57
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES - UCAM SÚMULA VINCULANTE ANTÔNIO CÍCERO DE OLIVEIRA BRAZ Brasília - DF 2007

SÚMULA VINCULANTE - CORERIO INTRODUÇÃO7 1. NOTÍCIA HISTÓRICA9 1.1. Civil law e common law

  • Upload
    lamthuy

  • View
    228

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES - UCAM

SÚMULA VINCULANTE

ANTÔNIO CÍCERO DE OLIVEIRA BRAZ

Brasília - DF 2007

ANTÔNIO CÍCERO DE OLIVEIRA BRAZ

SÚMULA VINCULANTE

Monografia apresentada como requisito para Conclusão do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes - UCAM.

Brasília - DF 2007

Dedico este trabalho, aos meus pais, a minha esposa e filhos, pela presença em todos os momentos de minha vida, e que jamais serão esquecidos. Por fim, dedico este trabalho a todos que de alguma forma contribuíram para que eu alcançasse mais esta vitória.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................7

1. NOTÍCIA HISTÓRICA..............................................................................................9 1.1. Civil law e common law .............................................................................................….10 2. SÚMULA.........................................................................................................................19 2.1 .Conceito............................................................................................................................20 2.2. Histórico ..........................................................................................................................23 2.3. Classificação.....................................................................................................................27 2.1.1. Conceito súmula vinculante...........................................................................................27 2.1.2. Conceito súmula obstativa.............................................................................................28 2.4. Fundamento.......................................................................................................................29 3. EFEITO VINCULANTE ..........................................................................................31 3.1. A questão de ordem na ADC n.º 1....................................................................................36 4. SÚMULA VINCULANTE........................................................................................39 4.1. Principais críticas e contra argumentos.............................................................................39 4.1.1. Independência dos poderes............................................................................................40 4.1.2. Acesso à justiça..............................................................................................................42 4.1.3. Ofensa à obrigatoriedade de motivação das decisões....................................................44 4.1.4. Duplo grau de jurisdição................................................................................................45 4.1.5. A questão da independência dos juízes..........................................................................46 CONCLUSÃO....................................................................................................................49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................................................51

RESUMO

O presente obra destina-se a por em mesa os principais argumentos e princípios correlacionados à adoção da súmula vinculante, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional n.º 45, aprovada ao apagar das luzes do ano de 2004, esboçando, inicialmente, uma análise comparada dos precedentes vinculantes nos sistemas do common law e civil law. Após, são expostos os principais fundamentos, bem como o efeito vinculante atribuído a súmula. Por fim, são analisadas as principais críticas feitas ao instituto da súmula vinculante e seus devidos contra-argumentos.

7

INTRODUÇÃO

O crescimento da demanda social por uma prestação jurisdicional mais célere e

efetiva deu origem a diversas mudanças e profundas reflexões no mundo jurídico, vinculados

à idéia-base de eficiência e efetividade da prestação jurisdicional por parte do Estado.

Diante dessas inovações, surgiu a figura do efeito vinculante que nasceu do

“engessamento do Poder Judiciário” ocasionado pela proliferação dos conflitos e do aumento

da demanda na busca da prestação jurisdicional, em especial dos excessivos processos

submetidos à análise do Supremo Tribunal Federal.

O estudo do tema em tela ergue-se como importante questão no mundo jurídico, haja

vista que o efeito vinculante foi instituído pela Emenda Constitucional n.º 03 de 17 de março

de 1993 com o intuito de desafogar a Corte Suprema da sobrecarga de processos,visando

resguardar maior segurança jurídica aos julgados, evitando ainda decisões contraditórias e

visando a celeridade processual.

Ocorre que com a Emenda Constitucional n.º 45, intitulada de Reforma do

Judiciário, foi estendido o efeito vinculante, instituto previsto no § 2º do artigo 102 da Lex

Fundamentalis, as súmulas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, mediante decisão de

dois terços de seus membros, que terá efeito vinculante aos demais órgãos do Judiciário e à

administração publica direta e indireta, nas esferas federais, estaduais e municipais.

Vale ressaltar que para vigorar uma súmula vinculante, a Comissão de

Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deverá solicitá-la, e do Procurador-Geral da

República, em seguida irá a julgamento pelo Pretório Excelso, onde deve ser aprovada por no

mínimo oito do 11 ministros, conforme explanado no parágrafo anterior.

A comentada modificação trazida pela Emenda Constitucional n.º 45 visa,

indubitavelmente, evitar divergências de entendimentos entre órgãos judiciários ou entre estes

8

e a Administração, sempre que estiver em causa matéria de índole constitucional já decidida e

cristalizada em súmula do Supremo Tribunal Federal, inserindo no ordenamento jurídico

pátrio a figura da súmula vinculante. É justamente sobre esta alteração que trata o presente

ensaio monográfico.

Em face do exposto, o presente estudo monográfico terá no capítulo de abertura uma

análise comparada dos sistemas jurídicos da common law e civil law, com enfoque na questão

dos precedentes com força vinculante. Em seguida, há um estudo detalhado do conceito,

histórico e fundamento das súmulas, bem como a classificação destas.

No terceiro capítulo, é analisado o efeito vinculante atribuído a súmula com a

introdução do art. 103-A na Carta Política vigente, salientando a questão de ordem na Ação

Declaratória de Constitucionalidade, que introduziu de fato o efeito vinculante no

ordenamento jurídico. Finalmente, no quarto capítulo serão ressaltadas as principais críticas

tecidas em desfavor da súmula vinculante, bem como seus contra-argumentos.

Desde logo, portanto, não se pretende o esgotamento do tema, posto que o resultado

da pesquisa tenha sido um texto relativamente longo. Mas, se o trabalho servir para alguma

reflexão útil na discussão jurídica abordada, já terá alcançado o objeto almejado.

9

1. NOTÍCIA HISTÓRICA

Ao se deparar com a diversidade dos direitos contemporâneos, René David1

ressaltou, logo de início, que no mundo atual cada Estado apresenta um direito particular

embora, haja a possibilidade de diversos direitos serem aplicados concomitantemente no

interior de um mesmo Estado. Não discordando deste autor, Sílvio Nazareno Costa2 destaca,

como peculiaridade, o fato de que nos Estados Unidos, país regido pelo sistema da common

law, existe sistemas estaduais que são fortemente influenciados pela tradição romanística.

Apesar de cada Estado possuir um direito próprio, é possível identificar características

comuns entre as diversas ordens jurídicas mundiais, tais semelhanças tornam-se suficientes

para que sejam estudadas como sistemas de direito. De acordo com Carlos Ferreira de

Almeida:

“Para este efeito, sistemas jurídicos (ou ordens jurídicas) são conjuntos coerentes de normas e de instituições jurídicas que vigoram em relação a um dado espaço e/ou a uma certa comunidade. O critério que na actualidade confere unidade a cada um dos sistemas jurídicos e permite distingui-los é geralmente o da organização política estadual (Estado unitário, Estado Federal ou Estado Federado), mas pode ainda derivar da subsistência de autonomia jurídica no interior de um mesmo Estado Soberano( por exemplo, os direitos inglês e escocês no âmbito do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte) ou de direitos de comunidades tradicionais no âmbito de Estados recentemente constituídos (por exemplo, direitos locais de base consuetudinária em países africanos).”3

René David, dentre outros autores, adota o vocábulo família ao invés de sistema, e ressalta que: “o agrupamento dos direitos em famílias é o meio próprio para facilitar, reduzindo-os a um número restrito de tipos, a apresentação e a compreensão dos diferentes direitos do mundo contemporâneo.”4

_______________________________________________ 1 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução Hermínio A. Carvalho. 3ªed., São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 14. 2 COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário.1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 8 3 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Introdução ao Direito Comparado. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 10. 4 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução Hermínio A. Carvalho. 3ªed., São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 17.

10

A doutrina majoritária destaca três principais sistemas de direito contemporâneo de

acordo com sua proeminência histórica: a família romano-germânica, ou civil law; a família

anglo-americana, também denominada common law e a família dos direitos socialistas5.

Porém, para o desenvolvimento deste trabalho científico, exsurge como particularmente

importantes os sistemas de direito da civil law e common law.

Apesar de não serem objeto desta breve pesquisa, faz-se necessário mencionar as

famílias de direito menores ou de menor relevância no cenário mundial, como a hindu, a

muçulmana, a judaica e a africana6.

1.1 Civil law e common law

O sistema da civil law centra-se sobre o Direito legislado, o direito origina-se de

diplomas legais criados, em geral, pelo Poder Legislativo (constituídos essencialmente por

textos de códigos, de leis, decretos...). Os juristas devem procurar alicerces nas disposições

legais (fórmulas ou axiomas gerais) que devem ser concretizados caso a caso, por

interpretação dos operadores do Direito. Assim sendo, os países ligados à família romano-

germânica, dentre eles o Brasil, são também conhecidos como “axiomáticos” por parte da

doutrina7.

No sistema da common law, por conseguinte, o direito origina-se dos usos e

costumes e pelas decisões do Poder Judiciário, baseando-se no caso concreto já decidido

(precedente).

_______________________________________________ 5FRANCO, José Alexandre. Sistemas de Direito Contemporâneo. Disponível em: <http://www.viannajr.edu.br/revista/dir/doc/art_10012.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2005. 6 COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 9/10. 7 COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário.1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 9

11

Nesse sistema valoriza-se a atividade jurisprudencial em desfavor da legislativa; a lei

escrita (statutes) é vista como fonte secundária, conquanto cresça de importância no campo

processual, dessa forma, busca-se por meio de um raciocínio problemático (caso a caso),

decisões concretas, que só secundariamente podem adquirir autoridade prospectiva geral8.

Sílvio Nazareno Costa9 admite a possibilidade de reconhecer esse sistema como

“problemático”, pois se busca, mediante um raciocínio problemático (caso a caso), decisões

concretas, que só secundariamente podem adquirir autoridade prospectiva geral; tais decisões,

sobretudo os casos de maior relevância (leading cases), servem como paradigma na solução

de futuros casos idênticos ou muito similares. Assim no sistema da common law, as decisões

judiciais cumprem dois papéis: o de solucionar o litígio e o de criar um precedente válido para

casos futuros10.

Dentre as aparentes diferenças entre estes dois sistemas jurídicos, duas merecem

destaque: a primeira diz respeito à diferença com que a lei é vista em ambos; enquanto no

sistema romanista a lei é entendida como fonte principal, não podendo o aplicador negar-se a

aplicá-la sob pretexto de lacunas (no Brasil, arts. 4° LICC e 126 do CPC), devendo

preenchêlas com base nos princípios e na analogia, na common law a lei escrita (statutes) é

vista como fonte secundária11. A segunda se refere à inexistência nos ordenamentos dos

países de civil law de algo semelhante à regra do stare decisis (cuja expressão completa é

stare decicis et non quieta movere: ficar com o que foi decidido e não mover o que está em

repouso), ou seja, a possibilidade/obrigatoriedade da vinculação aos precedentes

jurisprudenciais dos tribunais superiores12.

_______________________________________________ 8 COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário.1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 9 9 COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário.1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.9/10. 10 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 99. 11 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 234. 12 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 233.

12

O reconhecimento da primazia da lei no sistema de direito romano-germânico não

exclui, portanto, a necessidade de sua interpretação, já que a lei deve ser interpretada,

deixando o plano genérico e abstrato para incidir no mundo real. Aos operadores do direito é

atribuída a árdua e relevante tarefa de descobrir o significado da lei, interpretando-a e

adequandoa a cada situação concreta posta sob sua análise, sendo a legislação escrita uma

aliada e não um obstáculo à atividade jurisprudencial13.

Inegável, assim, que nos países em que vige o sistema romano-germânico não está

excluída a relevante função da atividade jurisprudencial; a lei precisa ser interpretada e incube

a jurisprudência atuar no campo da interpretação, atualização, concretização e humanização

da lei, observando-se, todavia, que não é dado à jurisprudência laborar contralegem(contra

lei), eis que é da própria essência do sistema de tradição romanística o primado legal14.

No tocante ao efeito vinculante, mister é que seja feito um estudo do precedente do

sistema do common law, cuja força vinculante ou stare decisis, como é usualmente conhecido,

tem sido alvo de aprimoradas análises dos comparativistas que se dedicam ao estudo da

ciência do direito15.

É necessário reconhecer que existem diferenças, às vezes marcantes, entre os

direitos de um mesmo grupo ou família: assim, são bem acentuadas as diferenças entre o

direito dos Estados Unidos e da Inglaterra. No primeiro, segundo salientam os comentadores,

a doutrina do stare Grã-Bretanha, onde se originou a regra do precedente, a rigidez de sua

aplicação também tem sido atenuada ultimamente16.

Segundo Peter J. Messite, podem ser identificadas duas correntes para o emprego do

_______________________________________________ 13 TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ªed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 20/21. 14 TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ªed.Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 22/23. 15 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 98. 16 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 234.

13

precedente. A primeira é conhecida como “teoria estrita do precedente”, utilizada na

Inglaterra, pela qual a vinculação é rígida, só não sendo aplicada se for demonstrada que, na

situação de fato subseqüente, a lógica da decisão anterior não se aplica. Já na segunda,

conhecida como “teoria liberal”, ou regra americana, a aplicação da doutrina do stare decisis

é mais flexível, obedecendo a uma técnica que, embora encorajando a obediência aos

precedentes, admite, com mais freqüência, que instâncias inferiores recusem o precedente,

fundamentadamente17.

A esse respeito, Sérgio Sérvulo da Cunha, reportando-se a Salmond, comenta:

“Como se vê, na formação expressa do princípio, na Inglaterra, se desconhece a maior parte das exceções e ressalvas que o caracterizam nos Estados Unidos, e que fizeram do common law norte-americano um ordenamento jurídico mais fluido e variável do que o inglês. Por exemplo, nos Estados Unidos não se discute o direito de um tribunal inferior de recusar-se a seguir uma sentença precedente in point ditada por um tribunal de hierarquia superior, da mesma jurisdição, se o tribunal inferior considerar que o tribunal superior cometeu um erro crasso...”18

Apesar das diferenças acima elencadas, no sistema jurídico norte-americano, a

semelhança do common law inglês, prevalece a regra de obediência aos precedentes, stare

decisis, segundo o qual o juiz deve ater-se às decisões jurisdicionais tomadas no caso

precedente, desde que entre os dois casos existam semelhanças fático-jurídicas substanciais19.

Contudo a doutrina do uso do precedente possui limites na sua aplicação, não se

afigurando uma regra inflexível que o tornaria inconciliável com o próprio desenvolvimento

do manifestamente absurda ou injusta20.

Edward D. Re afirma que, se a aplicação do princípio produzir resultado indesejável,

o tribunal poderá aplicar precedente diverso. Por isso, assinala, stare decisis não é apenas uma

doutrina de estabilidade e uniformidade: “suas restrições e limitações inerentes, bem como os

_______________________________________________ 17 Apud SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 103. 18 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 10. 19 COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.18. 20 ROCHA, Lincoln Magalhães da. Direito Sumular. Rio de Janeiro: Shogun Arte, 1983, p. 47.

14

direitos, ao magistrado é permitido revisar a falsa interpretação da lei, se reconhecer que a lei

é fatores que determinam a inaplicabilidade de decisões anteriores tornam possível a

necessária flexibilidade, indispensável para a mudança e o progresso.”21

A força vinculante do precedente, entretanto, não é absoluta e nem poderia sêlo, sob

pena de engessar o direito, impedindo o seu progresso. Com efeito, o precedente só terá força

vinculante se houver identidade com base nos fatos ou nas questões de direito suscitadas

(binding ou leading precedents), caso contrário servirá apenas de precedente persuasivo

(persuasive precedents). É preciso também ter em conta que a eficácia do stare decisis não

cobre o inteiro teor do julgado, senão a parte nuclear da motivação, onde vem exposto o

fundamento jurídico que embasa a conclusão, ou seja, a ratio decidendi. Além disso, o

precedente poderá ser sempre revisto se ficar demonstrada o seu despautério ou equívoco, em

outras palavras, desde que haja novos e persuasivos motivos para se adotar outra decisão. Para

tanto o juiz se utiliza de técnicas para afastar esses leading precedents, denominadas

overruling e distinguishing22.

De modo abreviado, o sistema da common law pode então ser considerado sob estes

aspectos: a) saber quais julgados e sob que condições eles operam como verdadeiros

precedentes obrigatórios; os binding ou leading/ authorative precedents possuem força

vinculativa já os persuasive precedents possuem força persuasiva em face dos juízes

encarregados de decidir casos análogos; b) qual a parte (o capítulo) do julgado que

desempenha essa função vinculativa em face dos casos análogos; ratio decidendi; c) quais os

andamentos ou exclusões à regra da vinculação ao precedente judiciário (para separar, num

precedente o que é nuclear e periférico, o magistrado pode valer-se das técnicas do overruling

_______________________________________________ 21 Apud SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 114. 22 LIMA, Leonardo D. Moreira. Stare decisis e súmula vinculante: um estudo comparado. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/revista/online/rev14_leonardo.html#_ftn10>. Acesso em 04 jun.2005.

15

e do distinguishing)23.

No common law, as decisões judiciais não apenas solucionam o litígio, como

também criam precedente para casos futuros. Não obstante a operacionalização do direito no

sistema da common law se fazer, preferencialmente, tomando-se como paradigma a decisão

de casos anteriores, há de se considerar que não é toda decisão judicial que constitui um

precedente com força obrigatória. Um precedente com força vinculante (leading precedents)

ocorre quando a decisão de um tribunal superior vincula as instâncias inferiores, com força de

norma; estas decisões deverão servir de paradigma na solução de casos análogos no futuro

(leading cases). Por outro lado, os precedentes dotados de força persuasiva (persuasive

precedents), influenciarão o julgamento destes mesmos casos, sem, contudo, determinar a

decisão a ser tomada24.

A principal dificuldade para o magistrado dos países que seguem a regra do

precedente judiciário consiste em separar o que constitui a idéia central de um julgado (a ratio

decidendi), ou seja, aquilo que irá vincular em casos posteriores, e o que são apenas

considerações secundárias, adjacentes (os obter dicta)25. Tal separação é fundamental para

estabelecer a distinção entre precedentes vinculantes e precedentes persuasivos, uma vez que

a identificação do que constitui obter dicta e ratio decidendi só será possível através da leitura

atenta e completa de tudo aquiloque levou os julgadores anteriores a decidir de tal ou qual

maneira26

Pode-se, portanto, assinalar que a diferença entre a ratio decidendi e os obter dicta

repousa no fato de que, na primeira encontram-se os pontos relevantes da decisão, ao passo

_______________________________________________ 23 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.169. 24 BALSALOBRE, André de Barros. A súmula vinculante como instrumento de uniformização da jurisprudência. Revista do Tribunal Regional Federal, 1ª Região, Agosto, v.14, n.8, 2002, p. 19/20. 25 BALSALOBRE, André de Barros. A súmula vinculante como instrumento de uniformização da jurisprudência. Revista do Tribunal Regional Federal, 1ª Região, Agosto, v.14, n.8, 2002, p. 19. 26 TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ª ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p.33.

16

que os obiter dicta referem-se aos que aspectos marginais que, embora sejam necessários para

a compreensão da tese jurídica que suporta a sentença, não constituem, porém, a coluna de

sustentação da decisão tomada27.

Todavia, Carlos Aureliano Motta de Souza destaca que:

“o que é um dictum em determinado casos pode vir a se tornar uma ratio em outro, pois um dictum é também um princípio de direito, apenas não aplicável ao caso que se convertera em um precedente. Assim, raramente um juiz do commom law resolve passar por cima (over-rule) de um precedente, por ser ele claramente irrazoável (plainly unreasonable).”28

Ainda sobre os precedentes com força vinculativa, é necessário dizer que,

identificada a ratio decidendi, e verificando o julgador do caso ora posto em julgamento que a

fattispecie é diversa, poderá o juiz não utilizar o precedente estabelecido em casos anteriores,

indicando os pontos que distanciam o caso concreto do precedente; havendo diversidade, nova

decisão será formulada, estabelecendo, se presentes os pressupostos para tanto, novo

precedente.

A prática para fundamentar a não-aplicação de um precedente a determinado caso

recebe o nome de distinguishing, isto é, distinção29. Colocado o juiz diante de um precedente,

é-lhe lícito alegar e provar que a situação fático-jurídica (“fact situation”) é diversa da

anteriormente decidida. Em sendo diversa determina-se o não uso da regra adotada no caso

impugnado (até mesmo em razão do princípio da isonomia, que impede que se trate

igualmente os desiguais), surgindo uma nova decisão30. Outro mecanismo utilizado para

fundamentar o abandono do precedente anteriormente estabelecido é chamado de overruling;

esta técnica é usada para superar um entendimento jurisprudencial, através da fixação de nova

_______________________________________________ 27 TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ªed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 32. 28 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 102. 29 BALSALOBRE, André de Barros. A súmula vinculante como instrumento de uniformização da jurisprudência. Revista do Tribunal Regional Federal, 1ª Região, Agosto, v.14, n.8, 2002, p.20/21. 30 ROCHA, Lincoln Magalhães da. Direito Sumular. Rio de Janeiro: Shogun Arte, 1983, p. 58.

17

orientação31.

Ressalte-se, por oportuno, que a suprema corte norte-americana só age em sentido

contrário ao decidido em caso de urgência, deferindo um certiorari, que compreende um

poder avocatório para situações extraordinárias; um poder discricionário através do qual a

suprema corte americana escolhe e decide os casos que julgará ou que incluirá para ser

decidido no seu ano judiciário32.

Há de se considerar que o stare decisis não possui hoje o mesmo poder vinculativo

de que já desfrutou outrora na common law, em virtude mesmo de uma revalorização

crescente do direito escrito (statute law)33, por outro lado, na família romano-germânica, a

jurisprudência cresce em importância, que, conquanto ainda desempenhando papel

secundário, vem aumentando sua importância relativa dentro do sistema34. Deste modo,

percebe-se que está havendo uma atenuação cada vez maior nas diferenças entre common law

e civil law.

Um dos pontos também a se fixar é que a súmula vinculante prevista no artigo 103 –

A, caput, da Emenda Constitucional nº. 45 inspira-se na doutrina do stare decisis, mas não se

confunde com o sistema de precedentes vinculantes do sistema do common law como se verá

nos próximos capítulos. Conforme destaca Natacha Nascimento Gomes Tostes:

“... no direito anglo-americano, basta um único julgado para o estabelecimento de um precedente, que possuirá força vinculante ou persuasiva, de acordo com o Tribunal do qual emana o caso em apreciação no momento, o circuito onde estabeleceu o precedente. Já para o estabelecimento de uma súmula, mais de um caso são apreciados, várias vezes muitos, até que se forme uma corrente jurisprudencial sólida, cujo ponto central de entendimento é lançado em um enunciado conciso, qual seja, a nossa súmula.” 35

_______________________________________________ 31 BALSALOBRE, André de Barros. A súmula vinculante como instrumento de uniformização da jurisprudência. Revista do Tribunal Regional Federal, 1ª Região, Agosto, v.14, n.8, 2002, p. 21. 32 SILVA, José Anchieta da. A súmula de efeito vinculante amplo no direito brasileiro: um problema e não uma solução. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 65/66. 33 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 165. 34 COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.12. 35 TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ªed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 79.

18

É possível afirmar, diante da análise dos argumentos apresentados, que essa

gradativa aproximação entre os dois sistemas jurídicos – o da norma legal e o do precedente

judiciário – se enquadra ao contexto contemporâneo da globalização, onde os interesses,

comportamentos e necessidades da sociedade cada vez mais se comunicam e interagem,

formando uma imensa aldeia global, onde se desvanecem antigas e arraigadas diferenças

jurídicas entre povos, nações e Estados36.

_______________________________________________ 36 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 174.

19

2. SÚMULA

Como antes referido no capítulo 1, ainda nos países de tradição romanística, como o

Brasil, onde o prevalece o primado legalista, a jurisprudência vai, gradativamente, crescendo

em relevância e espaço, tanto na praxis judiciária como nos trabalhos doutrinários, sendo

possível afirmar que ela desempenha papel superlativo, oferecendo-se como um instrumento

idôneo a atender o anseio generalizado por uma justiça mais igualitária e menos morosa37.

Salientando a importância da jurisprudência, José Anchieta da Silva, ao conceituar

súmula, diz que esta é “a jurisprudência mais consagrada, norteadora do entendimento

sedimentado nas cortes de julgamento sobre determinado assunto.”38

Diante destas afirmações, impõe-se, preliminarmente, efetuar algumas

considerações, ainda que perfunctórias, a respeito do significado da jurisprudência.

Jurisprudência é palavra derivada do latim jurisprudentia, onde jus, é direito, ciência

do direito, e prudentia significa sabedoria. Nesse sentido, pode ser traduzida como “o Direito

aplicado como sabedoria”, segundo conceito de De Plácido e Silva:

“Assim é que se entende a jurisprudência como sábia interpretação e aplicação das Leis a todos os casos concretos que se submetam a julgamento da justiça. Ou seja, o hábito de interpretar e aplicar as leis aos fatos concretos, para que assim, se decidam as causas. Desse modo a jurisprudência não se forma isoladamente, isto é, pelas decisões isoladas. É necessário que se firme por sucessivas e uniformes decisões, constituindo-se em fonte criadora do Direito e produzindo um verdadeiro jus novum.”39

A jurisprudência tem como função precípua vivificar a lei, fazendo a norma

_______________________________________________

37 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 126. 38 SILVA, José Anchieta da. A súmula de efeito vinculante amplo do direito brasileiro: um problema e não uma solução. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 46. 39 De PLÁCIDO e SILVA. Vocabulário Jurídico. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 469.

20

ingressar no mundo real dos acontecimentos humanos40.

Rodolfo de Camargo Mancuso41, reportando-se a Rubens Limongi França, identifica

cinco funções específicas da jurisprudência; cabe a esta, interpretar, vivificar, humanizar,

suplementar e rejuvenescer a lei. Em suma, levado ao judiciário uma controvérsia, cabe a

jurisprudência condensar a rigidez do enunciado legal, flexibilizando-o para que seja aplicado

ao caso levado em questão42.

Sendo a súmula reflexo da jurisprudência, analisemos em seguida o que vem a ser

súmula.

2.1 Conceito

A palavra súmula, derivada do latim summula, significa sumário ou índice de

alguma coisa. De acordo com De Plácido e Silva, a súmula seria algo “que de modo

abreviadíssimo explica o teor, ou o conteúdo integral de uma coisa. Assim, a súmula de uma

sentença, de um acórdão, é o resumo, ou a própria ementa da sentença ou do acórdão"43. Na

acepção mais corrente que se lhe tem dado, súmula consiste na posição consolidada nos

tribunais acerca de determinada questão jurídica.

Juridicamente, súmulas são enunciados jurisprudenciais que refletem entendimentos

já pacificados em determinados tribunais, editados em numeração seqüencial, servindo como

instrumento de contribuição para o convencimento do magistrado nas futuras soluções

processuais44.

Serão objetos de súmula aquelas decisões que, em virtude de sua repetição, conexão

_______________________________________________ 40 TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ªed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p.8. 41 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 42. 42 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 20. 43 De PLÁCIDO e SILVA. Vocabulário Jurídico. Vols. III e IV. 1ª ed. univ. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 297. 44 JAMBO, Paloma Wolfenson. O poder vinculante das súmulas e a impossibilidade da identificação estreitadas causas submetidas à Justiça. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6961>. Acesso em: 04 jul. 2005.

21

e coerência com outros julgados tornam-se jurisprudência e, consequentemente, súmulas45.

Apesar de servirem de paradigma aos operadores do Direito, não há obrigação dos

membros do Poder Judiciário em aplicá-la46.

De acordo com art. 5°, II, da CF só a lei obriga; logo, as súmulas não exercem o

mesmo poder de obrigação. Súmula não é votada pelo parlamento, nem tão-pouco expressa a

vontade geral. É dotada de uma pretensão bem mais modesta, respeitando as atribuições e os

limites do legislativo. Trata-se somente de interpretação cristalizada dos tribunais sobre uma

lei ou alguns de seus dispositivos que, pela repetição, se tornaram constantes47.

A interpretação não ultrapassa os limites da lei, mas a supõe. É atividade

esclarecedora do juiz, que extrai da lei sentido adequado ao caso concreto que lhe foi

apresentado para julgamento48.

As súmulas possuem o fito de assegurar, como salienta Larenz, a unidade, a

continuidade e a segurança jurídica49.

Com efeito, reforça Enéas Castilho Chiarini Júnior:

“súmulas são, portanto, entendimentos firmados pelos tribunais que, após reiteradas decisões em um mesmo sentido, sobre determinado tema específico de sua competência, resolvem por editar uma súmula, de forma a demonstrar qual o entendimento da corte sobre o assunto, e que servem de referencial não obrigatório a todo o mundo jurídico.”50

As súmulas se intensificaram, não apenas porque marcam um norte na

jurisprudência, mas, notadamente, diante do que o Regimento da Corte estabeleceu para a

_______________________________________________ 45 DINIZ, Antônio Carlos de A. Efeito vinculante e suas conseqüências para o ordenamento jurídico. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=252>. Acesso em: 25 nov. 2004. 46 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p.36. 47 SILVA, Antônio Álvares da. As súmulas de efeito vinculante e a completude do ordenamento jurídico. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2004, p.72-73. 48 SILVA, Antônio Álvares da. As súmulas de efeito vinculante e a completude do ordenamento jurídico. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2004, p.73. 49 Apud SILVA, Antônio Álvares da. As súmulas de efeito vinculante e a completude do ordenamento jurídico. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2004, p.75. 50 CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A inconstitucionalidade da súmula de efeito vinculante no Direito brasileiro. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4248>. Acesso em: 25 nov. 2004.

22

acolhida das argüições de relevância; a missão jurídica desse instrumento, que presta serviços,

adquire cada vez mais importância51.

_______________________________________________

51 MÓSCA, Hugo. O Supremo Tribunal, ontem e hoje, 2° ed., Brasília: Guarany, 2001, p.130.

23

2.2 Histórico

A crise do Judiciário nacional data de muito tempo, o direito brasileiro se deparou

com vários momentos críticos que tornaram-se causas impulsionadoras de tentativas

desolucionar a questão de acúmulo de processos, e todas elas, quase que invariavelmente, se

resumiam a propostas de uniformização da jurisprudência52.

Dentre essas pretensões, duas merecem enfoque, seja porque preconizavam o efeito

vinculante, que é o objeto deste trabalho monográfico, seja pela autoridade de que as

defendia53.

A tentativa de estabelecer um mecanismo que fosse o corolário do processo de

uniformização da jurisprudência vem desde o Projeto de Constituição de autoria do jurista

Haroldo Valadão, enviado à Constituinte de 1946. Valadão voltou à carga quando da

elaboração de um anteprojeto de lei que seria a Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas

(1963/64); tal projeto pretendia dar efeito vinculante das decisões da Corte Maior aos demais

tribunais da República54. Em ambas as oportunidades Valadão não obteve êxito em face da já

estabelecida idéia de que a vinculação das instâncias inferiores às decisões superiores estaria

prejudicando a livre convicção dos juízes e o progresso do direito55.

Tentativa semelhante ocorreu por oportunidade do então presidente da Comissão

encarregada de apresentar ao Congresso Nacional um novo Código de Processo Civil, Alfredo

Buzaid. Buzaid propôs, em 1964, a adoção, no Direito brasileiro, do instituto proposta, dos

_______________________________________________

52 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 84/85. 53 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 85. 54 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 110. 55 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p.86.

24

assentos56, explicitamente inspirado no homônimo português. Nos termos da redação os

assentos brasileiros teriam força de lei em todo o território nacional, quando emitidos pelo

STF, ou apenas no respectivo Estado, quando expedidos pelos Tribunais de Justiça. Segundo

esclarecido na exposição de motivos, o instituto visava resolver o problema da uniformidade

da jurisprudência57.

Alfredo Buzaid tentou reintroduzir no sistema brasileiro os assentos com a feição

vinculante presentes na legislação portuguesa daquela época58, mas a tentativa sofreu severas

críticas, no sentido de que tal atividade prescritiva do Poder Judiciário invadiria o domínio do

Poder Legislativo, deste modo fez com que fosse repelida pela Comissão Revisora59.

Tendo-os como inconstitucionais, em virtude da eficácia vinculativa pretendida, o

Congresso Nacional suprimiu os assentos da reforma proposta por Buzaid para o CPC.

Preferiu adotar a idéia das “súmulas de jurisprudência dominante”, defendida pelo Ministro

Victor Nunes Leal, e incorporada ao RISTF desde 196460.

A súmula nasceu na experiência brasileira, em 1963, para começar a viger em

196461. Esta foi fruto do esforço da então Comissão de Jurisprudência, que era composta, à

época, pelos Ministros Victor Nunes Leal (relator), Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves.

Organizada a primeira publicação em janeiro de 1963, com verbetes aprovados em sessão

plenária em 13 de dezembro do mesmo ano, as súmulas passaram a vigorar a partir de 1º de

_______________________________________________

56 Na explicação de Lenio Luiz Streck, o instituto dos assentos “era um ato do Poder Judiciário que objetivava dar à lei uma interpretação autêntica. Pelo assento, não se julgava um caso concreto, mas determinava-se o entendimento da lei, quando a seu respeito ocorriam divergências nas sentenças judiciais”. Op. Cit, p.93. 57 COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.112. 58 A previsão legislativa dos assentos portugueses foi declarada inconstitucional por decisão do Tribunal de Portugal, prolatada em setembro de 1993, através do Acórdão nº. 810/93, havendo o Decreto-Lei nº. 329-A de 12 de dezembro de 1995 alterado o Código de Processo Civil Português, revogando, entre outros, o art. 768, que trazia a previsão do assento. STRECK, Lenio Luiz. Op. Cit, p.96/97. 59 SÁ, Djanira Maria Radamés de. Súmula vinculante; análise de sua adoção. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p.69. 60 COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.115. 61 ROCHA, Lincoln Magalhães da. Direito Sumular. Rio de Janeiro: Shogun Arte, 1983, p. 106.

25

março de 196462; tal como presente nos dias de hoje: um instrumento uniformizador do

entendimento do tribunal.

Preocupado com o elevado número de processos distribuídos à Corte, vários tratando

de temas já discutidos e pacificados, o então Ministro-Relator Victor Nunes Leal, criou aquilo

que denominaria “método de trabalho”, com os seguintes objetivos:

“introduzir um sistema oficial de referência dos precedentes judiciais; distinguir a jurisprudência firme da que se achasse em vias de fixação; atribuir à jurisprudência firme conseqüências processuais específicas para abreviar o julgamento dos casos que se repetissem e exterminar as protelações deliberadas.”64

Houve críticas e resistências à implantação da súmula sob o temor de que ela

provocasse a estagnação da jurisprudência ou que pretendesse atuar com força de lei. Seu

idealizador, Victor Nunes, saiu em defesa e, em conferências proferidas na época, explicou e

deixou bem claro que a súmula não tinha caráter impositivo ou obrigatório. Ela era matéria

puramente regimental e podia ser alterada a qualquer momento, por sugestão dos ministros ou

das partes, através de agravo contra o despacho de arquivamento do recurso extraordinário ou

do agravo de instrumento65.

A referida comissão elaboradora da súmula, sob o título “explicação necessária”,

assim salientou:

“O Supremo Tribunal Federal tem por predominante e firme a Jurisprudência aqui resumida, embora nem sempre tenha sido unânime a decisão dos precedentes relacionados na Súmula. Não está, porém, excluída a possibilidade de alteração do entendimento da maioria, nem pretenderia o Tribunal, com a reforma do Regimento, abdicar da prerrogativa de modificar sua própria Jurisprudência”.

Acrescentando ainda que:

_______________________________________________

62 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p.109. vinculante para os seus juízes e uma orientação para os demais órgãos do Poder Judiciário63. 63 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p.87. 64 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p.37. 65 CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A inconstitucionalidade da súmula de efeito vinculante no Direito brasileiro. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4248>. Acesso em: 25 nov. 2004.

26

“A finalidade da Súmula não é somente proporcionar maior estabilidade à Jurisprudência, mas, também, facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões mais freqüentes.”66

A possibilidade de emitir súmula só veio a ser prevista em lei no Direito brasileiro

em 1973; o artigo 479, caput e parágrafo do Código de Processo Civil67, permitiu que os

outros tribunais emitissem súmulas de jurisprudência predominante.

Sydney Sanches salienta que:

“a súmula de que trata o art. 479, não tem a mesma força do “assento”, que era previsto no Anteprojeto Buzaid, com eficácia obrigatória. Vale apenas como enunciado que o próprio Tribunal faz de seu ponto-de-vista a respeito da interpretação de uma norma jurídica. Os juízes não o podem ignorar.”68

Apesar de não possuírem eficácia obrigatória, poderá o relator, por força do artigo

557 do Código de Processo Civil (em sua nova redação dada pela Lei n.º 9.756 de

17.12.1998), negar seguimento a recurso "manifestamente inadmissível, improcedente,

prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do STF. 69

_______________________________________________ 66 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 113. 67 Art. 479 O julgamento tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência. Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante. 68 SANCHES, Sydney. Uniformização da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p.46. 69 SOIBELMAN, Félix. Súmula vinculante na Emenda Constitucional n.º 45/2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6392>. Acesso em: 04 jul. 2005.

27

2.3 Classificação

Quanto as mais variadas espécies de súmulas existentes, Lenio Luiz Streck70, numa

das poucas obras dedicadas ao assunto, as classifica em quatro gêneros: tautológicas, intra

legem, extra legem e contra legem/inconstitucionais. Sob outro ponto de vista, Marco Antônio

Botto Muscari71 admite a possibilidade de classificar as súmulas em persuasiva, vinculante e

obstativa (impeditiva/restritiva de recurso).

Sendo assim, por ser extenso o conteúdo que versa a respeito das súmulas

supracitadas, conceituaremos nessa obra tão somente da súmula vinculante objeto deste

estudo e também da súmula obstativa (impeditiva /restritiva de recursos).

2.1.1 Súmula vinculante

Vinculantes são “as súmulas dotadas de força obrigatória, se não para o órgão

jurisdicional que as emitiu (ao qual sempre restaria a possibilidade de alterá-las por maioria

simples ou qualificada), ao menos para os juízos monocráticos e colegiados que lhe são

inferiores.”72

Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, define súmula vinculante como “...

aquela que, emitida por Tribunais Superiores (STF, STJ, TST, STM, TSE) após reiteradas

decisões uniformes sobre um mesmo assunto, torna obrigatório seu cumprimento pelos

demais órgãos do Poder Judiciário.”73

_______________________________________________ 70 STRECK, Lenio Luiz. .Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 168. 71 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p.40. 72 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p.40. 73 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. Vol. 4, 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.464.

28

2.1.2 Súmula obstativa (impeditiva/restritiva de recursos)

As súmulas obstativas são aquelas que observadas por um juiz ou tribunal, impede a

interposição de recurso para o juízo ad quem; o magistrado não está obrigado a aplicar a

orientação consagrada na súmula obstativa, porém se o fizer, não será lícito ao sucumbente

recolocar o tema para apreciação perante instância superior. 74

_______________________________________________ 74 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p.51/52.

29

2.4 Fundamento

As súmulas autorizadas pelo Código de Processo Civil, que passou a vigorar no ano

de 1973, expressam a opinião da maioria, seja ela absoluta dos Ministros do Supremo

Tribunal Federal ou qualificada de todos os demais tribunais da República; que podem, por

força dos respectivos regimentos internos, emiti-las sempre que se depararem com incidentes

de uniformização da jurisprudência. Tais interpretações produzem, enquanto vigorarem,

efeitos processuais em relação a casos semelhantes levados ao conhecimento dos respectivos

tribunais.

As súmulas emanadas dos tribunais e a do Supremo Tribunal Federal assemelham-se

semanticamente e seu fundamento de validade é, pelo texto constitucional de 1988, o

mesmo75.

Cumpre registrar que, pelo texto constitucional derrogado, as súmulas emanadas do

Supremo Tribunal Federal possuíam sua fonte de validade no artigo 119, §§ 2º e 3º, que

atribuía ao Supremo poder para dispor através de seu Regimento Interno, sobre o processo e

julgamento dos feitos de sua competência originária ou de recurso76. Enquanto isso, os

pressupostos para emissão da súmula dos demais tribunais estavam previstos nos artigos 476 a

479 do vigente Código de Processo Civil, quais sejam:

“a existência de julgamento em curso perante órgão de tribunal; a divergência de interpretações dadas a uma regra jurídica relevante para deslinde do caso concreto; a fixação da interpretação a ser observada pelo órgão fracionário, deliberada pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal.”77

Com o advento da Constituição de 1988, ficou estabelecida apenas uma norma

genérica direcionada a todos os tribunais, incluindo o Supremo Tribunal Federal, qual seja, a

_______________________________________________

75 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p.114. 76 STRECK, Lenio Luiz. Op. Cit. p.114. 77 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p.38.

30

do artigo 96, I, que atribui competência a estes para “eleger seus órgãos diretivos e elaborar

seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias

processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos

órgãos jurisdicionais e administrativos”. Assim, o fundamento de validade de qualquer

súmula passa a ser exclusivamente o Código de Processo Civil, não podendo ser confrontado

por regimentos internos de nenhum tribunal superior, incluindo nestes o Superior Tribunal de

Justiça e o Supremo Tribunal Federal.78.

_______________________________________________

78 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucionaldo efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p.114/115.

31

3. EFEITO VINCULANTE

Conforme visto no capítulo 2, as súmulas de jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal, criadas pelo ministro Victor Nunes Leal, começaram a vigorar no ordenamento

jurídico brasileiro em março de 1964. As súmulas, conforme definição de Sérgio Sérvulo da

Cunha “são enunciados que, sintetizando as decisões assentadas pelo respectivo tribunal em

relação a determinados temas específicos de sua jurisprudência, servem de orientação a toda

comunidade jurídica.”79

Por sua vez, o efeito vinculante, confere força obrigatória às decisões dos tribunais

superiores (mais especificamente Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal),

e, portanto, súmulas de efeito vinculante seriam, na visão de Enéas Chiarini Castilho Júnior:

“As súmulas de efeito vinculante, são as mesmas súmulas editadas pelos tribunais, porém com um efeito chamado "vinculante", que torna estas súmulas obrigatórias aos juizes de instâncias inferiores ao tribunal que proferiu tal súmula[...]Tais súmulas, portanto, vinculariam a decisão dos juizes de instâncias inferiores ao entendimento dos tribunais superiores, obrigando-os a seguirem o entendimento daqueles, uma vez que estas passariam a ter força de lei.”80

Segundo Marco Antônio Botto Muscari, súmula vinculante e efeito vinculante

possuem significado diferente, deste modo:

“Súmula vinculante” e “efeito vinculante” não são exatamente a mesma coisa. Súmula é uma proposição sintética, caracterizando o produto da jurisprudência assentada pelo tribunal; como regra, é emitida após diversos pronunciamentos da corte, num mesmo sentido, a respeito de certa matéria. O efeito vinculante, tal qual idealizado na Proposta de Emenda à Constituição...é atributo das decisões definitivas de mérito da Suprema Corte, e não da súmula que venha a ser editada com base nessas decisões. Em tese, uma só decisão definitiva de mérito, desde que aprovada por dois terços dos integrantes do Pretório Excelso, pode merecer efeito vinculante.”81

_______________________________________________ 79 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999, p.124. 80 CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A inconstitucionalidade da súmula de efeito vinculante no Direito brasileiro. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4248>. Acesso em: 25 nov. 2004. 81 MUSCARI, Marco Antonio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 2.

32

Quanto ao efeito vinculante propriamente dito, foi formalmente instituído em nosso

ordenamento jurídico por ocasião da promulgação da Emenda Constitucional 03/93, cujo art.

1º alterou o art. 102 da Constituição para incluir o § 2º, criando a Ação Declaratória

deConstitucionalidade de lei ou ato normativo, dotada de eficácia erga omnes (contra todos) e

efeito vinculante. O modelo de inspiração imediato da forma vinculada remonta á regra do

stare decisis ou precedente judicial vinculativo próprio do sistema common law, muito

embora haja notórias discrepâncias entre aquele sistema e o nosso, de tradição romano-

germânica, tendo o efeito vinculante no common law motivação e aplicabilidade bastante

diversa da implantada aqui82.

Com a aprovação da Emenda Constitucional nº. 45, de 8 de dezembro de 2004, o art.

103-A, caput, da Constituição adquiriu a seguinte redação:

“O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.”

Penetrando no instituto da súmula vinculante, na forma apresentada pelo legislador,

podem se extrair algumas características.

O objetivo declarado da norma é o de evitar a divergência de entendimentos entre

órgãos judiciários ou entre estes e a Administração Pública, sempre que estiver em causa

matéria de caráter constitucional já decidida e pacificada em súmula do Supremo Tribunal

Federal. A súmula visa à uniformização de entendimentos, como, aliás, já era conhecida do

direito processual brasileiro positivo (CPC, arts. 476-479). A novidade reside no qualificativo

"vinculante" que se lhe atribuiu. Pelo novo instituto, a decisão do Supremo obrigatoriamente

_______________________________________________

82 DINIZ, Antônio Carlos de A. Efeito vinculante e suas conseqüências para o ordenamento jurídico. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=252>. Acesso em: 25 nov. 2004.

33

deve ser obedecida pelos tribunais e juízes, assim como pelos agentes do Poder Executivo, em

caráter cogente83.

A competência para editar a súmula vinculante é do Supremo Tribunal Federal,

exigindo para a aprovação, o quorum de dois terços dos membros do tribunal. Não basta a

ocorrência de reiteradas decisões uniformes, posto que se impõe que o texto sumulado tenha

sido objeto de controvérsias e conflitos que surjam insegurança jurídica e relevante

multiplicação de feitos, em cujos debates incida determinada norma jurídica com variadas

interpretações e efeitos.

Conforme acentuado por Agapito Machado84, os Magistrados brasileiros já adotam,

porém, sem obrigatoriedade, as Súmulas do STF e do STJ, salvo se delas fundamentadamente

discordam, bem como os relatores dos Tribunais, inclusive, do STF, já ostentam poderes, pela

LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), de negarem seguimento a recursos que

ataquem decisões fundadas em súmulas.

Acrescenta ainda o mesmo autor que, a súmula, pertinente à matéria constitucional

(o aludido art. 103 enuncia que a súmula de efeito vinculante terá lugar "após reiteradas

decisões sobre matéria constitucional") e não a qualquer outra, é mesmo a grande novidade

para a Administração Pública que, agora, passa a ser obrigada a acatá-la e destarte, como a

principal freqüentadora dos tribunais, deixará de sobrecarregar o Poder Judiciário com

inúmeros recursos protelatórios.

A esse respeito Antônio Carlos de A. Diniz assevera:

“... Uma vez somados implica dizer que quase 95% de todos os feitos ingressos no STF, na média, são originários do Poder Público. Além disso, estima-se que cerca de 80% das ações abordam matérias decididasanteriormente, várias das quais já sumuladas, inclusive. Donde se deflui necessariamente que, sendo o Poder Público o maior "cliente" dos Tribunais Superiores, esta repetição irracional e inútil de causas nestas instâncias se dá por insistência dos entes públicos em

_______________________________________________ 83 REIS, Nazareno César Moreira. Súmula "vinculante": uma petição de princípio. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6376>. Acesso em: 04 jul. 2005. 84 MACHADO, Agapito. A nova reforma do Poder Judiciário: EC nº. 45/04. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6378>. Acesso em: 09 abr. 2005.

34

não se submeterem á jurisprudência dominante das Altas Cortes, onde em muitos casos as decisões lhe são desfavoráveis, e cuja probabilidade de êxito, portanto, é mínima. Sem embargo, assim mesmo, insiste-se no abuso dos permissivos legais para se ensejar a procrastinação inútil e desgastante dos feitos, prolongando ao máximo a inevitável e tardia derrota até estes desembocarem nos Tribunais Superiores.”85

Sem dúvida, o aspecto mais importante da Reforma do Judiciário é, certamente, a

aprovação da súmula vinculante para a Administração Pública, que sendo uma

procrastinadora por excelência, empurrava as ações deixando de honrar seus compromissos

com a cidadania. A partir de agora, está a Administração Pública direta e indireta, dos três

níveis de governo, vinculadas às súmulas do STF que gozarem do atributo da vinculação, isto

é, que atenderem aos requisitos do art. 103-A da Constituição Federal, incluído pela Emenda

Constitucional n.º 45/2004 ou do art. 8º dessa mesma Emenda86.

Se o STF, órgão supremo do Judiciário nacional, guardião máximo da Constituição

têm orientação pacífica a respeito de um tema, não é nem um pouco razoável que qualquer

outro órgão do Estado brasileiro (seja judicial ou administrativo) insista na adoção de

posicionamento contrário. Isso significa que se o STF disser que o percentual correto de

reajuste para um aposentado ou para o FGTS é ‘tanto’, não pode (ou, pelo menos, não

poderia) um juiz conceder percentual diferente ou o administrador público deixar de pagar o

‘tanto’ devido de reajuste. Na prática, porém, nada disso vinha acontecendo; dependendo do

caso, alguns juízes e administradores públicos continuavam a afrontar à orientação pacificada

pelo STF. Contra atos (comissivos ou omissivos) que não conferem o percentual devido são

propostas milhares (ou milhões) de ações judiciais; contra decisões que conferem percentual

_______________________________________________ 85 DINIZ, Antônio Carlos de A. Efeito vinculante e suas conseqüências para o ordenamento jurídico. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=252>. Acesso em: 25 nov. 2004. 86 Determina a EC n.º 45/04, em seu artigo 8º, que "as atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial"/

35

diferente do juridicamente devido, são propostos milhares (ou milhões) de recursos87.

Não faz sentido – e é totalmente ilógico – que possa a Administração Pública e os

integrantes do Poder Judiciário descumprir uma ordem do Pretório Excelso. Essa conduta

execrável e moralmente reprovável parece que acabará.

Assim sendo, quando o STF decidir, em uma ação declaratória de

constitucionalidade, em uma ação direta de inconstitucionalidade, ou editar uma súmula

vinculante, fica o administrador público obrigado a respeitar o cumprimento do conteúdo

dessa decisão ou dessa súmula para todas as pessoas que estiverem em idêntica situação (ex.

correção de FGTS), ainda que não tenham proposto qualquer ação judicial ou efetuado

qualquer pedido administrativo.

Com a edição da súmula, nenhum juiz ou administrador, em todas as esferas, poderá

exercer oposição ao comando da regra judicial, razão pela quais todos estariam obrigados a

pautar suas decisões em conformidade com a posição adotada pelo STF. O texto limita a

legitimidade de provocar a aprovação, revisão ou cancelamento da súmula vinculante somente

aos legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), o que também poderia

ter permitido a quem tenha legitimidade para propor a ação direta de constitucionalidade

(ADC), o que não o fez, mas nada impede que uma nova lei os venha autorizar.

O legislador almejou, com a súmula vinculante, a formulação de uma única tese

jurídica a ser observadas nos julgamentos futuros, garantindo-se a isonomia de tratamento, a

previsibilidade (evitando a multiplicação de processos sobre questões idênticas) e a segurança

jurídica.

_______________________________________________

87 SILVA, Bruno Mattos e. A súmula vinculante para a Administração Pública aprovada pela Reforma do Judiciário. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6101>. Acesso em: 04 jul. 2005.

36

3.1 A questão de ordem na ADC n.º 1

No início dos anos 90, o governo da União defrontou-se com inúmeras decisões

judiciais contrárias a certas medidas econômicas; o excesso de litígios gerava insegurança

jurídica e, potencialmente, era capaz de provocar graves danos ao interesse público88.

Dentro desse contexto concebeu-se e foi concretizada a Ação Declaratória de

Constitucionalidade, criada pela Emenda Constitucional n.º. 3 de 17 de março de 1993 e tendo

como base legal, o artigo 102, I, “a”, da CF. Foi acrescido pela referida emenda o efeito

vinculante, no § 2º do art. 102 da CF/88, que prescreve:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.(grifo nosso)

O texto também previa em seu § 4º, como legitimados para propor ADC o

Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados e o

Procurador-Geral da República89.

A finalidade da ação declaratória de constitucionalidade foi afirmada em dois

aspectos principais: primeiro, conferir certeza jurídica sobre a constitucionalidade de lei ou

ato normativo federal e, segundo, dirimir questão constitucional suscitada em milhares de

litígios.

A inovação da ação declaratória de constitucionalidade – ADC foi, à época, alvo de

_______________________________________________ 88 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 109. 89 A Emenda Constitucional n.º 45, de 08.12.2004, contudo, dando nova redação ao artigo 103, da Constituição Federal, atribuiu a mesma legitimação para ambas as ações, a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: ao Presidente da República; a mesa do Senado Federal; a mesa da Câmara dos Deputados; a mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; ao Governador de Estado ou do Distrito Federal; ao Procurador Geral da República; ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; a partido político com representação no Congresso Nacional; a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

37

grande controvérsia por parte dos juristas e doutrinadores. Além do vício de

inconstitucionalidade os opositores alegavam que a garantia de acesso ao Judiciário, seria

restringida contrariando o artigo 5º, XXXV, da Constituição; as garantias do devido processo

legal, do contraditório e da ampla defesa, inscritas no art. 5º, LIV e LV, da Constituição,

seriam afrontadas; seria atribuído ao Supremo Tribunal Federal a condição de órgão

consultivo, para exercer função legislativa, violando o princípio da separação dos poderes (art.

2º, da CF)90.

Baseando-se nessas críticas, a Associação Brasileira dos Magistrados – AMB

ingressou no STF com Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIN 913-3) contra a

ADC, impugnando como inconstitucional o art.º 1º da EC n.3/93, na parte em que alterava a

redação dos arts. 102 e 103 da Constituição. A citada ADIN acabou não conhecida pelo STF,

por maioria de 7 votos contra 3, por falta de legitimidade ad causam. Porém, pela importância

do tema, o Ministro Moreira Alves, relator da matéria, colheu ensejo para anexar aos autos

uma ADC cujo objetivo envolvia o tributo conhecido como COFINS (Contribuição para

Financiamento da Seguridade Social)91.

Esta última causa foi julgada como “questão de ordem” e depois de ampla

discussão o STF acabou reconhecendo, por maioria de votos, a constitucionalidade da parte da

EC 03/93 que introduzia a ação declaratória de constitucionalidade. Votaram pela

constitucionalidade os ministros Moreira Alves, Ilmar Galvão, Francisco Rezek, Néri da

Silveira, Octávio Gallotti, Paulo Brossard e Carlos Velloso; pela inconstitucionalidade votou

somente o ministro Marco Aurélio92.

_______________________________________________ 90 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 112. 91 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 278. 92 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 140.

38

Analisando os fundamentos dos votos vencedores, denota-se que o Tribunal afastou

as alegações de inconstitucionalidade embasadas nas alegações de violação do direito de

acesso ao judiciário, ao fundamento de que, se o acesso ao Judiciário sofresse qualquer

arranhão, esse arranhão decorria da adoção do próprio controle concentrado, a qual se fez pelo

Poder Constituinte originário, e não exclusivamente da instituição de um de seus

instrumentos, como o é a Ação Declaratória de Constitucionalidade.

O tribunal também repeliu a alegação de desrespeito ao princípio da separação de

poderes, apresentando o seguinte argumento:

“...essa alegação não atenta para a circunstancia de que, visando a ação declaratória de constitucionalidade à preservação da presunção de constitucionalidade do ato normativo, é ínsito a essa ação, para caracterizar-se o interesse objetivo de agir por parte dos legitimados para propô-la, que preexista controvérsia que ponha em risco essa presunção, e, portanto, controvérsia judicial no exercício do controle difuso de constitucionalidade, por ser esta que caracteriza inequivocamente esse risco.”93

A ação declaratória de constitucionalidade instituída pela EC n.º 3/93, portanto, não

afronta o principio da separação dos poderes, inscrito no art. 2º da Constituição Federal.

A ação declaratória de constitucionalidade, criada pela EC n.º 3 de 1993, constitui novo

instrumento de controle concentrado de constitucionalidade de normas no direito

constitucional brasileiro, destinada a obter a declaração de constitucionalidade de lei ou ato

normativo federal, diante de controvérsias relevantes em litígios judiciais sobre a sua

legitimidade constitucional, sendo assim instrumento de grande valia para assegurar a norma

constitucional.

_______________________________________________ 93 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 140.

39

4. SÚMULA VINCULANTE

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº. 45/2004, foi acrescido a Carta

Maior o artigo 103-A que introduziu a súmula com "efeito vinculante em relação aos demais

órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,

estadual e municipal". O artigo 103-A foi acrescido ao texto constitucional conferindo

poderes ao Tribunal para "aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial,

terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração

pública direta e indireta."94

Longe de ser consenso, a introdução do efeito vinculativo tem sido desde sua

propositura alvo de acesas controvérsias na comunidade jurídica. A principal crítica está

calcada no engessamento do poder Judiciário, uma vez que os juízes, principalmente os de

primeira instância, se veriam obrigados a acatar as decisões dos juízos superiores, de forma

que não passariam de meros aplicadores da "lei", sem possibilidade de criticar as decisões

proferidas pelos escalões superiores, impedindo-se assim, a evolução do Direito nacional. As

críticas não se resumem a esta única, dentre outras pode-se citar: afronta à independência do

juiz, desrespeito ao princípio do duplo grau de jurisdição, aniquilação da criatividade do juiz,

ofensa á obrigatoriedade de motivação das decisões, implica na usurpação de poderes

legislativos, veda o acesso à justiça.

É a partir dessa divergência “solução da morosidade processual X “‘engessamento’

dos juízes de instâncias inferiores” que se dá a divergência de opinião entre os doutrinadores e

demais estudiosos de Direito, segundo Marco Antônio Botto Muscari:

“para talhar os problemas da divergência de soluções a casos substancialmente idênticos e da verdadeira avalanche de processos

_______________________________________________ 94 OLIVEIRA JUNIOR, Roney. A solidez da súmula vinculante e a fragilidade da súmula impeditiva de recursos. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6271>. Acesso em: 04 jul. 2005.

40

repetidos que tramitam entre nós, juristas de tomo95 preconizam a adoção da súmula vinculante, embora enfrentando a resistência de doutores não menos ilustres96 e de entidades civis respeitáveis.97”98

4.1 Principais críticas e contra – argumentos

A seguir serão analisadas as principais objeções à introdução da súmula vinculante

para que haja uma melhor compreensão da amplitude do tema estudado, dando enfoque aos

contra-argumentos apresentados em desfavor destas críticas.

4.1.1 Independência dos poderes

Na corrente contrária de juristas, é bastante comum argüi-se o fato de que a

vinculação dos juízos inferiores ao entendimento superior é inconstitucional, pois fere o

princípio da independência dos Poderes (art. 60, § 4º, III, da CF). Ao atribuir às decisões do

STF efeito vinculante estar-se-ia atribuindo ao Poder Judiciário a capacidade de legislar, já

que a sua decisão passaria a ser “norma” com eficácia erga omnes; deste modo a competência

_______________________________________________ 95 como SÉRGIO BERMUDES(“nota de apresentação” publicada na Revista AMB,n.3,p.24), IVES GANDRA DA SILVA MARINS ( Revista Jurídica Consulex, n.3, p.16), CELSO RIBEIRO BASTOS ( “O Estado de S.Paulo de 29.11.96), SAULO RAMOS ( Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.13,p. 148), MIGUEL REALE ( “O Estado de S. Paulo” de 23.8.97), CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO ( “Folha de S. Paulo de 4.7.97), NÉLSON JOBIM ( Revista Jurídica Consulex, n.3, p.17), ARNOLDO WALD ( “ O Estado de S. Paulo de 15.4.96), GERALDO BRINDEIRO ( “ Folha de S. Paulo” de 2.6.97) e JOSÉ IGNACIO BOTELHO DE MESQUITA (palestra proferida na Associação dos Advogados de São Paulo, aos 12.2.96, no curso intitulado A Eficácia Vinculante das Súmulas) 96 tais quais JOSÉ CELSO DE MELO FILHO ( O Judiciário em questão, artigo publicado na Internet – http://cf3.uol.com.br:80...ultor/arti.cfm?numero=53), DALMO DE ABREU DALLARI ( “ Folha de S. Paulo de 31.7.97), EVANDRO LINS E SILVA( Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, n.61, p.53), CLITO FORNACIARI JÚNIOR ( “Notícias Forenses” de fevereiro/96), RUBENS APPROBATO MACHADO (Revista APMP, n.7, p.20), JOÃO CARLOS PESTANA DE AGUIAR SILVA ( “In Verbis”, n.6, p.12), LUIZ FLÁVIO GOMES (A Dimensão da Magistratura no estado Constitucional e Democrático de Direito, p.190) e FÁBIO KONDER COMPARATO ( Juízes para a Democracia, n.7, p.3) 97 a Associação Juízes para a Democracia é contra a adoção das súmulas vinculantes, como se vê do artigo subscrito por seu Presidente ( RJ 232 – Fev/97, p.21); o Colégio de Presidentes dos Conselhos Seccionais da OAB manifestou-se contrariamente ao texto aprovado pelo Senado Federal, na Declaração de Campos do Jordão (Tribuna do Direito – out/97).

41

98 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 54. privativa do Legislativo restaria invadida99.A esse respeito José Anchieta da Silva comenta:

“...atribuir-se à súmula o efeito vinculante amplo e inocular-lhe a força cogente que só provém da lei é invadir a competência do poder legislativo. O juiz, qualquer juiz, não tem e não pode assumir prerrogativa que é privativa do legislador.”100

Lênio Luís Streck, fazendo coro junto aos que alegam que a súmula vinculante

compromete o princípio das funções do Estado, declara:

“Ninguém ignora que – e isto já ocorre no sistema em vigor - ao editarem uma Súmula, o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça (ou o Tribunal Superior do Trabalho) passam a ter o poder maior que o do Poder Legislativo. Conseqüentemente, com o poder constitucional de vincular o efeito das Súmulas e até mesmo das decisões de mérito do Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário, por suas cúpulas, passará legislar, o que, à evidencia, quebrará a harmonia e a independência que deve haver entre os Poderes da República.” 101

A “separação de poderes” consiste na distinção de três funções estatais – legislativa,

administrativa e judiciária – e pela sua atribuição aos três órgãos distintos, reciprocamente

autônomos e independentes, que exercerão suas funções predominantemente102.

A tríade – Legislativo, Executivo, Judiciário – não mais remanesce com o rigor de

antigamente, ocorrendo evidente complementaridade na atuação daqueles Poderes, todos

devendo se irmanar na perseguição do bem comum103.

Há um grande desvio na condução da crítica. A súmula vinculante não causa afronta

a alguma cláusula pétrea inscrita no art. 60, § 4º, da CF, especialmente no que tange à

“separação de poderes” ou aos “direitos e garantias individuais” (incs. III e IV)104. Súmula

não é lei, nem com ela compete, não cria, modifica ou extingue direitos e deveres.

_______________________________________________

99 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 135. 100 SILVA, José Anchieta da. A súmula de efeito vinculante amplo do direito brasileiro: um problema e não uma solução. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 51. 101 STRECK, Lênio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 267. 102 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 63. 103 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 313. 104 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 313.

42

Trata-se apenas de uma cristalização interpretativa com base na lei e dela

dependente105.

Conveniente observação faz Sérgio Sérvulo da Cunha, quando defende que a súmula

vinculante não afronta o princípio em análise, posto que os três poderes laboram com a lei, já

que o Poder Legislativo a edita, o Poder Executivo a regulamenta e o Poder Judiciário, ao

editar súmula vinculante, apenas delimita o alcance da norma geral que, antes, o Poder

competente editou106.

Quando o Judiciário estabelece súmulas (ainda que vinculantes), associa-se a função

do poder Legislativo, mas não concorre com ele na atribuição de criar o direito; não está

legislando, mas apenas exercendo um papel que lhe é inerente: manter a paz social e

resguardar a segurança jurídica. Longe de invadir a esfera de atuação do Legislativo, completa

a missão de estabilizá-lo segundo um único entendimento, colaborando com ele107.

Ressalte-se, enfim, que a “norma judicial” (súmula vinculante) não se equipara nem

equivale à legislativa, eis que seu pronunciamento ocorrerá diante de situações concretas,

levadas pelas partes ao Judiciário, intervindo a corte para garantia da estabilidade e da

segurança jurídica abaladas pela disparidade de entendimentos e pela concreta possibilidade

de propagação injustificada de causas semelhantes108.

4.1.2 Acesso à justiça

Outra crítica feita à súmula vinculante é a de que ela teria como efeito impedir o

acesso à justiça (art. 5º inciso XXXV da CF/1988), agredindo assim, um direito fundamental

_____________________________________________ 105 SILVA, Antônio Álvares da. As súmulas de efeito vinculante e a completude do ordenamento jurídico. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2004, p. 93. 106 Apud TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ªed, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 89. 107 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 64. 108 TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ªed, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 107.

43

expresso na Constituição109.

Tal crítica não procede e é muito bem refutada nas palavras de Ada Pellegrini

Grinover: “o acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou

possibilidade de ingresso em juízo...”110. Deste modo, a súmula vinculante não veda ou

impede que os cidadãos comuns recorram ao Poder Judiciário; o que se inibe é o ajuizamento

de ações repetitivas, que, longe de representar a garantia constitucional de acesso a justiça, só

retardam o trâmite processual111.

Vê-se, pois, que não haverá vedação de acesso à justiça, já que todos os que

desejarem um pronunciamento da Justiça irão merecê-lo, sendo concedido ao cidadão a

oportunidade de demonstrar que o quadro fático concreto diverge daquele que originou a

súmula e a possível inferência de argumento novo, ainda não submetido ao Poder

Judiciário112.Assim, nem o juiz deixará de tomar conhecimento das ações novas, nem haverá

negativa de acesso à Justiça113.

Onde, então, há ofensa ao princípio constitucional de acesso à justiça? Ora,

dispensando a instalação da demanda, a própria qualidade das decisões judiciais aumentará,

pois os julgadores irão gastar com questões jurídicas novas o tempo hoje consumido pelas

lides repetitivas. O efeito vinculante favorece inteiramente o exercício da cidadania na busca

da justiça, incrementando o nível da prestação jurisdicional ao contrário de inibi-lo. O

prejuízo realmente surge quando os tribunais repetem questões já decididas, uma vez que a

parte não tem a prestação jurisdicional pronta e imediata. Isto, sim fere a cidadania e

_______________________________________________ 109 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 151. 110 ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.87. 111 SILVA, Antônio Álvares da. As súmulas de efeito vinculante e a completude do ordenamento jurídico. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2004, p. 102. 112 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 69. 113 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 153.

44

desmoraliza a atividade judiciária, tanto do juiz quanto do advogado114.

4.1.3 Ofensa à obrigatoriedade de motivação das decisões

Por outro lado, existe a grande preocupação por parte dos juristas de que com a

introdução da súmula vinculante as decisões judiciais supervenientes ao estabelecimento do

precedente seriam meras repetições automáticas, violando inclusive o princípio constitucional

de motivação das decisões judiciais, consubstanciado no artigo 93, inciso IX, da Constituição

Federal de 1988115.

Os críticos da súmula argumentam que, introduzido o efeito vinculante, seria

possível que uma decisão fosse fundamentada apenas de maneira formal, indicando

simplesmente que a súmula de determinado tribunal é no sentido da decisão, chegando, ao

extremo de nem se analisar as provas do processo, ou quem sabe, até mesmo de se decidir

pela improcedência da ação quando do despacho inicial do processo, impossibilitando o

acesso à justiça; em outras palavras, os juízes iram, após o relatório da sentença, julgar

improcedente os pedidos apenas indicando o enunciado da súmula que trata sobre a

questão116.

Longe de constituir tarefa mecânica, a utilização da súmula vinculante não

compromete nem isenta a necessária motivação/fundamentação das decisões judiciais; o juiz

ao aplicar a súmula no caso concreto fundamentará tal aplicação; devendo esclarecer o seu

próprio enunciado e demonstrar que o objeto litigioso do processo se enquadra na indigitada

_______________________________________________ 114 SILVA, Antônio Álvares da. As súmulas de efeito vinculante e a completude do ordenamento jurídico. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2004, p. 102. 115 TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ªed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 84. 116 CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A inconstitucionalidade da súmula de efeito vinculante no Direito brasileiro. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4248>. Acesso em: 25 nov. 2004.

45

súmula117.

Desta forma, em um sistema jurídico onde se labora com precedentes vinculantes é

certo afirmar que:

“longe de constituir tarefa mecânica, a aplicação de súmula vinculante reclama da autoridade judiciária uma análise profunda do caso concreto para aferir se está diante de hipóteses substancialmente igual à do(s) acórdão(s) gerador(res) da súmula, devendo o julgador enfrentar, fundamentalmente, as alegações das partes, no sentido de verificar se o caso em julgamento adequa-se ou não ao paradigma apreciado pelo órgão sumulador”118

Ora, é bem sabido que a fundamentação as decisões judiciais, garantida

constitucionalmente, deve ser substancial, e não simplesmente formal, não podendo ser

entendida como fundamentação a mera referência a um entendimento anterior, sem

apreciação de se tratar ou não da mesma fattispecie. Para tanto, há necessidade de se estar

atento à integralidade dos casos julgados anteriores, para que se os compare com a hipótese

em julgamentos, não cabendo simples leitura do entendimento sumulado. Há que se

reconhecer os motivos que deram origem à súmula119.

4.1.4 Duplo grau de jurisdição

Uma quarta crítica à súmula vinculante reside em que ela suprime as garantias

fundamentais do processo judicial – o duplo grau de jurisdição, uma vez que seria

desnecessário (ou inútil) o recurso interposto pela parte desfavorecida pela sentença, pois a

decisão final do Tribunal já seria previamente conhecida.

Esse princípio, previsto pela Constituição Federal na parte final do inciso LV do

_______________________________________________ 117 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 315. 118 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 70/71. 119 TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ªed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 93.

46

artigo 5º, funda-se na possibilidade de reexame da sentença definitiva por órgão de

jurisdição, normalmente superior à daquele que a proferiu, em grau de recurso. Não há

necessidade que a revisão da sentença seja aferida a órgão diverso ou de hierarquicamente

superior a aquele que proferiu a decisão120.

Esse princípio, previsto pela Constituição Federal na parte final do inciso LV do

artigo 5º, funda-se na possibilidade de reexame da sentença definitiva por órgão de jurisdição,

normalmente superior à daquele que a proferiu, em grau de recurso. Não há necessidade que a

revisão da sentença seja aferida a órgão diverso ou de hierarquicamente superior a aquele que

proferiu a decisão120.

Teme-se que introduzido o efeito vinculante, ocorreria casos onde a parte pleiteasse

em juízo um determinado direito e que tivesse uma sentença onde o juiz, apesar de não

convencido pela súmula de efeito vinculante, julgasse a ação contrariamente ao esperado pela

parte (e desejado pelo juiz), e que após solicitada a revisão da decisão, o tribunal superior nem

sequer analisaria a questão suscitada por se tratar de matéria já sumulada, surgindo daí o

prejuízo ao princípio do duplo grau de jurisdição121.

Aplicada a súmula vinculante não se estará ferindo tal princípio, pois será dado ao

sucumbente a oportunidade de provocar o reexame da decisão que, a seu ver, aplicou mal a

disposição sumular, para tanto é necessário demonstrar que o caso concreto é

substancialmente diverso ao precedente que deu origem a súmula vinculante; ao vencido será

concedido a chance de alterar a orientação sumulada desde que seja invocado argumento novo

e convincente ainda não apreciado pelo STF122.

_______________________________________________ 120 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 68. 121 CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A inconstitucionalidade da súmula de efeito vinculante no Direito brasileiro. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4248>. Acesso em: 25 nov. 2004. 122 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 68.

47

4.1.5 A questão da independência dos juízes

Inúmeras são as ilustradas vozes que se levantam protestando contra as súmulas

vinculantes, porque estas feririam a autonomia dos juizes. Os juristas que sustentam esta

crítica alegam que a com a introdução do instituto sob exame, os juízes ficariam submissos a

entendimento já pacificado, tornando-os meros aplicadores das súmulas dos tribunais

superiores123.

A adoção do efeito vinculante não tira a independência do juiz e nem engessa a

jurisprudência; até porque se assim fizesse, a eficácia vinculante jamais poderia ser cogitada,

ainda que nos julgamentos proferidos em ADIn ou ADC ( art. 102, I, a, da CF)124.

A súmula, ao contrário do que afirmam os críticos, não acaba com a individualidade

do magistrado, mas sim evita processos e demandas inúteis, expurgando do mercado jurídico

milhares de ações repetitivas. A parte ao ajuizar uma ação tendo como objeto matéria já

sumulada preverá como o processo será decidido, evitando assim as falsas expectativas e a

perda de tempo125.

Aplicada a súmula vinculante, o magistrado, com menos processos repetitivos para

despachar, terá mais tempo para analisar as novas questões que lhe forem apresentadas e deste

modo, exercerá sua autoridade e independência para acatar ou rejeitar o pedido;

“...Hoje, ao contrário, o juiz, diante da monstruosa e indecente quantidade de processos, torna-se um escravo do tempo e, com um autômato, transforma-se em máquina de concessão de liminares e de decisões pré fabricadas. E entende que, nisso, reside a sua independência, não percebendo o fato de que é mais escravo do que é

_______________________________________________ 123 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 125. 124 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 68. 125 SILVA, Antônio Álvares da. As súmulas de efeito vinculante e a completude do ordenamento jurídico. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2004, p. 85.

48

mais escravo do que nunca, não das leis, na concepção já ultrapassada, mas, agora, escravo dos números e, em nome de uma independência que não é sua, pretende julgar todos os milhares de casos repetidos, que é a tônica das chamadas demandas múltiplas e objeto de eficácia que se pretende conferir às súmulas.”126

É importante vislumbrar, que se o juiz de primeiro grau entender que uma súmula

não se aplica ao caso concreto sub-judice, é lhe dado a liberdade e autonomia para tentar

modificar a decisão consolidada pelo pretório excelso. Para tanto, é necessário fundamentar

sua decisão trazendo a baila argumentos jurídicos novos e de grande relevância e não

argumentação chinfrim, esdrúxula; desta feita, a súmula poderá até ser revogada caso seja

acatada pelo juízo superior127.

Igualmente, a adoção do enunciado vinculante não deve ser visto como uma forma

de fossilizar o Direito, deve-se levar em conta que a jurisprudência, na verdade, é dinamizada

não pela quantidade de julgados, mas pela qualidade dos julgamentos sobre questões novas.

Este deve ser o correto entendimento de como a força vinculante da súmula irá operar128.

Ressalta-se que alguns integrantes da magistratura esquecem-se de que a

independência do magistrado não é garantia posta a seu serviço ou favor, mas sim em favor da

população que clama por justiça. Assim a independência do magistrado dever ser

utilizadapara reverter em prol da polulação e não para ser fonte que jorra da vaidade pessoal

129.

Em suma, destarte com a adoção da súmula vinculante, a independência dos juízes

não restaria prejudicada.129

_______________________________________________ 126 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 130. 127 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 148. 128 SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 178. 129 TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ªed, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 80.

49

CONCLUSÃO

A adoção da súmula, com efeito vinculante surgiu como medida legislativa visando

a restrição de apelos aos Tribunais Superiores. O intuito de tal medida foi diminuir a carga

laboral da Colenda Corte e acabar, ainda que em tese, com a morosidade da justiça brasileira

proporcionando uma maior segurança jurídica aos jurisdicionados.

Ocorre que o impulso legislativo para uma solução do problema que enfrenta o

judiciário, com o excessivo número de recursos, esbarrou na realidade do processo. Com a

criação da súmula com efeito vinculante a comunidade jurídica vislumbrou um engessamento

do Poder Judiciário, haja vista os juízes serem “obrigados” a atender as decisões de juízos

superiores, passando a meros aplicadores da lei, perdendo a assim, a sua discricionariedade e

impedindo a evolução do Direito Pátrio.

Na situação vigente, a criação da súmula vinculante figura importante instrumento

para produzir maior celeridade e uma melhor racionalização na atividade jurídica estatal.

Muita coisa há de ser feita e, dentre elas, a súmula vinculante não é a única via, mas uma

dentre várias medidas para obtenção da justiça social, não representando violação à

democracia e sim uma garantia de efetividade à prestação jurisdicional e segurança jurídica.

Diante dos argumentos expostos no último capítulo deste ensaio, tem-se que com a

introdução da súmula, com efeito vinculante não trará o imediato desafogamento dos

tribunais. Porém, a longo ou médio prazo é esperado que essa diminuição aconteça, tendo em

vista que haverá uma previsibilidade da decisão que irá ser tomada, desestimulando as

práticas de recorrer ao judiciário na esperança que o processo venha a ser distribuído a um

juiz com o posicionamento em sentido oposto ao dominante.

A súmula não irá engessar o judiciário pois, com a diminuição da demanda que

sobrecarrega o poder judiciário, a maioria dos juízes, com menos casos para analisar e maior

50

tempo para aprecia-los, terão discricionariedade para aferir com cautela se os fundamentos

que levaram à emissão da súmula coincidem com o caso concreto, conscientizando-se da

necessidade de uma leitura minuciosa dos autos do caso levado para análise, com escopo de

compara-lo com os fundamentos que sustentam a edição da sumula com efeito vinculante.

Deste modo, os juízes ao discordarem de uma súmula vinculante, trarão argumentos

realmente relevantes para apreciação do Supremo Tribunal Federal, o que poderá, dependendo

da sustentação levantada pelo magistrado, simplesmente recebê-lo como argumento novo ou

até mesmo ser matéria de edição de nova súmula.

Essas são as considerações iniciais que podem ser feitas a respeito desse novo

instituto no regime constitucional atual, fazendo votos que o mesmo seja bem utilizado em

benefício dos anseios sociais, sem a supressão completa da liberdade de convicção dos

magistrados, que possui valor relevante para a sociedade brasileira.

51

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Introdução ao Direito Comparado. 2ª ed. Coimbra: Almedina,1 1998. ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.87. BALSALOBRE, André de Barros. A súmula vinculante como instrumento de uniformização da jurisprudência. Revista do Tribunal Regional Federal, 1ª Região, Agosto, v.14, n.8, 2002. CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A inconstitucionalidade da súmula de efeito vinculante no Direito brasileiro. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4248>. Acesso em: 25 nov. 2004. COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999. DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução Hermínio A.Carvalho. 3ªed., São Paulo: Martins Fontes, 1996. De PLÁCIDO e SILVA. Vocabulário Jurídico. Vols. III e IV. 1ª ed. univ. Rio de Janeiro: Forense, 1987. DINIZ, Antônio Carlos de A. Efeito vinculante e suas conseqüências para o ordenamento jurídico. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=252>. Acesso em: 25 nov. 2004. DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. Vol. 4, 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. FRANCO, José Alexandre. Sistemas de Direito Contemporâneo. Disponível em: <http://www.viannajr.edu.br/revista/dir/doc/art_10012.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2005.

52

JAMBO, Paloma Wolfenson. O poder vinculante das súmulas e a impossibilidade da identificação estreita das causas submetidas à Justiça. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6961>. Acesso em: 04 jul. 2005. LIMA, Leonardo D. Moreira. Stare decisis e súmula vinculante: um estudo comparado. Disponível em: <http://www.pucrio. br/sobrepuc/depto/direito/revista/online/rev14_leonardo.html#_ftn10>. Acesso em: 04 jun.2005. MACHADO, Agapito. A nova reforma do Poder Judiciário: EC nº. 45/04. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6378>. Acesso em: 09 abr. 2005. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. MÓSCA, Hugo. O Supremo Tribunal, ontem e hoje, 2° ed., Brasília: Guarany, 2001. MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula Vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. OLIVEIRA JUNIOR, Roney. A solidez da súmula vinculante e a fragilidade da súmula Impeditiva de recursos. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6271>. Acesso em: 04 jul. 2005. PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. A inclusão do requisito da relevância para a redução do volume de processos no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/wwwroot/03de2005/brevecontribuicao_eduardochemaleselistrepena.htm# _ftn5>. Acesso em: 04 jul. 2005. REIS, Nazareno César Moreira. Súmula "vinculante": uma petição de princípio. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6376>. Acesso em: 04 jul. 2005. ROCHA, Lincoln Magalhães da. Direito Sumular. Rio de Janeiro: Shogun Arte, 1983. SÁ, Djanira Maria Radamés de. Súmula vinculante; análise de sua adoção. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

53

SANCHES, Sydney. Uniformização da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975. SILVA, Antônio Álvares da. As súmulas de efeito vinculante e a completude do ordenamento jurídico. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2004. SILVA, Bruno Mattos e. A súmula vinculante para a Administração Pública aprovada pela Reforma do Judiciário. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6101>. Acesso em: 04 jul. 2005. SILVA, José Anchieta da. A súmula de efeito vinculante amplo do direito brasileiro: um problema e não uma solução. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. SOIBELMAN, Félix. Súmula vinculante na Emenda Constitucional n.º 45/2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6392>. Acesso em: 04 jul. 2005. SOUZA, Carlos Aureliano Motta de. O papel constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o efeito vinculante. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e segurança jurídica: a questão da súmula vinculante. 1ªed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004.