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Resumo Pistas da historicidade de Bárbara Cardosa a partir de Calabar O elogio da traição e textos acadêmicos Elaine Martins Donda 1 A presente comunicação foi resultado de análise bibliográfica e pesquisa digital, que circundou áreas como Gênero, História e Religião a fim de responder à questão motivadora: Qual a identidade histórica de Bárbara, personagem emblemática na peça teatral Calabar O elogio da traição? Comparou-se o texto teatral e publicações acerca do capítulo histórico brasileiro intitulado como Invasões Holandesas. Como resultado, foi possível evidenciar que Bárbara, a amante de Calabar na peça de Buarque e Guerra, é Bárbara Cardosa, esposa de Domingos Fernandes Calabar. Objetivou-se identificar a personagem teatral, enquanto voz profética a gritar por liberdade num ambiente vigiado por censores ditatoriais, e principalmente, apontar para a necessidade em reconhecer a identidade de Bárbara Cardosa, uma mulher, cuja historicidade está ainda por ser escrita. O presente trabalho dialogou com as contribuições de Frans Leonard Schalkwijk, Elzimar Fernanda Nunes, entre outros. Palavras-chave: Gênero História Religião Ditadura Militar Invasões Holandesas. 1 Doutoranda em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo SP, Orientador: Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth. [email protected]

Resumo - simposio.abhr.org.br · diretor Fernando Peixoto (1937-2012) e a direção musical de Dori Caymmi, uma trupe ... Na tese sobre a estrutura da igreja neerlandesa durante o

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Resumo

Pistas da historicidade de Bárbara Cardosa a partir de Calabar – O elogio da

traição e textos acadêmicos

Elaine Martins Donda1

A presente comunicação foi resultado de análise bibliográfica e pesquisa digital, que

circundou áreas como Gênero, História e Religião a fim de responder à questão

motivadora: Qual a identidade histórica de Bárbara, personagem emblemática na

peça teatral Calabar – O elogio da traição? Comparou-se o texto teatral e

publicações acerca do capítulo histórico brasileiro intitulado como Invasões

Holandesas. Como resultado, foi possível evidenciar que Bárbara, a amante de

Calabar na peça de Buarque e Guerra, é Bárbara Cardosa, esposa de Domingos

Fernandes Calabar. Objetivou-se identificar a personagem teatral, enquanto voz

profética a gritar por liberdade num ambiente vigiado por censores ditatoriais, e

principalmente, apontar para a necessidade em reconhecer a identidade de Bárbara

Cardosa, uma mulher, cuja historicidade está ainda por ser escrita. O presente

trabalho dialogou com as contribuições de Frans Leonard Schalkwijk, Elzimar

Fernanda Nunes, entre outros.

Palavras-chave: Gênero – História – Religião – Ditadura Militar – Invasões

Holandesas.

1 Doutoranda em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo – SP, Orientador: Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth. [email protected]

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Introdução

Essa comunicação é resultado das primeiras considerações de análise textual

em busca da identidade histórica da personagem presente na peça Calabar – O

elogio da traição. A mulher em questão é identificada como “uma mameluca

chamada Bárbara” (BUARQUE; GUERRA, 1975, p. 11) e amancebada com o jovem

“mestiço mui esforçado e atrevido chamado Calabar” (Ibidem).

Pesquisar a História do Brasil Colonial, em especial, as invasões holandesas

é uma tarefa sempre instigante, pois a temática em questão abarca em si diversas

possibilidades. Ainda que a presença batava em solo nacional tenha ocorrido em

breve espaço de tempo, deixou considerável quantidade de registros e marcas que

motivam constantes releituras acerca de fatos ainda não plenamente visitados ou

personagens a serem devidamente apresentados. Nesse trabalho pretende-se expor

informações acerca de Bárbara, a companheira de Domingos Fernandes Calabar.

No que se refere ao período de permanência, sabe-se que os neerlandeses

efetuaram sua primeira tentativa de invasão em 1624, com o propósito de tomarem a

Bahia; contudo, após um ano, foram expulsos por tropas portuguesas e espanholas.

Já, a segunda tentativa, essa um pouco mais duradoura, ocorreu de 1630 a 1654.

Segundo Fábio Pestana Ramos, mais “do que construir um império açucareiro

no Brasil, a ocupação de Pernambuco pelos holandeses tinha como objetivo formar

uma base avançada para corsários dispostos a servirem aos propósitos da Holanda”

(RAMOS, 2006, p. 253), a fim de sufocar o acesso luso, e garantindo seu domínio

nas costas nordestinas. Os membros da Companhia das Índias Ocidentais2

escolheram “a povoação do Recife como sede dos seus domínios no Brasil” (SILVA,

2001, p. 312), por julgarem a localização estrategicamente mais segura.

2 Uma forma de associação ou organização privada, com propósitos de mercado externo entre os Estados Gerais na região dos Países Baixos, esse colegiado possuía direito exclusivo para atuar comercialmente em regiões da África Atlântica, da América, tanto em regiões do Atlântico quanto algumas na parte do Pacífico.

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Em meio ao processo de invasão, com perspectivas econômicas, vale

salientar que o tempo de presença holandesa também compreende contribuições

culturais, artísticas, religiosas, entre outras e as marcas dessa fase são visíveis em

documentos, iconografias, bem como no imaginário popular.

Nesse aspecto, a partir da análise de Sérgio Buarque de Holanda,

possivelmente tenha permanecido o ideal da Nova Holanda com palácios

monumentais e parques opulentos, cujo esplendor “a destacava singularmente no

meio da miséria americana” (HOLANDA, 2005, p. 63). Para o autor, nasce aí, a partir

da presença holandesa em Recife, “de modo prematuro, a divisão clássica entre o

engenho e a cidade, entre o senhor rural e o mascate, divisão que encheria, mais

tarde, quase toda a história pernambucana” (Ibidem), o que nos remete à relevância

em analisar esse período para além dos museus, monumentos, arquivos e toda

cultura material, sendo, também imprescindível, considerar a memória social e

cultura imaterial.

Sarah Fassa Benchetrit, ao abordar o governo de João Maurício de Nassau

Siegen (1636-1644), no auge da administração holandesa em Pernambuco, denota

a importância do “lugar” ocupado na historiografia brasileira, bem como dos mitos

que se enraizaram no imaginário brasileiro de grande significância na construção da

identidade brasileira, sob a luz da “memória de um Brasil que não houve”

(BENCHETRIT, 2004, p. 10).

Tais mitos ou memórias acerca da referida época podem constituir, à luz de

Serge Moscovici (MOSCOVICI, 1978, passim) representações sociais, ou seja, um

universo consensual, que a partir da Psicologia Social, especifica a maneira como

grupos populares significam um evento.

Assim, compreender as representações sociais ou memórias brasileiras

acerca das Invasões Holandesas é, sem dúvida, uma oportunidade para pesquisas

relevantes.

Nessa perspectiva, o presente trabalho resultou de leituras e observâncias a

respeito desse capítulo histórico do Brasil e da comparação quanto a diferentes

interpretações ou referências sobre Bárbara, mulher que conviveu com Calabar, cuja

identidade ainda não é plenamente conhecida.

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O texto teatral de Chico Buarque e Ruy Guerra, bem como Igreja e Estado no

Brasil Holandês de Frans Leonard Schalkwijk, constituíram as fontes primárias

utilizadas nessa pesquisa. Convém, ainda que de modo sucinto, apresentar tais

obras, pois ambas retratam a presença holandesa no Brasil com perspectivas ou

abordagens distintas e igualmente significativas quanto ao evento em si e, em

especial, à Bárbara, nossa personagem central.

Calabar – O elogio da traição – breve apresentação

Com o intuito de driblar os censores ditatoriais, durante um ano, Buarque e

Guerra redigiram o texto, de modo meticuloso no uso das palavras, pensando na

intenção de comunicar crítica à opressão vigente, e nas possíveis reverberações no

país.

O tema relativo às invasões holandesas “e a preocupação com a traição, num

período em que havia uma verdadeira caça a quem se manifestasse contra o regime

governamental, foram, segundo depoimento dos autores, os elementos que serviram

como mote para a escrita do texto” (CONTI, 2007, p. 19-20).

Assim, o evento histórico é utilizado de modo artístico, com alegorias para se

referir ao contexto em que a peça surgiu, ou seja, o Brasil no auge da Ditadura

Militar. As experiências de Buarque e o momento político do país estão interligados,

pois ao retornar do exílio:

Chico, de forma penosa, e talvez já refletindo sobre a questão da traição nacional, foi

forçado a compreender a dura situação em que se encontrava o país, e naturalmente

reconhecer seu compromisso, como artista, na ação política racional e de

transformação nacional. (MARTINS, 2004a, p. 1)

Desse modo, a obra teatral de Buarque e Guerra expressa amplamente a

realidade contextual em que foi escrita e veto dos censores para a estreia, pois, as

“produções culturais eram submetidas à avaliação do governo, que tinha na censura

aparatos específicos para controlar o conteúdo do que era produzido”

(WANDERLEY, 2007, p. 3). Toda produção artística era assim vigiada, a fim de se

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evitar discrepâncias em relação à imagem veiculada pelo Regime Militar e o que de

fato acontecia no país.

Traição – o tema da peça e censura

O texto teatral discute o significado da palavra traição durante as Invasões

Holandesas em território brasileiro, século XVII, tendo como ponto de partida as

“constantes batalhas entre portugueses e holandeses pelo domínio do Brasil”. (Idem,

p. 7). Aborda-se, assim, como o ato de trair era visto nesse período. Também

convém salientar que a peça “parodia e, portanto, ridiculariza (torna risível) obras

históricas que ajudaram a construir o mito que se formou em torno do mestiço

Calabar e da presença holandesa no Brasil” (NUNES, 2003, p. 106).

A criatividade poética em forma de texto teatral está com toda sua beleza

literária, de forma marcante, produzida a partir de uma realidade histórica, social e

política. Pois, segundo leitura de Adélia Bezerra de Meneses, conforme entrevista à

Revista Cult, há nas obras teatrais de Buarque três grandes linhas que figuram seu

estilo literário: o “lirismo nostálgico: recusa do presente opressor [...], variante

utópica: recusa da realidade opressora projetando-se para um tempo-espaço outros,

em que não se daria mais o reino da exploração e do simulacro. [...] vertente da

crítica: recusa da realidade, ferindo-a pela crítica social [...]” (Ibidem).

Ainda, em relação ao espetáculo, vale destacar os entraves até sua estreia,

pois o mesmo entra para a história como o maior marco da censura no Brasil. A

propósito dos quarenta anos e possível nova montagem, Rodrigo Fonseca publicou

uma matéria que sintetiza as frustrações vivenciadas pela trupe com mais de

quarenta artistas:

Com lotação esgotada para a estréia, no dia 8 de novembro de 1973, e mais quatro

sessões já vendidas, a peça “Calabar: o elogio da traição”, de Ruy Guerra e Chico

Buarque, não pôde abrir as cortinas. Naquela noite, o Teatro João Caetano, sede do

espetáculo, tornou-se palco de um dos maiores crimes contra a liberdade de

expressão da história do teatro brasileiro. Por determinação do general de brigada

Antônio Bandeira, então diretor-geral da Polícia Federal, o espetáculo, produzido por

Fernando Torres (1927-2008) ao custo de três milhões de cruzeiros, foi interditado –

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e assim ficou por sete anos. Depois de dois meses de ensaios sob o comando do

diretor Fernando Peixoto (1937-2012) e a direção musical de Dori Caymmi, uma

trupe de 48 atores, entre eles Betty Faria, viu o sonho de encenar um musical

brasileiro se desmanchar. Esse sonho perdido alimenta a montagem, já em

andamento, que irá celebrar os 40 anos do espetáculo, com direção do próprio

Guerra. (FONSECA, 2013, O Globo)

Mesmo com prejuízos financeiros enormes e grande frustração, a equipe

continuou por alguns meses com os ensaios, à espera da estreia que não ocorreu.

Somente após sete anos de censura, o texto foi enfim anistiado, em 24 de janeiro de

1980.

A primeira apresentação ocorreu quatro meses depois, no teatro São Pedro,

na cidade de São Paulo, no elenco, Martha Overbeck, Othon Bastos e Renato

Borghi, entre outros.

Em suma, quanto à produção textual, os autores resgatam, do século XVII, o

período das Invasões Holandesas, e por meio de sátira musical, objetivam “retratar

sentimentos unificadores, como a lealdade e a traição, que resumiriam o espírito do

Brasil de 1973, ano em que a peça foi escrita”. (MARTINS, 2004b, p. 7) Com a

utilização da dramaturgia, o texto de linguagem figurada simbolizou luta contra a

repressão cultural nos idos “anos de chumbo” da Ditadura Militar.

O segundo texto que constitui parte das fontes primárias dessa pesquisa

também requer apresentações, ainda que sucintas.

Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630 a 1654) – síntese

A obra corrobora para a compreensão acerca da igreja holandesa implantada

no Nordeste do Brasil durante a invasão batava, que além dos interesses

econômicos e territoriais, também possuía objetivos voltados para a missão em

território brasileiro.

Por meio de apurada pesquisa, em especial, com consulta aos arquivos de

História em Pernambuco e na Holanda, o texto proporciona uma profunda

compreensão sobre a organização eclesiástica, educativa e social da instituição

religiosa em meio ao período de ocupação flamenga.

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Na tese sobre a estrutura da igreja neerlandesa durante o século XVII, de

Frans Leonard Schalkwijk, pastor holandês que por quase quatro décadas esteve a

serviço da Igreja Evangélica Reformada no Brasil há, de forma pontual, uma ligeira

menção à Bárbara.

Desse modo, o presente trabalho buscou, a partir de textos concernentes a

esse período histórico, conhecer a identidade dessa mulher; principiando pela obra

teatral, evidenciou-se ali que a personagem narradora foi amante e após a execução

de seu companheiro, tornou-se prostituta, mas em análise comparativa, em especial,

ao texto de Schalkwijk, notou-se que a mameluca Bárbara do texto de Buarque e

Guerra possui uma identidade histórica, assim, esse estudo também intentou

encontrar referências a fim de resgatar sua trajetória de vida.

Bárbara – a mameluca em Calabar – O elogio da traição

A obra teatral aborda a traição de Calabar, que viveu no século XVII e entrou

para a História do Brasil ou para os livros, em especial, os didáticos, com estigma de

traidor. Esse personagem histórico ou “emblema da traição nas guerras

pernambucanas é motivo de grande discussão entre os historiadores brasileiros”

(VAINFAS, 2008, p. 86).

Schalkwijk apresenta uma análise acerca das possíveis motivações de

Calabar, bem como, uma possível biografia, da qual se extraíram alguns dados:

Domingos Fernandes Calabar deve ter nascido durante a primeira década do século

XVII, no atual Estado de Alagoas, na região de Porto Calvo, sendo filho de pai

português e de mãe indígena, de nome Ângela Álvares. Era, assim, um mameluco, e

foi batizado numa igreja da paróquia de Porto Calvo. O menino foi educado numa

escola dos padres jesuítas e, homem feito, ainda antes da invasão batava, possuía

três engenhos de açúcar naquela região. (SCHALKWIJK, 2000, sem paginação)

E, ainda conforme aponta o referido texto informativo, foi a partir de 22 de

abril de 1632, que “um soldado de nome Calabar, homem muito forte e audaz,

deixou o campo português e passou para o lado dos holandeses” (Ibidem), isso após

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ser ferido em combate do lado luso, sob o comando de Matias Albuquerque. Como

conhecedor da região, foi de grande préstimo para os batavos.

Entretanto, a respeito dos possíveis motivos de sua mudança de lado, o autor

enfatiza que há, sem dúvida, muita especulação histórica sobre sua trajetória de

vida.

Comumente, justifica-se a traição por ambição, como assevera Ronaldo

Vainfas, “Calabar foi desses que se engajaram na resistência tão logo

desembarcaram os holandeses” (VAINFAS, 2008, p. 87), contudo pondera ser

“controvertida a motivação que teve Calabar para se apresentar voluntariamente ao

holandês” (Ibidem). Nessa perspectiva, Schalkwijk também adverte que devem ser

considerados outros fatores, como “motivos claros e outros ocultos” (SCHALKWIJK,

2000, sem paginação), no sentido de que as reais motivações do sujeito histórico

não estão devidamente expressas em documentos oficiais.

Em relação à peça de Buarque e Guerra, o homem, que historicamente ficou

conhecido como desertor, emerge a partir de um discurso sobre o tema que assim

categoriza a traição:

não no sentido de redimi-la, mas no sentido de reconsiderar a história vista de um

outro ângulo que não a do colonizador. Discute, ainda, as ações traiçoeiras que são

colocadas pelas outras personagens, levantando a problematização acerca da

‘traição’. Ao trabalhar essa questão, o texto conduz o leitor/espectador a uma

reflexão sobre o que seria traição naquele momento histórico. (CONTI, 2010, p. 107)

De fato, Calabar é a personagem central e a discussão está centrada na

reflexão acerca do conceito trair. Contudo, Bárbara também possui notável

presença, pois tem a função de personagem narrativa, seja por meio da fala ou de

canção:

Quanto à fala, comprova-se que ela abre e fecha o primeiro ato e encerra o segundo.

Quanto à canção, evidencia-se que esta personagem atua três vezes no primeiro ato

e duas vezes no segundo. Nomeiam-se aqui tais canções: Cala a boca, Bárbara;

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Tatuagem e Cobra de Vidro no primeiro ato; Tira as mãos de mim; Fortaleza e Anna

e Bárbara no segundo ato. (BATISTA, 2011, p. 134)

Para Thiani Januário Batista, Domingos Fernandes Calabar é quem dá título à

obra, entretanto, “não participa das ações performáticas” (Ibidem); é Bárbara quem

dá movimento aos atos da peça, pois se registra que a personagem “percorre, de

maneira mais intensa, as discussões sobre traição, parecendo não se importar pelas

consequências de sua investigação e de sua atitude para com a perpetuação da

lembrança de Calabar” (Idem, p. 149).

É ela quem interpela personagens históricas como Souto Maior, Frei Manuel e

Camarão e aqui se evidencia o caráter profético de Bárbara.

Na análise de Elzimar Fernanda Nunes, a obra de Buarque e Guerra ao ser

lida como uma paródia carnavalesca, possibilita múltiplas leituras, pois foi construída

a “partir da técnica de colagem” (NUNES, 2002, p. 88), por meio de recortes de

personagens e episódios, os autores fizeram uma remontagem dos mesmos. Essa

característica literária permite que diferentes personagens extraídos de diferentes

extratos sociais tenham um relacionamento igualitário.

Para a autora, isso ocorre na peça, pois: a “mulata Bárbara e a prostituta

Anna de Amsterdã são colocadas no mesmo plano que o fidalgo Mathias de

Albuquerque” (Idem, p. 90). A carnavalização ocorre, por exemplo, “deixando falar a

esquecida viúva de Calabar e a incômoda prostituta holandesa” (Ibidem), mulheres

que, em certos momentos, até admoestam autoridades como o Frei, representante,

na peça, da instituição religiosa.

Esse recurso literário confere às personagens o caráter de “lutas simbólicas a

propósito da percepção do mundo social” (BOURDIEU, 1990, p. 161), e no que se

refere à Bárbara, o mesmo estilo de construção literária lhe atribui aspecto de voz

profética, pois contraria por meio de sua fala e corpo o discurso oficial. Ela “é a voz

questionadora da peça: põe em dúvida o heroísmo de Henrique Dias e Felipe

Camarão, denuncia a inconstância de Sebastião do Souto, desmascara o

oportunismo de Frei Manoel do Salvador” (NUNES, 2002, p. 96).

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Em plena década de 70, quando a opressão feminina ainda é explícita,

Bárbara apresenta um outro Calabar, diferente daquele engendrado pelo discurso

oficial como o traidor. Ela fala do homem amante, especialmente nas canções Cala

a boca, Bárbara, que abre a peça, ou em Tatuagem, cantada durante a execução de

seu amado. Também em Cuidado, a voz de Bárbara denuncia, rompe assim com o

silêncio e a ordem estabelecida.

Ainda na perspectiva de Nunes, a personagem narrativa “é uma voz tão

incompleta quanto às demais vozes da peça, não sendo portadora de nenhuma

verdade absoluta” (Idem, p. 99), pois para a autora, isso faz refletir a intenção de

Buarque e Guerra em se deixarem identificar pela relatividade de suas próprias

vozes.

Todavia, Bárbara, mesmo sendo mais uma voz, dá movimento à peça,

expressa seu amor, seu pranto e denúncia ou não conformismo. Anuncia ainda, por

meio da fala, das canções e com seu corpo, pois irrompe na peça com “um corte

brusco na música religiosa. Primeiros acordes dolentes para uma nova canção. Luz

isolando a silhueta de uma mulher, cujos gestos simulam o ato do amor”

(BUARQUE; GUERRA, 1975, p. 11), assim, de modo abrupto, se faz apresentar com

a canção Cala a Boca, Bárbara.

Ao público, seja leitor ou espectador se deixa apresentar por meio de sua

silhueta, numa visível interrupção ao discurso religioso. Após ser totalmente

iluminada, Bárbara levanta-se e cantando, calmamente se veste e ao concluir essa

primeira canção, encara o público.

Para Martim Vicente da Cunha Silva, esse verbo não foi escolhido

aleatoriamente, mas contém uma intenção, “dizer que ela será uma espécie de

mensageira” (SILVA, 2009, p. 24), em especial, dos marginalizados. O atuar ou

“reivindicação de seu próprio corpo contra o poder” (FOUCAULT, 1979, p. 146)

denota a força de sua presença contra a opressão e injustiça.

A silhueta da mulher que, aos poucos se dissipa, revelando suas formas ao

público, remete à ideia de que o corpo é lugar de rebelião. Suas curvas, corpo e voz

nos idos anos 70 evidenciam protesto “contra uma sociedade extremamente

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machista e patriarcal, em que as mulheres se submetiam aos mandos e desmandos

de seus companheiros”. (TOMITA, 1994, p. 49)

À luz dos pressupostos da teóloga Lisa Isherwood, Luiza E. Tomita alerta “se

o corpo é o primeiro local da opressão das mulheres, deve ser também o melhor

lugar para a desconstrução da ideologia sexista” (Ibidem). Diante dessa assertiva,

Bárbara é a voz profética que, por meio de seu corpo, anuncia sexualidade, amor e

denúncia e ainda a ideia de que a rebeldia é uma necessidade para se “abrir

algumas brechas nos sistemas fechados de dominação” (GEBARA, 2006, p. 136).

A presença vigorosa dessa mulher no texto teatral ainda nos remete à

reflexão de que a América Latina também “vive como em exílio3” (SCHWANTES,

2007, p. 9) e nessa condição, principalmente desterrada, é a mulher, por conta das

muitas violências, que ainda sofre. Nessa perspectiva, o autor nos lembra de que as

pequenas lutas vão gerando vitórias e nos convida a olhar o texto sagrado para

cristãs/os, pois o mesmo nos anima para a primavera. A bíblia fala de exílios “para

encorajar-nos à resistência, à organização e a vitórias” (Idem, p. 10). Desse modo, o

convite é de resistência, resgate do corpo, bem como da sensibilidade e equalização

dos direitos humanos a todas as pessoas.

Bárbara é a personagem, de presença notória durante o desenvolvimento da

peça; contudo, para o público, leitor ou espectador, pode ficar a apresentação

equivocada de que a obra se refere à amante, levada à prostituição, por conta das

circunstâncias; entretanto, ao comparar o texto de Schalkwijk, tem-se outra

perspectiva sobre a identidade da mesma mulher, suscitando indagações e

justificativa em busca de conhecê-la devidamente.

Bárbara Cardosa em Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630-1654)

A esposa de Domingos Calabar, Bárbara Cardosa, surge no referido texto de

modo quase imperceptível, visto que somente uma página e poucas referências

fazem menção de seu nome. Dona4 Bárbara constitui, assim, uma protagonista

3 Grifo do autor. 4 Pronome de tratamento do autor ao se referir à Bárbara, esposa de Calabar, aqui utilizado como forma de gratidão por sua atenção e contribuições na construção do presente trabalho.

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anônima da História (VAINFAS, 2002, passim), e sua trajetória ainda está por ser

escrita.

Nas entrelinhas de Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630-1654), a mesma

mulher que em Calabar – o elogio da traição é retratada como a companheira de

cama do traidor, emerge, sem dúvida, de modo breve e indireto, pois, em apenas um

parágrafo, há menção dela que, juntamente com o marido, frequentava a sociedade

holandesa durante a permanência dos flamengos em Recife:

Registrou entre os seus membros as pessoas mais influentes da sociedade

holandesa, como mostra, por exemplo, o livro de batismos da igreja do Recife.

Quando o oficial Domingos Fernandes Calabar e sua esposa Bárbara Cardosa

apresentaram Domingos Fernandes Filho para o batismo, encontraram-se ao redor

da pia batismal como testemunhas o alto conselheiro Servantius Carpentier, o

coronel alemão Sigismund von Schoppe, junto com o coronel polonês Chrestofle

Arciszewski, o almirante Jan Cornelisz Lichtrart e, ainda, uma senhora da alta

sociedade. (SCHALKWIJK, 2004, p. 99-100)

O autor ainda afirma que o batismo da criança ocorrera dez meses antes da

execução de Calabar em Porto Calvo. E a julgar pela presença de pessoas da alta

sociedade na igreja como testemunhas do batismo do filho do casal, pressupõe-se

que “Dona Bárbara era esposa legítima, não ‘amásia’” (Idem, p. 100, Nota 45).

Desse modo, a nota de rodapé citada amplia o questionamento acerca da

identidade histórica dessa mulher, visto que a mesma tem seu nome e sobrenome

registrado no livro de batismo da igreja no dia 20 de setembro de 1634, por conta de

um evento importante em seu cotidiano, ou seja, levar o filho para ser batizado. Daí

a curiosidade em conhecer mais sobre sua trajetória, ainda que seja “por linhas

quebradas em vez de contínuas, por meio de falsas largadas, correções e

esquecimentos” (GINZBURG, 2007, p. 111) ou redescobertas, pois a inquietude

sobre mais informações a respeito de Bárbara Cardosa permanece em aberto.

Para Ronaldo Vainfas, a evidência de que Calabar passou pelo calvinismo

está “no batismo de seu filho com Ana Cardosa na igreja reformada” (VAINFAS,

2008, p. 89), como também, o fato de que após sua execução, o Conselho Político

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do Recife concedeu “pensão de oito florins por mês a cada um de seus filhos, a rogo

da viúva” (Ibidem).

Na leitura do autor, mesmo o valor não sendo muito elevado, tal ação do

Conselho Político do Recife “merece registro por indicar o reconhecimento holandês

a seu capitão mulato ou mameluco” (Id); em certa proximidade, José Antônio

Gonsalves de Mello também registra que tal benefício foi concedido à viúva e filhos,

porque se considerou a atuação de Calabar como “grandes serviços feitos à

Companhia” (MELLO, 1979, p. 177) das Índias Ocidentais.

A fim de encontrar pistas sobre Bárbara é que o presente estudo se

desenvolveu, tendo em vista, o entendimento de que para a interpretação dos usos

e representações é necessário atentar para a história dos modos e das maneiras

que “diferentes grupos podem se constituir sujeitos” (PRIORE, 1986, p. 212). Isso

ainda nos remete a também considerar sua “vida cotidiana como problemática”

(BURKE, 1991, p. 23) e, nessa perspectiva, a pressuposição de Schalkwijk de que

Dona Bárbara e o esposo frequentavam a sociedade holandesa durante a ocupação

batava em terras pernambucanas ganha indícios, pois há consenso entre os

autores, Mello e Vainfas de que após a execução de Calabar, a viúva rogou por

ajuda e foi atendida, possivelmente porque essa mulher estava próxima, ou seja,

deveria ser conhecida de membros do Conselho Político do Recife, estava em

convivência naquele contexto, no cotidiano da sociedade holandesa implantada no

Recife.

Se por um lado, é possível compreender que Bárbara, a mameluca e amante

na peça teatral, possui uma identidade histórica, situada em um contexto ou

cotidiano, inserida na sociedade recifense do século XVII, já que seu nome está

registrado no livro de batismo da igreja cristã reformada do Recife a 20 de setembro

de 1634, por ocasião do batismo de seu filho e quando viúva, solicitou auxílio e foi

atendida pelos holandeses, recebendo em forma de ajuda pecúnia aos três filhos

menores “o salário de um soldado” (SCHALKWIJK, 2004, p. 64). Em contrapartida,

desvendar sua biografia é tentar fazer “história, com outro nome, o de ‘rastro’”

(RICOUER, 2007, p. 37); em relação à Bárbara, o rastro para revelar sua história

ainda necessita de maior aprofundamento. À luz da nova história, contar sua história

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pode ser uma tarefa possível e necessária, pois além de ser uma das atividades

mais “inerentemente humanas, as pistas deixadas por homens e mulheres, no

entrecruzamento do verdadeiro, falso e fictício, merecem sagrado respeito”

(RODRIGUES, 2008, p. 262).

Teóricos como Joan Scott, Bourdieu, Foucault, entre outros já romperam com

“a exclusividade de uma análise histórica enrijecida, e hoje, a nova história valoriza o

estudo da vida cotidiana, das mentalidades, dos sentimentos, da sexualidade, dos

medos criando uma nova investigação e ensino no estudo da história” (TEDESCHI,

2003, p. 334).

Esse campo, relativamente novo da história social, valoriza a história das

mulheres, e seu propósito está em legitimar o estudo sobre elas e “apontar para a

realidade da experiência vivida pelas mulheres enquanto objeto relevante e de suma

importância” (SCOTT, 1992, 81), para a autora, a história de mulheres, é “uma

história que necessita ser reescrita” (Idem, p. 75).

Em relação ao período do Brasil Colonial, houve a construção histórica do

mito de Calabar, o traidor e para tanto, vozes e eventos foram devidamente

escolhidos e outros silenciados. Para Elzimar Fernanda Nunes:

Calado pôde contar sua história, mas a viúva de Calabar não teve tal oportunidade.

Gonsalves de Mello pôde escrever sobre as prostitutas holandesas no Recife do

século XVII, mas elas não puderam falar sobre si mesmas. Varnhagen pôde

condenar Calabar ao eterno inferno histórico, mas o mestiço não pôde se manifestar.

Sobre todas estas versões da história, paira o historiador demiurgo, escolhendo

quais eventos irá relatar, atribuindo sentido às ações e palavras dos homens do

passado para exaltá-los ou condená-los. (NUNES, 2003, p. 108)

O presente estudo objetivou buscar informações sobre Bárbara Cardosa, e

sinalizar que essa mulher possui historicidade; contudo, futuras pesquisas deverão

contribuir para que sua voz seja, enfim, devidamente ouvida.

O período histórico em questão, momento em que o Brasil esteve sob a

ocupação holandesa, apresenta fatos a serem revisitados e muitas vozes ainda a

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serem ouvidas, em especial as das mulheres, evidentemente de Dona Bárbara, bem

como de outras tantas.

Aqui, especificamente, também chama a atenção uma lista de mulheres

trazidas da Holanda para “satisfação do apetite sexual dos flamengos” (SILVA, 2004,

p. 240). Na narrativa de Mello, constam nos documentos da época a categorização

como “mulheres fáceis”. São citadas pelos próprios nomes ou cognomes:

Cristinazinha Harmens, Anna Loenen, Janneken Jans, Maria Roothaer (isto é, Maria

Cabelo de Fogo), Agniet, Elizabeth (apelidada de a Admirável), Maria Krack,

Jannetgien Hendricx, Wyburch van den Cruze, Sara Douwaerts, uma apelidada de A

Senhorita de Leyden e outra a Chalupa Negra (de Swaerte Chaloepe) e Sijtgen, esta

“culpada e convicta de levar uma vida desregrada, escandalosa e libertina”. [...] ainda

umas mulheres suspeitas morando sozinhas em sobrados; [...] uma francesa, [...]

Anna de Ferro. (MELLO, 1979, p. 124-125)

Conforme já asseverou Nunes, essas mulheres não puderem falar de si

próprias, ou seja, não foram ouvidas e não puderam contar suas histórias e à luz de

Scott, suas histórias precisam ser reescritas, não a partir da história oficial, mas

segundo a nova história, pois Bárbara Cardosa, bem como as demais mulheres do

período em análise, são “sujeitos da história” (SCOTT, 1991, p. 77), desse modo,

todas aguardam por atenção e visibilidade.

Considerações Finais

Ao final desse trabalho, fica evidente a existência da historicidade de Bárbara,

personagem narrativa na peça de Chico Buarque e Ruy Guerra; Calabar – o elogio

da traição.

A pesquisa foi desenvolvida a partir de duas fontes primárias, o próprio texto

teatral e a obra Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630-1654) de Schalkwijk. Foi

possível destacar duas perspectivas distintas relativas à Bárbara. Na primeira, ela é

a amante de Calabar, que após execução de seu parceiro, tornou-se prostituta.

Contudo, ao analisar a segunda obra, evidenciou-se que a mulher em questão é

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Bárbara Cardosa, esposa e mãe de três filhos, nascidos da união com Domingos

Fernandes Calabar, embora o texto a apresente de maneira breve e quase

imperceptível.

Em relação à peça, embora Calabar seja a figura central, cujo nome dá título

à obra, é, na verdade, Bárbara quem concede movimento aos atos por meio de

paródia carnavalesca, recurso literário que confere a essa mulher voz profética, pois

ela questiona, denuncia e em pleno Regime Militar também contesta o mito Calabar

traidor e a opressão feminina declarada, pois por meio de canções, voz e corpo

anuncia o Calabar amante. Sua presença faz cadenciar a peça, seja ao declarar seu

amor, sexualidade, luto ou denúncias.

Na obra de Schalkwijk, Dona Bárbara é a mulher que tem identidade histórica,

pois em data específica seu nome foi registrado em um livro de batismo da igreja

reformada do Recife, por ocasião do batizado de um de seus filhos. O texto ainda

indica que por volta de dez meses depois, seu esposo foi executado pelos

portugueses por ter desertado. A viúva então pede e recebe do Conselho Político

ajuda pecúnia em prol de seus filhos.

Como primeiras aproximações, foi possível atentar para as distintas

referências à Bárbara, personagem narrativa na peça de Buarque e Guerra, e para

Dona Bárbara, a esposa de Domingos Fernandes Calabar; contudo, há de se

reconhecer que sua história ainda requer maior aprofundamento. Não somente

Bárbara, mas as demais mulheres do período histórico aguardam para que novas

pesquisas lhe concedam atenção e voz para que, a partir delas, suas trajetórias de

vida sejam enfim escritas.

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