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O CONTEXTO DE FORMAÇÃO DO ACERVO FOTO BIANCHI EM PONTA
GROSSA/PR (2001-2016)
Jheniffer batista de Alvarenga1
Patricia Camera Varela2
(Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG)
Resumo. Em 2001, o material que compõe hoje o Acervo Foto Bianchi, foi
adquirido por compra na gestão do Prefeito Péricles Holleben de Mello (PT) através
da Fundação Cultural Ponta Grossa. A Casa da Memória Paraná, localizada em
Ponta Grossa e pertencente à Fundação Cultural, recebeu em sua instituição um
conjunto significativo de negativos de gelatina e prata em suporte de vidro e outros
materiais produzidos por três gerações de fotógrafos da Família Bianchi no período
de 1910 a 1970. O presente trabalho procurou refletir sobre os aspectos sociais,
culturais, políticos e econômicos daquele período e que de certa maneira
convergiram para a formação do acervo. Para tal nos debruçamos sobre a
documentação dita oficial, ou seja, originada do processo burocrático, mas em
conjunto procuramos através de depoimentos de alguns dos envolvidos, mapear as
relações que estaria postas e com elas influenciaram naquele momento. Desta
maneira compreendemos que houve a necessidade de
aprofundar os entendimentos sobre as relações pessoais, informais, que permearam
a negociação desta venda, visto que a compra pela prefeitura é resultado de um
contexto específico caracterizado por relações políticas, sociais e culturais.
Palavras chave: Acervo público; Memória; Fotografia; História Oral.
Financiamento: PIBIC/ UEPG.
Introdução
1 Acadêmica do quarto ano de Bacharelado em História pela universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Pesquisa financiada pela bolsa PIBIC/ UEPG. 2 Professora do Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Pós-doutora em História pelo Museu Paulista da USP. Doutora em História pela PUCRS e Mestre em Tecnologia e Sociedade pela UTFPR. Orientadora do projeto PIBIC: “História Oral no Acervo Foto Bianchi: história e memória”.
Compreendido como um Centro de Documentação regional por trabalhar com
a “reunião, a preservação, a organização de arquivos e coleções” (CAMARGO,
1999, p. 52), a Casa da Memória Paraná foi escolhida como local para a guarda do
Acervo Foto Bianchi (AFB), desde o ano de 2001. Este acervo é composto
fundamentalmente “pela união de aproximadamente 45 mil negativos de gelatina e
prata sobre vidro, além dos cadernos de serviços-clientes” (BEDIM; CAMERA, 2015.
v. 8, p. 27), das caixas originais de negativos e papéis e de alguns materiais e
equipamentos de laboratório. Esse patrimônio material e imaterial foi produzido e
acumulado ao longo de quase um século por três gerações da tradicional família
Bianchi na cidade de Ponta Grossa no Estado do Paraná, compreendendo o recorte
do período entre 1907 (documento mais antigo) a 1970.
Anteriormente pertencia ao conjunto documental particular da família Bianchi
aos cuidados de Raul Bianchi, que dentre os irmãos foi o herdeiro que deu
continuidade aos trabalhos fotográficos do ateliê e manteve o material em sua
residência na cidade de Ponta Grossa até o ano de 2001, quando realiza a venda
para a prefeitura municipal assinando como único proprietário.
A transição do acervo privado para o acervo público é carente em
historiografia, pois não havia sido pesquisado anteriormente. Deste modo, o
presente projeto se propôs a investigar a história do Acervo Foto Bianchi com foco
no processo que o legitimou como patrimônio público. Interessou-nos analisar o
processo de venda, transferência, acomodação e organização deste conjunto
documental que passou por um trâmite judicial municipal e também informal anterior
a efetivação do negócio. Para tanto, buscamos pesquisar a contextualização da
compra deste acervo, realizada no ano de 2001, pela Prefeitura Municipal de Ponta
Grossa em conjunto com a fundação Cultural Ponta Grossa e o Departamento de
História da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Com o desenvolvimento desta pesquisa, compreendemos que este processo
ocorreu em etapas. Primeiramente, verificamos por meio de entrevistas que existia
a ciência das condições e do estado físico dos documentos; em segundo, ocorreu a
negociação com Raul Bianchi; em terceiro foi efetivado o trâmite judicial; em quarto
foi realizada a transferência do referido material para a Casa da Memória Paraná; e
por fim foi desenvolvido o trabalho de acomodação e organização do acervo sob a
supervisão do Departamento de História (DEHIS) da Universidade Estadual de
Ponta Grossa (UEPG).
No que tange as duas primeiras etapas é permissível apontar que houve,
principalmente em caráter informal, negociações entre Raul Bianchi e os irmãos
Carmencita H. M. Ditzel (professora do DEHIS) e Péricles Holleben de Mello3
(prefeito municipal da cidade de Ponta Grossa). Todos mantinham uma relação de
proximidade antes mesmo dos trâmites de compra e venda do acervo. Isso implica
em apontar que provavelmente o vínculo de confiança tenha contribuído para
desenvolver diálogos sobre a importância de preservar, disponibilizar e divulgar este
material icnográfico à comunidade. Por outro lado, averiguamos que haviam
negociações formalizadas em documentos que se encontram na Casa da Memória
Paraná e correspondem às relações políticas representadas pela Fundação Cultural
Ponta Grossa4.
Para este artigo nos restringimos em apontar quais eram os poderes e
relações presentes neste momento, a fim de mapear essa conjunção de
acontecimentos. Buscamos em um curto espaço de tempo, mapear o contexto que
envolveu a compra, assim como as relações informais e pessoais que fizeram parte
deste processo no ano de 2001.
Construção de um legado: trajetória da Família Bianchi na cidade de
Ponta Grossa/Pr.
Nosso objeto de pesquisa, o Acervo Foto Bianchi, tem sua trajetória iniciada
na década de 1910, quando Luís Bianchi se estabelece enquanto fotógrafo na
cidade de Ponta Grossa/Pr com sua recém-formada família. “Nascido na Argentina,
imigra para o Brasil no início do século XX, já na condição de fotógrafo, profissão
3 Eleito prefeito pelas eleições do ano 2000 com exercício de 2001 á 2005. Entretanto antes de cargo e representação politica, Péricles e Raul mantinham uma relação de amizade bem anterior ao processo aqui estudado. 4 A fundação foi instituída em 2001 por meio da gestão de Péricles Holleben de Mello (PT) pelo decreto de lei n° 6680, cujo estatuto garantia autonomia administrativa e financeira. Este ato foi revogado em 2005 pelo decreto de lei n° 8433, retirando a autonomia da instituição, gestão de Pedro Wosgrau Filho (PSDB).
que aprendera durante o período passado no Exército” 5. Fixa-se na Lapa (PR) e
depois é contratado pela São Paulo Railway.
Sua mudança para Ponta Grossa (PR) pode ser notada a partir de sua
trajetória profissional. Primeiro são observados no jornal “O Progresso” (1910) os
frequentes anúncios da loja de armarinhos “Bianchi & Thómmen” que tinha em
parceria com sua esposa. Depois, verificam-se alguns pequenos anúncios neste
mesmo jornal sobre o estabelecimento na Rua Fernandes Pinheiro, n. 8: “Chamados
para qualquer ponto do Estado” (1912).
Mas, é somente em dezembro de 1913 que o fotógrafo formaliza sua empresa
na Rua XV de Novembro, num contexto de desenvolvimento e ampliação da cidade
de Ponta Grossa que cresceu mais rapidamente desde a chegada da estrada de
ferro de direção Mato Grosso – São Paulo. Segundo Chaves (2015, p. 2), a cidade
era “beneficiada pela condição de entroncamento ferroviário, Ponta Grossa projetou-
se como exemplo de urbanização no interior paranaense já na primeira década dos
Novecentos”.
A modernização e o “progresso”’ da cidade princesinha decorrem
especialmente da exportação da erva-mate e de seu posicionamento enquanto
entroncamento ferroviário, atraindo para a cidade um grande fluxo de pessoas em
sua maioria imigrantes que veem na cidade oportunidade de estabelecimento. Em
Bedim e Camera (2015) observa-se o crescimento populacional e
consequentemente o desenvolvimento de redes de sociabilidades entre fotógrafos e
casas comerciais de importados do período, apontando a estreita ligação entre
Ponta Grossa e Curitiba, até então cidade com mais casas de importadores de
produtos fotográficos, mas com forte demanda dos pontagrossenses. Deste modo
percebe-se que o estúdio Foto Bianchi participava ativamente da sociedade
contemporânea, sendo também um resultado do desenvolvimento da profissão de
fotógrafo ligada especialmente aos imigrantes 6.
Inserido neste contexto Luís Bianchi que já contava com a prática da
fotografia ao migrar da cidade da Lapa (PR) e casado com a imigrante suíça Maria
5 Informações retiradas de http://www.artesnaweb.com.br/index.php?pagina=home&abrir=arte&acervo=449. Acessado em: 27/06/2016. 6 SANTOS. 2009, p. 61
Thómmen, transfere seu pequeno comércio para a Rua XV de Novembro,
atendendo especificamente como estúdio fotográfico antes da construção de sua
residência e ateliê na Rua Sete de Setembro em meados de 19407.
A fotografia enquanto meio de representação e afirmação social estava no
grupo de bens de consumo com alto custo e de alcance direcionado as elites
agrárias, politicas e religiosas, cujo poder aquisitivo permitia o gasto com a compra
de retratos ou de cartões postais. Uma realidade que se modifica gradativamente
com a ampliação do numero de profissionais e o barateamento devido à larga
produção dos materiais, adentrando ao consumo de outras classes sociais. É
possível observar que em Ponta Grossa havia um grupo expressivo de fotógrafos
trabalhando, ou seja, concorrência. Contudo os anúncios realizados no Jornal Diário
dos Campos de forma crescente demonstram o investimento em propaganda e um
retorno através de maior produção fotográfica. (BEDIM; CAMERA, 2015, p. 42).
O estudo da imagem e da fotografia no campo da história já reúne uma
grande discussão teórica a respeito. De forma a sintetizar observamos que
socialmente a fotografia adquiriu um status diferenciado sob qualquer outra forma de
representação. Segundo Kossoy (2001) a fotografia tem o poder de “interromper” um
momento, que permanece interrompido e imóvel, sendo então a imagem
concretizada e transpassada para outras pessoas, outros períodos, outros lugares.
As intenções depositadas nas poses preparadas pelos fotografados e pelos
fotógrafos corresponde a uma escolha derivada das necessidades e entendimentos
socioculturais engendradas no momento da captura da cena e objetivo de tal
retratação.
Esta representação ganha espaço e reconhecimento na sociedade no início
do século XIX quando já no circuito europeu de pintura as pessoas buscavam ser
retratadas como uma forma de lembrança e afirmação social, no caso do Brasil
assume, frente aos imigrantes, o meio de comunicação com as famílias que
permanecem nos países de origem, a fim de mostras que “mudar deu certo”.
(SANTOS, 2009, p. 62).
7 Informações retiradas da entrevista realizada pelo projeto Fotógrafos Pioneiros do Paraná, onde Rauly Bianchi conta sobre a história de seu pai e sua família. Documento está sob guarda da Casa da Memória de Curitiba.
Ao compreender a imagem enquanto documento é necessário ater-se ao
entendimento de que estas não são cópias fiéis da realidade ou de uma sociedade e
devem, assim como os documentos textuais, passar por uma análise criteriosa. Além
do mais é preciso no caso das imagens aprofundarem as informações referentes à
sua produção, ou seja, a qualidade dos estudos se eleva quando se tem o cuidado
de observar o conjunto documental e não uma única imagem. Assim,
o uso da fotografia como documento só é possível, quando conseguimos recuperar todas as informações explícitas e implícitas à imagem e ao processo de realização do registro fotográfico. Por isso, é fundamental que seja resgatada a historicidade da fotografia, ou seja, situá-la historicamente no tempo e no espaço. (MADIO, 2012, p. 60)
A riqueza fotográfica do AFB advém especialmente por seu caráter de
conjunto serial que acompanha os cadernos de registros, cuja função empresarial
era o registro e controle das fotografias produzidas pela empresa, hoje atuam como
agulha e linha na tarefa árdua de costurar os retalhos do passado local
representados pelas fotografias.
A partir deste breve panorama defendemos que as produções fotográficas do
Acervo Foto Bianchi têm um exímio valor histórico para análise não apenas
historiográfica da cidade e também região, mas contempla outras áreas das ciências
humanas e urbanismo.
O contexto de formação do Acervo Foto Bianchi
Partimos do entendimento que a formação de um acervo, ou seja, a história
que o remonta, suas origens de acumulação e organização formam sua identidade.
Esta identidade inicialmente pode ser formada pelas circunstâncias sociais, politicas
e culturais que resultaram nas escolhas feitas pelos organizadores e especialmente
pela escolha de guarda de determinada memória. Como é o caso do o acervo
Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) que tem seu contexto de formação no período de
forte censura da Ditadura Militar, iniciando em 1974. Atuanddo “quase que
clandestinamente por quase dez anos” (ARAÚJO; BATALHA, 1999 p. 66),
decorrente da origem e conteúdo do material ali acumulado, dando inicio a “um
arquivo de história social centrado, nos primeiros tempos, na documentação
referente ao movimento operário e as ás correntes de esquerda” (idem, p.66).
Deste modo toda documentação visitada dentro do AEL tem uma história, um
origem de acumulação que especialmente se apresenta enquanto conjunto ao
pesquisador. Deste modo também procuramos investigar as condições especificas
que oportunizaram, ou melhor, resultaram na compra do AFB.
As razões que levaram a aquisição pela prefeitura e a venda por Raul tem
sido uma incógnita para todos que trabalham com Acervo atualmente, o que implica
em um vazio historiográfico a respeito da memória de formação do próprio acervo.
Esta lacuna afeta não somente o acervo em si, mas todas as produções
bibliográficas sobre o mesmo que em certa medida precisam de tal contextualização
para compreender os documentos a partir de sua biografia e organização.
De um modo geral acredita-se que o motivo da venda esta diretamente e
unicamente relacionado ao estado de saúde do senhor Raul Bianchi, isto devido
uma entrevista que o mesmo concedeu ao Jornal Diário dos Campos, publicado no
dia 10 de setembro de 2001 falando sobre o assunto. Segundo Raul na matéria
intitulada Bianchi e suas batalhas ele defende que “o povo de Ponta Grossa fechou
o Foto Bianchi”, isto após sua loja ter sido roubada no dia 26 de janeiro do mesmo
ano, segundo relato ele perdeu uma média de 90 mil reais em equipamentos,
ficando “sem os dedos para trabalhar”.
Compreendemos que este foi um dos motivos da venda, entretanto não o
único. Defendemos que tal acontecimento é resultado de um conjunto e fatores que
envolvem diferentes setores da sociedade, assim como reflexões do próprio Raul
sobre seu acervo e a guarda de noventa anos que não podia manter.
Através da documentação de compra e venda do Acervo Foto Bianchi foi
possível detectar que este trâmite tem, como base e início, a solicitação de compra
realizada pelo Departamento de História (DEHIS) da Universidade Estadual de
Ponta Grossa, direcionada à Fundação Cultural Ponta Grossa, no dia 23 de fevereiro
de 2001. Este pedido teria como objetivo principal a defesa e busca pela
preservação do banco de imagens e os outros materiais, devido seu “valor histórico
incalculável, que abrange imageticamente a maioria das atividades cotidianas e
extraordinárias que formam a prática urbana, a identidade, e as sociabilidades
públicas e privadas princesinhas em seus mais diferentes aspectos” 8.
Desta maneira passamos a nos questionar. Quais foram os envolvimentos e
contatos prévios entre o DEHIS com o conjunto documental da Família Bianchi que
permitia tais constatações e que motivaram a solicitação? Foi apenas esta
solicitação que desencadeou a movimentação? Em quais circunstâncias ocorreu?
Foi, então, recuando a anos anteriores a procura de elementos que
apontassem esse contato prévio, que em leitura ao Jornal de História (JH),
produzido entre 1996-1998 pelo DEHIS observa-se a utilização de imagens do Foto
Bianchi na primeira e em diversas outras edições. Ora ilustrativa, ora como
questões, mas até o momento é tido como o primeiro meio pelo qual as fotos foram
efetivamente divulgadas e trabalhadas cientificamente como fontes.
O professor José Augusto Leandro, então responsável pelo jornal durante seu
período de existência, em conversa conosco defende que “o Jornal de História selou
ou ilustrou para todo mundo a riqueza do acervo [...] foi a melhor vitrine sobre a
importância do acervo”. Segundo ele, naquele momento de alguma forma ele sabia
da existência do banco de imagens, assim como outros professores do
Departamento de História, porém foi através das edições do JH, que com temáticas
variadas, conseguiu evidenciar a riqueza imagética do Foto Bianchi, sendo assim
tratado como um representante da memória local.
O envolvimento a priori ao ano de 2001 aponta outros caminhos sobre a
aproximação do DEHIS e sua participação efetiva no processo de transição e
organização deste patrimônio material para a Casa da Memória Paraná. Até o
momento da compra pela prefeitura e transferência, é possível afirmar que o DEHIS
esteve em contato com tal material, não apenas como fonte, mas pela aproximação
pessoal entre alguns professores com Raul Bianchi e o banco de imagens.
Este contato pessoal era decorrente das visitas realizadas com frequência por
interessados nas imagens. As visitas não eram públicas, pois o próprio Raul
restringia e escolhia quais pessoas poderiam ter acesso ao conjunto material, como
aponta o entrevistado, professor Leandro.
8 DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, 2001, p. 3.
Isto decorre de uma característica do Departamento naquele momento em
focar as pesquisas, projetos e produções para a memória local e regional. Neste
período observa-se que a produção bibliográfica dos professores departamentais era
quase exclusivamente dedicada a memória local, de forma individual ou coletiva.
Concomitantemente havia uma movimentação da esfera do poder público
municipal na busca de preservação da memória local, através dos patrimônios que a
representam. No que tange o poder público, havia juntamente uma manifestação
cultural em defesa do patrimônio que se figurou usando a causa e luta pela
permanência e restauro da Estação de Saudade, antiga estação ferroviária
construída nas décadas iniciais do século XX, sendo representante deste período da
cidade.
No cenário politico observa-se uma movimentação e olhar para o setor
cultural e patrimonial da cidade. Através do plano político do atual Deputado Federal
Péricles Holleben de Mello, que já enquanto vereador buscava “o resgate da
identidade local” 9.
Desta maneira a participação ativa desses profissionais, o departamento
representado por seus docentes, aparece “envolvido organicamente” com questões
políticas de preservação da memória local, que representado pelo movimento
Cidade Viva, tinha como objetivo a preservação da memória local através do
patrimônio material e imaterial, como afirma nosso entrevistado Marco Aurélio
Monteiro Pereira10.
Neste amplo campo de pesquisa vale ressaltar que o presente acervo passou
pelo processo de mudança de estatuto, ou seja, ele constituiu-se como banco de
imagem de uma empresa familiar e após sua compra pela prefeitura de Ponta
Grossa em 2001, o mesmo vem passando por tratamentos que buscam
compreendê-lo e apresentá-lo à sociedade como um patrimônio material e imaterial.
Em um primeiro momento é possível perceber a formação do acervo
enquanto produto e resultado do trabalho de três gerações de fotógrafos na cidade
de Ponta Grossa, ou seja, um acervo familiar de organização empresarial que
9 Fala de Péricles em uma entrevista concedida a nós no dia sete de agosto de dois mil dezesseis. 10 Professor adjunto do Departamento de História (DEHIS) qu participou ativamente do processo de compra instalação dos materiais na Casa da Memória Paraná, qual manteve uma estreita relação com Raul Bianchi neste período.
entendia o conjunto enquanto propriedade e de valor afetivo pessoal, como uma
memória particular, um reconhecimento de identidade familiar.
Apesar disso, era latente a necessidade de tornar esse banco de imagens
uma fonte histórica. O contexto, que é investigado nesta pesquisa, sugere ser
propício para que ocorresse o contato de professores e pesquisadores com o Raul
Bianchi, para que este material particular sofresse um processo que resultaria em
longo prazo na transferência desse material para a guarda pública.
O reconhecimento do meio acadêmico e politico do potencial documental
apresentado pelas fotografias trazem para a investigação duas questões que devem
ser analisadas, as condições físicas e acessibilidade.
Ambas se interligam de forma que uma é resultante de outra e vice-versa. Ao
pensar em acessibilidade de visitação ao documento, sendo ele uma fonte primária
é preciso considerar a sua integridade física. A preservação do conteúdo dos
documentos, especialmente da fotografia se dão de forma diferenciada. Sabe-se que
o tempo é um agente sem limites e que somado a condições que favoreçam a
degradação do material temos seu acesso comprometido.
Nessa inter-relação entre a estabilidade física e química das fotografias e o meio ambiente em que vivem, este último tem papel fundamental, podendo funcionar como agente acelerador ou retardador do processo e deterioração fotográfica. (FILIPPI; LIMA; CARVALHO, 2002 p. 17)
Apesar da acessibilidade do acervo em questão ter sido controlada pelo
proprietário, as condições do espaço físico dificultavam em preservar a qualidade do
material que estava a se perder e que, de fato, foi perdido em partes. Como aponta
Carmencita, Raul tinha consciência disso: “ele achava que o acervo deveria ser
preservado, que ele tinha uma boa parte da história da cidade, que não havia outro
acervo igual [...] e que era interessante para o município”.
Considerando que o fotógrafo tinha a intensão de preservar, ele sabia que
deveria vender, pois não tinha recursos financeiros para proporcionar as condições
adequadas para a manutenção e organização de seu banco de imagens, sendo o
único da família a ter contato efetivo com o material. Somando essas condições ao
fechamento do ateliê fotográfico e as relações pessoais e profissionais de Raul
Bianchi com a comunidade pontagrossense, tais aspectos podem ser apontados
para o entendimento da venda.
De fato, a condição de guarda não era adequada. Segundo Adreane11 “dava
para perceber que estava chovendo em cima, tinha insetos dentro andando pelos
negativos, um grande número de negativos sem caixas, soltos, avulsos“. Uma parte
da quantidade de negativos se perdeu, devido às dificuldades encontradas por Raul.
Deste modo a venda deste conjunto documental para a prefeitura significou a
priori em um ganho para ambas as partes, pois todos estavam focados no interesse
de preservar a memória visual e a história da família Bianchi. Desta forma, a partir
desse novo estatuto, se iniciou algumas práticas de pesquisa na área de
preservação, conservação, história, artes e cultural sem deixar de lado o
desenvolvimento da educação da cultura visual na comunidade.
Os resultados positivos dessa mudança de estatuto foram vistos em
publicações e pesquisas que ocorreram logo após sua aquisição como a trilogia
Visões de Ponta Grossa12, a dissertação de mestrado aqui citada de Francileli
Lunelli Santos e a obra Espaço e Cultura: Ponta Grossa e Campos Gerais13. Além
disso, desde 2014 o Acervo Foto Bianchi tem funcionado como palco de diferentes
ações, coordenadas sob a perspectiva de pesquisas de iniciação científica, projeto
de extensão, exposições, palestras e cursos com o objetivo principal de preservar,
conservar pesquisar e divulgar este patrimônio material.
Considerações Finais
Com as entrevistas realizadas, podemos apontar alguns dos fatores que
rodeiam a discussão sobre a negociação de compra e venda. A compra era um
interesse compartilhado da Prefeitura com o Departamento de História da
Universidade Estadual de Ponta Grossa e a venda interesse de Raul, pois este
enxergava na prefeitura o meio que possibilitaria a preservação e divulgação das
fotos como desejava.
Nesta pesquisa defendemos que a aquisição do banco de imagens e a
constituição do Acervo Foto Bianchi de caráter público é resultante de uma junção
de fatores externos à qualidade do acervo em questão. Foi possível perceber que a
11 Atuou como estagiária durante o processo de acomodação e tratamento dos negativos já na Casa da Memória pelo período de oito anos, de 2001 á 2009. 12 Organizados e produzidos pelo DEHIS e publicados pela Editora UEPG 13 Organizado por Carmencita H. Mello Ditzel e Cecilian Luiza Sahr.
aproximação do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta
Grossa com as questões latentes na cidade, assim como a relação com o poder
público, adentrando e participando de secretarias e conselhos favoreceram a
efetivação da compra e quiçá a formação de um acervo público de tamanha
importância, pois foram estes os negociadores e intermediadores entre as
exigências de Raul e as condições da prefeitura.
Juntamente a estes apontamentos, é preciso evidenciar a participação ativa
de Raul Bianchi em todo o processo, antes – durante – depois da compra, pois seu
interesse em vender dizia respeito ao anseio pela perpetuação da memória de sua
família e da cidade. Logo, podemos com clareza afirmar que o envolvimento deste
fotógrafo em todas as esferas do processo, especialmente no pós-venda representa
o apego emocional e a preocupação com a destinação do conjunto dos negativos,
buscando sempre supervisionar os trabalhos cotidianamente.
As condições sociais, culturais e especialmente politicas daquele momento
favoreceram para a concretização da compra e a construção do Acervo Foto
Bianchi, considerado de imensurável valor histórico. A frase do professor Marco
Aurélio Monteiro Pereira é enfática: “Eu creio que em outro momento aquilo se
perderia de qualquer maneira.”.
Referências
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