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REVISTA

COSMOS Cultura – Pesquisa – Educação – Planejamento

Revista Cosmos fundada em 2003

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Editores António de Sousa Pedrosa

Elias Coimbra da Silva José Roberto Nunes de Azevedo

Tulio Barbosa

Conselho Editorial

Amanda Regina Gonçalves - UFTM Aires José Pereira – UFT

Airton Sieben – UFT Ana Maria Rodrigues Monteiro Sousa - Universidade do Porto

António José Bento Gonçalves - Universidade do Minho Antônio Marcos Machado de Oliveira – UFU

António Vieira - Universidade do Minho Carlos Augusto Machado – UFT

Cristiane Tavares C. de Oliveira – PUC - SP Edson Rosa de Almeida – SEE–SP

Evandro Correia Pedro - ANA Fernando Manuel da Silva Rebelo - Universidade de Coimbra

Francisco Carlos de Francisco – UFRRJ Francisco da Silva Costa - Universidade do Minho

Gláucia Carvalho Gomes – UFU João Manoel de Vasconcelos Filho – UFRN José Roberto Fernandes Castilho – UNESP

Laura Maria Pinheiro de Machado Soares - Universidade do Porto Leda Correia Pedro – UFU

Lourenço Magnoni Júnior - FATEC – SP/ AGB-Bauru Luciano Lourenço - Universidade de Coimbra

Maria Beatriz Junqueira Bernardes - UFU Marcelo Cervo Chelotti – UFU

Mirlei Fachini Vicente Pereira – UFU Paula Remoaldo - Universidade do Minho

Paulo Roberto de Almeida – UFU Rafael Montanhini Soares de Oliveira – UFTPR

Rubens Germano - ANA Sérgio Luiz Miranda – UFU Sérgio Paulo Morais – UFU

Vitor Koiti Miyazaki – UFU Wellington dos Santos Figueiredo – CEETEPS – SP/AGB-Bauru

Revista Cosmos 2014 v.7 n.2 p.1- 81 Abr./Jun. ISSN – 1679-0650

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COSMOS Cultura – Pesquisa – Educação – Planejamento

A Revista Cosmos é um veículo científico independente.

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A Revista Cosmos, periódico científico independente, com periodicidade quadrimestral, fundado em 2003, publica trabalhos sobre temas de cultura humanística, científica e tecnológica. Plural defende a liberdade de expressão e o debate livre, crítico e democrático. Promove a construção múltipla de todas as áreas do conhecimento geográfico e áreas afins das ciências humanas. Estimula o debate político, filosófico e científico. Fomenta a divulgação de ideias e ações que permitam a constituição de um mundo mais democrático, fraterno, solidário, igual e plural.

A Revista Cosmos não se responsabiliza pelas opiniões dos autores, pois a mesma é apenas espaço para divulgação de ideias.

Imagem da capa: Elias Coimbra da Silva Diagramação: Tulio Barbosa

Revisão: José Roberto Nunes de Azevedo e Lígia Mendes de Oliveira

Revista Cosmos 2014 v.7 n.2 p.1- 81 Abr./Jun. ISSN – 1679-0650

Revista Cosmos (Pres. Prudente – SP) – Vol. 1 - nº 1, 2003

– Presidente Prudente – SP, 2003 – il.

Periodicidade: Quadrimestral.

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EDITORIAL É com muita satisfação que lançamos mais um número da Revista Cosmos a qual nasceu de um sonho de estudante e que no decorrer dos últimos 11 anos tem se tornado um importante veículo de debates no âmbito da Geografia e das Ciências Humanas. São muitos os autores que já aludiram ao fato de que o Geógrafo, ao lado de outros cientistas sociais, lutar por um espaço verdadeiramente humano e, neste sentido, compreender a dinamicidade das mudanças e das condições do mundo atual em uma perspectiva crítica e engajada com as demandas da sociedade. A Revista Cosmos desde sua gênese irrompe no cenário acadêmico comprometida em termos políticos e em (re)inventar as formas e os conteúdos pelas quais costumeiramente se produz o saber institucionalizado. Tão logo, procuramos compreender o mundo em suas múltiplas facetas – político, social, econômico e cultural – sendo o papel do Geógrafo caminhar pelas trilhas das intervenções e da responsabilidade com o mundo que o cerca e as relações que daí emanam. Portanto, justamente a partir dessas questões tão caras à Geografia, envolvendo seu papel na rasteira de uma sociedade desigual sob o jugo histórico do capital, que apresentamos o posicionamento dos professores e pesquisadores que analisam em seus textos, desde a interface religiosa a partir da discussão do artigo “Protestantismo brasileiro a (re)produção religiosa através da escola dominical” de Flávia Silva Cruz Brunner; passando pela perspectiva ambiental, econômica e alimentar em “Notas sobre a atividade pesqueira e aquícola”, por José Roberto Nunes de Azevedo; até alcançar a leitura e o debate de temas e dos contextos da educação e do ensino institucionalizado a partir, respectivamente, das contribuições de Victor Hugo Soliz que apresenta o artigo “Informação conhecimento e saber” e Rafael Correia Rocha a partir de “O Professor, o Narrador e o RPG”. José Roberto Nunes de Azevedo Editor da Revista Cosmos

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SUMÁRIO

DO PROTESTANTISMO BRASILEIRO À (RE)PRODUÇÃO RELIGIOSA ATRAVÉS DA ESCOLA DOMINICAL

BRUNNER, Flávia Silva Cruz......................................................07

NOTAS SOBRE A ATIVIDADE PESQUEIRA E AQUÍCOLA AZEVEDO, José Roberto Nunes de...........................................33

INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO E SABER – ENTENDENDO A BASE DO PROCESSO PEDAGÓGICO PARA QUEBRAR MITOS

SOLIZ, Victor Hugo......................................................................46

O PROFESSOR, O NARRADOR E O RPG ROCHA, Rafael Correia................................................................61

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DO PROTESTANTISMO BRASILEIRO À

(RE)PRODUÇÃO RELIGIOSA ATRAVÉS DA ESCOLA DOMINICAL

BRUNNER, Flávia Silva Cruz1

Resumo: O presente artigo trata das diversas vertentes do protestantismo tradicional, da qual o pentecostalismo deriva e sua chegada ao território brasileiro. Também explora a situação de como a pedagogia pentecostal é materializada no espaço da escola dominical através de uma metodologia específica de fácil entendimento e interação entre os membros. E como a igreja lança mão de uma estrutura complexa para com que seus membros sejam ativos na propagação de sua doutrina, independente da faixa etária na qual se encontram. Palavras-chave: escola dominical, pedagogia pentecostal, método, aprendizagem, protestantismo brasileiro.

OS PROTESTANTES NO BRASIL2 1 Geógrafa, Pedagoga e Mestre em Educação pela UNESP, Doutora em Educação pela Universidade de Bamberg. 2MENDONÇA, Antonio Gouvea; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo : Loyola, 1990. pág. 210: “O protestantismo de Weber não tem condição de entender o problema estrutural da pobreza. Para ele, o protestantismo viu a pobreza como problema individual. Só a conversão individual poderia tirar o ser humano de sua situação de pobreza. A conversão do indivíduo, um após o outro, transformaria a sociedade. Weber não viu o espírito do capitalismo à luz da ética protestante. Ao contrário, viu o espírito do protestantismo à luz da ética capitalista. O foco foi invertido. A essas críticas Rubem Alves acrescenta um dado importante: as teses

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“O que chamamos de ‘protestantismo brasileiro’ na verdade são vários protestantismos. Esses protestantismos se inseriram no Brasil primeiramente como resultado do movimento imigratório iniciado no começo do século XIX, depois em decorrência da grande expansão missionária ocorrida na mesma época. Esse quadro torna-se ainda mais complexo com a eclosão do pentecostalismo, tanto ‘clássico’ quanto de cura divina, e com o estabelecimento no país de um grande número de organizações protestantes desvinculadas das Igrejas tradicionais.”3

A Igreja católica foi a religião oficial no Brasil entre 1500 e 1889, quando a República a separou do Estado. Esta garantia de exclusividade provocou uma certa acomodação na Igreja, pois todos eram católicos.

A Inquisição garantia a homogeneidade católica da nação. A falta de melhor trabalho de evangelização, de catequese acabou por transformar o catolicismo mais numa herança cultural, sociológica, do que numa convicção de vida. A situação mudou, no século XIX, por dois motivos:

1.na esfera política, os liberais pensavam que o protestantismo era a religião da democracia e do progresso;

2. as grandes imigrações alemãs e os comerciantes ingleses, que colocaram o catolicismo face a face com um interlocutor diferente: o protestante.

Das tentativas de implantação do protestantismo em terras brasileiras, é possível citar:

Os Calvinistas, que em 1555: Villegaignon, calvinista francês, conquistou a baía da Guanabara e realizou o primeiro culto calvinista no Brasil. Entusiasmado, Calvino enviou para o Brasil o pastor Jean de Lery, que realizou cultos e atos religiosos calvinistas durante os cinco anos de ocupação francesa. Em 1630: Os holandeses conquistam Pernambuco,

de Max Weber não tiveram aplicação na América Latina. O protestantismo que Weber descreveu não chegou aqui. No Brasil, a ética protestante é interiorizada e individualizada. O fiel recorre à disciplina comportamental não para transformar o mundo, mas para dominar-se e reprimir-se. Ele tem consciência/crença de que é diferente e de que o mundo seria bem melhor se todos fossem iguais a ele.” 3 MENDONÇA, Antonio Gouvea; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990. pág. 11.

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dominando, por 24 anos, 14 capitanias no nordeste brasileiro. Eram calvinistas e, com a chegada de Maurício de Nassau, implantam a estrutura religiosa calvinista. Até 1654 foram organizadas 24 Igrejas e congregações. Foram relativamente tolerantes com os católicos e acabaram também por adotar a escravatura. A experiência terminou com a derrota holandesa.

Os Protestantes de imigração alemã: Em 1824, teve início a imigração alemã e, com ela, chegou ao Brasil a Igreja Evangélica de Confissão Luterana. A missão alemã procurou logo enviar pastores para seu atendimento e, ao mesmo tempo, fundar escolas onde pudessem cultivar a língua alemã e o aprendizado da Sagrada Escritura.

A Igreja luterana se considerava uma Igreja étnica, isto é, voltada apenas para os imigrantes e seus descendentes. Sua expansão, até hoje, se identifica com a presença do imigrante de origem alemã.

Como o catolicismo era a única religião permitida no Brasil, aos evangélicos era permitida a construção de lugares de culto, mas sem sinais exteriores, isto é, sem torres, crucifixos nem sinos. O único matrimônio reconhecido era o católico. Deste modo, os filhos permaneciam ilegítimos e os casais amasiados. Só com o Decreto 1144, de 1863, concedeu-se aos ministros evangélicos o direito de celebrar o matrimônio com efeitos legais.

O mérito da Igreja luterana, sobretudo no atendimento aos imigrantes, foi grande. Seus pastores foram conselheiros, juízes, professores, médicos. Ao redor da Igreja e da casa do pastor, a comunidade encontrava rumo para sua vida.

A SEDUÇÃO PROTESTANTE

Depois da Independência (1822), os políticos liberais, fascinados pelos Estados Unidos, achavam que o progresso viria só com o protestantismo. Mas, percebendo a vantagem de controlar a Igreja Católica, preferiram o caminho da reforma do catolicismo por dentro.

O projeto tornou-se claro com a lei de 1855 que fechou todos os noviciados e proibiu às Ordens religiosas de receberem novos vocacionados até uma nova lei que nunca saiu, causando o esvaziamento dos conventos e mosteiros. Quando foi proclamada a República, em 1889, não chegavam a 10 velhinhos os membros da Ordem franciscana.

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O mesmo Estado que fazia questão de ser oficialmente católico, empenhava-se em privar a Igreja de seus quadros. Isso revela uma face permanente das elites brasileiras, de ontem e de hoje: o desprezo pelo povo, por seus costumes e fé.

METODISTAS E PRESBITERIANOS

Em 1835 chegou ao Brasil o jovem pastor F. Pitts, enviado pela Conferência Geral da Igreja Metodista Episcopal dos EUA. Iniciou assim a propaganda explícita do protestantismo no Brasil. Destacou-se, entre outros, o pastor Daniel Kidder que, preocupado com o alcoolismo reinante, promoveu a fundação de Sociedades de Temperança. Um dos projetos dos metodistas era a propagação da Bíblia. Isso recebeu inclusive a colaboração de católicos.

A missão protestante teve continuidade em 1859, com a chegada de pastores da Igreja Presbiteriana. Dentre eles, cita-se A. Simonton e A. Blackford. Grande colaborador foi o ex-padre paulista José Manuel da Conceição, primeiro pastor presbiteriano brasileiro. Conceição retornou às paróquias onde tinha trabalhado, nelas instalando comunidades evangélicas.

A ação protestante dirigiu-se sobretudo aos imigrantes evangélicos e aos trabalhadores da indústria e dos cafezais. Foi para eles que, a partir de 1910, entraram a Assembléia de Deus e a Congregação Cristã, das quais praticamente derivam todos os pentecostais.

Embora desprezados, tanto pelo catolicismo como pelo protestantismo histórico, seu estilo popular conquistou as massas marginalizadas e migratórias do Brasil.

Os evangélicos, num primeiro momento, achavam que não deveriam vir para a América Latina, pois, de certo modo, era cristã pelo catolicismo. Mas chegaram à conclusão de que o catolicismo, com suas devoções e imagens, era pagão. Explica-se assim seu esforço em "cristianizar" o continente católico.

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DO MESSIANISMO NORTE-AMERICANO AO PROTESTANTISMO BRASILEIRO

O protestantismo no Brasil seguiu sendo uma projeção do protestantismo nos Estados Unidos. De maneira direta ou indireta, as Igrejas brasileiras, geralmente as de origem missionária, bebem da fonte do ideário da religião civil norte-americana.

Nem sempre as Igrejas norte-americanas são fiéis ao antigo ideário dos seus fundadores imigrantes protestantes da Europa, em busca de liberdade religiosa houve choques e atritos que se propagam em ondas até as Igrejas brasileiras. É relevante citar este fator pois, sem isto ficaria complicado compreender o comportamento das Igrejas brasileiras quanto às doutrinas e a sociedade civil inserida. O protestantismo e pentecostalismo no início do século XX, por serem minoritários no Brasil, estavam sujeitos ao reforço constante de auto-identificação e acabavam por acompanhar os acontecimentos dos Estados Unidos mesmo descontextualizados da nossa realidade. Por isto ocorriam ondas de conservadorismo, ocorria o choque quando, por exemplo, o protestantismo mostrava nuances inovadoras, como o apoio á idéia da República.

No momento em que o protestantismo chegou por aqui, vindo dos Estados Unidos que se encontravam com sua sociedade bem mais adiantada e desenvolvida do que a nossa, foi recebido como algo de vanguarda e moderno. Portanto, lá eles estavam buscando recuperar antigos valores e, por aqui, na carona, as Igrejas se agitavam buscando estes valores que nunca fizeram parte da cultura e sociedade brasileira.

No passado o protestantismo brasileiro apontava para o ‘futuro’, hoje ele aponta para um passado, um passado que nunca existiu em nossa sociedade. O que acaba por agravar o descompasso entre a sociedade e o protestantismo. Estes conflitos dos valores ideais que fundaram os Estados Unidos, ainda são estranhos à grande parte da população não-protestante, não-pentecostal brasileira.

Mas não podemos negar que as virtudes do protestantismo: incentivo à piedade individual e da independência pessoal para a obtenção da salvação; ainda a ética ligada à rejeição do mundo que vai ao encontro

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daqueles que estão insatisfeitos com a sociedade vigente desajustada e desigual como o Brasil

No pentecostalismo, o púlpito deixa de ser o lugar privilegiado do pastor e dá acesso ao crente comum, mesmo com pouca instrução escolar formal. O pentecostalismo proporciona, sem sombra de dúvidas, uma atmosfera de acolhimento e de reconhecimento da pessoa, com a ressocialização e recomposição da conduta do indivíduo.

O convertido4, ou novo crente, tem o compromisso de veicular a nova identidade religiosa. É um jogo dialético entre semelhanças e diferenças no qual a sua opção religiosa enfrenta as demais alternativas.

A produção religiosa não se reduz em realizar um rito, como o batismo, pregar, ou realizar curas de modo isolado. É, primeiramente, um processo que efetiva o pentecostalismo, e em um contexto histórico vai se construindo.

A estrutura religiosa, incluindo o pentecostalismo, é dinâmica, está em constante transformação. O que faz com que os membros se sintam invés de verticalizados perante à liderança, horizontalizados, ou seja, nem abaixo, nem acima, portanto como iguais. As crenças são produzidas e reproduzidas mediante a ação dos agentes relacionados entre si e também inseridos numa esfera social maior.

É relevante ainda, distinguir duas faixas de ritos, nos quais as crenças são concretizadas: os que exigem a mediação de um agente especializado, ou oficiante que os realiza (ex: batismo nas águas e santa-ceia) e aqueles que não necessitam um mediador (ex: orações coletivas, orar e falar em línguas estranhas). São sobretudo, esferas interligadas.

Outro ponto para reflexão é quanto aos condicionamentos religiosos nestas faixas inseridos, o mais ligado à pregação e aos cultos se trata da escola dominical.

A escola dominical é um dispositivo institucional com a tendência de gerar um espaço no qual crenças e ritos são fortalecidos e direcionados. A escola dominical perpassa os cultos e a pregação, e é destinada à aprendizagem e leitura dos textos bíblicos, atua pois como um dispositivo

4 Segundo Waldo Cesar, 1999 pág. 47, conversão na sua origem hebraica e grega traduz a idéia radical de mudança de caminho, de voltar-se, afastar-se do que é mal e voltar-se para Deus, ter um novo comportamento.

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diretamente orientador e imprime uma determinada linha de elaboração de crenças.

Segundo Rolim, (1985, p. 186): Aprendizagem da Bíblia através da leitura literal dos textos na escola dominical responde em grande parte pela inculcação do ideário pentecostal. Ideário que vamos encontrar se reproduzindo nas pregações em praças públicas e5 nos cultos. É na escola dominical que o recém-convertido, proveniente do catolicismo, começa a ter os primeiros contatos com as páginas do Livro Sagrado.

O recém-convertido vai aprender na escola dominical muito mais do que os versículos e capítulos bíblicos, quantos e quais são os livros do Novo e do Antigo Testamento. Ali, vai manusear a Bíblia com desenvoltura e ler sobre a manifestação de um Deus e uma gente que vivera em terras distantes em outros tempos. A Bíblia passa a ser um livro que empolga. Muitas vezes o entusiamos do novo-crente é a experiência religiosa anterior quando era cercado de estórias de santos milagrosos, incluindo o santo protetor. Muitas gerações foram alfabetizadas através das escolas dominicais, lendo a Bíblia com outros membros.

Na escola dominical, diferentemente dos cultos há nas Assembléias de Deus, uma separação de sexos entre os adultos e uma separação por faixa etária. Esta separação, durante o período de duração da escola, faz com que os membros desenvolvam uma ligação mais intensa entre si e uma identificação maior com a denominação, pois passam a agir ao discutir os assuntos pertinentes à lição semanal. O indivíduo tem seu papel ativo dentro do templo, no momento que os outros membros o escutam, e discutem com ele as ideias sobre o assunto estudado.

A escola dominical é frequentada por adultos e crianças, segundo nos aponta Novaes, 1985, pág. 77. Portanto, ter um bebê de colo ou uma criança menor de três anos de idade não impede que os pais deixem de ir à igreja, ou seja, não há o rompimento do vínculo com a denominação. Além

5 As pregações em praças públicas dos pentecostais no Brasil eram muito populares nos anos 1970 e 1980, atualmente as estratégias são outras, usando-se dos meios de comunicação de massa: rádio, televisão aberta, internet.

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disto, os conceitos e doutrinas são reproduzidos em forma de canções para crianças pequenas para que haja, desde a mais tenra idade a construção do elo entre indivíduo e denominação. Tem como objetivo o conhecimento do evangelho e a transmissão de valores, atitudes e comportamentos próprios ao crente, independente da fase da vida na qual se encontre, cronologicamente falando. A função primordial da escola dominical é a separação do crente das “coisas do mundo”: vícios (fumo, bebida e jogos), moda, festas e danças. Novaes, aponta ainda que “... a infidelidade conjulgal, conflitos com parentes e vizinhos ou desconhecidos, contraimento de dívidas são comportamentos que o crente deve, a todo custo, evitar.”

A estratégia pedagógica usada em alguns momentos, é a repetição, o método utilizado nas experiências de Skinner6 de estímulo e resposta. A melhor maneira de incultir uma idéia é, repetí-la. Deste modo, os conceitos reproduzidos na escola dominical vão sendo gravados na memória das pessoas (desde crianças muito pequenas aos idosos), um certo número de frases da Bíblia, conhecidas como verso-áureo. Essas frases carregam consigo idéias sobre o poder de Deus, sobre a vinda de Cristo e que na Bíblia, é possível encontrar respostas para todas as perguntas.

Há uma divisão do trabalho religioso na escola dominical, ou seja, uma verticalidade na aprendizagem da Bíblia. De um lado, o trabalho intelectual (os que pensam, escolhem e determinam o tipo de comentário e como deve ser transmitido) e do outro, os executores, ou os professores, sob a supervisão de um líder. A atmosfera é de respeito, mas há uma camaradagem com que deixe as pessoas à vontade para falar, participar.

6 A psicologia behaviorista acaba reduzindo o comportamento humano a respostas condicionadas, colaborando para a crença na possibilidade de manipulação do comportamento humano, tese, aliás, sustentada por seus seguidores, entre os quais merece destaque o norte-americano B. F. Skinner (1904-1990), bastante estudado e divulgado aqui no Brasil. O behavorismo reflete a concepção empirista do desenvolvimento e aprendizagem humanos, já que as forças externas ao ser humano são determinantes no seu comportamento. Sendo assim, a antropovisão contempla um ser passivo, sempre sujeito às manipulações do meio, onde as relações manipulador/manipulado ficam evidenciadas nos papéis representados por: pais/filhos, professor/aluno, patrão/empregado etc.

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Nas Assembléias de Deus, que tem uma organização mais estruturada, em comparação à outras denominações populares (ex. Deus é Amor) há na escola dominical a orientação dos trabalhos segundos as “Lições Bíblicas”, que se trata de uma publicação elaborada por um grupo de pastores escolhidos pela Convenção Nacional, e é editada pela Casa Publicadora das Assembléias de Deus.

Não podemos esquecer que, no pentecostalismo a linguagem não verbalizada é abundante e extremamente relevante. O templo enquanto espaço concreto e o a comunicação não verbal funcionam como um corte com o mundo e também de contestação. Segundo Rolim (1985, p. 200):

Considere-se que o traje dos crentes, apesar do rigor moralista que exprimem, são símbolos da sociedade onde vivem. Entretanto, tão logo começa a oração coletiva, as pessoas parecem vultos estranhos. Dos homens com seus ternos bem passados, gravata preta, das mulheres com seus vestidos compridos e sem decotes, irrompem gestos em desalinho, em total desacordo com os trajes que vestem. Não seria exagero pensar que naquele momento o simbólico das roupas é esmagado, destruído pela força de um outro simbolismo, criado e apropriado, o não-verbal religioso.

Mesmo o grupo sendo especificamente religioso, fechado na aparência e voltado para o sagrado, exterioriza que as relações sociais o perpassam. Percebe-se aí, que a busca da proteção divina e a exaltação do Espírito Santo, são indicativas de apelo a um poder extra-social.

Ora, o social está de algum modo presente na produção religiosa, mesmo que muitas vezes os crentes não o perceba. No pentecostalismo há ainda o mito do grupo, isto é, quando o crente entra no grupo pentecostal tem o sentimento de segurança e proteção. De maneira sutil, é exigido que abandone outros tipos de grupo, mesmo quando a identidade religiosa se estende a estes e os contamina.

O pentecostalismo brasileiro foi e é um produto social. A experiência pentecostal, de forma particular implantada no Brasil, está em movimento.

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As classes populares que fazem parte deste, pôde descobrir aspirações mais profundas e exigem participação na sociedade.

Em nossa sociedade há ainda um certo pensamento no qual os pentecostais acabam sendo identificados mais pelo que não são ou não fazem: os pentecostais/protestantes não fumam, não bebem, não dançam, não tem vida sexual extramatrimonial e não se vestem de acordo com a moda divulgada na mídia “mundana”. Este pensamento tem seu sentido quando pensamos que as Igrejas protestantes brasileiras, identificam a conversão ao evangelho com a rejeição da cultura vigente e a adoção de diferentes padrões culturais, que se associam comportamentos presididos pela congregação local. Esta negação dos costumes da sociedade, faz com que o grupo se identifique como escolhidos por Deus, como especiais sob os olhos de Deus. Diferentemente do que a sociedade imagina, há um orgulho em se ver diferentemente do resto da massa, há um sentimento de status pro não pertencer à massa consumidora dos bens culturais mundanos.

Apresento, portanto, algumas contribuições dos protestantes/pentecostais à sociedade brasileira:

a) Democratização da estrutura religiosa, que se manifestava através do exercício de eleições, com a participação dos fiéis, para o estabelecimento de direitos, formação de estatutos e deliberação sobre assuntos organizacionais;

b)Ascenção do leigo não só na organização eclesiástica, mas os próprios momentos de adoração, o que dá um aspecto de promoção social, principalmente face às camadas mais humildes da população, validando as aspirações de mobilidade social;

c)Contribuição para a secularização da sociedade através da apresentação de um universo simbólico alternativo, com o aparecimento de novas religiões no cenário nacional;

d)Divulgação de uma pedagogia mais moderna, nas escolas dominicais, que será abordada no capítulo IV;

e) Uma valorização do uso da música, mas no princípio a hinologia era de base estrangeira.

Vemos aí, que dentro da prática religiosa pentecostal, neste caso das Assembléias de Deus, a produção e reprodução da ideologia dominante. Aparecendo enquanto sistemas de pensamentos, crenças e normas que

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acabam por serem parte de uma regulamentação social e que segundo Chauí7 “se reproduz inconscientemente em cada um de nós”. A ideologia dominante dentro do pentecostalismo exprime comportamentos típicos de um grupo, o grupo de assembleianos, é um elemento da consciência coletiva dentro da estrutura social que sempre está em movimento. César (1999, p. 57) aponta:

O aglomerado humano que enche os templos, membros da igreja ou simples agregados, na sua grande maioria é constituído de homens e mulheres partícipes da multidão dos pobres que formam o grosso da população brasileira. Somente algum tipo de extraordinária transformação de vida pode levar esta radiosa aceitação de uma Providência capaz de conviver com os mais humildes membros da espécie humana – e oferecer-lhes uma esperança que transfigura em vitória situações normalmente associadas à frustração e ao desespero. Alienação? Fanatismo? Ingenuidade?

A estratégia mais usada para a expansão pentecostal foi e ainda é sem

dúvida a educação, o adulto se reeduca e levam as crianças novos costumes, que são mais facilmente construídos. A ESCOLA DOMINICAL NAS ASSEMBLEIAS DE DEUS: UMA PEDAGOGIA PENTECOSTAL

De acordo com Gilberto, 1998, pág. 18: “A escola dominical nasceu como um movimento entre as crianças.” Portanto, o ensino bíblico deve ser voltado também a elas. Como a escola dominical, nada mais é do que a escola de ensino bíblico da igreja que cumpre o papel de evangelizar, e ensinar ao mesmo tempo. Devemos pensar que existem objetivos definidos à escola dominical ao invés de termos idéias de que se tratam apenas de uma simples reunião de domingo.

7 CHAUÍ, Marilena. Crítica e Ideologia. In: Cadernos SEAF. Petrópolis : Vozes, ano 1, n. 1, ago./1978, pág. 18.

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O autor ainda compara o crescente interesse no campo da instrução secular, ou seja, do ensino laico da escola formal com o que chama de educação. Antonio Gilberto coloca que a infância tem sido um período extremamente explorado no que tange a instrução secular e que cabe à igreja e ao lar a educação, frisando a educação bíblica.

O futuro do novo convertido (infante ou adulto) depende do que lhe for ensinado agora. Nesse sentido, o alvo do professor deve ser o de ajudar cada aluno convertido a viver uma vida verdadeiramente cristã, em inteira consagração a Deus, sendo cheio do Espírito. (GILBERTO, 1998, p. 22).

PEDAGOGIA ASSEMBLEIANA

Como a escola laica possui sua pedagogia, ou seja, pauta sua organização e prática educativa segundo a arte ou ciência pedagógica, lançando mão de objetivos, métodos e currículos, as Assembléias de Deus também possuem uma pedagogia própria na organização e prática da escola dominical.

A escola dominical provê, sobretudo o ‘treinamento espiritual’. Tendo como objetivos: cada aluno um crente salvo, cada salvo bem treinado, e cada aluno treinado, um obreiro ativo, diligente e dinâmico.

Gilberto comenta que as Assembléias de Deus no Brasil mesmo sendo o maior movimento pentecostal em todo o mundo, não explora na totalidade o potencial da escola dominical. A vítima deste descuido é a criança. Faz-se, portanto, necessário uma maior orientação e cuidado na formação de professores da escola dominical. Gilberto (1998, p. 24):

Nossas crianças levam em média quatrocentas a quinhentas horas anuais na escola de instrução secular, preparando-se para uma vida terrena tão curta. Não podem elas passar pelo menos 52 horas Escola Dominical, preparando-se para a outra vida, que é eterna?

A escola dominical das Assembléias de Deus tem uma organização

com base em princípios bíblicos. Colocam que sem ordem não há

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crescimento e que a energia sem controle é estéril, prejudicial e perigosa. A seguir, um quadro que esclarece a idéia de organização geral da escola dominical:

Tabela 1 – Organização Geral da Escola Dominical

Geralmente, a escola dominical deve ter uma diretoria, mas tudo

depende do tamanho da escola. Numa escola de grande porte se faz necessário: superintendente, vice-superintendente, 1º secretário, 2º secretário, tesoureiro, bibliotecário e dirigente musical. A música nas Assembléias de Deus tem um papel muito importante, ela entretem e também transmite em seu texto, os valores da denominação. No caso dos membros não alfabetizados, seu impacto é bastante forte.

Quando se trata de uma escola dominical pequena, o obreiro pode sim acumular funções para não ficar preso às formalidades e perder a funcionalidade da escola dominical. Mesmo assim, há em grupos pequenos a reprodução dos textos, valores em uma atmosfera mais familiar, e de profundo respeito.

A denominação recomenda ainda, que os professores da escola dominical sejam obreiros com os seguintes requisitos: ser “um crente salvo”, ser membro da igreja, ter bom testemunho (seguir um comportamento de acordo com as normas da denominação), querer servir ao Senhor, estudar a Bíblia, ser batizado com o Espírito Santo, frequentar as reuniões com os

Organização Pessoal Organização Material Organização Funcional

Oficias da escola dominical: diretoria

O prédio: prédio apropriado com salas de aula independentes.

Espiritualidade: oração, conduta cristã e consagração

Professores da escola dominical: o corpo docente.

O mobiliário: deve estar de acordo com a idade dos alunos.

O ensino da palavra: deve ser livre de extremismos, fanatismos e doutrinas falsas.

Alunos da escola dominical são o corpo discente ou ‘matéria-prima’.

O material didático: literatura diversa de acordo com o currículo bíblico.

Eficiência através de professores idôneos e treinados independente da idade.

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outros professores e preparar-se sempre para o exercício desta função. Há destaque para o preparo dos professores do setor infantil pois a responsabilidade é tida como maior. No caso das Assembléias de Deus do Ministério do Belém na igreja Sede de Presidente Prudente, as professoras das crianças ainda não alfabetizadas eram de fato professoras formadas e já com longa experiência no magistério “mundano”, portanto possuiam um sistema internalizado de como ensinar crianças pequenas.

Um sistema de sanção existe para que os membros procurem seguir os preceitos básicos da denominação. Caso haja denúncia de comportamento contrário ao que a denominação recomenda, este é discutido com a liderança e o membro pode ser suspenso ou até mesmo expulso. Membros suspensos não podem pregar, presidir cultos ou orações em residências, além de claro, não dirigir trabalhos religiosos em geral, o que inclui lecionar nas escolas dominicais.

Nas Assembléias de Deus, os alunos são agrupados por idade para se ter uma maior eficácia no ensino. São oito agrupamentos que ficam desta maneira:

até 03 anos de idade - berçário; 04 a 05 anos de idade – jardim de infância; 06 a 08 anos de idade – primários; 09 a 11 anos de idade – juniores; 12 a 14 anos de idade – intermediários; 15 a 17 anos de idade – secundários; 18 a 24 anos de idade – jovens; 25 anos em diante são adultos. Nos manuais da escola dominical das Assembléias de Deus

recomenda-se que nas classes para crianças até 12 anos de idade os melhores professores sejam moças e senhoras. Credita-se este fato segundo Gilberto 1998, pág 33 “A fala, O afeto, A expressão facial, Os gestos e A dramatização influem muito aqui.” As mulheres remetem à figura materna, o que não assusta as crianças e as fazem sentir “em casa”, como que em família.

A escola dominical deve ter matrículas feitas por um secretário e também quando os alunos vêm de outros templos, deve haver o processo

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de transferência como numa escola laica. Há ainda o departamento de lar e extensão que compreende: hospitais, prisóes, internatos, orfanatos, grupos de estrangeiros entre outros. Os contatos podem ser iniciados por visistas, correios ou telefone. Há uma organização estrutural da escola para que seja levada à serio pelos membros, amigos e familiares.

Na Sede das Assembléia de Deus do Ministério do Belém em Presidente Prudente, seguia fielmente os princípios da Convenção geral quanto à disciplina do horário de início, desenvolvimento e final da escola dominical. Começando ás 9h15min e estendendo-se até às 11h15min.

As Assembléias de Deus, na escola dominical fazem uso de um currículo próprio, que dizem ser devidamente dosado e incluí:

- a Bíblia (sua história, estrutura e mensagem); - doutrinas fundamentais, incluindo a da Salvação (segundo a

denominação); - a vida de Cristo; - a vida cristã; - a igreja (fundação, missão e futuro); - o lar; - homens e mulheres da Bíblia. Há o cuidado de sempre apontar que a escola dominical não substitui

o lar, diferentemente do que não se coloca atualmente nas escolas de ensino infantil e fundamental (públicas ou privadas) do nosso sistema laico de ensino, a escola dominical para as crianças nas Assembléias de Deus sempre avisam aos pais, que a escola dominical não é substituta dos pais tanto no ensino da Bíblia quanto na formação global das crianças. Há nas classes da escola dominical, destinada às crianças, sempre o apelo das professoras para que os pais cooperem com a escola dominical falando sempre a seu respeito em casa, ajudarem os filhos na lição, orar pela escola com os filhos, fazerem o possível para comparecer, além de serem assíduos e pontuais.

A escola dominical é vista pelas lideranças da igreja como extremamente necessária à difusão do ensino da Bíblia de modo contínuo e sistemático para que alcance toda a comunidade de crentes local.

A seguir dicas, segundo Gilberto (1998, p. 54-55) para uma escola dominical padrão:

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Dirigentes e professores fixos

Obreiros espirituais preparados e

assíduos

Reuniões semanais de obreiros. Reuniões

periódicas de negócios da Escola

Dominical. Cursos específicos para os

obreiros.

Classes e departamentos Organizados

Literatura graduada e equipamento

escolar

Dispondo de: currículo, biblioteca e

orientação pedagógica.

Secretaria organizada Com sala apropriada, pessoal e material

Crescimento real da Escola Dominical Confronto com o ano anterior. Novas

matrículas e novas escolas dominicais.

Mordomia cristã Uso do tempo, talentos e de finanças dos

membros, além de manutenção e missões.

Assistência aos cultos da igreja O aluno que frequenta a escola dominical

de dia é aconselhado a ser um fiel adorador

à noite.

Programa ativo de expansão e extensão Departamento do berço, departamento do

lar, escolas filiais e escola bíblica de férias.

Evangelização Prática do apelo. Capanhas evangelísticas.

Visitação. Literatura. Evangelismo

pessoal. Sua escola está na altura certa?

Tabela 2 – A 10 requisitos da Escola Dominical padrão

O ensino não deve ficar restrito à ideia de que o professor da escola

dominical deve apenas limitar-se a ler ou falar diante dos alunos. O professor deve, sobretudo, despertar, motivar e fazer com que os alunos se interessem para que caminhem juntos no processo de aprendizado.

A escola dominical das Assembleias de Deus possui um currículo próprio, ou seja, um grupo de assuntos organizados que constitui um curso de estudos, que é planejado e adaptado às idades e necessidades dos alunos. Nada mais do que um meio educacional para atingir os objetivos do ensino. O objetivo do currículo é o de preencher os requisitos: de apresentar Cristo como o centro da vida dos seres humanos, apresentar a Bíblia como

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regra de fé da denominação, visa edificar a igreja como um todo e o crescimento espiritual individual. Todo o currículo é organizado pelas editoras da denominação e distribuído em todo o território nacional.

A direção da escola dominical das Assembleias de Deus compara que a escola dominical se faz tão ou mais necessária que a “escola do Governo” ou “escola secular”, no caso das classes alta e média as escolas particulares conhecidas como “escolas do capital” que acaba tendo como desafio o desabrochar espiritual e a prática destes conhecimentos divinos. Mas como?

Bem, segundo Gilberto (1998, p. 60) os objetivos da escola dominical são:

1. O aluno e suas relações com Deus (Is. 64.8). 2. O aluno e suas relações com o Salvador Jesus (Jo 14.6). 3. O aluno e suas relações com o Espírito Santo (Ef. 5.18). 4. O aluno e suas relações com a Bíblia (Sl 119.105). 5. O aluno e suas relações com a igreja (Ef. 4.16). 6. O aluno e suas relações consigo mesmo (Fp 1.21). 7. O aluno e suas relações com os demais alunos e pessoas (Mc

12.31)

Para tratar da educação secular e da educação religiosa, os assembleianos ainda fazem a seguinte comparação: se toda criança é fisicamente imatura, ela precisa crescer e se ela ainda é mentalmente ignorante, ela precisa aprender. Como todo cristão, nasce novamente, segundo João 3.5, ele é espiritualmente imaturo(2º Pe 3.18) e precisa crescer, bem como espiritualmente ignorante e precisa aprender (Mt 11.29).

O plano de aula para a escola dominical das Assembleias de Deus é colocado pela liderança como “Apresentação da Lição”. Gilberto (1998, p. 71-72) exemplificada desta maneira:

Chegue cedo! Pelo menos 5 minutos antes da hora de começar a reunião da Escola Dominical. Antes do estudo da lição, o secretário da classe cuidará das seguintes providências preliminares:

Arrumação da sala.

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Apontamentos da classe, conforme sistema de registro adotado.

Boas-vindas aos visitantes.

Cumprimentos a ainversariantes.

Matrículas de novos alunos (usando o cartão de matrícula).

Etapas da lição da Classe: 50 minutos. 1º - INTRODUÇÃO DA LIÇÃO: 3 minutos.

- É ponto de contato com a classe. O fato utilizado para introdução deve ser bem apropriado.

Oração. Ore ou convide um aluno a fazer uma oração.

Boas-vindas.

Prender a atenção dos alunos.

Introduzir o assunto da lição, relacionando-o com as demais lições da série em estudo.

2º - EXPLANAÇÃO DA LIÇÃO: 30 minutos. É o corpo da lição ou aula, seguindo o esboço preparado. 3º - VERIFICAÇÃO DA LIÇÃO: 5 minutos. É a recapitulação dos pontos e verdades básicas da lição, seguida de perguntas e respostas. 4º - APLICAÇÃO DA LIÇÃO: 7 minutos. Uma das partes mais importantes da lição. É a aplicação das verdades bíblicas ensinadas à vida e necessidades dos alunos, bem como aos tempos atuais. A aplicação da lição corresponde, digamos, ao apelo na pregação. 5º - ENCERRAMENTO DA LIÇÃO: 5 minutos. É a entrega de tarefas e atividades aos alunos, avisos sobre trabalhos especiais na igreja etc.”

A liderança das Assembléias de Deus ainda aconselha o professor a tomar cuidado com a liguagem, tentando ser corretos e expressivos:

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pronunciando com perfeição as palavras traduzindo as idéias para fazer-se entender.

Há ainda, a questão dos métodos. As Assembléias de Deus colocam que Jesus também ensinava utilizando métodos. Mas não se deve esquecer que os métodos sozinhos não ensinam. São apresentados 8 métodos por Gilberto (1998, p. 76-79):

1. Método da preleção, ou método expositivo. Utilizado isoladamente traz mais desvantagens do que vantagens, além de ser nulo com os infantis; 2. Método de perguntas e respostas, ou método socrático. Tem como vantagem levar o aluno a participar ativamente da aula, não é restrito à idade do aluno; 3. Método de discussão, ou debate orientado. Acontece na seguinte sequência: pergunta/argumentação/análise/resposta, pode acontecer desorganização, confusão e aborrecimentos se o professor não for hábil o suficiente para conduzí-lo; 4. Método audio-visual. Quando se combina os dois canais poderosos de comunicação, que são o ver e ouvir. Tem grande valor no setor infantil; 5. Método da narração, que são as histórias. Pode-se usar a Bíblia, natureza, biografias e os fatos atuais.; 6. Método da leitura. O professor pede para os alunos lerem trechos da Bíblia ou da revista da escola dominical, funciona somente com alunos alfabetizados. 7. Método de tarefas, ou aprender fazendo. Pode usar-se: pesquisas, redação ou ainda trabalhos manuais. Só funciona efetivamente através de instruções claras por parte do professor. 8. Método demonstrativo: que é o ensinar fazendo. É excelente com as crianças pequenas pois pode-se usar marchas e cânticos com gestos, os conhecidos corinhos, além de dramatizações.

Outro recurso pedagógico usado na escola dominical das Assembléias de Deus são conhecidos como “acessórios de ensino”, aqui coloco alguns: quadros e gravuras coloridas, flaneógrafos de diferentes tipos, projetores de

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variados tipos (pensar no custo e finalidades), transparências e slides educacionais, retroprojetor, epíscopo, mapas bíblicos, livros de trabalhos manuais, lápis em cores, giz de cera, tinta guache e cartolina, dentre outros.

O professor da escola dominical das Assembleias de Deus é considerado um semeador e, portanto é aconselhado a conhecer o terreno que lança a semente, ou seja, o aluno. O professor deve “estudar” o aluno de diversas maneiras: observando-o, visitando-o para perceber a atmosfera em que vive, enfim, pesquisando a história do aluno e também obras especializadas e se houver possibilidade cursar Psicologia da Criança.

A faixa etária e de desenvolvimento que me interessa aqui é do berçário ao jardim de infância quanto ao aprendizado de conceitos ligados à denominação da Assembleia de Deus, portanto, nada mais lógico do que procurar entender as características da idade. São elas, segundo Gilberto (1998 p. 99-101):

a. Físico: rápido crescimento, inquietação, movimento, sentimento e dependência. As quatro atividades da criança nesta idade são: comer, dormir, brincar e perguntar. Os sentidos físicos funcionam com toda carga. Nesta época, eles são de suprema importância para a aprendizagem. O ensino ilustrado é de toda importância nesta fase. Crianças gostam de todo tipo de barulho, especialmente aqueles que resultam em ritmo.(...). b. Mental: aprendizagem pelos sentidos. Curiosidade. Imaginação. Credulidade. A alma da criança é como uma massa de modelagem: a forma que se der, essa fica; o que for ensinado é aceito e crido sem discussão, o que não se dá com jovens e adultos que têm em a faculdade da razão em pleno funcionamento, e concordam ou discordam conforme seu senso de valores, julgamento e conhecimento. A visão é por demais ativa, e a criança prende mais pela visão do que por qualquer outro sentido. (...) Seu período de atenção não vai além de três minutos.(...) c. Social: a criança até os cinco anos é notadamente egoísta, vindo com isso a imitação. Ela é o centro do seu próprio mundo. Só pensa em termos de ‘eu’. (...) A vida é uma série de hábitos - bons ou maus. Os que moldarão a vida são formados na primeira infância, precisamente até os quatro anos. Toda

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construção começa pelo alicerce, e aqui temos o alicerce da vida – a primeira infância. Passada esta fase, não volta mais. d. Espiritual: credulidade e confiança tranquila. A vida cristã no lar, num ambiente de oração e fé em Deus, fará a criança compreender a Deus como o Pai amoroso. A atividade dos sentidos irá ajudá-la a aprender as lições da natureza. A criança crê em tudo que lhe é dito. Deus deve ser apresentado como o Papai do céu.

Este conjunto de fatos apresentados foi comprovado na pesquisa de

campo na classe das Assembleias de Deus “Jardim de Cristo”, como mostro no capítulo seguinte. O que também é relevante entendermos é como acontece a aprendizagem bíblica no jardim de infância. APRENDIZAGEM BÍBLICA

Como a criança aprende os conceitos bíblicos de: Deus, Jesus e Espírito Santo? E os demais de certo e errado, salvação, morte, autoestima, dentre tantos outros? Ora, Ruth Beechick8 no seu trabalho com crianças na escola dominical nos Estados Unidos, mostra que há a tendência de superestimar a compreensão das crianças no jardim de infância. Ou seja, as crianças entendem Deus é uma pessoa e que criou muitas coisas, ainda observa todas as outras pessoas e cuida delas, mas: ‘Nesta faixa etária, ainda não são capazes de ver a Deus pelos seus atributos – amoroso, santo, justo, eterno... Elas o veem pelo que Ele faz. Nas histórias bíblicas. ’ Beechick (2003). A autora aconselha os professores da escola dominical para que cuidem e não caiam no erro de usar símbolos abstratos como se fossem concretos, dando um exemplo corrente nas classes e que não vi na pesquisa de campo:

Um exemplo disto é o uso do círculo para demonstrar o caráter eterno de Deus. ‘Vejam este círculo. Não tem começo, nem fim. Deus também é assim. Não tem começo, nem fim; Deus é eterno.’ Mais adequado seria apenas explicar que Deus não tem começo, nem fim. Ele não teve que nascer. Sempre viveu e

8 Como ensinar crianças do Jardim de Infância. Rio de Janeiro : CPAD, 2003.

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nunca morrerá. Deus viverá para sempre. O círculo somente traz confusão à explicação. (BEECHICK, 2003, p. 27-28).

Mesmo muitos adultos têem dificuldades para fazerem este tipo de

abstração de alto nível, pois o eterno é aquele que segue de maneira contínua e o círculo dá a idéia de retorno ao mesmo ponto. As crianças que nesta fase de desenvolvimento ainda não atingiram o pensamento simbólico e concreto não enxergam a beleza matemática do círculo. Beechick aconselha que no ensino do conceito de Trindade use-se como base somente a Bíblia, sem se prolongar com exemplos que também só fazem confundir.

A moralidade ou o certo e errado também podem e devem ser ensinados. Nas Assembleias de Deus coloca-se que atualmente a moral passou a ser um tema discutido na educação “secular” a educação das coisas do mundo e que há um padrão bíblico devido à tradição cristã no ocidente.

A – liderança das Assembleias de Deus consideraram, através de sua produção literária, que: quando se ensinar moral, sem a Bíblia, existe sempre um grande conflito por não haver um padrão absoluto e a ideia de que ninguém deve impor valores particulares ao outro. Os assembleianos concordam com a ideia de que as crianças do jardim de infância se defendam com palavras, mas acrescentem a isto que ‘Deus diz para sermos bons, amar ao próximo, tratar o outro como gostaríamos de sermos tratados’, assim os conceitos morais e religiosos seriam construídos juntos.

Beechick (2003) acrescenta que por meio das histórias bíblicas, podem aprender a ver, que as pessoas fazem de certo e errado e aprendem a palavra pecado e seu significado. Num primeiro momento as crianças aprendem o conceito de certo e errado, e posteriormente as consequências e daí, vem a punição quando fazem algo errado e a recompensa quando fazem algo certo.

Durante o processo de amadurecimento a orientação de punição-recompensa vai sendo substituída pela satisfação pessoal. A criança não terá necessidade da recompensa com tanta frequência, mas ainda será necessária. Kohlberg descreve como as crianças entendem o certo e o errado no jardim de infância, elas ainda estão presas ao interesse pessoal,

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ainda não pensam o fora de si. Vai aprender por intervenção externa, geralmente dos pais e interioriza aos poucos estes conceitos.

A ideia de se ensinar religião às crianças pequenas vem do pensamento de que ‘As crianças que são muito jovens para aceitar a Cristo, também são muito jovens para rejeitá-lo’ Beechick (2003, p. 32). Beechick (p. 36) mostra o pensamento dos pequenos quanto ao conceito de salvação:

As crianças do jardim dizem a seu s pais e professores: ‘Quero ser salva’ ou ‘ Quero dar meu coração pra Jesus’ ou qualquer outra expressão que tenha aprendido e que lhes seja familiar. Este não é o momento para dizermos: ‘Você tem certeza que compreende o que está fazendo? Deixe-me explicar o que a Bíblia diz. Nós todos pecamos...’ Precisamos ajudá-las a se aproximar mais de Deus. Algumas crianças parecer vir a Cristo quando fazem algo de errado e sentem que precisam de perdão. Outras, querem ser salvas, ou fazem parte da família de Deus, para que possam morar no céu quando morrerem. E outras, parecem estar tão ansiosas a fim de fazer o que se espera delas, qeu quando aprendem que Deus quer que lhe entreguem seus corações, o fazem.

Os pais e professores da escola dominical das Assembléias de Deus são aconselhados a ter paciênia ao ensinar sobre a salvação às crianças em diversos momentos e utilizando diferentes recursos, além de aguardar que a criança sinta a curiosidade e venha perguntar.

Quanto à idéia da morte, as crianças têem idéias interessantes a seu respeito nesta fase de jardim de infância. Primeiro a descrevem, pensando na morte apenas como uma “posição”, onde o morto é aquele que não se mexe mais. Ainda não tem o raciocício da irreversibilidade da morte. Depois do estágio de descrever a morte, passam ao estágio funcional, ou seja, aquele que morre não tem mais o funcionamento do corpo, até por fim, chegarem ao estágio abstrato de que a morte é um estado: causa disfunção e também a imobilidade, mas isto será inteiramente compreendido por volta dos 11 anos de idade. Na escola dominical ensina-se de que quem morre, vai morar no céu, com Jesus, quando o aceitou durante a vida.

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Bem, e onde fica a auto-estima do pequeno crente? Além da auto-estima ser um tema de grande preocupação, se faz necessário o cuidado ao tratar dele com os pequenos para não se educar crianças com baixa tolerância à frustração dizendo a elas por tudo e por nada que “você é especial”. Beechick, (2003, p. 41) coloca que na escola dominical:

Os elogios do professor precisam ser sinceros, baseados na realidade. As crianças podem aprender a se valorizar através dos seus esforços, melhoramentos, aprendizagem, gestos gentis, da ajuda ao próximo e de sua própria aparência. O elogio exagerado e falso dificilmente engana as crianças. E se alguma delas for enganada, somente contribuirá para que ele a pense de si mesma mais do que convém.

Já os conceitos de céu, inferno e anjos são bem mais simples de

serem explicados às crianças de quatro e cinco anos: os anjos são apresentados como seres que aparecem com grande luz ou como homens que trabalham trazendo mensagens de Deus nas histórias da Bíblia. O céu e o inferno são apresentados às crianças como última morada quando morremos. Na escola dominical e também em casa as crianças ainda aprendem que orar é conversar com Deus, e que Deus responde as orações através da Bíblia.

Os professores da escola dominical, principalmente das classes de jardim de infância, são orientados pela liderança das Assembléias de Deus a trabalharem os conceitos da denominação que ainda incluem ensinamentos bíblicos através dos seguintes recursos: histórias, arte, músicas e versos, jogos e movimentos.

Na pesquisa realizada na classe Jardim de Cristo, senti falta somente dos jogos, no restante, as professoras utilizaram inúmeros recursos para que as crianças construíssem a religiosidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diferentemente do catolicismo brasileiro, trazido pelos portugueses como religião oficial na colônia, o protestantismo chega ao Brasil dos Estados Unidos e tem sua democracia como porta de expansão. Democracia

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esta, entendida através da participação dos membros ativamente na expansão da doutrina da igreja. O membro das igrejas protestantes pentecostais não é passivo como o frequentador das missas, mas pode também pregar, cantar e ensinar os outros. Adquire uma importância dentro da denominação que faz com que sua autoestima dentro e fora do templo. A igreja precisa dele, sua mulher, seus filhos ensinam e aprendem ao mesmo tempo.

A escola dominical, que acontece nos templos das Assembleias de Deus do Ministério do Belém, é a materialização da pedagogia pentecostal em sua melhor forma: método, estrutura para todas as idades. Não é necessário ser alfabetizado para ser aceito por ela, os pequenos cantam, fazem gestos de acordo com as músicas, pintam desenhos bíblicos e ouvem as histórias que fazem parte do programa de ensino organizado pela igreja.

A escola dominical reproduz os valores religiosos que auxiliam na vida cotidiana dos membros. Neste quesito, a escola dominical educa o pequeno religioso para uma vida honesta, mesmo estando cercado de criminalidade, desonestidade e vícios. Por um lado o objetivo da expansão da denominação é alcançado, pois há sempre a chegada de novos membros, por outro lado, a perpetuação dos da ideologia e valores pregados para a fuga dos problemas sociais também aumenta.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEECHICK, Ruth. Como ensinar crianças do maternal. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. _______________. Como ensinar crianças do jardim de infância. Rio de Janeiro : CPAD, 2003. CESAR, Waldo; SHAULL, Richard. Pentecostalismo e futuro das igrejas cristãs: promessas e desafios. Petrópolis: Vozes, 1999. CHAUÍ, Marilena. Crítica e Ideologia. In: Cadernos SEAF. Petrópolis : Vozes, ano 1, n. 1, ago./1978, pág. 18. GILBERTO, Antonio. A escola dominical. Rio de Janeiro: CPAD, 1998. MENDONÇA, Antonio Gouvea; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990. NOVAES, Regina Reyes. Os escolhidos de Deus: pentecostais, trabalhadores e cidadania Cadernos do ISER nº 19. Rio de Janeiro: Editora Marco Zero, 1985. ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais no Brasil: uma interpretação sócio-religiosa. Petrópolis: Vozes, 1985.

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NOTAS SOBRE A ATIVIDADE PESQUEIRA E AQUÍCOLA

AZEVEDO, José Roberto Nunes de1

Resumo: O presente texto é resultado dos debates surgidos no âmbito da disciplina “Geografia e a questão pesqueira e aquícola” ministrada pelos professores Eduardo Schiavone Cardoso e Antônio Thomaz Júnior durante nosso doutorado em Geografia pela UNESP/Presidente Prudente-SP. A referida disciplina se estruturou a partir da discussão em torno da contribuição da Geografia para a análise dos processos de produção pesqueira e aquícola no Brasil considerando-se para isso a interface existente entre o ambiente terrestre e aquático no qual se realizam esta atividade econômica. Palavras-chave: Geografia, atividade pesqueira, atividade aquícola. INTRODUÇÃO

O presente texto é resultado dos debates surgidos no âmbito da disciplina “Geografia e a questão pesqueira e aquícola” ministrada pelos professores Eduardo Schiavone Cardoso e Antônio Thomaz Júnior durante nosso doutorado em Geografia pela UNESP/Presidente Prudente-SP.

A referida disciplina se estruturou a partir do debate em torno da contribuição da Geografia para a análise dos processos de produção pesqueira e aquícola no Brasil considerando-se para isso a interface

1 Doutor em Geografia pela FCT/UNESP/Presidente Prudente-SP. Membro do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT). Professor Efetivo da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo. Fundador e Editor da Revista Cosmos. E-mail: [email protected]

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existente entre o ambiente terrestre e aquático no qual se realizam esta atividade econômica.

Para alcançarmos o objetivo proposto partimos inicialmente da discussão teórica tendo em vista o contato com os principais autores e obras que versam sobre o tema, o que foi complementado mediante a apresentação de dados e informações sobre a atividade pesqueira que nos permitiu dimensionar a representação desse setor produtivo. Por fim, realizamos Trabalho de Campo em Presidente Prudente, Presidente Epitácio/SP e Nova Porto Quinze/MS. ASPECTOS TEÓRICOS DA ATIVIDADE PESQUEIRA

O interesse pelos estudos da atividade pesqueira pelas ciências sociais é relativamente recente uma vez que a preocupação centrava-se especialmente nos setores de produção numericamente mais importantes tais como a agricultura e o artesanato nas quais são possíveis identificar as transformações de forma mais clara; daí enfatizar-se no processo de sedentarização pelo qual passou a sociedade as atividades de caça e coleta, eminentemente terrestre, e raramente fazer menção a exploração das águas. (BRETON; ESTRADA:1989).

Ignorou-se, portanto durante muito tempo as relações estabelecidas entre as sociedades diretamente vinculadas as atividades pesqueiras e a natureza, sendo escamoteada suas particularidades, ou seja, seu caráter exploratório, os modos de vida de suas populações, a expressividade da sua produção e a própria interdependência dos fatores físicos para sua realização na medida em que diferentemente de outras formas de produção, esta é condicionada pelos ritmos da natureza.

Neste caso, é importante ressaltar que devido às características físicas de algumas porções do planeta esta atividade desenvolveu-se mais do que em outras. Assim, beneficiaram-se das benesses da água, dos seus recursos, os países que apresentam litoral mais expressivo, correntes marítimas propícias etc.

Contudo de acordo com Breton e Estrada (1989), as atividades marítimas cumpriram papel essencial na evolução da humanidade, seja

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através do abastecimento alimentar quer seja para fins simbólicos, a exemplo da utilização por sociedades asiáticas das conchas enquanto moeda.

Desta forma: “[...] não é de se estranhar, assim, que os homens primitivos, em sua imaginosa sacralidade, tributassem culto ao rio, como à floresta e ao monte.” (NÓBREGA: 1978, p.11)

Assim, os seres humanos têm buscado incessantemente ampliar a relação com o espaço ao seu redor, como forma de desenvolver as suas potencialidades políticas, econômicas e sociais, bem como para ampliar o domínio sobre a natureza. Logo: “[...] o homem não é apenas um habitante da natureza; ele se apropria e transforma as riquezas da natureza em meios de civilização histórica para a sociedade” (CASSETI: 1991, p.14).

Particularmente no caso brasileiro Diegues (1999), aponta que a pesca é uma atividade anterior a chegada dos colonizadores sendo parte importante da sua dieta alimentar.

Segundo Cardoso et al (2006, p.89): “[...] a pesca tem destaque por ocupar-se da extração de organismos aquáticos renováveis que, por sua vez, depende de outro recurso renovável, a água”. Trata-se assim de uma atividade que garante paralelamente o abastecimento alimentar sem comprometer a sustentabilidade do ambiente.

Diegues (1999) ressalta que a atividade pesqueira deu origem a inúmeras culturas litorâneas diretamente vinculadas a pesca das quais são exemplos os jangadeiros (nordeste), caiçaras (Rio de Janeiro e São Paulo) e Açorianos (Santa Catariana e Rio Grande do Sul).

É relevante nesse sentido o trabalho de Carvalho (1948) que relata a partir de uma análise bastante descritiva o cotidiano dos pescadores localizados no litoral leste do Estado de São Paulo, Bertioga. São apreendidos pela autora os elementos que marcam a paisagem e o cotidiano do pescador, com destaque para seu gênero de vida lembrando, pois, uma interface com Vidal de La Blache.

Bernardes e Bernardes (1950), atenta para a pesca no litoral do Rio de Janeiro, onde diferencia a pesca interior efetivada em lagoas e embocaduras de rios, da pesca marítima ou costeira, que ocorre predominantemente nas praias, envolvendo além de processos individuais aqueles que demandam a utilização de canoas e barcos de motor, realizados, por exemplo, para

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captura da sardinha2. Segundo os autores embora tenhamos o desenvolvimento de novas modalidades de pesca tal como a de traineira, predominam nesta porção do país os processos tradicionais de pesca.

Sette (1959), ao fazer o estudo sobre o Estado de Pernambuco, identifica o desenvolvimento da pesca industrial de atum promovido inicialmente pelos japoneses, caracterizado pelo emprego de tecnologia e equipamentos modernos em contraposição à presença anterior da pesca artesanal ao longo das praias na qual a utilização precária de utensílios de pesca, com base nas jangadas foi durante muito tempo uma realidade.

Lago (1961), constata que apesar da vastidão do litoral brasileiro e de condições físicas propícias para produção pesqueira não aproveitamos esta potencialidade, sendo que contribui negativamente para esta empreitada a utilização de formas rudimentares de produção.

Não podemos negligenciar neste contexto o papel do Estado o qual influenciou o caráter da exploração pesqueira no país através da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), criado nos anos de 1960, com o objetivo de estimular a implantação da pesca de base empresarial mediante a concessão de benefícios aos empresários para compra de equipamentos bem como incentivos fiscais.

De acordo com Diegues (1999), este projeto teve seu auge na década de 1970 e seu declínio na década seguinte em virtude da rápida sobrepesca dos bancos de camarões e algumas espécies de peixes, associado, a recessão econômica que limitou os recursos financeiros disponíveis em um primeiro momento.

Para Cardoso (2001), trata-se de um modelo que não se preocupou em atender as necessidades do conjunto dos pescadores, tendo como marco o uso intensivo de capital e tecnologia. O referido autor traça as características marcantes deste processo, vejamos:

Sujeitos alijados das políticas públicas da SUDEPE, os pequenos pescadores presenciaram suas áreas de pesca serem objeto de avanço da frota pesqueira de armadores e empresas acirrando a competição pelo pescado, viram-se subordinados por um mercado que, dominado por atravessadores de pescado, subtrai

2 A sardinha é a principal espécie de pescado no Brasil junto com o camarão e a lagosta.

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seus rendimentos e tiveram seus espaços de vida reduzidos pelo avanço da especulação imobiliária pelo litoral. [...] (CARDOSO:2001, p.81).

Contraditoriamente, em um momento em que a modernização e a

valorização do capital configura-se como uma característica importante da economia pesqueira3 temos a reprodução da pesca artesanal, a qual pode ser entendida como aquela que é: “[...]realizada dentro dos moldes da pequena produção mercantil, que comporta ainda a produção de pescadores-agricultores”. (CARDOSO: 2001, p.81).

Nesse cenário, uma opção interessante a se pensar diz respeito a aquicultura.

Conforme Roubach et al (2003), o Brasil apresenta um grande potencial em relação a aquicultura haja vista a abundância de água presente no território nacional contudo não tem sido aproveitado para geração de pescado. Para se ter uma idéia o autor aponta que a produção pesqueira doméstica abastece apenas 54% da demanda sendo necessário importar parte significativa para o abastecimento da população.

Conforme ressalta Breton e Estrada (1989), inúmeros países tem buscado fortalecer a pesca costeira e a aqüicultura para fazer frente a exploração intensiva o que implica ao mesmo tempo na geração de empregos e no atendimento do mercado interno.

Existe uma grande diversidade de espécies cultivadas no Brasil a partir de unidades de produção (fazendas) predominantemente de pequena escala as quais são responsáveis pela produção de tilápias, carpas comum e chinesa, pacu, tambaqui, surubim, camarão marinho e moluscos.

Segundo estimativas da FAO são recomendados o consumo de 12 quilos por habitante/ ano, entretanto no Brasil de acordo com Cardoso et al (2006), não chega a metade deste total. Desta forma, embora tenha aumentado a produção de pescado no Brasil no período 1970-2002, isto não representou um efetivo aumento de consumo pelo conjunto da população. 3 A esse respeito ver Breton e Estrada (1989).

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DIMENSÃO ESPACIAL DA RELAÇÃO TERRA-ÁGUA

Thomaz Jr (2009) traz importante contribuição a esse respeito na medida em que demonstra as ações do capital no sentido de garantir o acesso e controle da água como sustentáculo dos seus negócios. Trata-se, portanto não apenas de se ter a posse da terra, mas da água para garantir a reprodução do capital e nesse sentido manutenção dos privilégios historicamente adquiridos.

Thomaz Jr. (2008, p. 09), é esclarecedor ao passo em que destaca: A monopolização da terra e da água são, definitivamente, elementos indissociáveis para o capital. A água historicamente vinculada ao acionamento dos pivôs-centrais e a irrigação das grandes plantações para exportação, num ritmo de destruição sem limites, mais recentemente também se inscreve na produção de energia elétrica. É dessa complexa e articulada malha de relações que estamos entendendo esse processo no âmbito do agrohidronegócio, por onde nos propomos entender os desafios da dinâmica geográfica da reprodução do capital no século XXI.

Isto é particularmente importante na medida em que se identificam a

disparidade em relação aos índices da utilização da água no mundo, assim enquanto aproximadamente 10 % é destinado ao consumo humano, cerca de 20 % é direcionado à indústria e 70% à agricultura.

A opção capitalista pela irrigação, todavia não se justifica na medida em que para se ter uma idéia desde 1960 tem ocorrido um aumento de mais de 60% do consumo de água. (HIRATA: 2008, p. 424). Portanto, a opção se circunscreve apenas a produção de valor e a geração de lucros sem se preocupar com a escassez de água.

No Brasil conforme Malvezzi (2008) têm aumentado os conflitos em torno da água nos últimos anos associado principalmente ao seu uso e preservação, implantação de barragens e açudes e pela apropriação privada de água. De acordo com dados fornecidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de conflitos no país saltou de 14 em 2002 para 45 em 2009. Do mesmo modo as pessoas envolvidas que no início da década não

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atingiam 14 mil, atualmente, superam 36 mil atingidos diretamente por tais empreendimentos.

Conforme Torres (2007, p.55): “Os conflitos em torno da água passam a existir quando um ou mais atores sociais estão em disputa por esse recurso que passou a ser escasso (por uma condição natural ou artificializada), para suprimento da necessidade de todos.”

Outro aspecto importante diz respeito ao represamento dos rios para estruturação de barragens. De fato, conforme aponta Vermulum Júnior e Giamas (2009), ocorrem impactos sobre os componentes ictiofaunísticos.

A título de exemplo é importante ressaltar no caso da barragem Sérgio Motta que espécies de peixes que realizam a piracema como Dourado, Curimba, Pacu estão tendo população reduzida por não se adaptarem às águas paradas. Por outro lado, esta ocorrendo a adaptação de novas espécies características de águas calmas como a Piranha e o cascudo. (SANTOS: 2009). ALGUMAS PISTAS SOBRE O CONSUMO E PRODUÇÃO DE PESCADO

Neste item composto pela realização dos trabalhos de campo faremos a discussão a partir de 2 tópicos, sendo o primeiro em relação ao caráter da produção pesqueira em Presidente Prudente/SP e o segundo quanto a visita a Presidente Epitácio/SP e Nova Porto XV/MS. PRESIDENTE PRUDENTE/SP

Tivemos a oportunidade de identificar as principais espécies de peixes comercializadas em Presidente Prudente em dois importantes supermercados locais: Carreffour e Mufato Max. No primeiro foram encontradas a presença dos seguintes pescados: Cação, Corvina, Sardinha, Tainha, file de peixe proveniente principalmente do Estado de Santa Catarina4. Já no segundo, verificamos maior variedade de pescado e de procedência, conforme demonstra a Tabela 1.

4 Trata-se do maior produtor da pesca extrativa marinha do país.

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Pescado Origem

Cavalinha Argentina

Camarão Navegantes/SC

Cação Uruguai

Corimba Uruguai

Camarão Navegantes/SC

Piapara Uruguai

Sardinha Navegantes/SC

Tilápia Nova Aurora/PR Tabela 1 - Mufato Max

Tendo em vista dimensionar os tipos de peixe optamos por visitar a

Feira Municipal na qual identificamos a presença 2 barracas que comercializam pescado. Conforme a proprietária estes são oriundos principalmente dos rios Paraná e Paranapanema.

Para efeito de comparação entrevistamos antigos moradores da cidade os quais apontaram a existência de grande diferença em relação a quantidade de peixes existentes na área, bem como, quanto a variedade de espécies nas últimas décadas. PRESIDENTE EPITÁCIO/SP

Realizamos Trabalho de Campo em Presidente Epitácio/SP, município as margens do rio Paraná que foi atingido pelas obras da usina Sérgio Motta.

Pudemos constatar um conflito latente entre os interesses de pescadores e agentes ligados ao turismo. Neste cenário a prefeitura municipal tem se empenhado em garantir a atração de turistas sem, contudo oferecer condições propícias para o trabalho dos pescadores que originalmente viviam no local.

Identifica-se na área um conjunto de equipamentos urbanos diretamente vinculados com a promoção do turismo a exemplo dos hotéis, pousadas, restaurantes bem como lojas especializadas em produtos de

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pesca que anunciam um repertório de produtos úteis ao turista, que vai desde iscas, coletes salva-vidas a motores e barcos.

Neste caso, é freqüente a presença de nomes de estabelecimentos vinculados a peixes e produtos, tal como: casa do pescador, parada do pescador, restaurante rio Paraná, tucurané pousada.

Aliás, de encontro aos anseios do poder público local e empresários do ramo turístico que em meados de 2000 o município passou ao status de Estância Turística fato este que lhe permitiu angariar recursos e direcionar suas ações para este setor5.

É factível neste sentido a valorização de determinados pontos da orla fluvial em detrimento de outros mediante a construção de obras, como pudemos melhor observar no caso do Condomínio Residencial Porto do Lago.

Existe no município de Presidente Epitácio/SP a Colônia de Pescadores Z 20 a qual congrega cerca de 570 pescadores vinculados a pesca profissional. A referida entidade foi criada com o objetivo de garantir uma melhor organização dos pescadores em torno das suas reais necessidades de orientação, além de outras questões associadas, tais como: comercialização e venda do pescado, as quais são disciplinadas pelo Art. 28 da Lei 11.959 de 29 de junho de 2009.

Foi nos revelado pelo Presidente da Associação que uma grande dificuldade dos pescadores diz respeito à divergência em relação à legislação vigente na área, haja vista que diferentemente das áreas terrestres as águas são de difícil precisão em relação aos limites, o que acarreta conflitos entre os atores envolvidos dos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul que compartilham do mesmo rio que, por sinal, é de abrangência Nacional.

Contraditoriamente conforme informações obtidas junto à Colônia de Pescadores, a geração de energia é vista como um “mal necessário”.

5 Contemplando este cenário temos em Presidente Epitácio a ocorrência do Festival

Nacional de Pesca (FENAPESCA) atual Festival de Turista (FESTTUR) que atrai segundo moradores locais visitantes de diferentes regiões do estado.

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NOVA PORTO XV/MS Dentre as mudanças que ocorreram na área destaca-se o remanejamento da população ribeirinha que teve as terras inundadas para o distrito de Nova Porto XV no município de Bataguassu/MS, iniciada em 11 de setembro de 1992 e inaugurado em 11 de agosto de 1994. Na época foram reassentadas 283 famílias totalizando 1117 pessoas (SANTOS: 2006). De acordo com Santos (2006), muitas pessoas não se acostumaram com o novo local de vivência e mudaram de atividade econômica. Por sinal, se antes predominavam as atividades de pesca, oleiros-ceramistas e rurais, posteriormente passou a ser significativo o número de funcionários públicos, aposentados e diaristas. Neste contexto, o artesanato foi estimulado como alternativa local, através do convênio entre a CESP e a Prefeitura Municipal de Bataguassu, haja vista a presença abundante de argila. (SANTOS:2006). A esse respeito foi possível identificar durante a realização do Trabalho de Campo inúmeros ponto de venda deste tipo de produto à margem da rodovia, o qual contempla principalmente animais exóticos como: araras, tucanos, onças etc. A comunidade Nova Porto XV/MS possui uma característica particular que diz respeito ao fato de muitos pescadores serem de Presidente Epitácio, cadastrados na Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP), a qual embora seja válida em todo território nacional, não substitui o cadastro expedido pela Secretária de Estado de Meio ambiente, das Cidades, do Planejamento, Ciência e Tecnologia (SEMAC) exigidas nos rios do Mato Grosso do Sul. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atividade pesqueira é historicamente importante para sobrevivência humana. Além da finalidade de produção de alimentos, associa-se a esta questão, aspectos concernentes a própria biodiversidade que, sobretudo nas últimas décadas vem sendo colocada em xeque com o avanço de formas predatórias de exploração dos recursos pesqueiros pelos agentes do capital.

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Por sinal, são exemplos deste modelo a ocupação desordenada de áreas com a supressão de vegetação nativa, a contaminação de corpos d’água e superexploração dos recursos naturais disponíveis.

Desta forma, dimensionar os conflitos existentes em torno da apropriação da água mediante o conjunto de interesses que marcam a disputa é uma maneira de entender a lógica econômica que garante o domínio dos recursos naturais e desta forma subtrai formas de produção alternativas.

Não obstante é preciso repensar as condições a que estão expostos inúmeros pescadores artesanais em todo território nacional que possuem a pesca como única forma de sustento, estando alheios aos investimentos em infra-estrutura, capacitação e assistência técnica. Logo, faz-se necessário cumprir o inciso I do Art. 1 da Lei 11.959/2009 que prevê: “[...] o desenvolvimento sustentável da pesca e da aqüicultura como fonte de alimentação, emprego, renda e lazer”.

Também, estabelecermos nexos entre a produção e consumo de peixe na área de enfoque bem como atentar para os interesses dos diferentes agentes sociais em torno da comercialização da atividade pesqueira é uma forma de apreender como se manifestam as relações capitalistas de produção neste ambiente.

Neste contexto, despontam-se as possibilidades de reflexão em torno da organização dos trabalhadores diretamente vinculados à atividade pesqueira e, neste caso, não podemos desvincular as formas de exploração e dominação existentes nesta seara produtiva que representa um rico campo de estudo às ciências sociais.

Temos um grande desafio de aprofundar os estudos sobre a “Geografia da Pesca” na atual conjuntura marcada pelos grandes projetos econômicos na medida em que esta é uma opção política de sustentabilidade para milhares de trabalhadores em todo o mundo que encontram na água as condições propícias para uma vida digna.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO E SABER – ENTENDENDO A BASE DO PROCESSO PEDAGÓGICO

PARA QUEBRAR MITOS.

SOLIZ, Victor Hugo1

Resumo: Este estudo tem por objetivo caracterizar de maneira transparente os elementos base do processo educacional de modo a se diferenciar os conceitos de saber, conhecimento e informação de tal forma que possamos fazer uma análise coerente de como ocorrem os processos pedagógicos: de ensino, de aprendizagem ou de ensino-aprendizagem. Todas estas análises servirão para deslegitimar algumas falácias míticas que são muito reproduzidas cotidianamente.

Palavras-chave: Informação, conhecimento, saber, ensino, aprendizagem. INTRODUÇÃO

Atualmente existem muitos chavões que são repetidos indiscriminadamente como “a escola é a casa do saber” ou “a universidade é onde se faz conhecimento” de modo que de tanto se repetir, todas2 são

1 Engenheiro Mecânico Graduado pela UNESP, Técnico Em Shiatsuterapia,

Especialista em Acupuntura e Atualmente Cursa História na UFU – E-mail: [email protected]. 2 Em vista de uma reflexão sobre o papel da linguagem na manutenção do patriarcado,

resolvemos adotar o gênero feminino quando falamos para ambos os sexos, já que tanto o ‘x’ como o ‘@’ nos parecem estranhos tanto na grafia como na oralidade.

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disciplinadas a acreditar que estas afirmações são verdadeiras, mas a pergunta que fica é: seria isto mesmo ou estas afirmações amplamente repetidas são apenas dispositivos3? Faremos um breve estudo sobre os conceitos base da pedagogia: informação, conhecimento e saber para que possamos responder esta pergunta e entender os processos pedagógicos de ensino, de aprendizagem e de ensino-aprendizagem de modo que não sejamos inocentes ao escolhermos um determinado processo. INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO E SABER

Para iniciarmos o estudo analisaremos o conceito mais elementar dentre os três, no caso, a informação. Antes de entrarmos no conceito em si, vale salientar que pesquisamos diversos artigos recentes (de cinco anos para cá) tanto na pedagogia, como na filosofia e apesar deles trabalharem com informação, conhecimento e saber, nenhum dos mesmos discutia epistemologicamente estas questões em si. Isto evidencia como certos elementos dentro da academia estão dogmatizados, entretanto retornaremos a este tema mais a frente quando formos discutir as questões de ensino, de aprendizagem e de ensino-aprendizagem no processo pedagógico. A ausência desta discussão epistemológica implica na impossibilidade da academia avançar em determinados aspectos, afinal se o problema está em um dos conceitos base de alguma teoria e não no desenvolvimento dela, então sem uma análise desta base, nada poderá ser feito.

A referência mais atual que encontramos sobre informação é de 2006 e nela diz que a informação é um “conjunto estruturado de representações mentais e emocionais codificadas (signos e símbolos) e modeladas com/pela interação social (SILVA, 2006, página 150)”. Em outras palavras, as informações seriam a interpretação dos dados4 obtidos pelos sentidos.

3 O dispositivo ao qual nos referimos é aquele no sentido agambeniano do termo.

4 Não vamos adentrar na questão dos dados, pois acreditamos que não tenha uma grande

relevância para este estudo, mas para não tratarmos com descaso a questão epistemológica, concordamos com Setzer (2001) quando o mesmo trata dados como conjunto de símbolos quantificáveis ou qualificáveis. Em resumo, o dado seria a base do processo de saber, mas justamente por ser tão elementar, o dado se encontra antes de

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A definição de Silva (2006) revela um caráter dual da informação, pois a informação, sendo um conjunto estruturado de representações mentais e emocionais, seria algo intrínseca ao sujeito. Ao dizer que a informação também é modelada com/pela interação social, a informação também é socialmente construída. Entretanto, não acreditamos que a informação sempre é mediada pela interação social, no caso da fala em específico, não tem como não o ser, mas se, por exemplo, nos utilizarmos da temperatura de um determinado local: a temperatura em si é um dado, mas tem pessoas que vão interpretar a temperatura em questão como frio e vão se agasalhar, outras como calor e vão vestir roupas mais frescas. Neste caso, com o mesmo dado, temos duas informações distintas sem relação direta com os espaços de sociabilidade. Logicamente que não queremos aqui criar uma aberração conceitual, mas é bom salientar que existe a possibilidade da informação estar desvinculada do socialmente dado. Este caráter dual da informação possui algumas implicações, como traz Cardoso (1996, página 72) na qual a informação seria uma, “instituinte da cultura, ao revelar novas alternativas possíveis para a ação, que se cristalizam em práticas a serem reconsideradas, reinterpretadas, reformuladas ad infinitum, dando ocasião ao aparecimento e consolidação de outras manifestações culturais” (grifos da autora).

Não esgotamos tudo o que queríamos em relação à informação, mas deixaremos para terminar de desenvolver sobre as questões da cultura e da informação mais à frente. O próximo passo é entender o que é o conhecimento, segundo Luckesi e Passos (1996): “adquirir conhecimentos não é compreender a realidade retendo informação, mas utilizando-se desta para desvendar o novo e avançar, porque quanto mais competente for o entendimento do mundo, mais satisfatória será a ação do sujeito que a detém”.

Ou seja, se a informação tem uma forte raiz no socialmente dado, o conhecimento é totalmente subjetivo na medida em que este se dá no momento em que o sujeito desvenda o novo e avança no entendimento do mundo. Em outras palavras, podemos dizer que o conhecimento é a

qualquer apropriação pelos sujeitos e assim sendo o dado é algo impessoal que não tem impacto na nossa análise que se relaciona com os sujeitos sociais dentro do processo educacional, conhecidas como estudantes.

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apropriação das informações para o entendimento do mundo de acordo com a subjetividade de cada um através da própria experiência. E, a partir do que já foi explanado, existem dois pontos a serem comentados: o primeiro, já dito, é que o conhecimento apesar de ter como matéria prima a informação que pode ser socialmente dada, é um fenômeno totalmente subjetivo. O segundo é que o conhecimento é considerado mais intelectual que a informação pela academia, já que ele é responsável pela interpretação do mundo. Novamente deixamos alguns pontos em aberto, mas os fecharemos à frente.

Por fim chegamos ao último conceito chave: o saber. Segundo Mota, Prado e Pina (2008) apesar de usualmente se utilizar

conhecimento e saber como sinônimos, hoje, na academia, o conhecimento é considerado mais intelectual do que o saber já que o último estaria mais relacionado às sensações, entretanto as autoras trazem que para Grote (apud LALANDE, 1993) ocorre o inverso. Para entender isto as autoras fazem um complicadíssimo exercício academicista para poder justificar esta inversão da visão de Grote em relação ao tempo presente, que além de não concordarmos com o caminho traçado pela análise começando pelo fato delas tratarem a visão de Grote como a inversão e não a delas, resultando em um anacronismo, seguindo pelo número de autores e interpretação que elas fazem. Para além e mais importante, acreditamos que o caminho traçado retira a historicidade da inversão de valor dos conceitos5, já que

5 Neste caso acreditamos que é necessário esboçar minimamente a história destes

conceitos, da modo análogo a discussão feita por Koselleck no texto “uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos”, onde o conceito é sempre fato e indicador ao mesmo tempo, pois o mesmo não é apenas efetivo enquanto fenômeno linguístico (fato), mas também enquanto indicativo de algo que se situa para além da língua (indicador). Como fato linguístico é possível atuar sobre a realidade de forma concreta. E como indicativo, cria novas relações só possíveis através do estabelecimento do conceito. E baseado nisto um conceito se relaciona sempre com aquilo que se quer compreender, sendo, portanto um processo de seleção articulado a um determinado contexto sobre o qual se pretende atuar que justamente varia de acordo com o tempo. Ou seja, é necessário tratar de um determinado conceito (ou no caso da relação de juízo de valor entre os conceitos) a partir da contextualização mais ampla dos termos, entendendo que mesmo esse texto maior no qual está inserido o termo é articulado a um contexto ainda mais ampliado em um determinado período.

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trata como Grote e Aristóteles como contemporâneos discutindo o saber. Entretanto, para nós a questão é muito mais simples, principalmente levando em consideração tanto os valores do modelo educacional moderno em relação à pedagogia libertária e quanto as mudanças no universo mental estudados por Thompson (2002) durante o século xix. Ambas as questões se referem à valorização do academicismo ou da experiência. Thompson (2002), em sua palestra “educação e experiência”, defende que esta mudança relativa à valorização do academicismo (conhecimento platônico) em detrimento da experiência se dá através do crescimento do processo educacional de modo que “a educação não seria apenas uma baliza na direção de um universo mental novo, e mais amplo, mas também como uma baliza para longe, para fora, do universo da experiência no qual se funda a sensibilidade (THOMPSON, 2002, página 32)”. Voltando a Mota, Prado e Pina, quando eles falam que atualmente o saber é menos intelectual do conhecimento e se intrigam como alguém poderia ter escrito o contrário, já que o saber está mais relacionado a sensações, percebemos que aí ocorre a cristalização do fenômeno de desvalorização do sensível (portanto, da experiência) retratado por Thompson. Mais do que simples desvalorização, podemos perceber que o sensível adquire um caráter negativo que torna o saber pelo simples fato de envolver o sensível (segundo as autoras), menor que o conhecimento. Vale salientar que quando Grote escreveu em 1856, dando uma maior carga intelectual ao saber, a implementação do processo educacional moderno estava no auge na europa, vale lembrar que esta é a mesma época em que Stirner escreve “o falso princípio da nossa educação”, em 1842. Este auge ocorreu sob um pretexto legitimador de guerra contra o analfabetismo, mas que visava o controle social da população, já que o modelo educacional atual foi criado com o objetivo de disciplinarizar a população na prússia6, segundo nos traz o estudo de Celeti (2012). Levando

6 No texto apenas os nomes próprios de seres vivos e a primeira letra de cada frase estão

em maiúscula, isto porque acreditamos que não se deva dar uma subjetividade a coisas inanimadas como uma empresa, uma instituição ou uma nação. Este tipo de pensamento além de se constituir como um dispositivo, no sentido agambeniano da palavra, ainda permite que se naturalize que coisas tenham o direito de pessoas, mas as coisas não podem sofrer violência, apenas os seres vivos sofrem violência. Uma janela de banco não sofre violência, mas um camelô que toma um tiro na testa sim.

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em consideração que Grote e Stirner compartilhavam de um universo mental semelhante, já que ambos viveram na europa em meados do século xix, então não é coincidência que Stirner, assim como Grote, valorize mais o saber do que o conhecimento. Stirner vai ainda mais longe, pondo a ‘vontade’ acima do saber, mas desenvolveremos isto mais a frente.

ENSINO, APRENDIZAGEM, OU ENSINO APRENDIZAGEM?

Com os conceitos base do processo educacional minimamente definidos, para completar o nosso objetivo resta apenas entender o processo educacional de maneira a se poder questionar o papel da educação na sociedade nos dias de hoje. Para evitar confusões, antes de se fazer a utilização dos conceitos já trabalhados para desenvolver a questão do processo educacional em si, vamos analisar o que a academia entende por ensino e aprendizagem para que se possa fazer a conjunção do entendimento dos conceitos sob uma perspectiva de crítica ao modelo educacional vigente.

Atualmente, segundo Gallo, “temos o foco da educação posto no ato de ensinar, na maneira como o professor molda todo e cada aluno segundo um método, segundo uma técnica (GALLO, 2008, página 72)”. Concordamos com Gallo que o processo de ensino é um processo unilateral, verticalizado, externo e que tem por objetivo disciplinarizar e homogeinizar as ditas estudantes. Unilateral, pois as informações partem da dita professora e seu método e chegam às ditas alunas que são passivas no processo. Verticalizado porque dentro do processo educacional moderno, tanto na escola como na universidade, a professora é uma autoridade. Disciplinador porque se baseia em treinamento. Por fim, homogeinizador porque trata todas como se tivessem as mesmas necessidades e objetivos7. O ensino a

7 Poderia se falar que o caráter homogeinizador é uma das bases legitimadoras da

meritocracia que busca introjetar a culpa dos problemas do sistema nas próprias vítimas. A premissa é: se o sistema trata todo mundo igual, e ensina a mesma coisa para todas, então se você não venceu na vida é porque não se esforçou. Mas isto não é verdade, já que as condições socioeconômicas desempenham um papel fundamental neste processo. É ilusão acreditar que alguém que nasce no meio da favela tem as mesmas oportunidades que uma Rockfeller.

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partir do momento que não parte da subjetividade de cada dita estudante envolvido no processo, se torna algo externo e, portanto, imposto de modo que por estas características o ensino só pode ser dogmático, ortodoxo e repetitivo. Dogmático porque se segue em um método que possui paradigmas, e paradigma é outro nome bonito para dogma de modo a não se cometer o sacrilégio de confundir ciência com religião. Ortodoxo porque a ciência e o ensinar sempre se põem como arautos da verdade. E por fim repetitivo porque treinamento é baseado na repetição. Se pararmos para pensar, como negar isto quando temos currículos e a mesma aula para dezenas de pessoas na mesma sala de aula, se temos uma série de exercícios repetitivos para cada assunto?

A aprendizagem, ou o pensamento criativo, segundo Gallo (2008, página 70), “nasce da violência do problema, constrói-se singularmente em cada experiência, para advir em algo que não fornece um panorama de respostas, mas convida ao pensamento, na medida que mobiliza novos problemas”. O aprendizado então seria a produção de um encontro absolutamente novo no qual não podemos vislumbrar os resultados. Novamente concordamos com Gallo que o processo de aprendizagem é um processo bilateral, horizontalizado, interno e dinâmico. Bilateral porque envolve o problema e a subjetividade e neste ponto é mister ressaltar que o problema pode ser externo ou interno. Horizontalizado porque não existe uma autoridade neste processo. Interno porque o conhecimento só se consolida com a experiência que é própria do sujeito. Dinâmico porque não é nem ortodoxo, nem dogmatizado de maneira que no processo de mobilizar novos problemas o conhecimento que gerou estes novos problemas pode ser descartado.

Com estes conceitos em mente, percebemos que a mudança no universo mental que Thompson destaca não é simplesmente da experiência para educação, mas também, como ressalta Gallo, a passagem do aprendizado pela experiência para o ensino como disciplinarização. Stirner no século xix já percebia que a educação visava uma disciplinarização e não se preocupava com a formação de conhecimento, sendo este o motivo pelo qual ainda hoje se confunde conhecimento com reprodutividade de informações e dados, de maneira que podemos afirmar que o modelo formal de educação vigente se preocupa apenas com um condicionamento

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de respostas, sem se preocupar com o conhecimento e muito menos com o saber.

Existe atualmente um movimento reformador dentro da pedagogia que defende um processo de ensino-aprendizagem, que em sua essência visa tentar dar algum protagonismo à dita aluna dentro do processo educacional. Entretanto, apesar de vermos este processo como um pequeno avanço em relação ao ensino, ainda assim acreditamos que está bem longe de resolver os problemas relativos ao processo educacional. Isto porque apesar de não ser mais um processo unilateral, continua verticalizado, pois a professora ainda está socialmente responsável pela sala, ela que vai dar os conteúdos e por mais que as ditas alunas tenham poder de voz na sala, a palavra final ainda é dela. O processo apesar de não ser mais totalmente externo, também não é totalmente interno, ou seja, isto implica em uma aprendizagem enviesada que mantém o caráter disciplinador do sistema educacional. O processo de ensino-aprendizagem apesar não visar mais homogeinizar da forma absurda que o processo de ensino faz, ainda assim homogeiniza, já que este processo não extingue nem as séries como conhecemos, nem o currículo, nem as matérias.

Existem dois processos dentro da reforma de ensino-aprendizagem: um vem da crítica aos problemas do ensino tradicional, buscando uma melhoria real, mas sem romper com os cânones. O outro é uma nova forma de disciplinarização, mais efetiva, já que as ditas estudantes ao longo do tempo desenvolveram mecanismos de defesa contra o ensino tradicional (quem nunca ouviu falar que hoje as turmas estão impossíveis de lidar?), fazendo com que as ditas estudantes também contribuam para seu processo de escravização. Acreditamos que ambos os processos se interpenetrem, ou seja, de um lado acreditamos que tem professoras que realmente acreditam que estão melhorando a vida das ditas estudantes quando defendem o processo de ensino-aprendizagem, de outro lado acreditamos que existem políticas públicas que promovem este processo para um controle maior, afinal se a preocupação fosse com o saber em si e não com a disciplinarização as instituições educacionais não teriam sido sequer criadas, quanto mais resistiriam até o século xxi.

Um ponto interessante de se trabalhar é que, como já foi explanado, se a informação é instituinte da cultura, o ensino seria instituinte do modelo

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atual de educação8. Entendendo que o processo de ensino pelas suas características unilateral, vertical e externa é incapaz de lidar com o conhecimento que é algo horizontal e subjetivo, então o mesmo se limita a tratar de informações e dados, o que já evidencia que nem a escola, muito menos a universidade podem ser locais de conhecimento. Outro ponto que merece atenção é que se o modelo educacional tem por o objetivo controlar dados e informações e sendo as informações a base da cultura, fica fácil entender como o processo educacional consegue disciplinar e controlar a população.

A pergunta que fica é: se os motes sobre as instituições educacionais são falsos porque se reproduzem com tanta facilidade? Primeira porque a universidade e a escola querem manter seu ‘status’ de instituição do conhecimento, porque como já diria Foucault, conhecimento é poder, de modo que a palavra final sobre diversos assuntos permaneceria sendo a academia. Segunda porque a universidade e a escola são instituições mantenedoras do ‘status quo’, ou seja, as elites dominantes têm muito interesse em que elas continuem funcionando e que acreditemos nela, como afirma Albuquerque Júnior (s.d): “A escola surge, pois, como uma maquinaria destinada a produzir sujeitos, a produzir subjetividades, a produzir corpos treinados e hábeis, a produzir formas de pensamento e de sensibilidade adequados à ordem social burguesa”.

E em terceira e por último é que fomos ensinados a pensar de maneira esquizoide. Orwell chama este tipo de pensamento de ‘duplipensar’9, então

8 Para nós o sistema educacional vigente é uma forma de dominação sobre a cultura. Quem

trabalha bem este aspecto sob um viés antropológico é Carol Black no documentário “escolarizando o mundo”. Na visão libertária a definição de educação deveria ser: “a forma de ensino expurgado de todas as inutilidades clássicas, integradas as necessidades da vida, tratada individualmente, como as plantas, cada uma independentemente. E, acima de tudo, a preparação do homem para a liberdade, para a criatividade e a solidariedade. Educar é contribuir para formar caráteres retos, despertar o amor pela humanidade, converter o homem no amigo do homem, responsáveis por si, pelo grupo, em irmão do homem. (RODRIGUES, 1999 – verbete educação)”. Desta definição só discordamos do uso do termo ensino já que o ensino em si tem uma série de consequências no processo pedagógico das quais discordamos de todas veementemente. 9 Orwell trabalha em seu livro, 1984, a dominação através da linguagem, coisa que já ocorre

no nosso dia a dia, como, por exemplo, se utilizar o termo “invasão” ao invés de “ocupação”

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coisas como chamar a quebra de vidros de bancos de violência e chamar uma execução com um tiro na testa de um camelô de cumprir o dever, se tornam eventos corriqueiros. O duplipensar é um misto de ignorância e certeza. Dentro da universidade o culto à “ciência” possui um caráter religioso de personificação de tudo o que é bom, de maneira análoga muitas pessoas dentro da universidade se sentem da mesma forma em relação a determinados teóricos, ou pior, a determinada interpretação de um determinado teórico. Mas por que a universidade não tentar ser realmente um local de conhecimento? A resposta desta pergunta é simples: se ela fizer esta transformação estará cavando seu próprio sepulcro.

Então, o processo educacional como o conhecemos precisa manter um abismo entre o discurso legitimador de emancipação dos sujeitos e a prática disciplinadora se quiser continuar existindo como “senhor do conhecimento”. Mas se o nosso compromisso for com a emancipação dos sujeitos e não com a manutenção de poder das instituições, Gallo sugere deslocar o foco do ensino para aprendizado, deslocando desta maneira o foco da professora e seus métodos de ensino para os processos singulares de aprendizado de cada estudante, mas para fazer isto não há método. Stirner segue na mesma linha de Gallo, mas vai mais longe. Por que? Para além da discussão entre informação, conhecimento e saber, Stirner acredita que o processo pedagógico só é emancipador quando existe a ‘vontade’. E o que seria a ‘vontade’? A ‘vontade’ seria o saber subordinado à subjetividade. Ou seja, é uma total subjetivação do saber, em outras palavras, é um deslocamento do saber que por si só já é subjetivo no entendimento para fazê-lo subjetivo também na prática. Em outras palavras,

quando se trata do ato de pessoas sem lugar para morar entrarem em uma casa abandonada

para especulação imobiliária justamente para incutir nas pessoas que este é um caso de

polícia e não de políticas públicas de moradia, afinal o poder público e o da mídia na opinião

de quem faz esta inversão deve servir apenas ao dinheiro, entretanto, se pensarmos de

maneira minimamente ética perceberemos facilmente que enquanto morar for um privilégio,

ocupar é um direito. Muitas vezes não é preciso nem a troca de termos: o machismo, a

homofobia e o racismo estão escancarados na conotação de algumas palavras: por que

denegrir (originalmente com o significado de tornar negro) possui um juízo de valor

negativo? Será que se tornar negro é realmente ruim? Ou ainda, por que patrimônio são bens

e matrimônio é casamento? Seria porque na sociedade machista o homem deveria cuidar dos

bens e a mulher da família?

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a ‘vontade’ é quando matamos o saber independente dentro da gente e o fazemos renascer como um saber ao nosso dispor, e, quando isto acontece, não se chama mais saber e sim ‘vontade’. A ‘vontade’, assim como a vida, não é estática, o que implica na retirada dos saberes de uma torre de marfim, os jogando na realidade. Então, a transformação do saber em ‘vontade’ implica no abando da servidão do sujeito em relação ao saber para torná-lo parte de si em um eterno devir. Devir porque nunca o nosso saber estará acabado, aprendemos coisas novas todos os dias, já que a realidade é infinitamente maior que a ciência ou nossa percepção. É como se diz nas correntes libertárias: mudança é vida e estagnação é morte, então nada mais natural que o modelo educacional baseado no ensino estar agonizando. Ele agoniza desde sua criação como atesta Stirner e Albuquerque Júnior. Deste modo, se para existir conhecimento é necessário que o sujeito consiga aproveitar as informações que são vivenciadas por ele, então é mister que a pedagogia libertária vise uma educação baseada na aprendizagem e vinculada com a vida, de modo que se ‘desierarquize’, se ‘desdogmatize’, se ‘desexternalize’, se ‘desdisciplinarize’ o processo pedagógico, que se abandone o conhecimento teórico de origem platônica e se valorize o conhecimento vivido, que não é apenas desprezado, mas também combatido nos dias de hoje principalmente dentro da universidade. Enfim, se visamos à construção de um mundo melhor é preciso que acabemos com a miséria da nossa educação:

“A miséria da nossa educação até os nossos dias reside em grande parte no fato de que o Saber não se sublimou para tornar-se Vontade, realização de si, prática pura. Os realistas sentiram essa necessidade e preencheram-na, mediocremente por sinal, formando “homens práticos” sem ideia e sem liberdade. A maioria dos futuros mestres é o exemplo vivo dessa triste orientação. Cortaram-lhes magnificamente as asas: agora é sua vez de cortas as dos outros! Foram adestrados, é sua vez de adestrar! Todavia a educação deve ser pessoal, mestre do Saber e guardar constantemente no espírito esse caráter essencial do Saber: não ser em nenhum caso objeto de posse, mas ser o próprio Eu. Numa palavra, não se deve inculcar o Saber mas conduzir o indivíduo a seu pleno desenvolvimento; a

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pedagogia não pode mais partir da idéia de civilizar, mas da idéia de desenvolver pessoas livres, caracteres soberanos. É preciso, então, cessar de enfraquecer a Vontade, até o presente sempre tão brutalmente oprimida. E porquanto não se enfraquece o desejo de saber, por que enfraquecer o desejo de querer? Visto que um é nutrido, que o outro também o seja. A teimosia e a indisciplina da criança têm tantos direitos quanto seu desejo de saber. Estimulam deliberadamente este último; que também suscitem essa força natural da Vontade: a oposição. Se a criança não aprende a tomar consciência de si, é claro que ela não aprende o mais importante. Que não seja sufocado nem seu orgulho, nem sua franqueza natural. Minha própria liberdade permanece sempre ao abrigo de sua arrogância. Pois se o orgulho degenera em arrogância, a criança desejará usar de violência contra mim. Ora, eu que sou um ser livre tanto quanto a criança, não necessito suportar isso. Todavia, para defender-me, devo abrigar-me por trás da cômoda muralha da autoridade? Não, oponho-lhe a dureza de minha própria liberdade, e a arrogância dos pequenos se quebrará por si mesma. Aquele que é um homem completo não precisa ser uma autoridade. E se a franqueza natural da criança degenera em insolência, esta cederá à terna ascendência de uma verdadeira mulher, a seus cuidados maternais ou à firmeza de um homem. Muito fraco é aquele que precisa recorrer à autoridade e bem culpado aquele que crê corrigir o insolente fazendo-se temer! Exigir o temor e o respeito são princípios para época ultrapassada do estilo rococó (STIRNER, 2001, páginas 81e 82)”.

CONCLUSÃO

Como pudemos analisar, a escola e a universidade como estão estruturadas hoje podem lidar no máximo com informações e dados, assim sendo, a fala de que a escola e/ou a universidade são as casas ou locais do saber é uma grande mentira. Mentira esta que se reproduz como elemento de manutenção não apenas do ‘status quo’, como também na manutenção do ‘status’ da academia e da escola como instituições responsáveis pelo

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conhecimento de modo que possam ter a palavra final em boa parte das questões que permeiam a vida em sociedade. Vale salientar que ambas as instituições não sobreviveriam em seus moldes atuais se rompermos com a distância que existe entre seu discurso legitimador e sua práxis disciplinadora vigente. Entretanto superar este abismo é algo mais que urgente se quisermos livrar o mundo da hecatombe (tanto social, como ecológica) que estamos enfrentando. A chave desta superação está em um modelo pedagógico que valorize e respeite as diferenças (subjetividades) permitindo o crescimento de sujeitos éticos10. Para isto é preciso fazer como Stirner sugere: deixar o saber morrer para que o mesmo se sublime em ‘vontade’.

10

A ética que se fala é uma ética anarquista que se aproxima do modelo foucaultiano, para

um aprofundamento na questão entre moral e ética, vide artigo: FUGANTI, Luiz. Ética como

potência e moral como servidão. Acessado no dia quatro de junho de 2014 em:

http://escolanomade.org/pensadores-textos-e-videos/fuganti-luiz/etica-como-potencia-e-

moral-como-servidao

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O PROFESSOR, O NARRADOR E O RPG.

ROCHA, Rafael Correia1 Resumo: A estrutura educacional que o professor convencional se enquadra, utilizando dos mesmos recursos e dependências, apresenta um paralelo informal com a figura do narrador de RPG, do contador de histórias, em uma triangulação. Dentro deste contexto, a educação apresenta caminhos e divergências que abrem a crítica sobre a postura do educador, em suas relações com os alunos, saberes do currículo base, a formação do sujeito, sua leitura do mundo e sua interação social. Por meio, de uma descrição detalhada sobre linguagem, expressão, inteligência, aprendizagem e desenvolvimento humano. Por meio desta ação comparativa no campo interpretativo, sobre a constante conduta determinante do educador em contrapartida a sua função, assim como a reformulação da linguagem aplicada na sala de aula, utilizando de distinções conceituais significativas para compreender as os impactos, relações convergentes e divergentes da educação, tomando como objeto exclusive de analise o professor. Palavras chave: Roleplaying; Linguagem; Expressão; Educação.

1. O NARRADOR, O PROFESSOR E SUAS LINGUAGENS

Quando Wittgenstein (1991) descreve que os limites do mundo individual estão representados pela linguagem concebida, podendo assim,

1 Mestre em educação pela Universidad de La Empresa (Montevidéu/UY), especialista em

Ludocriatividade pela UNIUBE/BR e Graduado em Pedagogia com ênfase em gestão e tecnologia pela UNIMINAS/ BR. [email protected]

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expandir ou delimitar a compreensão do sujeito sobre o mundo. Acredito que o sujeito juntamente com seu arranjo de símbolos comunicáveis, se apresenta ao mundo anteriormente por suas formas de expressão de maneira aa ser notado e compreendido.

Segundo esse raciocínio, na sala de aula o educador que inicia o processo de alfabetização e fonética, propicia os limites ou os avanços do mundo de cada sujeito. Seria sensato entender que essa função do educador passa pelo mundo da linguagem expressão, agregado a suportes padronizados que seriam os livros didáticos. Porém, é necessário abrir uma discussão para este impacto causado pelo educador, para além dos aspectos da instrução, mas percebendo como afeta as noções de mundo do educando. Ao observara figura do narrador, segundo Benjamin (1994), como um sujeito identificado como alguém que muito viaja, vendo diferentes horizontes, ou alguém que fica na mesma cidade interagindo com múltiplas vivencia e tradições, podendo se manifestar como um ser humano que escolheu viajar para dentro da experiência humana, para poder expressá-la conscientemente, para ser entendida e compartilhada. Mas onde estão esses narradores no mundo atual? Como se formam e onde estudam? Seguindo parâmetros de Benjamim (1994) podemos nortear um possível caminho:

É a experiência de que a arte de narrar esta em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede em um grupo de alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências. (BENJAMIN, 1994, 198p).

Uma das causas deste fenômeno, esse desarranjo na articulação da

narrativa, pode ser apontado, nas considerações sobre interpretação e percepções da experiência, que não estão sendo devidamente debatidas.

O autor posteriormente descreve que quando combatentes retornavam do campo de batalha, após longas guerrilhas, estes se apresentavam mudos e não ricos de experiência comunicável, entretanto,

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podemos dizer que o professor que vive diante de enfrentamentos na sala de aula, se encontra em situação semelhante?

Da mesma maneira, o que se escreve sobre a guerra não é necessariamente a guerra em sua completude de acontecidos, sensações e situações, pois muito se perdeu sobre a experiências vivencial e oral. Contextualizando um mundo de tecnologias escritas, que normalmente excluem ou limitam as vivencias, a experiência de expressão em uma cultura oral se torna seleta em pequenos grupos, talvez podendo atuar em ambientes educacionais sem muitas limitações, como na rigidez estrutural observada em partidos políticos e religiões.

Compreendo que, a fala do sujeito aparece como a manifestação de sua experiência (KOLB, 1984) esta continuamente transforma e recria seus saberes. Podemos compreender que a experiência recicla teorias e conceitos, libertando o sujeito de ações mecânicas, repetições sem sentido, e abre portas para a reflexão e interpretação das percepções sobre os saberes existentes.

Outra concepção sobre a experiência pode ser compreendida por meio da literatura de William Blake (2011), contextualizando o valor atribuído ou o “preço da experiência”.

Qual é o preço da experiência? Os homens a compram com uma canção? Adquirem sabedoria dançando nas ruas? Não, ela é comprada pelo preço. De tudo que um homem possui, sua casa, sua esposa, seus filhos. A sabedoria é vendida num mercado sombrio onde ninguém vem comprar, E no campo infecundo que o fazendeiro ara em vão por seu pão. É fácil triunfar sob o sol do verão E na colheita cantar na carroça cheia de grão. É fácil falar de prudência aos aflitos, Falar das leis da prudência ao andarilho sem teto, Ouvir o grito faminto do corvo na estação invernal. Quando o sangue vermelho mistura-se ao vinho e ao tutano do cordeiro É tão fácil sorrir diante da ira da natureza. Ouvir o uivo do cão diante da porta no inverno, e o boi a mugir no matadouro; Ver um deus em cada brisa e uma bênção em cada tempestade. Ouvir o som do amor no raio que arrasa a casa do inimigo; Rejubilar-se diante da praga que cobre seu campo, e da doença que ceifa seus filhos, Enquanto nossas

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oliveiras e nosso vinho cantam e riem diante da porta, e nossos filhos nos trazem frutas e flores. Então o lamento e a dor estão quase esquecidos, bem como o escravo que gira o moinho, e o cativo acorrentado, o pobre prisioneiro, e o soldado no campo de batalha. Quando os ossos rompidos deixam-no gemendo à espera da morte feliz. É fácil rejubilar-se sob a tenda da prosperidade: Eu poderia cantar e me rejubilar deste modo: mas eu não sou assim. (BLAKE, 2011. 53)

Nesta descrição, se observa que a experiência depende de uma valorização e apreciação, ou pode se diluir, sendo que seu valor esta constante reformulação de acordo com os parâmetros culturais dos grupos sociais, sendo segundo Benjamin (1994) “a experiência que passa pessoa por pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores” se pode demonstrar o perecimento da narrativa, quando ocorre o rompimento desta condução.

O narrador pode ser identificado como a figura de um administrador de experiências, e ao mesmo tempo um herói que resgata a identidade humana, por uma tomada de consciência diante o processo de esquecimento,que surge na relação entre a inteligência e a experiência, que concebo com a sabedoria prática que reflete sobre os aspectos do vividoou nas palavras de Walter Benjamin (1994) “a arte de narrar esta definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade – esta em extinção”, esta sabedoria se mostra como transcendente para a educação informativa. De acordo com COOK(2004):

A sabedoria representa a força de vontade, bom senso, percepção e

intuição de um personagem. Enquanto a inteligência representa a habilidade de analisar informações, á Sabedoria esta vinculada a consciência e atenção do personagem em relação a seu ambiente. Um “professor distraído” possui inteligência elevada e sabedoria baixa. (COOK, 2004, p.9)

Compreendo que a sabedoria proveniente do narrador ocorre na

associação entre a inteligência e experiência para emersão de uma

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consciência distinta, de si, do seu meio e contexto entre esses. E a partir deste ponto se pode falar sobre a forma que tomou á narrativa atualmente, onde se pode encontra-la e como resgata-la.

A experiência narrativa se compõe em uma estrutura mutável e se transfigura, transcende a praticidade e o registro dos fatos cotidianos, em utilidade produzida como pela moral e direcionamentos socioculturais, sendo mesclada em contos, fabulas, provérbios, lendas, podendo constituir a mitologia regente ao sujeito.

Quando começamos a iniciar o caminho mitológico, se torna necessário o olhar de Campbell (1989) que delimita e ordena as funções do mito (Místico, cosmológico, educacional e social) de maneira a sê-lo significativo diante dos sujeitos, o narrador mitológico é um centro referencial de orientação, porem a ele existe uma concepção diferente, ele busca expor uma história que necessita de uma leitura profunda e crítica.

Para tal tarefa, o narrador mitológico desenvolve, segundo Campbell, o herói como símbolo da auto realização, sabedoria e compreensão do sujeito. É com ele que o espectador se identifica, pois o herói é uma representação do próprio espectador sendo o autor da própria história. De maneira que o herói é a subjetividade humana de sua própria evolução.

Aquele que penetra no complexo do templo e se encaminha para santuário imita a façanha do herói. Seu objetivo é repetir o padrão universal, como forma de evocar, dentro de si mesmo, a lembrança da forma de convergência e renovação da vida. (CAMPBELL, 1989, 47 p.)

Muito desse herói e sua jornada, vive no narrador, o seu objetivo é

permitir, dar ferramentas e criar meios para que o sujeito possa em primeiro momento escolher suas experiências, vivencia-las e em seguida compreender gradativamente sua função no decorrer da história.

O narrador é o professor-ponte de saberes, onde a narrativa se torna a arte do encontro consigo mesmo, do reconhecimento e aceitação.

Além disso, não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de todos os tempos a enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em toda a sua extensão. Temos apenas

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de seguir a trilha do herói, e lá, onde temíamos encontrar algo abominável, encontraremos um deus. E lá, onde esperávamos matar alguém, mataremos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro da nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do mundo todo. (CAMPBELL, 1990, 137 p.)

Com a evolução tecnológica contrastante e a velocidade a qual a

sociedade atual esta processando seus conceitos, a identidade no narrador se dissolve e vejo que resurgiunovamente contextualizada em 1974 nos E.UAcom o exercício doRole playing Game, que proporciona uma constante criação mitológica colaborativa, agregando aspectos inerentes pois a narrativa e o narrador também sofreram alterações para acompanhar a estrutura social em um seguimento dinâmico e expansivo de representações simbólicas participativas dos sujeitosou seja, agora a narrativa toma novas dimensões, por meio de personagensque se expressam na estrutura do role,que de acordo com Moreno (1993) pode ser definido:

[...] o termo inglês role (= papel), originário de uma antiga palavra francesa que penetrou no Francês e Inglês medievais, deriva do latim rotula. Na Grécia e também na Roma Antiga, as diversas partes da representação teatral eram escritas em “rolos” e lidas pelos pontos aos atores que procuravam decorar seus respectivos papéis; esta fixação da palavra role parece ter-se perdido nos períodos mais incultos dos séculos iniciais e intermediários da idade média. Só nos séculos XVI e XVII, com o surgimento do teatro moderno. É que as partes dos personagens teatrais foram lidas em “rolos” ou fascículos de papel. Desta maneira, cada parte cênica passou a ser designada como um papel ou role (MORENO, 1993, p. 27).

E com esta forma de narrativa interativa é caracterizada noRole

playing Game (RPG),que se pode ser traduzido como jogo de representação de papéis.Com a produção de definições intermináveis que se multiplicam a cada pesquisador,Hitchens e Drachen (2008) contemplamuma visão holística diante do jogo:

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Um role-playing game é um jogo situado num mundo imaginário. Os jogadores são livres para escolher como explorar o mundo do jogo, em termos do caminho escolhido através do mundo, e podem revisitar áreas previamente exploradas. O montante do mundo do jogo potencialmente disponível para a exploração é normalmente grande. Os participantes dos jogos estão divididos entre os jogadores, que controlam personagens individuais, e os mestres do jogo (que podem ser representados por software em exemplos digitais) que controlam o restante do mundo do jogo além das personagens dos jogadores. Jogadores afetam a evolução do mundo do jogo através das ações de seus personagens. As personagens controladas por jogadores podem ser definidas em termos quantitativos e/ou qualitativos e são indivíduos definidos no mundo do jogo, não identificados apenas como papéis ou funções. Essas personagens podem potencialmente se desenvolver, por exemplo, em matéria de competências, habilidades ou personalidade. A forma deste desenvolvimento está pelo menos parcialmente sob controle do jogador e o jogo é capaz de reagir a estas mudanças. Pelo menos um, mas não todos os participantes têm controle sobre o mundo do jogo além de um único personagem. Um termo comumente utilizado para esta função é mestre do jogo, embora existam muitos outros. O equilíbrio de poder entre os jogadores e mestres do jogo, e a atribuição dessas funções, pode variar, mesmo dentro de uma única sessão de jogo. Parte da função de mestre do jogo normalmente é para se pronunciar sobre as regras do jogo, embora essas regras não precisem ser quantitativas em qualquer forma ou se embasar em qualquer forma de resolução aleatória. Os jogadores têm uma ampla gama de opções configurativas para interagir com o mundo do jogo através das suas personagens, em geral, incluindo, pelo menos, o combate, o diálogo e a interação com objetos. Embora o leque de opções seja grande, muitas são tratadas de uma forma muito abstrata. O modo de interação entre o jogador e o jogo pode mudar de forma relativamente livre entre configurativas e interpretativas. Role-playing games retratam algumas sequências de eventos no mundo do jogo, o que dá ao jogo um elemento narrativo. No entanto, dada a natureza

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configurativa do envolvimento dos jogadores, estes elementos não podem ser chamados de narrativa de acordo com a teoria narrativa tradicional (HITCHENS; DRACHEN , 2008, p. 16).

Após detalhada descrição, voltamos a atenção para o campo

educacional coma visão sobre o jogo descrita na tese de doutorado de Sônia Rodrigues:

O Role playing Game é um jogo de produzir ficção. Uma aventura é proposta por um narrador principal – o mestre – e interpretada por um grupo de jogadores. A ação pode se passar em vários “mundos” de fantasia medieval, terror ou futurista. Pode também interagir com um universo ficcional preexistente. As regras do RPG são as da narrativa (RODRIGUES, 2004, p.18.).

Ao vislumbrar uma relação entre a arte da narrativa descrita como

regra do jogo, Rodrigues (2004) propõe uma produção intelectual que não parte inteiramente ou inicialmente, do âmbito cognitivo, a mesma reforça:

Engana-se quem pensa que a arte da ficção nos coloca frente ao desconhecido. A ficção nos leva a re-conhecer, a compreender o que já sabíamos, ou, pelo menos, teríamos condições de saber. (...) O Leitor ou o espectador da obra de ficção encontrará ali respostas que, individualmente, levaria muitas vidas para obter’ (RODRIGUES, 2004, p. 41).

A partir destes esclarecimentos conceituais, pode-se entranhar no

campo pedagógico junto a suas relações entre a educação e os elementos deste jogo, que também pode ser compreendido como um canal para expressão do sujeito.

No ambiente escolar a ação de expressão e comunicação nem sempre ficam claras devido aos papéis exercidos pelos sujeitos, e as ideiaspré definidas como normas de conduta, em uma estruturaherbárticaonde o professor fala e o aluno escuta. Se direcionarmos a atenção para as reais funções da expressão será possível encontrar definições e distinções que

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esclareçamas características do narrador e do professor. De acordo com o pensamento Filosófico de Lacerda (2006).

A expressão, portanto, é uma relação de ordem entre o que exprime e o que é expresso. O que ocorre com um dos elementos da expressão também ocorre com o outro sem a necessidade de uma relação de causalidade. É necessário somente que se mantenha uma analogia entre ambos. Cada elemento opera segundo suas próprias leis, e analogia garante a correspondência recíproca dessas relações. Essa relação de ordem de modo algum implica necessariamenteuma semelhança. Qualquer efeito é uma expressão de sua causa e disse se segue que traz em si a regra ou lei que a relaciona com sua causa“sua visão é a sua maneira de exprimir os fenômenos, é a sua expressão desse universo único e multiplicado pelas infinitas visões que se pode ter dele” (Lacerda 3, p.78).

Segundo a teoria da expressão de Leibniz (LACERDA, 2006) é possível

conhecer o sujeito por sua expressão, caberia então um processo exploratório diante da expressão do educado, não por aspectos de analise psicológica, mas por percepções do processo de aprendizagem e desenvolvimento. Nestecampo de percepção sobre os papeis sociais de professor e aluno, compreendo que estes não são estáticos, mas estão em movimento continuo e até mesmo mudando de acordo com seu contexto local.

Agora, ao analisar as experiências de expressão por meio de jogos, em especial RPG realizadas de 2011 á 2014, como intervenções com o uso do elemento narrativo,por meio da formação docente de duração semestral realizado na Universidade Federal de Uberlândia, aliado a pesquisa da FAPEMIG, cidade de Uberlândia: História Regional e Local, Ensino Aprendizagem e Jogos Narrativos, n° CHE - APQ-03413-12. Houve assim, a seleção de alguns autores que permitiram compreender a distinçãoe relevância educacional e formativa do narrador de RPG sob uma leitura pedagógica.

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2. O NARRADOR NA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E RPG NA EDUCAÇÃO

Existe uma semelhança sobre a atratividade entre os contadores de histórias e narradores de RPG, mas ao mesmo tempo existem diferenças conceituais gritantes. Neste ponto é importante acentuar essas diferencias . Segundo Chaves (1963) aponta a seguinte definição:

A história é baseada em atos que têm seu fim imediato – sua ênfase é posta na conduta dos personagens, e apela, especialmente, para imaginação e para o sentimento [...]. O que caracteriza uma história é o fato de encerrar ela em uma série de eventos que levam a um fim imediato, eventos que se completam, e que fazem da história uma experiência que começou, se desenvolveu, chegou ao auge e terminou. (p.18)

A mesma autora, descrevefunções e características salutares sobre a

ação educativa da contação de histórias como: -Física: Relaxamento e repouso após atividades exaustivas; -Moral: Estimula sentimentos por meio de modelos de conduta e dá

parâmetros de discernimento entre o correto e incorreto; -Intelectual: Melhoria e enriquecimento do glossário pessoal,

expressão, linguagem, simplificando conceitos. “A média da intelectualidade humana, não entende discursos nem argumentações, porém compreende perfeitamente uma história.” (CHAVES, 1963, p. 22);

-Social: Expor as normas de convivência social, trato e relação; -Religioso: Doutrinas como Cristianismo, Judaísmo, Islamismo,

Hinduismo, entre outras, tem seus ensinamentos transmitidos por contação de histórias.

Para exercitar esta prática, existe uma meticulosa sequência de passos para sua execução, para serem seguidos em ordem seriada:

-Introdução: A apresentação dos fatos, de onde ocorre a história e descrição de personagens. “Há muitos anos, viveu, na Inglaterra, um rapaz chamado Robinson Crusoé...” (CHAVES, 1963, p. 38);

-Enredo: Sucessão de eventos e desenrolar dos fatos;

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-Clímax:: Ponto chave que determina o objetivo maior da história, no qual converge o enredo;

-Conclusão: Resultado final após o clímax, dando satisfação aos ouvintes.

Nesta serie de eventos, agrega que o contar histórias permite uma aprendizagem subjetiva voltada a moral e ética.

Finos ornamentos, joias e ouro o príncipe receberá por profusão, portanto, de mim, ele receberá algo mais precioso que tudo isso. Cada dia de sua vida, desde o dia que tiver idade de entender até que entre na posse da sua maioridade, eu lhe contarei histórias que o farão sábio e justo. E, quando teus dias se findarem em Bagdad, ó Califa, e ele se assentar no trono para reger o seu povo, ele será justo e misericordioso, será rei de quem toda a Arábia se orgulhará. (CHAVES, 1963, p. 26)

A mesma autora ressalta figuras históricas que influenciaram a

humanidade como Confúcio, Sócrates, Platão, Jesus, entre outros, como contadores de histórias para que a população comum compreende-se conceitos complexos, abstratos e diferenciados. Devido a isso Chaves (1963) cita Platão quando afirmava que para se ensinar a uma criança a verdade é necessário ensinar-lhe a ficção.

A contação de histórias se posiciona como um sistema de entretenimento passivo. Sendo uma característica básica, em um processo onde um fala e muitos escutam, contudo quando ocorre um questionamento entre esses dois sujeitos, a autora entra em conflito:

Outra cousa que, as vezes redunda em fracasso é tentar conquistar a atenção, fazendo perguntas às crianças, no meio da história. Começar a descrever certo ambiente e perguntar: Qual de vocês gostaria de ser como aquele menino? [...] Em geral leva os ouvintes a lançar ao da imaginação e as repostas mais descontroladas podem surgir, impossibilitando o narrador de continuar a história. (CHAVES, 1963, p. 58)

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A partir deste parágrafo pode-se diferenciar o RPG da contação de histórias convencional, quando ocorre o ato de ouvir o que o outro pode adicionar na história, que é dele, promovendo uma multiplicidade de olhares e percepções diante de um saber (história) que deixa de ser estático e pertencente somente ao orador e passa a ser de um grupo, ao qual se identifica na relação entre as expressões.

A própria contação de História se aplica de múltiplas formas além do entretenimento infantil, como ocorre a milênios a difusão do mito para compreender o funcionamento do mundo, o RPG surge como uma instrumento para a leitura do mesmo. Essa compreensão é bem descrita por Mark Hein-Hagen, autor de livros de RPG renomados da série World of Darkness.

Ser narrador é parecido com ser o banqueiro do banco imobiliário, só que é ainda mais importante. O narrador descreve o que ocorre com o resultado do que os jogadores fizerem e fazem, cabendo-lhe também decidir se os personagens são bem sucedidos ou se fracassam, sofrem ou prosperam, vivem ou morrem. É uma tarefa árdua mais também muito gratificante: o narrador é um tecelão de sonhos. A tarefa básica do narrador é garantir que os outros jogadores se divirtam. A forma de fazer isso é contar uma boa história. Mas ao contrario dos contadores de histórias tradicionais, o Narrador não se limita a contar a história. Ao invés disso é preciso edificar a estrutura de uma história e permitir que os jogadores a completem vivendo os papéis dos seus personagens principais(MARK HEIN-HAGEN, 1992, 23 p.)

Desta forma acredito que o narrador de RPG se difere do contador de

histórias convencional, pois trabalha por meio da incompletude e recomposição, é ao mesmo tempo um artista e um educador.Pelos parâmetros da sociedade do século XXI, que tem em sua estrutura a participação e interação não só como direito, mas como ação inevitável do cidadão consciente.

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3. O NARRADOR NA SALA DE AULA.

O narrador em sala de aula, promove um exercício de transitar e valorizar as experiências individuais, em prol do desenvolvimento coletivo, junto as singularidades de cada sujeito. De maneira a articular o narrador como um gestor de relações sociais. De acordo com Bakhtin (2003) existe uma intermediação.

O papel dos outros, para quem se constrói o enunciado, é excepcionalmente grande, como já sabemos. Já dissemos que esses outros, para os quais o meu pensamento pela primeira vez se torna um pensamento real (e deste modo também para mim mesmo), não são ouvintes passivos mas participantes ativos da comunicação discursiva. Desde o início o falante aguarda a resposta deles, espera uma ativa compreensão responsiva. É como se todo o enunciado se construísse ao encontro dessa resposta. (BAKHTIN, 2003, p.301)

O exercício desse encontro de diálogos como relevante para a

formação do sujeito como uma interação lúdica, na constituição da relação humana como um jogo cooperativo. De acordo com Dinello (1996), há necessidade da existência do outro, pois é por meio dele que o sujeito pode se expressar, se tornar comunicável e ao mesmo tempo aceito socialmente, devido a isso a estrutura dos jogos concretos necessitam de participantes, pois, não se é possível jogar RPG sozinho.

Essa necessidade do outro, que reforça a imagem do sujeito como ser social, nos permite compreender que a alfabetização e a visão de mundo que o educador apresenta na escola, não contempla totalmente as necessidades fundamentais do sujeito, existe a necessidade de transpor a educação para experiências além do necessário.

A experiência do ser professor é diferente de ser narrador, pois sua postura tem um ângulo instrutivo, mais voltado com maior frequência a cognição, aglutinando provas, trabalhos e leituras, enquanto o narrador caminha por um aspecto dedutivo, expressivo e cosmológico.

Falemos agora sobre experiência, entendo que se divide em duas opções distintas a experiência agradável e a desagradável, acreditar que

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como narrador a experiência torne-se exclusivamente agradável é um desejo irreal, mas é possível que toda a experiência seja proveitosa e produtiva. O historiador Edward Thompson (1981) descrevia que a experiência é dual, existe em dois planos paralelos que denomina de experiência um e experiência dois.

A experiência um é a experiência vivenciada, por exemplo, uma briga entre alunos na sala de aula, todos na sala tiveram a mesma experiência, no mesmo ambiente ao mesmo tempo. Porem logo vem a experiência dois, a experiência percebida a reflexão sobre o que ela trouxe, os impactos, funções, perdas, ganhos, ações, quais o produtos que sugiram e como estes são interpretados.

O narrador atua produzindo experiências e dialogando entre elas de maneira a constituir desafios, para que a percepção dos participantes produza ciclicamente mais experiências. O narrador chega atuar como anunciante, similar aos bardos de outrora, que de acordo com William Blake toma forma.

Escutai a voz do Bardo! Que vê Presente e Passado, E o Futuro, e que escutou O antigo Verbo Sagrado Quando entre as velhas árvores andou, (...) Não fujas, não fujas mais; Se foges, para onde vais? O firmamento que se abre E os úmidos litorais Hão de ser teus até que a noite acabe. (BLAKE, 2011 27 p.)

Retomando o aspecto da experiência, ocorreu uma aula-narrativa

realizada em uma escola pública, onde era notório que o professor se restringia ao livro didático, este foi advertido para que não lê-se para seu aluno, pois este já era alfabetizado, e poderia ler sozinho, seria necessário narrar pois isso educando não consegue fazer sozinho.

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Neste ponto, observo a atuação do mecanismo da zona de desenvolvimento proximal (ZDP)de Vygostky, descrita em um movimento onde indivíduos mais aptos auxiliam outros indivíduos no seu processo de aprendizagem, grosseiramente falando, uma aprendizagem pela socialização e interação com grupos, que vem de encontroa estrutura do RPG, na descrição de Braga (2000):

No decorrer do jogo o elemento principal de sua execução é a linguagem oral, que acaba contribuindo para que o sujeito se expresse cada vez mais e com maior facilidade, pois suas palavras são os instrumentos de que precisa para realizar a interpretação exigida pelo jogo. Por trás delas está um enredo, no caso do Mestre, e um histórico, no caso do jogador. E permeando ambos está o sistema jogado e sua vivências. Como uma fala mais elaborada, os históricos dos jogadores ampliam seu repertório cultural na medida que leem para produzi-los, aumentando o próprio vocabulário, expressando-se melhor oralmente e consequentemente na escrita. É aí que a escrita se evidencia, na construção desses enredos e históricos. Como na interação grupal, temos diferentes idades e escolaridades, ocorre uma constante “troca” entre os sujeitos favorecendo o processo de aprendizagem. Durante as observações foi possível constatar situações de leituras e correções “ortográficas” de históricos de jogadores pelo Mestre, mas sempre de uma forma bem humorada. Isso leva novamente a uma reflexão acerca da concepção de zona de desenvolvimento proximal, onde as 'trocas' com parceiros mais capazes ajudam nas funções ainda não desenvolvidas. O processo ocorre nos grupos de RPG observados em que uns ajudam os outros inclusive no processo da escrita. Na confecção dos históricos o Mestre orientam os jogadores a descreverem, a vida do personagem em detalhes, com riqueza de elementos para que a interpretação seja fiel e coesa, e nesse processo uns auxiliam aos outros, seja no empréstimo de livros, na correção ortográfica ou na conclusividade das histórias individuais. (BRAGA, 2000, pg. 71)

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Neste ponto podemos observar que existe uma relação mesmo que pouco formal, entre o narrador (mestre) e o professor, visto que, a organização do RPG pré dispõe instrumentalmente o narrador como mediador e educador. O sujeito-educando interioriza saberes pela experiência prática do jogo, que cria uma atmosfera cultural de símbolos associados, atuando junto a cognição, mas não necessariamente restringindo-se a ela. Este processo de acordo com Meira (1998), segue o pensamento Vygotskyano:

Ao evidenciar que o indivíduo interioriza determinadas formas de funcionamento que estão dadas pela cultura, mas que ao apropriar-se delas transforma-as em instrumentos de pensamento e ação, Vygotsky estabeleceu as bases para uma nova compreensão da relação entre o sujeito psicológico e o contexto histórico, que resgata o sentido subjetivo e pessoal do homem, mas situando-o na trama complexas das relações sociais. (MEIRA, 1998, p. 64).

Observo que o narrador no RPG atua como proprietário de uma

linguagem, mas não uma metodologia, agindo de uma maneira plural durante o jogo, porem restrito a pequenos grupos com menos de uma dezena de pessoas. Nesta estrutura se pode perceber um reforço das fontes orais, em contra partida a uma diminuição do enunciado da exposição oral, compreendido como

[...] um elo na cadeia da comunicação discursiva e não pode ser separado dos elos precedentes que o determinam tanto de fora quanto de dentro, gerando nele atitudes responsivas diretas e ressonâncias dialógicas. (BAKHTIN, 2003, p.300).

A concepção de Bakhtin (2003) a respeito da palavra escrita e da

linguagem no processo de ensino-aprendizagem não concebe dissociação do mundo. Para Bakhtin, considerar a língua fora de seu contexto social e comum sistema abstrato de normas é deixar de captar a linguagem em toda a sua dimensão, em diferentes aspectos de consciência.

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Não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. (BAKHTIN, 1988, p.95).

Neste perceptiva o narrador possibilita outra forma de leitura de

mundo, com interpretação de textos e contextos, representação simbólica e associações que permitem aos sujeitos atuarem concretamente no mundo, acompanhando seu movimento na transformação dos símbolos da linguagem. Assim, percebo o narrador de RPG faz um movimento constante resgate a cultura oral, de maneira, informal e intuitivo.

Neste processo de narrativa oral, devido a representação de personagens e situações contextualizadas, os envolvidos experimentam sensações além da linguagem falada, talvez por esse motivo a estrutura narrativa habite um caminho pretérito a cognição. Se analisarmos o pensamento de Wittgenstein (1991) poderemos compreender que

Como as palavras se referem a sensações? (...) Por exemplo, da palavra 'dor'. Esta é uma possibilidade: palavras são ligadas à expressão originária e natural da sensação, e colocadas no lugar dela. Uma criança se machucou e grita; então os adultos falam com ela e lhe ensinam exclamações e, posteriormente, frases. Ensinam à criança um novo comportamento perante a dor (WITTGENSTEIN, 1991, p. 244).

A linguagem produzida no RPG constitui o instrumento de expressão

do sujeito na constituição de sua visão de mundo, formatando conceitos e identidade, as percepções e sensações. Porem a linguagem não é apenas a sensação, percepção ou experiência, mas, uma representação simbólica e codificada socialmente de experiências coletivas.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando a os aspectos formadores do RPG, em comparativo a docência e a contação de história, podemos compreender, que a figura do narrador durante a história e na estrutura social toma novas formas para não se extinguir. Crendo que o mesmo se transmuta de acordo com as demandas sócio-culturais no decorrer da história, aparecendo na informalidade naturalmente, fora de instituições estabelecidas, como ocorreu no jogo de RPG, feito de pessoas para pessoas com pessoas, que no momento se encontravam no estado de apreciação da experiência lúdica.

Apresentam-se assim, utilizando da ludicidade, como um mediador das fantasias individuais, evitando que sobrepujem a multiplicidade das fantasias coletivas, promovendo uma amalgama de saberes percebidos.

O professor pode ser um portador desta linguagem, que orienta os educandos sem compara-los e ao mesmo tempo ressaltando a individualidade, para que estes compreendamos parâmetros sociais. O narrador se dispões em uma metalinguagem e uma pré linguagem, transitando entre as interpretações dos envolvidos, permeada por uma história central como eixo, acrescido de histórias paralelas.

O narrador de RPG carrega os elementos para a formação social do sujeito, o gene da aprendizagem para a inserção neste mundo de pró atividade e informação. Por meio da representação de papéis ocorre a interação, iniciativa e interpretação de saberes contextualizados.

Desta maneira a atravessar a ponte da inteligência informacional, até o campo da sabedoria experiencial. Quando o professor se aproxima de ser um contador de história, esta se restringindo a negar a participação do aluno e quando se aproxima de ser um narrador, pode estar indo alem dos muros da escola.

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