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1 Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR “Luíza está no Canadá”: a construção imagética das celebridades da web como resultado das manifestações em rede 1 Deborah Susane Sampaio Sousa 2 Resumo: A pesquisa analisa as condições em que se desenvolvem os fenômenos midiáticos virais na internet capazes de construir prodígios, como as celebridades virtuais, a partir do compartilhamento de imagens pelos usuários das redes sociais online. Tomando o fenômeno “Luíza está no Canadá” como estudo de caso – referente a uma jovem que ensejou o primeiro viral do ano de 2012 no Brasil , o trabalho aborda como se dão os efeitos em cadeia na internet a partir da replicação das imagens no meio. Para tanto, perpassa pela definição de redes sociais proposta por Raquel Recuero, ainda pela discussão acerca da cultura participativa, de Henry Jenkins. Também faz um levantamento das figuras dos memes, a partir de Richard Dawkins, as quais ocorrem insistentemente na web, destacando-se e se tornando pauta na mídia e nos públicos. Palavras-chave: Internet. Celebridades virtuais. Cultura participativa. Memes. Abstract: The research examines the conditions in which they develop viral media phenomena on the Internet can build wonders how virtual celebrities from the image sharing by users of online social networks. Taking the phenomenon "Luiza is in Canada" as a case study concerning a young man which caused the first virus of the year 2012 in Brazil , the paper addresses how to provide the effects chain on the internet from the replication of images in medium. For both, embraced by the definition of social networks proposed by Raquel Recuero, yet the discussion of participatory culture, Henry Jenkins. Also makes a survey of the figures of memes, from Richard Dawkins, which occur repeatedly in the web, highlighting and making agenda in the media and public. Keywords: Internet. Virtual celebrities. Participatory culture . Memes. Introdução Luíza Rabello, uma jovem brasileira, de 17 anos, que, participando de intercâmbio estudantil no Canadá, em janeiro de 2012, tornou-se o primeiro viral do ano no Brasil, tendo eclodido de forma absolutamente inusitada na internet e na mídia nacional. O fenômeno diz respeito a um vídeo que rapidamente circulou nas redes 1 Trabalho apresentado no GT 5- Comunicação nas Interfaces Digitais, do Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI. 2 Mestranda em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), participante do grupo de pesquisa Interações Comunicacionais, Imagens e Culturas Digitais do PPGCOM/UTP, jornalista do Instituto Federal do Ceará, e-mail: [email protected]

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24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR

“Luíza está no Canadá”: a construção imagética das celebridades da web como

resultado das manifestações em rede1

Deborah Susane Sampaio Sousa2

Resumo: A pesquisa analisa as condições em que se desenvolvem os fenômenos

midiáticos virais na internet capazes de construir prodígios, como as celebridades

virtuais, a partir do compartilhamento de imagens pelos usuários das redes sociais

online. Tomando o fenômeno “Luíza está no Canadá” como estudo de caso – referente a

uma jovem que ensejou o primeiro viral do ano de 2012 no Brasil –, o trabalho aborda

como se dão os efeitos em cadeia na internet a partir da replicação das imagens no meio.

Para tanto, perpassa pela definição de redes sociais proposta por Raquel Recuero, ainda

pela discussão acerca da cultura participativa, de Henry Jenkins. Também faz um

levantamento das figuras dos memes, a partir de Richard Dawkins, as quais ocorrem

insistentemente na web, destacando-se e se tornando pauta na mídia e nos públicos.

Palavras-chave: Internet. Celebridades virtuais. Cultura participativa. Memes.

Abstract: The research examines the conditions in which they develop viral media

phenomena on the Internet can build wonders how virtual celebrities from the image

sharing by users of online social networks. Taking the phenomenon "Luiza is in

Canada" as a case study – concerning a young man which caused the first virus of the

year 2012 in Brazil –, the paper addresses how to provide the effects chain on the

internet from the replication of images in medium. For both, embraced by the definition

of social networks proposed by Raquel Recuero, yet the discussion of participatory

culture, Henry Jenkins. Also makes a survey of the figures of memes, from Richard

Dawkins, which occur repeatedly in the web, highlighting and making agenda in the

media and public.

Keywords: Internet. Virtual celebrities. Participatory culture . Memes.

Introdução

Luíza Rabello, uma jovem brasileira, de 17 anos, que, participando de

intercâmbio estudantil no Canadá, em janeiro de 2012, tornou-se o primeiro viral do ano

no Brasil, tendo eclodido de forma absolutamente inusitada na internet e na mídia

nacional. O fenômeno diz respeito a um vídeo que rapidamente circulou nas redes

1Trabalho apresentado no GT 5- Comunicação nas Interfaces Digitais, do Encontro Nacional de Pesquisa

em Comunicação e Imagem - ENCOI. 2Mestranda em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), participante do

grupo de pesquisa Interações Comunicacionais, Imagens e Culturas Digitais do PPGCOM/UTP, jornalista

do Instituto Federal do Ceará, e-mail: [email protected]

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sociais, rendendo à adolescente grande fama, em função da mobilização midiática

gerada no twitter, sendo estendida ao facebook. O nome de Luíza estampou manchetes

de grandes veículos de comunicação, em decorrência de uma mensagem publicitária

protagonizada por seu pai, com o propósito de pôr à venda um empreendimento

imobiliário na cidade João Pessoa-PE.

Dado o fenômeno, observa-se que no novo contexto de comunicação,

com a modernização dos meios, não há autores nem espectadores atuando unilateral ou

independentemente. Todos dependem de todos para serem vistos, recebidos e

replicados. Entre em vigor, na verdade, uma comunicação multilateralizada, em que os

conceitos de emissores e receptores se entrelaçam. Se a origem da informação parte dos

meios convencionais para a “massa”, também a massa origina as discussões

compartilhadas, agora fortemente por meio das mídias sociais, as quais ensejam grandes

destaques na mídia tradicional. Foi o que ocorreu com o episódio em apreço neste

artigo, uma vez que os sujeitos sociais emergiram como grandes responsáveis pela

insurgência da cobertura midiática na história da jovem Luíza.

Partindo disso, a pesquisa analisar o case como produto midiático não

planejado, resultante da replicação em rede das imagens referentes aos vídeos por

usuários das mídias sociais. O episódio, que gerou repercussão emblemática nos

veículos noticiosos do Brasil, suscitou a ideia de estudar os fatores em que se

desenvolvem os fenômenos midiáticos virais na internet, construindo verdadeiros

prodígios, intituladas aqui de celebridades virtuais, a partir do compartilhamento de

imagens pelos usuários das redes sociais online. Assim, a pesquisa retrata o caminho da

informação “do povo para a mídia” analisando a força desses novos meios

comunicacionais como fontes “informais”, alheios à indústria noticiosa tradicional,

transformando ainda os internautas em “pauteiros” das redações, estas que por sua vez

extraem das linguagens e movimentações sociais os novos “furos” de reportagem.

A formação de redes na era da conexão

A comunicação humana faz parte da trajetória do homem desde os

primórdios, sendo vetor responsável pelo desenvolvimento social, passando pela

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complexidade dos discursos entre os sujeitos – por meio do compartilhamento direto dos

saberes – e até pela própria aplicação do silêncio – resultante da inércia de manifestação

expressa na relação entre eles. De toda forma, a comunicação entre os homens abrange a

ideia de interação, promovendo algum tipo de linguagem e de reação perceptiva sobre ações

ou omissões entre os envolvidos, de modo que a origem dela tem a ver com a necessidade

de transferência de sentidos, inclusive, a partir da interpretação dos signos.

Assim, o conceito de comunicação não se exaure, portanto, no diálogo

interpessoal efetivamente, sob a ótica simplista da existência da confabulação imediata

entre dois sujeitos. Por comunicação, tem-se que as mais variadas formas simbólicas

produzidas, quais sejam a verbal, a não verbal, a corporal, a presencial ou mesmo a

mediada, tendo ela, por excelência, uma múltipla possibilidade de ser exercida. É nesse

sentido que se percebe a comunicação humana como um meio de divagar por símbolos,

compreensões e interlocuções sociais de repercussões emblemáticas, através de uma

complexa rede de práticas que permitem a construção das interações entre os sujeitos

sociais, incluindo as imagens midiatizadas no contexto atual.

Desse modo, a pesquisa justifica o interesse por navegar nesse universo, a

partir da ideia de que a comunicação não se restringe nem mesmo a determinadas

comunidades ou a determinados modos de comungar práticas rotineiras. Para além dessa

concepção, sugerida pela junção dos termos “comum” mais “ação”, estamos diante de

situações que extrapolam a aproximação efetiva dos seres humanos para sua existência.

Portanto, a comunicação tende a ser tão ampla quanto é o seu poder de disseminação,

especialmente com o advento da internet, a qual tem favorecido um verdadeiro predomínio

de conexão permanente entre os sujeitos em formato de redes de interação, segundo

corrobora Castells (1999) quando fala conclusivamente sobre seus estudos das estruturas

sociais emergentes:

(...) como tendência histórica, as funções e os processos dominantes na era da

informação estão cada vez mais organizados em torno de redes. Redes

constituem a nova morfologia social de nossas sociedades, e a difusão da

lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos

processos produtivos e de experiência, poder e cultura. (CASTELLS, 1999,

p. 497)

Afastando-se da vertente do determinismo tecnológico, mas admitindo a

existência de mudanças no contexto social em função do uso dos meios de comunicação

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em rede, pode-se aferir que o advento da internet viabilizou mudanças para a sociedade

no que diz respeito às formas de sociabilidade e de exercício das funções diárias, em

especial, aquelas desenvolvidas no âmbito do trabalho e das finanças.

Significativamente, o avanço da popularização da grande rede mundial de computadores

trouxe também uma acentuada interação online entre os sujeitos dada a comunicação

integrada a qualquer lugar e a qualquer tempo, como apregoa Lemos (2004), quando

menciona o conceito da conexão permanente no mundo moderno.

Segundo o autor, são todas essas características da nova sociedade que

fazem a estrutura vigente ser identificada por uma “cultura da conexão”, ou seja, a partir

da presença dos sujeitos em uma dinâmica que permite “estar” em vários lugares ao

mesmo tempo (nesse sentido, dada a impossibilidade da onipresença física, o termo

implica um modo de pertencer e de experimentar os espaços de forma ampla). Isso tudo

favorecido pela disseminação de meios de conexão nos mais diversos locais, a citar as

linhas de rede sem fio wireless e wifi dispostas nas residências, nos estabelecimento e,

inclusive, em diversos espaços públicos das cidades.

Dessa forma, a era da informação passa a ser qualificada como um

ambiente de convergência tecnológica, mediante a informatização intensa da sociedade,

que, segundo Lemos (2004, online) “passa hoje por uma nova fase, a dos computadores

coletivos móveis, que chamaremos aqui de „era da conexão‟”. Lemos (2004) apreende

que a fase inicial desse processo – a qual envolvia o mero acesso às redes – está

superada, sendo essa condição atinente apenas ao início da geração informatizada. No

século XXI, portanto, vive-se a “era da conexão” que não se caracteriza mais apenas

pela “expansão dos contatos sobre forma de relação telemática” (LEMOS, 2004,

online), uma vez que isso representaria apenas o primórdio da internet (com os

computadores coletivos).

Trata-se de transformações nas práticas sociais, na vivência do espaço urbano

e na forma de produzir e consumir informação. A cibercultura (...) solta as

amarras e desenvolve-se de forma onipresente, fazendo com que não seja

mais o usuário que se desloque até a rede, mas a rede que passa a envolver os

usuários e os objetos numa conexão generalizada. (LEMOS, 2004, online)

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O mundo se insere, portanto, na fase dos “computadores coletivos móveis”

(LEMOS, 2004, online), sendo o fato justificado pelos sinais de rede espalhados nas

cidades, nas ruas, nas lojas, nos aparelhos celulares. Diante disso tudo, a internet e suas

possibilidades configuram-se como a inserção da internet na sociabilidade dos sujeitos uma

extraordinária aventura humana, segundo fortalece Castells (2004). O surgimento da

internet deu margem a uma comunicação livre, uma vez que possibilita a qualquer sujeito

inserido no meio tanto o acesso às informações disseminadas como à replicação delas por

meio das ferramentas disponibilizadas. A expansão desse sistema de redes – que passou de

locais e regionais para o mundo – viabilizou essa conexão global que, de linhas telefônicas

acopladas a computadores providos de modens, modernizou-se a ponto de ser exercida

pelos aparelhos portáteis com acesso sem fio.

É diante disso que Lemos (2004) defende ainda que o século XXI chega

marcado pela experimentação dos computadores coletivos móveis, estabelecendo o que

chama de era da conexão representada por “transformações nas práticas sociais, na vivência

do espaço urbano e na forma de produzir e consumir informação” (LEMOS, 2004, online).

Isso porque a onipresença não é dos sujeitos, mas das redes, pois não são eles que buscam

mais a conexão. Pelo contrário, é esta que “passa a envolver os usuários e os objetos numa

conexão generalizada”, a partir das novas tecnologias nômades proporcionadas, por

exemplo, pelos laptops, palms e celulares, colocando as “máquinas e objetos

computacionais imersos no quotidiano de forma onipresente” (LEMOS, 2004, online).

Essas aglomerações permanentes de sujeitos favorecidas pelos usos de novas

tecnologias conectadas à internet são vistas por Recuero (2014) como “redes” de interação

na web, em especial, proporcionadas pelas mídias sociais. Assim, a autora destaca que os

sujeitos unidos a esses agrupamentos exalam suas expressividades estabelecendo entre si

uma interlocução por meio das afinidades, replicando e divulgando conteúdos, formando

ainda o que ela identifica como “redes sociais”. Diante disso, resta nítida a expressividade

da comunicação mediada por computador, a qual representa uma influência nos fluxos em

rede dos formatos participativos de transmissão de informações.

Para a autora, “essa comunicação, mais do que permitir aos indivíduos

comunicar-se, amplificou a capacidade de conexão, permitindo que redes fossem criadas e

expressas nesses espaços: as redes sociais mediadas pelo computador” (RECUERO, 2014,

p. 17). Assim, ela define essas redes como espaços de representação utilizados pelos

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usuários da internet em “nós” (ou nodos) que os envolvem formando perfis de atuação – a

exemplo do twitter e do facebook – pelo que são identificados através de imagens e

símbolos que constroem suas silhuetas identitárias online.

Participação na produção dos objetos midiáticos

Dados os formatos de interação a partir das redes, é interessante observar

“quem informa quem” na recente plataforma de comunicação midiática, sedimentada

pelos novos meios surgidos da evolução da internet e fortalecidos pelas mídias sociais.

Do ponto de vista dos estudos sobre as mídias tradicionais – as identificadas como mass

medias – haveria duas instâncias bem definidas de entes nos processos

comunicacionais. Seriam eles os “produtores” e os “consumidores” de mídia. Ocorre

que, para compreender as mobilizações e o envolvimento dos sujeitos sociais no

contexto atual, é preciso verificar como esses sujeitos de apresentam a partir das

mudanças sociais e dos estudos da nova sociedade, agora inserida em redes online.

Para tanto, há que se compreender o mundo atual como sendo um espaço

das ideias, das informações instantâneas. Ou seja, sendo passa a ser um ambiente cuja

liberdade de expressão tem sido levada ao extremo, não estando mais engessada aos

moldes tradicionais dos fluxos de informação propostos pelos mass media. Neste

formato, haveria uma minoria determinando o direcionamento e o modo de propagação

das informações para a suposta “massa”. Entretanto, essa coletividade tem hoje se

representado de forma mais relevante, tendo em vista as expressões fortemente

disseminadas nas redes sociais.

A web tem sido um meio de manifestação democrática dos sentimentos,

das ideologias, dos anseios e dos desejos dos mais diversos segmentos, de forma que as

blindagens impostas pelos mas media já são superadas por aqueles que se utilizam da

rede para exprimir seus pronunciamentos, os quais, por vezes, alcançam visibilidade

extrema. Nesse contexto, os sujeitos passam a construir objetos midiáticos a partir de

suas expressões e, uma vez que os instala nesse ambiente virtual – sobre aquilo que é

curioso, incomum ou vistoso – acabam obtendo grande repercussão com as replicações

e os compartilhamentos em cadeia pelos demais usuários da rede.

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É exatamente essa nova condição da comunicação em rede a responsável

pela construção social e pelas formações simbólicas inseridas na cultural atual. Às

novas mídias credita-se o surgimento de uma maior abrangência das interações

introduzindo aquelas online e, portanto, grandes possibilidades de repercussão dos fatos

de forma célere e global. Portanto, os produtores modernos de conteúdos e feitos

midiáticos – que são os usuários da rede segundo definição de Jenkins (2009) – passam

a estar revestidos de potenciais catalisadores desses fenômenos a partir de suas

contribuições em rede. Isso significa que os anônimos provindos das redes sociais – ou

seja, sujeitos alheios às indústrias de mídia – já não são mais inertes, estando em uma

cultura participativa de feitos simbólicos.

A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a

passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar de

produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados,

podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com

um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo.

(JENKINS, 2009, p. 30, grifo original)

Para Jenkins (2009), o mundo está inserido dentro de uma cultura voltada

para a convergência midiática, que justifica como sendo um momento no qual os fluxos de

conteúdos perpassam por diversas plataformas. Assim, vigora uma cooperação dos

mercados midiáticos com o comportamento migratórios dos públicos que vão em busca de

experiências de entretenimento para esses espaços. “Convergência é uma palavra que

consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, de

pendendo de quem está falando e do que imagina estar falando” (JENKINS, 2009, p. 29).

Desse modo, o autor apregoa que as experiências dos consumidores de mídia já não é

inativa ou estática, pelo contrário, já passam pela contribuição deles nesses processos na

medida que podem ser também produtores midiáticos.

Segundo o autor, a característica da produção está no fato de que os

consumidores dos feitos modernos não se encaixam mais no perfil de seres amorfos. Pelo

contrário, eles passam a ser participativos e a contribuir com os feitos midiáticos em um

processo coletivo e mútuo, criando um novo aspecto da cultura, denominada de

participativa. A atuação desses sujeitos pode ser ousada, inclusive, uma vez que se utilizam

das mídias sociais para exprimir insatisfações com entidades e organizações representativas,

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podendo tomar proporções desastrosas para elas se não observarem esses movimentos. Nas

palavras do autor, se “os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos

consumidores são mais conectados socialmente”. Ainda, se “o trabalho de consumidores de

mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos”

(JENKINS, 2009, p. 47).

Essa movimentação dos novos produtores tem permitido o enaltecimento de

pessoas como celebridades, aqui chamadas de “celebridades virtuais”. Os fenômenos em

questão surgem recorrentemente da visibilidade que a internet dá a pessoas envolvidas em

fatos rotineiros ou de entretenimento lançados na rede, tornando-se figuras conhecidas

como memes. Esses elementos têm sua origem nas definições de Dawkins (2014), quando

menciona são ideias que se propagam “pulando de cérebro para cérebro por meio de um

processo que pode ser chamado, no sentido amplo, de imitação” (DAWKINS, 2014, p. 112,

online). Assim, são objetos simbólicos tidos como verdadeiros vírus, os quais “parasitam” a

mente do outro, ficando sobremaneira em destaque de modo a enaltecer pessoas e sujeitos

provindos das redes sociais.

Diante disso tudo é perceptível que a possibilidade de produzir em “grande

escala” por qualquer sujeito na era da conexão torna as ferramentas da internet grandes

propagadores dos feitos produtivos. Exemplo disso é o Youtube, que segundo Burgess e

Green representa “um dos maiores cases da cultura participativa do mundo” (2009, p. 9).

Trata-se de uma mídia social que possibilitada a distribuição de vídeos caseiros feitos pelos

usuários da web – muitas vezes anônimos – como forma de expressar suas múltiplas

expressões e linguagens através de imagens não estáticas. Esses produtos são muitas vezes

disseminados de forma viral, com infinitas replicações em rede, repercutindo inclusive na

formação dos memes mencionados.

O fascínio da imagem atinge seu ápice quando nós somos a própria

mensagem. Talvez por isso o YouTube seja um irresistível local dessa

enorme ágora virtual que, independentemente dos seus problemas e formatos,

permite a cada um ser a própria mídia, celebridades do nosso cotidiano .

(BURGESS; GREEN, 2009, p. 9)

Portanto, o estudo de caso “Luíza está no Canadá” vem a ser um esboço

de como esses efeitos da internet podem tomar conta dos meios de comunicação,

tornando as manifestações em rede destaques, ainda que surjam de forma

desinteressada. É possível analisar a partir do case relatado como fenômenos do gênero

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podem deixar de repercutir apenas localmente – entre aqueles que comungam afinidades

pessoais e afetivas com os envolvidos diretamente nesses virais – e ganhar

extraordinária repercussão midiática, atingindo até os noticiosos. Essa construção da

repercussão emblemática partindo do ambiente das mídias sociais vem a eclodir as

“celebridades virtuais” que emanam do a partir dos usos das ferramentas digitais

conectadas à web, a citar o Youtube.

Segundo Burgess e Green (2009, p. 21, grifo original) o negócio dessa

mídia está em ser “uma plataforma conveniente e funcional para o compartilhamento de

vídeos on-line: os usuários (...) fornecem o conteúdo que, por sua vez, atrai novos

participantes e novas audiências”. Desse modo, sempre teve seus serviços sendo

direcionados para o compartilhamento de conteúdos, inclusive, os comuns e amadores,

ao invés de focar em vídeos de alta qualidade, ou seja, sem a preocupação de se ater

necessariamente a conteúdos mercadológicos. Assim, sendo um espaço fortemente

gerido pela comunidade, tem sido conduzido também pelos efeitos da cultura

participativa.

Luíza além do Canadá: a construção imagética das celebridades na web

A repercussão de diversos vídeos viralizados após suas publicações no

Youtube demonstram como ações das redes sociais ganham destaques e “importância”

sendo pauta inclusive de noticiosos, a exemplo do case “Luíza está no Canadá”. O

episódio materializa um modelo de replicação espontânea de virais que ensejam ainda a

formação de fenômenos memes na internet. Assim, são potencializados e passam a

enaltecer inclusive sujeitos comuns que viram as verdadeiras “celebridades virtuais” –

defendidas na pesquisa. Ainda, é perceptível como as manchetes dos veículos de

comunicação tradicionais se alimentam das discussões acerca desses fatos fortificados

pelas redes sociais fortalecendo um enaltecimento dessas pessoas para além do meio

online.

No vídeo em questão, a jovem estudante Luíza Rabello, 17 anos,

participava de intercâmbio acadêmico no Canadá quando, em janeiro de 2012, seu pai

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protagonizou um vídeo publicitário no Brasil que ensejou o primeiro viral do ano no

País. O colunista da alta sociedade paraibana, Gerardo Rabello, fazia menção a um

imóvel de luxo voltado para o público elitizado da cidade de João Pessoa, tendo

eclodido de forma absolutamente inusitada na internet e na mídia nacional após

mencionar que fez questão de reunir toda a família na gravação da propaganda, “menos

Luíza que está no Canadá”. A justificativa sobre a ausência da filha no cenário que

compunha o vídeo, instantaneamente circulou nas redes sociais, em tom de ironia,

rendendo à adolescente grande fama por meio da mobilização midiática gerada no

twitter, a qual foi estendida ao facebook pelos usuários.

Com isso, nome de Luíza estampou manchetes de grandes veículos de

comunicação, em decorrência da mensagem ridicularizada nas redes sociais. O

acontecimento, que era para ser uma veiculação local da propaganda do residencial,

tomou a grande rede, explodindo de forma voluntária pelos usuários das novas mídias

em tom de sátira à colocação do pai da jovem. Assim, no caso em analisado, a internet

mostrou-se como uma plataforma ideal para a insurgência de grandes memes a partir da

repercussão em rede, fortalecida ainda pela repercussão midiática dos noticiosos, os

quais se apropriaram das interações sociais do público online, tidos como produtores

desse fenômeno.

Figura 1: momento em que o pai de Luíza menciona sua ausência no vídeo

Fonte: internet

Inicialmente, o assunto efervesceu no twitter – rede social em formato de

microblog que permite o envio de mensagens de texto com até 140 caracteres por meio da

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internet – tornando-se rapidamente o assunto entre os dez mais comentados do Brasil na

rede com a hashtag #LuizaEstanoCanada, em menos de 24 horas. Concomitantemente,

diversas montagens em formato de paródia foram reproduzidas na web e disseminadas no

facebook fazendo sátiras à história narrada pelo pai de Luíza. A repercussão rendeu,

inclusive, um comentário feito durante a abertura do show do cantor música popular

brasileira Lenine, quando disse em tom de brincadeira estar maravilhado com a platéia:

“está todo mundo aqui, rapaz, só não está a Luíza que está lá no Canadá” (G1, 2012,

online).

No vídeo, de 30 segundos de duração, os parentes da estudante (pai, mãe,

irmão e irmã) integram o cenário na sala social da residência da família em um ambiente

clássico e rústico, sugerindo a ideia de naturalidade. Os participantes usam roupas esportes,

favorecendo um ambiente tradicional, em que se sentem à vontade. Os homens vestem

calças jeans e tênis e as mulheres usam roupas leves aludindo a um momento de encontro

familiar aprazível. Interessante observar que, já no primeiro segundo da filmagem, há um

destaque à ausência da filha Luíza, tendo em vista que o plano de gravação inicia

enquadrando Gerardo Rabello e os porta-retratos da mesa de apoio, onde constam imagens

de Luíza como foco.

Esse enquadramento já indica que Luíza – embora não estivesse fisicamente

no vídeo – faria parte do anúncio, permanecendo durante toda a gravação nas imagens, uma

vez que sua foto aparece nas tomadas de câmera que ilustram a família. Assim, passou a ser

mais um personagem do cenário estando durante todos os takes ao lado dos demais

parentes, mais especificamente entre seu pai e aqueles que estavam sentados no outro sofá.

Assim, parece haver uma necessidade de fortalecer o que mais tarde iria compor a

publicidade: a menção da ausência física de Luíza como forma de justificar sua estada no

Canadá, o que certamente enriqueceria o estatus dos consumidores do imóvel apresentado,

por solidificar o perfil do empreendimento como algo voltado para a sociedade mais

abastada da Paraíba.

Nesse contexto, ao dizer a frase em análise, imediatamente o público

atentou-se para isso e os compartilhamentos em rede tornaram o vídeo um viral que deu

sequência a diversos memes e brincadeiras divulgados nas redes sociais. A repercussão

ganhou as pautas dos noticiosos brasileiros, pelo que os grandes veículos de comunicação

do país fizeram coberturas sobre o fenômeno, a exemplo da Rede Globo e da TV Record. A

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estudante foi inclusive recebida e ovacionada nos estúdios do Jornal Hoje – telejornal de

grande audiência que vai ao ar de segunda a sábado ao meio-dia na Globo – onde posou

como estrela ao lado de jornalistas como o âncora Evaristo Costa. O estrelato da jovem

rendeu ainda participação em comerciais de outros produtos e serviços, como o do parque

Beto Carrero World.

Figura 2: Meme indicando situação “No Canadá” para o Messenger de Luíza

Fonte: internet

Figura 3: Meme de Luíza em paródia de comercial de cerveja

Fonte: internet

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Figura 4: Meme da Luíza relacionado à visita do presidente

Fonte: internet

Desse modo, fica nítido como as experimentações e expressões dos

novos produtores interagindo em uma conexão permanente passam a implicar em uma

representatividade sobre as postagens nas redes sociais, à medida que ganham força e

são inseridas recorrentemente nos noticiosos. Podemos verificar que, a começar pelo

acesso, a grande rede se diferencia dos veículos de comunicação de massa, dadas as

peculiaridades que a tornam singular, insurgindo assim a possibilidade de esses

produtores passarem a construir fenômenos e celebridades virtuais a partir de suas

postagens e replicações de conteúdos diversos. A internet, portanto, se mostra uma

plataforma ampla e propulsora de mitos, de crises, de identidades, de emblemas, de

méritos de acordo com as atuações dos usuários.

Considerações finais

A pesquisa demonstra a incidência da construção imagética de

fenômenos midiáticos, intitulados “celebridades virtuais”, emergidos da internet a partir

das manifestações dos usuários por meio de suas redes sociais. Com isso, demonstra o

estudo de caso “Luíza está no Canadá” e sua replicação na web que tornou o caso um

viral, ensejando a construção de diversos memes, ainda o estrelato de Luíza como uma

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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI

24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR

figura de destaque no País. Assim, ficou retratado como essa característica das redes

sociais de internet podem eclodir acontecimentos não planejados de estrelato, tendo

como base a mobilização dos usuários desse meio e suas afinidades com ocorrências do

dia a dia.

Resta claro como a internet vem a ser um meio de comunicação que

viabiliza a promoção de interatividade e de sociabilidade mediada por esses

mecanismos tecnológicos, influenciando diretamente a cultura coletiva, no que tange

aos aspecto da cultura participativa elencada. Desse modo, diagnostica-se um

firmamento das extensões das interações humanas mediadas por sistemas eletrônicos

por meio da conexão permanente de forma a fortalecer a ideia da cultura participativa

também, vez que os sujeitos podem lançar ideia e símbolos em escala global para serem

decodificadas e replicadas em rede.

O caso apresentado demonstra que é nesse ambiente de sociabilidade

virtual que muitas formas de interação vêm se formando e, por conseguinte, formando

grandes repercussões midiáticas. Dessa forma, por vezes, esses compartilhamentos

eclodem e direcionam inclusive pautas nos noticiosos, fruto da participação coletiva na

construção desses fenômenos, visto que essencialmente a internet é um espaço livre que

permite a qualquer um com possibilidade de acesso tenha a chance de publicar e

multiplicar significados expressivos no meio.

Essa dinâmica é o que permite a comunicação “de muitos para muitos”

em uma escala global, por meio da rede mundial de computadores. O impacto dessa

tendência reflete em vários ângulos da vida cotidiana, não apartando os meios de

comunicação de massa de também sentirem esse impacto. O alcance global desse

sistema eletrônico de comunicação pela web traz o peso da internet e dos novos

contextos de sociabilidade.

Conclusivamente, a observação do case “Luíza esta no Canadá” retrata

de forma clara como se dá a construção imagética das intituladas “celebridades virtuais”

na web, onde as redes sociais twitter e facebook foram usadas como espaços dessa

manifestação livre em rede.

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vira-hit-na-web-e-familia-antecipa-volta-dela-ao-brasil.html>. Acesso em: 03 set. 2014.

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