obrigado a receber as águas que correrem naturalmente do imóvel superior, não podendo realizar obras que embaracem seu fluxo. Para facilitar o escoamento das águas provenientes de seu terreno, o dono do prédio superior pode realizar obras, como por exemplo, a construção de canaletas, mas, ao fazê-lo, não pode piorar ou agravar a condição natural e anterior do prédio inferior.

No tocante à contaminação de águas, o direito de vizinhança impõe

limites que visam evitar resultados poluentes. (FACHIN, 2003 p. 106).

O artigo 1.291 do Código Civil estabelece que o possuidor do prédio

superior não pode poluir as águas essenciais, indispensáveis às primeiras

necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais que poluir

deverá recuperar e não sendo possível, indenizará os prejudicados. (MELO, 2008, p.

202).

Assim cumpre trazer à tona tal dispositivo legal:

Art. 1.291 O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das água (BRASIL, 2002).

Este dispositivo legal demonstra que está proibida a poluição aquática.

Caso ocorra, o poluidor deverá recuperar as águas poluídas, sob pena de pagar

uma indenização pelos prejuízos causados aos possuidores dos imóveis inferiores;

não se pode poluir água indispensável, ou não, às primeiras necessidades vitais.

(DINIZ, 2012, p. 310).

Melo (2008, p. 202) revela interessante análise jurídica que descreve que:

O que causa desconforto na apreciação dessa norma jurídica é a aparente permissibilidade com relação à poluição das águas que não digam respeito às necessidades vitais do homem (triste figura do poluidor pagador). Na verdade ninguém pode poluir a água, seja a que título for, não somente segundo a lei maior (art. 225 da CRFB), mas também conforme dispõe os arts. 33 e 54 da lei que define crimes contra o meio ambiente (LEI 9.605/98).

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O próprio jurista destaca que, “no momento em que o mundo todo volta os

seus olhos para a aflitiva questão do meio ambiente, a redação do artigo peca por se

mostrar antagônica e retrógrada”. Mesmo que a redação do diploma legal apresente

texto discrepante, não quer dizer que a doutrina e a jurisprudência analisem o caso

sob este ângulo. (MELO, 2008, p. 202).

Portanto, “meio ambiente saudável e vida (urbana ou rural) digna a

atender requisitos mínimos de decência moral e física, de um lado, são elementos

de base constitucional, e, de outra parte, interesses comuns à coletividade”.

(FACHIN, 2003, p. 108).

Já o artigo 1.292 do código Civil revela que

Art. 1.292. O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se as águas represadas invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido. (BRASIL, 2002).

Sendo assim, pode o proprietário construir barragens, açudes ou outras

obras para represamento de águas em seu imóvel; entretanto, caso venham a

invadir prédio alheio, deverá indenizar os prejuízos daí decorrentes, deduzido o valor

de eventual benefício obtido pelo dono, ou possuidor do prédio alheio (CHALHUB,

2003, p. 109).

Fachin (2003, p. 110) opina neste mesmo sentido:

O direito de aproveitamento confere ao proprietário direito para erguer tanque, barragem, acéquia, açudes, presúria ou outras obras para represamento de água em seu domicílio; se as águas represadas alastrarem-se para a morada alheia, será o seu proprietário compensado pelo agravo sofrido, deduzindo-se sempre, em homenagem ao princípio do não enriquecimento sem causa, o valor do benefício auferido, ainda que reflexamente.

Intrínseco ao poder de uso, o diploma legal civil assegura ao proprietário

o direito de represamento das águas. Porém não poderá captar todas as águas,

desviar seu curso natural, nem represar águas que abasteçam a população. Caso o

represamento venha a causar dano ao prédio alheio, surgirá o dever de indenizar,

independentemente de culpa, pois se trata de responsabilidade civil objetiva.

(MELO, 2008, p. 203).

“Existe também na disciplina do CC 1.293 um importante dispositivo que

disciplina o direito de passagem de canais da água. A norma permissiva autoriza a

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construção dos canais quer para escoamento como para captação de águas”.

(PENTEADO, 2012, p. 444).

Mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados, qualquer

pessoa, pode construir canais por intermédio de imóveis alheios para receber as

águas a que tenha direito, para escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou

a drenagem de terrenos, desde que não as destinadas às primeiras necessidades

da vida e que não causem prejuízo considerável à agricultura e a indústria.

(CHALHUB, 2003, p. 109).

Diante disso, faz-se necessário destacar o dispositivo legal que disciplina

a matéria, para melhor elucidar a temática:

Art. 1.293. É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados, construir canais, através de prédios alheios, para receber as águas a que tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e, desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos. § 1º Ao proprietário prejudicado, em tal caso, também assiste direito a ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las. § 2º O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea a canalização que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais. § 3º O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo aos proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, a quem incumbem também às despesas de conservação.

Resta patente, destacando-se o art. 1.293 do Código Civil, que os artigos

1.293 a 1.296 do Diploma Legal Civil regulam a chamada servidão de aqueduto, que

visa assegurar ao necessitado (proprietário ou possuidor) o direito de canalizar e

conduzir águas por meio de prédios alheios, às suas expensas, indenizando-se

previamente os prédios prejudicados pelo uso do terreno e, também, em virtude de

potenciais danos que eventuais falhas, no aqueduto, possam causar ao imóvel

vizinho. (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 534).

Assim:Com o objetivo de facilitar não só a exploração agrícola e industrial, mas também atender às primeiras necessidades da vida, p. ex., alimentação e higiene (CC, art. 1.295, in fine), para permitir o escoamento de águas superabundantes supérfluas ou acumuladas e possibilitar o enxugo, drenagem ou beneficiamento de terrenos, os arts. 1.293 do Código Civil e117 do Código de Águas autorizam a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários que vierem, com isso a sofrer algum dano, canalizar águas através de prédios alheios, consagrando assim o direito à servidão de aqueduto.O proprietário prejudicado terá o direito de exigir, para

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não haver dano considerável à agricultura e à industria, que seja subterrânea a canalização que atravessar áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais (CC, art. 1.293, § 2º). (DINIZ, 2012, p. 310).

O aqueduto será construído de modo que cause o menor prejuízo aos

proprietários vizinhos. O dono do aqueduto responde pelas despesas da sua

construção e da sua conservação. O aqueduto não impedirá que os proprietários

cerquem os imóveis e construam sobre ele, desde que não prejudiquem sua

segurança e conservação; podem os proprietários dos imóveis, ainda, usar as águas

do aqueduto para as primeiras necessidades de vida. (CHALHUB, 2003, p. 109).

Portanto:

As regras de equidade inserem-se nos § 2 º e § 3 º do artigo 1.293, procurando conciliar o menor prejuízo ao imóvel onerado com a máxima satisfação ao titular da servidão do aqueduto. Como não pode impedir a efetivação da obra, cabe àquele exigir que, para sua comodidade, a canalização seja subterrânea, mediante tubulação, evitando danos a áreas edificadas, assim como efetuar exigências técnicas para que seja construído o aqueduto, de modo a causar mínimos prejuízos ao imóvel onerado. (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p.534)

Além das regras acima expostas, o direito de aqueduto deve atender às

mesmas premissas da passagem forçada de cabos e tubulações, artigo 1.294

Código Civil. Dessa feita, a indenização devida ao proprietário do imóvel onerado

deve compreender, também, a desvalorização da área remanescente. (COELHO,

2012, p. 191).

Ainda cabe destacar o artigo 1.296 do Código Civil, último artigo que

regulamenta o uso das águas no direito de vizinhança, in verbis:

Art. 1.296. Havendo no aqueduto águas supérfluas, outros poderão canalizá-las, para os fins previstos no art. 1.293, mediante pagamento de indenização aos proprietários prejudicados e ao dono do aqueduto, de importância equivalente às despesas que então seriam necessárias para a condução das águas até o ponto de derivação.

Havendo sobra de água, estas poderão ser utilizadas por outros

proprietários, mediante prévia indenização, e pagando, proporcionalmente, as

despesas feitas com a condução delas, tendo sempre preferência, em sua utilização,

os proprietários dos imóveis atravessados (MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 182).

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Tratando-se do direito de águas, atualmente se verifica que o Superior

Tribunal de Justiça – STJ vem aplicando normas do direito de vizinhança para

satisfação de interesses de proprietários em conflito:

Infiltração De acordo com o ministro Sidnei Beneti, a jurisprudência do STJ tem caminhado no sentido de que os aborrecimentos comuns do dia a dia, “os meros dissabores normais e próprios do convívio social”, não são suficientes para dar origem a danos morais indenizáveis. Há precedentes do STJ que afirmam tratar-se a infiltração em apartamento de um mero dissabor. Apesar disso, a Terceira Turma julgou uma situação de grande constrangimento, que perdurou durante muitos meses, como exceção à regra. Em 2006, uma moradora ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra a vizinha do apartamento acima do seu. Alegou que, cerca de um ano e meio antes, começou uma infiltração na laje do teto da sua área de serviço, proveniente do imóvel do andar de cima, que se alastrou por praticamente todo o teto do apartamento. Segundo a autora, houve várias tentativas para solucionar amigavelmente o problema, mas a vizinha não tomou nenhuma providência. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2013).

Assim, em relação às águas, os direitos de vizinhança são quatro: o

direito de conservação do estado natural, o direito de aproveitamento, o direito de

represar e o direito de aqueduto. (COELHO, 2012 p. 190).

3.6 LIMITES ENTRE PRÉDIOS E DIREITO DE TAPAGEM

O limite entre prédios surgiu com a propriedade, pois marcos e cercas

preservam os interesses privados e garantem a paz social, em face das inúmeras

divergências causadas por questões conflitantes relativas às demarcações.

(FARIAS; ROSENVALD, 2013, p. 664)

“Historicamente, como assinala Fulgêncio (apud PEREIRA, 2006, p. 221),

a demarcação nasceu com a propriedade, no sentido de que os marcos e cercas,

além de trazerem estímulo aos interesses privados, eram garantia de paz pública”.

Hodiernamente observa-se que:

O proprietário tem direito de cercar, murar, valar ou tapar seu imóvel, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a promover junto com ele a demarcação entre os dois imóveis, bem como a aviventação de rumos apagados e, ainda a renovar marcos destruídos ou arruinados, rateando-se as despesas proporcionalmente entre os interessados. (CHALHUB, 2003, p. 109).

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Em razão disso do artigo 1.297 do Código Civil de 2002 reuniu dois

direitos de vizinhança que tradicionalmente sempre foram tratados em separado: o

direito de limites entre prédios e o direito de tapagem. (MELO, 2008, p. 203).

Portanto, “prevê o art. 1.297 o direito de cercar o prédio, explicitando suas

fronteiras e limites” (FACHIN, 2003, p. 127).

Diante disso cumpre fazer menção ao preceito normativo do art. 1.297

do Código Civil, in verbis:

Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas. (BRASIL, 2002)

Nota-se que o supramencionado dispositivo legal assegura a todo

proprietário e, por extensão, ao usufrutuário e ao enfiteuta a faculdade de obrigar o

seu confinante a proceder com ele a demarcação entre dois prédios, estabelecendo

por onde deve passar a linha demarcatória. (PEREIRA, 2006, p. 221).

Corrobora com essa mesma linha de pensamento a análise jurídica de

Melo (2008, p. 203) quando relata que o artigo 1.297 do Código Civil merece uma

interpretação extensiva de modo a inserir o usuário, o usufrutuário, o superficiário e

o enfiteuta na condição de detentores do direito de estabelecer limites entre prédios.

Tal limitação pode ocorrer de forma amigável ou judicial. Caso seja amigável, os

interessados contratarão um topógrafo ou irão adquirir materiais para a medição e

dividirão as despesas necessárias à demarcação.

Ou, em caso de não haver consenso entre os confrontantes, mantendo a

mesma análise:

Qualquer dos proprietários pode requerer a demarcação mediante ação demarcatória pela qual são fixados ou reestabelecidos os marcos da linha divisória entre os imóveis confinantes. É obrigação dos proprietários confinantes proceder à demarcação geográfica entre os seus imóveis, quando os limites não estiverem fixados ou estiverem apagados, necessitando fixação com maior nitidez. A decisão judicial definirá a linha de confrontação de acordo com o laudo pericial, que deverá se orientar pelos títulos apresentados pelas partes litigantes. (CHALHUB, 2003, p. 110).

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Assim, o juiz define a linha demarcatória com base no parecer técnico,

por meio da observância do rito processual próprio e da análise dos títulos que

remontam à origem dos direitos de cada confinante. (PEREIRA, 2006, p. 222).

Estabelece o artigo 1.298 do Código Civil que:

Art. 1.298. Sendo confusos, os limites, em falta de outro meio, se determinarão de conformidade com a posse justa; e, não se achando ela provada, o terreno contestado se dividirá por partes iguais entre os prédios, ou, não sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao outro.

Por esse motivo, caso seja impossível fixar a linha que estrema os

imóveis em discussão, seja por meio dos vestígios documentais ou físicos da gleba,

o juiz repartirá a terra em partes iguais. Mesmo assim, não sendo viável uma divisão

cômoda, por motivos de más condições topográficas, pois o fracionamento da área

litigiosa conduz a um resultado antieconômico, será o imóvel adjudicado a um dos

confrontantes, anexando-o a seu prédio, mediante indenização ao prejudicado.

(PEREIRA, 2006, p. 222).

Razão também assiste ao possuidor o direito de postular em juízo a

demarcação da sua posse, pois, se assim não for interpretado o direito, o

ordenamento jurídico correrá sério risco de fomentar a justiça privada. (MELO, 2008,

p. 204).

Quanto ao direito de tapagem, este encontra amparo no artigo 1.297,

“caput”, 1ª parte do Código Civil; portanto, para que possa proteger, dentro de seus

limites, a exclusividade de seu domínio, o proprietário tem o direito de cercar, murar,

valar ou tapar, de qualquer modo, o seu prédio urbano ou rural, desde que observe

as disposições regulamentares e não venha causar dano ao vizinho. (DINIZ, 2012,

p. 318).

“Assim, se um vizinho quiser fazer uma tapagem suntuosa, fugindo dos

padrões médios da comunidade em que está inserido deverá arcar com os gastos

do muro na parte que exceder ao preço do tapume praticado na localidade”. (MELO,

2008, p. 206).

Mas o direito de tapagem, previsto no dispositivo legal acima mencionado,

concede ao proprietário o direito de obrigar o seu vizinho a proceder com ele à

demarcação entre os dois prédios (DINIZ, 2012, p. 319).

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“Presume-se serem de ambos os proprietários as cercas, muros e outros

tapumes divisórios, sendo estes obrigados a concorrer em partes iguais para sua

manutenção e construção, de acordo com os costumes da localidade”. (CHALHUB,

2003, p. 110).

Fachin (2003, p. 123) também revela que:

São os confinantes obrigados a concorrer com as despesas relativas aos tapumes divisórios. Nada obstante, a construção pertinente deve fluir de juízo de necessidade, ou quando menos de utilidade; não se cogita de obra por razões estéticas ou por motivações não conformadas pela necessidade ou utilidade.

Portanto, importa que ambos os confinantes tenham contribuído, em

partes iguais, para a construção do tapume divisório e, conjuntamente, velem por

sua manutenção, para que se tenha um verdadeiro condomínio necessário e

indivisível, nos moldes da previsão legal. (MELO, 2008, p. 205).

Entretanto nem sempre haverá um acordo prévio entre eles, no que diz

respeito a concorrer em partes iguais para as despesas de construção e

conservação dos tapumes, sendo assim:

Na falta desse acordo o interessado deverá ingressar em juízo a fim de obter o reconhecimento judicial da obrigação de contribuir pecuniariamente para a construção do tapume. Se não tomar essas providencias e erguer o tapume, presume-se que o faz por conta própria, não lhe sendo, então possível cobrar do outro sua parte nos dispêndios. (DINIZ, 2012, p. 319).

Dessa forma, observa-se que o preceito da titularidade comum, ou seja,

de que pertencem a ambos os confinantes: os muros, cercas e muralhas divisórias,

como sebes vivas, cercas de arame, ou madeira, valas ou banquetas, trata-se de

uma presunção relativa, que admite prova em contrário. (FACHIN, 2003, p. 126).

No tocante ao artigo 1.297, § 2º do Código Civil, observa-se que “As

sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco divisório, só

podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum acordo entre proprietários”.

(BRASIL, 2002).

“Para que possam ser cortadas ou arrancadas, será necessário o

consentimento de ambos os confinantes, respondendo por perdas e danos o vizinho

que cortar ou arrancar a cerca viva divisória sem que tenha havido consenso”

(MELO, 2008, p. 206).

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“Já a construção e as despesas decorrentes da tapagem para animais de

pequeno porte podem ser exigidas pelo proprietário vizinho de quem provocou a

necessidade deles, não sendo obrigado aquele a concorrer com as despesas”.

(CHALHUB, 2003, p. 110).

E encontra previsão legal no artigo 1.297, § 3º do Código Civil, in verbis:

A construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de pequeno porte, ou para outro fim, pode ser exigida de quem provocou a necessidade deles, pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as despesas. (BRASIL, 2002).

Portanto, na construção de tapumes especiais para conter os animais

aplica-se a regra equitativa. Assim, apenas o vizinho que cria os animais deverá

arcar com as despesas decorrentes da colocação de tapagem. Mas se os dois

vizinhos criam animais, deve haver uma divisão equânime das despesas. (MELO,

2008, p. 206).

Através do artigo 275, II, c, do Código de Processo Civil ou da Lei n.

9.099/95, artigo 3º, I e II que os proprietários de prédios vizinhos, poderá exercer

judicialmente seus direitos relativos a conservação, construção e indenização de

tapumes. (DINIZ, 2012, p. 321).

Diante disso, será visto no capítulo seguinte, um estudo minucioso do

direito de construir. Um complexo direito, que além de regular as situações

conflituosas, deve atender a função social da propriedade.

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4 RESTRIÇÕES AO DIREITO DE CONSTRUIR E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.

Situadas as restrições de vizinhança, no quadro do Direito Privado, como

limites de ordem civil ao direito de construir, em benefício dos prédios confrontantes

e do sossego, saúde e bem-estar de seus ocupantes, doravante serão apreciadas

as restrições legais voltadas especificamente ao direito de construir e à função social

da propriedade.

4.1 RESTRIÇÕES LEGAIS DE VIZINHANÇA

O direito de construir, regulado pelo art. 1.299 e seguintes do Código Civil

constituem corolário do direito de propriedade, o direito de dispor o proprietário do

que lhe pertence como seja do seu agrado. (MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 192).

“Este direito encontra-se no bojo do poder de uso assegurado

constitucionalmente nos artigos 5º, XXII, e 170, II, da CRFB, bem como no próprio

1.228 do Código Civil”. (MELO, 2009, p. 214).

Está também o direito de construir inserido nos direitos de vizinhança e,

portanto, deve preservar a esfera jurídica dos moradores que possam ser afetados

em seus direitos da personalidade e na órbita patrimonial. (FARIAS; ROSENVALD,

2011, p. 545).

Como cediço, a propriedade, há muito tempo, não tem mais o caráter

absoluto e ilimitado que ostentou outrora, tendo em vista, como estudado

anteriormente, que a lei constitucional e infraconstitucional condiciona o exercício do

direito de propriedade ao cumprimento de sua função social. (MELO, 2009, p. 214).

O direito de construir não é absoluto, já que está ligado ao interesse da

coletividade por meio da função social da propriedade e da ordenação urbanística do

uso do solo. Ao se falar em direito de construir, deve-se analisar, detalhadamente, a

relação deste direito com a propriedade, condicionando um ao outro. (MEDAUAR;

ALMEIDA, 2004, p. 208)

Nas palavras de Rizzardo (2004, p. 529), o direito de construir:

Seguramente, dentre os direitos de vizinhança é este um dos assuntos mais importantes, pela sua constância de incidência prática. Na construção em seu terreno, ao proprietário cumpre a observância de uma série de

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exigências legais, sobretudo de ordem pública social e administrativa. Algumas delas correspondem a verdadeiras restrições ao direito de propriedade. Predominam na regulamentação das edificações as posturas municiais em geral consubstanciadas em códigos de obras, enquanto o atendimento às normas civis circunscreve-se mais aos beirais, goteiras janelas distância entre a janela e o prédio vizinho etc. Visa o direito de construir o regramento das relações que devem imperar entre os vizinhos, quando deles resolver construir. Envolve tanto a superfície do solo como o subsolo e o espaço aéreo.

Dessa maneira o artigo 1.299 do Código Civil estabelece que “o

proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o

direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos” (BRASIL, 2002).

O direito de construir, ao ser exercido, encontra limites nos regulamentos

administrativos e nas disposições contidas no Diploma Legal Civil, em razão dos

interesses da coletividade e do mútuo respeito que deve haver em relação às

obrigações oriundas da vizinhança. (DINIZ, 2012, p. 321).

O proprietário que edificar qualquer construção que venha a infringir os

regulamentos administrativos e os direitos de vizinhança, estabelecidos no Código

Civil, que cause dano a alguém, terá inteira responsabilidade pelo fato e será

obrigado a reparar o prejuízo. (DINIZ, 2012, p. 322).

Assim, visto está que os principais limites ao direito de construir são

regulamentados pelos direitos de vizinhança, mormente pelas normas a seguir

expostas. Entretanto cumpre destacar que também são estabelecidos limites

convencionais ao direito de propriedade, fruto de análise futura. (MELO, 2009, p.

2015).

Por isso, antes de aprofundar na disciplina, é necessário destacar que

alguns doutrinadores incluem, na subdivisão da descrição das limitações impostas

ao direito de construir, conceitos e regulamentos dos limites entre prédios e tapumes

divisórios. Porém, com o objetivo de evitar tautologia, o presente trabalho, não

abordará neste capítulo tais temas, por terem sido objeto de estudo no capítulo

anterior, durante a abordagem dos artigos 1.297 e seguintes do Código Civil.

4.1.1 Distancia entre construções

“Dentre as limitações pertinentes ao direito de vizinhança, destaca-se a

proibição de abertura de janelas (terraço/varanda) em prédios urbanos, a menos de

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metro e meio da linha divisória (art. 1.301 do CC).” (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p.

545).

O artigo 1.301 do Código Civil tem o propósito de impedir que a

propriedade particular seja devassada pelo vizinho, proibindo a lei que se construa

de modo a perturbar o recato e a privacidade familiar dos confrontantes

(GONÇALVES, 2009, p. 350).

Para que seja preservada a intimidade do prédio contíguo o Código Civil

proibiu, em seu artigo 1.301, a abertura de janelas, o fazimento de eirado, terraço ou

varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho, pois se fosse permitido,

vulnerável estaria à privacidade do vizinho. (MELO, 2009, p. 215).

Nessa senda Farias e Rosenvald (2011, p. 545) descrevem que:

A distancia de metro e meio é o mínimo imposto de distanciamento pela lei federal, pois nada impede que a legislação local amplie ainda mais a distancia entre os prédios vizinhos. O metro e meio será contado a partir da linha divisória, e não da outra janela do prédio adjacente, preservando-se a intimidade da família do devassamento dos vizinhos.

Portanto, conta-se a distância de metro e meio da linha divisória e não do

edifício vizinho. (GONÇALVES, 2009, p. 351).

O § 1º do artigo 1.301 do Código Civil estabelece que “as janelas cuja

visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não poderão

ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros.” (BRASIL, 2002).

Com essa proibição o legislador objetiva a proteção da vida íntima das

famílias, resguardando-as, dentro de suas casas do indiscreto devassamento dos

vizinhos. Salienta-se que a distância de setenta e cinco centímetros deve ser

contada a partir da linha divisória e não da outra janela do prédio vizinho.

(MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 195).

Contudo, Monteiro e Maluf (2012, p. 196) ressaltam que:

A regra que o legislador impõe, todavia, é a proibição de abertura de janelas, eirados, terraços e varandas, a menos de metro e meio do prédio contiguo. Tal disposição não alcança, como esclarece o art. 1.301, § 2º, frestas, seteiras, ou óculos para luz, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso.

Portanto, verifica-se que o § 2º do artigo 1.301 do Código Civil, assim

disciplina a matéria, “as disposições deste artigo não abrangem as aberturas para

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luz ou ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de

comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso.” (BRASIL,

2002).

Diante disso observa-se que o § 2º do artigo 1.301 do Diploma Legal Civil

é exceção à regra do seu “caput” e § 1º, uma vez que autoriza a construção de

frestas, seteira ou óculos para luz, não maiores de dez centímetros de largura sobre

vinte de comprimento, construídas a mais de dois metros de altura de cada piso.

(PEREIRA, 2006, p. 224).

Já o artigo 1.302 do Código Civil prescreve que:

o proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.

De acordo com o dispositivo legal acima citado, caso não exercida a

pretensão demolitória no prazo decadencial de ano e dia, não poderá mais a obra

ser suprimida, evitando-se sacrifício ao vizinho. (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p.

547).

“O prazo é computado a partir da conclusão da obra e não da abertura da

janela, ou da construção de sacada, terraço ou varanda.” (RIZZARDO, 2006, p.

550).

“Assim, o proprietário inativo perderá o direito potestativo de suprimir as

obras, incidindo uma presunção absoluta de que anuiu tacitamente às obras do

vizinho.” (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 547)

Segundo Gonçalves (2009, p. 352):

há portanto, um prazo mínimo, de ano e dia, dentro do qual é possível exigir que seja desfeita a obra. Tal prazo é decadencial contado da conclusão da obra, ou seja, da expedição do alvará de ocupação, comumente denominado “habite-se”, e não da abertura da janela,, da construção da sacada, terraço, ou da goteira.

Já o parágrafo único do retro transcrito artigo 1.302 do Código Civil

descreve que “em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a

quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo, levantar a sua

edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade.” (BRASIL, 2002).

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Portanto “consigna exceção à regra geral para as hipóteses concernentes

a vãos, aberturas para luz, pouco importando a quantidade, altura e disposição.”

(GONCALVES, 2009, p. 353).

Neste caso Monteiro e Maluf ( 2012, p. 196) assinalam que:

Se, entretanto, os vãos ou aberturas para luz tiverem maior dimensão que a permitida a permitida (10 x 20), serão consideradas como janelas (fenestra pro aspectu habendo). Assim sendo caberá ao proprietário prejudicado impugná-las dentro do prazo de ano e dia, sob pena de consumar-se contra si a prescrição a que alude o art. 1.302.

No tocante ao artigo 1.303 do Código Civil, não se pode edificar em zona

rural a menos de três metros do terreno vizinho. (GONÇALVES, 2009, p. 253).

Reconhecido que o grau de tolerabilidade das interferências dos vizinhos

no campo é menor do que na cidade, a lei dobrou o espaçamento das construções

que antes era de metro e meio para três metros. (MELO, 2009, p. 216).

4.1.2 Paredes divisórias

Paredes divisórias “são as que integram a estrutura do edifício, na linha

de divisa. Distinguem-se dos muros divisórios, que são regidos pelas disposições

concernentes aos tapumes”. (GONÇALVES, 2009, p. 354).

“O muro é elemento de vedação, enquanto a parede é elemento de

sustentação e vedação.” (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 548).

No artigo 1.304 do Código Civil, é outorgado ao proprietário o direito de

madeirar na parede divisória do prédio contíguo, caso ela suporte a nova

construção. (MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 200).

“Apenas incidirá a norma nas cidades, vilas e povoados em que houver

exigência de alinhamento na edificação. Isto é naqueles casos em que inexista

possibilidade material de construir sem travejar no imóvel alheio.” (FARIAS;

ROSENVALD, 2011, p. 548).

Ao contrário, se não se exigir o alinhamento, pode o proprietário edificar

pouco mais à frente, ou pouco mais atrás, evitando assim o madeiramento no prédio

contíguo. (MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 200).

Observa-se que é um direito que permite a alguém meter traves, ou

madeiras na parede, muro ou pilar do vizinho. Em princípio, é autorizada a utilização

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da parede para colocar um suporte, reforço ou trave do prédio que se ergue.

(RIZZARDO, 2004, p. 560).

Assim,estabelece o artigo 1.304 do Código Civil, in verbis:

art 1.304 nas cidades, vilas e povoados cuja edificação estiver adstrita a alinhamento, o dono de um terreno pode nele edificar madeiramento na parede divisória do prédio contiguo, se ela suportar a nova construção; mas terá de embolsar ao vizinho metade do valor da parede e do chão correspondentes. (BRASIL, 2002).

Portanto verifica-se que é o chamado direito de travejar. E para que essa

possibilidade venha a ocorrer, é necessário que se trate de construção edificada em

cidades, vilas ou povoados; que a edificação esteja submetida a alinhamento; que a

parede–meia suporte a utilização, somente podendo esta ir até o meio de sua

espessura e que o vizinho embolse ao confinante o meio valor da parede e do chão

correspondente. Deve também indenizar por prejuízos que causar. (VENOSA, 2004,

p. 399).

Para assegurar que a parede divisória suportará a construção, Farias e

Rosenvald (2011, p. 548) alertam para a necessidade da avaliação pericial da obra,

in verbis:

Havendo perícia capaz de assegurar que a parede divisória suportará a construção sem comprometer a segurança do prédio vizinho, poderão ser iniciadas as obras. Concluído o trabalho de madeiramento, a parede será reposta ao status quo, tendo o construtor que arcar com todas as despesas da edificação. Caso a perícia constate a incapacidade da parede divisória de sofrer o travejamento pelo outro vizinho, o alicerce ao pé só será realizado com a prestação de caução, na forma de se acautelar o proprietário pelos riscos da edificação (art. 1.305, parágrafo único, do CC).

Desse modo, se a parede pertencente ao vizinho não suportar o

travejamento, o proprietário construtor só poderá fazer alicerce a seu pé, se prestar

caução que garanta contra os riscos a que ficará sujeito seu vizinho (MONTEIRO;

MALUF, 2012, p. 200).

“Percebe-se que a caução deve ser prestada pelo risco a que se expõe a

construção anterior em si não se falando se deriva da insuficiência da mesma.”

(RIZZARDO, 2004, p. 561).

No que diz respeito ao assentamento da parede divisória ou parede –

meia, o artigo 1.305 do Código Civil abre ao proprietário que primeiro construir duas

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possibilidades: a primeira, edificar a parede somente no seu terreno; e a segunda,

assentá-la, até meia espessura no terreno vizinho. Na primeira hipótese, a parede

lhe pertencerá, inteiramente; na segunda, será de ambos. Nas duas hipóteses, os

vizinhos podem usá-la livremente. (GONÇALVES, 2009, p. 355).

Assim estabelece a lei, in verbis:

Art. 1.305 O confinante que primeiro construir, pode assentar a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito a haver meio valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a profundidade do alicerce. (BRASIL 2002).

“O artigo 1.305 do Código Civil permite ao confinante alicerçar a parede

divisória até a metade da espessura no terreno contíguo, conservando sempre o

direito de haver metade do valor, se o vizinho colocar a trave na parede.”

(RIZZARDO, 2004, p. 560).

Este dispositivo legal demonstra que o vizinho que havia edificado a sua

parede divisória, em primeiro lugar só fará jus a receber do outro vizinho a metade

do valor da parede e do chão correspondente, quando tiver assentado a parede

somente em seu terreno. Caso tenha edificado a parede até meia espessura no

terreno contíguo, apenas poderá fixar a largura e profundidade do alicerce. (FARIAS;

ROSENVALD, 2011, p. 548).

O artigo 1.305 do Código Civil, em seu parágrafo único, permite o

madeiramento da parede-meia. Caso não seja possível, o confinante não poderá

fazer alicerce no pé sem prestar caução pelo risco de desmoronamento. (VENOSA,

2004, p. 307).

“Construída em comum a parede ou indenizada meia espessura por um

dos vizinhos, sua utilização é passa a ser regulada pelo artigo 1.306 do Código

Civil.” (RIZZARDO, 2004, p. 562).

Assim, observa-se que o artigo de lei acima regula o condomínio de

paredes divisórias. De modo que cada condômino pode utilizá-las até o meio da sua

respectiva espessura, desde que comunique ao prédio vizinho as obras que

pretende realizar e não ponha em risco a segurança ou a separação das duas

edificações. (GONÇALVES 2009, p. 356).

Diante disso, destaca-se o artigo 1.306 do Código Civil que regula a

matéria, in verbis:

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Art. 1.306. O condômino da parede-meia pode utilizá-la até ao meio da espessura, não pondo em risco a segurança ou a separação dos dois prédios, e avisando previamente o outro condômino das obras que ali tenciona fazer; não pode sem consentimento do outro, fazer, na parede-meia, armários, ou obras semelhantes, correspondendo a outras, da mesma natureza, já feitas do lado oposto. (BRASIL, 2002).

Observa-se, dessa maneira, que o dono do prédio contíguo é condômino

de parede-meia, podendo utilizá-la até ao meio de sua espessura, devendo

comunicar previamente os demais proprietários vizinhos das obras que pretende

realizar, cuidando de não pôr em risco a segurança e a separação dos dois prédios.

Não pode, sem o consentimento dos outros proprietários, fazer, na parede-meia,

armários ou obras similares, como por exemplo, cofre embutido, registro de

eletricidade, depósito, closet, despensa, etc..., correspondendo a outros, da mesma

natureza, já feitas do lado oposto e tampouco demolir parede-meia. Entretanto, se

do lado oposto não existir armário, bastará que o condômino cientifique o vizinho de

que executará o serviço, não sendo necessário que obtenha o consenso do

proprietário vizinho de parede-meia para sua efetivação. A anuência do condômino

de parede-meia apenas será imprescindível para as obras da mesma natureza que

estiverem em correspondência com as que ele já fez do seu lado. (DINIZ, 2012, p.

324).

Melo (2009, p. 218) chama atenção para os objetivos da regra imposta

pelo artigo 1.306 do Código Civil:

Esta regra objetiva prevenir prejuízos. Imagine-se que de um lado do prédio existe um armário embutido e o vizinho tencione fazer um armário de igual ou similar espessura ou dimensão. É possível que os armários se encontrem ou se torne mais frágil à parede-meia, perdendo a sua função de dividir os prédios de forma segura. Se não houver do lado do vizinho obras semelhantes as que um dos consortes quiser realizar não haverá necessidade de consentimento, pois ai não se colocaria em risco a estrutura da parede-meia.

Portanto, verifica-se que, seja qual for à finalidade, a norma autoriza a

utilização pelos dois proprietários, até meia espessura de suas respectivas paredes,

desde que não se coloque em risco a segurança do prédio e cada confinante seja

avisado das obras que o outro pretende construir. É proibida a utilização para

fixação de armários e outras obras semelhantes, se não há o prévio consentimento

do vizinho. (RIZZARDO, 2004, p. 562).

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Quanto à possibilidade de altear a parede, dispõe o artigo 1.307 do

Código Civil que:

Art. 1.307. Qualquer dos confinantes pode altear a parede divisória, se necessário reconstruindo-a, para suportar o alteamento; arcará com todas as despesas, inclusive de conservação, ou com metade, se o vizinho adquirir meação também na parte aumentada. (BRASIL, 2002).

Altear uma parede divisória significa aumentar a sua altura. A norma

permite o alteamento, mas caberá ao alteador arcar com todas as despesas do

aumento, inclusive as que decorrem da conservação do muro divisório. Se o vizinho

se interessar pela utilização da parede-meia acrescida, deverá ratear as despesas,

adquirindo, com este proceder, a meação da parte aumentada. (MELO, 2009, p.

219).

Neste sentido destaca Diniz (2012, p. 324) que:

É permitido ao vizinho altear parede divisória e até mesmo reconstruí-la, para que possa suportar o alteamento, desde que custeie a obra, arcando inclusive, com as despesas de sua conservação, exceto se o outro proprietário contíguo vier a adquirir meação, também na parte aumentada, hipótese em que deverá arcar com metade dos dispêndios (CC, art. 1.307), seguindo-se as normas de condomínio de parede-meia.

São ainda impostas ao direito de construir outras restrições, como as

previstas no artigo 1.308 do Código Civil, voltadas para a feitura de fornalhas, fornos

de forja ou de fundição, aparelhos higiênicos, fossos, canos de esgoto, depósitos de

substâncias corrosivas, ou suscetíveis de infiltração daninha. (GONÇALVES, 209, p.

357).

O proprietário de um edifício que se ache admoestado pela construção de

chaminé, fogão ou forno, não contíguo, ainda que seja comum à parede, tem o

direito de embargar a obra ou exigir-lhe seja dada caução contra possíveis prejuízos.

(PEREIRA, 2006, p. 226).

Esta afirmação encontra amparo no artigo 1.308 do Diploma Legal Civil

“não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos ou quaisquer

aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências

prejudiciais ao vizinho.” (BARSIL, 2002).

“De fato, ao art. 1.308, do Código Civil proíbe que o construtor encoste na

parede divisória qualquer equipamento ou aparelho capaz de interferir nocivamente

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na propriedade vizinha (v.g. Chaminé, fogão, forno).” (FARIAS; ROSENVALD, 2011

p. 548).

Devido a esse motivo, não é permitido encostar na parede do vizinho,

nem mesmo à parede-meia, fornalhas, aparelhos higiênicos, fossas, canos de

esgoto, chaminés especiais, fornos de forja, ou de fundição, depósitos de sal ou de

qualquer outra substância corrosiva ou capaz de causar infiltrações ou sérios

prejuízos. (DINIZ, 2012, p. 324).

O atual Código Civil teve o cuidado de ressalvar que a essa disposição

não se aplicam as chaminés ordinárias e os fogões de cozinha. (VENOSA, 2004, p.

307).

Nesse sentido é o parágrafo único, do artigo 1.308 do Diploma Legal Civil

“a disposição anterior não abrange as chaminés ordinárias e os fogões de cozinha”

(BRASIL, 2002).

Assim, observa-se que a proibição do “caput” do artigo 1.308 do Código

Civil não alcança chaminés ordinárias, nem fogões de cozinha, conforme previsão

legal do parágrafo único anteriormente mencionado, uma vez que oferecem utilidade

no aquecimento do lar e no preparo de alimentos. Porém se a chaminé ou o fogão

de cozinha causarem algum risco, o vizinho poderá exigir a realização de obras

protetivas e a indenização de algum prejuízo sofrido.

Como meio de defender-se, tem o prejudicado a ação de nunciação de

obra nova, caso esteja a obra pela metade. Caso tenha sido concluída, existem duas

hipóteses. Ocorrendo apenas ameaça de prejuízo eventual, cabe ao prejudicado o

direito de exigir caução de dano infecto. Porém, se o mal-estar for presente e atual,

pode aquele, ou exigir que a obra não seja utilizada, ou que se proceda à sua

demolição. (PEREIRA, 2006, p. 170).

4.1.3 Águas pluviais, correntes e subterrâneas

Nos edifícios, evitará o proprietário que o beiral do seu telhado despeje

sobre o prédio vizinho as águas da chuva, provendo-o de calhas ou outros meios de

defesa, ou deixando, quando de outro modo não possa impedi-lo, um intervalo

suficiente para atingir esta finalidade. (PEREIRA, 2006, p. 224).

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“O artigo 1.300 do Código Civil proíbe o estilicídio, ou seja, que a água da

chuva que cai sobre um prédio jorre ou goteje para o prédio vizinho”. (MELO, 2009,

p. 215).

Segundo Luiz Antonio de Aguiar e Souza:

cada proprietário de um edifício é obrigado a construir o seu telhado de maneira que as águas pluviais que sobre ele caírem corram para o seu próprio terreno ou para a via pública, de conformidade com as leis e regulamentos que as câmaras municipais das respectivas localidades houverem decretado a este respeito. (SOUZA, apud RIZZARDO, 2004, p. 555).

Por essa razão, não pode o proprietário construir de modo que o beiral de

seu telhado despeje sobre o vizinho às águas da chuva. Embora esteja este

obrigado a receber as águas que corram naturalmente para o seu prédio, não pode

ser compelido a suportar as que ali fluam artificialmente, por meio de calhas ou

beirais. (GONÇALVEZ, 2009, p. 354).

Diante disso, observa-se que a lei estabelece que o proprietário construa

de maneira que seu prédio não despeje águas diretamente sobre o prédio vizinho.

Entretanto este é obrigado a receber as águas que para o seu prédio escorram

naturalmente. (MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 199).

No que diz respeito à utilização de águas subterrâneas, é permitido ao

proprietário apropriar-se, por meio de poços, galerias, cisternas, encanamentos e

outros modos das águas existentes abaixo da superfície do seu prédio, desde que

não prejudique outras utilizações ou aproveitamentos existentes. (RIZZARDO, 2004,

p. 564).

Porém a lei não permite que se façam escavações ou qualquer obra que

tire ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades

normais. Sendo assim, as construções, escavações e outras obras serão

consideradas toleráveis, se apenas diminuem o suprimento das fontes, em relação

ao nível do lençol da água. (RIZZARDO, 2004, p. 565).

Assim, cumpre trazer à baila o artigo 1.310 do Código Civil que

estabelece que “Não é permitido fazer escavações ou quaisquer obras que tirem ao

poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades normais.”

(BRASIL 2002).

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Portanto “não pode o dono de um prédio fazer escavações que tirem ao

poço ou à fonte alheia a água necessária (art. 1.310).” (PEREIRA, 2006, p. 226).

O direito moderno considera ilícito o comportamento daquele que

aprofunda seu poço além do necessário, ou seja, apenas objetiva prejudicar o

vizinho, privando-o de água. (RODRIGUES, 2007, p. 171).

Já o artigo 1.309 do Código Civil acrescenta que “São proibidas

construções capazes de poluir, ou inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou

nascente alheia, a elas preexistentes.” (BRASIL, 2002).

Nas palavras de Venosa (2004, p. 400) verifica-se que:

A regra é branda ao estabelecer a proibição sem uma sanção expressa. Sabemos que em nosso país ainda existe vasta população que depende de água de poços e nascentes. Quem constrói em suas proximidades tem o dever e a obrigação de preservar a qualidade da água. As normas administrativas de controle ambiental devem ser rigorosas contra o infrator, o qual de qualquer forma pode ser obrigado a repor a situação no estágio anterior, além de indenizar por perdas e danos.

Por esse motivo, observa-se que a doutrina moderna considera abusivo

esse comportamento porque os direitos são concedidos ao homem para serem

usados conforme suas finalidades sociais; e isso não ocorre se alguém exorbita a

utilização de uma prerrogativa, utilizando-a de modo desconsiderado e irracional.

(RODRIGUES, 2007, p. 171).

Portanto, cumpre gizar que as construções capazes de poluir, ou inutilizar

o uso ordinário de fonte alheia ou água de poço, a elas preexistentes, são proibidas.

(MONTEIRO; MALUF, 2012, p. 202).

4.1.4 Construções prejudiciais à vizinhança

Visando proteger ainda mais a segurança dos vizinhos, o artigo 1.311 do

Código Civil proíbe a execução de obras que causem desmoronamento ou

deslocação de terras sem que antes sejam realizadas obras acautelatórias. Somente

se permitirá ao interessado realizar a obra, quando demonstrar, materialmente, que

as obras acautelatórias evitarão lesão ao imóvel vizinho. (FARAIAS; ROSENVALD,

2011, p. 549).

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As obras somente terão seu início, quando a empresa responsável pelos

serviços apresentar um relatório técnico, discorrendo sobre o impacto da obra para

as edificações vizinhas. (FARAIAS; ROSENVALD, 2011, p. 549).

“Não será permitida a execução de obra ou serviço que possa causar

desmoronamento de terra ou comprometer a segurança do prédio vizinho, exceto se

se fizer obra acautelatória.” (DINIZ, 2012, p. 327).

Nesse sentido a regra do artigo 1.311 do Código Civil determina que:

art. 1.311. Não é permitida a execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após haverem sido feitas as obras acautelatórias.

“Entretanto cumpre destacar que, não obstante a realização de obras

acautelatórias, se o proprietário acabar por sofrer prejuízos, terá o direito de

ressarcimento, apesar dos esforços do construtor.” (FARAIAS; ROSENVALD, 2011,

p. 549).

Tal afirmação advém do parágrafo único, do artigo 1.311 do Código Civil

que estabelece que “o proprietário do prédio vizinho tem direito a ressarcimento

pelos prejuízos que sofrer, não obstante haverem sido realizadas as obras

acautelatórias.” (BRASIL, 2002).

Já o art. 1.312 do Código Civil revela que “todo aquele que violar as

proibições estabelecidas nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas,

respondendo por perdas e danos.” (BRASIL, 2002).

Nas palavras de Farias e Rosenvald (2011, p. 549):

O Legislador foi enfático: qualquer forma de violação as normas que diga respeito ao direito de construção concederá ao prejudicado a pretensão demolitória, desde que a construção já esteja concluída. Caso contrário, prevalecerá a ação de nunciação de obra nova. De qualquer forma, cumula-se o pleito indenizatório traduzido em responsabilidade objetiva pelo dano injusto, diante da ofensa aos limites impostos pela legislação.

“Ou seja, todo aquele que violar as disposições dos arts. 1.305 e

seguintes é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e

danos.” (MONTEIRO; MALUF 2012 p. 202).

A regra expressa no art. 1.312 do atual Código Civil, no que diz respeito

às infrações ao direito de construir, bem como aos regulamentos urbanísticos

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administrativos, gera, em princípio, a obrigação de demolir as construções feitas,

além de indenização por perdas e danos. (VENOSA, 2004 p. 394).

Assim, visto está que esse dispositivo serve de fundamento para

propositura de ação demolitória. (GONÇALVES, 2009, p. 357).

4.1.5 Entrada em prédio vizinho para construções reparações e limpeza

“Todo proprietário ou ocupante de imóvel é obrigado a permitir que o

vizinho, mediante prévio aviso, entre no seu prédio e dele temporariamente use,

para fins previstos no art. 1.313 do Código Civil”. (PEREIRA, 2006, p. 226).

Diante disso, importante gizar este dispositivo legal, in verbis:

Art. 1.313. O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para: I - dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório; II - apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem casualmente. § 1º O disposto neste artigo aplica-se aos casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva. § 2º Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel. § 3º Se do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano, terá o prejudicado direito a ressarcimento.

Assim visto está que, muitas vezes, o proprietário tem necessidade de

penetrar no imóvel vizinho, para proceder aos serviços mencionados no artigo supra

referenciado. Tendo assim o direito de fazê-lo, desde que avise previamente o

vizinho. Este, quando muito, poderá fazer restrições quanto a horários,

disciplinando-os. Todavia, o que tiver de penetrar no imóvel confinante fica obrigado,

por lei, a reparar o dano que porventura causar. (GONÇALVES, 2009, p. 357).

Neste sentido destaca Diniz (2012, p. 328):

Permite-se que o vizinho ou proprietário do imóvel confinante penetre, mediante aviso prévio, no prédio contíguo, com a tolerância de seu dono ou ocupante, para: a) utilizá-lo temporariamente, quando isso for indispensável à construção, reconstrução, reparação ou limpeza de sua casa, prédio, edificação ou muro divisório, bem como à limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes ou ao aparo de cerca viva; b) apoderar-se de objetos ou animais seus que casualmente lá se encontrem, salvo se estes forem entregues pelo vizinho. Contudo, deverá

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indenizar todos os danos que com isso causar a seu vizinho (CC, art. 1.313, I, II e §§ 1 a 3).

Com base nisso, observa-se que o proprietário ou possuidor é obrigado a

tolerar essa visita que deve ser regulamentada entre as partes e provir de um aviso

prévio como está na lei, para evitar que o ingresso de estranho em uma propriedade

seja motivo de inconveniências, dissensões e desentendimentos. (VENOSA, 2004,

p. 401).

Entretanto a recusa injustificada da permissão de ingresso necessário

pode acarretar o recurso ao Judiciário, que deverá assegurar, prontamente, o direito,

conforme as necessidades apontadas no art. 1313 do Código Civil. Há situações de

urgência que nem mesmo permitem o pedido de autorização e se aproximam ou

constituem estado de necessidade. (VENOSA, 2004, p. 401).

Caso haja necessidade de intervenção judicial, a ação a ser proposta será

de conteúdo cominatório. Num primeiro momento, importa a declaração do direito, a

fim de se enunciar a relação jurídica do art. 1.313. No segundo passo, sucederá a

condenação para deixar entrar e executar a pretensão. (RIZZARDO, 2004, p. 567).

Portanto, à luz do Código Civil brasileiro, verifica-se que são inúmeras as

restrições impostas ao direito de construir para que a propriedade cumpra com sua

função social.

Sendo assim, no item a seguir, será visto como incidem os reflexos da

função social da propriedade no direito de construir.

4.2 O DIREITO DE CONSTRUIR E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A proteção ao bem-estar social também é outro limitador do direito de

construir. Inicialmente previsto no artigo 147 da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1946, como motivo de ordem pública para o

condicionamento do uso da propriedade particular, acaba ganhando nova

regulamentação, a partir da Constituição de 1988, quando sujeita a propriedade à

sua função social, conforme princípios e regras, estabelecidos principalmente nos

artigos 5º, inciso XXIII, e 170, inciso III. (MEIRELLES, 2013 p. 43).

Melo (2009, p. 214) reforça e complementa essa ideia ao destacar que:

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O proprietário tem a faculdade de edificar ou plantar em seu imóvel as construções ou plantações que quiser conforme dispõe o art. 1.299 do Código Civil. Este direito encontra-seno bojo do poder de uso assegurado constitucionalmente nos artigos 5º, XXII, e 170, II, da CRFB, bem como no próprio 1.228 do Código Civil. Como cediço a propriedade não tem, há muito tempo, o caráter absoluto e ilimitado que ostentou outrora, de vez que já estudamos que a lei constitucional e infraconstitucional condiciona o exercício do direito de propriedade ao cumprimento de sua função social (arts. 5º, XXII, e 170, II, da CRFB e art. 1.228, § 1º, CCB). A lei estabelece como requisitos para a construção o respeito aos limites legais previstos no Código Civil e também os limites publicísticos típicos do direito administrativo. Há ainda os limites convencionais ao direito de propriedade. Os principais limites ao direito de construir são ditados pelos direitos de vizinhança, mormente pelas normas que seguem.

Diante disso, verifica-se que, em nome do bem-estar social, pode o poder

Público impor justas limitações ao direito de construir, desde que requeridas pelos

superiores interesses da comunidade. Esses interesses devem ser múltiplos e

variados dada a diversidade de bens públicos a proteger que vão desde os que

asseguram a satisfação de necessidades físicas, até os que proporcionam conforto

espiritual ou sensações estéticas à coletividade, ou seja, indispensáveis aos

serviços públicos e à segurança da Nação. (MEIRELLES, 2013 p. 43).

“A proteção ao bem–estar social cabe a todas as entidades estatais –

União, Estado Membro, Município -, porque todas elas são instituídas para a defesa

dos interesses da comunidade”. (MEIRELLES, 2013 p. 43).

A exemplo do exposto, Rizzardo (2004, p. 529) descreve a postura da

municipalidade no tocante à limitação administrativa do direito de construir para que

a propriedade cumpra sua função social:

As posturas e outros ordenamentos municipais têm em conta, normalmente a função social das construções, conforme demonstra o urbanista José Afonso da Silva: “Cumpre observar que o destino dos terrenos urbanos é informado, além do mais, pelo princípio da função social da propriedade”. Daí que há profundas limitações no direito de construir, dirigidas a coadunar as edificações aos planos de ordenamento das cidades, de sorte a atingir a função social. No dizer de Paul Roubier a liberdade de construir é subordinada a várias condições disciplinadas pelo direito positivo e dirigidas para atender o interesse coletivo. (RIZZARDO, 2004, p. 529).

“Fica, assim, o direito de construir sujeito à tríplice limitação

administrativa, reclamada pelo bem-estar social segundo a competência e

atribuições institucionais de cada uma das esferas do Governo”. (MEIRELLES, 2013

p. 43).

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Portanto o direito de construir não será exercitado de modo irrestrito,

como outrora. Podendo-se evidenciar a existência de 04 limites ao direito de

construir. As limitações convencionais oriundas de cláusulas contratuais, a

observância dos regulamentos administrativos, os direitos de vizinhança previstos no

artigo 1.299 do Código Civil e a função social da propriedade. (FARIAS;

ROSENVALD, 2011, p. 541).

Atualmente, verifica-se que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina–

TJSC vem aplicando normas do direito de construir com base no cumprimento da

função social da propriedade:

EMENTA:APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DEMOLITÓRIA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO CONDOMÍNIO, CERCEAMENTO DE DEFESA E DECADÊNCIA. PRELIMINARES RECHAÇADAS. CONSTRUÇÃO DE MURO ACIMA DOS LIMITES IMPOSTOS PELO "CÓDIGO DE OBRAS E EDIFICAÇÕES DE FLORIANÓPOLIS". EDIFICAÇÃO QUE OBSTA A ENTRADA DE LUZ E A VENTILAÇÃO NAS UNIDADES HABITACIONAIS DE CONDOMÍNIO RESIDENCIAL. PEDIDO DEMOLITÓRIO ACOLHIDO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. A despeito da construção de muro vizinho atingir diretamente unidades habitacionais certas e determinadas, comprometendo não só a estrutura do prédio como também alterando sua fachada, sobressai ao condomínio a legitimidade necessária a figurar no polo ativo de ação demolitória. A inexistência de prejuízo impede seja reconhecida a invalidade de ato processual. O prazo decadencial de ano e dia para a interposição da ação demolitória tem seu marco inicial de contagem com a conclusão da obra, subtendido como tal a expedição do "habite-se". Inexistindo prova nesse sentido, a ser feita pelo interessado, não há falar em seu transcurso. "O direito de construir não pode mais ser entendido como uma simples faculdade a ser exercitada pelo proprietário, limitado apenas pelos direitos de vizinhança e pelos regulamentos administrativos. Diante da sistemática constitucional que elevou o princípio da função social da propriedade à categoria de direito fundamental da pessoa humana, o referido direito deve ser exercido de acordo com uma política de desenvolvimento urbano que priorize a melhoria das condições de moradia e vivência das cidades, destinada ao pleno desenvolvimento da personalidade dos indivíduos que a compõem" (doutrina). (SANTA CATARINA, 2012). (grifo nosso)

Assim, observa-se que a análise elaborada neste trabalho está em

consonância com a prática, uma vez que a decisão acima exposta encontra

fundamentos no Direito Constitucional, no Princípio da Função Social da

Propriedade, bem como nas leis Infraconstitucionais, administrativas e civilistas que

regem o direito de vizinhança.

Neste sentido destacam Farias e Rosenvald (2011, p. 543):

Neste ponto, entendemos que não há mais como separar de forma estanque os direito de vizinhança da função social da propriedade, pois eles se interpretam e adquirem novo vulto, sobremaneira no que concerne ao

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direito de construir. Os direitos de vizinhança não podem mais ser reduzidos a um conflito entre dois vizinhos em uma perspectiva pequena da matéria. A função social da propriedade condiciona e informa o entendimento da faculdade posta no art. 1.299, do Código Civil, pois o fundamental está na conciliação dos interesses de uma coletividade frente ao interesse particular.

Portanto, observa-se que o conceito de bem-estar social é amplo, de

modo a ensejar a regulamentação estatal de toda atividade ou construção que possa

beneficiar ou prejudicar a coletividade, segundo o uso que lhe der o proprietário.

(MEIRELLES, 2013 p. 43).

O direito de construir é uma faculdade de grande relevância do direito de

propriedade. O ser humano, em sua dimensão existencial, necessita do mínimo

essencial para o exercício de sua cidadania e da afirmação de sua especial

dignidade. (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 541).

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CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo avaliar das limitações impostas ao

direito de construir por meio de normas estabelecidas no Código Civil para que se

cumpra a função social da propriedade. Diante disso, o estudo partiu da análise

histórica do direito de propriedade, até atingir os contornos constitucionais e

infraconstitucionais atuais.

Assim, a pesquisa feita revela que a propriedade, durante o seu percurso

histórico, não apresenta um conceito único e imutável. Seu conceito, na verdade,

sofreu e sofre influência do contexto social, político, cultural, religioso e econômico

em que está inserido.

De um conceito absoluto e individualista, que legitima o proprietário a

fazer o que bem entender de seu bem, a partir do século XX, o direito de

propriedade foi incorporando o dever de cumprir a sua função social. Isso significa

que o princípio da função social da propriedade passa a ser um elemento interno do

próprio direito de propriedade e, como consequência, ele passa a ser tutelado,

somente, quando o proprietário cumpre a sua função social, ou seja, quando o seu

uso beneficia toda a coletividade.

Dessa forma, a atual ótica do uso da propriedade voltada para o bem

estar social encontra amparo na Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, que tem reflexo nas normas infraconstitucionais, principalmente naquelas

previstas no Código Civil de 2002, que regulamentam o direito de vizinhança e o

direito de construir.

Por isso o princípio da função social da propriedade previsto na CRFB

torna-se um limitador de alguns dos principais elementos constitutivos da

propriedade, de seu uso, de seu gozo e de sua disponibilidade e acaba atingindo as

relações entre vizinhos e o direito de construir.

Assim, o proprietário poderá edificar em sua propriedade como bem

entender, mas não poderá, sob algum argumento, prejudicar o direito de outrem,

retirando a sua paz, sossego, ou afrontando a saúde dos que vivem nas

proximidades de sua obra.

Portanto o direito de construir não será exercitado de modo irrestrito,

como era de costume em épocas passadas. Hodiernamente, evidencia-se a

existência de quatro limites ao direito de construir: as limitações convencionais

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oriundas de cláusulas contratuais, a observância dos regulamentos administrativos,

os direitos de vizinhança previstos no artigo 1.299 do Código Civil e a função social

da propriedade.

Das quatro limitações, o trabalho se focou, principalmente, em duas: nos

direitos de vizinhança previstos no artigo 1.299 e seguintes do Código Civil e a

função social da propriedade. Entretanto, não faltaram breves abordagens em

relação às demais.

Atualmente, verifica-se que alguns Tribunais Pátrios vêm aplicando aos

casos concretos, que envolvem direito de vizinhança e direito de construir, muitas

das regulamentações estudadas neste trabalho, como por exemplo, no caso em que

o Superior Tribunal de Justiça – STJ aplicou normas do direito de vizinhança para

satisfação dos interesses dos proprietários em conflito com os seus direitos de uso

de águas.

Esta pesquisa não tem o propósito de esgotar a reflexão e o estudo sobre

as limitações impostas ao direito de construir por maio das normas estabelecidas no

Código Civil para que se cumpra a função social da propriedade, mas sim o

propósito de levar o leitor a uma ponderação inicial sobre tais temas e, assim,

prosseguir com um estudo aprofundado sobre todas as áreas do direito que impõem

limites ao direito de construir para que se cumpra a função social da propriedade.

Por fim, não há que se olvidar de que as questões de sustentabilidade do

meio ambiente são extremamente relevantes para a concretização da função social

da propriedade. E que, portanto, também merecem análise detalhada, não podendo

escapar aos olhos do leitor.

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