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Resumo O DUPLO de Otto Rank Cap. 1 Introdução Descrição e breve análise de O Estudante de Praga, filme de Hans Heinz Ewers. Supõe-se que a “ideia fundamental” seja que o passado de um individuo está indissoluvelmente ligado a este, a ponto de se converter em seu destino, tão logo tente dele se livrar . Por que o estranho duplo precisa incomodar justamente “todas as horas de doce convívio” com a amada e só se torna visível para ela e para o próprio herói? E ele aparece entre eles de uma forma ainda mais assustadora, quanto mais intenso quer se revelar o amor. O herói se revela incapaz para o amor e por seu próprio Eu personificado é impedido de amar a mulher. Para avaliar o significado desse problema fundamental para a compreensão da peça, deve-se esclarecer como esses temas primitivos ganharam uma forma poética em alguns escritores que se preocuparam especialmente com o assunto. Eles retomam o problema essencial do Eu. Cap. 2 Elementos centrais das principais obras

Resumo o Duplo de Otto Rank

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ResumoO DUPLO de Otto Rank

Cap. 1Introduo

Descrio e breve anlise de O Estudante de Praga, filme de Hans Heinz Ewers.Supe-se que a ideia fundamental seja que o passado de um individuo est indissoluvelmente ligado a este, a ponto de se converter em seu destino, to logo tente dele se livrar. Por que o estranho duplo precisa incomodar justamente todas as horas de doce convvio com a amada e s se torna visvel para ela e para o prprio heri? E ele aparece entre eles de uma forma ainda mais assustadora, quanto mais intenso quer se revelar o amor. O heri se revela incapaz para o amor e por seu prprio Eu personificado impedido de amar a mulher. Para avaliar o significado desse problema fundamental para a compreenso da pea, deve-se esclarecer como esses temas primitivos ganharam uma forma potica em alguns escritores que se preocuparam especialmente com o assunto. Eles retomam o problema essencial do Eu.

Cap. 2Elementos centrais das principais obras

Hoffmann o criador clssico do duplo, que um dos motivos mais populares da literatura romntica. Quase nenhuma das suas numerosas obras est totalmente livre de aluses a esse tema, e muitas das suas obras significativas so dominadas por ele. Influencia exercida por Jean Paul, no auge da fama na poca, e que introduziu o motivo do duplo no romantismo. Siebenks, Tit, entre outros de Jean Paul.Descrio do conto A Histria do Reflexo Perdido e a contrapartida existente famosa A Histria Maravilhosa de Peter Schlemihl, de Adelbert Von Chamisso. Assim como ocorre com Balduin e Spikher (A histria do reflexo perdido), a venda da sombra de Schlemihl configura o pacto diablico da venda da alma, e aqui tambm o heri encontra zombaria e o desprezo do mundo. A catstrofe tambm causada pela relao com uma mulher. A loucura que se mostra abertamente em Balduinem consequncia da catstrofe , no caso de Spikher e Schelmihl (que ao fim conseguem se livrar do mal), aludida apenas passageiramente.Dessas relaes, resulta a equivalncia entre o reflexo e a sombra, as duas como imagens iguais opondo-se ao Eu, corroborada posteriormente por outros aspectos. Descrio do conto A Sombra de H. C. Andersen, que um entre vrios sucessores de Peter Schlemihl. Esse conto, escrito em oposio consciente histria de Peter Schlemihl, liga o tema das graves consequncias da ausncia de sombra com aquele da perda da imagem em O Estudante de Praga. Tambm no conto de Andersen no se trata apenas de uma ausncia, mas sim da perseguio pelo duplo, tornado independente, que sempre e em toda a parte vem perturbar a vida do Eu. Descrio do poema Anna de Lenau, Conto de Fadas de Goethe, A Sombra de Mrike, Minha Sombra de Robert Louis Stevenson.Diferem das representaes do tema at agora vistas, nas quais o sinistro duplo claramente uma ciso tornada independente e visvel do Eu (sombra, reflexo), aquelas cujas personagens propriamente duplas cruzam o caminho umas das outras como pessoas reais e corpreas de extraordinria semelhana fsica. Descrio de Os Elixires do Diabo de Hoffmann. Quadro paranoico: manias de perseguio, erotomania associada figura da amada, desconfiana e egosmo. Rivalidade em torno da mulher amada. Tambm existem espelhos rejuvenecedores e envelhecedores (de forma semelhante, tambm retratos cujos traos verdadeiros s podem ser percebidos com uma determinada lupa). Personagens que mandam cobrir espelhos por motivos opostos, um porque no quer encarar seu reflexo e o outro pela ausncia deste. Tambm h espelhos deformadores.Descrio de O Rei dos Alpes e o Inimigo dos Homens, de Ferdinand Raimund. O duplo representado pelo esprito dos Alpes objetivado. O impulso de se livrar do sinistro adversrio de forma violenta faz parte dos traos essenciais do motivo, e quando se cede a esse impulso fica patente que a vida do duplo est intimamente ligada da prpria pessoa. Este fundamento misterioso do problema torna-se, a hiptese consciente do experimento. Em Raimund, antes do duelo o heri lembra-se desta condio: nos dois temos somente uma vida. Se eu o matar a tiros, eu mato a mim mesmo, ento ele cai sem sentidos, acordando curado. Ainda que o tema do envelhecimento tenha uma relao interessante com a questo do dinheiro (que aqui no considerada), alguns laos com o problema do duplo tambm podem ser investigados. Oscar Wilde e O Retrato de Dorian Gray. Assim como a maioria dos apaixonados, Dorian perde a confiana no seu prprio Eu ao amar uma mulher. A partir da, o retrato, que constantemente envelhece e denuncia as marcas do passado, fica como a conscincia visvel de Dorian. Ele ama a si mesmo alem de todas as medidas, mas aprende a detestar sua prpria psique, e tapa e esconde o retrato que lhe infunde medo e pavor, contemplando apenas em momentos excepcionais de sua vida e comparando-o com seu reflexo eternamente imutvel. Averso a si mesmo e ao seu passado insuportvel. Descrio de Ratcliff, de Heine, porque o duplo no aparece como antagonista corpreo, mas de uma forma mais interiorizada. Se antes tratava-se ou de um duplo corpreo, que acabava desembocando na mais distante comedia de erros, ou de uma imagem idntica desprendida do Eu e tornada independente (sombra, reflexo, retrato), agora nos deparamos com a forma de expresso de representao oposta da mesma constelao psquica: so representadas, a saber, duas existncias diferentes da mesmssima pessoa, separadas pela amnsia. So casos de conscincia dupla.Descrio dos contos de Guy Maupassant, O Horl e Ele?. O protagonista de O Horl duvida que o duplo possa ser destrudo e v o suicdio como nico caminho seguro para a libertao. A morte destinada ao duplo atinge aqui tambm a prpria pessoa. Descrio de A Noite de Dezembro de Musset. No fim, a apario do duplo entendida como solido. Por mais que primeira vista possa parecer estranho que a solido, do mesmo modo que em Maupassant, seja sentida e representada como a companhia incmoda de um outro, ele acentua o que tambm Nietzsche dizia a irmandade com o prprio Eu, que se objetiva como um duplo. Uma representao da matria do duplo que serviu de modelo para alguns artistas posteriores foi dada por Edgar Allan Poe em seu conto William Wilson. Descrio de O Duplo de Dostoivski. Apresenta a manifestao de uma perturbao mental em uma pessoa, que no o percebe e interpreta todas as suas experincias desagradveis como perseguies de seus inimigos. Forte ponto de vista da vtima da loucura. Medo da morte moral. Grande catstrofe ligada a uma mulher. Todas essas narrativas apresentam, independentemente das figuras de duplo plasmadas na forma de diferentes tipos, uma serie de motivos to notavelmente anlogos que parece ser quase desnecessrio salient-los novamente. Sempre se trata se uma imagem idntica a do protagonista, at nos mnimos traos, como nome, voz e indumentria, que, como se roubada do espelho (Hoffmann), geralmente aparece para o protagonista em um espelho. Esse duplo tambm sempre lhe atrapalha a vida, e, via de regra, a relao com a mulher vira uma catstrofe, que pode acabar em suicdio como consequncia indireta da morte planejada para o perseguidor incmodo. Em uma poro de casos, isso de confunde com uma autntica mania de perseguio, ou mesmo substitudo por ela, que ento representada como um consumado sistema delirante paranoico. A presena desses traos gerais, tpicos em uma serie de autores, no deve tanto evidenciar sua interdependncia literria (que to certa em alguns casos como impossvel em outros) quando chamar a ateno para a estrutura psquica idntica desses escritores, que agora iremos examinar mais de perto.

Cap. 3Estrutura psquica profundamente interessada no motivo do duplo

Interessa-nos aqui averiguar somente um determinado aspecto da constituio psquica dos autores em questo para comprovar as convergncias vastamente constatadas das quais resultam as mesmas reaes psquicas. O que mais chama a ateno que esses autores foram verdadeiras personalidades patolgicas, que excederam em vrios sentidos o limite de neurose normalmente admitido para artistas.E. T. A. Hoffmann Tinha uma me histrica. Era nervoso, excntrico e suscetvel a instabilidades emocionais. Sofreu de alucinaes, delrios e ideias fixas. Tinha medo de enlouquecer. Constituio neuropatolgica relacionada paralisia. Jean Paul Medo de enlouquecer. Condies desfavorveis na famlia. Medo da ideia do prprio Eu.Edgar Allan Poe Vida excntrica. Perdeu os pais quando era criana. Perdeu a primeira esposa. Era alcolatra e usurio de pio. Ataque de delirium tremens. Fobias e obsesso neurtica compulsiva. Assexual. Egocntrico. Guy de Maupassant Me histrica. Galanteador. Sofria de paralisia progressiva. Usurio de drogas. Sofria alucinaes e iluses. Representou em obras seu delrio de perseguio e de grandeza. Tentou suicdio. Lutava bravamente contra um inimigo interior. Egocntrico. Muito solitrio, apesar de tentar suprir isso atravs de aventuras sexuais. Egosmo presunoso = incapacidade do amor sexual.Deve-se considerar o fato de que muitos dos poetas e escritores comentados aqui morreram de graves doenas nervosas ou mentais, como Hoffmann, Poe, Maupassant, mais tarde, Lenau, Heine e Dostoivski. Vrios tambm sentiram o dualismo enraizado no sentir e pensar de forma precoce, como em Musset, Heine, Jean Paul e outros.Lenau instvel, entediado, depressivo e soturno.Heine sofria de instabilidade emocional e estados neurticos.Entre os escritores com problemas patolgicos, h dois que apresentam sintomas neurticos extremamente graves.Ferdinand Raimund forte instabilidade emocional, melancolia e hipocondria que o levaram ao suicdio. Desde adolescente, demonstrou alta irritabilidade, acessos de raiva, desconfiana, alem de tendncias e tentativas suicidas. Grave depresso ao longo dos anos. Serie de historias de amor malsucedidas. Sentia em seu intimo que era culpa sua, que era incapaz de amar. Medo de enlouquecer. Dostoievski Epiltico. Excntrico, extremamente desconfiado e ofendido. Tinha ataques com frequncia. Doena melhorou durante exlio. Sofrimento histrico. Aps ataques, sentia-se muito deprimido e culpado. Medo de enlouquecer. Possua enorme autoestima e autovalorizao. Ambicioso. Parentesco psicolgico estreito das personalidades delineadas to evidente que, para recapitulao, basta, de certa forma, destacar a estrutura bsica. A propenso patolgica e distrbios mentais e psquicos causa uma enorme ciso da personalidade com uma maior acentuao do Eu-complexo, que corresponde a um interesse anormalmente forte pela prpria pessoa, pelos seus estados psquicos e seu destino. Esse comportamento leva a um tipo de relao caracterstica, j descrita, com o mundo, com a vida e, principalmente, com o objeto afetivo para o qual no encontrada uma relao harmoniosa. A incapacidade direta de amar ou uma ansiedade afetiva extremamente alta caracterizam dois polos desse posicionamento radical em relao ao prprio Eu.

Cap. 4Tradies etnogrficas, folclricas e mitolgicas

A crena na sombra como um esprito protetor est intimamente relacionada com a duplicidade. Rochholz considera que a significao primitiva da crena era benfica, e que teria mudado gradualmente, reforada pela crena no alm, para uma significao desfavorvel: a morte. Assim sendo, a sombra do homem que, durante a sua vida, era um esprito enviado para proteg-lo, se transforma em um fantasma assustador que o persegue e vitima at a morte. As supersties e medos relacionados sombra, que encontramos entre os povos civilizados do nosso tempo, tm seu correspondente em inmeras proibies (tabus) relativas sombra difundidas entre os povos primitivos. O princpio de que cada dano infringido sombra atinge tambm seu dono, abre-se naturalmente um vasto campo para a feitiaria e a magia. amplamente difundida e conhecida desde a antiguidade a tentativa de aniquilar pessoas ferindo seus duplos (representaes). A sade das pessoas tambm estava relacionada sombra, principalmente de acordo com o seu tamanho. Opostas s concepes de morte ainda que menos difundida est a ideia de fertilidade. Sombras que diminuem e crescem tambm esto relacionadas virilidade e representao simblica da potncia masculina. A sombra tambm assumiu significado de sorte e boa fortuna, que eram, originalmente, smbolos de fertilidade. Nessa configurao do motivo do duplo, assim como em outras, o tema da impotncia recebe um foco especial, por ser, muitas vezes, a motivao direta para a troca de formas envolvendo o rejuvenescimento. Sendo assim, a falta de sombra pode ser interpretada como impotncia ou castrao. Voltando para o problema mais amplo da imagem transformada de esprito protetor em conscincia que persegue e atormenta; os folcloristas, unanimemente, destacam a sombra como equivalente da real essncia da alma do ser humano. Da deriva tanto o particular respeito que dedicado a ela, os tabus e crendices a ela relacionados, quanto o medo de transgredi-los, j que o ferimento, o dano ou a perda da sombra so seguidos de morte. Assim a sombra, inseparvel da pessoa, torna-se uma das primeiras corporificaes da alma humana.A primeira concepo de alma dos povos primitivos, tambm a mais importante para a histria da humanidade, a dos espritos dos mortos, que na maioria dos casos so imaginados como sombras. J que as almas dos mortos so sombras, elas mesmas no produzem sombras. De acordo com muitos autores, a observao de que os corpos dos mortos (deitados) j no tm mais sombra o que teria contribudo para a aceitao de que a alma foge na sombra.Negelein, por meio de um vasto material folclorstico de varias civilizaes, mostrou que as ideias e os ritos supersticiosos originrios da imagem do espelho assemelham-se em todos os seus pontos principais. Aqui tambm est em primeiro plano o medo da morte e da desgraa. No se permitia colocar um cadver frente a um espelho ou olh-lo atravs de um espelho, pois, do contrario, apareciam dois cadveres, e o segundo atrairia uma outra morte. Tambm h o costume de cobrir os espelhos, j que a alma do falecido est no espelho e pode ento se tornar visvel sob certas circunstancias ou ficar presa ali. Outras ideias se relacionam s proibies de olhar para o espelho durante a noite, pois, quando se faz isso, perde-se o prprio reflexo. Por motivos semelhantes, a imagem do espelho agourenta para pessoas doentes ou fracas.Segundo Negelein, faz parte da crena no duplo a convico de que o espelho revela coisas ocultas. Assim como a sombra, os selvagens veem uma corporificao da alma no vidro, na gua ou na reproduo da imagem em retrato, a que tambm esto relacionados muitos tabus. Por motivos semelhantes, o medo do retrato e da fotografia da prpria pessoa comum em todo o mundo. Esse medo da prpria imagem, por motivo da crena na alma, se estende a qualquer tipo de figurao. Aqui se incluem as interessantes tradies mitolgicas que mostram o efeito fertilizador em supersties com o espelho, como por exemplo, o mito de Dionsio. Os dois lados da crena nos efeitos oriundos da contemplao do espelho, o nocivo e o ertico, unem-se em uma sntese singular na conhecida historia de Narciso. No podemos ter certeza, como Frazer sustenta, de que a historia de Narciso tenha sido, a principio, apenas uma expresso potica da superstio de que o jovem morreria caso visse sua imagem (o seu duplo) refletida na gua, e que a paixo pela prpria imagem, que constitui a essncia da lenda de Narciso, s foi utilizada para esclarecimento, mais tarde, quando este sentido original j no era mais conhecido.

Cap. 5Amor e Morte

A psicanlise no pode considerar como mera coincidncia o fato de que o significado da morte do duplo aparea intimamente ligado ao significado narcisista tanto na lenda grega como em outros lugares. A tendncia geral de eliminar a ideia da morte, especialmente dolorosa para a autoestima, corresponde as frequentes ideias de compensao eufemstica, que, nas supersties, vo gradualmente sobrepondo o significado original da morte. Freud demonstrou que essa tendncia motivada por um compreensvel desejo de compensao, utilizando um equivalente o mais distante e agradvel possvel. Esse desenvolvimento do tema no arbitrrio, mas sim recorre a uma identidade antiga e original dessas duas figuras (morte e amor), que conscientemente se baseia na superao da morte atravs de uma nova gerao e encontra sua base mais profunda no relacionamento com a me. O fato de que o significado da morte do duplo igualmente tende substituio pelo significado do amor deduz-se das verses tradicionais obviamente tardias, secundarias e isoladas. Podemos reconhecer um indicio do narcisismo que interfere na escolha do ser amado. Aqui, no entanto, junto a essa paixo claramente narcisista (do amado que se parece consigo mesmo), aplica-se tambm, claramente, essa concepo da morte, que coloca, sem dvida, a ntima associao e relao de ambos complexos. Junto ao medo e ao dio frente ao duplo, a paixo narcisista pela prpria imagem e ego aparece pronunciada mais claramente em O Retrato de Dorian Gray, que simultaneamente se apaixona pela prpria imagem e acometido pelo medo de um dia tornar-se velho e diferente do que agora, o que est intimamente ligado ideia da morte.Quanto mais Dorian abomina sua imagem, que se torna velha e feia, mais intenso se torna seu amor a si mesmo. Essa atitude ertica em relao ao prprio eu, entretanto, s possvel porque os sentimentos de defesa podem ser descarregados no odiado e temido duplo. O Narciso ambivalente com relao ao seu ego, pois alguma coisa nele parece se opor ao amor exclusivo a si mesmo. A forma de defesa contra o narcisismo se manifesta primeiramente de duas maneiras: pelo medo e pela averso ante a prpria imagem no espelho e, mais frequentemente, pela perda da sombra ou da respectiva imagem no espelho. Nesse ultimo caso, entretanto, no h perda, mas, ao contrrio, um fortalecimento, uma independncia, um tornar-se superior, que novamente s prova o excessivo interesse no prprio eu. Assim se explica a aparente contradio de que a perda da sombra ou da imagem no espelho possa ser apresentada como perseguio da mesma, como representao pelo oposto, baseada no regresso do reprimido represso. Esse mesmo mecanismo de defesa ocorre quando a perseguio pelo duplo, frequentemente ligada ao desfecho na loucura, quase sempre leva ao suicdio. As representaes literrias do motivo do duplo, que descrevem o delrio persecutrio, no apenas confirmam a concepo freudiana da disposio narcsica como origem da paranoia, mas tambm reduzem, com uma clareza rara vezes alcanada pelos doentes mentais, o perseguidor principal ao prprio eu, na pessoa inicialmente mais amada, contra a qual se dirige agora a defesa. Relacionada perseguio paranoica, h ainda outro tema, que merece maior destaque. Sabemos que a pessoa do perseguidor representa muitas vezes o pai ou o seu substituto, frequentemente identificado como o irmo. O fato de que os escritores, que preferem o motivo do duplo, tambm tinham que lutar com o complexo fraternal, deriva do tratamento dado rivalidade entre irmos em outras de suas obras.Jean Paul em Flegeljahre [Mocidade], Maupassant em Pierre et Jean, Dostoievski em Os irmos Karamzov, etc. Na verdade, o duplo, objetivamente, o arqutipo de seu rival em tudo, mas principalmente na questo amorosa, e essa afeio se deveria, em parte, identificao com o irmo. A competitividade fraterna, figurada na atitude contra o odiado rival, pelo amor da me, torna um pouco mais compreensvel o desejo de morte e o impulso assassino contra o duplo, embora o significado do irmo nesse caso no esgote a compreenso. O tema dos irmos no apenas a raiz da crena no duplo, mas somente uma interpretao embora bem determinada do primeiro significado no duvidoso e puramente subjetivo do duplo. Esse significado no suficientemente explicado na constatao psicolgica de que o conflito mental cria o duplo, o que corresponde a uma projeo do conflito interno, e sua realizao, uma libertao interior, que traz consigo um alivio, embora custa do medo do confronto. O medo cria, a partir do complexo do ego, o assustador espectro do duplo, que torna reais os desejos secretos e sempre reprimidos de sua alma. Alm da constatao desse significado formal do duplo, vm tona os problemas verdadeiros, que incidem sobre a compreenso da situao psicolgica e da atitude de criar a diviso interna e a projeo. O sintoma mais evidente desse estado psquico parece ser um forte senso de culpa que obriga o heri a no assumir a responsabilidade de certos atos do seu ego, mas sim transferi-la a um outro Eu, um duplo, que personifique o prprio diabo ou que seja criado por um pacto diablico. Essa personificao dissociada dos impulsos e inclinaes tidos antes como reprovveis, mas que nessa maneira indireta podem ser satisfeitos irresponsavelmente, aparece em outras realizaes do tema como um alerta benfico (William Wilson), que diretamente abordada como a conscincia do homem (O Retrato de Dorian Gray e outros). Esse sentimento de culpa, que tem diferentes fontes, prescinde, como Freud apontou, por um lado, da distancia entre o Eu-ideal e a realidade alcanada, por outro lado, alimentado por um poderoso medo da morte e cria violentas tendncias de autopunio, que tambm condicionam o suicdio. Um motivo que revela uma conhecida relao do medo da morte com a atitude narcisista o desejo de permanecer jovem para sempre. Por um lado, representa a fixao libidinosa do individuo em um estgio especifico do desenvolvimento do Eu, por outro, expressa o medo do envelhecimento, por trs do qual est o medo da morte. Assim declara Dorian Gray quando perceber que envelheo, hei de matar-me!. Isso nos leva importncia do suicdio ao qual so levados os heris perseguidos pelo seu duplo. Desse tema aparentemente to contraditrio do alegado medo da morte, pode-se mostrar, precisamente a partir de seu uso particular nesse contexto, sua estreita relao com o medo de morrer, mas tambm com o narcisismo. Esses heris e seus autores ainda que tenham tentado ou praticado o suicdio no temem a morte, mas a expectativa do destino da morte inevitvel insuportvel para eles. A percepo, geralmente inconsciente, da anulao iminente do ego o exemplo mais comum de represso de um conhecimento insuportvel , atormenta esses infelizes com a ideia consciente de que nunca retornaro, e da qual s possvel libertar-se na morte. Assim se chega ao estranho paradoxo de que, para se libertar do insuportvel medo da morte, o suicida a procura voluntariamente. Pode-se argumentar que o medo da morte seja simplesmente expresso de um impulso excessivamente forte de autopreservao, que no quer abdicar de sua satisfao. Certamente o medo justificado da morte tem sua raiz mais profunda no instinto de autopreservao cuja maior ameaa a morte. Mas essa motivao no o suficiente para afastar o medo patolgico da morte que, em certas circunstancias, conduz diretamente ao suicdio.Essa constelao neurtica, em que o material a ser reprimido e contra o qual o individuo se defende acaba se realizando, vem a ser um conflito complexo, na qual esto envolvidos, alm das pulses de autopreservao do ego, tambm os impulsos libidinosos, que se racionalizam simplesmente nas ideias conscientes do medo. Sua parte inconsciente nos esclarece plenamente o medo patolgico que surge aqui, atrs do qual podemos esperar um tanto da libido reprimida. Acreditamos possvel reconhecer esse elemento, junto com outros fatores j conhecidos, no narcisismo intensamente ameaado pela ideia da morte assim como os puros instintos do ego , e que reage com o medo patolgico da morte e suas eventuais consequncias. Como prova de que os puros interesses da autopreservao tambm no explicam satisfatoriamente o medo patolgico da morte, para outros observadores, podemos citar o depoimento de um pesquisador totalmente imparcial em termos psicolgicos. Spiess, de cujo trabalho recolhemos alguns indcios, da opinio de que o horror do homem ante a morte no vem apenas do amor natural vida, o que ele explica com as seguintes palavras:No uma afeio pela existncia terrena; pois o homem muitas vezes a odeia... No, o amor sua prpria personalidade, que se encontra na sua posse consciente, o amor a si mesmo, ao Eu central de sua individualidade, que o amarra vida. Esse amor-prprio um elemento indissocivel do seu ser; nele est arraigado e fundamentado o instinto de autopreservao, e a partir da surge o anseio profundo e tremendo de escapar da morte, da imerso no nada, e a esperana de acordar novamente para uma vida nova e uma outra era de desenvolvimento. O pensamento de perder a si mesmo to insuportvel para o homem, e esse pensamento o que torna a morte to terrvel... Censura-se esse desejo esperanoso sempre como vaidade infantil, delrio ridculo de grandeza; e ele vive em nosso corao, afeta e governa os nossos pensamentos e desejos.O assassinato frequente do duplo, atravs do qual o heri procura se proteger definitivamente das perseguies do seu ego, na verdade um suicdio e isso sob a forma indolor de matar um outro Eu: uma iluso inconsciente de separao de um Eu mau, punvel, que, alis, parece ser uma condio prvia de qualquer suicdio. O suicida no capaz de eliminar o medo da morte decorrente da ameaa ao seu narcisismo atravs de uma anulao direta. Ele recorre apenas a uma possvel libertao, o suicdio, mas incapaz de realiz-lo de outra forma que no a do fantasma de um temido e odiado duplo, porque ele ama demais o seu Eu para causar-lhe dor, ou para admitir a ideia de sua eliminao na prtica. Nesse significado subjetivo, o duplo se revela como manifestao de um estado psicolgico do qual o indivduo no pode libertar-se daquela fase do desenvolvimento em que o eu se ama narcisisticamente. Ele volta a confront-lo sempre, em todos os lugares, e inibe suas aes em uma determinada direo. Aqui a representao alegrica do duplo, como uma parte indissocivel do passado, recebe um significado psicolgico. O que prende a pessoa ao passado fica claro e o porqu disso assumir a forma do duplo fica evidente. Parece que o desenvolvimento da crena primitiva na alma, nas condies psicolgicas estabelecidas aqui, anlogo ao material patolgico, o que poderia ser novamente confirmado em Alguns pontos de concordncia sobre a vida mental dos selvagens e dos neurticos. Esse fato tambm tornaria compreensvel a repetio das condies primitivas nas representaes mticas e artsticas posteriores sobre o tema, com nfase especial nos fatores libidinosos, ainda no claramente destacados na historia primitiva, permitindo, no entanto, inferncias sobre os fenmenos primrios no visveis. Ao assinalar a viso animista do mundo baseada na onipotncia do pensamento, Freud possibilitou-nos pensar no homem primitivo e na criana como uma estrutura psquica requintadamente narcsica. As teorias narcsicas sobre a criao do mundo apontam, de forma semelhante aos posteriores sistemas filosficos baseados no Eu, para o fato de que o ser humano, inicialmente, apenas logra perceber a realidade que o cerca como reflexo ou parte de seu Eu. Da mesma forma, Freud observou que a morte, a inexorvel Ananke, que se ope ao narcisismo do homem primitivo e o fora a ceder uma parte da sua onipotncia aos espritos. A prova para a crena de que o Eu em movimento ainda exista mesmo aps a morte pode ter sido criada pelo homem a partir da experincia dos sonhos. Mas a ideia de um duplo misterioso durante a vida somente pode ter surgido a partir da sombra da imagem do espelho. Comprova-se aqui com clareza, que o narcisismo primitivo, sentindo-se ameaado pela inevitvel anulao do eu, criou como primeira representao da alma uma imagem o mais idntica possvel ao Eu corpreo, portanto, um verdadeiro duplo. Assim a ideia da morte desmentida atravs de uma duplicao do Eu que se corporifica na sombra ou no reflexo. Ao falar de um monismo primitivo de corpo e alma, Negelein quer dizer que, originalmente, a concepo de alma corresponde de um segundo corpo; e cita como evidencias para isso o fato de que entre os egpcios se produziam copias dos mortos para proteg-los da destruio eterna. A concepo de alma, portanto, tem uma origem material. Mais tarde, com o aumento da experincia do real, o homem, que no quer reconhecer a morte como uma aniquilao eterna, busca refugio numa concepo imaterial. Para o homem primitivo como para a criana o bvio que ele continue a viver para sempre, e a morte interpretada como um acontecimento antinatural, que causado por magia. Somente com a percepo da morte e do medo de morrer, decorrente do narcisismo ameaado, aparece o desejo de imortalidade, o que traz de volta a crena ingnua original na vida eterna, numa acomodao parcial para a agora percebida experincia da morte. Assim tambm a crena primitiva nas almas, originalmente, nada mais que uma forma de crena na imortalidade, que nega energicamente o poder da morte; e ainda hoje a substncia essencial da crena na alma como aparece na religio, na superstio e no culto moderno no se tornou nada mais, nem nada diferente. O pensamento da morte se torna suportvel pelo fato de que se assegura, aps esta vida, uma segunda em um duplo. O primitivo, assim como o neurtico, evidencia esse medo, por assim dizer, normal, que evolui para um estado patolgico, que no se explica a partir de experincias reais de terror. Vimos que o interesse libidinal, que contribui aqui, deriva da intensiva ameaa ao narcisismo, que luta contra a aniquilao total do ego bem como contra a sua dissoluo no amor sexual. O narcisismo primitivo que se revolta contra a ameaa, mostram claramente as reaes em que vemos o narcisismo ameaado com maior intensidade se afirmar: quer sob a forma de amor-prprio patolgico como no mito grego ou em Oscar Wilde, quer sob a forma de defesa patolgica, muitas vezes com um medo do prprio eu, que aparece personificado na sombra perseguida, na imagem do espelho ou no duplo, que leva loucura paranoica. Por outro lado, no mesmo fenmeno de defesa retorna a ameaa da qual o individuo quer se defender e contra a qual quer se afirmar. Por isso, o duplo personificado no amor-prprio narcisista torna-se rival no amor sexual; ou ainda, tendo sido criado originalmente como uma defesa contra o desejo da temida destruio eterna, reaparece na superstio como um mensageiro da morte.