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Como Minipúblicos e a construção de cenários de investimento podem aproximar os governantes dos cidadãos, gerar consensos e facilitar a tomada de decisões complexas sobre a aplicação de recursos públicos (RE)UNINDO A OPINIÃO CIDADÃ E O PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL

(RE)UNINDO A OPINIÃO CIDADÃ E O PLANEJAMENTO …

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Como Minipúblicos e a construção decenários de investimento podem aproximaros governantes dos cidadãos, gerarconsensos e facilitar a tomada de decisõescomplexas sobre a aplicação de recursospúblicos

(RE)UNINDO AOPINIÃO CIDADÃ EO PLANEJAMENTOGOVERNAMENTAL

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Coordenação Executiva do Projeto (Re)age SPCarolina GuimarãesFabiana Tock Igor Pantoja Pedro Marin

Realização – Etapa 3 (Minipúblicos)Ana Lúcia LimaAndrelissa RuizBruno BorgesCarolina NascimentoFernanda Império LimaFernando Tulio Rocha FrancoFlávio SoaresHarika MaiaJennifer LinharesJoyce CorreiaMarcelo RibeiroMárcio BlackMarisa VilliSílvia CervelliniVanderlei Egídio

ComunicaçãoFernanda Nobre e Luanda Nera

Coordenação Editorial e TextosMargarida Gorecki

Projeto Gráfico: Mariana Rufino

Revisão: Lupa Texto

Rua Jerônimo da Veiga, 164 04536-001 – São Paulo – SP Tel. (11) 3467-7240 www.fundacaotidesetubal.org.br

Superintendente: Mariana Almeida

Alameda Santos, 1.787, conj. 91 01419-002 – São Paulo – SP Tel. (11) 3894-2400 www.nossasaopaulo.org.br

Diretor-presidente: Jorge Abrahão

[email protected] Tel. (11) 94532-4019www.deliberabrasil.org

As democracias funcionam melhor quando adotam diferentes estratégias para ouvir a voz do cidadão. Mas, atualmente, essa não tem sido uma missão fácil. Se por um lado as redes sociais levaram o eleitorado praticamente para dentro dos gabinetes, tornando mais fácil mensurar opiniões e conquistar apoiadores, por outro a opinião pública passou a oscilar em decorrência de notícias falsas, polarização e da descrença nas informações fornecidas pela mídia e por especialistas, bem como nas próprias instituições e na classe política.

Nesse contexto de descontentamento com o modelo vigente de democracia, estudos1 têm apontado para novas formas de envolver pessoas comuns no processo de tomada de decisão como inovações potentes, não apenas para a criação de políticas públicas melhores, mas também para abordar questões complexas de forma eficaz e duradoura por meio do diálogo. Aqui falaremos mais sobre uma dessas inovações políticas, que pode ser útil para auxiliar o planejamento do orçamento municipal e contribuir com a redução das desigualdades, os Minipúblicos.

Esta publicação foi criada como um registro que busca consolidar a metodologia de deli-beração participativa que faz parte do projeto (Re)age SP – Virando o Jogo das Desigualdades na Cidade. Esta é uma iniciativa da Rede Nossa São Paulo e Fundação Tide Setubal para a transformação de São Paulo em uma cidade mais justa, com uma visão de longo prazo ba-seada em planos setoriais2 já existentes e aprovados. Parte importante dessa ação consiste na realização de um projeto-piloto em duas subprefeituras do município de São Paulo: uma consulta qualificada de um grupo representativo da população local sobre o planejamento orçamentário quadrienal. Essa etapa do projeto conta com a atuação do coletivo Delibera Brasil, na aplicação da metodologia dos Minipúblicos, e um conjunto de especialistas em políticas públicas e desenvolvimento urbano. Aqui pretendemos ir além, propondo o uso dessa metodologia como um caminho para aproximar cidadãos comuns das decisões sobre assuntos de interesse público e estabelecer um diálogo com as instâncias dos poderes Exe-cutivo e Legislativo.

1 OCDE. Innovative Citizen Participation and New Democratic Institutions – Catching the Deliberative Wave. Paris: OCDE Publishing, 2020; e RUBIÃO, A. O sorteio na política: como os Minipúblicos vêm transfor-mando a democracia. Opinião Pública. Campinas, vol. 24, n. 3, set.-dez., p. 699-723, 20182  Os Planos de Ação Quadrienal das subprefeituras de São Paulo estão previstos no artigo 346 do Plano Diretor de São Paulo, Lei 15.050/2014. Considerando as demandas da região e sua articulação com o Programa de Metas, devem indicar as transformações sociais, econômicas, territoriais e ambientais a cada 4 anos.

Apresentação

Podemos pensar a gestão das cidades de uma novaforma, trazendo para o centro do debate as pessoas[ ]

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Orçamento público no territórioe participação cidadã

Apresentação

Podemos pensar a gestão das cidades de uma novaforma, trazendo para o centro do debate as pessoas[ ] Historicamente o orçamento público é tema de debate na sociedade civil. Afinal, sua alo-

cação determina quais políticas serão realizadas, em que áreas da cidade e para quem. Ape-sar de seu caráter árido e técnico, o orçamento é um campo fértil para a participação, uma vez que as prioridades do investimento municipal deveriam ser definidas ao lado de quem vive o dia a dia de cada região da cidade e conhece na pele o que funciona e o que precisa ser aprimorado; de certa forma possui informações privilegiadas sobre o local.

As decisões orçamentárias já levam em conta, em certa medida, a voz do cidadão, no formato de pesquisas de opinião ou em debates em espaços formais ou informais de consulta e diálogo entre cidadãos e governantes. Embora ambos os mecanismos sejam úteis e relevan-tes, podem dificultar a vida dos tomadores de decisão: as pesquisas, por conterem apenas uma agregação de respostas que tem como base preferências individuais, e os espaços de participação, pelo predomínio de grupos organizados que, por já terem posição formada em determinados temas, deixam poucas aberturas ao diálogo e à construção de consensos que contemplem o cidadão comum.

Ao recorrer a uma outra abordagem de consulta, na qual é assegurado tempo e informa-ção necessários para que as pessoas possam formar uma opinião mais ponderada, é possível tomar decisões mais eficazes e duradouras a médio e longo prazo com um bom apoio popu-lar3. Além disso, trazer as pessoas para o centro do debate melhora a capacidade dos órgãos políticos de lidar adequadamente com decisões difíceis ou polêmicas, acrescentando uma nova voz ao discurso público: a do cidadão comum.

A diversidade de perspectivas e experiências de vida pode ser mais importante que o volume de pessoas envolvidas. Uma boa discussão embasada é melhor que muito barulho online sem

fundamentos por trás

A participação popular na discussão do planejamento e alocação dos recursos do orça-mento público não é novidade. Nas décadas de 1990 e 2000 foram inúmeras as iniciativas de Orçamento Participativo no país, e o método continua sendo testado em diversas cidades pelo mundo. Embora sejam em sua maioria experiências enriquecedoras para os processos democráticos, os Orçamentos Participativos (OPs) também são alvo de algumas críticas quan-to à representatividade dos cidadãos que deles participam. Em alguns municípios, só podiam participar membros de associações da sociedade civil, o que já era um fator limitante. Em outros ocorria a participação sempre dos mesmos grupos de pessoas4, com o predomínio e

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Orçamento público no territórioe participação cidadã

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3 New Democracy. Guia: Levando a democracia para além das eleições, disponível em: https://www.newde-mocracy.com.au/wp-content/uploads/2018/10/Handbook-PORTUGUESE.pdf. Acesso em: 13 out. 2020.4 TATAGIBA, L.; TEIXEIRA, A. C. C. Participação e democracia: velhos e novos desafios. Civitas: Revista de Ciências Sociais, v. 6, n. 1, p. 223-240, 2006.

A metodologia dos Minipúblicos

5 BAIERLE, S. Lutas em Porto Alegre: entre a revolução política e o transformismo. Relatório de pesqui-sa. Porto Alegre: Mapas, dez. 2005; LÜCHMANN, L. H. H. Orçamento participativo: análise das experiências desenvolvidas em Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 2007; SILVA, M. K. Dos casos aos tipos: notas para uma apreensão das variações qualitativas na avaliação das instituições participativas. In: PIRES, R. R. (Org.). Efetivida-de das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011, v. 7. 6 LÜCHMANN, L. H. H. 25 anos de Orçamento Participativo: algumas reflexões analíticas. Política & Sociedade, v. 13, n. 28, 2014. 7 CHWALISZ, C. A new wave of deliberative democracy. Disponível em: https://carnegieeurope.eu/2019/11/26/new-wave-of-deliberative-democracy-pub-80422. Acesso em: 13 out. 2020; SMITH, G. Democratic Inovations – Designing Institutions for Citizen Participation. Nova York: Cambridge University Press, 2009.

controle de algumas poucas organizações nas reuniões5. A literatura mostra que as experiên-cias de orçamento participativo foram bem-sucedidas sobretudo em territórios onde havia um histórico forte de associativismo da sociedade civil, o que sabemos não ser o caso em muitos locais6. Além disso, os OPs costumam seguir a lógica majoritária que favorece uma proposta em detrimento das demais, dificultando a convergência e formação de uma visão estratégica do coletivo.

A possibilidade de a cidadania, a partir de sua diversidade de experiências e interes-ses, chegar a bases comuns para a tomada de uma decisão coletiva mais sustentável nos é apresentada de forma concreta por um movimento que os estudiosos da teoria democrática chamam de virada deliberativa. Uma das inovações mais promissoras nesse campo7 é o uso de Minipúblicos para apoiar o processo decisório e as escolhas difíceis nas democracias con-temporâneas.

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A metodologia dos Minipúblicos

Os Minipúblicos são uma forma de promover a discussão e busca por soluções sobre di-ferentes temas entre cidadãos comuns, em grupos pequenos o bastante para serem genuina-mente deliberativos, e representativos o suficiente para serem genuinamente democráticos, como define o cientista político Robert E. Goodin8.

Segundo essa metodologia, o grupo participante é geralmente composto por cerca de 30 cidadãs e cidadãos, selecionados aleatoriamente e de forma a representar as características do público potencialmente impactado pela decisão. Dessa forma, a proporção de pessoas de cada faixa etária, gênero, ocupação, escolaridade, etc. no grupo selecionado é equivalente à proporção encontrada no território pesquisado.

Ao longo de alguns encontros, os participantes são contextualizados em relação ao proble-ma que precisa ser resolvido, ouvem especialistas de visões divergentes e/ou complementa-res sobre o tema e são estimulados a tirar dúvidas. Em seguida, passam a discutir, de forma estruturada e facilitada por mediadores, buscando consensos em torno de recomendações e soluções com foco no benefício coletivo. Por fim, ainda com apoio dos mediadores, consoli-dam os resultados e oficializam as conclusões a que chegaram juntos.

Esse formato pode variar em diferentes países e municípios, passando pela adoção de grupos maiores e/ou até mesmo pela existência de um conjunto de pessoas com atuação fixa e institucionalizada, por um determinado intervalo de tempo, como no Painel de Revisão de Planejamento de Toronto, no Observatório da Cidade de Madri e nas Assembleias Cidadãs convocadas pelos Parlamentos da Irlanda, Escócia e Inglaterra. Independentemente de suas particularidades, os processos sempre devem conter três etapas9:

1) Etapa informativa, na qual os participantes são expostos a diversas informações relevantes, ao contexto do problema a ser resolvido e a cenários possíveis para a sua resolução, e podem fazer perguntas e tirar dúvidas com especialistas e porta-vozes das partes interessadas;

2) Etapa deliberativa, na qual os participantes, com o apoio de uma moderação,

trocam opiniões e experiências sobre o tema, seguindo as regras de participação pré-estipuladas de maneira que nenhuma das vozes se sobreponha, até que se che-gue a um consenso;

3) Etapa de consolidação de resultado, quando os participantes registram o resul-tado da sua deliberação e fazem recomendações que representem a melhor solu-ção possível encontrada por aquele grupo, à luz das informações que tiveram.

8 GOODIN, R. Innovating Democracy – Democratic Theory and Practice After the Deliberative Turn. Nova York: Cambridge University Press, 2008. 9 FIGUEIREDO, R. et al. Brasil nos anos 2020: desafios e possibilidades. 1. ed. São Paulo: Scriptum Edito-rial, 2020.

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Essas etapas garantem que qualquer cidadão seja capaz de tomar decisões embasadas sobre questões complexas, independentemente de sua formação prévia. É levada em conta em conta não sua opinião pessoal sobre aquele assunto ou o que lhe trará vantagens, mas o que mais contribuirá para o bem coletivo.

Além de apoiar a realização da consulta, as lideranças políticas podem também dar contornos para o processo, informando, por exemplo, o montante do orçamento destinado para a solução do problema, o histórico do que foi tentado até aquele momento e até mesmo fornecendo cenários factíveis para a ação.

Envolver o cidadão no planejamento urbano não significa abdicar da prerrogativa de tomar a decisão final, mas sim ser dono de um processo mais inclusivo, projetado para lidar com

questões complexas

Quando o Minipúblico é conduzido de forma adequada, muitas são as suas vanta-gens. Graças às diferentes vozes ouvidas durante a etapa informativa, assegura-se que as decisões sejam tomadas sem vieses de grupos de interesse específico, setorial ou espe-cializado. Já a mediação possibilita que haja uma escuta justa e que as vozes mais baru-lhentas ou os grupos com mais recursos para fazer advocacy não dominem o debate.

Esse tipo de arranjo inovador também é apontado como um bom instrumento para redu-zir a polarização, uma vez que reúne pessoas distintas com visões políticas diferentes em um espaço organizado e estruturado10.

Os efeitos dos Minipúblicos não compreendem apenas a melhoria da confiança políti-ca dos envolvidos diretamente. Segundo a literatura, eles podem impactar as decisões até mesmo de não participantes quando estes são informados sobre o processo de deliberação e seus resultados11 , acarretando um ganho tanto na confiança sobre a capacidade de o cida-dão comum agir na política quanto na percepção de que os governantes estão mais abertos para ouvir as opiniões e desejos do público no processo decisório12. Isso ocorreu nos Estados Unidos, quando, no estado do Oregon, o governo local recorreu a um Minipúblico para fazer recomendações antes de um referendo, e as anexou nas cédulas de votação para que todos os eleitores pudessem conhecê-las, gerando resultados positivos.

“Quando a comunidade vê ‘pessoas como eu’ participando de exercícios de codecisão de alto nível, é muito mais provável

que confiem nas decisões de ganhos e perdas que precisam ser tomadas”

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10 NEVES, B.; PEIXOTO, T. Democracia por sorteio: por que pode dar certo. Disponível em: https://outras-palavras.net/outrasmidias/democracia-por-sorteio-por-que-pode-dar-certo/. Acesso em: 16 out. 2020. 11 KNOBLOCH, K; BARTHEL, M; GASTIL, J. Emanating Effects: The Impact of the Oregon Citizens’ Initia-tive Review on Voters’ Political Efficacy. Political Studies, 68: 2, 2020, p. 426-445,. 12 Boulianne, S. Building Faith in Democracy: Deliberative Events, Political Trust and Efficacy. Political Stu-dies 67: 4–30, 2018; Parkinson, J. Deliberating in the Real World: Problems of Legitimacy in Deliberative Demo-cracy. New York: Oxford University Press, 2018.

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Em nosso país, o Coletivo Delibera Brasil, fundado em 2017, já empreendeu três experiências deliberativas: em setembro do mesmo ano, com o Instituto Nossa Ilhéus, conduziu um Mini-público cujas recomendações fizeram parte da elaboração da regulamentação de mototáxis; em maio de 2018, com a Fundação Tide Setubal e o Colegiado do Plano de Bairro, compôs um Mi-nipúblico com moradores do Jardim Lapena, na zona leste de São Paulo, para subsidiar o projeto de requalificação da principal rua do bairro, que deve ser executado pela subprefeitura; e, em 2019, organizou o Conselho Cidadão de Fortaleza, que deliberou sobre questões relacionadas ao descarte de resíduos sólidos no município. A seguir, abordaremos a quarta iniciativa, que será inserida e implantada no contexto do (Re)age SP.

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A construção dos cenáriosdeliberativos a partir da análisedos planos setoriais e doorçamento municipal

A iniciativa de deliberação cidadã com o uso de Minipúblicos a ser realizada faz parte do pro-jeto (Re)age SP, uma parceria da Fundação Tide Setubal com a Rede Nossa São Paulo. Tem como objetivo virar o jogo das desigualdades no município por meio da priorização de investimentos e políticas públicas em áreas mais vulneráveis da capital. Para isso, serão necessários investimentos públicos em larga escala, com horizonte de longo prazo e orientados por um diagnóstico basea-do em evidências que permita direcionar os recursos disponíveis para as políticas certas e para os locais mais vulneráveis. Nesse aspecto, a participação da população diretamente envolvida é essencial.

Os programas de metas atuais propostos pelas gestões das prefeituras não se relacionam com os planos setoriais, como o Plano Municipal de Habitação ou de Cultura. O orçamento municipal tampouco dialoga com esses instrumentos. Além disso, os investimentos públicos previstos no orçamento não são pensados de forma regionalizada, o que torna muito difícil saber se os recur-sos públicos estão indo para as regiões que mais precisam.

Para lidar com esse cenário complexo, o projeto (Re)age SP tem múltiplas frentes e é compos-to por quatro etapas. Na primeira foram elaboradas de forma participativa 50 metas de referência para combater as desigualdades em São Paulo, tomando por base os Planos Setoriais, os Progra-mas de Metas e a Agenda 2030 .

A segunda etapa consistiu em pensar formas para que a distribuição do orçamento municipal não ocorra apenas por secretaria, mas também por região da cidade, priorizando investimentos em territórios mais vulneráveis.

Quando o território é o articulador das ações, investimentos de infraestrutura, novos equipamentos sociais e ampliação de serviços urbanos podem criar um reforço positivo entre si, de

modo coordenado e planejado, tornando-se mais efetivos e menos custosos.

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13 Leia o documento completo em: https://fundacaotidesetubal.org.br/downloads/publicacoes/3074/re-age--sp-virando-o-jogo-das-desigualdades-em-sao-paulo.

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A construção dos cenáriosdeliberativos a partir da análisedos planos setoriais e doorçamento municipal

A proposta do (Re)age SP é que a (re)distribuição orçamentária promova essa integração. Seguindo essa premissa foi criado um índice, desenvolvido para que cada subprefeitura da cidade de São Paulo receba investimentos e novos serviços públicos de acordo com suas ne-cessidades, invertendo as prioridades e direcionando mais recursos para os territórios mais vulneráveis14.

Tendo como base o teto orçamentário definido por meio do índice criado, a etapa 3 do (Re)age SP propõe um processo de escuta e deliberação participativa, a partir de cenários de investimentos públicos no quadriênio 2021-2024, cujo objetivo é orientar a elaboração dos Planos Quadrienais das subprefeituras, instrumentos previstos pelo Plano Diretor da cidade, mas ainda não implementados. Para tanto, a metodologia dos Minipúblicos será testada pe-las organizações responsáveis pelo Reage(SP) tomando como piloto duas subprefeituras: São Miguel Paulista e Pirituba. Espera-se que as lições aprendidas nesses pilotos possam levar à incorporação da metodologia pela Prefeitura e à realização de Minipúblicos em todas as 32 subprefeituras da cidade.

A elaboração e apresentação de cenários é um elemento fundamental no desenho do processo de deliberação cidadã do (Re)age SP, pois viabiliza uma etapa informativa eficiente apesar da alta complexidade envolvida, com diagnósticos setoriais e a integração de diversos instrumentos de planejamento de longo prazo. Planejadores, urbanistas, especialistas e ges-tores públicos colocam, assim, suas expertises a serviço da cidadania, explicitando premis-sas e visões de futuros possíveis decorrentes das escolhas orçamentárias. O uso de cenários ajuda os participantes sem experiência prévia com gestão pública a ter uma perspectiva do que é possível fazer ou não com determinado investimento, dando um caráter mais concreto e, ao mesmo tempo, uma intencionalidade estratégica para os valores que compõem o orça-mento.

Para chegar a três cenários para cada Subprefeitura, uma equipe técnica composta por urbanistas, com apoio de especialistas de áreas como segurança pública, desenvolvimento econômico, saúde e educação, trabalhou em parceria com o Coletivo Delibera Brasil. Partiu--se dos valores de referência construídos com o índice na etapa anterior do projeto, então um levantamento nas subprefeituras indicou todas as propostas de intervenção planejadas, tomando por base os planos setoriais existentes. Foram levantadas, sistematizadas e, quando possível, georreferenciadas cerca de 1.500 ações planejadas.

Na sequência foi realizada uma análise técnica das metas, resultando em um diagnóstico para verificar se não havia nenhum ponto faltando que pudesse ser proposto para comple-mentar as ações já existentes, e então foi definido um número de intervenções em cada um dos setores e calculado o custo médio de cada intervenção – quanto custa um hospital, uma creche, o plantio de uma árvore, etc.

Após cruzar o estudo das ações existentes, o diagnóstico das necessidades e os valores de cada intervenção prevista, os urbanistas descobriram quanto custaria o “planejamento dos sonhos” para as regiões estudadas: São Miguel Paulista e Pirituba. Esse cenário dos sonhos demandaria um volume de investimentos que ultrapassa, em muito, a capacidade da Prefei-tura. Estimou-se que seriam necessários 32 anos (ou oito gestões municipais) para realizar todos os investimentos planejados em São Miguel e Pirituba. Por esse motivo optou-se por trabalhar com três propostas de cenários mais realistas, cada um privilegiando ações distin-tas adequadas ao orçamento da Prefeitura para os próximos quatro anos.

14 Confira o índice em https://fundacaotidesetubal.org.br/downloads/publicacoes/3090/re-distribuicao-ter-ritorial-do-orcamento-publico-uma-proposta-para-virar-o-jogo-das-desigualdades

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[ MAPA SÃO MIGUEL SONHANDO ALTO: COM TODAS AS INTERVENÇÕES LEVANTADAS ]

Fonte: Bruno Borges, Carolina Passos, Fernando Túlio e Flávio Soares, 2020.

Fonte: Bruno Borges, Carolina Passos, Fernando Túlio e Flávio Soares, 2020.

[ MAPA PIRITUBA SONHANDO ALTO: COM TODAS AS INTERVENÇÕES LEVANTADAS ]

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O primeiro cenário, Pirituba/São Miguel + Digna, tem foco no combate emergencial às maiores vulnerabilidades dos territórios, como falta de saneamento, carência alimentar, moradia precária, evasão escolar e baixíssima renda familiar. Os investimentos planejados poderão dar condições de vida digna para as famílias em situação de maior vulnerabilidade e, simultaneamente, beneficiar indiretamente toda a população e frequentadores da Subpre-feitura de diversas formas, seja ao desafogar serviços de saúde e assistência social, melhorar condições de aprendizagem nas escolas ou criar um ambiente de convivência mais solidário e tranquilo.

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Fonte: Bruno Borges, Carolina Passos, Fernando Túlio e Flávio Soares, 2020.

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O segundo cenário, Pirituba/São Miguel + Integrada, aposta na vocação da Subprefeitura como um lugar de moradia e de serviços, com acesso fácil e rápido para o centro e outros bairros da cidade de São Paulo nos quais haja oportunidades de trabalho, estudo, cultura e lazer. Os investimentos que priorizam ações de mobilidade e de qualificação para trabalho e geração de renda apoiarão os moradores na busca por oportunidades em outros polos da cidade, enquanto estes mantêm sua residência no território.

Fonte: Bruno Borges, Carolina Passos, Fernando Túlio e Flávio Soares, 2020.

Fonte: Bruno Borges, Carolina Passos, Fernando Túlio e Flávio Soares, 2020.

Já o terceiro cenário, Pirituba/São Miguel + Humanizada, tem maior foco em políticas sociais e educação. Ele pretende priorizar investimentos para atender melhor a demanda da população local, gerar oportunidades de trabalho, renda, educação, cultura e lazer na pró-pria Subprefeitura e estimular a vinda de frequentadores de outros territórios do município. Em geral, são ações estruturantes, e uma parte significativa dos impactos só pode ser mensu-rada no médio e longo prazo.

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Fonte: Bruno Borges, Carolina Passos, Fernando Túlio e Flávio Soares, 2020.

Fonte: Bruno Borges, Carolina Passos, Fernando Túlio e Flávio Soares, 2020.

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Os cenários pensados não são de forma alguma imutáveis. Apresentam uma “moldura” importante para a deliberação, diferenciando-a de processos participativos mais abertos e es-pontâneos (escutas/mapeamentos), que dificilmente conseguem informar os cidadãos sobre as escolhas críticas (trade-offs) envolvidas nas decisões a serem tomadas. Assim, os cenários são apresentados e colocados em discussão, estão abertos a aprimoramentos e adequações por parte dos participantes; é possível até mesmo criar de um novo cenário. A expectativa é de que o resultado desse processo de deliberação possa ser utilizado para dar forma aos Planos Quadrienais das subprefeituras, mecanismo previsto pelo Plano Diretor de São Paulo que deve ser integrado ao Programa de Metas da Cidade, ambos com elaboração obrigatória no primeiro ano de cada gestão.

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Na prática: a deliberação emSão Miguel e Pirituba

Selecionar adequadamente os participantes é um dos pilares dos Minipúblicos. Apenas quando garantimos que os cidadãos formarão um grupo representativo e plural da população que será potencialmente atingida por suas recomendações podemos conduzir o processo com legitimidade, gerando identificação. Mas como fazer essa seleção?

As etapas são semelhantes às realizadas para pesquisas por amostragem, dividindo-se o território inicialmente por setores, para garantir a representação de todas as regiões, e respei-tando-se proporções como o número de habitantes de cada uma e seus dados demográficos. Assim, é possível assegurar que o grupo escolhido corresponde à composição encontrada na população em termos de gênero, idade, etc.

O recrutamento tinha como objetivo identificar 200 pessoas interessadas em participar, respeitando as proporções da população local quanto a gênero, escolaridade, faixa etária e ocupação. Os recrutadores realizaram abordagens domiciliares, com critérios claros para ga-rantir boa dispersão e cobertura de todo o território. Após esse processo foi feito um sorteio15 das 30 pessoas que efetivamente participariam do Minipúblico.

Uma vez definido o grupo, a deliberação cidadã conta com três momentos. O primeiro de-les, com caráter formativo, teve excepcionalmente sua primeira etapa realizada pela internet devido aos impactos da pandemia de covid-19. Nessa rodada online foram feitos os primei-ros acordos sobre como se dará a participação, e discutidos os conceitos básicos relativos ao orçamento.

Para que o encontro online acontecesse foi garantida a conectividade de todos os parti-cipantes, tanto por meio do pagamento de créditos para a internet móvel como com o apoio de técnicos para a instalação e manuseio de programas de teleconferência. Já os encontros presenciais preveem auxílio transporte e remuneração pelo tempo e contribuição de cada cidadão. A segunda parte, que será realizada presencialmente, fornecerá explicações e a resolução de dúvidas sobre funcionamento do orçamento e criação de políticas públicas, e apresentará um diagnóstico do atual cenário de cada Subprefeitura, com seus maiores desafios e também o que já foi previsto para resolvê-los.

No terceiro encontro serão explicados os três cenários pensados pelo projeto, e os parti-cipantes poderão discuti-los, compartilhando suas vivências e necessidades.

Utilizando mapas e peças que ajudam a trabalhar com diversas situações dentro de cada um dos cenários, como num jogo de tabuleiro, os participantes poderão simular os impactos de implementar políticas e equipamentos públicos em cada parte do território e avaliar seus possíveis efeitos.

15 Sorteio público: https://fb.watch/1mSIrrfyFN/

Na prática: a deliberação emSão Miguel e Pirituba

Exemplo de uma das cerca de 80 cartas que os participantes terão, utilizadas como base para as discussões sobre políticas e equipamentos de cada cenário

Após chegarem a um consenso, a fase final da deliberação consiste na consolidação das recomendações para a próxima gestão municipal, elas indicarão o que deve ser feito em cada território e o porquê.

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Como os Minipúblicos podemauxiliar prefeitos, vereadores egestores públicos

O objetivo dos pilotos de São Miguel Paulista e Pirituba é testar a ferramenta, inspirar a Prefeitura de São Paulo e construir uma metodologia de escuta da população de cada ter-ritório para a elaboração dos Planos Quadrienais das subprefeituras, considerando o ciclo de planejamento que se inicia em 2021, com a construção pela equipe do novo prefeito ou prefeita de seu Programa de Metas e Plano Plurianual.

Embora o exemplo compartilhado aqui seja bastante elaborado, dada a complexidade do desafio de combater as desigualdades socioespaciais por meio do orçamento, o uso dessa metodologia pode ser bem mais simples, desde que tomadas as precauções necessárias.

Os Minipúblicos são uma importante forma de apoio para o desenho e implementação de políticas públicas, desde que as recomendações feitas pelo grupo sejam de fato valoriza-das16. Eles já se mostraram úteis até na implementação de políticas pouco populares, como a remoção de famílias de uma área sujeita a inundações em Uganda.

Ao pensar no orçamento, a deliberação em Minipúblicos apoiada por cenários de inves-timento tem potencial de ajudar os governos municipais, apontando desejos e necessidades de suas regiões. Também pode contribuir com pastas específicas ou mesmo vereadores que queiram a opinião qualificada da população sobre como endereçar suas emendas parlamen-tares.

Quando o processo do Minipúblico é feito com a vontade política genuína de ouvir as pessoas e respeitar suas opiniões e seu tempo de dedicação, resulta em uma mistura diversi-ficada de pessoas dispostas a ficar ao lado dos agentes do poder público e advogar por uma decisão tomada em conjunto. Esse é um importante aliado para a incidência política tendo por base o território.

Além disso, os Minipúblicos são uma ferramenta útil para atingir consensos entre os ci-dadãos, mesmo em cenários de polarização política e ideológica tão grande como os vividos atualmente. Quando todos dialogam sobre problemas em comum com base em informações reais e com o apoio de regras claras para o debate e de moderação, é possível superar a polarização e chegar a conclusões compartilhadas por todos e capazes de promover o bem comum.

Mas, afinal, o que é preciso para o poder público realizar um Minipúblico? É necessária a clareza sobre um problema ou desafio, a busca verdadeira por uma solução – e não apenas a necessidade de validar uma ação já predefinida – e a compreensão de que o processo de-manda certas medidas para que seja realmente representativo.

Nós, do Coletivo Delibera Brasil, da Fundação Tide Setubal e da Rede Nossa São Paulo, po-demos te ajudar nessa busca por inovações capazes de unir política a pessoas. Vamos juntos?

16 GOODIN, R., op. cit.

Como os Minipúblicos podemauxiliar prefeitos, vereadores egestores públicos