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revelação poética e poesia religiosa: a renovação do cosmos em Augusto Frederico
Schmidt, Murilo Mendes e Jorge de Lima
Aline Maria JERONYMO1
Resumo
Procura-se resgatar, por meio deste artigo, a importância da poesia para os discursos
mítico-religiosos e para a sacralização do tempo. Retomaremos, para isso, a concepção
de poeta, de poesia e de religião para mostrar que todos estão interligados pela
linguagem que os forma. É por meio da linguagem que poesia e religião revelam o ser
do homem e criam uma nova cosmogonia – criação que pode estar ligada à rejeição do
mundo capitalista contemporâneo, posto que o poeta religioso moderno busca um novo
cosmos para fugir do caos da modernidade. Para exemplificar essas e outras questões,
traremos à baila poesias de Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes e Jorge de
Lima, poetas brasileiros do século XX que uniram a poesia à religião, transformando o
ofício do poeta em pregação, prece e profetização.
Palavras-chave: Poesia religiosa. Augusto Frederico Schmidt. Murilo Mendes. Jorge
de Lima.
Abstract
One seeks to rescue, through this work, the importance of poetry to the mythical-
religious discourses and the sacredness of time. One will resume the conception of poet,
poetry and religion to show that all of these are interconnected by the language that
shapes them. It is through language that poetry and religion reveal the essence of a man
and create a new cosmogony – creation which is linked to the rejection of the
contemporary capitalist world, since the modern religious poet seeks a new cosmos to
escape the chaos of modernity. To exemplify these and other questions, one will bring to
light the discussion Augusto Frederico Schmidt’s, Murilo Mendes’ and Jorge de Lima’s
poetry, Brazilian poets of the twentieth century that united poetry to religion, turning
the poet’s work in religious preaching, prayer and prophesy.
1 Mestranda no Programa de Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara,
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – FCLAr/UNESP, Araraquara/SP. CEP: 14800-
901. Bolsista CNPQ. Email: [email protected]
Keywords: Religious poetry. Augusto Frederico Schmidt. Murilo Mendes. Jorge de
Lima.
Desde o princípio nunca me espantei
Diante da grandeza exterior da massa:
Um arranha-céu é igual a um tijolo.
Toda a máquina termina enferrujada.
As invenções do homem se transformam e se perdem.
(MENDES, 1995, p. 261)
O poeta, a poesia e a religião
O domínio da técnica e, consequentemente, o desenvolvimento da tecnologia a
partir da Revolução Industrial, ao que tudo indica, pôs o homem no mais alto patamar
de evolução. Essa posição foi alcançada, de certa forma, por meio da descrença mítica e
da “fé” na ciência. Dentro desse contexto sócio-histórico, principalmente no século XX,
um sem par de poetas atrelaram a tecnologia às artes, como os futuristas italianos
movidos por Marinetti, por exemplo, enquanto tantos outros escaparam desse
mecanicismo que, sem dúvidas, ao mesmo tempo em que “dinamizava” a estrutura
poética e renovava o “manejo” da poesia – de forma pouco crítica, diga-se – quase
transformava a literatura em algo mais científico do que literário. Dessa forma, os
poetas que “escaparam” à tendência mecanizante, buscaram, entre outras possibilidades,
uma remissão mais religiosa à escrita poética, enveredando seus textos pela prece, pela
profecia e pela pregação. É a essa última tendência que tentaremos ligar os poetas
brasileiros Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes e Jorge de Lima.
Fazendo uma rápida revisão das fontes históricas, é interessante notar que a
passagem do mito para ciência nasce, simbolicamente, naquilo que Hesíodo, em sua
obra Os trabalhos e os dias, denominou “idade de ferro”. As “idades” ou “raças”
descritas no poema épico representam a progressiva decadência do homem em relação
ao mundo em que vive. Essa progressão é nomeada de acordo com a relevância e a
natureza dos metais que representam cada era. Assim, a ordenação homem-natureza
perfeita seria a iniciada pela raça do ouro, o metal visto como mais precioso, sendo
sucedida pelas raças de prata, de bronze, dos heróis e a era do ferro.
Na narrativa mítica de Hesíodo – poeta grego que, junto de Homero, foi o
responsável pelas obras em que se lê o “nascimento” dos deuses, como, por exemplo, na
Teogonia – a idade de ouro caracteriza-se como a mais virtuosa. Nela, os homens
viviam em plena harmonia com a natureza e com os deuses: não havia morte, doença ou
qualquer tipo de preocupação. Com o distanciamento do homem em relação a esse
mundo divino e divinizado, no entanto, as raças começam a decair até chegar à era do
ferro. Esta última era corresponde, analogamente, tanto ao período em que viveu
Hesíodo como ao período em que vivemos nós: o período de misérias e tragédias,
marcado pela ausência dos deuses e pela degenerescência da sociedade que caminha
rumo à destruição. Assim, se do ponto de vista técnico-científico progredimos em
direção a um futuro promissor e bem quisto, do ponto de vista mítico caminhamos para
a destruição final. Resta ao poeta – a Hesíodo, decerto, mas também a Schimidt,
Mendes e Lima – projetar o fim ou alimentar-se da nostalgia de um tempo mítico para
resgatar, por meio da poesia, o mistério da criação, da existência e da divindade.
Se voltarmos à antiguidade, segundo Marcel Detienne, em seu Os mestres da
verdade na Grécia arcaica, o poeta, assim como o rei e o sacerdote, era visto como um
mestre da verdade, seu domínio era comparado ao dos deuses, pois, ao praticar a
poiésis, o poeta criava simbolicamente o mundo. Poiésis, nesse sentido, é construção e
organização que dá forma a algo novo. Portanto, ao praticá-la, o poeta ou o artista
diminuía a lacuna entre o humano e o divino. Além disso, naquele contexto, o poeta era
considerado um porta-voz da divindade, um oráculo dos deuses que, paradoxalmente,
era considerado sagrado, mas expressava o esforço humano perante os deuses.
Se voltamos à Antiguidade Clássica para revisitar o “papel” do poeta e tentar
percebê-lo no contexto da mecanização, então é necessário recordarmo-nos de duas
ideias canônicas de poeta. A primeira, fora estipulada por Platão, que via o poeta como
um maníaco e um possuído, para quem “seu delírio e seu entusiasmo são sinais da posse
demoníaca” (PAZ, 2012, p. 167); a outra, estipulada pela Poética de Aristóteles, que
defendia a criação poética como imitação da natureza. Sobre a primeira concepção,
vemos no diálogo Íon que Sócrates, em razão da força divina como geradora da arte,
define o poeta como “[...] sagrado, incapaz de produzir se o entusiasmo não o arrastar e
o fizer sair de si mesmo.” (PLATÃO apud PAZ, 2012, p. 167). Desse modo, a
sacralidade do poeta, segundo Platão, estaria contida na ideia de inspiração ou “posse
demoníaca”. O poeta inspirado é aquele que é (ou que acredita ser) instruído por deuses
e musas. Essa característica, no entanto, faz com que a posição de sábio ou portador da
verdade atribuída ao poeta seja questionada por Platão, que sustenta a reflexão de que a
ligação com as musas anularia as capacidades intelectuais do homem, que inspirado não
agiria em função da razão.
Além disso, salientamos que na República, mais precisamente no Livro X, o
filosofo condena a poesia e “expulsa” os poetas da pólis. O poeta, à vista de Platão,
falsificava a realidade, criava uma “cópia” do mundo sensível que, por sua vez, era
cópia do mundo das ideias, ou seja, a poesia revelava, segundo Platão, apenas a
aparência das coisas, o que poderia gerar a alienação e a falta de justiça entre o povo. É
válido apontar, aqui, para o que afirma a professora de Estética do Institute Catholique
de Paris, Maria da Penha Villela-Petit, no artigo “Platão e a Poesia na República”. Para
ela, “O que Platão critica nas fábulas dos poetas não é de modo algum que sejam mûthoi
[fábulas], mas que não sejam belas porquanto induzem a uma falsa ideia do divino e do
que é justo”. (VILLELA-PETIT, 2003, s/p). Desse modo, para a cidade perfeita, o
filósofo é quem deveria governar, pois este teria o conhecimento real do mundo.
Mesmo assim, a noção platônica de poeta inspirado ou possuído perpassa toda a
tradição literária ocidental. As musas de Homero, a Beatriz de Dante, a Laura de
Petrarca, a Dinamene de Camões, a Marília de Dirceu (de Tomás Antônio Gonzaga) e
as musas de Murilo Mendes e Jorge de Lima são alguns exemplos de como a figura da
musa é fundamental para o processo de criação de poetas que, notadamente, buscaram
uma conexão com o divino. Obviamente, a musa é modificada de acordo com cada
poética e com cada período: em Homero, por exemplo, as musas são evocadas porque
preservavam a memória de Zeus (divindade de poder supremo) e faziam a ligação com
o mundo sobrenatural. Na passagem do Humanismo, de Dante e Petrarca, para o
Classicismo camoniano, as musas, apesar de ainda serem evocadas tal qual fazia
Homero, passam a confundir-se com a idealização da figura da mulher amada que se
torna sagrada e intocável: daí a relação neoplatônica que afirmamos. Já na modernidade
do século XX, há uma completa fragmentação da imagem dessa musa-divindade: em
Murilo Mendes, por exemplo, além de incorporar o profano e o sagrado, ela se
configura de forma surrealista e metapoética.
Diferentemente do que ocorre com Platão, Aristóteles define o poeta como um
ser consciente que cria artesanalmente uma poesia mimética, seja ela épica ou trágica.
Sendo assim, a poesia, na visão aristotélica, é fruto de um trabalho estético no qual o
poeta busca imitar a natureza não para falsificá-la, como acreditava Platão, mas para
compreendê-la ou apenas expressá-la. Convém destacar que o conceito de “natureza”
para Aristóteles possui grande complexidade, pois a natureza envolve um todo animado
e vivo, logo, é impossível ter a dimensão desse todo e, consequentemente, a criação
artística continua envolta por um processo enigmático. Independentemente da
concepção platônica – de poeta inspirado – ou aristotélica – de poeta artesão –, o poeta
tem o papel fundamental de conduzir a poesia ao leitor e, por consequência, eternizá-la
na memória coletiva. Por conseguinte, a poesia, além de ser eternizada, transcende o
sentido material da linguagem, podendo assumir uma postura mítica que se assemelha à
religião.
Poesia e religião
A partir de proposições que ora se contradizem e ora se completam é que
Octavio Paz, em seu O arco e a lira, estabelece uma relação entre poesia e religião:
ambas, além de serem expressões simbólicas do homem, promovem uma revelação
sagrada. Segundo Paz, a poesia “revela este mundo; [e] cria outro” (2012, p. 21), este
outro pode ser chamado de “a outra margem” ou de “outridade”. O outro é o duplo, o
estranho, o ausente e, ao mesmo tempo, o presente. É a partir do momento em que nos
desprendemos do mundo objetivo que alcançamos essa outra margem de nós mesmos e
que ocorre, portanto, a sensação de viagem, de esvaziamento e, posteriormente, de
graça. Nota-se que essas características podem ser aproximadas da ideia de poeta
possuído desenvolvida por Platão. Em Octavio Paz, no entanto, o poeta, no momento da
criação, conecta-se consigo mesmo e, a partir disso, vive uma plenitude transcendental.
Não podemos desconsiderar que essa conexão não vale apenas para o poeta, mas
também, para o leitor que (re)cria o poema dentro de si.
Dessa maneira, a poesia e a religião brotam da mesma fonte: a revelação. Elas
revelam e velam a verdade do próprio ser, por isso, há o jogo paradoxal entre presente e
ausente: há a sensação do sagrado, que nasce da relação do ser consigo, mas não há o
domínio sobre essa força, uma vez que o “divino afeta de uma maneira talvez mais
decisiva as noções de espaço e de tempo, fundamentos e limites do nosso pensar.”
(PAZ, 2012, p. 133). Assim, o ser que alcança a outra margem entra em um tempo
cíclico e em um espaço sagrado.
É por meio de um “salto mortal”, metaforicamente, que se pode entrar no
sagrado: o salto representa a busca pelo desconhecido em “rumo ao vazio ou ao pleno
ser” (2012, p. 131), onde tudo se torna real e irreal. Segundo Paz, a “experiência
poética, como a religiosa, é um salto mortal: uma mudança de natureza que é também
uma volta à nossa natureza original” (2012, p. 144). A experiência poética, no entanto,
cria o ser por meio da imagem, sua revelação não descobre algo externo, mas algo que
já estava no homem. Já a experiência religiosa depende, muitas vezes, do caráter social
e ideológico de cada indivíduo. A esse propósito, Octavio Paz defende que:
[...] a palavra poética e a religiosa se confundem ao longo da história.
Mas a revelação religiosa não constitui – pelo menos na medida em
que é palavra – o ato original, mas sua interpretação. Em
contrapartida, a poesia é revelação da nossa condição e, por isso
mesmo, criação do homem pela imagem. [...] Não são as sagradas
escrituras das religiões que fundam o homem, pois elas se apoiam na
palavra poética. O ato mediante o qual o homem se funda e se revela é
a poesia. (2012, p. 163).
As relações entre poesia e religião possuem uma origem em comum no que se
refere à manifestação de suas experiências – rituais, poemas, mitos, cantos,
representações. Além disso, o ritmo e a repetição são de caráter fundamental tanto para
a poesia quanto para o ritual religioso. A poesia, no entanto, não é ditada pelo
pensamento do poeta, posto que este só existe no momento da criação do poema (objeto
verbal que expressa a poesia), após esse processo a poesia torna-se livre a qualquer
pensamento e, por isso, nos abre possibilidades de existência; ao contrário, a religião é
delimitada por uma teologia que “interpreta, canaliza e sistematiza a inspiração” (2012,
p. 163).
Em paralelo às proposições de Octavio Paz, podemos inserir aqui um pouco do
pensamento da Poética do devaneio, de Gaston Bachelard. Segundo o filósofo, o
devaneio é uma espécie de sonho acordado, no qual a imaginação pode operar. É por
meio desse estado que se percebe que as palavras de um texto abandonam sua
determinação primeira, o que resulta na grandeza de uma imagem que representa o todo,
já que, a imagem
[...] contém o universo por um de seus signos. Uma única imagem
invade todo o universo. Difunde por todo o universo a felicidade que
sentimos ao habitar no próprio mundo dessa imagem. O sonhador, em
seu devaneio sem limite nem reserva, se entrega de corpo e alma à
imagem que acaba de encantá-lo. (BACHELARD, 2006, p. 167).
Se a outra margem referida por Octavio Paz faz com que o homem alcance seu
próprio ser, o devaneio referido por Bachelard aproxima o homem do Todo, já que, ao
contemplar a imagem, percebe-se o mundo. Por isso, o filósofo francês defende que a
imagem pode ser formada por “palavras cósmicas”: “palavras que dão o ser do homem
ao ser das coisas” (2006, p. 181) e o poder ao poeta de incluir o universo numa palavra.
Daí nasce uma confluência entre o pensamento de Paz e de Bachelard: a imagem é um
produto imaginário que, além de preservar a pluralidade de sentidos, carrega uma
cosmogonia original que pode ser contemplada ou ascendida.
Retornando ao elo poesia-religião, podemos compreender a importância da
imagem e, evidentemente, da palavra, que assume uma função mágica tanto em uma
quanto em outra. O mundo passa a existir a partir do momento em que passa a ser
nomeado. A linguagem, portanto, funda o homem, pois mostra sua existência, como
podemos ver na passagem bíblica: “no princípio era o Verbo, e o verbo estava com
Deus, e o verbo era Deus [...]. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem
ele, nada do que foi feito se fez”2. A poesia nomeadora dos objetos também adquire o
valor do Verbo sagrado e, consequentemente, o poder de Deus. Foi ela quem criou a
harmonia e transformou o caos em Cosmos. Desse modo, a palavra poética ao nomear o
mundo cria a verdade, ou seja, cria tudo aquilo que pode ser conhecido.
Portanto, é função do poeta nomear o silêncio e dizer o indizível. Como, no
entanto, nomear um mundo dominado pelas ciências e pelas técnicas utilitaristas? No
mundo capitalista-ocidental, as verdades tornaram-se científicas e a desmitificação,
assim como a “desmagificação” da poesia e da religião, geraram o que Max Weber
chamou de “desencantamento do mundo”. Segundo Pierucci, o termo
“desencantamento” refere-se “ao mundo da magia e quer dizer literalmente: tirar o
feitiço, desfazer um sacrilégio, escapar da praga rogada, derrubar um tabu, em suma
quebrar o encanto”. (PIERUCCI, 2003, p.7). Quando a religião, aquela que no sentido
agostiniano tem a função de religar os seres humanos a Deus, deixa de ser o centro das
relações humanas, o cosmos é desorganizado, posto que o homem não mais acredita ser
2 O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO. Português. In: Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de
Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2ª Ed. 1993. p. 76. Edição Missionária.
governado por forças sagradas, mas sim pela razão científica, que passa a ser a nova
ditadora do mundo desencantado.
Diante disso, o poeta e o sacerdote travam uma luta dramática com o seu tempo.
A poesia passa a resistir aos discursos ideológicos e, em vista disso, torna-se utópica,
nostálgica ou profética. Segundo Alfredo Bosi, em “Poesia-Resistência”, a poesia
moderna, a partir do pré-romantismo, é uma forma de resistência simbólica aos
discursos dominantes, “o que não está ao alcance da pura ação simbólica, foi criar
materialmente o novo mundo e as novas relações sociais, em que o poeta recobre a
transparência da visão e o divino poder de nomear.” (BOSI, 2000, p.167). Sem poder
mais nomear o mundo tecnocrático, a poesia passa a caminhar entre mundos distintos: o
objetivo (alimentado pela crítica aos discursos ideológicos) e o sobrenatural ou utópico
(mantido pelas crenças míticas e pela sacralização da poesia). Vejamos a seguir como
esses caminhos se encontram na poesia religiosa.
Poesia religiosa: resistência e profetismo
Desde o primeiro poeta, há a indissociação entre poesia e religião. Afinal, Orfeu
com seus (en)cantos enfeitiçava a todos com sua lira e intervinha, de forma mágica, na
natureza. Dom que deu a ele não apenas o papel de poeta demiurgo – aquele que
organizou o Cosmos por meio de sua música – mas também o de mago e de sacerdote.
O filho de Apolo foi fundador de uma religião mítico-poética, denominada Orfismo, na
qual os ritos e cultos são envoltos de misticismo. Dessa forma, a poesia órfica estava
ligada à magia e à intervenção na natureza, característica que vai se perdendo conforme
a poesia vai sendo conceitualizada.
Alguns poetas modernos e contemporâneos, ao que parece, quiseram “voltar” a
ser feiticeiros e alcançar um significado místico. Segundo Roger Bastide, em “As duas
fontes da poesia”, a poesia torna-se, em poetas como Murilo Mendes, Jorge de Lima e
Augusto Frederico Schmidt, “uma evasão do real” (1997, p. 136) e um caminho para
Deus. As origens dessa poesia mística são: “a encantação mágica e o transporte exaltado
de uma alma que se separa violentamente da matéria para voltar ao país perdido, para
reencontrar a música das esferas celestiais” (BASTIDE, 1997, p.136) e para reviver a
idade do ouro. O poeta religioso do século XX busca, desse modo, ao menos no caráter
simbólico, retomar o poder de Orfeu e resistir ao mundo desencantado ou profetizar um
mundo apocalíptico em decorrência desse desencanto.
O reencontro com a esfera mítica perdida e a reconciliação entre poesia-magia e
poesia-oração aparecem, nos poetas citados por Bastide, como uma tentativa de
conciliar a magia com o cristianismo. Augusto Frederico Schmidt, por exemplo,
apresenta ora um tom declamatório e bíblico, ora um tom profético, que anuncia o novo
Paraíso. Na poesia religiosa de Schmidt é comum haver ocorrências de repetições
sonoras e temáticas, de rimas internas, de aliterações e paralelismo, uma vez que é no
plano da linguagem que o poeta faz o contato com o plano divino. Toda a obra de
Schmidt é permeada pela clara devoção ao catolicismo e aos mitemas bíblicos. Em
Canto da noite (1934) poemas como “São Pedro”, “A visita”, “Gênese (I e II)”,
“Apocalipse” e “Paraíso Perdido” são alguns exemplos de como o poeta católico
transforma sua fé em poesia. Vejamos os primeiros versos de “Gênese I”:
No princípio foi um balanço contínuo e vagaroso
Depois foi descendo uma sombra indistinta
Um grande leito surgiu e lençóis brancos como espuma
As crianças se agitaram de repente
A mulher para elas estendeu os braços maternais sorrindo.
[...]
(SCHMIDT, 1956, p. 201).
O tom bíblico e mítico que atravessa a poesia religiosa e católica tem o objetivo
de refazer e recriar uma cosmogonia cristã para que o eu-lírico (ou o eu-leitor) possa ser
transportado ao tempo mítico. No entanto, nessa poesia é comum o tom melancólico e
de desesperança em relação ao estar-no-mundo, já que a transcendência e a imanência
são inseparáveis: mesmo ao evocar e recriar o tempo forte e o espaço sagrado, o eu vive
em meio à dessacralização do tempo cronológico. Desse modo, o homem e o poeta
religiosos são contra o mundo objetivo, renegam a matéria e o efêmero. Vemos essa
visão no poema “Vazio”, de Schmidt:
A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente as casas,
Os bondes, os automóveis, as pessoas,
Os fios telegráficos estendidos,
No céu os anúncios luminosos.
A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente os homens,
Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis.
Resta a vida que é preciso viver.
Resta a volúpia que é preciso matar.
Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar
(SCHMIDT, 1956, p. 125).
Por certo, não é a religião enquanto entidade que se percebe no poema. O que se
vê é, na verdade, uma espécie de prece de resignação, em que o eu lírico não pede uma
graça, mas contenta-se com o que lhe é dado. Por isso, não há alegria em ter a posse da
vida ou da poesia, pois os seres humanos são aqueles “Pequeninos, apressados, egoístas
e inúteis”, envoltos, talvez, pelo “pecado original” derivado de Adão e Eva. Fomos
expulsos do paraíso e a vida que nos restou ficou tanto sem a “poesia” original quanto
sem o “amor” original, ou seja, metaforicamente, ficou sem a comunicação direta e
estreita com o divino. Assim, o eu lírico também aponta para a fuga do mundo, mas,
agora, por meio de uma poesia nova, inventada, humana.
A vida, a volúpia e a necessidade de poesia são postas como o que restam de
uma realidade “moderna”. É a partir desses “restos” e de seus contrários – vida/morte,
volúpia/luto e necessidade/inutilidade da poesia – que Schmidt realiza grande parte de
sua poética. A poesia é inutilizada quando se depara com o vazio do mundo, mas, ao
mesmo tempo, ela é o único meio de evasão do eu que busca se religar ao sobrenatural.
É a inspiração de Deus, por conseguinte, que a faz brotar – “A poesia flutua nos teus
olhos / É uma luz que nasce do teu ser” (1956, p. 767) – e que, platonicamente, possui o
eu-lírico, causando-lhe o delírio: “Meu Deus, eu te agradeço esta música que estou
ouvindo, / Que está no meu ser, no meu coração e no meu espírito” (1956, p. 293).
Em Schmidt, assim como em Murilo Mendes e em Jorge de Lima, a poesia cristã
e a simbologia religiosa representam a conciliação entre a magia e o cristianismo. As
visões cosmogônicas e apocalípticas de Mendes e de Lima são reunidas na obra
conjunta Tempo e eternidade (1934), obra que sintetiza a busca pelo sagrado por meio
de passagens bíblicas, de paráfrases de evangelhos, de restabelecimento de salmos e do
“diálogo” com Cristo. O poeta, na obra, é visto dubiamente como aquele que “vence o
tempo” porque é guiado por Cristo e, ao mesmo tempo, como um pecador que se
compara ao homem mundano.
Em “Distribuição da Poesia”, primeiro poema de Jorge de Lima, de Tempo e
eternidade, o poeta coloca-se a serviço de Deus, pois dá para si a responsabilidade de
divulgar a palavra sagrada, como uma espécie de novo profeta ou novo apóstolo, que
não pode fazer outra coisa, a não ser espalhar a palavra:
Mel silvestre tirei das plantas,
sal tirei das águas, luz tirei do céu.
Escutai, meus irmãos: poesia tirei de tudo
para oferecer ao Senhor
[...]
Só tenho poesia para vos dar
Abancai-vos, meus irmãos.
(LIMA, 1958, p. 383).
Dessa forma, a poesia é um presente que pode ser ofertado ao Senhor e, do
mesmo modo, é a própria palavra de Deus que pode salvar os homens. O poeta que se
recolhe nos textos de Jorge de Lima é a testemunha das obras de Deus e, por isso, é o
escolhido:
Desarrumar as terras do mundo.
Poeta, podes fazer.
Arrumar sem limites de pátria!
Poeta, podes fazer.
Derramar azeite no mar,
Plantar flores no topo dos montes,
Plantar trigo nos vales do mundo.
Poeta, podes fazer.
Extinguir a palavra de Deus,
Afastar a Verdade da Terra.
Poeta, não podes fazer.
(LIMA, 1958, p. 393).
O poeta pregador, por meio da palavra poética, pode organizar e desorganizar
tudo; todavia, sem a sacralidade da palavra de Deus, a poesia não tem capacidade de
mudar o mundo, pois não é mágica e não pode alcançar a outridade. Para Jorge de
Lima, portanto, o poeta tem o poder de intervir na natureza, já que ele é quem manuseia
a palavra divina.
O poeta de Murilo Mendes é capaz, de forma similar, de resgatar suas origens
órficas e “ser [o] iluminado” que percebe a necessidade de buscar a essência perdida no
tempo:
[...]
Poeta, cobre-te de cinzas, volta à inocência,
Impede que se derrame o cálice da ira de Deus,
Tu que és a testemunha sustenta o candelabro,
Monta o cavalo branco e reconstrói o altar
Onde se transforma pão e vinho,
Indica à turba as profecias que se hão de cumprir,
Revela aos presos olhando através das grades
Que o mundo será mudado pelo fogo do Espírito Santo,
Descerra os véus da Criação, mostra a face do Cristo.
(MENDES, 1994, p. 262).
O poeta acima é “convocado” para salvar o mundo do caos; só ele tem
(utopicamente) o poder de salvação e de reconstruir o poder de Deus. Para isso, o poeta
deve transcender ao tempo profano e “voltar à inocência” dos tempos que só ele
conhece, como é sugerido também pelos versos: “Não nasci no começo deste século:/
Nasci no plano eterno.” (MENDES, 1994, p. 248).
Assim, a poesia religiosa resiste ao tempo histórico. Essa resistência é, contudo,
exaustiva e tanto Jorge de Lima quanto Murilo Mendes parecem expor a angústia em
relação ao fazer poético e ao papel de poeta pregador, como vemos em versos de
“Adeus poesia”: “Senhor Jesus, o século está podre. / Onde é que vou buscar poesia?”
(LIMA, 1958, p. 412), e em versos de “Novíssimo Job”: “Eu fui criado à tua imagem e
semelhança. / Mas não me deixaste o poder de multiplicar o pão dos pobres”
(MENDES, 1994, p. 245). Tal exaustão leva o poeta à desilusão e à percepção de sua
pequenez em relação a Deus, como ocorre, por vezes, em Murilo Mendes:
Oh Deus meu e de todos,
Que tenho feito até hoje no mundo,
Senão te invocar para que surjas,
Senão me desesperar porque sou pó?
(MENDES, 1994, p. 250).
É essa percepção de pequenez diante do todo que faz com que o poeta (em Lima
e em Mendes) enxergue-se também como pecador:
Sequei o mar, matei os peixes,
venho do vício, da lama escura,
quero de bruços cair no chão,
tirar meus olhos, deixar que o fogo
venha lamber meu coração.
[...]
Minha palavra caiu nas pedras.
Sou vosso mudo, Senhor meu Deus.
(LIMA, 1958, p. 404).
Perceba-se, com o que vimos apontando, que em Jorge de Lima, o poeta-
pregador, por estar “preso” ao mundo doente, vê-se como fruto do pecado e, por isso,
utiliza a poesia não apenas para pregar, mas também para orar, pedir perdão e eternizar
o arrependimento e a angústia pelo pecado: o poeta é antes de tudo um homem e tem
consciência do pecado herdado. Em Murilo Mendes, de outro modo, notamos o pecado
associado à dialética entre corpo e alma, o que resulta em certo erotismo religioso, como
vemos em “Juízo final dos olhos”:
Teus olhos vão ser julgados
Com clemência bem menor
Do que o resto do teu corpo.
Teus olhos pousaram demais
Nos seios e nos quadris,
Eles pousaram de menos
Nos outros olhos que existem
Aqui neste mundo de Deus
(MENDES, 1994, p. 205).
É em O Visionário (obra da qual faz parte o poema anterior) que Murilo
Mendes associa a sensualidade do corpo feminino ao pecado e aos julgamentos do juízo
final, antecipando toda a aura apocalíptica e profética que se intensifica nos poemas de
Tempo e eternidade, como vemos em “Fim e princípio”:
Cairá a grande Babilônia, meu corpo,
Cairá ao peso de suas taras,
Cairá ao peso de seus erros e visões no tempo.
Cairá porque Satã soprou sobre ele.
Cairá porque sustentou a esfera sobre si.
Contemplarei ainda um pouco o mundo efêmero
Até que Deus faça volver tudo à poeira primitiva.
E seja transformada a face da Criação.
Ouçamos os clarins e oboés da eterna música.
Entremos na cidade do amor
Que para nos receber se preparou: uma noiva,
Sem herança das ascendências carnais e do tempo.
Não há mais lua nem sol.
Vem, Cristo Jesus, todos te esperam. Sim!
(MENDES, 1994, p. 275).
A retomada do Apocalipse de João traz a imagem da queda da Babilônia, lugar
impuro e profano onde reina Satã. A imagem diabólica do fim liga o poeta ao mundo
pagão, mas, por meio de sua crença no retorno e na renovação, faz nascer uma nova
terra. Terra pura onde somente os escolhidos pelo juízo final habitarão. A respeito da
crença escatológica judaico-cristã, Mircea Eliade, em Mito e Realidade, esclarece que:
O Cosmo que ressurgirá após a catástrofe será o mesmo Cosmo criado
por Deus no princípio dos Tempos, mas purificado, regenerado e
restaurado em sua glória primordial. Esse Paraíso terrestre não será
mais destruído, não terá mais fim. O Tempo não é mais o Tempo
circular do Eterno Retorno, mas um Tempo linear e irreversível. Mais
ainda: a escatologia representa igualmente o triunfo de uma Santa
História. Pois o Fim do Mundo revelará o valor religioso dos atos
humanos, e os homens serão julgados de acordo com os seus atos. Não
se trata mais de uma regeneração cósmica implicando igualmente a
regeneração de uma coletividade (ou da totalidade da espécie
humana). Trata-se de um Julgamento, de uma seleção: somente os
eleitos viverão em eterna beatitude. Os eleitos, os bons, serão salvos
por sua fidelidade a uma Santa História: enfrentando os poderes e as
tentações deste mundo, eles permaneceram fiéis ao Reino celeste.
(ELIADE, 1991, p. 48-49).
O poeta religioso acredita ser eleito, aquele que testemunhará a luz do novo
mundo, visão que também é profetizada no poema “Sicut Erat”, de Jorge de Lima:
Quando se escoarem sete eras
a nossa visão se exterminará
Depois das sete eras, tu construirás
sete babéis, sete confusões, sete pirâmides, sete estepes
e sete guerras de cem anos.
[...]
Não precisarás de ponteiros para marcar o tempo
nem das noites que te dão o sono.
Nem da morte, nem da morte, nem da morte.
Nem dos sacramentos, nem dos arrependimentos.
A Luz te iluminará.
Sicut erat in principio
(LIMA, 1958, p. 411).
Após as sete eras que representam as guerras e a destruição, a paz reinará e a
Luz trará consigo o tempo mítico, “assim como era no princípio”. O poeta, mesmo
quando pecador, crê que sua fé e sua poesia o levarão à salvação. Ao (re)criar a imagem
bíblica de reconstrução do Cosmos, o poeta, no momento da criação do poema, torna-se
contemporâneo a esse evento mítico e, portanto, participa dele, posto que: “sai-se do
tempo profano, cronológico, ingressando num tempo qualitativamente diferente, um
tempo "sagrado", ao mesmo tempo primordial e indefinidamente recuperável”.
(ELIADE, 1991, p.21). Portanto, o poeta já faz parte de um novo Cosmos.
A partir disso, compartilha-se a ideia de devaneio, no qual o poeta
simbolicamente faz parte do mundo sobrenatural a partir das imagens cósmicas criadas
no poema. Em Murilo Mendes, “a face da Criação” do poema “Fim e Princípio”
representa a própria criação do novo mundo, assim como a “noiva” é a cidade virgem e
purificada de todo pecado carnal anterior. Em Jorge de Lima, a evocação do cântico
gregoriano “Sicut erat in principio” faz com que o princípio torne-se presente e com que
o tempo transforme-se em Luz eterna.
Tempo e eternidade, assim sendo, caminha por um percurso caótico e precário,
mas encontra seu alento no tempo mítico e forte. Tempo no qual o poeta identifica-se e
encontra o alento da eternidade. Como proposto nos versos de Murilo Mendes –“Eu
amo minha família sobrenatural, / Aquela que ama o Eterno. / São poetas, são musas,
são iluminados. (MENDES, 1994, p. 255)” – o poeta não faz parte do mundo passageiro
e material, ele é lançado à outra margem. A sensação de estar diante do sobrenatural,
segundo Octavio Paz, é o “ponto de partida de toda experiência religiosa” (2012, p.
133), o poeta religioso, no entanto, quando adquire o poder de Orfeu – o primeiro poeta
– torna-se o próprio ente sobrenatural e, por meio de sua criação – a poesia –, habita a
esfera do eterno e reproduz a sacralidade da experiência religiosa, aquela que estava no
próprio âmago do ser.
Considerações finais
A poesia, ao criar outro mundo, revela o próprio ser – revelação que na poesia
religiosa religa o homem a Deus. Essa ligação envolve, por vezes, a ocorrência da
inspiração, o que não implica dizer que o poeta é um nefelibata ou um alienado, ao
contrário, a religião foi a forma de resistência que esses poetas encontraram para se opor
ao mundo circundante, por isso, a falta de Deus também é uma espécie de inspiração de
sujeitos que clamam pela divindade ou pelo fim dessa era. Além disso, o poeta que se
inspira em Deus, também utiliza da técnica para expressar sua fé, afinal, como sabemos,
é por meio da construção “artesanal” das palavras cósmicas que o poeta alcança a
divindade. Desse modo, Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes e Jorge de Lima
por mais que contassem com a efervescência da fé católica utilizaram-se da técnica
poética na expressão religiosa de suas poesias.
A semelhança entre os poetas religiosos é justamente a lucidez de que as
benfeitorias realizadas pelo homem, enquanto que a criação divina é eterna. A inversão
desses valores, no entanto, transforma o poeta inspirado – aquele que foca,
predominantemente, no passado mítico e se enche de sua graça – em poeta profético –
aquele que vê o futuro e revela o fim e/ou o renascimento de um novo mundo. Desse
modo, a imagem de poeta vista sob o viés da poesia religiosa caminha, por vezes, em
divergência. De forma panorâmica, vimos que Augusto Frederico Schmidt dá grande
responsabilidade ao poeta, pois ele resgata Deus e anuncia o Paraíso, mas ao mesmo
tempo vive angustiado por essa obrigação e por ser homem-mortal: “Desejo de não ser
nem herói e nem poeta/ Desejo de ser senão feliz e calmo.” (SCHMIDT, 1956, p. 190).
São, portanto, a própria condição de poeta e a repulsa pelo mundo tal como ele é que
dão ao eu-lírico de Schmidt a solidão e a dependência (obsessiva) de Deus.
Schmidt é, dessa forma, o contemplador solitário da palavra de Deus, Jorge de
Lima é o pregador e Murilo Mendes, o combativo. Mesmo assim, há entre todos eles o
enlace entre a poesia-prece – quando o poeta se coloca em posição de louvor a Deus – e
a poesia-mágica – quando o poeta adquire o poder análogo ao de Deus, de interferência
simbólica no Cosmos. Em suma, o poeta religioso busca transcender o mundo, por meio
da poesia mística, ou transformá-lo, por meio da magia da poesia.
Com este artigo, portanto, vimos que mesmo que a descrença mítica e que a fé
na ciência sobressaiam às experiências míticas, a poesia sempre terá algo para revelar.
Tomamos como exemplo a poesia religiosa (mais precisamente a católica) de poetas
brasileiros do século XX, mas toda poesia (religiosa ou não) carrega certa
espiritualidade, pois um poema sempre transcende à linguagem: o poema representa o
próprio universo, por isso é inseparável dele. Portanto, de acordo com Octavio Paz,
sempre haverá a busca pelo tempo sagrado ou pela revelação, posto que o “homem vive
descontrolado, angustiado, procurando esse outro que é ele mesmo. E nada pode trazê-
lo de volta a si, exceto o salto-mortal: o amor, a imagem, a Aparição” (PAZ, 2012, p.
141) e a poesia que, por fim, é a única capaz de promover esse salto completo ao poeta.
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