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A FORMAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL: "decision-making" sob a ótica de Benjamin N. Cardozo Vanessa Paes de Vasconcelos, mestranda em Direito Público pela Faculdade de Direito de Alagoas - UFAL; [email protected]. Resumo: O presente trabalho visa tratar da teoria de Benjamin N. Cardozo sobre a decisão judicial e, mais especificadamente, em que sentido pode-se discuti-la na doutrina. Dessa forma, parte-se de uma análise inicial da vida e época de Cardozo, visando uma contextualização do tema e aproximação do leitor com as indagações trazidas na teoria jurídica da época. Logo tem-se a análise da obra A Natureza do Processo Judicial que enuncia os diferentes tipos de métodos que auxiliariam o juiz. Destarte, se passa a analisar tais métodos e como a doutrina costuma tratar a utilização de outros recursos que não provenientes da ciência jurídica no auxílio da formação da decisão do magistrado. As considerações tomadas ao longo do trabalho levam à compreensão de que a decisão judicial participa de um contorno maior do que somente o da ciência jurídica. O pragmatismo como base, servindo como conector entre racionalismo e empirismo, utiliza-se de sua moderação na procura de uma decisão ajustada à realidade social, conforme Cardozo. Focar-se na norma em si tem-se demonstrado conveniente diante de casos repetitivos e o abarrotamento de processos nos tribunais. Contudo, a realidade social atesta

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A FORMAO DA DECISO JUDICIAL: "decision-making" sob a tica de Benjamin N. CardozoVanessa Paes de Vasconcelos, mestranda em Direito Pblico pela Faculdade de Direito de Alagoas - UFAL; [email protected].

Resumo: O presente trabalho visa tratar da teoria de Benjamin N. Cardozo sobre a deciso judicial e, mais especificadamente, em que sentido pode-se discuti-la na doutrina. Dessa forma, parte-se de uma anlise inicial da vida e poca de Cardozo, visando uma contextualizao do tema e aproximao do leitor com as indagaes trazidas na teoria jurdica da poca. Logo tem-se a anlise da obra A Natureza do Processo Judicial que enuncia os diferentes tipos de mtodos que auxiliariam o juiz. Destarte, se passa a analisar tais mtodos e como a doutrina costuma tratar a utilizao de outros recursos que no provenientes da cincia jurdica no auxlio da formao da deciso do magistrado. As consideraes tomadas ao longo do trabalho levam compreenso de que a deciso judicial participa de um contorno maior do que somente o da cincia jurdica. O pragmatismo como base, servindo como conector entre racionalismo e empirismo, utiliza-se de sua moderao na procura de uma deciso ajustada realidade social, conforme Cardozo. Focar-se na norma em si tem-se demonstrado conveniente diante de casos repetitivos e o abarrotamento de processos nos tribunais. Contudo, a realidade social atesta sua complexidade e o modelo convencional de tomada de decises j no tem efetividade, desatualizado das evolues sociais. Apesar de ter sido um pensador do incio do sculo XX, Benjamin Cardozo, destaca-se importante na teoria da deciso, ao revelar e procurar elaborar mtodos reais de tomada de decises.Palavras-chave: Benjamin N. Cardozo; Deciso Judicial; Pragmatismo; Sociedade.

IntroduoA determinao das razes de decidir , sem dvida, o momento culminante da dialtica estabelecida entre o juiz, seus pares, as partes e a sociedade, bem como a si mesmo. Assim nos direcionamos ao processo de formao da deciso judicial e como tal se d na sua formao conforme um dos expoentes da doutrina judicial norte-americana: Benjamin Nathan Cardozo. Esse jurista norte-americano se destaca na rea da investigao acerca da deciso judicial, por seu posicionamento jus-sociolgico no que tange ao processo judicial. Ainda que controversa a sua filiao filosfica, justamente devido ao seu ecletismo de ideias, por ora flertando com as concepes da jurisprudncia sociolgica, por outro analisando atravs de uma tendncia realista, possvel dizer que Cardozo, mais que um jurista, era predominantemente um filsofo de filiao pragmtica. A corrente pragmatista como corrente filosfica surgiu como uma teoria da verdade e costuma se apresentar como definidora de um liame ntido entre teoria e prtica, onde o significado de um conceito nada menos que a soma de todas as consequncias prticas possveis. Dessa maneira, muitos juristas influenciados pela corrente pragmtica iniciaram as suas consideraes tendo como figura direcionadora Oliver Wendell Holmes, que identificava o significado de uma lei a suas consequncias prticas no leading case, ou seja, as possibilidades de aplicao ao caso concreto.Benjamin Cardozo fora um de seus discpulos, abraando a viso de que o direito experincia. Todavia, o que torna Benjamin Cardozo um doutrinador diferencial no direito, a carga realista que transparece em sua teoria, ao demonstrar que possvel que o juiz julgue conforme as suas idiossincrasias nos hard cases, mas sempre objetivando os ideais de funo e fins do direito de maneira a determinar a melhor soluo para o caso concreto. Tal soluo seria proveniente de vrios aspectos a serem aferidos pelo julgador, este concebido como um rgo da justia, mas tambm como ser humano. Adepto de uma corrente de pensamento revolucionria nos Estados Unidos, numa era de corrupo e de supremacia do processo acima da sociedade, Benjamin Cardozo nos aponta um caminho com vistas ao fim social.O que se pretende atingir no escopo deste trabalho a importncia da mensurao da realidade ftica pelo mundo jurdico, sem que se esquea dos ideais de justia. Agindo dessa forma, ao analisar o direito pelo o seu Ser e no pelo seu Dever-Ser sem, contudo, deixar-se seduzir pelas ideias do ceticismo radical que observamos espao de discricionariedade que poderia ser tomado pela investigao cientfica, utilizando-se dos mtodos da mesma.Ao tomarmos tal direo possvel que se coadune a jurisprudncia atual com a realidade da sociedade em que formada, como assim prelecionava Cardozo. Dessa forma, o processo judicial um espao formal de argumentao vlida para a soluo de litgios na sociedade. possvel dizer que ao procedermos anlise de sua estrutura e os seus reflexos no sistema processual, ao fim, que se vislumbre igualmente a sua repercusso social, ou seja, suas consequncias. Dessa forma, ainda que a deciso judicial seja seletiva, eliminadora de alternativas e redutora de complexidades, deve o juiz considerar as consequncias possveis decorrentes de sua deciso para que cumpra os fins do bem-estar social, de modo que o pragmatismo venha em seu auxlio..1.A INVIVEL APLICAO PURA DA LGICA JURDICA NOS HARD CASES E O OFCIO DO JULGADORBenjamin Nathan Cardozo nasceu em 1870, aps a Guerra Civil, e faleceu em 1938, momento em que os Estados Unidos vivenciavam a era do New Deal. Descendente de judeus portugueses sefarditas, Cardozo nasceu em Nova Iorque, cidade onde morou durante toda a sua vida. Sua pregressa reputao e sua etnia judaica lhe oportunizaram concorrer ao posto democrtico na New York Court of Appells. Apesar de sua falta de experincia como juiz e sua relativa juventude, foi eleito para a mais alta cmara de apelaes do Estado de Nova Iorque.Trabalhou durante 18 anos na Court of Appels, alcanando posio de notabilidade nacional como juiz, apenas hierarquicamente inferior de Oliver Wendell Holmes entre os juzes americanos. Cardozo, agora por integrar uma das mais distintas cortes do Common Law, passou a ser, igualmente, um dos mais ascendentes juzes dos Estados Unidos, conhecido por fundar o American Law Institute e por ser um renomado conferencista em Jurisprudncia (POSNER, 1993, p. 3).Em 1927, foi apontado para o cargo de Ministro da Corte de Apelaes, onde permaneceu at 1932 at ser indicado como substituto ao cargo de Oliver Wendell Holmes na Suprema Corte Americana. Este fato foi apontado por Posner (1993), como uma mera casualidade, apesar de sua reputao como um dos mais respeitados juristas pela academia, advogados e juzes, por suas qualidades pessoais e profissionais (POSNER, 1993, p. 4).Durante a sua atuao na Suprema Corte, foi descrito como um estudioso incansvel, um homem educado, ateu, apesar de judeu, e moderado em mais fina essncia. Dessa forma, no era incomum descrev-lo como uma pessoa sem vises radicais, sejam polticas ou metodolgicas.Cardozo era cautelosamente liberal, um progressista de cunho moderado, mantendo vises de cunho mais avanado que s de sua poca, mas, ainda assim, no descartava imediatamente as opinies contemporneas. Credita-se a tal qualidade a desenvoltura com que fazia o seu trabalho de juiz. Assim, declara que tal tipo de temperamento, moderado e ponderado, tornava o jurista uma pessoa nata para a atividade jurisdicional, uma vez que era evidente o seu desembarao para a anlise de opinies divergentes e a tomada decisional (POSNER, 1993, p. 6).Foi no perodo como ministro da Suprema Corte que Cardozo passou seus ltimos seis anos de vida discutindo as questes constitucionais que envolviam graves desacordos na sociedade civil e, finalmente, tornou-se parte da maioria que reformulou o direito constitucional americano e ajudou a definir o caminho doutrinrio que a Suprema Corte tem seguido desde ento (DAHL, 2009, p. 26).O lado progressista da obra de Cardozo bem conhecido, mas h tambm um lado cauteloso ao seu trabalho como juiz e terico. Cardozo no era nenhum revolucionrio. O que ele descrevia era uma verso do que juzes ingleses e americanos tinham feito ao longo de sculos, reafirmada e adaptada para o uso moderno. Ele acreditava que o papel principal na conduo da mudana social, em uma democracia, pertencia ao legislativo e ao executivo (KAUFMAN, 1998, p, 5-8).Embora a justia fosse importante para ele, no acreditava que os juzes poderiam simplesmente fazer o que eles pensavam que era justo. Cardozo considerava que o juiz deveria respeitar precedente, histria e os poderes dos outros ramos do governo, julgando os envolvidos levando todos esses fatores em conta, metdica e imparcialmente. Ainda assim, como juiz, reformulou as regras em muitas reas do direito privado e pblico, tais como refino de muitos elementos da legislao e a expanso dos limites do poder do governo com o fim de regular a economia no direito constitucional. Ao mesmo tempo, em seu trabalho extrajudicial de palestras e da escrita, explicou e defendeu a legislao judicial. Cardozo ajudou a modernizar a jurisprudncia e forneceu, com seu trabalho intelectual, guia que iluminava a tradio e a arte de julgar, vocao que praticou com excelncia (KAUFMAN, 1998, p. 5).No final do sculo XIX, as tendncias do positivismo analtico e a consequente aplicao extremada do formalismo jurdico eram amplamente influentes[footnoteRef:1]. Tal aplicao deveria se dar sem distores, j que o sistema era considerado perfeito, uno e completo e, por isso, ao aplicador do direito cabia apenas a subsuno normativa das leis e/ou precedentes. [1: O formalismo jurdico defendia a aplicao dedutivista do Direito, contendo como premissa maior a norma e como premissa menor, o caso. (FRIEDMANN, 1967, p. 246).]

Dessa maneira, caso houvesse lacunas, utilizar-se-ia as tcnicas legislativas para integrao do sistema, pois que as omisses deveriam ser objeto de preocupao e correo do legislador e no do juiz (FERRAZ JNIOR, 2007, p. 219). Tudo isso deveria ser feito com extremo rigor, retirando-se toda a criatividade e poder legiferante das mos do Judicirio na poca. Tal corrente de pensamento jurdico escondia e, no obstante, negava o papel criativo dos juzes. Todavia, as descobertas da cincia moderna e a segunda revoluo industrial conduziram a fatores econmico-sociais, como o modelo taylorista/fordista de produo20, que reclamavam maior a agilidade e solues jurdicas imediatas, devido ao aumento da complexidade e dinamicidade da sociedade moderna (DINIZ, 2008. p. 57).Tornou-se evidente, com a evoluo da sociedade, que Uma lei indeformvel somente existe em uma sociedade imvel (SICHES apud DINIZ, 2008. p. 57), surgindo inmeras crticas ao formalismo jurdico, posicionamento exegeta que predominava na cultura jurdica. Configurado o cenrio em que se encontrava Cardozo, tem-se este jurista, entre Oliver Holmes e Roscoe Pound, como um defensor das ideias do realismo jurdico, corrente de pensamento legal que tinha como suporte filosfico o pragmatismo (FRIEDMANN, 1967, p. 245), alm de ser considerado um dos expoentes da escola sociolgica da jurisprudncia. Originaram-se como correntes crticas ao formalismo e posicionamento meramente exegeta do julgador, assim como o utilitarismo, o teleologismo, a escola da livre investigao cientfica e a jurisprudncia de interesses (DINIZ, 2008, p. 59).Portanto, os Estados Unidos da poca foi o cenrio perfeito para as discusses acerca da lgica teortica e da forma da lei por variados fatores, entre eles: um pas onde havia uma jurisdio federal e quarenta e oito jurisdies estatais, produzindo inmeros precedentes simultaneamente; onde os contrastes entre a teoria e a prtica no sistema constitucional eram flagrantes; alm de mltiplas maquinaes polticas dentro do sistema judicial, aliando-se a isso a profunda crise econmica deflagrada no final dos anos 20 (FRIEDMANN, 1967, p. 246).Nessa conjuntura supracitada Cardozo apoiou a modernizao da lei e sua constante evoluo, por meio do Instituto Americano de Direito[footnoteRef:2], aprovou muitas formas de ativismo legislativo e executivo, praticando e defendendo o papel do juiz como legislador criativo, observando os limites prprios, que sero analisados em momento oportuno. [2: Tal instituto tinha como objetivo a compilao e uniformizao dos julgados e precedentes a fim de estipular uma carta de princpios acompanhada de profundas anlises e discusses realizadas pela nata da cincia jurdica estadunidense. (CARDOZO, 2004, p. 10).]

O Poder Judicirio um dos trs poderes estatais, tal configurao de diviso de poderes se v inscrita na maioria das cartas constitucionais do mundo ocidental. Conforme a teoria da separao de poderes de Montesquieu, ao julgador cabe apenas a aplicao da lei emanada pelo legislador, sem imiscuir-se na funo determinada ao outro (MONTESQUIEU, 2010, p. 204).Entrementes, Cardozo afirmava que ao Judicirio fosse confiada a tutela dos direitos subjetivos dos indivduos, ainda que contra o Poder Pblico a este subserviente. Ainda que o julgador seja um agente pblico subordinado s restries do Estado e a sua organizao, ele investido no cargo para a tarefa de decidir os conflitos da sociedade e corrigir a imperfeita realizao automtica do direito (CINTRA, A.C.A.; GRINOVER, A.; DINAMARCO, C. R., 2009, p. 174), tendo autonomia para decidir.A questo que Benjamin Cardozo aborda com propriedade a problematizao do caminho que o juiz, investido em seu poder jurisdicional, percorre do ajuizamento da demanda at a deciso da causa. Indaga o leitor quais seriam as influncias e limites considerados pelo julgador e como poderia se determinar o mtodo para a deciso mais acertada.Ao realizar o deslocamento do inqurito do dever-ser para o ser, esclarece que o foco inicial no como se deve julgar, mas como tal ocorre na prxis da magistratura e quais seriam os caminhos que o julgador toma na prolao de sua deciso, quando a lei ou os precedentes so insuficientes (CARDOZO, 2004, p. 68)., assim, que Cardozo fornece a verdadeira utilidade da deciso judicial para o meio social, demonstrando os diferentes mtodos que podem servir como instrumentos na funo da magistratura, a fim de que se produza a melhor deciso para o bem estar da sociedade. , enfim, em sua obra, que o cerne da questo se transmuta, tornando-se, assim, um diferencial na doutrina norte americana no que atine ao processo judicial e sua natureza (CARDOZO, 2004, p. 4).Cardozo acreditava que h um princpio norteador para todos os juzes ao haver o preparo da deciso. Esse preparo tem a sua origem em uma escolha esta depender, entretanto, da considerao de diversos fatores subconsciente ou consciente. O consciente aquele conceito ou grupo de conceitos, ainda que no conscientes (no sentido adjetivo), mas que podem ser facilmente separados, determinados e referenciados com maior facilidade (CARDOZO, 2004, p. 45).No que tange ao subconsciente, o autor trata tal conceito como um elemento identificador de coerncia interna, das decises que so emanadas por um mesmo juzo, mas tambm como causa de incoerncia entre juzos diferentes. Tal aspecto remonta a William James e sua compreenso de filosofia subjacente que, em uma abordagem fisiolgica, trata do aspecto reflexo que o exterior produz no interior da natureza humana (ARAKI, 2009, p. 30). Entende-se, para efeitos no presente trabalho, que o resultado dessa filosofia subjacente para os juzes a concepo das necessidades sociais.As dificuldades hermenuticas do juiz so vrias e uma delas provm, precipuamente, segundo Cardozo, da tentativa hermenutica exagerada de se apurar a inteno do legislador, entretanto tais conjecturas no tornam tal dificuldade a maior, uma vez que no h oniscincia do legislador. Justamente por isso que a maior dificuldade encontra-se quando h o surgimento de conflitos no pensados pelo legislador, nos quais a mera anlise de sua vontade no seria suficiente para a deciso mais ajustada do conflito (CARDOZO, 2004, p. 5).Isso posto, o papel do juiz est em formular hipteses com base em vrios mtodos, com o fim de se atingir a justia no caso concreto. Alcanando-se o que o legislador nunca poder atingir (FERRAZ JNIOR, 2007, p. 267-270). Cardozo ento adota a posio objetivista da questo hermenutica ao mencionar Brtt e sua afirmao de como deveria se dar o modo de agir do julgador: suprir as omisses da lei, corrigir as incertezas e harmonizar os resultados com justia, com base em um mtodo de livre deciso (CARDOZO, p. 6).Benjamin Cardozo fiava-se na crena que os Cdigos so engessadores e levavam ao desuso da norma, observando que o mtodo da livre deciso seria mais atinente s necessidades prticas e aos resultados almejados pela sociedade, ao contrrio do estabelecimento de concepes ltimas que levariam soluo dos casos concretos. Tais consideraes tm como base o pensamento de Gny, ostensiva presena no pensamento jurdico nos Estados Unidos na poca, em funo da sua preocupao com as consequncias emanadas do ato decisrio. Segundo o pensamento do jurista francs, o juiz no dever se ater unicamente ao que est inscrito na lei, mas sim ao meio social em que se consubstancia o conflito apresentado. Deve-se realizar uma anlise cientfica, utilizando-se da analogia e costumes a fim de reparar erros e preencher lacunas quando assim o exigir (KENNEDY, Duncan; BELLEAU, Marie-Claire, 2000, p. 300).Importante ressalvar que, para Cardozo, os precedentes legais no sistema do Common Law no so as fontes ltimas do Direito, possuindo papel essencial os postulados do raciocnio judicial, os hbitos de vida e as instituies sociais que deram vida a tais concepes jurdicas (CARDOZO, 2004, p. 7). Entretanto, quando o caso claro h aplicao do stare decisis[footnoteRef:3]. [3: Stare decisis uma expresso utilizada no direito norte americana para se referir prtica da Suprema Corte Americana em adotar a doutrina previamente anunciada em casos subsequentes. (CAMPBELL, Thomas, 2004, p. 54).]

Entretanto, o trabalho do julgador, como j mencionado, no se atm ao mecanicismo. H situaes em que se dever atenuar o stare decisis, assim como faria um julgador da Civil Law ao flexibilizar os preceitos mandamentais da lei. Principalmente, se o trabalho for de um juiz da Suprema Corte. Dessa maneira, Cardozo determina que o trabalho de um juiz o de ajustar a lei aos litigantes e estabelecer tambm para os demais indivduos da sociedade um padro comportamental.Revela-se aqui um papel do juiz no meramente processual, mas tambm extraprocessual, no qual seus efeitos se expandem sobre toda a sociedade. Igualmente, Holmes abordava sobre o desenvolvimento que o juiz trazia ao ordenamento jurdico no momento que decidia, quando dissertava acerca da negligncia judicial e a possibilidade de responsabilizao jurdica. O agir dentro das cortes, dessa maneira, acresce ao juiz o pensamento do homem mdio e a sociedade em seu torno (HALIS, Diego de Castro. 2010, p. 173).2.A DINAMICIDADE DO PROCESSO JUDICIALNesse nterim, menciona Redlich (1906), em seu Soziologie und Jurizprudenz, que props o estudo sobre o Poder Gerador do Julgamento. Passa-se ainda pela afirmao de McDougall (1908) que tem como fundamento psicolgico das decises no Common Law o hbito, passando-os todos pelo teste da experincia. Outros doutrinadores, principalmente estudiosos da sociologia do direito, igualmente, referem-se a esses efeitos decorrentes da deciso judicial (CARDOZO, 2004, p. 9-11).Ainda, dentro do sistema do Common Law, o autor narra que tal sistema utiliza as sentenas provenientes do Poder Judicirio como hipteses de trabalho, pois essas deveriam operadas em sintonia com o fim ltimo de justia e verdade. assim, evidente a crena nos resultados compatveis com as circunstncias particulares e com o bem estar social, vez que, aparentemente, um voto vencido pode no surtir resultados no momento em que publicado, mas que se analisado conforme com as condies sociais da poca, pode vir a se transmudar e formar elementos de evoluo no ordenamento jurdico. Valioso frisar que isso se d em um processo histrico, porm mais clere, por vezes, que as mudanas legislativas no sistema da Civil Law.Entretanto, a probabilidade que se torne a aplicao do mtodo histrico mais frequente que o lgico, tendo em vista a anlise das consequncias. Tido isso, a histria vista como base, no se atendo mera repetio do Direito pretrito, mas como uma evoluo iluminadora, a fim de explicar e elucidar os caminhos onde a utilidade e os costumes se do como presentes.Cardozo faz questo de salientar que algumas searas do direito foram concebidas unicamente pela histria, pelos fatos e esses mesmos fatos tornaram-se normas[footnoteRef:4]. Holmes ainda salienta o importante papel do mtodo histrico quando diz que uma pgina de histria vale todo um volume de lgica (HOLMES apud CARDOZO, 2004, p. 38). A justificativa para a importncia deste mtodo encontra-se na sua origem. A origem dos conceitos e concepes jurdicas no sistema legal decorrente do meio extrajurdico, no o contrrio, caracterizando-se o fundamento de que no se pode levar em conta somente as consequncias lgicas de um preceito legal. [4: Nota-se clara tendncia da escola sociolgica em Cardozo, no que tange formao do Direito pela sociedade, como prprio resultado de uma necessidade da mesma.]

Tais concepes tornar-se-iam ininteligveis e de certa forma arbitrrias se separadas de seu passado. Nega-se aqui uma origem puramente metafsica, indo em direo dos juristas metafsicos, para os quais o Direito emana de uma natureza pr-concebida e intrnseca ao sistema (BOBBIO, 1995, p. 32).H, todavia, certos casos que se prestam a um ou outro mtodo e, nesse momento, a predileo do juiz por um ou outro que vai determinar a escolha e o caminho a ser seguido na confeco da deciso judicial (CARDOZO, 2004, p. 40). Ou, ainda, ir depender muito propriamente de intuies relativas a adequaes que so sutis, volteis e imperceptveis em demasia para serem depuradas e reveladas pela fora da convenincia e utilidade. Melhor dizendo, as foras subconscientes que Cardozo se refere e que sero discutidas posteriormente.Ainda no que concerne mtodos a serem utilizados para a formulao da deciso, o autor disserta acerca dos costumes, presentes na tradio e histria do Common Law. Destarte, caso a filosofia[footnoteRef:5] e a histria no sejam suficientemente aplicveis, possvel o preenchimento das lacunas com os costumes, ou seja, mtodo da tradio. Estes so tidos como as aes que se fazem presentes no mago social e que podem ser aferidos pelo julgador de forma relativamente simples atravs da observao e experincia (CARDOZO, 2004, p. 42). [5: Cardozo tratava como filosofia ou mtodo da filosofia a coerncia lgica do sistema.]

Os costumes servem como critrios e parmetros que determinam a aplicao das normas. Contudo, quando o costume excede aplicao normativa, que se deve deixar ao Poder Legislativo, a tarefa de modificao. Isto porque, os juzes, em regra, no devem buscar imprimir status normativo a costumes recentes e sem confiana por parte da sociedade. Alega, igualmente, que h ramos do direito que permitem a admisso de tais costumes com maior facilidade que em outros.Afirma que ao se posicionar as prticas do cotidiano e as colocar em uma linha do tempo, poder-se- ampliar o conceito de costumes para a moralidade consuetudinria de uma determinada sociedade em uma determinada poca, encontrando-se a o ponto de contato entre o mtodo da tradio e da sociologia.A problemtica com que se depara o juiz certamente se faz interessante e varia relativamente ao ramo do direito e ao instituto em questo. Mas, ainda que esses mtodos da filosofia, da tradio e da histria se faam presentes, uma finalidade que deve ser a observada pelo juiz a necessidade social devendo at mesmo distorc-los ou ignor-los para que a mesma seja alcanada. Pois essa a causa ltima do Direito (CARDOZO, 2004, p. 70).Cardozo considera que o Direito deve ser adaptado, ainda que dentro de seus limites. O prprio bem-estar social que vai determinar a ampliao ou restrio da norma. A tarefa do juiz inclui a determinao dos componentes do bem-estar social em questo, sem sacrificar a certeza, a segurana, a ordem e a uniformidade por questes inconvenientemente efmeras. Tal tarefa no poderia ser executada sem a observncia das normas maiores e dos precedentes, visto que consistem no sistema jurdico, aos quais os juzes devem continuar em sua coerncia e certeza.A alterao da aplicao dessas normas superiores somente se d em razo das lacunas do direito. A equidade deve ser observada em uma deciso bem fundamentada, posto que as sentenas no so perptuas. O direito no poderia estar contra tal equidade e nem sacrific-la em uma deciso irracional fundamentada meramente nas sentenas dos juzes predecessores, incorrendo no erro do uso do mtodo histrico, filosfico ou tradicional sem o cumprimento do bem comum da sociedade (CARDOZO, 2004, p. 49).Como j demonstrado anteriormente, o objetivo e funo do direito, para Cardozo, a efetivao do bem estar social e a justia. Estes devero estar circunscritos aos padres de boa conduta que expressem os usos e costumes de uma determinada comunidade. Na verdade, no somente um mtodo, mas, sim, um meio pelo qual o juiz decide qual ser o mtodo aplicvel.Portanto, ao julgar o bem-estar social e a justia em cada caso, o juiz deve se valer de critrios objetivos, originais de prticas e convices sociais, por meio de uma investigao cientfica, assim como determinava Gny (KENNEDY, Duncan; BELLEAU, Marie-Claire, 2000, p. 300), mediante o estudo, a experincia e a reflexo. O juiz no deve, a princpio, aplicar a sua valorao, deixando-a de lado pela valorao pela qual a legislao determina. Entretanto, se for verificado in casu que tais ponderaes seriam insuficientes para a consecuo dos fins do direito, ento o juiz estaria autorizado a utilizar-se de sua prpria valorao. Vale ressalvar que esse mtodo predomina sobre os demais, devido a sua importncia e status dentro do ordenamento jurdico (IHERING, Rudolph Von., 2007, p. 31).Avalia-se, no obstante, a primeira indagao de Cardozo: onde o juiz encontra a lei que ele incorpora em seu julgamento?. H a separao de trs categorias classificadas com base na quantidade percentual em relao ao todo: a primeira corresponde aos casos em que o processo judicial um pouco mais que um processo de busca e comparao. A segunda categoria se refere aos problemas de aplicao do direito, na qual a natureza duvidosa se d acerca das matrias de fato, apuradas por um processo judicial inquisidor e analtico. Essas geralmente causam dissidncias entre os juzes.E, por fim, uma ltima alocada na possibilidade de mltiplas solues plausveis e aplicveis ao caso, devendo-se considerar a repercusso no desenvolvimento do Direito. Salienta, todavia, que a maioria das questes levadas ao Judicirio, no possui uma natureza dbia, pertencentes primeira categoria e a aplicao do precedente judicial ao caso torna-se uma questo de obviedade (CARDOZO, 2004, 119).Em oposio a essa afirmao, Medeiros (2000, p. 153) sustenta que nenhuma lei to clara que dispense a interpretao, onde a compreenso qualificada da lei incube estar sempre presente, devendo o juiz ter extrema cautela com o contedo e seu alcance, atribuindo ao juiz a tarefa de sempre buscar a contextualizao da lei, com vista evoluo da sociedade, ainda que a subsuno do fato norma parea estar determinada mecanicamente.Ainda em relao a essa considerao de Medeiros, Cardozo no concebe o trabalho do juiz como meramente mecnico, apesar de creditar algum mecanicismo forma como se d a funo julgadora na maioria das vezes (NOGUEIRA, 2009, p. 313). Isso porque no ordenamento jurdico h diversas lacunas, dvidas e ambiguidades a preencher, pois que considera ser o objetivo do juiz ser fator de correo de erros e superao de dificuldades no processo judicial (DINIZ, 2002, p. 16). vista disso, valioso realizar a apresentao do cenrio em que este se acha inserido, de maneira a determinar o seu grau de escolha e influncias no processo de formao decisional, a fim de que se determine a anlise do seu papel na formao e evoluo do direito.O que h de ressalvar que, para Cardozo, havia um modo de como o direito deveria ser e de como o direito , ou seja, aquele direito encontrado nos tribunais, no mesmo sentido em que costumava descrev-lo Holmes, um dos grandes influenciadores do movimento realista e da doutrina norte-americana como um todo[footnoteRef:6]-[footnoteRef:7]. [6: The prophecies of what the courts will do in fact, and nothing more pretentious, are what I mean by the law. [As profecias do que as cortes faro em fato, e nada mais pretencioso, o que eu quero entender como direito]. (HOLMES, 1897)] [7: Tanto a jurisprudncia sociolgica como o realismo jurdico norte-americano so movimentos para aqueles que acreditam na cincia e a utilizam como critrio sempre que possvel, servindo lei como coordenada. tambm, por outro lado, empirista, pois procura uma orientao cientfica em fatos observveis (FRIEDMANN, 1967, p. 256).]

A princpio, tal nfase na defesa dos fatos cientficos ao invs das generalizaes metafsicas resultou em algumas crticas por nomes como Pound e Cohen, os quais apontavam o absurdo patente de uma soluo para os problemas legais pelos seus meios unicamente, excluindo-se os ideais legais. Mas com o decorrer do tempo e a evoluo dos estudos, maior importncia foi dada aos fins do direito, suas valoraes e seus postulados, com um novo esforo na separao do Ser e do Dever (FRIEDMANN, 1967, p. 256)Desmistifica Cardozo, a ideia da neutralidade judicial na medida em que aceita que atrs dos precedentes, esto as concepes jurdicas bsicas que constituem os postulados do raciocnio judicial, e, mais atrs, os hbitos de vida e as instituies sociais que deram origem a essas concepes (CARDOZO, 2004, p. 9).Admite-se, igualmente, a impossibilidade de transcender as limitaes que possui o ego, impedindo o julgador de vislumbrar as coisas como elas realmente o so, ainda que, no obstante, seja necessria a manuteno de um ideal objetivo (CARDOZO, 2004, p. 77). Nota-se aqui o ponto de vista do observador como integrante do processo de conhecimento, aceitando-se a distoro tida pela viso do homem inserto no ambiente que se determina a conhecer[footnoteRef:8]. [8: No mesmo sentido, Cardozo afirma: A realidade absoluta e incondicionada pode existir, mas preciso que ela seja conhecida, se isso for possvel, mediante suas manifestaes no condicionado e relativo. O pragmatismo , pelo menos, uma norma de trabalho, pela qual se prope provar a verdade e seu limite conhecido. (CARDOZO, 2004, p.34).]

O que torna a aproximao possvel dessa abordagem cardoziana com a abordagem da hermenutica pragmtica. Assim, de acordo com as teorias hermenuticas pragmticas, se faz necessria a insero do homem como ser histrico em um contexto social, onde qualquer interpretao ser sempre circunstancial (CATO, 2007, p. 39). verdade que em funo, justamente, da limitao do aparelho cognoscitivo em que as formas de tempo e espao limitam o conhecimento do mundo tal como ele (CATO, 2007, p. 47), resultando em uma dupla implicao do homem e do mundo. Contudo, h de se concordar que o ceticismo radical no poderia ser inserido na teoria de Cardozo, vez que deveramos ser capazes de confiar nas palavras que usamos para enquadrar e transmitir nosso conhecimento, pois s contamos com esse modo humano de estabelecer comunicao e com ele que podemos divulgar o que conquistamos (BLACKBURN, Simon, 2006, p. 219).No mesmo sentido, Cardozo afirma: A realidade absoluta e incondicionada pode existir, mas preciso que ela seja conhecida, se isso for possvel, mediante suas manifestaes no condicionado e relativo. O pragmatismo , pelo menos, uma norma de trabalho, pela qual se prope provar a verdade e seu limite conhecido. (CARDOZO, 2004, p.34).Em contraposio, h autores que acreditam em uma leitura mais intimista-subjetiva no que concerne ao processo de formao da deciso judicial, como o professor Richard Gray (1909) quando narra que:Todos concordamos, que muitas causas deveriam ser decididas pelos tribunais de acordo com as noes de certo e errado e, claro, todos concordaro que o juiz provavelmente compartilha as noes de certo e errado predominantes na comunidade em que vive; mas suponhamos que, numa causa em que no h nada a orient-lo a no ser noes de certo e errado, suas noes de certo e errado difiram das noes da comunidade. Quais ele deve seguir suas prprias noes ou as da comunidade? (...) Acredito que ele deve seguir suas prprias noes.Entretanto, essa no opinio divisada por Cardozo, pois, ainda que admita influncias extrajurdicas na deciso, este considera que o juiz tomaria uma deciso equivocada caso impusesse suas idiossincrasias de conduta ou crena frente comunidade, uma vez que dever do juiz se conformar aos padres aceitos no meio social em que vive (CARDOZO, 2004, p.79), no significando, entretanto, que o juiz no possa introduzir um padro elevado de conduta dentro da sociedade, baseando-se na equidade e nos fins de direito[footnoteRef:9]. [9: Em Cardozo, h o tratamento das questes dos fins do direito como uma questo filosfica em que, quando h o surgimento de uma nova situao em que nenhum processo de lgica ou analogia que lhe fosse adaptvel, haveria de se pedir o resgate concepo de direito e dos fins do direito para este ou aquele juiz. (CARDOZO, 2004, p. 67).]

3. A DECISO JUDICIAL CONFORME OS INTERESSES DA SOCIEDADE E A PESQUISA CIENTFICA NO AUXLIO DA SUA PROLAO. Abordando a situao do modus decisional, h de se verificar que real a possibilidade, mediante uma nova viso metodolgica pragmatista com cunho realista, de uma final adequao do direito s constantes mudanas em uma sociedade ps-moderna (SOUTO, 2002, p. 70). Principalmente na Amrica Latina, demonstrado que encontramos vrios entraves na cultura do formalismo jurdico e na negao cega cegueira que nega a da abertura dos problemas jurdicos s novas abordagens empricas e a aceitao de influncias vrias que no so decorrentes das normas jurdicas apenas, mas tambm da sociedade em seu torno.Cardozo costumava pontuar reiteradamente que h, por vezes, uma questo que ir prestar-se a um mtodo ou outro[footnoteRef:10]quase que de maneira indiferente. Dessa maneira, saber qual mtodo que ir prevalecer se basear, to somente, em circunstncias relativas convenincia e adequao que so to despercebidas para que se permitam ser avaliadas, to volteis para que se saiba a sua localizao ou, ainda, compreensveis: so foras subconscientes que controlaro tal tomada de caminho (CARDOZO, 1994, p. 41). [10: Aqui se refere aos mtodos da filosofia, da histria, da tradio e da sociologia.]

claro que a abordagem realista em relao aos problemas jurdicos assim considerada como um fermento que pode ser usado para as mais variadas ideologias. Demanda tambm uma sociedade fundada na democracia, capaz de aceitar a objetividade das decises, a fim de no se cultivar um sistema totalitarista. Tambm em um sistema onde um legislador comparativamente passivo e neutro em funo das foras sociais em ao na sociedade, no pode um movimento como o realismo americano operar e prosperar (FRIEDMANN, 1967, p. 259).Em uma breve considerao, Barroso (2012) declara que comum ao sistema romano germnico classificar o direito como uma cincia. Cato cita ainda que o direito moderno um direito de modelo dogmtico no que tem como caractersticas essenciais a inegabilidade dos pontos de partida e a obrigatoriedade de decidir (CATO, 2007, p. 41). Tambm, precioso ressaltar que o direito tem tambm como estrutura, uma estrutura prescritiva que passa a moldar a vida em sociedade por fora de um juzo de prospeco. Por consequncia, segundo a lgica da dogmtica, as normas so editadas pelo legislador e decididas pelo julgador. Ambas essas situaes so dependentes de atuao de agentes do Poder que exercido pelo povo[footnoteRef:11]. [11: Art. 1. [...]. Pargrafo nico. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio. (BRASIL, 1998)]

A criao da norma expressar os interesses dominantes ou, se assim se preferir, o interesse pblico, tal como compreendido pela maioria em dado momento e lugar. J o exerccio da jurisdio se dar pela compreenso, em diferentes graus de intensidade, dos julgadores juzes ou tribunais sobre que sentido poder se dar norma (BARROSO, 2012, p. 24).Nesse nterim, nota-se uma relao entre a funo de fornecer o sentido da norma pelos juzes e a caracterstica principal da linguagem jurdica que a sua textura aberta. Assim, pela linguagem aberta dos textos jurdicos que se poder aferir maior ou menor grau de espao para a subjetividade (BARROSO, 2012, p. 24). nesse contexto em que a escolha entre as mais variadas posies d espao aos elementos subconscientes na deciso judicial.Um dos objetivos necessrios do direito para a jurisprudncia analtica fora, alm da disputa, a busca da certeza. Assim, os realistas utilizaram a psicologia como em Jerome Frank, para tentar quebrar o mito da certeza trazido pela escola analtica, construindo em seu lugar uma filosofia que parece ser bem similar ao preceituado pela Escola Livre do Direito, onde o juiz, irrestrito pelos postulados e precedentes, utiliza-se de uma valorao dos problemas sociais em jogo (FRIEDMANN, 1967, p. 258).Por outro lado, o auxlio das cincias da estatstica, economia, criminologia, entre outras, significa na utilizao de uma nova certeza no conhecimento da lei, infirmando uma lgica falaciosa (FRIEDMANN, 1967, p. 258). Nesse sentido h de se observar que as opinies de Cardozo, bem como de muitos realistas na poca foram baseadas na obra de Franois Gny, jurista francs, que abriu ao mundo as fragilidades da doutrina exegeta.Sua repercusso nos Estados Unidos se deu pelo objetivo precpuo dos pensadores de ambos lados do Atlntico: de reformular o mtodo tradicionalista de se pensar o direito. Sendo assim, o questionamento norte americano sobre o Classical Legal Thought foi marcado, parcialmente, pelos pensamentos de Gny, utilizando o peso de sua autoridade para a reformulao das teorias legais (KENNEDY, Duncan, BELLEAU, Marie-Claire, 2000, p. 295).Fato que era adotado por Gny, analogamente em Cardozo, que a Livre Pesquisa Cientfica somente iria intervir nos inevitveis espaos deixados pelo Cdigo Civil, j que mesmo os princpios gerais podem s vezes ser seguidos risca na deduo de suas consequncias (CARDOZO, 2004, p. 104). Dessa maneira, a Livre Pesquisa Cientfica no resultaria em qualquer diminuio na supremacia do Cdigo Civil, caso que seu contedo fosse claro (KENNEDY, Duncan; BELLEAU, Marie-Claire, 2000, p. 297). A ideia corrente, aps as devidas distines feitas entre a crtica ao mtodo e a crtica substncia, era de que a reconstruo de uma nova base para as normas, ou seja, a substncia do Cdigo Civil seria utilizar o conceito social predito por Gny (KENNEDY, Duncan; BELLEAU, Marie-Claire, 2000, p. 299). Tal conceito consistiria em um elemento nico, um elemento orgnico, para tal reconstruo. importante afirmar que a Livre pesquisa cientfica no seria possvel se o conceito social igualmente no o fosse. Assim, o que legitimaria a jurisprudncia e motivaria a doutrina a partir do momento em que se cessa a crena na cientificidade exegtica seria que a livre pesquisa cientfica consistisse em um mtodo cientfico a fim de aferir a substncia do social. Dessa forma, os juzes utilizariam a livre pesquisa cientfica para estampar essa ideia e por fim adaptar a lei s novas circunstncias sociais (KENNEDY, Duncan; BELLEAU, Marie-Claire, 2000, p. 300). H de se ver que essas tcnicas que serviro como fio condutor para a demonstrao racional dos argumentos, por meio dos mtodos de anlise dos fatos envolvidos no caso, seja pelo uso dos mtodos lgico, filosfico, tradicional ou sociolgico[footnoteRef:12]. [12: A lgica, no sozinha, mas acompanhada das cincias sociais, se torna o instrumento de progresso. [...] O catlogo das causas estar incompleto se a causa material, a formal e a eficiente forem enumeradas com excluso da causa final. (CARDOZO, 2004, p. 49).]

Consideraes finais crescente a visibilidade que o Poder Judicirio brasileiro vem adquirindo com a sucesso dos tempos. Devido ao encolhimento dos Poderes Legislativo e Executivo em relao soluo dos problemas sociais, a coletividade tornou ao Judicirio a esperana de efetividade.O que se pretendeu demonstrar com o presente trabalho a necessidade de uma aspectos que mais se aproximam da natureza real do processo de tomada de deciso, de forma a procurar o alcance das verdadeiras influncias que motivaram a deciso judicial nos casos em que a lei silente ou quando se torne invivel sua aplicao, conforme os ensinamentos do Justice Cardozo.A proposta foi de analisar a deciso judicial como algo emanado de um ser humano e no de um ser apartado da sociedade e de sua experincia de vida. Insere-se na anlise os fatores extrajurdicos que so altamente influentes no processo decisional, de modo que se tenha uma viso mais acurada das problemticas em seu torno.Com vistas disso, necessrio que o juiz, como um agente ativo no processo de deciso, esteja mais bem preparado a fim de determinar o melhor caminho para o caso. Importante salientar que a influncia de fatores no jurdicos na deciso, no torna a deciso viciada, conforme se costumava pensar em uma era de formalismo incontrolado.Uma vez que as leis estejam baseadas em conceitos universais preciso que o julgador as concretize conforme as aes da sociedade. Para que assim efetivem-se devidamente os fins do direito e sua funo. Diversas vezes por se levar to ao extremo o princpio da lgica das normas que se perde de vista o fim principal do direito: o bem-estar social.A contnua relevncia a qual fica relegado o estudo da filosofia e a sociologia do direito deve ser reavaliado no momento em que se percebe, mediante uma viso realista-pragmtica do direito, que as normas so indissociveis de sua origem, ou seja, a sociedade, e que o juiz tambm o de seus valores, suas concepes, sua ideologia e seu subconsciente. No necessariamente os fatores extrajurdicos iro influenciar de maneira negativa, mas se determinarmos melhor os seus limites e confluncias, possvel que o juiz, consciente de todas as consequncias decorrentes, tenha melhor manuseio no momento de prolatar a sua deciso. Posteriores anlises podero ser produtoras de respostas realmente efetivas na resoluo de hard cases, ou seja, os casos difceis e espaos amplos de indeterminao jurdica.Tendo em vista que a sociedade tambm a destinatria das decises judiciais e que, tambm, a deciso judicial uma exigncia de carter coercitivo, localiza-se a mesma como instrumento de alterao de comportamento individual e, mais recentemente, de comportamento coletivo.Dessa forma, o produto do posicionamento do juiz competente por meio de sentena judicial produz vrios efeitos, pois o que ele decide na sociedade positivada um conflito institucionalizado que deve ser composto num contexto comunicativo e que o juiz da deciso no ser apenas como um juiz racional, mas principalmente um sujeito da interpretao, o do caso concreto, o juiz real.

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