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REVISTA 10 Anos de Regulação

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A IMPORTÂNCIA DA REGULAÇÃO PARA A MELHORIA DA QUALIDADE DA GESTÃO DO SANEAMENTO BÁSICO

APRESENTAÇÃO

O PAPEL DA AGÊNCIA REGULADORA NO DESENVOLVIMENTO DO MARCO REGULATÓRIO PARA DISTRIBUIÇÃO DE BIOMETANO

COGERAÇÃO A BIOMASSA EM SÃO PAULO - REGULAÇÃO DE LEILÕES REGIONAIS DE ENERGIA

REGULAÇÃO DA CONEXÃO DE AGENTES GERADORES AO SISTEMA ELÉTRICO – COGERADOR A BIOMASSA

PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NO CONTEXTO DA REGULAÇÃO

A PESQUISA COMO INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A IMPORTÂNCIA DA ESTRUTURA DAS OUVIDORIAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGULAÇÃO

AGÊNCIAS REGULADORAS

ÍNDICE

32

8

15

20

2635

4144

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VIS

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1 0 A n o s d e R e g u l a ç ã o

ExpedienteGOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

GovernadorMárcio França

SECRETARIA DE GOVERNO

Secretário de GovernoSaulo de Castro Abreu Filho

AGÊNCIA REGULADORA DE SANEAMENTO E ENERGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Diretor-Presidente e Diretor de Regulação Técnica e Fiscalização dos Serviços de Saneamento BásicoHelio Luiz Castro

Diretor de Regulação Econômico-Financeira e de Mercados José Bonifácio de Souza Amaral Filho

Diretor de Relações InstitucionaisPaulo Arthur Lencioni Góes

Diretor de Regulação Técnica e Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica Marcos Peres Barros

Diretora de Regulação Técnica e Fiscalização dos Serviços de Gás Canalizado Paula Fernandes da Rocha Campos

GERÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DA DIRETORIA DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS.

Coordenação ExecutivaSamira Bevilaqua (Superintendente de Relações Institucionais)

Coordenação GeralSílvia Vivona

Equipe EditorialGustavo Martins de OlivaVictoria Vilela (estagiária)Cássio Cruz (estagiário)

Criação / Produção GráficaSergio Brandt

Revisão de textoMarcos Mauro Rodrigues (Aproxima)

ImpressãoVivagraf

Autor CorporativoArsesp – Av. Paulista, 2313 – 1º ao 4º andar – São Paulo – SP – CEP: 01311-300http://www.arsesp.sp.gov.br

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2 APRESENTAÇÃO

Revista Arsesp: 10 anos de Regulação - 2018: 1: 3-7

Em dezembro de 2017, a Arsesp completou dez anos de atuação!

Ao longo desses anos, a Agência atuou com grande expertise na regulação e fiscalização dos serviços públicos paulistas de energia elétrica, gás canalizado e saneamento básico, devido, especialmente, ao seu qualificado corpo técnico. Por isso, embora jovem, a Arsesp é uma agência reguladora reconhecida e ocupa lugar destacado no cenário nacional da regulação dos serviços públicos.

Para marcar essa trajetória, a Arsesp lançou a REVISTA ARSESP: 10 ANOS DE REGULAÇÃO, com o objetivo de divulgar e dar maior visibilidade aos trabalhos técnicos produzidos por sua equipe.

A Revista é composta por oito artigos técnicos referentes aos três setores regulados e a temas transversais, que perpassam a relação da sociedade com a prestação dos serviços de energia de elétrica, gás canalizado e saneamento básico, a saber: a importância da regulação para a melhoria da qualidade da gestão do saneamento básico; o papel da agência reguladora no desenvolvimento do marco regulatório para distribuição de biometano; cogeração a biomassa em São Paulo - regulação de leilões regionais de energia; regulação da conexão de agentes geradores ao sistema elétrico - cogerador a biomassa; participação da sociedade no contexto da regulação; a pesquisa como instrumento de participação social na administração pública; agências reguladoras; a importância da estrutura das ouvidorias para o desenvolvimento da regulação; .

Vale salientar que é diretriz da Arsesp fomentar o desenvolvimento do conhecimento técnico-científico do corpo técnico da instituição, visando torná-lo cada vez mais capacitado, de modo a produzir uma regulação aprimorada e alinhada com a evolução e os desafios do mercado e o bem-estar da sociedade.

Neste sentido, os trabalhos aqui apresentados são frutos dessa direção.

Boa leitura a todos!

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A IMPORTÂNCIA DA REGULAÇÃO PARA A MELHORIA DA QUALIDADE DA GESTÃO DO SANEAMENTO BÁSICO

RESUMO

Este trabalho demonstra o importante papel das agências reguladoras na estrutura de gestão dos serviços públicos de saneamento básico. Apresenta as etapas previstas de cada com-ponente da gestão do saneamento, desde o planejamento, passando pela execução (e suas diversas formas de serem exe-cutadas), regulação e fiscalização. Veremos que, diante da falta de estrutura de grande parte dos municípios, bem como da fase de transição que ainda passamos, de autorregulado para setor regulado, as agências reguladoras podem (e devem) ter partici-pação importante na reformulação, inovação e desenvolvimento da gestão municipal dos serviços de saneamento.

Palavras-chave: Regulação, Agência Reguladora, Plano Municipal de Saneamento.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é detalhar alguns itens da Lei nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o sane-amento básico e para a política federal de saneamento básico, e da sua regulamentação pelo Decreto Federal nº 7.217/2010, com destaque para o papel das agências reguladoras.

A Lei 11.445/07 define o município como competente para planejar, executar, regular e fiscalizar os serviços de saneamen-to básico. Destes, apenas o planejamento é indelegável, ou seja, deve ser exercido exclusivamente pela gestão municipal.

Os demais podem ser delegados a terceiros, não elidindo a responsabilidade do município em cumprir e fazer cumprir o Plano Municipal de Saneamento.

O setor de saneamento básico teve seu marco regulatório apenas em 2007, ou seja, até então o setor era autorregulado. Nesse cenário, temos as companhias estaduais que, ao longo de mais de 30 anos, foram as responsáveis pela execução dos serviços de saneamento e fizeram os papéis de planejadores e gestores do saneamento.

A partir do marco regulatório, esse cenário muda — ao menos deveria mudar: o município passa a ter responsabi-lidades de planejar (obrigatoriedade de elaboração de planos municipais de saneamento) e os prestadores de serviços ficam limitados a executar o planejamento apresentado pelo poder concedente.

O novo ator é incluído nesse cenário — as agências regu-ladoras — sejam elas estaduais, regionais ou municipais, que estão sendo estruturadas de acordo com a lei do saneamento.

O trabalho está estruturado da seguinte forma: no item 2, um histórico do setor de saneamento, com recorte no Estado de São Paulo, auxiliando a identificar no item 3 as principais mudanças após a Lei nº 11.445/2007. Nos itens 4 e 5 é apresen-tada a estrutura prevista para os serviços de saneamento, com destaque para as formas de organização da regulação, bem como o papel da regulação dentro da gestão do saneamento. Por fim, no item 6, as principais conclusões deste trabalho, ressaltando que as agências reguladoras necessitam ter o entendimento de

Luiz Antonio de Oliveira Junior: Especialista em Regulação e Fiscalização de Serviços Públicos na Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp). Mestrado em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas - FGV-SP. MBA em Regulação de Mercados pela FIPE. Especialização em Gestão Ambiental pelo Centro Universitário Claretiano. Graduação em Ciências, Matemática e Química pela Fundação de Ensino Octávio Bastos.

Autor: Luiz Antonio de Oliveira Junior

Revista Arsesp: 10 anos de Regulação - 2018: 1: 3-7

SANEAMENTO BÁSICO

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4 que o resultado de sua atuação deve, entre outros objetivos, fornecer subsídios à administração municipal para revisões do seu planejamento, bem como garantir o cumprimento das ações previstas para o prestador de serviços.

2. HISTÓRICO DO SETOR DE SANEAMENTO NO ESTADO DE SÃO PAULO

A prestação direta de serviços de saneamento pelo setor público é evidenciada em 1893, quando o Governo do Estado rescindiu o contrato de concessão com a Companhia Cantareira e criou a Repartição de Águas e Esgotos da Capital – RAE, subor-dinada à Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas.

Em 1927, foi criada a Comissão de Saneamento da Capital, ficando responsável pelo sistema de adução, e a RAE responsá-vel pela distribuição de água. Em 1929, a represa Guarapiranga já era utilizada para captação de água. Foi firmado o primei-ro acordo entre o Estado e a Light and Power, empresa que construiu a represa Guarapiranga para fins energéticos, com a finalidade de regularizar a captação de água.

Em 1947, foi elaborado o Plano Conjunto de Águas e Esgotos para a Capital e, em 1950, criado o Departamento de Obras Sanitárias – DOS, responsável pela execução dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário nos municípios do interior do Estado.

Em 1954, foi extinta a RAE e criado o Departamento de Águas e Esgotos – DAE, ficando responsável pela administração dos serviços de saneamento da Capital, Osasco, São Caetano, Santo André e São Bernardo do Campo.

Após 1964, época marcada pela centralização do proces-so decisório, surgiram órgãos encarregados de formular as políticas urbanas, inclusive questões ligadas ao saneamento. Foram criados o Sistema Financeiro de Saneamento – SFS, vinculado ao Banco Nacional de Habitação – BNH e o Plano Nacional de Saneamento – PLANASA, que mobilizou recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, e outras fontes, como BIRD e BID, e tinha como meta atender a 80%

da população urbana do País com abastecimento de água e 50% com serviços de esgoto.

O PLANASA apoiou-se na concentração dos serviços de saneamento em empresas estaduais, dando origem a 27 Com-panhias Estaduais de Saneamento Básico (CESB).

No Estado de São Paulo, essa política nacional se refletiu na criação de várias companhias e órgãos estaduais, que cen-tralizavam regionalmente os serviços e os investimentos. Em 1968, foram criados o Fundo Estadual de Saneamento Básico – FESB através do Decreto-lei 52.490/70 e a Cia. Metropolitana de Água de São Paulo – COMASP, destinada a captar, tratar e vender água potável no atacado a 37 municípios da Grande São Paulo, e, em 1970, a Cia. Metropolitana de Saneamento de São Paulo – SANESP para interceptar, tratar e proceder à disposição final de esgotos.

Em 1973, o processo de centralização dos serviços de sane-amento culmina com a criação da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp, que entra em operação em 1974, incorporando as atividades da COMASP, SANESP e DAE.

O modelo centralizador possibilitou um crescimento signi-ficativo nos índices de cobertura dos serviços de água e esgoto; porém, dificultou o desenvolvimento de sistemas municipais autônomos de saneamento básico. Para os municípios que não aderiram ao PLANASA, o Governo do Estado de São Paulo criou o programa SANEBASE, voltado para o financiamento de obras e serviços de água e esgoto.

Na segunda metade da década de 80, o BNH é extinto e suas funções absorvidas pela Caixa Econômica Federal. A partir daí, a política nacional de saneamento esteve a cargo de diversas pastas, criando um vácuo político-institucional no setor de saneamento.

Este breve histórico permite inferir que, apesar dos municí-pios serem considerados titulares dos serviços de saneamento, o Estado exerceu, por várias décadas, o papel de planejador, financiador e executor da política de saneamento básico.

Por um lado, a centralização foi positiva para que as gran-des obras estruturais fossem viáveis, mas, por outro lado,

A figura 1 apresenta a síntese dos principais aspectos do PLANASA e o cenário após a promulgação da Lei nº 11.445/2007. Destaca-se, no primeiro cenário, que tínhamos o Estado “planejando” e a mudança de setor autorregulado para a criação das agências reguladoras.

Figura 1 - Comparativo entre PLANASA e Lei 11.445/2007

PLANASA – ANOS 70/80

Contrato de concessão Estado “planejando” Autorregulado Foco em grandes obras

APÓS LEI 11.445/07

Contratos de concessão e programa Município planejando

Agência reguladora

Prestação de serviço adequada

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5“enfraqueceu” a capacidade técnica dos municípios para gerir os serviços de saneamento básico.

Após esse “vácuo institucional”, a Lei nº 11.445/2007 esta-belece o novo marco regulatório do setor. Com isso, há uma alteração em pontos importantes, tanto criados pela Lei, como pela própria característica e avanços já obtidos no setor.

3. ESTRUTURA DO SANEAMENTO APÓS A LEI 11.445/2007

O saneamento básico é composto por quatro componen-tes: abastecimento de água; esgotamento sanitário; manejo de resíduos sólidos; manejo de águas pluviais, apresentando quatro ações de gestão, quais sejam:

• Planejamento: atividades de identificação, qualifica-ção, quantificação, organização e orientação de todas as ações, públicas ou privadas, por meio das quais o serviço público deve ser prestado ou colocado à dispo-sição de forma adequada;

• Prestação de Serviços: atividade, acompanhada ou não de execução de obra, com objetivo de permitir aos usuários acesso a serviço público de saneamento básico com características e padrões de qualidade determina-dos pela legislação, planejamento e regulação;

• Regulação: todo e qualquer ato que discipline ou organize determinado serviço público, incluindo suas características, padrões de qualidade, impacto socio-ambiental, direitos e obrigações dos usuários e dos responsáveis por sua oferta ou prestação, e fixação e revisão do valor de tarifa e outros preços públicos;

• Fiscalização: atividades de acompanhamento, moni-toramento, controle ou avaliação, no sentido de garan-tir o cumprimento de normas e regulamentos editados pelo poder público e a utilização, efetiva ou potencial, do serviço público.

De acordo com Brasil (2013), a atividade de planejamento é a única indelegável, devendo ser executada pelo titular – município. A atividade pode ser desempenhada com apoio do prestador de serviço, considerando o seu know-how, mas jamais poderá ser delegada a outro ente.

Todas as funções de gestão devem viabilizar formas de con-trole social, atendendo ao princípio fundamental estabelecido na Lei nº 11.445/07 (art. 2º, inciso X).

O principal resultado da etapa de planejamento é o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), que deve apresentar conteúdo mínimo, entre eles:

• Objetivos: resumo do que de fato se deseja alcançar com cada projeto – o que se pretende alcançar?;

• Metas: parâmetros para balizar o alcance dos objetivos;• Investimentos: recursos financeiros necessários para

implementação e execução dos objetivos e metas;• Estratégias: caminho ou maneira para alcançar as me-

tas e objetivos;• Programas: conjunto de projetos homogêneos quanto

ao seu objetivo maior;• Ações: quem, como e de que forma serão realizadas as

atividades.

De acordo com a Lei nº 11.445/07, o PMSB passa a ter papel central na política e na prestação de serviço de saneamento, sen-do sua existência condição indispensável para:

• validade dos contratos de delegação da prestação dos serviços (inciso I do art. 11);

• definição do plano de investimentos e projetos dos prestadores, que devem estar compatíveis com as diretrizes do plano (§ 1º do art. 11);

• exercício das atividades da entidade reguladora e fiscalizadora, a quem cabe verificar o cumprimento do plano por parte dos prestadores de serviço (parágrafo único do art. 20);

• a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União, ou com recursos geridos ou operados por órgão ou entidades da União (art. 50).

Outro aspecto importante sobre o PMSB é o horizonte do planejamento, que deverá ser, no mínimo, de 20 anos, e revisa-do a cada quatro anos (art. 52, § 2º).

A revisão do plano é fundamental para as demais ações de gestão, haja visto o horizonte de 20 anos ser baseado em projeções que devem ser ratificadas ou retificadas periodica-mente, refletindo nas metas e investimentos necessários.

O processo de planejamento da política de saneamento pode ser analisado de forma análoga ao ciclo PDCA — uma das teorias mais disseminadas na administração — idealizado por Shewhart na década de 1920 e atualizado por Deming na déca-da de 1950 (DEMING, 1990 apud Brasil, 2013).

O PDCA (plan - do - check - act) — sigla em inglês que significa planejar - executar - checar - agir — é fundamen-tal nessa fase, pois permite a melhoria e revisão dos novos planejamentos a partir das experiências anteriores, criando, as-sim, um círculo virtuoso e a ideia de análise contínua.

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A IMPORTÂNCIA DA REGULAÇÃO PARA A MELHORIA DA QUALIDADE DA GESTÃO DO SANEAMENTO BÁSICO

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6 A prestação dos serviços de saneamento pode ser executa-da da seguinte forma:

• órgão ou entidade do titular, a quem se tenha atribuí-do, por lei, a competência de prestar o serviço público;

• órgão ou entidade de consórcio público ou de ente da Federação com quem o titular celebrou convênio de cooperação, desde que delegada a prestação por meio de contato de programa;

• órgão ou entidade a quem se tenha delegado a pres-tação dos serviços por meio de concessão.

A regulação e fiscalização dos serviços pode ser desem-penhada por agência reguladora municipal ou delegada pelos titulares a qualquer entidade reguladora constituída dentro dos limites do respectivo Estado, explicitando, no ato de delegação da regulação, a forma de atuação e a abrangência das atividades a serem desempenhadas pelas partes envolvidas (art. 23, §1º, Lei 11.445/07).

Visando atender ao novo cenário instituído no marco regula-tório, alguns Estados criaram agências reguladoras como opção aos municípios que não constituíram sua entidade reguladora. É uma forma de ganho de escala e redução dos custos, bem como de padronizar a regulação em prestações de serviços regionalizadas, em especial através das companhias estaduais.

Outro modelo possível é a agência regional, constituída no âmbito de consórcios municipais. É um modelo que vem se consolidando e apresentando resultados satisfatórios, pois tem mais proximidade com os poderes municipais e com os usuários, mas de forma autônoma e independente, já que, em um consórcio, a gestão é compartilhada.

Nota-se uma variedade de opções para a prestação dos serviços e de regulação, que faz com que não tenhamos uma uniformidade, explicitando diferenças significativas entre os modelos.

4. A REGULAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DENTRO DA GES-TÃO DO SANEAMENTO

De acordo com Brasil (2013), a regulação do saneamento básico é um ato disciplinador e/ou organizador dos serviços de saneamento, cuja competência é do município, mas realizada por entidade independente, podendo ser delegada a outro ente. A regulação tem como finalidade: a verificação do cumprimento dos planos municipais de saneamento; estabelecer padrões e normas para a prestação adequada dos serviços; prevenir e reprimir o abuso econômico; e definir as tarifas, garantindo o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão e/ou programa.

A figura a seguir demonstra a relação existente entre as atividades de gestão do saneamento:

As atividades devem estar sincronizadas, a exemplo de uma engrenagem, onde cada ente deve ter ciência da responsabili-dade das atividades desempenhadas. Quando executadas por entes distintos, há a necessidade de mecanismos que permitam a interação e o fluxo das informações. Se a agência reguladora não subsidiar o poder concedente com a checagem do que foi planejado e executado, dificilmente o novo ciclo será iniciado da melhor maneira.

A gestão do saneamento depende da execução de todas as etapas de forma adequada, cabendo à regulação e fiscalização dar um feedback, subsidiando o poder concedente para as revi-sões periódicas da etapa de planejamento.

As agências reguladoras precisam se considerar como parte integrante desse processo sincronizado, lembrando sempre que sua atividade não é autônoma, devendo estar pautada nas pre-missas contratuais, diretrizes, ações e programas estabelecidos nos planos municipais.

5. CONCLUSÕES

A lei do saneamento trouxe avanços e desafios para o setor de saneamento. Após dez anos em vigência, é possível perceber que ainda necessitamos aprofundar os debates e entendimentos sobre as responsabilidades de cada ente dentro da gestão do saneamento.

Percebe-se que ainda encontramos ambientes com práticas da época do PLANASA, em especial na questão do planejamento, o qual deve ser realizado pelo titular e não pelos prestadores de serviços. Os PMSB devem ser observados integralmente na prestação dos serviços, regulação e fiscalização. Para tanto, há de se considerar a qualidade dos planos elaborados, que, muitas vezes, apresentam situações impraticáveis.

A expectativa é que na medida em que todos os envolvidos compreendam o seu papel e se insiram, de fato, na engrenagem de gestão, a qualidade e eficácia dos serviços atingirão patama-res satisfatórios.

Figura 1 – Ciclo das atividades na gestão do saneamento

PLANEJAMENTO

PRESTAÇÃO DOS

SERVIÇOS

REGULAÇÃO E FISCALIZAÇÃO

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7Os municípios precisam exercer na prática, com eficiência e capacidade, o seu papel de atores principais de planejamento do saneamento, delegando ou não a execução, regulação e fiscalização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Decreto n° 7.217/2010, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Decreto/D7217.htm>. Acesso em 01 jul.2015.

BRASIL. Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8666, de 21 de junho de 1993, 8987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei nº 6528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências.

BRASIL. Ministério das Cidades. O saneamento básico no Brasil - aspectos fundamentais, 2013.

MINISTÉRIO DAS CIDADES. Guia para elaboração de Planos Municipais de Sa-neamento Básico. 2ª Ed. Brasília: 2011. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/Guia_WEB.pdf>. Acesso em 01 jul.2015.

Revista Arsesp: 10 anos de Regulação - 2018: 1: 3-7Revista Arsesp: 10 anos de Regulação - 2018: 1: 3-7

A IMPORTÂNCIA DA REGULAÇÃO PARA A MELHORIA DA QUALIDADE DA GESTÃO DO SANEAMENTO BÁSICO

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O PAPEL DA AGÊNCIA REGULADORA NO DESENVOLVIMENTO DO MARCO REGULATÓRIO PARA DISTRIBUIÇÃO DE BIOMETANO

SUMÁRIO:

Introdução. 1. As regras principiológicas. 2. Política pública do setor e inovação no Estado de São Paulo. 3. Fontes energéti-cas: São Paulo e o potencial da vinhaça de cana. 4. Arquitetura do marco regulatório para introdução do biometano na rede de gás natural. Conclusão.

RESUMO

O presente artigo trata da injeção do biometano na rede de gás natural, mas, antes de chegar a esse desenvolvimento tecnológico, o texto aborda a demanda ambiental por melhor situação climática, a preocupação mundial e nacional com a destinação dos dejetos sólidos e as soluções que estão sendo pensadas para que os recursos escassos sejam preservados para as próximas gerações. Com base nessas preocupações, destacam-se as regras legais concebidas para atender à demanda de novas formas de produção energética, bem como as peculiaridades de

produção de biometano no Estado. Por fim, o artigo explica a elaboração do marco regulatório para introdução de biometano na rede de gás natural.

INTRODUÇÃO

A Arsesp é uma entidade autárquica vinculada à Secretaria de Governo do Estado de São Paulo, criada em 1997 (por meio da Lei Complementar Estadual n° 833, de 17/10/1997) e originariamente conhecida como CSPE (Comissão de Serviços Públicos de Energia).

A agência foi criada com a finalidade de atuar na fiscali-zação dos serviços de energia elétrica, por meio de convênio firmado com a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL (desde 1998) e regular e fiscalizar os serviços locais de gás ca-nalizado, conforme previsto no §2º, do artigo 25, da Constitui-ção Federal.

Em 2007, por meio da promulgação da Lei Complemen-tar n°1.025, de 07/12/2007, a Agência passou a ser conhecida

Renato Fernandes de Castro: Advogado, mestrando em Direito e Economia pela Universidade de Lisboa, ex-Superintendente Institucional e Assessor Jurí-dico da Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, especialista em Direito Econômico pela FGVlaw, bacharel em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, militante na área de infraestrutura desde 2002.

Ruth Carolina R. Sgrignolli: Advogada, Assessora Jurídica da Diretoria de Regulação Técnica e Fiscalização dos Serviços de Distribuição do Gás Canalizado da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Macken-zie, professora convidada da ESA-SP e membro efetivo da Comissão de Ciência e Tecnologia e da Comissão para Liberdade de Imprensa, ambas da OAB - SP.

Carina A. Lopes Couto: Advogada. Pós-graduada em Direito Econômico, com ênfase em setores regulados, na Fundação Getúlio Vargas (FGV), cursou o Pro-gram on Regulating Utility Markets, Finances and Prices da PURC (Public Utility Research Center). Trabalha na Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo – Arsesp como Especialista em Regulação e Fiscalização de Serviços Públicos. Foi Superintendente de Regulação de Gás Canalizado da Arsesp (2014 a 2017). Antes, atuou como especialista em proteção e defesa do consumidor na Fundação Procon e foi associada ao escritório Ferreira Britto Advogados.

Autores: Carina A. Lopes Couto, Renato Fernandes de Castro, Ruth Carolina R. Sgrignolli

Revista Arsesp: 10 anos de Regulação - 2018: 1: 8-14

GÁS CANALIZADO

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9com o nome que leva, hoje, de Agência Reguladora de Sanea-mento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), tendo sido preservadas as competências anteriores e agregadas a elas a regulação e fiscalização dos serviços de saneamento da região metropolitana, por meio da celebração de convênio de coope-ração com os municípios.

Nesses dez anos de Arsesp, a Agência já realizou contrata-ções, regulou e fiscalizou empresas, garantiu que milhões de paulistas recebessem gás canalizado, energia elétrica, água potável e tratamento de esgotamento sanitário e ajudou-os a atravessar duas graves crises hídricas.

Com a visão voltada ao futuro e após anos de pesquisa na área, a Arsesp publicou na data de 28/12/2016 a Consulta Pú-blica n° 07 para apresentação e obtenção de contribuições à proposta de deliberação que dispõe sobre as condições de dis-tribuição de biometano na rede de gás canalizado do Estado de São Paulo.

Foram recebidas mais de 100 (cem) contribuições à minuta de Deliberação, de 18 (dezoito) entidades atuantes no merca-do. O presente artigo traz um estudo sobre como o País tem buscado se adequar à nova ordem mundial, que reclama no-vas atitudes com vistas à eficiência econômica e ao cuidado na utilização de recursos escassos, e como o Estado de São Paulo busca desenvolver o aumento da participação de energia reno-vável na sua matriz energética.

1. AS REGRAS PRINCIPIOLÓGICAS

A Constituição Federal1 brasileira garante que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, im-pondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras2 .

Essa prerrogativa vai ao encontro com o Relatório Brundtland3 que, em 1987, propôs uma agenda global para a mudança de paradigma no modelo de desenvolvimento humano. O relatório define o desenvolvimento sustentável como aquele “capaz de permitir a satisfação das necessidades da geração presente sem comprometer a satisfação das necessidades e a sobrevivência das gerações futuras”.

Em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção

dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecno-lógico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas4.

A Lei Federal nº 9.478, de 06 de agosto de 1997, instituiu o Conselho Nacional de Política Energética e definiu as políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visando, entre outras coisas, os seguintes objetivos: (i) proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia; (ii) in-crementar, em bases econômicas, a utilização do gás natural; (iii) utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aprovei-tamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis; e (iv) fomentar a pesquisa e o desenvolvimento rela-cionados à energia renovável5.

A concretização dessas premissas ficou sob responsabilidade do Conselho Nacional de Politica Energética - CNPE, presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, com a função de assessorar o Presidente da República na formulação de politícas e diretrizes de energia6.

Em 2008, foi apresentado o Plano Nacional sobre Mudança do Clima para incentivar o desenvolvimento e aprimoramen-to de ações de mitigação no Brasil (em colaboração com o esforço mundial) de redução das emissões de gases de efeito estufa e, em 2009, foi promulgada a Lei 12.187/09, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC.

A Lei 12.187/09 visou à compatibilização do desenvolvimen-to econômico-social com a proteção do sistema climático; a redução das emissões antrópicas de gases de efeito estufa em relação às suas diferentes fontes; a implementação de medidas para promover a adaptação à mudança do clima pelas 3 (três) esferas da Federação, com a participação e a colaboração dos agentes econômicos e sociais interessados ou beneficiários, em particular aqueles especialmente vulneráveis aos seus efeitos adversos, entre outras mudanças.

Um dos objetivos do Plano Nacional de Mudança Climática, que buscou ser atendido pela Política Nacional sobre Mudança do Clima, é elevar a participação de energia renovável na matriz elétrica e fomentar o aumento sustentável da participação de biocombustíveis na matriz de transportes nacional e, ainda, atuar com vistas à estruturação de um mercado internacional de biocombustíveis sustentáveis7.

1. Constituição Federal, “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

2. Antes da promulgação da Constituição Federal já havia a preocupação com o meio ambiente. A Lei nº 6.938/1981 instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, marco inicial das ações para conservação ambiental e incorporação do tema nas atividades de diversos setores da sociedade.

3. Disponível em: http://www.unece.org/oes/nutshell/2004-2005/focus_sustainable_development.html, último acesso em: 05/06/2017.

4. Disponível em http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/rio20/temas-em-discussao-na-rio20/ecodesenvolvimento-conceito-desenvolvimento-sustentavel-relatorio-brun-dtland-onu-crescimento-economico-pobreza-consumo-energia-recursos-ambientais-poluicao.aspx, 08/06/2017.

5. Lei 9.478/97, artigo 1º, incisos IV, VI, VIII e XVII.

6. Lei 9.478/97, artigo 2º.

7. Disponível em: http://www.mma.gov.br/clima/politica-nacional-sobre-mudanca-do-clima/plano-nacional-sobre-mudanca-do-clima, acesso em 26/06/2017.

O PAPEL DA AGÊNCIA REGULADORA NO DESENVOLVIMENTO DO MARCO REGULATÓRIO PARA DISTRIBUIÇÃO DE BIOMETANO

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10 Recentemente, o Brasil foi um dos países signatários do Acordo de Paris, firmado em dezembro de 2015, no qual os países se comprometeram a envidar esforços para evitar que o aumento da temperatura global ultrapasse 1,5ºC. No acordo, o País se compromete com a meta de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 37% até 2025 e em 43% até 2030, em relação às emissões registradas no ano de 2005.

2. POLÍTICA PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO E INOVAÇÕES

Os movimentos no sentido buscar outras fontes energéticas no Estado de São Paulo se intensificaram em 2002, após a forte crise energética do País, que resultou no “apagão” de 2001 8, 9.

Nesse mesmo ano de 2002 foi promulgada a Lei 11.248, que criou o Conselho Estadual de Política Energética – CEPE (no Estado de São Paulo), que teve como finalidade, dentre outras ações, fomentar políticas públicas ao incentivo da geração de eletricidade através de energias alternativas e estabelecer diretrizes para programas específicos, como os de uso do gás natural, do álcool, da biomassa e outras fontes energéticas de interesse para o Estado.

Em 2009 foi publicada a Lei nº 13.798, que instituiu a Política Estadual de Mudanças Climáticas – PEMC, a qual destaca os seguintes objetivos:

(i) estabelecer formas de transição produtiva que gerem mudanças de comportamento, no sentido de esti-mular a modificação ambientalmente positiva nos padrões de consumo, nas atividades econômicas, no transporte e no uso do solo urbano e rural, com foco na redução de emissões dos gases de efeito estufa e no aumento da absorção por sumidouros;

(ii) realizar ações para aumentar a parcela das fontes re-nováveis de energia na matriz energética, dentro e fora do Estado; e

(iii) fomentar projetos de redução de emissões, sequestro ou sumidouros de gases de efeito estufa, incluindo os do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL.

A PEMC 2009, como é conhecida, buscou desenvolver a sustentabilidade ambiental, assegurando qualidade de vida para todos os cidadãos, atendendo equitativamente as ne-cessidades de gerações presentes e futuras, e estabeleceu a meta do Estado de redução global de 20% (vinte por cento) da

emissão dos gases do efeito estufa até 2020, em comparação ao ano de 2005.

Em 2012, São Paulo, por meio da Secretaria de Energia e Mineração, apresentou o Plano Paulista de Energia (PPE 20/20) em que previu aumentar as fontes renováveis que geram energia em SP de 55,5% para 69% em 2020.

Para isso, o PPE/2020 adotou como estratégias10:

(iv) projetar a oferta de energia prevista para 2020, com redução e substituição de energéticos, considerando a demanda projetada pela Matriz Energética 2035 e as delimitações previstas na PEMC;

(v) administrar a demanda, criando instrumentos de in-centivo ao aumento da eficiência energética; e

(vi) definir ações que permitam elevar a oferta ao nível da demanda projetada.

No mesmo ano de 2012 foi instituído o Programa Paulista de Biogás, por meio do Decreto Estadual nº 58.695, cuja finalidade é incentivar a ampliação da participação de energias renováveis na matriz energética do Estado de São Paulo, bem como esta-belecer um percentual mínimo de biometano a ser misturado no gás canalizado comercializado no Estado.

Cabe, ainda, ressaltar que, como medida de fomento às fontes de energias renováveis, foi promulgado:

(i) o Decreto nº 59.260 de 5 de junho 2013, que instituiu o Programa Estadual de apoio financeiro a ações am-bientais desenvolvidas por prefeituras, entidades, ci-dadãos e empresas, denominado Crédito Ambiental Paulista, sob a coordenação da Secretaria do Meio Ambiente;

(ii) o Decreto nº 60.001, de 20 de dezembro de 2013, que prevê a redução da base de cálculo do imposto inci-dente (ICMS) para biogás e biometano, a um percen-tual de 12% (doze por cento); e

(iii) o Decreto nº 60.298, de 27 de março de 2014, que estabelece benefícios de importação de equi-pamentos destinados ao ativo imobilizado volta-do aos contribuintes que exerçam atividade no ramo.

Portanto, o Estado, além de prever políticas públicas no sentido da concretização da redução de emissões de po-

8. Disponível em: http://www.portaldoconsumidor.gov.br/noticia.asp?id=14828, acesso em 26/06/2017.

9. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=95695 10. Disponível em: http://www.energia.sp.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/Plano-Paulista-de-Energia.pdf, acesso em 26/06/2017.

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11luentes, melhora a qualidade de vida dos cidadãos ao cuidar e estimular o uso de energia renovável.

3. FONTES ENERGÉTICAS: SÃO PAULO E O POTENCIAL DA VINHAÇA DE CANA

A Lei nº 9.478, de 06 de agosto de 1997, estabeleceu como atribuições da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombus-tíveis – ANP – especificar a qualidade dos derivados de petróleo, gás natural e seus derivados e dos biocombustíveis. A Lei nº 12.490, de 16 de setembro de 2011, ampliou a competência da ANP para toda a indústria de biocombustíveis.

Portanto, coube à ANP especificar o biometano a ser mis-turado nos dutos, o que foi feito por meio da:

a. Resolução ANP n° 8/2015 (publicada no D.O. em 02/02/2015), que estabelece as regras para o biometa-no oriundo de produtos e resíduos orgânicos agros-silvipastoris e comerciais destinados ao uso veicular (GNV) e às instalações residenciais e comerciais; e

b. Resolução nº 685, de 29 de junho de 2017, que estabe-lece as regras para aprovação do controle da qualida-de e a especificação do biometano oriundo de aterros sanitários e de estações de tratamento de esgoto destinado ao uso veicular e às instalações residenciais, industriais e comerciais a ser comercializado em todo o território nacional.

O biometano11 é produzido a partir de biogás obtido de diversas fontes, entre eles os de aterros sanitários e os de trata-mentos de esgoto sanitário. Só que essas duas fontes admitem compostos voláteis denominados siloxanos, contaminantes que podem afetar negativamente alguns usos, dentre os quais o uso de biometano para injeção na rede de gás natural. Por conta disso, a ANP elaborou regulação específica para biometano oriundo dessas fontes, com procedimentos mais acurados do que daqueles previstos para o biometano oriundo de dejetos agrossilvipastoris.

Aspecto importante de ser destacado em relação à produ-ção do biometano é o fato de que São Paulo é o maior produtor mundial de etanol.

Segundo o Sistema de Acompanhamento de Produção Canavieira (Sapcana), ligado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a indústria sucroalcooleira paulista produziu 21 milhões de toneladas de açúcar e 11,6 bilhões de litros de etanol, que representam, respectiva-mente, 58,7% e 51,2% do total produzido no Brasil, em 2012. Entre 2003 e 2012, a produção paulista de açúcar cresceu 73,8% e a de álcool 64,5%, impulsionada pelo mer-cado estadual de biocombustíveis. A economia do setor sucroenergético representa 44% de toda a agropecuária paulista12.

A produção de cana-de-açúcar usa 2% (dois por cento) do território nacional e 27% (vinte e sete por cento) do território de São Paulo, o que indica que este Estado seja responsável por 51% (cinquenta e um por cento) da produção de etanol no Brasil.

As indústrias produtoras de etanol geram sua própria energia por meio da queima do bagaço da cana (processo de cogeração de energia térmica e elétrica pelo uso da biomassa), um subproduto resultante da produção do biocombustível, energia utilizada no processo industrial13.

Outro subproduto da produção de etanol é a vinhaça, que é utilizada em fertirrigação das plantações de cana14. Mas, para que possa ser usada na lavoura, deve passar por um tratamento que não se justifica em comparação ao uso da vinhaça para produção de energia, uma vez que ele gera 95% de metano15.

Nesses cenários, segundo a pesquisadora do CTBE (Labo-ratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol)16, sua venda para a rede pública de gás natural e o uso na substituição do diesel apresentaram os melhores indicadores econômicos e ambientais. Informa,ainda, que a mais recente avaliação revelou que é possível reduzir em até 42% as emissões de gases de efeito estufa na produção de cana-de-açúcar por meio da substituição parcial do combustível fóssil.

Assim, foi com base na premissa de que o Estado de São Paulo pode dar um uso mais eficiente à vinhaça resultante de processo de produção de etanol, entre outras coisas, que a Arsesp propôs a Consulta Pública para regular a injeção de biometano na rede de gás canalizado.

Como demonstração, um estudo realizado no âmbito do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (P&D) da Arsesp em 2013, (Projeto 17317) propôs estimar a produção de biometano das usinas em operação no Estado. O referido

11. O biogás é o gás bruto obtido da decomposição biológica de produtos ou resíduos orgânicos e o biometano é o biocombustível gasoso constituído essencialmente de metano, derivado da purificação do biogás.

12. Disponível em: http://www.investe.sp.gov.br/setores-de-negocios/agronegocios/cana-de-acucar/, acesso em 28/06/2017.

13. Idem, http://www.saopauloglobal.sp.gov.br/relacoes_inter/publica/modelo_etanol.pdf , acesso em 28/06/2017.

14. NETO, André Eliah, O estado da arte da vinhaça, disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=12&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiXrJSt1u-PUAhWJiZAKHTIpDeMQFghvMAs&url=http%3A%2F%2Fwww.unica.com.br%2Fdownload.php%3FidSecao%3D17%26id%3D35414851&usg=AFQjCNFju_MKYeLDd10yVC5LbSlZjsGALA, acesso em 28/06/2017.

15. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/12/15/vinhaca-para-gerar-energia/, acesso em 28/06/2017.

16. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/12/15/vinhaca-para-gerar-energia/, acesso em 28/06/2017.

17. Projeto 173 do Ciclo 2012/2013 - Estudo de produção e uso do biogás de vinhaça no Estado de São Paulo – Elaborado por André Elia Neto & Pedro Elia, da empresa ELIA Gestão Ambiental.

O PAPEL DA AGÊNCIA REGULADORA NO DESENVOLVIMENTO DO MARCO REGULATÓRIO PARA DISTRIBUIÇÃO DE BIOMETANO

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12 estudo mapeou 207 usinas lotadas no Estado, das quais 197 são produtoras de etanol.

Observe-se, também, que foram mapeadas no Estado de São Paulo cerca de 66 (sessenta e seis) usinas com potencial de produção instalado, distantes até 20 (vinte) km dos atuais gasodutos de distribuição, o que coloca o biometano como importante indutor para pulverização das redes de distribuição de gás canalizado.

A regulação da introdução do biometano na rede também vai ao encontro das diretrizes da Lei nº 12.305/10, que estabe-lece a Política Nacional de Resíduos Sólidos, uma vez que pode incentivar o tratamento do biogás oriundo de aterros sanitários e de estações de tratamento de esgoto. Segundo o Plano Paulista Estadual 2020, o Estado tem capacidade de produzir cerca de 6 milhões de Nm³/dia de biogás, oriundos de aterros sanitários e estações de tratamento de esgoto.

O art. 9º, da Lei nº 12.305, que define as diretrizes apli-cáveis aos resíduos sólidos urbanos, dispõe que, na gestão e no gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutiliza-ção, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Ato contínuo, o §1º prevê que poderão ser utilizadas tecnologias visando a recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos, desde que tenha sido comprovada sua viabilidade técnica.

O entendimento é de que a produção e injeção do bio-metano na rede atenda aos critérios estabelecidos no Plano Paulista de Energia – PPE 2020 para:

(i) aumentar a oferta de energia prevista para 2020 (con-siderando a Matriz Energética 2035 e as delimitações previstas na PEMC);

(ii) incentivar o aumento da eficiência energética; (iii) diminuir a emissão de poluentes na atmosfera; e (iv) garantir a sustentabilidade do uso do recurso energético.

4. ARQUITETURA DO MARCO REGULATÓRIO PARA INTRODUÇÃO DO BIOMETANO NA REDE DE GÁS NATURAL

O Estado de São Paulo tem uma demanda pujante pelo gás canalizado. O Estado é o maior consumidor nacional de gás natural, utilizando, anualmente, cerca de 5 bilhões de metros cúbicos. A regulação, ao introduzir o biometano na rede, traz uma nova alternativa para diversificar a oferta de gás em São Paulo.

A regulação de biometano da Arsesp foi realizada por meio da publicação da Deliberação n° 744, de 27 de julho de 2017, após passar pelo controle social (CP nº 07/2016).

A estrutura de mercado desenhada pela regulação da Arsesp pode ser definida em 5 aspectos:

(i) características do biometano para injeção na rede; (ii) determinação das responsabilidades de cada agente

da cadeia de valor do biometano; (iii) definição dos termos essenciais da contratação desse

energético para introdução na rede; (iv) diretrizes para a compra de biometano pelas conces-

sionárias para atendimento do seu mercado cativo, via Solicitação Pública de Propostas; e

(v) as regras para comercialização do biometano no mer-cado livre.

A deliberação do biometano reforçou o previsto no inciso XVIII, do artigo 8º, da Lei 9.478/9718, ao dispor que somente poderá ser introduzido na rede de gás canalizado, o biometano que atender às especificações de qualidade previstas pela ANP. Cabe salientar que, uma vez atendidas as especificações, o gás natural e o biometano são intercambiáveis.

Outro destaque importante previsto na regulação diz respeito às responsabilidades e investimentos dos agentes desse mercado. A regulação estabelece que a responsabi-lidade pela qualidade do gás a ser entregue no ponto de recepção da concessionária é do fornecedor. E, no ponto de entrega ao usuário final, é a concessionária a responsável pela qualidade.

A regulação dispõe que a concessionária deverá:

(i) realizar a odoração do biometano no ponto de re-cepção (na estação de transferência de custódia), nos mesmos parâmetros adotados para o gás na-tural;

(ii) monitorar e supervisionar em linha a qualidade do biometano fornecido, através de análises das carac-terísticas físico-químicas, dos dados de volumes re-cebidos, da pressão, da temperatura e das taxas de injeção de odorante praticadas, cujos resultados de-verão ser compartilhados com a Arsesp;

(iii) interromper imediatamente o recebimento do bio-metano ao constatar desconformidade com as espe-cificações estabelecidas pela ANP; e

(iv) manter os registros de qualidade do biometano pelo prazo mínimo previsto no Contrato de Concessão e regulamentos da Arsesp, de forma a subsidiar as ações de fiscalização da Agência.

18. Lei 9.478/97: “Art.8º, inciso XVIII - especificar a qualidade dos derivados de petróleo, gás natural e seus derivados e dos biocombustíveis. (Incluído pela Lei nº 11.097, de 2005)”

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13A proposta de regulação prevê que a concessionária, com intuito de buscar condições complementares viáveis ao supri-mento da área de concessão, deverá realizar Solicitação Pública de Proposta para Compra de Biometano para o seu mercado regulado.

A contratação antecedida da Solicitação Pública tem como intuito evitar barreiras desnecessárias à introdução do biometano na rede, dando transparência, publicidade e lisura ao processo de uma contratação não discriminatória.

Aqui, vale destacar que o estabelecimento pelo Governo do Estado de um percentual mínimo de introdução de biome-tano na rede de gás canalizado e a definição de um preço teto de aquisição é de suma importância para que, na prática, esse mercado se concretize, uma vez que, atualmente, o preço do biometano é superior ao do gás natural. Tanto a aquisição com-pulsória como o preço devem ser provisórios e estruturantes para o desenvolvimento da malha de distribuição.

A Arsesp tem participado das reuniões do Comitê Gestor do Programa Paulista de Biogás, o qual apresentará a proposta de um percentual mínimo de introdução de biometano na rede de gás canalizado e a definição de um preço teto de aquisição para o Conselho Estadual de Política Energética – CEPE – validar, nos termos do Decreto 58.695/2012.

Outro aspecto relevante que a deliberação trouxe é a ex-pansão da rede. O desenvolvimento de infraestrutura é um dos princípios administrativos a ser observado nos Contratos de Concessão.

Todavia, para que o investimento em infraestrutura seja possível, é preciso avaliar os investimentos da implantação da rede em relação à possibilidade efetiva de retorno financeiro, dentro de um determinado prazo.

Para que a construção da rede se justifique, portanto, o volu-me de biometano a ser adquirido pela concessionária deve cobrir os gastos com o investimento inicial. Se não houver viabilidade, o fornecedor poderá contar com a participação financeira de terceiros interessados, ou ele mesmo garantir a parcela econo-micamente não viável do projeto.

Uma das alternativas para fomentar o desenvolvimento do biometano e compartilhar custos é a introdução de instalações centralizadas para a produção e/ou a conexão de rede, com intui-to de injetar biometano. As instalações centralizadas poderiam conduzir a uma maior produção de biometano, acompanhada de maior continuidade em São Paulo, sobretudo oriundo da vinhaça.

O usuário livre de biometano deverá celebrar Contrato do Uso do Sistema de Distribuição (CUSD) com a concessionária, para movimentá-lo até a sua unidade. As concessionárias não poderão negar o acesso à rede de distribuição de gás canalizado,

senão no caso de falta de capacidade disponível na rede, sob pena de se considerar uma possível conduta discriminatória com o usuário livre.

A Arsesp não criou limitações de volume para a migração do usuário do mercado regulado para o livre, tendo em vista as externalidades ambientais positivas geradas e a introdução de uma escolha de suprimento por um gás renovável e abundante pelo usuário livre.

Além disso, a proposta estabelece que o usuário livre de biometano terá prioridade no uso da capacidade disponível da rede. No mais, aplicar-se-ão as condições estabelecidas para o Mercado Livre de gás natural previstas nas Deliberações da Arsesp nº 230 e 231, ambas de 26 de maio de 2011.

É importante lançar um holofote para as cláusulas a serem abordadas no Contrato de Compra e Venda de biometano, uma vez que o mercado ainda é incipiente e algumas situações po-derão ser resolvidas mediante um contrato com cláusulas bem elaboradas, que abarquem as peculiaridades desse mercado.

A proposta de regulação prevê as cláusulas essenciais do con-trato, cabendo às partes negociar as demais. Entre as cláusulas essenciais está à necessidade de definir o procedimento a ser adotado para paradas programadas e falhas de fornecimento, bem como suas penalidades.

No que tange às falhas de fornecimento, por exemplo, o contrato deverá contemplar, no mínimo, os procedimentos a serem adotados para seguintes falhas:

(i) não fornecimento da quantidade diária contratada (QDC) ou percentual dela, conforme acordado entre as partes;

(ii) não fornecimento de um percentual mínimo da QDC em base anual;

(iii) fornecimento de biometano que não esteja em con-formidade com a especificação da ANP; e

(iv) fornecimento de biometano em pressão diferente da estabelecida em contrato19.

CONCLUSÃO

O Brasil possui a matriz energética mais renovável do mun-do industrializado, com 45,3% de sua produção proveniente de fontes como recursos hídricos (as hidrelétricas são responsáveis pela geração de mais de 75% da eletricidade), biomassa e etanol, além das energias eólica e solar.

Vale lembrar que a matriz energética mundial é composta por 13% de fontes renováveis, no caso de países industrializados, caindo para 6% entre as nações em desenvolvimento20.

19. Disponível em http://www.arsesp.sp.gov.br/ConsultasPublicasBiblioteca/NTG_N_004_2016.pdf, acesso em 30/06201720. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2010/11/matriz-energetica, acesso em 28/06/2017.

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14 Portanto, o País não apenas mostra uma posição de destaque no que tange à utilização dos recursos energéticos, mas também garante a continuidade desses recursos às gerações futuras.

Em âmbito Estadual, São Paulo é responsável pela maior produção de etanol, opção de combustível limpo, cujos subpro-dutos já são usados nas indústrias produtoras como fonte de energia para geração térmica e elétrica.

O passo seguinte nessa cadeia produtiva é a utilização de vinhaça como elemento possível de produção de biometano para injeção na rede de gás canalizado.

A regulação corrobora não apenas os Planos Nacional e Estadual de Mudança Climática, ao fomentar o uso de energia renovável na matriz energética, como serve para destacar a missão do gás natural como energético que garantirá a transição para uma energia renovável e abundante no País.

O biometano, ao diversificar a oferta de suprimento de gás canalizado, pode estimular a concorrência no setor e contribuir com a modicidade tarifária, à medida em que acrescente novos usuários e, consequentemente, volumes.

Como a produção de biometano é descentralizada, este ener-gético pode favorecer a expansão das redes de gás canalizado em locais, atualmente, sem acesso aos gasodutos, contribuindo para o fortalecimento dos mercados regionais, com a geração distribuída de energia.

Com base nisso, nada mais natural que a Arsesp buscasse uma solução regulatória para atender a todos os envolvidos nesse processo: produtores, comercializadores, distribuidores e usuários.

O marco regulatório para distribuição de biometano em rede de gás canalizado tem em vista garantir as melhores práticas, de forma que haja um fomento econômico que leve ao maior desenvolvimento do Estado e, por consequência, do País, garan-tindo aos usuários qualidade, preço e continuidade do serviço de gás canalizado e garantindo às futuras gerações mais escolhas em um ambiente ecologicamente saudável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NETO, André Eliah, O estado da arte da vinhaça, disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=we-b&cd=12&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiXrJSt1uPUAhWJiZAKHTIp-DeMQFghvMAs&url=http%3A%2F%2Fwww.unica.com.br%2Fdownload.php%3FidSecao%3D17%26id%3D35414851&usg=AFQjCNFju_MKYeLDd10y-VC5LbSlZjsGALA, acesso em 28/06/2017.

http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2011/12/brasil-e-destaque-global-no-uso-de-biomassa

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http://www.mma.gov.br/clima/politica-nacional-sobre-mudanca-do-clima/plano-nacional-sobre-mudanca-do-clima h t t p : / / w w w. s c i e l o . b r / s c i e l o . p h p ? s c r i p t = s c i _ a r t t e x t & p i -d=S0103-40142005000300015

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http://www.resol.com.br/cartilha12/manual_iclei_brazil.pdf, acesso em 28/06/2017.

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COGERAÇÃO A BIOMASSA EM SÃO PAULO – REGULAÇÃO DE LEILÕES REGIONAIS DE ENERGIA

RESUMO

O trabalho objetiva explicitar os efeitos de políticas de incen-tivo à melhoria da conversão de recursos naturais em energia, focando o papel da cogeração na oferta de energia elétrica. A cogeração aumenta a confiabilidade no abastecimento de eletricidade, como também reduz custos operacionais nas ins-talações dos usuários.

Uma das maneiras de firmar a cogeração a partir de biomassa no setor elétrico seria a de contratação de energia elétrica da modalidade em licitações, onde projetos em diversas locações poderiam disputar oportunidades de fornecimento. Estas oportu-nidades de competição se materializarão com maior clareza em leilões regionais e por fonte de energia, que podem contornar as significativas restrições que ocorrem nos leilões nacionais, como a obtenção de permissões ambientais e de conexão ao sistema.

Demandas de regulação nestes processos se colocam, haja visto a necessidade de segurança e confiabilidade nas transações. Agências estaduais de regulação podem atuar na concepção, desenvolvimento e fiscalização dos procedimentos licitató-rios relacionados à logística, tarifas de transmissão, tributos e outros. Para se consolidar, a alternativa precisa se submeter a mecanismos legais e administrativos complexos, que garantam segurança na oferta e demanda, com prazos e custos compatíveis às propostas contratadas.

Palavras-chave: Leilões regionais de energia, Autoprodução de energia elétrica, Cogeração de energia elétrica e vapor.

INTRODUÇÃO – FUNDAMENTOS DA COGERAÇÃO

A produção conjunta de calor e potência mecânica num mesmo sistema é definida como cogeração de calor e trabalho. Apesar de poder contar com combustíveis variados, como gás natural, gás de processos, cavacos de madeira e outros, no pre-sente trabalho o foco está no bagaço de cana-de-açúcar. Este direcionamento decorre das peculiaridades do setor sucroalcoo-leiro, que desenvolveu tecnologias mais eficientes, tanto na área agrícola como em seus processos industriais, na última década.

PROJETOS DE COGERAÇÃO FISCALIZADOS PELA ARSESP

A ANEEL, e somente ela, conforme Lei Federal nº 9.427/1996, tem competência para regular e fiscalizar atividades relacionadas ao setor elétrico. A regra, por outro lado, comporta exceções, como as definidas pela Resolução ANEEL nº 417, de 23 de no-vembro de 2010, que explicitou as atividades que podem ser delegadas, dentre elas, algumas fiscalizações a nível estadual de agentes do setor elétrico — o contrato com a Arsesp, que compreende fiscalização da operação de Pequenas Centrais Hidrelétricas e Termoelétricas instaladas no Estado de São Paulo, é uma delas.

Atualmente a Arsesp, em seu cadastro de empreendimen-tos fiscalizados, opera com 269 centrais termelétricas e 84 centrais hidrelétricas no Estado de São Paulo, a maioria em cogeração, visitadas, em princípio, na periodicidade de 4 anos.

Hugo Yamaguchi: Assessor da Diretoria de Energia da Arsesp, Engenheiro Mecânico pela Escola de Engenharia Mauá, Pós Graduado em Energia pela Esco-la Politécnica da USP, Gerente de Divisão de Comercialização da CESP, Gerente de Novos Negócios da CESP, Coordenador do Grupo de Fiscalização da CSPE, Assessor da Coordenadoria Executiva da Presidência da CESP.

Claudio Paiva de Paula: Graduado em Engenharia Mecânica pela EPUSP, graduado em Administração de Empresas pela FEA/USP, Doutor em Energia pelo IEE/USP. Gerente da Divisão de Projetos em Desenvolvimento Tecnológico da CESP, Especialista em Regulação e Fiscalização III da Arsesp.

Autores: Hugo Yamaguchi, Claudio Paiva de Paula.

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ENERGIA ELÉTRICA

Trabalho apresentado no IX Congresso ABAR - Brasília - 2015

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Na Figura 1, acima, se detalha a quantidade de usinas e o total da potência instalada pelo critério da forma de geração no Estado de São Paulo.

A fiscalização de campo da Arsesp examina critérios de segurança na operação e na manutenção das centrais, bem como a utilização dos recursos naturais, induzindo a melhoria na conservação das instalações e observando a segurança das pessoas, sem perder de vista a devida regularização junto aos órgãos ambientais e Corpos de Bombeiros. O atendimento das normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho também é contemplado. Verifica-se, ainda, nas hidrelétricas, a situação das estruturas civis das barragens.

E X E M P LO S D E A P L I C AÇ Õ E S - U N I D A D E S D E COGERAÇÃO VISITADAS

Os sistemas de geração podem ser acionados por turbinas a gás, turbinas a vapor ou motores alternativos de combustão interna. A seleção da tecnologia mais adequada a cada aplicação envolve a avaliação de uma série de variáveis, começando-se pela relação potência disponível/calor rejeitado — motores alternativos, por exemplo, costumam produzir mais energia mecânica em detrimento de calor, quando comparados com turbinas a gás.

As instalações de cogeração fiscalizadas pela Arsesp se-guem diferentes sistemas desta modalidade de geração. No sistema “Topping”, no ciclo térmico Rankine (Figura 2), por exemplo, a geração de eletricidade se efetiva em primeiro lugar, e o vapor de escape é utilizado nos processos a jusante.

Este sistema é adotado nas usinas de açúcar e álcool (queima de bagaço de cana-de-açúcar) e nas produtoras de celulose (queima de líquor negro/cavacos). A agência visita periodica-mente 180 destas unidades de produção de energia.

As turbinas a gás (Figura 3) operam segundo o ciclo tér-mico Brayton e, em aplicações de grande porte, participam de arranjos em ciclos combinados com caldeiras e turbinas a vapor, acionadas pelo vapor de escape das turbinas a gás. O combustível mais adequado é o gás natural. No escape, os gases passam por trocadores para geração de vapor, que, eventual-mente, podem ser equipados com queima complementar. Três destas unidades são fiscalizadas periodicamente pela Arsesp, todas no setor industrial de alimentação. As unidades gozam de condições diferenciadas de preço do gás.

Motores de combustão interna acionados a gás natural operam segundo o ciclo térmico Otto e são adequados em aplicações em que haja maior demanda de energia elétrica em relação a calor, em processos de jusante. No escape, os gases passam por trocadores que geram vapor em baixa pressão ou água quente, sendo ainda muito empregados na geração de

Figura 2 - Cogeração em arranjo “Topping” - Ciclo Rankine

COMBUSTÍVEL +

AR

PRESSÃO ALTA

PRESSÃO BAIXA

CALDEIRA

VAPOR

VAPOR ENERGIA TÉRMICA P/ PROCESSO

TURBINA

ENERGIA MECÂNICA

Figura 3 - Cogeração com turbina a gás em arranjo “Topping” - Ciclo Brayton

GERADORA

GN Caldeira

Vapor para Processo

Make-up

Retorno de condensado

Bomba de alimentação

TG

Figura 4 - Motor a gás em ciclo Otto - Cogeração de frio em Chiller de absorção

VAPOR SATURADO

8 barÁGUA

GELADA

CHILLER DE ABSORÇÃO

TROCADORESDE CALOR

Figura 1 - Quantidade e total da potência outorgada das centrais de geração

UTE 295

CGH 22

CGH 10

PCH 60

UHE 19

PCT

18

PCH 364

UHE 290

PCT 143

UTE 7776

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17água gelada em “chillers” de absorção, como indicado na Figura 4. Mais de dez destas unidades são fiscalizadas periodicamente pela Arsesp, empregadas, basicamente, em escritórios, sho-pping centers e indústrias. O custo do gás natural impacta a rentabilidade destas unidades.

PARTICIPAÇÃO DO SETOR SUCROALCOOLEIRO NOS LEILÕES DE ENERGIA ELÉTRICA

O setor sucroalcooleiro alinha condicionantes significativos, que podem ser enumerados abaixo:

• estratégicos – geração descentralizada e próxima aos pontos de carga;

• complementaridade – geração da safra das regiões SE e CO durante o declínio da geração hidrelétrica;

• econômicos – participação preponderante do conteú-do nacional nos investimentos e combustível;

• sociais – fixação de mão de obra na zona rural; e• ambientais – combustível limpo e renovável, com

balanço nulo nos gases de efeito estufa.

O setor sucroalcooleiro gera excedentes significativos de eletricidade e pode ter um papel preponderante no crescimento da cogeração. Apesar do potencial existente, os dados levantados mostram que a efetiva disponibilização de energia excedente pelas usinas de cana-de-açúcar encontra-se ainda em patamares muito inferiores ao potencial desta alternativa — grande parte das usinas utiliza caldeiras de baixa pressão.

As centrais de geração associadas às usinas de cana-de-açú-car comercializam seus excedentes de energia elétrica nos dois ambientes de mercado: Ambiente de Contratação Regulada - ACR e o Ambiente de Contratação Livre - ACL.

Desde 2005, foram realizados vinte e três leilões, ocorrendo venda de energia de usinas sucroalcooleiras em quatorze deles. Merecem destaque os Leilões de Energia de Reserva (LER) reali-zados em 2008, 2010 e 2011, onde foram contratados 543 MWmed, 168,3 MWmed e 23,3 MWmed, respectivamente. Registra-se que o LER2008 foi exclusivo para as usinas de biomassa, enquanto que os demais contemplaram, também, a geração de origem eólica e PCH’s – Pequenas Centrais Hidrelétricas.

A energia total contratada pelas usinas sucroalcooleiras no ACR atingiu aproximadamente 1,4 GWmed em 2016, valor que poderá ser ampliado com a realização de futuros leilões. A quantidade de energia elétrica contratada das usinas vencedoras dos leilões é inferior à sua garantia física total, que representa a quantidade máxima de energia que as usinas hidrelétricas, termelétricas e projetos de importação de energia podem co-mercializar. Dessa forma, ainda existe em 2016 um excedente

disponível para comercialização no ACL superior a 800 MWmed.Apesar do grande potencial da cana-de-açúcar e o aparente

sucesso na sua participação em leilões, ela não tem conseguido, em novos leilões, competir em igualdade de condições com outras fontes, segundo o modelo atual. Os preços praticados nestes leilões não têm assegurado adequadamente a viabilidade de novos projetos, bem como não remuneram os investimentos para retrofit das usinas.

ALTERNATIVAS PARA ELEVAR A PARTICIPAÇÃO DO SETOR SUCROALCOOLEIRO NOS LEILÕES DE ENERGIA ELÉTRICA

A política de leilões de oferta e demanda de energia instituída pela Lei Federal nº 10.848, de 15 de março de 2004, regulamen-tada pelo Decreto Federal nº 5163/2004, modificou a maneira de comercializar energia elétrica entre concessionários, permissio-nários e autorizados de serviços e instalações de energia elétrica, bem como destes com seus consumidores, no Sistema Interligado Nacional – SIN. O objetivo desta organização do setor elétrico está no pleno atendimento ao menor preço unitário da demanda colocada pelas concessionárias distribuidoras. Na maioria dos resultados adjudicados nos certames de compra e venda, então organizados pela CCEE e autorizados pela ANEEL, tem permeado o critério da modicidade tarifária, que, eventualmente, pode distorcer tendências de desenvolvimento de novas tecnologias, ou mesmo a complementaridade da expansão agroindustrial.

Ao atender os critérios estabelecidos pela legislação acima referenciada, as ofertas e contratações de energia elétrica nos leilões sofrem influência de externalidades de difícil consistên-cia. Estas se materializam, principalmente, nas contratações de hidrelétricas, que convivem com exigências de contrapartidas am-bientais, de longas linhas de conexão entre geração e mercados, de cronogramas de implantação destas linhas desconectados das datas de comissionamento das usinas, de reservatórios de acumulação em proporções reduzidas, com fortes reações do Ministério Público e organizações sociais de apoio a indígenas e populações ribeirinhas, dentre outros.

Leilões de compra de energia de origem térmica gerada próxima aos centros de carga também convivem com adversi-dades. Empreendimentos movidos a gás natural têm de atender à exigência de comprovação da disponibilidade do combustível para períodos de 20 anos, não usual em outros países — movidos a carvão mineral ou óleo combustível. Por outro lado, enfrentam, ainda, significativas restrições ambientais e de suprimento de água para refrigeração.

Uma das maneiras de se contornar estas dificuldades seria a adoção de leilões regionais e por fonte de energia, tornando mais aderentes os custos com logística, transmissão, tributos e

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COGERAÇÃO A BIOMASSA EM SÃO PAULO – REGULAÇÃO DE LEILÕES REGIONAIS DE ENERGIA

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18 demais componentes. Um exemplo desta alternativa ocorreu em 2013, quando o governo de Pernambuco, em 2013, lançou um leilão regional exclusivo para fonte solar, que contratou empreendimentos na capacidade total instalada de 122 MW. Como estímulo à iniciativa, o governo local concedeu incen-tivos tributários no ICMS aos adquirentes desta energia. A alternativa prosperou, como, por exemplo, no recente leilão de 2014, nacional, direcionado à oferta de energia elétrica de sistemas fotovoltaicos.

A Secretaria de Energia do Estado de São Paulo – SEE tem seguido a diretiva de uma política energética voltada ao desen-volvimento sustentado do Estado, conforme o Plano Paulista de Energia 2020. Desenvolveu, então, estudos para o lançamento de um leilão de energia no Ambiente de Contratação Livre, po-dendo atuar como integradora da cadeia de comercializadoras, vendedores, compradores e até distribuidoras — o conjunto das autarquias e companhias de capital misto do Estado poderia até garantir um embrião temporário de mercado da ordem de 300 MW. O leilão seria isolado por fontes de energia, como biomassa, solar, eólica, PCH’s, gás do lixo.

A SEE, objetivando evitar maior confiabilidade ao pro-cesso e competição indesejada entre fontes, tem cadastrado projetos que assegurem maior segurança aos possíveis com-pradores de energia. A Agência Reguladora de Saneamento e Energia - Arsesp, inclusive, poderia até atuar na concepção, desenvolvimento e fiscalização dos empreendimentos. Existe a percepção de que a alternativa envolve mecanismos legais e administrativos complexos, que precisam agregar segurança na oferta e demanda, com prazos e custos compatíveis com as propostas colocadas.

A realização de leilões regionais e por fonte — no caso, biomassa de cana-de-açúcar — representaria um incentivo necessário ao atual modelo de contratação no ambiente regu-lado, que consideraria a complementariedade entre as fontes, viabilizando o potencial do setor sucroalcooleiro.

O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Ener-gia Elétrica - PROINFA, instituído pela Lei Federal nº 10.438, de 26 de abril de 2002, também foi um impulsor importante da cogeração, principalmente aquelas implantadas no setor sucroalcooleiro.

Nesta mesma legislação do PROINFA, verifica-se o po-tencial de incentivo do CDE, fundo que, além de viabilizar a universalização do serviço público de energia elétrica, tem condições de sustentar a implantação de empreendimentos termoelétricos em sistemas isolados, conforme determinam as Leis Federais no 9.427 e 9.648, de 26 de dezembro de 1996, e de 27 de maio de 1998, respectivamente.

Os projetos de sistemas de cogeração também podem ser enquadrados no Regime Especial de Incentivos para o Desen-

volvimento da Infraestrutura - REIDI, mecanismo que dá isenção de PIS e COFINS na aquisição de bens e serviços usados. Este programa foi contemplado pela Lei Federal nº 11.488, de 15 de junho de 2007, regulamentada pelos Decretos nos 6.144, 6.416 e 7.367, de 03 de julho de 2007, 28 de março de 2008 e 25 de novembro de 2010, respectivamente.

Os benefícios de redução de tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição para empreendimentos de cogeração qualificada estão assegurados pela Resolução ANEEL n° 77, de 18 de agosto de 2004, retificada e ratificada pela Resolução nº 271, de 03 de julho de 2007. Estas resoluções aplicam-se a empreendimentos com até 30.000 kW de capacidade, medidos na barra de saída ao SIN.

A INFLUÊNCIA DO INCENTIVO REGULATÓRIO

A política energética adotada em São Paulo busca induzir a geração e o consumo mais eficiente da energia no Estado — a adoção de incentivos à expansão da oferta de cogeração constitui uma das externalidades desta política. Para ser eficaz, qualquer política de incentivos deve, entretanto, passar por uma avaliação de sua consistência, com a busca de eficiência nos fluxos financeiros da economia. A determinação dos ga-nhos proporcionados por incentivos socialmente justos deve ser cotejada a eventuais dificuldades acarretadas em setores da economia não envolvidos nestas ações.

A criação de programas de aquisição de energia de fontes qualificadas de cogeração tem uma forte relevância na política de incentivos ao uso mais eficiente da energia — o programa do Governo de São Paulo de leilões de energia vai nesta di-reção. O ajuste das regulamentações tributárias e de apoio à industrialização e de melhoria ambiental também faz parte da política de indução da cogeração no parque industrial e de serviços do Estado — programas como o de isenção do ICMS (ou redução de alíquotas) na aquisição de insumos dos processos de cogeração e climatização, como também no investimento para implantação destes sistemas, complementam estas ações. Outra linha seria a de regulação de ofertas de gás natural através de leilões específicos, direcionados a sistemas de cogeração e climatização de ambientes. Em parceria com o poder municipal, se poderia consolidar políticas de zoneamento, visando criar programas “District Heat and Cooling”, concentrando áreas com cogeração e climatização a gás natural.

Incentivos para acesso, com reduções substanciais nas tarifas de transmissão e distribuição, também podem viabilizar novas ofertas, como no passado. Estas novas gerações, inclu-sive, podem eliminar eventuais necessidades de expansões da rede de transmissão, uma vez que costumam ser implantadas próximas a centros de carga, minimizando necessidades de re-

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19forços. A possibilidade de colocar energia no Sistema Interligado certamente é a primeira preocupação de qualquer investidor, quando passa da escala de autoprodutor para a de PIE. O meca-nismo REIDI canaliza apoio tributário federal a novos projetos, com isenções de PIS e COFINS nos investimentos, benefício que pode proporcionar descontos de até 9,25% no custo das obras. O apoio creditício através do BNDES fecha esta alavancagem, com estímulos financeiros de custos, prazos e carências.

Finalmente um esforço de regulação deve ser empreendido na direção de se aproximar as políticas operacionais e de expan-são dos agentes do setor elétrico a programas de cogeração. As políticas de compra e venda de excedentes de autoprodu-tores e produtores independentes de energia elétrica ligados aos setores de serviços, indústria convencional e agroindústria devem se consolidar às praticadas pelo setor de distribuição de energia elétrica — portaria, recentemente editada pelo MME, regulamenta estas aquisições.

A existência destas ferramentas de apoio fecha o leque dos programas de incentivos aqui enunciados e confere consistência a uma ação integrada para aumentar a participação da cogeração no parque de geração brasileiro, alocando combustíveis pouco agressivos à geração termoelétrica.

CONCLUSÃO

A biomassa aparece como matéria prima de vocação para a cogeração em função de sua disponibilidade na agroindústria. Políticas de leilões de aquisição podem ser lançadas para sua consolidação.

O trabalho conclui que não existem limitações regulatórias à implantação de novas modalidades de geração de energia elétrica, que alavancarão o mercado de distribuição de gás cana-lizado e o setor de açúcar e álcool. As alternativas aqui propostas de inserção da cogeração incentivada a gás natural e biomassa levam a programas que pretendem contribuir para a inovação do abastecimento energético do mercado.

BIBLIOGRAFIA

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COGERAÇÃO A BIOMASSA EM SÃO PAULO – REGULAÇÃO DE LEILÕES REGIONAIS DE ENERGIA

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REGULAÇÃO DA CONEXÃO DE AGENTES GERADORES AO SISTEMA ELÉTRICO – COGERADOR A BIOMASSA

RESUMO

O trabalho tem por objetivo apresentar a situação dos agentes geradores de energia que utilizam a cogeração a biomassa para gerar energia e exportar o excedente dessa energia para a rede, apresentando propostas para a regulação de acesso, alternativas para se viabilizar a conexão, bem como sugestões para acelerar e melhorar a obtenção de licenças ambientais.

Palavras-chave: Conexão, Cogeração de energia, Biomassa, Setor sucroalcooleiro, Rede básica.

1. INTRODUÇÃO

A implantação da geração a biomassa no Estado de São Paulo pode contribuir para aumento da oferta interna e da segurança no suprimento energético do Estado. Também corrobora para esta segurança o fato de que o Estado de São Paulo possui a maior malha de transmissão do Brasil na tensão de 138 kV, sendo um diferencial para a conexão destas usinas a biomassa à rede elétrica.

Em geral, as plantas de cogeração a biomassa estão interli-gadas ao sistema por meio de redes de distribuição em tensão variando de 13,8 kV a 138 kV. Devido ao crescimento do consumo do sistema, acrescido do montante de energia e das potências das usinas ingressantes, estas redes podem representar um gargalo ao escoamento de energia gerada, tornando necessários investimentos em reforços e ampliação do sistema. Esta conexão,

por outro lado, tem ocasionado problemas e dificuldades para a implantação de usinas a biomassa aos sistemas de distribuição ou de transmissão.

Inicialmente, deve ser salientado que, na maioria dos casos, essa conexão tem sido realizada sem maiores obstáculos; entre-tanto, em outros, os detentores da cogeração a biomassa que pretendiam acesso ao sistema elétrico encontraram diversos problemas, desde a recusa explícita de se permitir o paralelismo daquela geração com o sistema, até empecilhos burocráticos e exigências técnicas não cabíveis, visando dificultar aquele paralelismo.

Os geradores têm que atender os padrões de qualidade requeridos, observando, para a implantação da conexão, as resoluções da ANEEL, procedimentos de rede do Operador Nacional do Sistema – ONS, procedimentos de distribuição (PRODIST) e das normas e padrões das empresas distribuidoras e transmissoras. Também foram detectados conflitos entre os cenários da Empresa de Pesquisa Energética – EPE e do ONS, que dificultam os estudos elétricos, no caso em que o acesso é no sistema de transmissão.

Pelo lado das concessionárias, estas reclamam do excessivo número de retrabalhos causados pelos empreendedores de geração em constantes mudanças de parâmetros e dados das usinas. Os geradores, por outro lado, também reclamam que as concessionárias não atendem aos seus sistemas na velocidade requerida pelos empreendedores.

Autores: Hugo Yamaguchi, Claudio Paiva de Paula.

ENERGIA ELÉTRICA

Revista Arsesp: 10 anos de Regulação - 2018: 1:20-25

Hugo Yamaguchi: Assessor da Diretoria de Energia da Arsesp, Engenheiro Mecânico pela Escola de Engenharia Mauá, Pós Graduado em Energia pela Escola Politécnica da USP, Gerente de Divisão de Comercialização da CESP, Gerente de Novos Negócios da CESP, Coordenador do Grupo de Fiscalização da CSPE, Assessor da Coordenadoria Executiva da Presidência da CESP.

Claudio Paiva de Paula: Graduado em Engenharia Mecânica pela EPUSP, graduado em Administração de Empresas pela FEA/USP, Doutor em Energia pelo IEE/USP. Gerente da Divisão de Projetos em Desenvolvimento Tecnológico da CESP, Especialista em Regulação e Fiscalização III da Arsesp.

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212. REGULAMENTAÇÃO DE ACESSO

A Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995 em seu art. 11, parágrafo único, assegura aos fornecedores e respectivos consumidores livre acesso aos sistemas de distribuição e transmissão de conces-sionário e permissionário do serviço público de energia elétrica, mediante ressarcimento do custo do transporte envolvido, cal-culado com base em critérios fixados pelo poder concedente.

“Parágrafo único. O Produtor Independente de energia elétrica estará sujeito às regras de comercia-lização regulada ou livre, atendido ao disposto nesta Lei, na legislação em vigor e no contrato de concessão ou no ato de autorização, sendo-lhe assegurado o direito de acesso à rede das concessionárias e per-missionárias do serviço público de distribuição e das concessionárias do serviço público de transmissão.”

Baseado na Lei acima, a ANEEL criou a Resolução nº 281, de 01 de outubro de 1999, alterada pela Resolução Normativa nº 507, de 4 de setembro de 2012, que estabelece as condições gerais de contratação do acesso, compreendendo o uso e a conexão, aos sistemas de transmissão de energia elétrica, inclusive no acesso às Demais Instalações de Trans-missão DIT (instalações de propriedade da concessionária de transmissão em tensão inferior a 230 KV) e Resolução Nor-mativa nº 506, de 4 de setembro de 2012, que estabelece as condições de acesso ao sistema de distribuição por meio de conexão a instalações de propriedade de distribuidora e dá outras providências.

Segundo a Resolução ANEEL nº 281, a concessionária de transmissão deverá propiciar o relacionamento comercial com o

usuário, relativo ao uso dos sistemas de transmissão e à conexão nas suas instalações, recebendo e encaminhando as solicitações de acesso ao Operador Nacional do Sistema - ONS. O ONS deverá estabelecer, em conjunto com as partes interessadas, as responsabilidades relativas ao acesso, conforme a regula-mentação existente e atendendo aos Procedimentos de Rede.

Na avaliação dessas regulamentações, pode se inferir que essas regras não são muito claras no que diz respeito à localização do ponto de conexão; o que tem acontecido frequentemente é o distribuidor indicar um ponto de conexão de seu interes-se, distante da usina, imputando ao empreendedor gerador o ônus da interferência deste ingresso em subestação, linha de transmissão, conexões na rede de distribuição, adequação de proteções, etc., e todas as ampliações e alterações que se fizerem necessárias na rede de distribuição, devido ao fluxo de potência injetada pela usina. O empreendedor é, então, surpreendido com investimentos imprevistos, ocasionando, em algumas situações, a inviabilidade econômica do empreendimento.

3. A CONEXÃO

Estudos foram realizados para análise da conexão da co-geração a biomassa e suas consequências. Os tópicos a seguir avaliam estas atividades. 3.1 Impacto da conexão na viabilização do empreendimento de geração a partir da biomassa;

Todo projeto básico de cogeração cuja premissa seja exporta-ção de energia elétrica à rede de distribuição, deverá observar 4 (quatro) etapas do módulo 3 do PRODIST: consulta, informação, solicitação e parecer de acesso, conforme a figura abaixo.

Consulta de acesso

Informação de acesso

Protocolo da informação de acesso

Publicação de autorização

Solicitação de acesso

Sem obras: 30 dias

90 dias

Sem obras: 120 dias

Parecer de acesso

Celebração dos contratos

60 dias

60 dias

REGULAÇÃO DA CONEXÃO DE AGENTES GERADORES AO SISTEMA ELÉTRICO – COGERADOR A BIOMASSA

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22 3.1.1 Consulta de acesso.

A consulta de acesso deve ser formulada pelo acessante à acessada, com o objetivo de obter informações técnicas que subsidiem os estudos pertinentes ao acesso, sendo facultada ao acessante a indicação de um ou mais pontos de conexão de interesse.

Esta consulta de acesso deve ser feita através de formulá-rio específico da própria concessionária, sendo que o mesmo deve ser protocolado fisicamente e, no prazo de até 60 dias, ser apresentado ao solicitante. Vale ressaltar que este documento tem caráter orientativo e servirá apenas para avaliar opções de conexão do seu plano de investimento.

3.1.2 Informação de acesso

A informação de acesso é a resposta formal e obrigatória da acessada à consulta de acesso, sem ônus para o acessante, com o objetivo de fornecer informações sobre o acesso pretendido, devendo indicar: a) a classificação da atividade do acessante; b) quando couberem, informações sobre a regra de participação financeira; c) quando central geradora de energia solicitante de autorização, a definição do ponto de conexão, de acordo com o critério de menor custo global, com a apresentação das alternativas de conexão que foram avaliadas pela acessada, acompanhadas das estimativas dos respectivos custos, conclu-sões e justificativas.

3.1.3 Solicitação de acesso

A solicitação de acesso é o requerimento formulado pelo aces-sante que, uma vez entregue à acessada, implica a prioridade de atendimento, de acordo com a ordem cronológica de protocolo.

3.1.4 Parecer de acesso

O parecer de acesso é o documento formal obrigatório apre-sentado pela acessada, sem ônus para o acessante, onde são informadas as condições de acesso, compreendendo a conexão e o uso, e os requisitos técnicos que permitam a conexão das instalações do acessante, com os respectivos prazos.

Quando o acesso for feito diretamente a uma subestação, através de uma linha de interesse exclusivo, existe sempre o atendimento regulatório das características do “Bay” de conexão no padrão da concessionária acessada. Este requisito deve ser obedecido, pois, dentro de uma concessão, o “Bay” deverá ser controlado pela própria concessionária.

Definidos os aspectos técnicos da conexão, a partir daí são celebrados os contratos de uso e conexão dos sistemas elétricos, que variam, dependendo do caso.

Para o acesso de centrais de cogeração às instalações de transmissão, devem ser celebrados o Contrato de Conexão à Transmissão (CCT) com a concessionária proprietária das ins-talações de transmissão, e o Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (CUST) com o ONS.

De acordo com os procedimentos de rede de distribuição, Resolução Normativa n° 67, de 8 de junho de 2004, e Resolução Normativa n° 68, de 8 de junho de 2004, cabe à concessionária arcar com os custos de suas devidas responsabilidades de in-vestimento, sendo que, para isso, o rito de aprovação deve ser feito junto à ANEEL.

3.2 - A questão da rede coletora

Sendo a conexão à rede elétrica de responsabilidade dos agentes geradores, uma forma de reduzir os custos associados à conexão seria a diluição entre dois ou mais agentes, com a implantação de instalação de conexão compartilhada.

A outra alternativa seria a implantação das ICG’s – Instalações de Transmissão de Interesse Exclusivo de Centrais de Geração para Conexão Compartilhada. As ICG’s são instalações e equipamentos de transmissão destinados ao acesso em caráter compartilhado de centrais de geração, a partir de fonte eólica, biomassa ou pequenas centrais hidrelétricas à rede básica.

Central geradoraSubestação gerador

Subestação T ou D

Entrada de transmissão

Linha de transmissão

Concessionária de transmissão ou distribuição

Concessionária de transmissão

G

Subestação T ou D

Linha de transmissão

Concessionária de transmissão ou distribuição

Central geradora

Subestação gerador

Subestação T ou D

G

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23No Estado de São Paulo, até o momento, não foi definida nenhuma ICG, pois esta se caracteriza por ter uma extensa rede de transmissão. Ao se colocar o critério nos estudos de acesso de menor custo global, conforme determinação da ANEEL, as ICG’s são alternativas de maior custo.

3.3 - Consideração da energia da biomassa nos estudos de planejamento

O planejamento da expansão do sistema de transmissão é de responsabilidade da EPE – Empresa de Pesquisa Energética, o qual, no Estado de São Paulo, é feito através do GET/SP – Grupo de Estudos da Transmissão São Paulo, com a participação das empresas geradoras, transmissoras e distribuidoras que atuam no Estado.

Nos últimos anos, alguns estudos contemplaram a presença da geração da biomassa, por influenciar a região geoelétrica estudada.

Citam-se 2 (dois) exemplos:

A - SE Paraguaçu Paulista 230/138 kV

Na região de Presidente Prudente, Assis e Salto Grande, nos últimos anos foram instaladas inúmeras usinas a biomassa, que totalizam 121 MW, conforme mostra a Tabela 1.

A região também conta com as usinas hidroelétricas de Canoas I, Canoas II e Salto Grande.

Este novo cenário, com novos agentes de geração a biomassa, levaram o sistema de 88 kV da região de Presidente Prudente à Botucatu a ter problemas de excesso de geração, com relação à carga local.

Nestas condições, o grupo de Estudos da Transmissão de São Paulo realizou análises, concluindo-se pela implantação de uma nova subestação em Paraguaçu Paulista, na tensão de 230/88 kV, que atuará como uma subestação coletora da geração e escoará a energia gerada para o sistema interligado nacional através de uma linha de transmissão de 230 kV, que interligará esta subestação até a subestação Assis.

A subestação projetada será a Paraguaçu Paulista, que con-tará com 3 transformadores de 50 MVA, totalizando 150 MVA, e uma linha de transmissão de 37 km, na tensão de 230 kV, interligando esta subestação à subestação de Assis. A nova subestação seccionará a atual linha de transmissão de 88 kV Presidente Prudente – Assis.

Abaixo, desenho sobre o sistema atual de transmissão da região.

O leilão para implantação da subestação foi realizado pela ANEEL em 19/12/12 e foi ganho pela CPFL Geração e Transmis-são. O investimento será de R$ 200 milhões.

Tabela 1: Usinas a biomassa na região de Presidente Prudente

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Usinas Térmicas

Despacho (MW)

Demanda Contratada Ponta (MW)

Demanda Contratada Fora Ponta (MW)

Maracaí 29,0 6,5 6,5

Cocal 17,5 0,0 0,0

Canaã 25,0 2,0 2,5

Água Bonita 13,0 1,2 1,0

Nova América 10,5 6,3 6,3

Quatá 20,0 8,0 8,0

São Luiz 6,0 1,0 1,0

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24 B - SE MORRO AGUDO 500/138 KV

A região Nordeste do Estado de São Paulo, área de concessão da CPFL Paulista, tem como principal característica a presença de um grande parque gerador térmico movido por usinas à bio-massa a partir de bagaço de cana.

No período da safra, as usinas atuam como agentes gerado-res, injetando na rede da CPFL grandes montantes de energia. Essa injeção de potência ativa, principalmente no período da carga leve, faz com que haja a transferência desse excedente para o SIN- Sistema Interligado Nacional, através dos transfor-madores de fronteira.

No período da entressafra (Norte exportador), as usinas atuam como agentes de carga, solicitando da rede e das trans-formações de fronteira as demandas de potência ativa e reativa necessárias, embora de pequena monta para suas manutenções.

O diagnóstico da rede indicou problemas no controle de tensão em algumas subestações de 138 kV da região, além de violações dos limites de carregamento de linhas e transforma-dores, com diferentes efeitos em função dos cenários de safra e entressafra das usinas a biomassa.

Para solução deste problema, ou seja, o excesso de geração a biomassa na região, aliado à necessidade da carga da região, foi definida a implantação da SE Morro Agudo 500/138 kV. Esta subestação foi licitada em setembro de 2017.

Estes dois exemplos mostram que, no Estado de São Paulo, os estudos de planejamento da expansão do sistema deverão contemplar a instalação de geração a biomassa. Para isso, torna-se prioridade que os bancos de dados de acompanhamento de implantação de geração a biomassa tenham que estar sempre atualizados, de modo a subsidiar os estudos.

3.4 - A QUESTÃO DA POTÊNCIA REATIVA

Grande parte das centrais geradoras à biomassa conectadas

à rede de distribuição se comportam como consumidores de

reativos, influenciando o fator de potência no ponto de cone-

xão com as DIT/RB, reduzindo a demanda de potência ativa e

elevando a demanda de potência reativa.

A potência reativa ainda é solicitada pelas cargas, pois a

maioria das centrais geradoras não injeta ou injeta poucos rea-

tivos na rede. Como consequência, o fator de potência visto no

ponto de conexão não reflete a característica real da carga do

sistema, conforme mostra a Figura 1 (página 25).

Na operação dos sistemas de transmissão de potência, os

problemas de tensão/potência reativa podem ocorrer a qualquer

momento, devido a contingências e/ou alterações na demanda.

Portanto, são necessários serviços ancilares de suporte de po-

tência reativa em períodos de tempo relativamente pequenos,

para não comprometer a segurança e a confiabilidade do siste-

ma elétrico. Porém, hoje não há incentivos para que o gerador

produza a energia reativa.

3.5 - AS QUESTÕES DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL

O consenso entre transmissoras, distribuidoras e geradoras

é que as licenças ambientais, de uma forma geral, são caras,

demoradas, burocratizadas e exigem muito além do que apenas

preservar o ambiente, ao licenciar a instalação de plantas de

eletricidade, que pouco têm a ver com a demanda ambientalista.

As unidades de licenças ambientais em nível de Estado, UF,

portanto, são mais difíceis que as Federais. No entanto, quando

as plantas de geradoras já estão instaladas e são necessárias

licenças para exportar, os cenários ficam menos difíceis, pois

falta apenas uma parte nova, a geração.

Diante dos fatos, é necessário o aprimoramento do processo

de licenciamento ambiental de empreendimentos, para minimizar

os prazos do licenciamento.

4 - CONCLUSÃO

Em pleitos envolvendo problemas de conexão entre con-

cessionária de distribuição/transmissora e agentes geradores,

há a necessidade de um posicionamento balizador da ANEEL.

Por outro lado, a ANEEL tem encontrado dificuldades em

editar uma regulamentação clara, que defenda e ampare todas

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as partes envolvidas — usuário, operador de planta de cogeração

e concessionária de energia elétrica.

Também se concluiu que não existe diálogo entre as em-

presas da cadeia (geradores com distribuidoras, geradores com

transmissoras e geradoras com geradoras), o que causa o em-

perramento do sistema.

Um dos principais aspectos que tem dificultado muito a

exportação de energia, na opinião dos autores e detectado no

trabalho, é o alto custo da conexão (R$ 100.000,00/km);

Precisa ser criado um novo marco regulatório para as licenças

ambientais emitidas pelo IBAMA e pelas secretarias estaduais

de meio ambiente e de energia, de forma a remover as atuais

distorções e procedimentos deslocados da realidade rural.

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LUIZ VICENTE GENTIL, “Uma Investigação com Proposta de Marco Legal e de Política Nacional de Eletricidade Gerada com Biomassa Residual da Cana-de--Açúcar” - Relatório final elaborado por presentado à Universidade Estadual de Campinas – FEM – Departamento de Energia, Pós-Doutorado em Energia de Biomassa.

“MARCELO NISHIDA “ – “Avaliação de Conexão Elétrica para Usinas de “Co-geração a Biomassa com Exportação de Energia” - Universidade Federal de São Carlos - Centro de Ciências Agrárias Pós-Graduação em Gestão do Setor Sucroenergético – Mta”.

GIL MESQUITA DE OLIVEIRA RABELLO QUEIROZ, “Análise de Dificuldades Técnicas e Econômicas na Inserção da Cogeração pelas Usinas Sucroalcooleiras” – Disser-tação apresentada à Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.

PAULA, C.P. ET YAMAGUCHI, H. - “Cogeração no Sistema Elétrico Interligado - Políticas de Incentivo à Modalidade de Geração”. In: RIO OIL&GAS 2014. IBP - Rio de Janeiro, outubro 2014.

INEE - INSTITUTO NACIONAL de EFICIÊNCIA ENERGÉTICA FÓRUM de CO-GERAÇÃO e GERAÇÃO DISTRIBUÍDA – Fórum de Cogeração e Geração Distribuída. http://www.inee.org.br/down_loads/forum/Res281_proposta_alteracao_INEE_01_04.pdf

ANEEL – “Resolução Normativa nº 281, de 01 de outubro de 1999 – que esta-belece as condições gerais de contratação do acesso, compreendendo o uso e a conexão, aos sistemas de transmissão de energia elétrica”.

PROCEDIMENTOS DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO SISTEMA ELÉ-TRICO NACIONAL – PRODIST – Módulo 3 - Acesso ao Sistema de Distribuição.

ACESSO AO SISTEMA DE TRANSMISSÃO EM 10 PASSOS - ONS

REGULAÇÃO DA CONEXÃO DE AGENTES GERADORES AO SISTEMA ELÉTRICO – COGERADOR A BIOMASSA

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Figura 1

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PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NO CONTEXTO DA REGULAÇÃO

RESUMO

O presente artigo apresenta conceitos e as principais refe-rências legais que dispõem sobre a participação da sociedade na administração pública, em especial aquelas que incidem sobre a Arsesp, e, posteriormente, trata da importância da participa-ção no processo regulatório e da utilização dos mecanismos de participação no contexto do ciclo da política regulatória.

Palavras-chave: Participação, Governança regulatória, Ad-ministração pública, Regulação, Ciclo da política pública.

O QUE É A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

A participação pública, ou participação social, pode ser defi-nida como o processo pelo qual as preocupações, necessidades, interesses e valores das pessoas e instituições são incorporados no processo decisório da administração pública. Significa envolver indivíduos e grupos que são positivamente ou negativamen-te afetados em uma intervenção — por exemplo, um projeto, programa, plano ou política — visando promover decisões de-mocráticas, sustentáveis e legítimas.

A participação ocorre em muitos espaços; por exemplo, nas casas legislativas, nos órgãos e entidades públicas do Executivo e nas organizações da sociedade civil conveniadas com a adminis-tração pública; e por meio de variados processos: desde o simples intercâmbio de informações, passando pela colaboração efetiva, até o empoderamento para que público tome a decisão final.

A participação pode ser indireta ou direta:

• Participação indireta – representantes participam da tomada de decisão.

• Participação direta – os cidadãos, diretamente, se envolvem na tomada de decisão.

A Associação Internacional de Participação Pública (IAP2) identificou valores fundamentais para a prática da participação pública, conforme a relação a seguir:

1. aqueles que são afetados por uma decisão têm o direi-to de participar do processo de tomada de decisão;

2. a participação daqueles que são potencialmente im-pactados ou interessados em uma decisão deve ser procurada e facilitada;

3. o público deve ser solicitado a contribuir na concepção do processo de participação;

4. deve ser garantido que a contribuição do público vai influenciar a decisão;

5. a decisão deve ser comunicada aos participantes;6. devem ser conhecidas as necessidades e interesses dos

participantes, incluindo as dos tomadores de decisão;7. devem ser fornecidas aos participantes todas as infor-

mações necessárias para participar de forma efetiva.

Por fim, sobre o significado da participação pública, vale ressaltar a sua íntima relação com os princípios da democracia.

Gustavo Martins de Oliva: Analista de suporte à regulação e membro da Comissão de Avaliação de Documentos e Acesso – CADA na Agência Reguladora de Saneamento e Energia de São Paulo – Arsesp. Graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP e pós-graduado em Gestão Pública pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESP-SP.

Autor: Gustavo Martins de Oliva

RELAÇÕES INSTITUCIONAIS

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27Segundo Bobbio, a democracia é “um conjunto de regras e procedimentos para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados” (Bobbio, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986).

REFERÊNCIAS LEGAIS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

O principal marco legal quanto à participação da sociedade na administração pública brasileira é a Constituição Federal de 1988, que foi, inclusive, apelidada de “constituição cidadã”. No bojo do movimento de redemocratização, foram previstos e instituídos diversos mecanismos de participação, com destaque para os conselhos, as comissões, as ouvidorias, as conferências e as audiências e consultas públicas.

A seguir, estão relacionadas importantes disposições legais, que tratam da participação da sociedade na Constituição de 1988.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 (destaques nossos)TÍTULO I - Dos Princípios Fundamentais

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

TÍTULO II – Dos Direitos e Garantias FundamentaisCAPÍTULO I – DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDU-AIS E COLETIVOS.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

CAPÍTULO II - DOS DIREITOS SOCIAISArt. 10. É assegurada a participação dos traba-

lhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos

públicos em que seus interesses profissionais ou pre-videnciários sejam objeto de discussão e deliberação.

TÍTULO III - Da Organização do EstadoCAPÍTULO VII - DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 37. A administração pública direta e indire-ta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 3º A lei disciplinará as formas de participa-ção do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:

I – as reclamações relativas à prestação dos ser-viços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;

II – o acesso dos usuários a registros adminis-trativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;

III – a disciplina da representação contra o exer-cício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.

Além da Constituição de 88 e com foco nas atividades de-senvolvidas pela Arsesp, destacam-se: a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, que estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social:

Lei nº 8.078/1990 (destaques nossos)CAPÍTULO VIIDas Sanções Administrativas

Art. 55. § 1° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produ-tos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias.

§ 3° Os órgãos federais, estaduais, do Distrito Fe-deral e municipais com atribuições para fiscalizar e controlar o mercado de consumo manterão comissões permanentes para elaboração, revisão e atualização das normas referidas no § 1°, sendo obrigatória a participação dos consumidores e fornecedores.

PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NO CONTEXTO DA REGULAÇÃO

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28 A Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públi-cos, e estabelece importantes diretrizes para o engajamento dos usuários nos serviços públicos, dentre as quais:

Lei nº 8.987/1995 (destaques nossos)Art. 3º. As concessões e permissões sujeitar-se-ão

à fiscalização pelo poder concedente responsável pela delegação, com a cooperação dos usuários.

Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:

IV – levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado;

V – comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na pres-tação do serviço;

Art. 29. Incumbe ao poder concedente:VII – zelar pela boa qualidade do serviço, receber,

apurar e solucionar queixas e reclamações dos usu-ários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas;

XII – estimular a formação de associações de usuários para defesa de interesses relativos ao serviço.

Art. 30.Parágrafo único. A fiscalização do serviço será

feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de represen-tantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.

A Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regula-menta o acesso à informação na administração pública e elenca a participação como uma das formas de assegurar o acesso à informação.

Art. 9º O acesso a informações públicas será assegurado mediante:

II - realização de audiências ou consultas pú-blicas, incentivo à participação popular ou a outras formas de divulgação.

E, especificamente, no setor de saneamento básico, cabe ressaltar a importância dos mecanismos de participação dispos-tos na Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e em outras duas Leis Federais que recaem diretamente sobre a política de sane-amento básico: Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade, e Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 – Estatuto da Metrópole. É notória a intenção do poder público de engajar os diversos atores da sociedade nos momentos essenciais do ciclo da política pública de saneamento básico — desde as atividades de elaboração dos planos, passando pela atuação das entidades de regulação e culminando no monitoramento dos serviços prestados, conforme segue:

Lei nº 11.445/2007 (destaques nossos)CAPÍTULO I - DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se:IV – controle social: conjunto de mecanismos

e procedimentos que garantem à sociedade infor-mações, representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de pla-nejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico;

CAPÍTULO II – DO EXERCÍCIO DA TITULARIDADEArt. 9º O titular dos serviços formulará a respec-

tiva política pública de saneamento básico, devendo, para tanto:

V – estabelecer mecanismos de controle social, nos termos do inciso IV do caput do art. 3º desta Lei;

Art. 11. São condições de validade dos contratos que tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico:

III - a existência de normas de regulação que prevejam os meios para o cumprimento das diretri-zes desta Lei, incluindo a designação da entidade de regulação e de fiscalização;

IV - a realização prévia de audiência e de con-sulta públicas sobre o edital de licitação, no caso de concessão, e sobre a minuta do contrato.

§ 2º Nos casos de serviços prestados mediante con-tratos de concessão ou de programa, as normas previstas no inciso III do caput deste artigo deverão prever:

V – mecanismos de controle social nas ativida-des de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços;

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29CAPÍTULO IV – DO PLANEJAMENTO

Art. 19. § 5º Será assegurada ampla divulgação das propostas dos planos de saneamento básico e dos estudos que as fundamentem, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas.

CAPÍTULO V – DA REGULAÇÃOArt. 23. A entidade reguladora editará normas re-

lativas às dimensões técnica, econômica e social de prestação dos serviços, que abrangerão, pelo menos, os seguintes aspectos:

X - padrões de atendimento ao público e mecanis-mos de participação e informação;

CAPÍTULO VIII – DA PARTICIPAÇÃO DE ÓRGÃOS CO-LEGIADOS NO CONTROLE SOCIAL

Art. 47. O controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá incluir a participação de órgãos colegiados de caráter consultivo, estadu-ais, do Distrito Federal e municipais, assegurada a representação:

I – dos titulares dos serviços;II – de órgãos governamentais relacionados ao

setor de saneamento básico;III – dos prestadores de serviços públicos de sane-

amento básico;IV – dos usuários de serviços de saneamento básico;V – de entidades técnicas, organizações da socie-

dade civil e de defesa do consumidor relacionadas ao setor de saneamento básico.

CAPÍTULO IX – DA POLÍTICA FEDERAL DE SANEA-MENTO BÁSICO

Art. 51. O processo de elaboração e revisão dos planos de saneamento básico deverá prever sua divulgação em conjunto com os estudos que os fun-damentarem, o recebimento de sugestões e críticas por meio de consulta ou audiência pública e, quando previsto na legislação do titular, análise e opinião por órgão colegiado criado nos termos do art. 47 desta Lei.

Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade (destaques nossos)Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar

o pleno desenvolvimento das funções sociais da cida-de e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

Lei nº 13.089/2015 – Estatuto da Metrópole (destaques nossos)Art. 6º A governança interfederativa das regi-

ões metropolitanas e das aglomerações urbanas respeitará os seguintes princípios:

V – gestão democrática da cidade, consoante os arts. 43 a 45 da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001;

Art. 7º Além das diretrizes gerais estabelecidas no art. 2º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, a governança interfederativa das regiões metropo-litanas e das aglomerações urbanas observará as seguintes diretrizes específicas:

V – participação de representantes da sociedade civil nos processos de planejamento e de tomada de decisão, no acompanhamento da prestação de serviços e na realização de obras afetas às funções públicas de interesse comum;

Já no âmbito do Estado de São Paulo, o controle social e a participação foram abordados com destaque na Lei nº 10.294, de 20 de abril de 1999, que dispõe sobre proteção e defesa do usuário do serviço público do Estado de São Paulo:

Lei nº 10.294/1999 (destaques nossos)Artigo 3º - São direitos básicos do usuário:I – a informação;III – o controle adequado do serviço público.

Artigo 8º - O usuário tem direito ao controle ade-quado do serviço.

§ 1º - Para assegurar o direito a que se refere este artigo, serão instituídas em todos os órgãos e enti-dades prestadores de serviços públicos no Estado de São Paulo:

a) Ouvidorias;b) Comissões de Ética.

Artigo 29 - Fica instituído o Sistema Estadual de Defesa do Usuário de Serviços Públicos - SEDUSP, que terá por objetivo criar e assegurar:

VII – programa de incentivo à participação de associações e órgãos representativos de classes ou categorias profissionais para defesa dos associados;

PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NO CONTEXTO DA REGULAÇÃO

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30 No Decreto nº 60.339, de 29 de abril de 2014, que trouxe novo regulamento às Ouvidorias instituídas pela Lei nº 10.294/1999, que também contém preceitos relacionados à participação do cidadão.

Decreto nº 60.339/2014 (destaques nossos)Artigo 2º – O direito do usuário ao controle ade-

quado dos serviços públicos prestados pelo Estado de São Paulo será assegurado por meio das Ou-vidorias, ressalvadas as atribuições específicas das comissões de ética.

Artigo 4º - As Ouvidorias têm as seguintes atri-buições:

I – receber manifestações, denúncias, reclamações, sugestões e elogios;

II – prestar informações às demandas recebidas;

VIII – estabelecer canal permanente de comuni-cação com os usuários dos serviços públicos;

XV – estimular a participação do cidadão na fis-calização, contribuindo para o planejamento dos serviços públicos;

Artigo 7º – Ouvidor é o representante dos cida-dãos e usuários dos serviços públicos prestados pelo Estado perante o órgão ou entidade em que atua.

Na Lei nº 10.177, de 30 de dezembro de 1998, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, e prevê a utilização de mecanismos de consulta e audiência pública, além de outros meios de participação:

Lei nº 10.177/1998 (destaques nossos)

Seção III - Da InstruçãoArtigo 28 - Quando a matéria do processo envol-

ver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, autorizar con-sulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada.

Artigo 29 – Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo.

Artigo 30 – Os órgãos e entidades administra-tivas, em matéria relevante, poderão estabelecer

outros meios de participação dos administrados, diretamente ou por meio de organizações e asso-ciações legalmente reconhecidas.

Artigo 31 – Os resultados da consulta e audiência pública e de outros meios de participação dos admi-nistrados deverão ser acompanhados da indicação do procedimento adotado.

E, por fim, no âmbito da Arsesp, a Lei Complementar nº 1.025, de 7 de dezembro de 2007, que cria a Agência e faz importantes menções aos processos participativos:

Lei complementar nº 1.025/2007 (destaques nossos)Artigo 4º – A ARSESP promoverá consultas públi-

cas previamente à edição de quaisquer regulamentos e à aprovação de diretrizes, níveis, estruturas e revi-sões tarifárias, bem como nos demais casos definidos no regimento interno.

Artigo 5º – Antes da tomada de decisão em matéria relevante, a ARSESP deverá realizar au-diência pública para debates, cuja data, hora, local e objeto serão divulgados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, pela Imprensa Oficial e na página da ARSESP na rede mundial de computadores.

Artigo 7º – Compete à ARSESP, respeitadas as competências e prerrogativas federais e municipais:

VIII - receber, apurar e encaminhar soluções rela-tivas às reclamações dos usuários e dos prestadores de serviços, que serão cientificados das providências tomadas;

XII – articular-se, inclusive por meio de comitês conjuntos, com órgãos e entidades competentes em matéria de energia, recursos hídricos, meio ambiente, saúde pública, desenvolvimento urbano, defesa do consumidor e defesa da concorrência, objetivando o intercâmbio eficiente de informações e o melhor desempenho de seus fins;

Artigo 12 - A estrutura organizacional da ARSESP será aprovada por decreto e incluirá:

I – Diretoria; II – Conselho de Orientação de Energia;III – Conselho de Orientação de Saneamento

Básico;IV – Ouvidoria;

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31V – Câmaras Técnicas, que poderão ser instituí-das para atuação por setor regulado ou por núcleos temáticos.

Artigo 21 – Compete a cada Conselho de Orien-tação, nos limites de suas áreas de atuação, sem prejuízo de outras atribuições conferidas por decreto:

II – apresentar proposições a respeito das ma-térias de competência da ARSESP;

I I I – a c o m p a n h a r a s a t i v i d a d e s d a ARSESP, verificando o adequado cumprimento de suas competências legais;

Artigo 26 – Compete ao Ouvidor acompanhar, como representante da sociedade, toda a atividade da ARSESP, zelando pela qualidade e eficiência de sua atuação, bem como receber, apurar e cobrar solução para as reclamações dos usuários.

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO REGULATÓRIO

A utilização efetiva de mecanismos de participação no pro-cesso regulatório aprimora e legitima as decisões dos reguladores e representa importante princípio de governança regulatória. Dentre os benefícios práticos estão:

• adição de novos dados e informações sobre o assunto objeto de normatização ou fiscalização, contribuindo para a elaboração de propostas regulatórias de melhor qualidade e para assertividade das fiscalizações;

• ampliação de fases do processo de análise realizada por corpo técnico das agências reguladoras, permitin-do que problemas potenciais de uma proposta possam ser identificados precocemente;

• favorece a aceitação e compreensão das partes impac-tadas e interessadas, que são mais propensas a acolher e cumprir um ato normativo quando são envolvidas na sua elaboração, resultando em maior eficácia regula-tória.

Segundo a OCDE, em The Governance of Regulators, o envolvi-mento das partes interessadas no processo regulatório é um pilar fundamental da boa política regulatória. Neste sentido, todos os países membros da organização já adotaram os princípios do governo aberto e estão ampliando, de diversas maneiras, a participação do público no processo de planejamento, elabo-ração e implementação das regulamentações, assim como no processo de revisão do estoque regulatório.

Para a Organização, o engajamento dos interessados no âmbito da política regulatória deve atender aos seguintes princípios:

1. os reguladores devem assumir o compromisso regular e propositivo com as empresas reguladas e outras partes interessadas, centradas na melhoria do funcionamento e dos resultados da regulação e do seu regime;

2. os procedimentos e mecanismos de participação devem ser institucionalizados com práticas consistentes e transparentes. Deve haver foco no estabelecimento de mecanismos de consulta estruturados e regulares;

3. os processos de participação utilizados devem ter cuidado contra potenciais conflitos de interesses dos participantes e evitar o risco de que o regulador possa ser visto como capturado por interesses especiais.

A adoção desses princípios de boa governança deve ter como objetivo aumentar a confiança do público na agência reguladora, nas suas decisões e ações; e o envolvimento efetivo das partes interessadas auxilia na consecução desse objetivo.

No entanto, embora o envolvimento da sociedade seja vital para atingir bons resultados regulatórios, há riscos que precisam ser gerenciados. Neste sentido, é crucial que os pro-cessos de participação não favoreçam interesses particulares — por exemplo, algumas empresas reguladas sobre outras ou empresas reguladas em geral, em detrimento do interesse público. A própria aparência de que a participação tenha favorecido alguma parte pode comprometer a capacidade do regulador de alcançar resultados mais amplos, afetando a disposição dos participantes em apoiar as decisões da agência.

O envolvimento deve ser inclusivo e transparente. A consulta inclusiva permite que qualquer parte regulada ou membro do público contribua ou comente sobre as propostas apresentadas, em vez de apenas grupos representativos, cons-truindo a confiança de que todos os interesses são ouvidos.

O envolvimento transparente envolve a divulgação de quem foi consultado, quais foram as suas contribuições e as respostas do regulador às contribuições. Este procedimento protege o regulador de sugestões de captura ou falha para ouvir os diferentes pontos de vista, e também cria confiança no processo de regulamentação.

Em suma, a utilização de ferramentas de participação no processo decisório das agências reguladoras resulta em uma vasta gama de benefícios para todos os envolvidos, com des-taque para o próprio regulador, pois aprimora a governança, a gestão dos processos internos e compromete os participantes com o resultado da regulação.

PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NO CONTEXTO DA REGULAÇÃO

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32 O CICLO DA POLÍTICA PÚBLICA REGULATÓRIA E OS MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO

A análise do ciclo da política pública auxilia a compreender detalhadamente o processo pelo qual as atividades são desen-volvidas no campo da ação pública, e possibilita prever quais mecanismos e ferramentas de controle e participação social são mais adequados para engajar a sociedade em cada uma das fases do processo. Mesmo considerando que os modelos de “ciclo de políticas públicas” são construções abstratas e não refletem com precisão o dinamismo da atividade político-administrativa, a análise da sequência de fases possibilita identificar os momen-tos mais propícios para a interação entre o órgão regulador e os interessados e impactados pela regulação.

Os modelos tradicionais de ciclo das políticas públicas cos-tumavam apresentar as seguintes fases: formação de agenda, formulação, implementação e monitoramento. Posteriormente, novos modelos incorporaram outras etapas no ciclo, conforme a demonstração da figura abaixo.

Analisando especificamente a política pública re-gulatória, a OCDE identifica e explora três fases que considera mais densas do ciclo da regulação: “fazer”, “operar” e “rever” (OECD, 2014, p. 26 - figure 0.4. The cycle of regulatory activities).

Com a finalidade de mesclar os dois modelos de ciclo, a figura abaixo apresenta cinco fases, onde as de cor azul representam a fase “fazer”, que constitui, basicamente, a elaboração de nor-mas; a vermelha, a fase “operar”, que compreende a aplicação das normas; e a verde, a fase “rever”, que expressa a avaliação da aplicação das normas.

Para o presente artigo, a contextualização do ciclo regula-tório é importante para identificar quais são os mecanismos de participação mais adequados para cada atividade ou processo. Por exemplo, na etapa de identificação de problemas, é impor-tante utilizar os subsídios apontados nas demandas de ouvidoria e em discussões de conselhos, comissões ou câmaras técnicas. Na elaboração de agenda regulatória, podem ser utilizadas,

ainda, as consultas e audiências públicas e as pesquisas de opi-nião. Posteriormente, na edição de atos normativos, também é recomendada a realização de reuniões prévias ou mesas de diálogo com interessados e impactados.

Vale ressaltar que os mecanismos de participação se com-plementam. Neste sentido, se trata de um processo, pelo qual a sociedade é solicitada a contribuir de diferentes formas, conforme a etapa da atividade regulatória.

A seguir, estão listados os mecanismos de participação mais utilizados na administração pública brasileira:

• consultas e audiências públicas;• reuniões prévias com interessados ou mesas de

diálogo;• conselhos deliberativos ou de orientação;• comissões;• ouvidorias;• câmaras técnicas, comitês ou fóruns;• conferências;• pesquisas de opinião (entrevistas, grupo focal,

pesquisa de satisfação, pesquisa de avaliação e enquetes).

Também é importante notar que, no âmbito das ações re-gulatórias, dois processos utilizam amplamente os mecanismos mencionados. Por isso, devem ser incentivados: elaboração de agenda regulatória e análise de impacto regulatório – AIR.

Diante do exposto, é essencial compreender a atividade regulatória no contexto de um ciclo, principalmente para que as atividades de edição de normas e de fiscalização sejam plane-jadas conjuntamente e realizadas a partir de objetivos comuns, assim como para que os mecanismos de controle e participação sejam empregados de forma integrada e permanente nas ações da agência.

avaliação de estoque regulatório

identificação de problemas ou recepção de demandas

elaboração de Agenda Regulatória

processo de edição de normas (processo normativo)

comunicação/ orientação às partes envolvidas, autorização, monitoramento fiscalização, penalização, atendimento a usuários, etc

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33CONCLUSÃO

Conforme vem sendo constantemente apontado pelos estu-dos da ciência política e da administração pública, o engajamento das partes interessadas não é apenas uma prática recomendável, mas um princípio fundamental de governança nos estados demo-cráticos de direito. A participação está inserida num movimento em que as formas verticais e hierárquicas de elaboração de políticas estão dando lugar a abordagens horizontais e coope-rativas. No âmbito das agências reguladoras, esta mudança tem estimulado a comunicação, consulta e participação da sociedade em diferentes fases do ciclo da regulação, na busca não apenas de compreender as necessidades dos interessados e impactados, mas de melhorar a confiança na agência, uma vez que a tomada de decisões sem o envolvimento dos interessados pode levar à confrontação, disputa, boicote, desconfiança e insatisfação.

Conforme o relatório de auditoria nas agências reguladoras, produzido pelo TCU no processo TC 031.996/2013-2, “é fundamen-tal que o processo decisório facilite a participação e o controle da sociedade. Essa legitimação também se instrumentaliza por meio da garantia à participação de todos os interessados por meio da publicidade, bem como pela possibilidade de intervenção e pelo exercício do contraditório e da ampla defesa.”.

Para o Ministro Ricardo Lewandowski, conforme voto que sustenta a participação social no planejamento regional, na ADI nº 1.842/RJ, “participação da sociedade civil no planejamento, regulação e execução de funções públicas de interesse comum, dentre as quais está o saneamento básico, configura, como já assinalado, a concretização de alguns dos valores mais caros ao ordenamento constitucional vigente.”.

Outro importante documento que aborda a questão da participação social na atividade regulatória foi elaborado pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor – IDEC, uma das principais organizações não governamentais representativas dos interesses dos consumidores. No relatório intitulado “Série Pen-sando o Direito - agências reguladoras e a tutela do consumidor”, o IDEC aponta falhas nos processos participativos, tais como:

A ausência de definição de critérios mínimos ao atendimento dos requisitos de transparência e participação social provocou uma grande distorção no processo de consolidação desse modelo, oca-sionando graves problemas ao cidadão. Embora, conceitualmente, o processo regulatório esteja aberto à participação dos agentes impactados por ele – setor regulado e consumidores –, na prática, a inserção desses atores é completamente desbalan-ceada. Até agora, os consumidores e as organizações que os representam não conseguiram ocupar esses

espaços de forma efetiva.Entendemos como stakeholders na área de

regulação todos os atores que, individual ou co-letivamente, tenham algum interesse sobre as atividades da agência. Podem ser os consumidores individuais, associações de consumidores, organi-zações públicas de defesa do consumidor, Procons, empresas e associações de classe do setor regulado, trabalhadores e suas associações, além do próprio governo, entre outros.

De modo geral, há um amplo consenso de que os entes regulados — empresas e concessionárias — têm uma posição privilegiada no relacionamento com os reguladores, mas os esforços por parte de reguladores para minimizar esse desequilíbrio ainda são insuficientes.

Os apontamentos transcritos do relatório do IDEC guardam relação estreita com as recomendações de boas práticas de governança contidas nos materiais da OCDE. Ambos destacam a importância da participação inclusiva, em especial de organi-zações de defesa dos consumidores, nos mecanismos utilizados pelas agências reguladoras, o que exige esforços adicionais dos reguladores para alcançar esses segmentos da sociedade menos estruturados e capacitados para a participação.

Sobre as Consultas Públicas, a OCDE fez a seguinte crítica, no documento “BRASIL - Fortalecendo a governança para o crescimento”:

A consulta pública poderia ser aproveitada mais plenamente. Mesmo ao assegurar o acesso por meios eletrônicos, garantir a participação efetiva dos cidadãos, o procedimento de consulta pública continua sendo um desafio. O baixo nível de par-ticipação social pode ser comparado à dificuldade de representação da sociedade civil. Há também a necessidade de fazer com que a voz dos consumi-dores seja efetivamente ouvida.

Por fim, vale reforçar que a legislação apresentada anterior-mente, assim como as leis de criação das agências reguladoras brasileiras, preveem, na maior parte, boas ferramentas para promover a participação inclusiva e efetiva nos processos deci-sórios, sendo necessário o aprimoramento dos procedimentos e, seguindo as recomendações da OCDE e de organizações internacionais como a IAP2, a elaboração de um plano claro e conciso que defina os objetivos, metas e mecanismos de partici-pação a serem utilizados nas atividades da agência reguladora. Tal definição auxiliaria na utilização dos mecanismos mais ade-

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34 quados, de acordo com as finalidades propostas, e traria mais efetividade aos processos participativos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 18 nov. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 30/06/2017.

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A PESQUISA COMO INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA1

RESUMO

As pesquisas de opinião e de satisfação constituem um im-portante instrumento de gestão para administração pública brasileira e representam uma forma de participação social nos processos de definição das políticas públicas. Ao contrário dos mecanismos comumente adotados pelos órgãos públicos — como audiências e consultas públicas, conselhos, orçamentos participativos, etc. — com dias e locais definidos e deslocamen-tos dos cidadãos até as instituições para serem ouvidos — as pesquisas traçam o caminho inverso: o Estado vai até o cidadão para escutá-lo. Para elucidar essa discussão, será tomada como exemplo a atuação da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) na utilização de pes-quisas de satisfação como parte das ferramentas de fiscalização e regulação dos serviços públicos regulados, em especial dos serviços de saneamento básico.

Palavras-chave: Participação social, Pesquisa de opinião, Pesquisa de satisfação, Melhoria da regulação.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho busca mostrar que as pesquisas de opinião e de satisfação constituem um importante instrumento de gestão para a administração pública brasileira e representa uma forma de participação social nos processos de definição das políticas públicas. Ao contrário dos mecanismos comumente adotados pelos órgãos públicos, tais como audiências e consultas públi-cas, conselhos orientativos e consultivos, orçamentos participa-tivos, etc., que acontecem em dias e locais definidos e exigem dos cidadãos o deslocamento até as instituições públicas para serem ouvidos, a pesquisa de opinião traça o caminho inverso: o Estado vai até o cidadão para escutar a sua opinião ou avaliação.

POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL

A participação social em políticas públicas, no Brasil, passou a ser assegurada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, convertendo-a em um direito fundamental inscrito no artigo primeiro da Carta Magna.

Pode se dizer que, do ponto de vista histórico, essa é uma conquista recente, resultado de um processo de negociação intenso entre grupos sociais diversos, num contexto sociopolí-tico de grandes transformações com o fim da ditadura militar.

Embora a partir desse marco tenham surgido diversos meca-nismos de participação do cidadão nas definições e nas avaliações das políticas públicas, ainda é grande a distância que separa a ad-ministração pública da sociedade civil.

Entre as ferramentas adotadas pela administração pública brasileira que visam trazer o cidadão para o âmbito da gestão pública, destacam-se as audiências e consultas públicas, os conselhos orientativos e consultivos, os orçamentos partici-pativos, os conselhos gestores, as conferências temáticas e ouvidorias.

Na década de 1990, o Brasil passou por um processo de transformação econômica com a privatização dos serviços pú-blicos, momento em que foram criadas as agências reguladoras.

Essa nova figura da administração pública, cujas atividades impactam diretamente os usuários dos serviços públicos, seja com a definição de regras, com o cálculo das tarifas, seja com a fiscalização dos serviços prestados pelas concessionárias, levou um grande tempo para ser conhecida pelo cidadão e para ser compreendida como um ente que não se iguala aos órgãos de defesa dos consumidores. Até hoje, as atribuições e competên-cias das agências reguladoras não estão claras para importante parcela da população.

1 Trabalho originalmente apresentado no VII Congresso Brasileiro de Regulação, em 2013.

Samira Bevilaqua: Superintendente Institucional e de Relação com Usuários da Arsesp, desde 2016. Antropóloga com mestrado em Antropologia Social pela USP, Especialista em Pesquisa de Mercado e Comunicações pela USP. Ouvidora da Arsesp de 2011 a 2014.

Autor: Samira Bevilaqua

RELAÇÕES INSTITUCIONAIS

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36 Segundo o estudo do IDEC (2011) sobre regulação e parti-cipação social:

“A regulação, mais do que somente corrigir im-perfeições mercadológicas, incide sobre uma série de produtos e serviços que são caros aos cidadãos. A regulação, portanto, incide sobre áreas de interesse público, a fim de preservar e promover direitos fun-damentais — como o acesso a serviços essenciais e a proteção da saúde e da vida”.

Os principais canais de controle social2 adotados pelas agên-cias reguladoras, com o intuito de garantir a participação dos usuários dos serviços públicos nos processos regulatórios, são as audiências e consultas públicas, os conselhos de consumidores, os conselhos orientativos e consultivos e as ouvidorias.

Esses instrumentos, no entanto, não se mostraram, ao longo da história, como suficientes para garantir a participação daqueles cidadãos que não se encontram representados por entidades de classe, sindicatos, associações, empresas de consultorias, ONG, etc. Nota-se que a participação individual é inexpressiva ou até mesmo inexistente.

Segundo Liporace (2011), no universo das agências reguladoras

“não há instrumentos que minimizem a grande assimetria entre os stakeholders e promova o funciona-mento equilibrado no processo regulatório. (...) o que se percebe é um enorme desequilíbrio entre os entes regulados e o consumidor nos espaços de interlocução com as agências reguladoras”.

A autora destaca, ainda, que existem três tipos de assimetrias presentes na relação do órgão regulador com os cidadãos, a saber:

• Assimetria de informação: as empresas e concessioná-rias que atuam nos setores regulados detêm o conhe-cimento do negócio, dominam a linguagem técnica, conhecem as complexidades tecnológicas e os dados mercadológicos.

• Assimetria de linguagem: a utilização de termos técni-cos presente nas normas e regulamentos torna difícil a compreensão por parte do usuário dos serviços públi-cos, até mesmo de seus direitos e deveres relativos aos serviços regulados.

• Assimetria de oportunidades: o acesso ao órgão regu-lador é muito mais facilitado para o setor regulado, que

possui muitas oportunidades para levar seus pleitos em reuniões, congressos, audiências e consultas públi-cas. Observa-se uma ausência de mecanismos de arti-culação com a sociedade.

Considerando o exposto acima e trazendo à reflexão a questão principal deste trabalho, que consiste em apresentar a pesquisa de opinião como uma forma de participação social no âmbito da administração pública, em especial nas agências regu-ladoras, pode-se adiantar que, para as três assimetrias esboçadas acima, a adoção da pesquisa se mostra como uma ferramenta capaz de reduzir a distância entre o Estado e a sociedade e de incluir o cidadão nas discussões dos serviços regulados.

A complexidade da atuação do órgão regulador, a tecnici-dade da linguagem e o cenário de desconhecimento do papel das agências dificultam a participação da sociedade no processo regulatório, agravado, sobretudo, pelo tipo de mecanismos reservados para a participação social, que são especialmente as audiências e as consultas públicas.

Estudos sobre os segmentos regulados revelam que grande parte da população desconhece as atribuições das agências reguladoras. Nota-se isso nos resultados de pesquisas realizadas tanto no âmbito nacional quanto no Estado de São Paulo.

A Pesquisa de percepção do brasileiro quanto ao saneamento básico e a responsabilidade do poder público, realizada pelo IBOPE para o Instituto Trata Brasil, revelou que 81% dos entrevistados conhecem os quatro serviços do saneamento (água, esgotos, resíduos sólidos e drenagem). Entretanto, apenas 1% afirmou que a responsabilidade pela fiscalização dos serviços de sanea-mento é das agências reguladoras.

A Pesquisa de Satisfação dos Usuários dos Serviços de Abaste-cimento de Água e Esgotamento Sanitário, realizada pela Arsesp em 2012, revelou que cerca de 2% dos entrevistados conhecem a Agência, mas apenas 0,3% dos participantes da pesquisa pro-curariam o órgão, caso necessitassem fazer uma reclamação.

Já a Pesquisa de Satisfação dos Usuários dos Serviços de Gás Canalizado, também realizada pela Arsesp em 2014, apontou um índice de conhecimento superior ao estudo de saneamento básico. Cerca de 10% indicam conhecer a existência da Agência. Entretanto, esse percentual ainda é pouco significativo.

Outro estudo sobre a percepção do setor privado acerca do ambiente regulatório, realizado pela Vox Populi para a AM-CHAM (Câmara Americana de Comércio), apontou que 77% dos entrevistados afirmam que as audiências e consultas públicas promovidas pelas agências reguladoras garantem pouca partici-pação da sociedade na elaboração dos instrumentos normativos por elas emitidos.

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2 “O controle social é entendido como a participação do cidadão na gestão pública, na fiscalização, no monitoramento e no controle das ações da Administração Pública. Trata-se de im-portante mecanismo de fortalecimento da cidadania que contribui para aproximar a sociedade do Estado, abrindo a oportunidade de os cidadãos acompanharem as ações dos governos e cobrarem uma boa gestão pública.” (Consocial, 2011).

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37Esse conjunto de fatores traz consequências negativas tanto para a população quanto para as agências reguladoras. Para a sociedade, o impacto é alto, pois os indivíduos não participam dos atos normativos que afetarão diretamente a relação entre usuário e prestadores dos serviços públicos. Para as agências, o impacto, por sua vez, também não é baixo, pois se reflete especialmente nos questionamentos da opinião pública acerca da credibilidade desses entes públicos.

O estudo sobre a dialética da opinião pública, de autoria de Howlett (2000), demonstra muito claramente essa questão, de que não apenas a opinião pública influencia as políticas públicas, mas, igualmente, as ações governamentais afetam a opinião pública.

“A opinião pública não é só uma variável indepen-dente; pode ser também uma variável dependente. Isto é, embora seja evidente que a opinião constitui importante aspecto do ambiente político que afeta as ações do governo, também essas ações podem afetar o ambiente político. Ou seja, os governos não são apenas recipientes e reagentes passivos da opinião pública, mas podem ter, e frequentemente têm, um papel ativo na conformação da opinião pública. Este é um aspecto muitas vezes despercebido da relação entre políticas públicas e opinião pública, e muitas vezes apenas entra no sentido negativo de que a pro-paganda e outras atividades do governo servem para enfraquecer uma democracia que funciona. (...) não só a opinião pode influenciar as políticas, mas tam-bém o contrário, e uma compreensão de ambas as relações é necessária a fim de entender propriamente os fenômenos.”

A PRÁTICA DE PESQUISA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Um estudo realizado pelo IBOPE (2006) sobre o papel da pesquisa de opinião na administração pública brasileira revela que, no País, o emprego da pesquisa de opinião pelos órgãos de governo é bastante restrito, tanto em quantidade de estudos, quanto no tocante às modalidades de pesquisas contratadas.

Sabe-se que o setor público se defronta com vários entraves para a contratação de serviços. A adoção de normas rígidas de controle que visam, sobretudo, garantir a transparência do processo e o tratamento equânime a todos aqueles interessa-dos em participar das licitações acabam por interpor barreiras que dificultam as contratações de serviços que poderiam trazer melhoria para a gestão governamental.

“A adoção de rígidos controles legais para manter uma forma equânime de tratamento durante o proces-

so de contratação coloca o Estado em duas situações distintas. De um lado, através dos procedimentos adotados, procura garantir a isonomia, a publicidade dos processos, a transparência de procedimentos e a objetividade das condições de análise das propostas, bem como impedir a corrupção e o nepotismo. De outro, devido aos mesmos procedimentos, inviabi-liza para ‘si’ a contratação de serviços que levariam à melhoria da gestão governamental. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o Estado se resguarda, ele também se prejudica.

Afora a morosidade ocasionada aos processos licitatórios, muitas vezes a legislação vigente impede o Estado de programar ações no âmbito do setor pú-blico, cujos resultados proporcionariam, entre outros aspectos, redução de gastos públicos, crescimento econômico, preservação do meio ambiente e ganho na qualidade de vida da população.” (Hernandez; Be-vilaqua; Galvão; Saidel, 2009).”

Decerto que essa é uma das razões para o número restrito de contratações de pesquisas no setor público, mas deve-se considerar também a escassa atenção dada às possibilidades da prática de pesquisa.

Em relação aos tipos de pesquisa contratadas pela admi-nistração pública brasileira, merecem destaque as pesquisas de imagem (também chamadas de institucionais) e as pesquisas de satisfação dos usuários dos serviços públicos.

As pesquisas de imagens são, frequentemente, utilizadas como uma ferramenta de comunicação, e não de planejamen-to. Por isso, seu uso predominante destina-se a influenciar a opinião pública, tal como apontada na passagem abaixo descrita:

“(...) as pesquisas de imagem, a despeito dos tes-temunhos coletados, são ainda predominantemente usadas no Brasil como uma ferramenta para influenciar a opinião pública (seja para comunicar os ‘indicadores positivos’ dos governos, ou para otimizar sua comuni-cação geral), ao invés da direção contrária: a opinião pública influenciar as administrações.” (IBOPE, 2006)

Já as pesquisas de satisfação foram fortemente adotadas após a privatização dos serviços públicos, tais como energia elétrica, telefonia, rodovias, etc., cujos contratos de concessões previam, em muitos casos, a obrigatoriedade da aplicação de pesquisa de satisfação com os usuários. Em alguns casos, essas pesquisas são realizadas pelo próprio prestador do serviço e, em outros, pelas agências reguladoras, que conduzem os trabalhos

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38 e geram indicadores e comparações sobre a prestação dos ser-viços. Segundo o estudo do IBOPE (2006),

“apesar de fortemente apoiado em característi-cas e técnicas de pesquisas de satisfação (da mesma forma que aplicados a produtos e serviços privados), é interessante observar que este tipo de pesquisa permite utilizações bem mais abrangentes, como o monitoramento da atuação das empresas do setor e fornecendo elementos para tomada de decisões de gestão, além de especificamente determinar indicado-res básicos, como preços, subsídios e financiamentos”.

Embora não sejam percebidas enquanto tais, as pesquisas

de opinião e de satisfação constituem importantes ferramentas para todos os órgãos da administração pública, e não apenas para as agências reguladoras.

Entende-se que quando as pesquisas de opinião e de sa-tisfação são apreendidas pelo Estado como uma forma de participação popular, diferentemente dos outros instrumentos habitualmente utilizados pela administração pública, tal como audiências e consultas públicas, conselhos, ouvidorias, etc., elas capacitam os órgãos de governo com um leque diversificado de possibilidades e de conteúdos coletados diretamente junto aos cidadãos, que auxiliarão na gestão governamental.

Isto significa que, com a prática da pesquisa, o poder públi-co vai até o cidadão para compreender o que ele pensa, o que ele deseja, quais são seus valores e quais suas opiniões sobre a gestão pública. Em outras palavras, o Estado vai até o cidadão para escutá-lo (Figura 1).

Figura 1 – Pesquisa de opinião e de satisfação e o relacionamento com a administração pública

Com a apreensão da pesquisa sob este olhar, produz-se uma inversão de caminho e de direção, em comparação com as demais formas de participação social, nas quais a administração pública cria fóruns específicos e pontuais para receber colaborações, na maioria das vezes, com data, horários e locais determina-dos. Nessas situações, comparecem aqueles cidadãos que têm informação prévia do evento e se sentem confortáveis para participar e se confrontar com grupos de interesses fortemente organizados e detentores de linguagem e de conhecimentos

técnicos, tais como as empresas reguladas, associações das empresas, representantes setoriais, etc.

“Embora, conceitualmente, o processo regulatório esteja aberto à participação dos agentes impactados por ele — setor regulado e consumidores — na prática, a inserção desses atores é completamente desbalan-ceada. Até agora, os consumidores e as organizações que o representam não conseguiram ocupar esses espaços de forma efetiva.” (IDEC, 2011).

Vale ressaltar que tanto os estudos quantitativos quanto os qualitativos podem agregar valores positivos aos órgãos públicos, especialmente para as atividades das agências reguladoras, que poderão utilizar as opiniões dos usuários como sinalizadores de tendências e de problemas, e até mesmo como um comple-mento dos indicadores técnicos, para balizar as atividades de fiscalização e de regulação.

Uma característica peculiar dos estudos quantitativos é a aplicação da pesquisa por meio de amostragem, o que garante a representatividade da população em sua diversidade — nenhum outro mecanismo de participação popular assegura essa distri-buição. Por meio da pesquisa quantitativa, pode-se distribuir a “participação popular” geograficamente e imprimir recortes de características demográficas, tais como sexo, idade, cor, por exemplo, oferecendo ao gestor público um retrato fidedigno do seu município, estado, país ou serviço.

Já as pesquisas qualitativas representam um instrumento precioso para avaliar as normas e regulamentos antes de suas publicações, sobretudo aquelas que impactam diretamente os usuários dos serviços públicos, com o intuito de verificar a compreensão de conteúdos e possíveis ajustes de linguagem. Uma opção interessante para “testar” resoluções, deliberações ou portarias é a aplicação de grupos de discussão, cuja prática é muito comum no ramo publicitário, que utiliza esse método para testar conceitos e produtos.

A ARSESP: SUAS ATRIBUIÇÕES E A PRÁTICA DE PESQUISA

A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) é autarquia estadual, com competência para regular, controlar e fiscalizar os serviços de gás canalizado e de saneamento básico de titularidade estadual, bem como os serviços de energia elétrica e de saneamento básico municipal, cujas atividades de fiscalização e/ou regulação sejam delegadas para a Agência pelos órgãos competentes. Na área de energia elétrica, a Agência fiscaliza os serviços de distribuição de energia elétrica prestados por 14 concessionárias e 12 permissionárias, bem como a operação de Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs)

4. Referência: julho/2017.

Administração pública

Pesquisa de opinião e de satisfação

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39e das Pequenas Centrais Termoelétricas (PCTs). A regulação do setor elétrico, cabe a responsabilidade à Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel. Na área de gás canalizado, a Arsesp regula e fiscaliza os serviços de distribuição de gás canalizado de três concessionárias. Já no setor de saneamento básico, a Arsesp regula e fiscaliza os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário em 286 municípios do Estado de São Paulo4, por meio de convênios de cooperação com o Estado de São Paulo, cujo instrumento delega as atividades de regulação e de fiscalização para a Agência.

Pode-se perceber, por meio das atribuições da Arsesp, a complexidade inerente ao modelo das agências reguladoras — em especial daquelas com atribuições estaduais que, muitas vezes, são multissetoriais — que se reflete na compreensão que os usuários dos serviços públicos têm dessas instituições, dificul-tando, sem dúvida, a participação da sociedade nos processos abertos à colaboração social.

Essas peculiaridades ecoam também na prática da Agência em relação às pesquisas com usuários. Por exemplo, na área de energia elétrica, a pesquisa de satisfação dos usuários com os serviços é uma atividade que não é delegada à Arsesp; a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aplica, anualmente, essa avaliação.

Na área de gás canalizado, por sua vez, a responsabilidade por realizar a pesquisa de satisfação com usuários é das conces-sionárias, prevista nos contratos de concessão, com periodicidade anual. Nestes casos, a Arsesp acompanha o desempenho das distribuidoras à luz da percepção dos usuários, por meio dos relatórios com os resultados dessas pesquisas. No entanto, desde 2013 a Agência adotou a pesquisa de satisfação com usuários como uma ferramenta de gestão e de apoio às atividades de fiscalização e de regulação do setor de gás canalizado.

Já no setor de saneamento básico, a competência legal para a Arsesp regular e fiscalizar os serviços é estabelecida por meio de convênios de cooperação firmados entre os municípios e o Estado de São Paulo, que lhe delegam as atividades fiscalizatórias e regulatórias. Entre as atribuições previstas nos convênios de cooperação, consta que Agência deve “fixar critérios, indicado-res, fórmulas, padrões e parâmetros de qualidade dos serviços e do desempenho da concessionária, com o intuito de zelar pela qualidade, estimular a melhoria, produtividade e eficiência da prestação dos serviços de saneamento básico”. A pesquisa de satisfação se apresenta como uma ferramenta capaz de atender a essas atribuições.

O entendimento da Agência é que, para fixar parâmetros de qualidade dos serviços regulados e estimular a constante melhoria do desempenho das concessionárias, faz-se necessário conhecer a avaliação dos usuários a respeito da prestação dos serviços, por meio de aplicação de pesquisas.

A opinião dos usuários é de fundamental importância, uma vez que são eles os interlocutores capacitados para apontar problemas nos serviços, avaliar o desempenho do prestador, bem como indicar aspectos a serem melhorados na prestação dos serviços de saneamento básico, que podem escapar aos indicadores técnicos.

Em 2012, a Arsesp realizou a primeira edição da Pesquisa de Satisfação dos Usuários dos Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário, aplicada em 244 municípios do Estado de São Paulo — aproximadamente 40% dos municípios paulistas. O estudo abrangeu entrevistas com 45 mil usuários urbanos do seg-mento residencial. Já a segunda edição da pesquisa está em curso e deverá ser concluída no início de 2018. Para o presente estudo, serão ouvidos cerca de 76 mil usuários, residentes em 321 municípios.

Em 2014, a Agência realizou a Pesquisa de Satisfação dos Usuários dos Serviços de Gás Canalizado do Estado de São Paulo, por meio de 5.343 entrevistas com usuários dos segmentos resi-dencial, comercial, industrial e de gás natural veicular (GNV) das três concessionárias paulistas. A segunda edição dessa pesquisa será realizada em 2018.

A prática de pesquisa da Arsesp, tanto no segmento de sa-neamento básico quanto de gás canalizado, é norteada pelas técnicas inerentes à pesquisa quantitativa, que visa obter nume-ricamente a frequência e a intensidade de comportamentos, por meio de uma amostra representativa do universo pesquisado, cujos resultados possibilitam uma leitura bastante rica do cenário dos serviços públicos regulados pela Agência.

Os estudos realizados pela Arsesp demonstram, portanto, que, por meio da pesquisa, é possível assegurar resultados representati-vos da diversidade da sociedade, o que nenhum outro instrumento de participação social garante. Além disso, com a prática da pesquisa, aproxima-se o cidadão das instâncias de decisão da administração pública, especialmente do ambiente regulatório.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho buscou-se apreender a prática de pesquisa de opinião e de satisfação como um mecanismo de participação social, que se revela como uma ferramenta valiosa, que pode assegurar aos gestores a participação da sociedade na administração pública.

As características técnicas da pesquisa de opinião e de sa-tisfação, realizadas, principalmente, por meio de entrevistas e grupos de discussões, oferecem aos gestores públicos elementos que as demais formas de participação social não alcançam.

Com a aplicação dessas pesquisas, é possível assegurar que a diversidade da população esteja representada nos dados que o gestor público dispõe para balizar suas ações e atividades. Pode se garantir, por exemplo, a distribuição por sexo, por

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40 idade, por classe social, por renda, por escolaridade, por área geográfica e por outros numerosos aspectos a serem traçados na fase de planejamento da pesquisa.

O principal diferencial da pesquisa frente aos outros meca-nismos de participação social — como as audiências e consultas públicas, conselhos, orçamentos participativos, etc. — reside no que chamamos de “inversão de caminho e direção”, pois com a aplicação de pesquisa é o Estado que vai ao cidadão para escutá-lo, e não o indivíduo que procura as poucas instâncias acessíveis para manifestar-se.

Vale lembrar que, no contexto da regulação dos serviços pú-blicos, o cidadão depara-se com as assimetrias de informação, de linguagem e de oportunidades, quando comparados com os demais agentes envolvidos na prestação dos serviços públicos regulados.

A falta de conhecimento específico, a utilização de termos técnicos e a carência de oportunidades de acesso ao órgão re-gulador são aspectos que distanciam a população das agências. Entretanto, com a aplicação de pesquisas de opinião e de satis-fação, essas assimetrias podem ser amenizadas e proporcionar ao cidadão a inclusão nas discussões dos serviços regulados.

Salienta-se que não há registro, no âmbito das agências re-guladoras, de realização de grupos de discussão com o objetivo de verificar o grau de entendimento da população em relação às normas e regimentos que afetam diretamente o cotidiano dos usuários dos serviços públicos. Esse é um fator que merece atenção, pois os grupos de foco ou de discussão se apresentam como instrumentos capazes de apontar ajustes necessários nas normas setoriais, sobretudo no que diz respeito à tecnicidade da linguagem. Essa prática traria resultados muito importantes para os órgãos reguladores, uma vez que a boa informação refletiria na diminuição do número de reclamações.

Destaca-se que a prática adotada pela Arsesp, com a utiliza-ção de pesquisas para apoio das atividades de fiscalização e de regulação, é um exemplo de medida para encurtar a distância entre o órgão regulador e a população.

Face ao exposto, acredita-se que a pesquisa deve ser apre-endida como um mecanismo de participação popular no serviço público, em particular pelas agências reguladoras, que podem avaliar, a partir da percepção dos usuários, o grau de satisfação com os serviços públicos, gerar indicadores e complementar as informações de natureza interna (indicadores técnicos, número de reclamações, etc.) e, assim, atuar de forma mais participativa nas atividades de fiscalização e de regulação.

A possibilidade de participar da gestão e definição de políticas públicas, além de reforçar o sentimento de cidadania, aproxima a população das instâncias de decisão, permitindo a colaboração para o futuro do ambiente regulatório.

A pesquisa é um bom caminho para isso. E a Arsesp está seguindo nessa trajetória.

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AGÊNCIAS REGULADORAS

RESUMO

O objetivo do presente artigo é mostrar algumas caracterís-ticas das agências reguladoras, em especial da Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, trazendo o conceito de agência reguladora, as suas funções e as suas características.

Palavras-chave: Estado regulador, Agência reguladora, Autarquia, Características.

1. INTRODUÇÃO

O Estado Regulador surge no Brasil nos anos 90, com a edição da Medida Provisória nº 155, de 15 de março de 1990, mais tarde convertida na Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, que criou o Programa Nacional de Desestatização (PND). Houve uma nova definição do papel do Estado.

Importante conceituar o termo “desestatização”. Para Marcos Juruena Villela Souto, citado por Ricardo Rocha Viola, desestatização “É a retirada da presença do Estado de atividades reservadas constitucionalmente à iniciativa privada (princípio da livre iniciativa) ou de setores em que ele possa atuar com maior eficiência (princípio da economicidade)” 1.

Nos termos do artigo 175 da Constituição Federal, a prestação de serviço público deve ser prestada diretamente pelo Poder Público, podendo ocorrer a sua concessão e a sua permissão.

A concessão e a permissão são formas de transferência da prestação do serviço público ao particular. Frise-se que a titula-ridade permanece com o Estado, sendo que a transferência ao particular é apenas da execução do serviço.

As regras da concessão e da permissão dos serviços públicos estão disciplinadas na Lei nº 8.987/95 e em outras normas legais sobre a matéria, bem como nas cláusulas do contrato respectivo.

Quando da transferência da execução do serviço público ao particular, surge a necessidade da regulação da prestação desse serviço público.

A regulação estatal no direito brasileiro está prevista no artigo 174, caput da Constituição Federal, que dispõe: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

Entretanto, há outros dispositivos na Constituição Federal que tratam de regulação, como o artigo 21, inciso XI, e artigo 177, parágrafo 2º, inciso II. Eles mencionam o termo “órgão regulador”, servindo de fundamento legal para a instituição de agência reguladora.

2. AGÊNCIA REGULADORA NO BRASIL

É importante destacar que havia regulação no Direito Bra-sileiro antes dos anos 90. Existiam diversos entes reguladores no Brasil, mas não com as características das atuais, como, por exemplo, o Comissariado de Alimentação Pública (criado em 1919), o Instituto de Defesa Permanente do Café (criado em 1923) e o Banco Central do Brasil (criado em 1964).

3. CONCEITO DE AGÊNCIA REGULADORA

Alexandre Santos de Aragão conceitua agência reguladora da seguinte forma:

1.VIOLA, Ricardo Rocha. Breve análise acerca do PND – Programa Nacional de Desestatização. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revis-ta_artigos_leitura&artigo_id=10630>. Acesso em 10 de dezembro de 2013.

2.ARAGÃO, Alexandre dos Santos. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico, p. 281. 3. Ibidem, p. 279.

Roberta Bedinotti Figliano: Roberta Bedinotti Figliano, advogada, Assessora da Secretaria Executiva da Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, especialista em Direito Administrativo pela PUC/SP e em Direito Empresarial pela Uni/FMU.

Autor: Roberta Bedinotti Figliano

SECRETARIA EXECUTIVA

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42 (...) podemos conceituar as agências reguladoras independentes brasileiras como sendo as autar-quias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à Administração centralizada, incumbidas do exercício de funções regulatórias (cf. Capítulo I) e dirigidas por colegiado cujos mem-bros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República, após prévia aprovação pelo Senado Federal, vedada a exoneração ad nutum2.

Por ser autarquia, a agência reguladora configura uma des-centralização administrativa. Porém, é autarquia em regime especial, possuindo maior autonomia administrativa se com-parada à autarquia comum.

Para o Professor Alexandre Santos de Aragão3, o motivo pelo qual as agências reguladoras foram classificadas como autarquias em regime especial foi a necessidade de se ter maior autonomia e agilidade no exercício de suas funções.

As agências reguladoras são vinculadas a algum órgão do Poder Executivo. Não se trata de subordinação ou controle hierárquico. Isso porque as agências reguladoras possuem au-tonomia em relação à Administração Central.

4. AS ATUAIS AGÊNCIAS REGULADORAS

A Constituição Federal previu a criação de duas agências reguladoras, quais sejam, a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações e a ANP – Agência Nacional do Petróleo. Entretanto, outras poderiam ser criadas, não somente pela União, mas também por Estados-membros e municípios, desde que mediante lei específica.

No Estado de São Paulo foi criada através da Lei Comple-mentar nº 833, de 17 de outubro de 1997, a Comissão de Serviços Públicos de Energia – CSPE, autarquia vinculada à Secretaria de Estado de Energia. Nos termos do artigo 2º da referida lei, a Comissão de Serviços Públicos de Energia – CSPE tinha por finalidade a regulação, o controle e a fiscalização da “qualidade do fornecimento dos serviços públicos de energia” e dos “preços, tarifas e demais condições de atendimento aos usuários de tais serviços”.

A Lei Complementar nº 1.025, de 7 de dezembro de 2007, transformou a Comissão de Serviços Públicos de Energia – CSPE em Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo – Arsesp, autarquia em regime especial, com perso-nalidade de direito público, vinculada atualmente à Secretaria de Estado de Governo.

A Arsesp atua nas seguintes áreas: a) gás canalizado: regula e fiscaliza as atividades de distribuição de gás canalizado no

Estado de São Paulo; b) saneamento básico: regula e fiscaliza os serviços de saneamento básico de titularidade estadual, bem como de titularidade municipal, na hipótese do município delegar à Arsesp tal tarefa; e c) energia elétrica: fiscaliza nos termos do convênio de delegação e descentralização, firmado com a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.

5. FUNÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

As agências reguladoras possuem as seguintes funções:

a) função judicante, com a finalidade de resolver os conflitos entre os regulados e usuários ou entre o Poder Público. O fundamento para a existência da função judicante é a expertise que as agências reguladoras possuem;

b) função normativa, para que a agência reguladora emi-ta normas específicas sobre as questões regulatórias, como, por exemplo, conceituando termos, disciplinan-do comportamentos técnicos;

c) função executiva, que diz respeito a todos os atos que as agências reguladoras praticam para exercer as com-petências previstas em lei.

6. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

As agências reguladoras exercem função de Estado. Por exercerem atividade típica de Estado, as agências reguladoras devem gozar de autonomia e independência para o pleno exer-cício de sua função.

O artigo 1º, parágrafo único, da Lei Complementar Esta-dual nº 1.025/2007, que criou a Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, dispõe que: “O regime jurídico da ARSESP caracteriza-se por independência decisória, autonomia administrativa, orçamentária e financeira, mandato fixo e estabilidade de seus diretores e demais condições que tornem efetiva sua autonomia no âmbito da Administração Pública”.

A autonomia e a independência das agências reguladoras estão configuradas pela: a) criação através de lei; b) mandatos fixos e não coincidentes dos dirigentes; c) decisão colegiada; e d) autonomia financeira da agência.

7. NOMEAÇÃO DOS DIRIGENTES DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

O artigo 5º, da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, dispõe que os dirigentes das agências reguladoras serão nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal.

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43Os dirigentes cumprem mandato, cujo prazo é fixado na lei de criação de cada agência reguladora (artigo 6º, da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000).

Os dirigentes somente poderão perder o cargo em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou em virtude de processo administrativo disciplinar, sem prejuízo de outras situações a serem previstas na lei de criação de cada agên-cia reguladora (artigo 9º, da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000).

Em relação à Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, a Lei Complementar Estadual nº 1.025/2007, no artigo 16 dispõe que os Diretores serão escolhidos e nomeados pelo Governador do Estado, após aprovação pela Assembleia Legislativa.

O parágrafo 4º, do artigo 16, da Lei Complementar Estadual nº 1.025/2007 prevê que “Os Diretores somente perderão o man-dato em virtude de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar. No caso de processo administrativo disciplinar, o diretor indiciado ficará sus-penso de suas funções para realizar sua defesa”. No parágrafo 5º do referido dispositivo legal, há a seguinte previsão: “Sem prejuízo do que preveem a lei penal e a lei de improbidade administrativa, será causa da perda do mandato o cometimento de falta grave, assim entendida a inobservância das proibições e deveres legais e regulamentares inerentes ao emprego público, inclusive a ausência não justificada a três reuniões de diretoria consecutivas ou a cinco reuniões de diretoria alternadas por ano”.

8. QUARENTENA DOS DIRIGENTES DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Na quarentena “O ex-dirigente fica impedido para o exercício de atividades ou de prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu mandato” (artigo 8º, da Lei nº 9.986/2000).

O objetivo da quarentena é fazer com que o ex-dirigente se desincompatibilize e se desatualize dos assuntos e das discussões da agência reguladora a que estava exercendo seu trabalho.

A quarentena também está prevista na Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, no artigo 20, da Lei Complementar Estadual nº 1.025/2007, ao dispor: “Por um período de quatro meses, contados da dispensa, demissão, renúncia ou término do mandato, o ex-diretor fica impedido de representar qualquer pessoa ou interesse perante a ARSESP ou de prestar serviços, direta ou indiretamente, nos setores por ela regulados, sob pena de incorrer em ato de improbidade administrativa, nos termos da legislação federal pertinente, sem prejuízo do pagamento de multa, a ser fixada em regulamento”. O parágrafo único acrescenta que “Duran-

te o impedimento de que trata o caput, o ex-diretor fará jus à remuneração compensatória equivalente à do emprego público de direção que exerceu, incluindo benefícios e vantagens a ele inerentes, salvo no caso de demissão”.

9. CONCLUSÃO

O Estado deixa gradualmente de ser empresário para se tornar regulador, redefinindo seu papel na sociedade. O início deste processo ocorreu na década de 90, com o Programa Na-cional de Desestatização. O Estado, através das concessões e permissões, transfere ao particular a execução do serviço público. Este é outro passo importante no processo de desestatização.

As agências reguladoras surgiram no Brasil por necessidade de investimentos em infraestrutura. Em contrapartida, foi neces-sário o controle, que consistiu na criação de agências reguladoras.

Devido à especialidade e tecnicidade, as agências reguladoras possuem a função judicante, normativa e executiva.

Existem diversas agências reguladoras no Brasil, tanto no âmbito federal, quanto estadual e municipal.

O desafio é a sociedade conhecer as agências reguladoras que existem, seu trabalho e sua competência.

10. Referências

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Org.). Direito regulatório: temas polêmicos. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009.

GROTTI, Dinorá Adelaide Mussetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003.

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Agências Reguladoras: uma visão crítica e atual. Boletim de Direito Administrativo, p. 883 a 890, ago. 2005.

GUERRA, Sérgio. Introdução ao Direito das Agências Reguladoras. Freitas Bastos Editora, 2004.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

SOUTO, Marcos Juruena Villela Souto. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002.

VIOLA, Ricardo Rocha. Breve análise acerca do PND – Programa Nacional de Desestatização. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10630> Acesso em 10 de dezembro de 2013.

AGÊNCIAS REGULADORAS

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A IMPORTÂNCIA DA ESTRUTURA DAS OUVIDORIAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGULAÇÃO

RESUMO

O trabalho visa abordar a importância das ouvidorias nas agências reguladoras, enfocando sua estruturação e atuação, que deve ser sempre autônoma, independente e transparente, de forma a possibilitar seu funcionamento efetivo e eficiente. No modelo adotado pelas agências reguladoras federais e estaduais, a ouvidoria atua no tratamento das demandas dos usuários em seu primeiro contato com o órgão. Será apresentado o caso da Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, cuja estrutura difere das demais pois sua Ouvidoria foi constituída separadamente do Serviço de Atendimento ao Usuário – SAU, o que facilita a identificação de “gargalos” e a apresentação de sugestões de melhorias, possibilitando assim o aperfeiçoamento constante da atuação regulatória e fiscali-zatória da autarquia.

INTRODUÇÃO/OBJETIVOS

A natureza da atividade das Agências reguladoras é comple-xa e exige autonomia e desvinculação política, pois tem como finalidade assegurar a adequada prestação dos serviços públicos regulados, contribuindo para o desenvolvimento sustentável dos setores e garantindo o equilíbrio nas relações entre usuários, prestadores de serviços e poder concedente.

Neste contexto, as ouvidorias têm um papel estratégico nas agências reguladoras e são consideradas até mesmo uma das formas de accountability, tendo em vista sua atuação, cujo papel preponderante é o tratamento de manifestações de usuários de forma ética, transparente e imparcial, buscando solucionar as demandas e identificar oportunidades de melhoria, contribuindo assim para o desenvolvimento da gestão.

No modelo regulatório brasileiro as ouvidorias das agên-cias reguladoras não foram concebidas a partir de um mesmo referencial, variando conforme o tempo em que foram consti-tuídas, volume de demandas, setores regulados, características de funcionamento, transparência, autonomia, dentre outros.

Não obstante, existe uma característica comum às agências reguladoras estaduais e federais, qual seja, sua estrutura de ouvidoria é vinculada ao serviço de atendimento ao usuário, atuando como uma segunda instância no tratamento das de-mandas, uma vez que em primeira instância as mesmas são apresentadas às prestadoras dos serviços regulados.

O presente trabalho visa abordar esta estrutura e apresen-tar o caso da Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, cuja Ouvidoria é apartada do Serviço de Atendimento ao Usuário – SAU.

MATERIAL E MÉTODOS

No âmbito metodológico, levou-se em conta a historicidade do instituto, por meio de um breve relato sobre a origem da ouvidoria com a criação do ombudsman, em 1809, na Suécia, passando pela criação da primeira ouvidoria pública no Brasil, em 1986, que gerou um grande movimento de adesão, sendo que, hoje, o País conta com mais de 1000 (mil) ouvidores públicos.

Nesse contexto, passou-se à abordagem da estrutura das ouvidorias das agências reguladoras, demonstrando que, em-bora possuam diferenças no tocante a diversos aspectos, existe um ponto em comum: a atuação no primeiro contato do usuário com a agência.

Por fim, é apresentado o caso da Arsesp, que possui em sua estrutura organizacional uma Ouvidoria independente do Serviço de Atendimento aos Usuários dos serviços por ela regulados e

Maria Eugênia Bonomi Trindade - Advogada formada e pós-graduada em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Regulação e Fiscalização de Serviços Públicos na Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo desde novembro/2010, nomeada Ouvidora da Agência desde maio de 2016, com mandato de 3 (três) anos.

Autor: Maria Eugênia Bonomi Trindade

OUVIDORIA

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1 GOMES, Manoel Eduardo A. Camargo e. Ouvidorias Públicas Brasileiras – Cidadania, direitos fundamentais e os limites entre o público e o privado. In: VISMONA, Edson Luiz; BARREIRO, Adriana Eugênia Alvin (org.) Ouvidoria Brasileira – O Cidadão e as Instituições. Edição Comemorativa 20 Anos da ABO. p. 35.

2 LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das Agências Reguladoras. Ed. Atlas. 2008.

fiscalizados, atuando como outra instância no tratamento das demandas. As informações apresentadas foram obtidas por meio dos regramentos e relatórios da Agência, bem como de dados colhidos em sua própria Ouvidoria.

RESULTADOS/DISCUSSÃO

O instituto da ouvidoria advém da criação do ombudsman, em 1809, pela Carta Magna da Suécia, inspirada na teoria de Montesquieu, tendo como função controlar a observância das leis pelos tribunais e funcionários e demandar junto aos tribunais competentes, àqueles que no exercício de suas atribuições agiram com parcialidade, favor ou qualquer outro motivo, cometendo ilegalidades ou descuido no correto desempenho dos deveres próprios do cargo.

Verifica-se, portanto, que o ombudsman foi criado como um guardião da legalidade, criação esta que se difundiu am-plamente e se alterou com o decorrer do tempo, na medida em que ao Estado passou a caber a tutela de outros direitos, que ampliaram o conceito de cidadania e alteraram a relação entre o público e o privado.

No entender de Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes¹, “(...) Considerando essa articulação, é possível conceber uma tipologia a partir da função preponderante estabelecida aos ombudsmen: ombudsman como guardião da legalidade (de 1809 a 1955), Ombudsman como 1 Defensor do Povo (de 1962 a 1980) e Ombudsman como Guardião ou defensor dos Direitos Funda-mentais (de 1980 aos dias de hoje)”.

No Brasil, em meados do século XVI, Era Colonial, foi nome-ado o primeiro Ouvidor-Geral, cuja função era garantir a rigorosa aplicação das leis, figura essa que foi extinta com a declaração de independência, em 1822.

Posteriormente, na década de 1980, com a criação da primeira Ouvidoria Pública em 1986, no município de Curitiba, o ouvidor passou a ter um papel bem diferente, voltado para atender às reinvindicações dos cidadãos e viabilizar sua participação nas deliberações do Estado.

Em 1999, o Estado de São Paulo promulgou a Lei nº 10.294/99 (Lei de Proteção e Defesa do Usuário do Serviço Público), que determina a criação de ouvidorias em todos os órgãos públicos estaduais e em 2004 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45, que determina a criação de ouvidorias no Poder Judiciário e no Ministério Público no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Territórios.

Na segunda metade da década de 1990, com o advento da privatização dos serviços públicos por meio de concessões,

permissões e autorizações, o Estado deixou de ser prestador direto e assumiu o papel de regulador, por meio da criação de agências reguladoras.

Sua função precípua é o estabelecimento de normas e a efetiva fiscalização da atuação das concessionárias, permissio-nárias e autorizadas, de forma a garantir a prestação dos serviços de forma eficiente, com modicidade tarifária, preservando o equilíbrio nas relações entre usuários, prestadores de serviços e poder público.

A natureza da atividade reguladora é, portanto, complexa, e exige autonomia e transparência para que possa atuar com efetividade. Por esta razão, a grande maioria foi constituída sob o mesmo modelo formal, ou seja, são autarquias de regime espe-cial, dotadas de autonomia decisória, administrativa e financeira.

Em sua estrutura organizacional, as agências possuem uma ouvidoria, cuja função é acompanhar, como representante da sociedade, as atividades da agência, zelando pela qualidade e eficiência de sua atuação, bem como receber, apurar e cobrar solução para as reclamações dos usuários. Ela deve atuar como canal permanente de comunicação, para prestar informações, re-ceber sugestões, críticas, reclamações e elogios sobre os serviços.

Cabe ressaltar que se trata de papel estratégico, pois sua atuação com autonomia e independência permite uma avaliação crítica, identificação de melhorias e propostas de aperfeiçoa-mento.

Neste aspecto, as ouvidorias representam um instrumento de accountability e de legitimação da atuação da agência, pos-sibilitando sua atuação efetiva e eficiente.

Com efeito, se trata de uma das formas democracia partici-pativa, com enfoque no exercício da cidadania como instrumento de controle da atuação das agências reguladoras. Lucas de Souza Lehfeld classifica o ombudsman como uma das modalidades de participação cidadão nas agências reguladoras, afirmando que “A instituição do Ouvidor como profissional imparcial e voltado para atender aos usuários providencia ao modelo regulatório certo caráter de independência frente às vicissitudes políticas do Governo”2.

A atuação das ouvidorias nas agências reguladoras varia conforme o grau de autonomia, setores em que atuam, volume de demandas, tempo de criação, dentre outros. Não obstante, um fator comum é a sua atuação como uma segunda instância no atendimento aos usuários, que já apresentaram suas demandas junto aos prestadores de serviços.

Assim, sua estrutura configura o atendimento ao usuário propriamente dito, ou seja, o recebimento de todas as deman-das encaminhadas à agência, a busca de informações junto ao

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46 prestador de serviços visando solucionar a questão e a formu-lação da resposta.

Neste aspecto, a Ouvidoria da Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo se diferencia das demais. Isto porque sua Ouvidoria ocupa um papel distinto na estrutura organizacional, atuando como outra instância no tratamento das demandas apresentadas, inclusive aquelas que se referem ao atendimento ao usuário prestado pela própria Agência.

A Deliberação Arsesp nº 53/2009, que aprova seu Regimen-to Interno, prevê o Serviço de Atendimento ao Usuário – SAU da Agência como parte da Gerência de Relacionamento com Usuários, que faz parte da Diretoria de Relações Institucionais.

“Art. 42 A Superintendência Institucional e de Relações com Usuários é constituída pelos seguin-tes órgãos:

Gerência de Acompanhamento de convênios; Gerência de Relacionamento com usuários; Gerência de Comunicação Social. (...)

§ 2º Compete à Gerência de Relacionamento com Usuários:

Gerir o Serviço de Atendimento ao Usuário – SAU para os serviços de gás canalizado e saneamento básico;

Receber e encaminhar as demandas de usuários dos serviços de energia encaminhadas pela ANEEL;

Instalar o processo administrativo de solução de conflitos entre agentes e usuários dos serviços regulados, sempre com o apoio técnico das Direto-rias relacionadas;

Elaborar os relatórios dos atendimentos reali-zados.” (destaques nossos)

No tocante à Ouvidoria, o referido normativo assim estabelece:

“Art. 48. Compete ao Ouvidor

I. Criar um canal de comunicação direto entre a ARSESP e os

usuários de seus serviços a fim de aferir o grau de satisfação

destes últimos e estimular a apresentação de sugestões;

II. Elaborar um programa integral de informação para assegu-

rar ao usuário dos serviços da ARSESP o acompanhamento

do serviço prestado pela agência;

III. desenvolver atividades que garantam os direitos do usuário

dos serviços da ARSESP;

IV. Apoiar a Diretoria da ARSESP na elaboração de manuais

informativos dos direitos dos usuários dos serviços da

ARSESP, dos procedimentos disponíveis para o seu exercí-

cio e dos órgãos e endereços para apresentação de queixas

e sugestões;

V. contribuir com os programas existentes para a racionali-

zação e melhoria dos serviços públicos;

VI. Instituir programa de avaliação dos serviços públicos pres-

tados pela ARSESP. § 1º - Os dados colhidos pelo Ouvidor

serão utilizados na realimentação dos programas e ativida-

des da agência, com o objetivo de tornar os serviços mais

próximos da expectativa dos usuários. § 2º O Ouvidor terá

acesso a todos os documentos e colaboradores da agência

e contará com o apoio administrativo de que necessitar.

Art.49. O Ouvidor deve dirigir-se a qualquer servidor ou órgão

da ARSESP para bem desempenhar suas atribuições de acompa-

nhamento e fiscalização.

Parágrafo único. O Ouvidor exercerá suas funções com inde-

pendência e autonomia, visando garantir os direitos do cidadão

usuário dos serviços da ARSESP, tendo as seguintes prerrogativas

asseguradas:

I. Acesso a documentos e informações da Arsesp;

II. Acompanhamento das sessões dos órgãos colegiados da

Arsesp.” (destaques nossos)

No organograma (página 47) é possível visualizar a estrutura acima descrita.

Muito embora prevista na Lei de criação da Arsesp (Lei Com-plementar nº 1.025/2007), a Ouvidoria foi instituída em meados de dezembro de 2011, representando um passo importante no fortalecimento da sua relação com a sociedade.

A experiência acumulada desde então tem demonstrado que esta estrutura permite a identificação de falhas e possibili-dades de melhorias, especialmente no que se refere ao Serviço de Atendimento ao Usuário – SAU da Agência.

Com efeito, já foram feitas algumas recomendações pela Ouvidoria, tais como:

• envio de respostas mais objetivas para os usuários com informações específicas sobre o assunto reclamado;

• utilização de linguagem mais acessível nas comunica-ções com usuários, tendo em vista que a maioria não domina a linguagem técnica dos setores regulados. Atenção especial para as respostas elaboradas para as reclamações de energia elétrica;

• alteração de informação de prazo de 10 dias informado pelo Serviço de Atendimento aos Usuários no ato do registro da manifestação, mas que invariavelmente não era cumprido. Esse era um importante motivador de reclamação na ouvidoria sobre a Agência;

• não utilização pelo Serviço de Atendimento aos Usuários

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de energia elétrica do termo “Comunicação de Ouvido-ria” em suas correspondências, tal como adotado pela Aneel, já que a Arsesp possui duas áreas de atendimento distintas e independentes.

Ademais, a possibilidade do usuário recorrer à Ouvidoria para apresentar manifestações referentes à própria agência reguladora beneficia o usuário e fortalece o papel autônomo, independente e transparente da Ouvidoria, como representante da sociedade.

Neste aspecto, cabe ressaltar que não se trata apenas de mais uma instância para que os usuários apresentem suas demandas, mas sim de um canal permanente de comunicação com a Agência para apresentação de qualquer tipo de manifestação (reclama-ções, críticas, elogios, dúvidas, sugestões), representando assim um instrumento de participação social na administração pública e, ao mesmo tempo, uma ferramenta estratégica de gestão, em linha com a Lei Federal nº 13.460, de 26 de junho de 2017, que dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública3, recentemente promulgada.

Cabe ainda mencionar que em 2012, a Ouvidoria recebeu

a atribuição de implantar, no âmbito da Agência, o Serviço de Informações ao Cidadão (SIC), nos termos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 20114, e do Decreto nº 58.052, de 16 de maio de 20125, que regulamentam o acesso à informação pública. O SIC constitui a instância de recebimento de pedido de informação, cuja tarefa principal é disponibilizar com a maior brevidade possível os dados solicitados. A ouvidoria é responsável também pela gestão desse serviço.

CONCLUSÃO

O instituto da ouvidoria, desde a criação do ombudsman em 1809 na Suécia, se difundiu e evoluiu, acompanhando a evolução dos Direitos Fundamentais.

No âmbito das ouvidorias públicas, seu papel é primordial para garantir os direitos dos usuários dos serviços e identificar oportunidades de melhoria, contribuindo para o aperfeiçoamento da prestação dos mesmos.

Nesse contexto, as agências reguladoras desempenham importante papel e sua ouvidoria representa a sociedade na esfera regulatória e fiscalizatória dos serviços públicos.

Para tanto, é indispensável que o ouvidor tenha total autono-

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A IMPORTÂNCIA DA ESTRUTURA DAS OUVIDORIAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGULAÇÃO

3 Lei Federal nº 13.460, de 26 de junho de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13460.htm

4 Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm

5 Decreto nº 58.052, de 16 de maio de 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm

Fonte: site da Arsesp

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48 mia e independência, possibilitando uma atuação transparente e eficiente, uma vez que se trata de função estratégica na es-trutura da agência.

No Brasil, tanto as agências federais quanto as estaduais têm sua estrutura de ouvidoria vinculada ao serviço de atendimento ao usuário, atuando como uma segunda instância no tratamento das manifestações apresentadas.

Nesse contexto, a estrutura da Arsesp – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo difere das demais, pois sua Ouvidoria atua de forma apartada e indepen-dente do Serviço de Atendimento ao Usuário – SAU, que recebe e trata reclamações referentes à própria Agência. Para tanto, é dotada de total autonomia e independência, participando de todos os processos decisórios e com livre acesso a todas as reuniões e documentos.

Constituída em 2011, a experiência obtida até o momento com este modelo inovador tem demonstrado bons resultados, uma vez que permite a análise da atuação da própria Agência Reguladora, especialmente no que se refere ao atendimento aos usuários dos serviços por ela regulados e fiscalizados.

Com isto, foram implementadas diversas melhorias e identifi-cadas oportunidades de aperfeiçoamento referentes a processos e normativos, que são periodicamente encaminhadas à Diretoria Colegiada da Agência e registradas nos Relatórios de Ouvidoria.

Por fim, cabe destacar que as ouvidorias das agências regula-doras são instrumentos de efetivação dos direitos fundamentais, na medida em que sua atuação beneficia individualmente o usuário que apresenta sua manifestação, e coletivamente o conjunto de usuários dos serviços regulados por meio da iden-tificação de oportunidades e sugestões de melhoria, conferindo assim efetividade à atuação da Agência e possibilitando seu aperfeiçoamento constante.

REFERÊNCIAS

VISMONA, Edson Luiz; BARREIRO, Adriana Eugênia Alvin (org.). Ouvidorias Públi-cas Brasileiras – Cidadania, direitos fundamentais e os limites entre o público e o privado. Ouvidoria Brasileira – O Cidadão e as Instituições. Edição Comemorativa 20 Anos da ABO. 2015.

LYRA, Rubens Pinto (org.). Do Tribuno da Plebe ao ouvidor Público: Estudos sobre os Defensores da Cidadania. Editora Universitária da UFPB. 2011.

ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. 3ª ed. Forense.

LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das Agências Reguladoras. Ed. Atlas. 2008.

Lei Estadual nº 10.294, de 20 de abril de 1999. Disponível em http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1999/lei-10294-20.04.1999.html:

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Lei Federal nº 13.460, de 26 de junho de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13460.htmLei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm

Decreto nº 58.052, de 16 de maio de 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm

Revista Científica da Rede de Ouvidoria do Estado de Pernambuco. 2ª ed. 2013

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ANTT - Agência Nacional dos Transportes Terrestres. Disponível em: www.antt.gov.br

ANA - Agência Nacional das Águas. Disponível em: www.ana.gov.br

ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica. Disponível em: www.aneel.gov.br

ANP - Agência Nacional de Petróleo. Disponível em: www.anp.gov.br

ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Disponível em: portal.antaq.gov.br

ANCINE - Agência Nacional do Cinema. Disponível em: https://www.ancine.gov.br

ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações. Disponível em: http://www.anatel.gov.br

ARSESP - Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo – Disponível em: www.arsesp.sp.gov.br

ARTESP - Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo. Disponível em: www.artesp.sp.gov.br

ARSP - Agência de Regulação de Serviços Públicos. Disponível em: https://arsp.es.gov.br

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AGERGS - Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS. Disponível em: www.agergs.rs.gov.br

ARCON - Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos do Pará. Disponível em: www.arcon.pa.gov.br

AGEAC- Agência Estadual Reguladora de Serviços Públicos. Disponível em: www.ageac.ac.gov.br

ADASA - Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal. Disponível em: www.adasa.df.gov.br

AGERO - Agência de Regulação de Serviços Públicos Delegados do Estado de Rondônia. Disponível em: www.rondonia.ro.gov.br/agero

AGERBA - Agencia Estadual de Regulamentação Serviços Públicos, Energia e Comunicações da Bahia. Disponível em: www.agerba.ba.gov.br

AGERSA - Agência Reguladora de Saneamento Básico do Estado da Bahia. Dis-ponível em: www.agersa.ba.gov.br

ARCE- Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará. Disponível em: www.arce.ce.gov.br

ARPB - Agência de Regulação do Estado da Paraíba. Disponível em: www. arpb.pb.gov.br

ARPE - Agência Estadual de Regulação de Pernambuco. Disponível em: www.arpe.pe.gov.br

ARSAL - Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas. Disponível em: www.arsal.al.gov.br

AGRESE - Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Sergipe. Dispo-nível em: www.agrese.se.gov.br

ARESC - Agência de Regulação dos Serviços Públicos de Santa Catarina. Disponível em: www.aresc.sc.gov.br

AGENERSA- Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: www.agenersa.rj.gov.br

AGETRANSP - Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transpor-tes Aquaviários, Ferroviários e Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: www.agetransp.rj.gov.br

ARES - Agência Reguladora PCJ. Disponível em: www.arespcj.com.br

A IMPORTÂNCIA DA ESTRUTURA DAS OUVIDORIAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGULAÇÃO

Revista Arsesp: 10 anos de Regulação - 2018: 1:44-48

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