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[REVISTA - 1] REVISTA/REVISTA 2083 - 29-09-12 · física e da época do ano. O material no verão é obviamente diferente do do inverno. Os ténis podem ser os mesmos

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OQUE(N)OS

FAZCORRER?

Amanhã corre-se a meia-maratona de Portugal,mas as incrições estão esgotadas há semanas.

Serão 20 mil pessoas a atravessar a Ponte Vascoda Gama. Mas pelas ruas, de Norte a Sul do país,

basta andar de olhos abertos para os ver.Os portugueses renderam-se à corrida

TEXTOS DE KATYA DELIMBEUF

FOTOGRAFIAS DE JORGE SIMÃO

JOGGERS

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NNo princípio era a crise. Muitos can-celaram a mensalidade do ginásio esaíram para a rua de ténis onde po-diam, a qualquer hora, puxar pelocorpo e transpirar. A mesma criseque acrescentou problemas, dívi-das, stresse e preocupações à men-te das pessoas até o alívio se tornarpremente. Mas se a crise económi-ca parece ter tornado mais visíveluma tendência, a verdade é que hácada vez mais portugueses loucospela corrida. É uma espécie de higie-ne mental, uma disciplina de quenão abdicam, e que encaixam acro-baticamente em horários blinda-dos. Há pessoas para quem correr éum vício — assumido, sem o qualnão se imaginam a viver. Pessoasiguais a tantas outras, que um diacomeçaram por correr 200 metrose acabaram a correr maratonas...

O melhor dia do ano para Tia-go Dionísio é o da ultramaratona‘Comrades’, na África do Sul. Não éo dia do seu aniversário, nem o danamorada, Rita — também corre-dora —, nem o da mãe — nem tãopouco o Natal. A ideia de um diaperfeito para o economista de 38anos é correr 89 km, levando o cor-po ao limite, suplantando-se. Há 12anos que corre esta prova. “É umalição de vida num dia”, resume,pensando nas dificuldades impos-tas pela corrida, nos momentos de

desânimo, e na euforia de chegarao fim, sabendo que conseguiucumprir mais uma meta. “Nas ul-tramaratonas (provas com maisde 42 km), 80% da performance de-pende da cabeça”, explica Tiago,que nunca desistiu de uma corrida— e conta mais de 200, entre mara-tonas e ultramaratonas, no currícu-lo. Ao todo, é qualquer coisa como10.500 km o que já traz nos pés —treinos à parte, claro.

Apesar da postura discreta, Tia-go Dionísio assume-se como o por-tuguês residente no país que fezmais maratonas e ultramaratonas.A sua relação com a corrida é anti-ga — tem mais de 20 anos. “Estivesempre ligado ao desporto”, conta.“Desde pequeno, no Colégio Militar,treinava uma hora por dia. Só aos18 anos, quando entrei na universi-dade, comecei a correr diariamen-te. Primeiro em treinos de meia ho-ra, 45 minutos, até aumentar parauma hora e correr 12 km.” A partirdos 20 anos, correr tornou-se umhábito diário que não mais voltou adispensar. Faça chuva ou faça sol,esteja em que parte do mundo esti-ver. “Não posso negar que sou vicia-do na corrida. Todas as semanas,treino pelo menos 100 km. Mas pa-ra mim, é algo natural”.

A primeira maratona que cor-reu tinha 20 anos. Antes, já fizera

provas mais pequenas, “de 25 km”.Tomou-lhe o gosto. Os 42 km damaratona de Lisboa tornaram-se sa-grados. Aos 24 anos, fez a primeiramaratona internacional, a de Lon-dres — e daí em diante, passou a via-jar para correr: todos os anos, faziaquatro maratonas. A partir do ano2000, subiu ainda mais a fasquia: es-treou-se nas ultramaratonas, quesão também “uma forma de conhe-cer novos países”. Viajar para cor-rer passou a ritual. 15 provas porano, em média. Nos últimos dois, es-se número aumentou para 31 pro-vas, entre maratonas e ultramarato-nas. Boa parte das suas férias e vidasocial são passadas assim.

Destaca o lado mental da cor-rida. “Aprendi muito sobre mimpróprio. E sinto orgulho no meu

TIAGO DIONÍSIOIdade 38 anosProfissão EconomistaTreino semanal100 kmCorre há 18 anosNúmero de provasMais de 200, entremaratonas e ultramaratonasPorque começou a correrFez sempre desporto e éalgo que o equilibra

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percurso, apesar de não o andar apublicitar. Graças à corrida, aguen-to um ritmo de trabalho bastanteforte”, diz ele, que já foi analista nabolsa. “Se correr de manhã, chegoao banco com a atitude de que na-da é impossível, não há dificulda-des.” E recorda “uma loucurazita”que fez este ano: “Num fim de se-mana, fui com a minha namoradaver um concerto dos Coldplay aoPorto. No fim, viemos de carro atéPortalegre, onde eu tinha uma pro-va de 100 km que começava às 4hda manhã — a ultramaratona de S.Mamede. Nessa noite, regressei aoNorte de carro, dormi, e quandoacordei fui para o Gerês correr ou-tra prova de 50 km”. “No fundo”,resume, como se fosse a coisamais natural do mundo, “foram

150 km nas pernas e 1500 de car-ro”. E acrescenta: “O ser humano écapaz de tudo...”

O VÍCIO DA LIBERDADEMas não é preciso treinar há 20anos para ficar ‘agarrado’ à ener-gia que se sente na corrida. Que odiga a jornalista da SIC Notícias An-dreia Vale, que descobriu a corridahá um ano mas já se sente uma au-têntica junkie. “Sou mais viciada nacorrida do que em tabaco”, assumea pivô, que anda sempre com umequipamento no carro para o casode lhe apetecer correr, e que nãoconsegue ver corredores sem sejuntar a eles... “Houve alturas emque ficava instável quando não cor-ria... É uma resposta orgânica donosso corpo, a libertação de endor-

finas — está cientificamente prova-do. É como os drogados: não dá pa-ra não correr.” Não lhe custa trei-nar à chuva ou com 0º C. Aliás, foino inverno passado que ela se vi-ciou definitivamente na corrida.Precisa é de música — “música decarrinhos de choque”, como lhechama. “Quando não corro tenhoressaca.”

Tudo começou depois de ter osegundo filho — hoje com 4 anos.Inscreveu-se no ginásio, para recu-perar a forma, mas pouco ia. Um

“SE CORRERDE MANHÃ,CHEGO AO BANCOCOM A ATITUDEDE QUE NADA ÉIMPOSSÍVEL, NÃOHÁ DIFICULDADES”,DIZ TIAGO DIONÍSIO

ANDREIA VALEIdade 34 anosProfissão JornalistaTreino semanalSemana sim semana não,entre 5 a 10 km cada diaCorre há um anoNúmero de provas1 minimaratona (8,17 km),1 prova de 10 km,2 meias-maratonas (21 km)Porque começou a correrPara recuperar a forma,depois do 2º filho

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dia, decidiu correr à beira-rio. Co-meçou por correr 5 minutos, de-pois 10, e foi aumentando. Agora,corre entre 5 e 10 km, na semanaem que não tem os filhos. Corre to-dos os dias, se puder, ao fim da tar-de, ou à noitinha, no Parque dasNações ou em Belém. Já lhe aconte-ceu correr à meia-noite, na noitede Natal ou no 1º dia do ano, e des-cobrir que há sempre gente a cor-rer. Considera que a sua vida me-lhorou bastante desde que corre:“O corpo fica mais seco, a cabeçatambém beneficia. Há quem façaponto-cruz ou jogue xadrez, eu cor-ro. E é mais barato do que ir ao psi-cólogo ou comprar sapatos!”

O vício dos treinos passou pa-ra as provas. O desafio de amigoslevou-a à primeira minimaratona

(8,17 km), que fez “com uma pernaàs costas.” Depois, quis correr umameia (21 km). Treinou sozinha, e feza primeira em maio. Seguiram-seoutros 10 km na prova de Sto Antó-nio, em Lisboa. Na véspera de falar-mos, correra outra meia, no Porto.E amanhã, dia 30, estará no tabulei-ro da Ponte Vasco da Gama, naMeia-Maratona de Portugal. “A cor-rida para mim serviu como tera-pia, como escape. O que vicia é asensação de liberdade, associada

às belas paisagens... Como umapraia em Porto Santo sem uma úni-ca pegada antes de eu passar.”

CADA VEZ MAIS PROVASNão é preciso ser muito atento pa-ra reparar na profusão de cartazesque anunciam corridas e provasde toda a espécie. Ainda na sema-na passada, Lisboa foi cenário daNight Race, uma corrida noturnade 12 km, que teve a particularida-de de iluminar a noite da capitalcom 3200 luzinhas presas à cabeçados atletas. A 13 de outubro, o Por-to conhecerá a mesma versão daprova, já com 4000 inscritos. Ama-nhã, na Ponte Vasco da Gama, ameia-maratona receberá, por suavez, mais de 20 mil corredores — epela primeira vez em 12 anos, as

HENRIQUE BELMARDA COSTAIdade 54 anosProfissão AdvogadoHoras de treino1 hora diária. Corre há 8 anosNúmero de provasMinimaratonas, 3meias-maratonas. Inscrito nameia-maratona da EDP (30de setembro) e na Corrida doTejo (21 outubro)Porque começou a correrEngordou muito após pararde fumar

“TENHO UMAESTRANHAFELICIDADE NACORRIDA. COMO SEA MINHA FAMÍLIAFOSSEM OSATLETAS DOMUNDO INTEIRO“,PARTILHA ANALICE

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inscrições esgotaram. A 21 de outu-bro, a Nike organiza a Corrida doTejo, uma prova de 10 km em Lis-boa. E assim por diante, numa su-cessão de provas organizadas quecaptam cada vez mais pessoas.

Ao todo, são cerca de 15 as pro-vas de corrida que existem em Por-tugal, que disputam as inscriçõesde corredores amadores. Os calça-dões e ciclovias que apetrecharamas cidades nos últimos anos tam-bém contribuíram para a promo-ção do estilo de vida saudável, cujaconsciência é cada vez maior.

Henrique Belmar da Costa,advogado do grupo Jerónimo Mar-tins, fez essa opção de saúde háoito anos. Todos os dias corre.Com um trabalho recheado de res-ponsabilidades e stresse, garante:

1. COMO INICIAR OS TREINOS?Antes de mais, é precisofazer uma avaliação médicae física. E depois definir umplano de treino.

2. DEVO SOMENTE CORRER?Na corrida, é um erro muitogrande descuidar a parte depreparação física. Fortaleci-mento muscular e alonga-mentos são fundamentais.

3. ALONGAMENTOS: É CORRETOOU NÃO FAZER ANTES EDEPOIS DOS TREINOS?A musculação e os alonga-mentos são primordiais paraa evolução do corredor.A musculação voltada paraa corrida é o objetivo princi-pal. Os alongamentos sãode suma importância tantopara a preparação comorecuperação dos corredores.

4. DEVO CORRER SEMPRE NOMESMO TIPO DE PISO?Pelo contrário. Quanto mais

estímulos diferentes damosao nosso corpo melhor oresultado final, por isso oideal é variarmos o local dostreinos e o piso.Fazer treinos em passadeira,relvados, terra batida, ruasplanas e subidas é importan-te para melhorar a capacida-de muscular.

5. CORRER AO OUVIR MÚSICAÉ PREJUDICIAL?Muitas pessoas precisamdesse estímulo para treinar.Porém, ao correr na rua, ébom estar atento e com aconcentração a 100%. Guar-de a música para treinos napassadeira, ou em locais quenão apresentem perigos.

6. CORRER SOZINHOOU EM GRUPO?O bom de correr em grupoé o apoio e o convívio.Poder partilhar histórias,treinos e provas com outrosé importante para avançar.

Mas, mesmo correndo emgrupo, cada pessoa tem oseu ritmo. Nunca devemosbasear os nossos treinos nosdos outros.

7. QUAL O EQUIPAMENTOIDEAL PARA OS TREINOS?Depende da nossa estruturafísica e da época do ano.O material no verão éobviamente diferente dodo inverno.Os ténis podem ser osmesmos nas duas estações,só diferem consoante o tipode terreno.Procure utilizar as camadas,e procurar materiais específi-cos para o desporto.No caso dos ténis, é muitoimportante encontrar oadequado ao seu tipo depisada e ter muito cuidadocom o desgaste.Sapatilhas velhas podemcausar lesões. R

ANTÓNIO NASCIMENTO,PREPARADOR FÍSICO

ANALICE SILVAIdade 68 anosProfissão ReformadaHoras de treinoJá só corre nas provasCorre há 31 anosNúmero de provas corridas22 ultramaratonas (provascom mais de 42km). O seumelhor tempo foi naultramaratona de Santander,de 100 km, em 8h42m.Porque começou a treinarDeixou de fumar

Perguntas mais frequentes

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“Resolvo 1001 problemas enquan-to corro, que não consigo fazernum gabinete. Faz parte do meuequilíbrio. Aquilo que outros en-contram na meditação ou na fé,eu encontrei na corrida”, garanteo advogado de 54 anos. Lá em ca-sa, as três filhas e a mulher já sa-bem que o seu ritual é sagrado. Às6h da manhã, esteja uma intempé-rie ou um frio de rachar, Henri-que sai para correr 10 km — aofim de semana corre 20. É essa ho-ra, também, a que menos colidecom o contexto familiar. Quandochega a casa, prepara o pequeno--almoço às miúdas e leva-as à es-cola. “Além disso, assisto ao nas-cer do sol, que é um espetáculoúnico. O melhor nascer do sol quevi foi no meio do Tejo, em Lisboa.”

Sempre correu sozinho. “Paramim, é um ato intimista. Completo--me desta maneira”, diz. Nem osacidentes de ‘percurso’ que já teve,

em que abriu um cotovelo e partiuos dentes da frente, nem mesmo asduas operações que já fez aos joe-lhos, o demovem. De férias ou emviagem, não há concessões. E tudocomeçou da forma mais ‘banal' pos-sível: aos 40 anos, resolveu deixarde fumar. “Fumava 4 maços pordia. Acordava a meio da noite parafumar. E parei, de um dia para ooutro.” Engordou muitíssimo, e co-meçou a sentir-se mal na sua pele.Começou a correr. Primeiro 100metros, depois 200, e cada vezmais, com mais disciplina. O cha-mamento do ar livre e a liberdadede poder fazer desporto a qualquerhora foram outros fatores decisi-vos. Até às minimaratonas, àsmeias, e ao sonho de fazer uma de-sejada maratona: a de Nova Iorque.

A ULTRAMARATONISTAAUTODIDATAEsse sonho já Analice Silva comple-tou. Esse e dezenas de outros queparecem impossíveis de atingir pa-ra um comum mortal. A brasileiraresidente em Portugal tem 68anos e corre ultramaratonas comoquem come tremoços. Quem a ou-ve acha que ela é louca — não fos-sem os palmarés das provas ocupa-

rem-lhe toda uma mesa da sala doseu apartamento. Pequena e rija, édifícil imaginar aquela senhora do-ce, de cabelo curto, a correr cente-nas de quilómetros por trilhos demontanha sem nunca ter tido aju-da de um preparador físico. Correré para ela uma extensão do que po-de fazer com as pernas. “Jesus Cris-to é o meu treinador”, diz. E agrade-

ce o que este lhe deu: “Saúde, forçapara trabalhar e ainda estas malu-quices de correr 100 e 200 km.”

Ao fim de 31 anos dedicados àcorrida, o único sonho que Analiceainda não realizou foi entrar na ul-tramaratona do Sara, 245 km em 7dias, debaixo de temperaturas ex-tremas. Não o fez porque “a inscri-ção é muito cara” — que em todasas outras em que é preciso pontua-ção ou tempos mínimos, ela temacesso garantido. Para o ano irácorrer a maratona de Ronda, emEspanha (101 km), e a de Chamonix(de 168 km), às quais só se acedecom pontuação. Também já cor-reu a Maratona de Boston, conside-rada a mais elitista das provas, porsó se aceder com tempos míni-mos, e a de Nova Iorque. Assim co-mo também galgou os 100 km daultramaratona de Girona, em 8 ho-ras e 42 minutos.

Ao todo, foram 22 as ultrama-ratonas que fez até hoje. Para ela,tudo começou no dia 1 de janeirode 1982, o seguinte à decisão de dei-xar de fumar. Resolveu correr pelocalçadão do Rio de Janeiro, no Bra-sil, onde vivia, “para desintoxicartudo”. Começou por fazê-lo à noi-te, depois do trabalho, passou para

“AINDA HOJE,DEPOIS DE 13MARATONAS,CHORO AO CRUZARA META“, CONTASOFIA. MÃE DE3 FILHAS, CORREUATÉ AOS 7 MESESDE GRAVIDEZ

SOFIA FERNANDESIdade 36 anosProfissão Directora deplaneamento estratégicoHoras de treino1 hora, às 6 da manhã, 4 vezespor semana. Corre há 10 anosNúmero de provas13 maratonas internacionaisPorque começou a correr Pordesafio de uma colega

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1. OBJETIVOS IRREALISTAS A grande maioria dos corredo-res são atletas amadores, que correm ou treinam paramelhorar a sua saúde ou desafiarem-se. O primeirogrande erro é não levar em conta o objetivo traçadocom a organização da vida diária. É preciso ter expecta-tivas realistas e uma preparação consciente para que oobjetivo final seja alcançado. Caso contrário a frustra-ção e o desânimo podem levar à desistência.

2. DESRESPEITAR O CORPO É bom testar os próprioslimites, mas é preciso perceber os sinais de cansaço estresse que o corpo vai dando. Muitos atletas insistemem treinar mesmo sentindo pequenas lesões, o que éerrado e pode deixar danos irreversíveis. Em alternati-va, pode optar-se pelo fortalecimento muscular ouexercícios de recuperação.

3. PREGUIÇA Todos já devem ter passado por isso: vamostreinar ou deixamos para outro dia e aumentamos ovolume do treino? É um erro, pois além de alterar oplaneamento, leva a que se troque o treino por qual-quer motivo. E às vezes, nos dias de maior desânimo,fazemos grandes treinos, porque não vamos com ne-nhuma expectativa.

4. NÃO SEGUIR UM PLANEAMENTO É importante ter umplano de treinos, de forma a conquistar uma evoluçãoprogressiva. Temos de respeitar todos os treinos, sejamintensos ou só de recuperação. É tão prejudicial quererfazer só treinos fortes como treinos soltos, pois a nossaadaptação dá-se à medida que vamos progredindo eevoluindo com o planeamento.

5. SER RADICAL Muitas pessoas, mesmo sendo amado-ras, levam ao extremo a sua preparação. O ideal éencontrar um equilíbrio. Um dos pontos fundamentaisdo desporto é o convívio com os outros atletas e com afamília. Conciliar estes fatores é primordial. É importan-te fazer com que as pessoas à volta partilhem da euforiacom os treinos e do dia da prova. R A.N.

as madrugadas, “treinando horas afio — o que o corpo desse”. “Umdia, vi o anúncio de uma corridade 8 km, e inscrevi-me.” Logo veiooutra, que ganhou. E depois a pri-meira meia-maratona, “Rio-Nite-rói. 21 km em 3 horas... Um calorde 50ºC. E 5000 estúpidos comoeu...”, brinca. Seguiu-se a 1ª marato-na do Rio de Janeiro. E um anomais tarde, inscreveu-se na 1ª corri-da de 100 km do Brasil. “Treinei noCorcovado, ao calor, só em subi-das...” Ganhou a prova em11h42mn. E, não contente, foi tetra-campeã.

Em Portugal, continuou a cor-rer e a treinar, sempre sozinha.Fez todo o tipo de pequenos traba-lhos. Foi empregada doméstica,trabalhou em cantinas escolares,cuidou de idosos, hoje é reforma-da. Separada e sem filhos, encon-trou na corrida um preenchimen-

to invulgar. “Tenho uma felicidadeestranha na corrida. É como se mesentisse noutro mundo. Sinto o ca-rinho dos outros atletas. Como se aminha família fossem os atletas domundo inteiro.”

Essa emoção de que Analicefala é algo que Sofia Fernandes co-nhece bem. “Ainda hoje, depois de13 maratonas, choro cada vez quechego à meta.” Para esta mãe detrês filhas, de 3 e 5 anos, correr éparte da sua sanidade mental. Fá--lo há 10 anos, 4 vezes por semana,às 6h da manhã, e acredita que es-te hábito lhe traz imensos benefí-cios. “Sinto que tenho muito maisresistência ao stresse. Quando cor-ro sozinha, resolvo imensos proble-mas. No trabalho, sabem sempreos dias a que corri”, garante a dire-tora de planeamento estratégicode 36 anos. “Venho cheia deideias.” Quando engravidou pela

MIGUEL FRASQUILHOIdade 46 anosProfissãoEconomista e deputadoTreinoTodos os dias, entre 6 e 10km. Corre há 15 anosNúmero de provas1 minimaratona1 meia-maratona, a corrida doTejo e de S. Silvestre, todosos anosPorque começou a correrPara controlar o peso, aochegar aos 30 anos

5 erros mais frequentes

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primeira vez, explicou à médicaque era corredora e obteve permis-são para correr até aos 7 meses. Dasegunda vez, como eram gémeos,já não teve a mesma sorte.

Hoje, já fez todas as marato-nas internacionais — com exceçãoda de Boston. Correu as maratonasde Berlim, Atenas, Porto, Londres,Capetown (África do Sul), Budapes-te, Nova Iorque, Paris, Copenhaga,e prepara-se para ir à de Amster-dão, a 21 de outubro. “Gosto de fa-zer uma maratona internacionalpor ano, que tento associar a cida-des que não conheço”. Também jácorreu uma ultramaratona, a deTwo Oceans, na África de Sul, de56 km — e gostava ainda de entrarnas maratonas de Boston, Barcelo-na, Chicago e Sydney, mas é preci-so equilibrar o orçamento (só a ins-crição na maratona de Nova Ior-que custa 350$, fora viagem e esta-da). Vai sempre com os amigos do

Clube do Stress, de que é membrohá 10 anos. O marido não a acom-panha, mas respeita a necessidadedela de correr: “Ele acha que parapercorrer 42 km existem os car-ros”, diz a brincar.

UMA TENDÊNCIA CRESCENTEO crescendo de atletas amadores éinegável. Estima-se que haja cercade “100.000 pessoas a correr emLisboa, e 500.000 no país”, pelascontas de Nuno Barros, diretor daSport Ibérica, grupo responsávelpela ProRunner, a única loja exclu-sivamente dedicada ao atletismoem Portugal. "Lisboa era a única ca-pital europeia que não tinha umaloja de running”, explica. “A ideiafoi fazer um projeto a 360º, com ar-tigos para corrida e centro de trei-nos, fisiatria e nutrição, para quemquiser treinar sem ter de se inscre-ver num ginásio”. Nestes 600 m2no Parque das Nações, há vestuá-rio que vende desde T-shirts bióni-cas a ‘primeiras peles’ (peças quepermitem maior transpirabilida-de) e artigos de compressão a trei-nos personalizados.

Nuno Barros é ele próprio cor-redor, desde fevereiro do ano pas-sado. “Achava o correr uma chati-ce. Mas dei comigo a pensar nasvantagens — no facto de não de-pender de mais ninguém... Passei

dos 108 kg para os 95.” Desafiadopor amigos, começou a treinar e aaumentar progressivamente o nú-mero de quilómetros, que se fixounos 40 semanais. Nesse ano fez aprimeira meia-maratona e marato-na. Em abril deste ano correu namaratona de Paris. “Já faço a meia--maratona com grande à-vontade.Se me disserem: ‘Olha, sábado va-mos fazer uma meia-maratona’...eu vou”. Nuno destaca o aspeto so-cial da corrida: “Correr acompa-

nhado é estimulante. Há um espíri-to de solidariedade grande. Conhe-ce-se muita gente. É um desportoem que é muito fácil chamar os ou-tros. Dá para ter uma progressãomuito rápida, e isso é motivador.Isto entranha-se”, resume.

O deputado Miguel Frasqui-lho não corre pelas mesmas ra-zões, mas corre há bem mais tem-po: 15 anos. Todas as manhãs, an-tes do pequeno-almoço, o econo-mista ruma à divisão da sua casahabitada unicamente pela passa-deira e corre entre 6 a 9 km. “Vouna segunda passadeira”, explica opolítico do PSD. “A primeira duroucinco anos, a segunda vai pelo mes-mo caminho.” “Quando não corro,noto logo diferença. Geralmente, odia corre sempre pior. Ando maisirritado, sou menos produtivo.”

Foi na aproximação aos 30,quando percebeu que estava a ga-nhar peso, que começou a correr.Depois de 5 anos a correr na rua,um inverno particularmente chu-voso levou-o a comprar a passadei-ra. A partir daí, não dispensa esteritual diário — e quando viaja, ten-ta ficar num hotel com ginásio, oucorre na rua. Em 2004, lançou-se àprimeira minimaratona, e doisanos mais tarde, fez a primeirameia. Participa sempre na Corridado Tejo e na de S. Silvestre, semprede olho no tempo. “Nas meias-ma-ratonas”, garante, “há muito tem-po para pensar. Penso muito nomeu país, nas opções que podería-mos ter feito...”

Para uns, correr serve paradesligar a mente; para outros, paracansar o corpo. Para outros ainda,resolver assuntos difíceis. Mas, naessência, como escreve o japonêsHaruki Murakami, no livro “Auto--retrato de um escritor enquantocorredor de fundo”, “a corrida é aomesmo tempo um exercício e umametáfora. Através do treino diárioe das minhas corridas, conseguielevar a fasquia e chegar mais lon-ge. (...) A questão é saber se fui ca-paz de melhorar, por pouco que se-ja, em relação ao dia anterior. Oúnico obstáculo que me importavencer, enquanto corredor de fun-do, é o meu antigo eu”. R

[email protected]

NUNCA HOUVETANTAS PROVASCOMO AGORA.ESTIMA-SE QUESEJAM CERCA DEMEIO MILHÃOOS CORREDORESNO PAÍS, 100.000EM LISBOA

O DIRETOR NUNOBARROS (EM CIMA, OQUARTO A CONTARDA ESQUERDA) COMA EQUIPA DE TREI-NOS DA PRO-RUN-NER. O DIRETOR DAÚNICA LOJA DE 'RUN-NING' EM PORTUGAL,DE 39 ANOS, COME-ÇOU A CORRER PARAPERDER PESO ECORRE HOJE 25 KMPOR SEMANA

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