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Bioética é uma revista científica idealizada para fomentar a discussão multidisciplinar e plural de temas de bioética e éticamédica. Sua linha editorial, bem como a composição e atuação do Conselho Editorial, são completamente independentesdo plenário do CFM. Os artigos são de inteira responsabilidade dos autores e não expressam, necessariamente, a posiçãooficial do Conselho.

BBiiooééttiiccaa VVoolluummee 1144,, nnúúmmeerroo 11 -- 22000066

EEddiittoorr – Clóvis Francisco ConstantinoEEddiittoorraa eexxeeccuuttiivvaa – Dora PortoJJoorrnnaalliissttaa rreessppoonnssáávveell – Antonio Marcelo - MTB/DF 11747CCooppiiddeessqquuee//rreevviissoorr – Napoleão Marcos de AquinoTTrraadduuççõõeess – Kenia Alves (espanhol), Ana Maria Tapajós e Átila Regina de Oliveira (inglês)NNoorrmmaalliizzaaççããoo bbiibblliiooggrrááffiiccaa – Eliane M. Medeiros e Silva - CRB 1ª região/1678SSeeccrreettaarriiaa – Eliane M. Medeiros e Silva e Sandro Quintino GuedesEEddiittoorraaççããoo eelleettrrôônniiccaa – Via Brasil - Consultoria & Marketing LtdaGGrrááffiiccaa – Posigraf

Tiragem 10.000 exemplares

CCoonnsseellhhoo eeddiittoorriiaall – Antônio Carlos Mendes, Arnaldo Pineschi de Azeredo Coutinho, Corina Bomtempo Duca de Freitas,Délio José Kipper, Gabriel Oselka, Leocir Pessini, Lucilda Selli, Luiz Salvador de Miranda Sá Junior, Maria Clara FeitosaAlbuquerque, Mário Roberto Hirschheimer, Mayana Zatz, Miguel Kfouri Neto, Nelson Grissard, Raquel E. Ferreira Dodge,Reinaldo Ayer de Oliveira, Roberto Luiz D’Avila, Roni Marques, Volnei Garrafa.

CCoonnsseellhhoo FFeeddeerraall ddee MMeeddiicciinnaaSGAS 915, Lote 72 - Brasília/DF - CEP 70390-150

Fone: (61)3445 5900Home-page: http://www.portalmedico.org.br

E-mail: [email protected]

Ficha Catalográfica

Bioética.14, n º 1 -- 2006. Brasília, Conselho Federal de Medicina, 2006.

Semestral

1. Bioética. I. Conselho Federal de Medicina

ISSN 0104-1401 CDU 614.25(05)

Copyright © 2006 Conselho Federal de Medicina

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Editor: Clóvis Francisco Constantino, pediatra, diretor do Conselho Federal de Medicina (2004/2009),presidente do Departamento de Bioética da Sociedade Brasileira de Pediatria, presidente da Sociedade dePediatria de São Paulo (1998-2000), presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo(2003-2004), consultor de Bioética e membro do Centro de Estudos do Conjunto Hospitalar doMandaqui/SP.

Editora executiva: Dora Porto, antropóloga, especialista em Bioética e doutora em Ciências da Saúdepela Universidade de Brasília (UnB).

Conselho editorial

AAnnttôônniioo CCaarrllooss MMeennddeess é mestre e doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP),professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC/SP e do Departamento de Filosofia e TeoriaGeral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

AArrnnaallddoo PPiinneesscchhii ddee AAzzeerreeddoo CCoouuttiinnhhoo é médico, especialista em Administração Hospitalar e MBA emGerência em Saúde, conselheiro e diretor 1º tesoureiro do Conselho Regional de Medicina do Estado do Riode Janeiro e membro efetivo dos Comitês de Bioética da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro eda Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro.

CCoorriinnaa BBoommtteemmppoo DDuuccaa ddee FFrreeiittaass é pediatra, sanitarista, especialista em Gestão Pública e Qualidade, doutoraem Ciências pelo Departamento de Medicina Preventiva da USP, diretora de Pesquisa e Comunicação Científicada Escola Superior de Ciências da Saúde/Fepecs/SESDF e editora da Revista Comunicação em Ciências da Saúde.

DDéélliioo JJoosséé KKiippppeerr é mestre em Pediatria e coordenador do Departamento de Pediatria do Hospital São Lucase do Comitê de Ética em Pesquisa da PUC/RS.

GGaabbrriieell OOsseellkkaa é professor associado do Departamento de Pediatria e do Departamento de Medicina Legal,Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do Centrode Bioética do Cremesp.

LLeeoocciirr PPeessssiinnii é professor-doutor em Teologia Moral e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas doCentro Universitário São Camilo/SP.

LLuucciillddaa SSeellllii é professora-doutora e pesquisadora do programa de pós-graduação em Saúde Coletiva daUniversidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)/RS.

LLuuiizz SSaallvvaaddoorr ddee MMiirraannddaa SSáá JJuunniioorr é livre docente e professor titular em Psiquiatria da Universidade Federaldo Mato Grosso do Sul (UFMS).

MMaarriiaa CCllaarraa FFeeiittoossaa AAllbbuuqquueerrqquuee é coordenadora da disciplina de Bioética para graduação e pós-graduaçãodo curso de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pós-doutorada em Bioéticapela Universidade Complutense de Madrid.

MMáárriioo RRoobbeerrttoo HHiirrsscchhhheeiimmeerr é médico, 2º vice-presidente da Associação de Pediatria de São Paulo, presidentedo Departamento de Bioética da Associação de Pediatria de São Paulo e membro do Departamento deBioética da Sociedade Brasileira de Pediatria.

MMaayyaannaa ZZaattzz é graduada, mestre e pós-doutorada em Ciências Biológicas pela USP e professora titular da USP.

MMiigguueell KKffoouurrii NNeettoo é desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, mestre e doutor em Direito eprofessor da Escola de Magistratura do Paraná e do curso de mestrado da Faculdade Estadual de Direito doNorte Pioneiro Jacarezinho/PR.

NNeellssoonn GGrriissssaarrdd é conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina.

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RRaaqquueell EE.. FFeerrrreeiirraa DDooddggee é procuradora regional da República.

RReeiinnaallddoo AAyyeerr ddee OOlliivveeiirraa é professor-doutor assistente do Departamento de Medicina Legal, Ética Médica,Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da USP, coordenador do curso de Bioética daFaculdade de Medicina da USP e coordenador da Câmara Técnica de Bioética do Conselho Regional deMedicina do Estado de São Paulo.

RRoobbeerrttoo LLuuiizz DD’’AAvviillaa é especialista em Cardiologia, mestre em Neurociências e Comportamento e professoradjunto da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

RRoonnii MMaarrqquueess, é mestre em Medicina (Pneumologia) e ex-professor adjunto de Medicina da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ).

VVoollnneeii GGaarrrraaffaa é professor titular e coordenador da Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília(UnB) e presidente do Conselho Diretor da Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética da Unesco(Redbioética).

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Sumário

Artigos

Editorial

Simpósio

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Princípios de direito e de justiça na distribuição de recursos escassosPaulo Gilberto Cogo Leivas 9

Mulheres HIV/Aids: silenciamento, dor moral e saúde coletivaLucilda Selli & Petronila Libana Cechim 17

Cuidando dos cuidadoresDélio José Kipper 27

A presença de cuidadores familiares nas instituições: questão de dignidade humanaDélio José Kipper 29

Um olhar reflexivo: os que cuidam dos cuidadores Rosa Maria do Carmo de Melo Wald 41

Desafios para a psicologia no cuidado com o cuidadorMaria Estelita Gil & Letícia Domingues Bertuzzi 49

Estratégias do Serviço Social para atenuar o sofrimento e tornar a ajuda ao paciente mais humana Magda Suzana da Silva Ferreira & Laura dos Santos Lunardi 61

Cuidando com musicoterapia: 10 anos de musicoterapia no Hospital São Lucas Maria Elena S. S. Gallicchio 69

Cuidando de cuidadores de idososCarla H. A. Schwanke & Anamaria G. S. Feijó 83

Grupo de reflexão como espaço para cuidar dos cuidadores Plinio Carlos Baú 93

Cuidando dos cuidadores em um serviço de neonatologia: quem cuida de quem cuida?Ângela Fleck Wirth 97

Programa voluntário de apoio à UTI neonatal Renato Machado Fiori, Eloana Tusi Mann & Zaira Luft 109

Normas para publicação 113

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A bioética é um campo de estudo, reflexão e produção de práticas éticas na área dasaúde que vem passando por grandes transformações ao longo dos mais de 40 anos deseu surgimento e progressiva consolidação. Atualmente, constitui terreno de reflexãotransdisciplinar e plural, envolvendo o conhecimento de diversas áreas e buscandoresponder aos imperativos do contexto social no qual se insere.

Nas últimas décadas, a bioética vem ampliando seu campo de atuação para fornecerferramentas teóricas e conceituais voltadas não apenas aos conflitos da prática oupesquisa clínicas, mas, também, àqueles que decorrem diretamente das estruturassociais, da desigualdade socioeconômica, pobreza e exclusão; aos problemas geradospor comportamentos e hábitos de vida pouco saudáveis e aos impasses no campoambiental que ponham em risco a qualidade de vida e a sobrevivência da espéciehumana. Dessa forma, a discussão bioética incorpora desde as moralidades quemanifestam as assimetrias entre profissionais, pacientes e usuários das instituições naárea da saúde e da pesquisa até aquelas que subjazem à dinâmica social.

Na qualidade de publicação pioneira no Brasil neste campo, a revista Bioética procurarefletir tal evolução trazendo tanto artigos de interesse geral como voltados àsespecificidades da clínica e da pesquisa. Em todos, o debate apresentado tem como

foco a preocupação de incentivar a reflexão sobre osparâmetros éticos que devem orientar a práxis, querna atuação profissional quer na dimensão social.Alguns dos trabalhos chegam a apontar e debater,explicitamente, as moralidades e os parâmetros éticosque condicionam a prática profissional e social,enquanto outros discutem aspectos normativos,técnicos ou relacionais a elas associados. Em qualquercaso, a revista Bioética vem respondendo ao interessedo Conselho Federal de Medicina em produzir umperiódico científico capaz de fomentar no país adiscussão de temas de bioética e ética médica,contribuindo, assim, para o aprimoramento daprática profissional, a construção da cidadania plenae o fortalecimento da democracia.

Nesse sentido, este número 1 do volume 14 trazcontribuições relevantes. Restrito às seções de Artigose Simpósio, apresenta diversos trabalhos quediscorrem sobre aspectos significativos que, direta ouindiretamente, envolvem os processos de saúde eadoecimento. O primeiro artigo, Princípios de direito

Editorial

Clóvis Francisco ConstantinoEditor

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e de justiça na distribuição de recursos escassos, do procurador regional da República PauloGilberto Cogo Leivas, tem por objetivo apresentar a tese dos direitos fundamentais sociaisenquanto princípios e como direitos prima facie, propondo parâmetros para ponderarsobre as demandas judiciais de tais direitos. O segundo trabalho, Mulheres HIV/Aids:silenciamento, dor moral e saúde coletiva, decorrente de pesquisa das professoras LucildaSelli e Petronila Libana Cechim, aprofunda a discussão sobre os padrões morais quesustentam as relações de gênero e sua influência na transmissão do vírus HIV/Aids entre asmulheres, principalmente as que vivem em relação estável, heterossexuais e monogâmicas.

O simpósio, organizado pelo professor Délio Kipper e colaboradoras, traz uma série detrabalhos de diversos autores que refletem sobre o cuidado ao cuidador. Englobando desdeos cuidados demandados pelos pacientes, os artigos discutem também os cuidados queprecisam ser providos aos acompanhantes e famílias, aos profissionais de saúde – para obom desempenho de suas atividades laborais – ou aos estudantes e residentes de medicinapara garantir a qualidade do processo de formação. A maior parte desses trabalhos,distribuídos nos dois números que compõem este volume, decorre de iniciativasimplementadas no Hospital São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grandedo Sul, bem como de vivências de pacientes e acompanhantes atendidos por essesprojetos. Neste número, o foco recai sobre as vivências dos pacientes e seus cuidadoresfamiliares e nas iniciativas adotadas para atenuar seus sofrimentos. A diversidade dosaspectos abordados e a riqueza contida em sua apresentação tornam esse material umexcelente conjunto de textos voltados para promover a reflexão dos profissionais de saúdesobre a importância do cuidado para todos na prática cotidiana.

Quanto ao cenário da obra, estamos iniciando um trabalho de adequações gráficas a partirdeste número, que tem por objetivo, acreditamos, facilitar a compreensão, o estudo e areflexão crítica dos valores e idéias apresentados.

Minhas saudações e boa leitura.

CCllóóvviiss FFrraanncciissccoo CCoonnssttaannttiinnooEEddiittoorr

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ArtigosBB

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Princípios de direito e de justiça na distribuição de recursos escassos

Paulo Gilberto Cogo Leivas

RReessuummoo:: O presente artigo objetiva apresentar a tese dos direitos fundamentais sociais enquantoprincípios e como direitos prima facie. Essa tese reconhece que os direitos fundamentais sociais, emgeral, apresentam normas que podem ser caracterizadas como princípios e como direitos primafacie. Tais direitos podem ser realizados em diferentes graus e estão sujeitos à reserva do possível.Serão discutidos critérios para decisões acerca da concessão ou não de bens e serviços que satis-façam os direitos sociais, em especial o direito à saúde. O conjunto de tais critérios e fórmulas cons-titui a chamada proporcionalidade em sentido amplo. Esses critérios jurídicos devem ser comple-mentados por critérios adicionais, por exemplo, pelos princípios de justiça.

Paulo Gilberto Cogo LeivasMestre e doutorando em Direitopela Universidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS) eprocurador regional da República

Na Constituição Federal de 1988 a inclusão dos direitossociais no rol de direitos fundamentais tem-se refletido emuma práxis judicial que reconhece plenamente os direitos so-ciais, mesmo que enunciados em termos genéricos, como odireito à saúde e à educação, por exemplo. A ampla aceitação,entre os juristas e magistrados, de uma teoria constituciona-lista que propugna por um fortalecimento da atuação doPoder Judiciário na defesa e promoção de direitos fundamen-tais, entre os quais o direito à saúde, decorre do reconheci-mento de que a inclusão de tais direitos na Carta Magna foi,indubitavelmente, uma vitória na construção da cidadania.Tal perspectiva integra, igualmente, uma concepção ampla dedireitos humanos segundo a qual os direitos de primeira ge-ração (liberdade, vida, propriedade) e de segunda geração(saúde, educação, trabalho etc.) são entendidos como indi-visíveis e interdependentes.

A ênfase na garantia aos direitos de segunda geração peloPoder Judiciário tem provocado certa controvérsia quedecorre, em grande medida, da falta de critérios e carência de

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PPaallaavvrraass--cchhaavvee:: Judiciabilidade dos direitos sociais. Direito à saúde, Direitos prima facie. Critérios dedecisão. Recursos escassos. Reserva do possível. Proporcionalidade. Princípios de justiça.

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fundamentação de decisões judiciais que conce-dem benefícios, em geral na área da saúde, semmaiores considerações acerca de suas conse-qüências na esfera das políticas públicas e narealização de outros direitos sociais de outrosindivíduos, muitas vezes em ou com maioresnecessidades que a do autor da ação judicial – oque causa, neste momento, perplexidade.

Essa perplexidade gera três atitudes básicas. Aprimeira propugna pelo deficit de normativi-dade das normas constitucionais que veiculamdireitos sociais, o que produz duas posições:negar qualquer ‘justiciabilidade’ aos direitossociais1 ou conceder-lhes eficácia restrita àsprestações que compõem o chamado mínimoexistencial2, 3 – por exemplo, com a garantia deapenas um nível básico de saúde. A segundanão aceita restrições aos direitos sociais, sejapor motivos pragmáticos (impossibilidade fáti-ca de verificação dessas restrições no processojudicial ou, no caso do direito à saúde, autori-dade do médico que prescreve o medicamentoou tratamento) ou normativos (não é com-petência do Judiciário avaliar essas possibili-dades). Essa posição prevalece hoje najurisprudência dos tribunais brasileiros, prin-cipalmente a partir do argumento da autori-dade absoluta do médico que assiste ao autorda ação judicial. A terceira propugna soluçãode compromisso entre uma posição negatóriade eficácia aos direitos sociais e outra que nãoadmite restrições. Nessa terceira opção, naqual me filio4, reconhece-se a ‘justiciabilidade’plena dos direitos sociais, porém enquantoprincípios e como direitos prima facie. Essaposição será aqui apresentada em seus con-tornos gerais.

O presente artigo objetiva apresentar a tese da‘justiciabilidade’ dos direitos fundamentaissociais. Essa tese reconhece que os direitos fun-damentais sociais, em especial o direito à saúde,em geral apresentam normas que podem sercaracterizadas como princípios e como direitosprima facie. Tais direitos podem ser realizadosem diferentes graus e estão sujeitos à reserva dopossível. Este é o objeto do primeiro tópico. Nosegundo, serão propostos critérios para decisõesacerca da concessão ou não de bens e serviçosque satisfaçam os direitos sociais, em especial odireito à saúde. O conjunto de tais critérios efórmulas forma a chamada proporcionalidadeem sentido amplo. O terceiro tópico discutirácritérios adicionais, não jurídicos, que Perel-man denominou como princípios concretos dajustiça.

RReesseerrvvaa ddoo ppoossssíívveell ee ddiirreeiittooss pprriimmaa ffaacciiee

Um direito prima facie significa que o fato deum princípio valer para um caso não infere quevalha como resultado definitivo. Os princípiosapresentam razões que podem ser deslocadaspor outras razões opostas5, 6, 7. Desse modo, porexemplo, o direito à saúde previsto na Consti-tuição Federal é entendido como direito primafacie, que vale como razão a favor da realizaçãodo seu conteúdo normativo, que pode ser omais amplo possível, mas que pode ser desloca-da por princípios opostos.

Isso significa que esses direitos prima facieexigem realização a mais ampla possível. Entre-tanto, são admitidos graus diferentes decumprimento. Para a definição dos mesmos

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deverão ser avaliadas as possibilidades fáticas ejurídicas. Esse grau pode ser zero (inexistênciade direito social definitivo), mediano (porexemplo, conceder medicamentos para algumassituações e negar para outras) ou máximo (opedido é aceito na íntegra). A exigência daavaliação dessas possibilidades é chamada dereserva do possível.

Portanto, somente após a análise da reserva dopossível poder-se-á alcançar o grau definitivoda realização dos direitos sociais. O direitodefinitivo ou não-direito definitivo corres-ponde à decisão no processo judicial ou extra-judicial (administrativo, do Ministério Públi-co etc.).

Cumpre verificar, então, que tipos de avaliaçõessão realizados na reserva do possível. A reservado possível compreende aspectos empíricos enormativos. Os aspectos empíricos estão liga-dos às condições dos recursos/bens existentes edos recursos/bens pretendidos. Quanto aosrecursos disponíveis trata-se, por exemplo, daquantificação dos recursos financeiros previstosno orçamento público, a quantidade de leitosem unidades de terapia intensiva (UTI) e deórgãos disponíveis para transplantes em deter-minado momento. Quanto aos recursos (bens)pleiteados, trata-se de verificação do seu grau deeficácia/efetividade.

Os recursos para a realização dos direitos sociaissão escassos e sua distribuição, caso se queirajustiça, exige critérios normativos. Assim,aspectos normativos compreendem uma avalia-ção da justiça ou da correção no reconheci-mento de um direito definitivo a uma prestação

social. Ela pressupõe sempre um conhecimen-to, o mais exato possível, das questões empíri-cas, preferencialmente embasadas nas melhoresevidências científicas disponíveis.

A Constituição, as leis e as normas infralegais(decretos, portarias, regulamentos) estabele-cem critérios a serem observados obrigatoria-mente pelos órgãos administrativos e judiciaisna definição dos bens e serviços a serem presta-dos e seus respectivos beneficiários. Essescritérios podem estar relacionados a priori-dades na distribuição de bens, ou seja, critériossobre critérios, ou em definições concretassobre bens, serviços e destinatários. Noprimeiro caso, a Constituição estabelece prio-ridade absoluta às crianças e aos adolescentesquanto à saúde, educação, alimentação etc.,conforme determina o art. 227. Do mesmomodo, a Lei 10.741 (Estatuto do Idoso)garante prioridade absoluta ao idoso no atendi-mento à saúde, cultura etc. No segundo caso,a Lei 9.908, de 16 de junho de 1993 (RioGrande do Sul), garante distribuição gratuitade medicamentos excepcionais a pessoas ca-rentes e a Portaria SAS/MS 449, de 8 dejulho de 2002, estabelece critérios para ainclusão de pacientes em protocolo clínico paratratamento da doença de Gaucher.

Se a legislação estabelecesse normas suficiente-mente claras e não-contraditórias entre si, nãose necessitaria recorrer a normas ou critériosnão positivados. Uma vez que muitas normasnão são suficientemente claras, são por demaisgenéricas (como a citada garantia do direito àsaúde, constante do art. 6º da Constituição),contraditórias umas com as outras ou ainda

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omissas, faz-se necessário recorrer aos chama-dos cânones de interpretação e, inclusive, comohodiernamente se reconhece, a argumentosnão-jurídicos, como é o caso dos princípiosconcretos de justiça.

PPrreecceeiittoo ddaa pprrooppoorrcciioonnaalliiddaaddee::ccrriittéérriiooss jjuurrííddiiccooss ppaarraa ddeecciissããoo eemmccaassooss ddee ddiirreeiittooss ssoocciiaaiiss

O direito constitucional contemporâneo desen-volveu uma metodologia de decisão, chamadaproporcionalidade em sentido amplo, que podeser utilizada no processo de judicialização dosdireitos sociais e compreende três etapas: ade-quação, necessidade e proporcionalidade emsentido estrito. Isso ocorre da seguinte forma:parte-se de um direito social prima facie quegarante, de modo o mais amplo possível,prestações sociais. No caso do direito à saúde,há direito a um completo bem-estar físico,mental e social. Essa interpretação ampla dodireito prima facie exige que sejam consideradastodas as medidas requeridas para alcançar esseestado. Cada uma, consubstanciada em bens eserviços, será avaliada de acordo com sua ade-quação, necessidade e proporcionalidade emsentido estrito.

No primeiro momento avalia-se a adequaçãoou efetividade da medida. Por exemplo, verifi-ca-se se o medicamento é adequado ou efetivopara determinado paciente. Uma medida ouprestação não será adequada se não possuirnenhuma eficácia. A questão a ser enfrentadaé a de que a avaliação dessa eficácia pressupõeentendimento do fim ou objetivo a seralcançado enquanto exigência da norma.

No caso do direito à saúde, se o termo saúdefor entendido como ausência de qualquerenfermidade, uma medida seria consideradaadequada se levasse à cura de determinadadoença. Se entendido como completo bem-estar físico, mental e social, uma medida seriaadequada se conduzisse a tal estado. Alémdisso, como são admitidos diferentes graus decumprimento na realização dos direitos soci-ais, uma medida é adequada, no primeirocaso, se contribuir em algum grau para a curado paciente; e no segundo, se trouxer aumen-to de bem-estar em comparação com o estadoanterior ao uso do medicamento.

No segundo momento, quando da avaliaçãoda necessidade da medida, as prestações plei-teadas pelo paciente são comparadas com ou-tras prestações não pleiteadas, mas disponíveis.Essa comparação exige a construção de escalade realização da saúde. Dito de outra forma,trata-se da avaliação do grau de eficácia decada medida em relação ao fim a ser alcança-do. Mas, além disso, exige-se também umaavaliação dos efeitos ou impacto dessa medidanos direitos de outros indivíduos ou bensjurídicos coletivos. Ressalte-se que esseimpacto também pode ser estabelecido emescalas, que podem ser triádicas simples (grausleve, médio e forte), duplas (leve-leve, leve-médio [...] grave-grave) etc.

Assim, por exemplo, se determinado medica-mento pleiteado produz leve aumento de bem-estar e forte impacto em outros bens jurídicos(implicando considerável impacto no orçamen-to da saúde) e existe outro medicamentodisponível que produz forte aumento de bem-

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estar (saúde) e médio impacto no orçamentoda saúde e nos direitos à saúde de outros indi-víduos, então há de se julgar não necessária amedida pleiteada, fazendo jus o demandante aooutro medicamento. Portanto, a medida seránecessária quando não houver alternativa àmesma (não há outra medida adequada) ouseja mais gravosa que a medida pleiteada.

Tanto as análises da adequação quanto danecessidade exigem, como afirmado, umpadrão ou objetivo a ser considerado comomedida ideal ou ótima, por exemplo, de saúde(qualidade de vida, bem-estar etc). Desse modo,poderiam ser construídas escalas de realizaçãodo direito à saúde.

As análises da adequação e necessidade podemlevar ao reconhecimento de um não-direitodefinitivo a uma prestação social com base naineficácia da medida (sua não adequação) ou naexistência de uma medida que satisfaça o direi-to em grau igual ou maior que a prestação plei-teada e cause menor impacto em outros direitosou bens coletivos (a não necessidade). Issoimplica no indeferimento do pedido judicial ouadministrativo.

Entretanto, mesmo que a medida seja adequadae necessária cabe ainda a análise da proporciona-lidade em sentido estrito, também chamada pon-deração. Aqui também se procede a uma com-paração, não mais entre diferentes prestações –como o caso da necessidade –, mas entre direitosou princípios, opostos uns aos outros.

Vamos supor que o medicamento pleiteado éadequado, pois aumenta a qualidade de vida,

bem-estar ou saúde, e necessário, haja vista nãoexistir outro medicamento para o problema emquestão ou, se existir, apresenta eficácia menorque a do medicamento pleiteado. Ponderar sig-nifica estabelecer pesos e colocá-los em uma ba-lança. A ponderação de direitos exige verificaçãodo impacto da medida nos direitos de outrosindivíduos ou da coletividade e o grau de bene-fício a ser alcançado pelo indivíduo caso fossedeferido o bem/serviço pleiteado. A fórmula aser aplicada é a seguinte: uma medida não seráproporcional em sentido estrito caso o grau derealização do direito social seja menor que oimpacto ou afetação dos bens e direitos de ou-tros indivíduos ou da coletividade. Isso quer dizerque se o benefício for pequeno e o impacto nosdireitos de outros for grande, então o indivíduonão fará jus àquela prestação. Ao contrário, se obenefício for maior que o impacto, fará.

OOss pprriinnccííppiiooss ccoonnccrreettooss ddee jjuussttiiççaa

Essa ponderação não prescinde dos chamadosprincípios concretos de justiça – aplicados como objetivo de concretizar o chamado princípioformal de justiça, que corresponde à idéia deigualdade. No caso da saúde, a igualdadeimplica ser dever do Estado tratar igualmentea todos os indivíduos na prestação de bens eserviços de saúde. Essa igualdade pode serentendida de diferentes modos. Perelman sele-cionou seis princípios de justiça que expressamas posições centrais de numerosas discussões:1) A cada um a mesma coisa; 2) A cada umsegundo seus méritos; 3) A cada um segundosuas obras; 4) A cada um segundo sua posição;5) A cada um segundo suas necessidades; 6) Acada um segundo o que a lei lhe atribui8.

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O princípio a cada um a mesma coisa implicaigualdade absoluta; contudo, não prescinde deoutros critérios que estabeleçam a classe de indi-víduos e os direitos que lhes serão atribuídos.

A cada um segundo seus méritos traz a difi-culdade de estabelecer critérios que meçam omérito de uma pessoa. Isso implica ter quedecidir o critério capaz de estabelecer o méri-to: seria a intenção, a ação ou o sacrifício rea-lizado? No caso da saúde, a aplicação de talprincípio traz como conseqüência a possibili-dade de priorizar uma pessoa que levou umavida saudável em detrimento de outra quelevou uma vida desregrada. A aplicação de talcritério, na saúde, é altamente discutível.

A cada um segundo suas obras leva em consi-deração não a intenção ou o sacrifício, mas oresultado da ação. Por exemplo, um concursopúblico seleciona o candidato aprovado, semmensurar o grau de sacrifício do mesmo paraalcançar tal resultado. No caso da saúde, essaaplicação é também discutível.

A cada um segundo sua posição é fórmula aris-tocrática de justiça, lamentavelmente aplicadano Brasil em relação à saúde (serviço público eprivado) e educação (escola pública e privada).

A cada um segundo suas necessidades é oprincípio por excelência a ser aplicado na dis-tribuição dos recursos de saúde. Isso significagraduações de necessidade, o que pode corres-ponder aos conceitos de qualidade de vida ou

bem-estar, anteriormente referidos. Segundo ocritério da necessidade, deve-se priorizar quemmais necessita. Esse princípio deve ser aindacombinado com um critério adicional de eficá-cia ou efetividade da medida que satisfaça essanecessidade, bem como com os critérios legaisde priorização de idosos, crianças etc. Taiscritérios devem ser aplicados por ocasião daanálise da ponderação ou proporcionalidadeem sentido do bem ou serviço de saúde, como,por exemplo, o acesso a medicamentos, plei-teado perante a administração pública e oPoder Judiciário.

A cada um segundo o que a lei lhe atribui seriao princípio mais adequado caso as leis não apre-sentassem os problemas e lacunas anterior-mente discutidos. Em um estado de direito,como o nosso, tal critério deve ser aplicado,mas não resolve os problemas levantados.

CCoonnssiiddeerraaççõõeess ffiinnaaiiss

A aplicação da proporcionalidade em sentidoamplo (adequação, necessidade e proporciona-lidade em sentido estrito), combinada com oprincípio da igualdade, com o princípio dejustiça concreto – a cada um segundo suasnecessidades – e outros critérios legais, permiteque os direitos sociais constitucionais sejamlevados a sério sem que resulte, dessa ‘justicia-bilidade’, iniqüidades muitas vezes provocadaspor decisões judiciais que não procedem à afe-rição da proporcionalidade da medida e igno-ram a exigência da reserva do possível.

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RReessuummeenn

Principios de derechos y de justicia en la distribuición de los recursos escasos

El objetivo de este artículo es presentar la tesis de los derechos fundamentales sociales en cuanto queprincipios y como derechos prima facie. Esta tesis reconoce que los derechos fundamentales sociales,en especial el derecho a la salud, presenta, por lo general, normas que pueden ser caracterizadas, ala vez, como principios y como derechos prima facie. Dichos derechos pueden ser realizados en gra-dos distintos y están sujetos a la reserva de lo posible. Se demostrarán los criterios para las decisionesacerca de las concesiones o no de bienes y servicios que satisfagan los derechos sociales, en especialel derecho a la salud. El conjunto de dichos criterios y fórmulas constituye la llamada proporciona-lidad en amplio sentido. Dichos criterios jurídicos deben de ser complementados por criterios adi-cionales como, por ejemplo, los principios de la justicia.

PPaallaabbrraass--ccllaavvee:: Justiciabilidad de los derechos sociales. Derecho a la salud. Derechos prima facie. Cri-terios de decisión. Recursos escasos. Reserva de lo posible. Proporcionalidad. Principios de justicia.

AAbbssttrraacctt

Law and justice principles for distributing scarce resources

The present article intends to expose the thesis of social fundamental rights as principles and rightsprima facie. This thesis acknowledges that these rights, specially the right to health usually are containedin norms that may be characterized as principles and rights prima facie. These rights may admit manydegrees in compliance and are subject to the limits of what is possible. The article will show decisioncriteria for provision of goods and services that can fulfill social rights, specially the right to health. Theselegal criteria must be complemented by additional ones as for instance by the principles of justice.

KKeeyy wwoorrddss:: Justiciability of social rights. Right to health. Prima facie rights. Decision criteria. Scarceresources. Limit of the possible. Proportionality. Principles of justice.

RReeffeerrêênncciiaass

1. Atria F. Existem direitos sociais? Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul 2005;56:9-46. 2. Torres RL. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. Revista de Direito Administrativo

1989;177 Jul./Set:29-49. 3. Barcellos AP. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade humana.

Rio de Janeiro: Renovar, 2002.4. Leivas PGC. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.5. Alexy R. Theorie der grundrechte. Frankfurt Am Main: Suhrkamp, 1996. p. 87.6. Ross WD. The right and the good. Oxford, 1930 apud Alexy R. Op.cit.7. Dancy J. An ethic of prima facie duties. In: Singer P. A companion to ethics. Oxford: Blackwell

Publishing, 1991. p. 218-29. (Blackwell companion to philosophy).8. Perelman C. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

CCoonnttaattoo

Paulo Gilberto Cogo Leivas – [email protected]

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Mulheres HIV/Aids: silenciamento, dor moral e saúde coletiva

Lucilda SelliPetronila Libana Cechim

RReessuummoo:: O presente estudo visa conhecer os motivos que levam as mulheres infectadas peloHIV/Aids ao silenciamento da doença, bem como identificar até que ponto estabelecem relação designificado entre o silêncio e a saúde da coletividade. Estudo exploratório descritivo de naturezaqualitativa, focalizou mulheres que buscaram o serviço de atendimento especializado para dia-gnóstico e tratamento do HIV/Aids, da secretaria de Saúde do município de São Leopoldo/RS. Aamostra foi intencional e atingiu 98 mulheres entre 21 e 40 anos, portadoras da infecção pelo HIVou com aids. Os dados foram obtidos por meio de entrevista semi-estruturada e agrupados emtemas para posterior análise. A contaminação ocorreu quase exclusivamente por relação heteros-sexual. A crença na “fidelidade” do parceiro influencia sobremaneira a atitude silenciosa das mu-lheres. O medo e seus diferentes significados reforça, nas mulheres, essa atitude.

Lucilda SelliProfessora-doutora em Bioéticado programa de pós-graduaçãoem Saúde Coletiva, Universidadedo Vale do Rio dos Sinos(Unisinos)/RS

PPaallaavvrraass--cchhaavvee:: Mulher. HIV/Aids. Silêncio. Dor moral. Saúde coletiva.

A síndrome de imunodeficiência adquirida (aids) cada vezmais constitui sério problema de saúde pública em todo omundo1. A epidemia, cujos primeiros casos foram notifica-dos na década de 80, é até a presente data ainda um desafioà comunidade científica, profissionais de saúde e populaçãoem geral2, 3, 4. A síndrome desafia a revisão dos conceitos desaúde e a busca de estratégias para o controle das taxas deincidência e melhoria da qualidade de vida dos portadores dovírus HIV e doentes de aids, quer individual ou coletiva-mente.

Os dados epidemiológicos mundiais mostram que novos casosda infecção atingem 14 mil pessoas diariamente – 50% dosquais em mulheres e crianças –, em sua grande maioria depaíses em desenvolvimento ou subdesenvolvidos5. No Brasil,conforme dados do Boletim epidemiológico da aids6, entre1980 e 2003 foram diagnosticados e notificados 310.310casos. A epidemia atinge, principalmente, pessoas na fasereprodutiva, com baixa escolaridade. O número de mulheresheterossexuais infectadas, contaminadas por exposição sexual

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Petronila Libana Cechim Professora mestra em Assistência àEnfermagem na Saúde da Mulherdo programa de pós-graduaçãoem Saúde Coletiva, Universidadedo Vale do Rio dos Sinos(Unisinos)/RS

ou uso de drogas injetáveis, vem aumentando paulatina-mente. Essas formas de transmissão estão diretamente rela-cionadas ao diagnóstico e notificação de 8.843 casos peri-natais6. Estima-se que ocorram anualmente 17 mil novoscasos de gestantes HIV positivo no Brasil e apenas cerca de30% desses, ou seja, 6 mil gestantes, recebem tratamento acada ano.

No Brasil, a aids tem-se caracterizado pela interiorização, he-terossexualização, pauperização e feminização6, 4. A feminiza-ção da epidemia do HIV/Aids está relacionada à vulnerabili-dade da mulher, por suas características biológicas, sociais eculturais favoráveis à contaminação4 – como conseqüência hásignificativo número de crianças contaminadas pela transmis-são vertical6.

Para garantir maior adesão dos profissionais de saúde às açõese alcance das propostas do Ministério da Saúde, a epidemiaprecisa ser encarada como fenômeno social, com seus mitos eestereótipos. Essa premissa auxilia a quebra do silêncio e oenfrentamento dos medos que envolvem as mulheres que,atualmente, constituem o segmento populacional mais vul-nerável ao vírus.

A disseminação do HIV/Aids e os conflitos vivenciados pelaspessoas que se sabem portadoras devem constituir uma daspreocupações centrais dos profissionais de saúde. A pesquisabuscou conhecer razões alegadas pelas mulheres comHIV/Aids para o silêncio diante da doença, embora comrepercussões negativas para a sua saúde e a da coletividade. Ointeresse pelo estudo foi suscitado a partir dos resultados depesquisa realizada anteriormente por Cechin, com mulheresgestantes, moradoras no município de São Leopoldo/RS,com risco de diagnóstico de HIV positivo7.

Os resultados dessa pesquisa mostraram que o medo foi oprincipal fator de influência sobre as mulheres, motivando-asa retardar a confirmação do diagnóstico e a esconder a

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doença. O interesse em realizar a pesquisa, paralevantar os motivos do silêncio das mulheressoropositivas acerca de suas vivências, nasceudo diálogo entre as pesquisadoras sobre aimportância de conhecê-los e, dessa forma,desenhar e implementar ações/intervenções queas auxiliem a enfrentar seus medos e quebrar osilêncio em prol da saúde individual e coletiva.

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A pesquisa qualitativa, cujos dados foram cole-tados entre outubro de 2002 e fevereiro de2003, foi realizada na unidade sanitária domunicípio de São Leopoldo/RS, que prestaatendimento à população HIV/Aids tanto dopróprio município como dos arredores8. Ainvestigação teve por foco as mulheres comHIV/Aids que buscaram diagnóstico e trata-mento. Como objetivos, visou conhecer osfatores que levam essas mulheres ao silencia-mento da doença e identificar até que pontoestabelecem relação entre o silenciamento e asaúde coletiva.

A seleção das 98 mulheres que compuseram oestudo seguiu os seguintes critérios: idade entre21 e 40 anos, diagnóstico confirmado deinfecção pelo HIV, estar em acompanhamentoambulatorial e aceitar participar da pesquisa. Asmulheres enquadradas nos critérios estabeleci-dos foram esclarecidas sobre a temática do estu-do, seus objetivos e justificativas. Após a leitu-ra, assinaram o Termo de Consentimento Livree Esclarecido, documentando sua livre partici-pação na pesquisa, conforme preconiza a Reso-lução 196/96, do Conselho Nacional deSaúde9.

A técnica utilizada para a coleta de dados foi ade entrevista semi-estruturada, registrada porescrito. A interação pesquisadora/pesquisada e aobservação participante constituíram formasubjacente de levantamento de informação. Oroteiro da entrevista baseou-se em questõesnorteadoras, relacionadas aos fatores que influen-ciam o silêncio e a relação dos mesmos com asaúde individual e coletiva. Ressalte-se que olocal da unidade sanitária onde os dados foramcoletados previa a privacidade das entrevistadas,permitindo-lhes um ambiente favorável à inter-locução. A interpretação e análise dos dados foiqualitativa, com base em Minayo, observando-se as etapas de ordenamento do material, uni-tarização e análise dos dados8.

RReessuullttaaddooss ee ddiissccuussssããoo

Uma leitura interpretativa das falas das mu-lheres pesquisadas mostra que os motivos desilêncio diante da doença produzem grandesofrimento, principalmente até determinadomomento do diagnóstico. Esse silêncio estárelacionado aos significados de “imoralidade”,atribuídos ao HIV/Aids pela sociedade, desde osurgimento da doença.

O silêncio das mulheres é forçado e reforçadopelos estereótipos construídos em torno da aids,tida, ainda hoje, como “doença imoral” que,por sua vez, produz a “dor moral”, compreen-dida a partir dos relatos levantados na pesquisacomo um sentimento que qualifica o sofrimen-to subjetivo de caráter existencial e que as afetaem suas diferentes dimensões pessoais, comoevidencia a seguinte fala: ...aquilo foi uma faca-da por dentro. A “doença imoral” é sigilosa e,

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portanto, na medida do possível, mantidaescondida pelas mulheres, para além da “dormoral”, com seus múltiplos significados e con-seqüências, tanto individuais quanto coletivas:...tem que calar pra si, tem que agüentar firme,sabe?! ...porque tem muito preconceito.

Dos primeiros sintomas ao diagnóstico se inter-põe uma questão crucial para as portadoras doHIV/Aids, relacionada à interpretação socialsobre a doença. Essa interposição é cunhadapelos estereótipos que marcam a construção dosigno HIV/Aids: o que vão pensar de mim, eusempre fui muito certinha, sei que não tiveculpa de pegar, é uma dor que dói lá dentro,não sei o que vai ser de mim. Como a doençaé considerada mortal, incurável e ainda asso-ciada a comportamento sexual promíscuo, estarsubmetida a tratamento medicamentoso nãoaplaca a dor moral inerente a todos esses sig-nificados, não respondendo na dimensão sim-bólica à necessidade de fazerem frente ao pro-blema. Se diagnóstico e tratamento compreen-dem uma parcela do processo de representar adoença, a “dor moral” suscitada por suas múlti-plas faces e significados socialmente atribuídos,forçados e reforçados pelo “estigma da imorali-dade”, pertence ao campo existencial.

Os significados individuais e coletivos sobre adoença, produzidos e reproduzidos na dimensãosimbólica, atingem as mulheres em sua integra-lidade. As entrevistadas sentem pairar dúvidasobre sua moralidade, o que afeta sua auto-repre-sentação como mulher e não apenas como por-tadora do HIV/Aids10. Considerando esse estig-ma social que ainda envolve as representaçõessobre a doença, o tratamento da imunodeficiên-

cia adquirida implica avançar no cuidado, tendopresentes as questões suscitadas pela subjetivi-dade, influenciadas pelas representações, valores/desvalores e crenças construídos/recons-truídos sobre o problema e assimilados pelas pes-soas e pela sociedade11.

O silêncio solitário em torno da aids, auto ehetero imposto, subjuga as mulheres: ...sintovontade de ficar quieta, calar porque são todosmuito de julgar as pessoas... Tá contaminado,tem que morrer para os outros. A dor silencia-da exerce sobre as mulheres uma “força maior”,que transcende, por vezes, sua vontade deenfrentamento, coragem, capacidade de fala edefesa de si mesmas com suas próprias razões:...fiquei sabendo quando fizeram os exames, euimaginava... Tinha muito medo que fosse teruma doença... Fui levando... sabe como é, né?

Nas mulheres, a assimilação de que a aids é“doença da imoralidade” ofusca suas noções deconhecimento/responsabilidade sobre a doençae implicações acerca do não-tratamento para asua saúde e a saúde da coletividade. A apropria-ção da saúde e da doença, a partir de cons-truções de sentido, implica um processo de sub-jetivação. Essa construção tem a ver com asrepresentações culturais presentes no contextosocial. Os seres humanos interpretam suasexperiências pelas referências simbólicas pre-sentes nos significados socialmente aceitos8.Daí a importância de conjugar mulherHIV/Aids/sociedade no processo saúde/doença/enfrentamento.

É evidente a necessidade de “despertar” nasmulheres uma postura menos ingênua com

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relação a seus parceiros e suas promessas defidelidade: eu não queria desconfiar dele, elenão é ‘pulador-de-cerca’ mas no dia que pulou,pegou. Aceitar silenciosamente a contaminaçãosignifica aceitar valores e padrões morais e cul-turais que perpetuam as desigualdades sociais,especialmente os relacionados às questões degênero, nas mais diferentes esferas das experiên-cias cotidianas12. Nessas mulheres, a aquisição depoder e capacidade para o enfrentamento derivada possibilidade de duvidar e manifestar suaindignação. Esse processo, lento e dinâmico, quedeve ser assumido pelas mulheres, possibilita suaconstrução como sujeitos autônomos, capazes deenfrentar os “medos”, com todos os “significa-dos” implicados nas construções/desconstruções/reconstruções11 que permeiam o processo desubjetivação ao se saberem enganadas e infec-tadas.

O problema do contágio/transmissão engano-sos, encetados por meio da omissão ou menti-ra, aponta a necessidade de radical reflexãosobre o respeito ao direito de o outro ter suasaúde preservada e a importância de desen-volver nas pessoas o senso de responsabilidadepela preservação/manutenção da saúde da cole-tividade. As orientações/ações/intervençõesprofissionais implicam tal abrangência: pegueina relação com meu ex-marido, ele meenganou, não me deixou escolher. Se eusoubesse, poderia decidir se queria pegar adoença ou não. Seria uma escolha minha, e elenão deixou isso acontecer. Se pensar é umatributo humano, refletir é atitude que reportaà individualidade dos seres humanos, processono qual a pessoa recua da vida social e políticapara ponderar, no cerne de sua solidão, sobre

suas vivências e circunstâncias de vida, perme-ando e contrapondo à cognição intelectual ouracional as sensações e emoções associadas esubjacentes10. Esse núcleo confrontativomobiliza o interior humano para além da sim-ples sucessão de racionalizações morais e cien-tíficas e avança para uma ética do sujeitoresponsabilizado com o indivíduo e a coletivi-dade saudável.

A atual realidade sanitária divulgada pelo Mi-nistério da Saúde13, que evidencia a progressivadiminuição da razão de novos casos masculi-nos/femininos – hoje em torno de 2:1 em todoo país e de 1:1 em algumas regiões –, requer arealização de pesquisas e ações de intervençãoque tratem dos vários aspectos relacionados àfeminização do HIV/Aids. O rápido cresci-mento da incidência do vírus no segmento feminino, a partir dos anos 90, tem desen-cadeado novas questões no complexo cenáriodessa epidemia, exigindo outras abordagens queincluam como categorias de análise as relaçõesde gênero e a sexualidade.

A disseminação da infecção entre as mulheresacontece basicamente pela via sexual, porseus parceiros, sejam ou não usuários de dro-gas: sei que não tive culpa de pegar, foi meumarido que me passou. Estudos qualitativostêm demonstrado que mulheres monogâmi-cas com HIV/Aids contraíram o vírus de seusparceiros14, 15. Apesar das campanhas infor-mativas, programas de educação e métodos deprevenção disponibilizados, além da significa-tiva expressão de liberdade sexual dasociedade atual, o HIV/Aids continua mitifi-cado pelo véu da imoralidade: minha maior

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dor foi confiar no meu companheiro. Eusempre só tive ele.

O medo do desvelamento da doença transmiti-da pelo parceiro condiciona o comportamentodas mulheres, mantendo-as no silêncio sobresuas dúvidas, aprisionadas em sua dor moral edesinformadas sobre a possibilidade detornarem-se multiplicadoras do problema pelatransmissão a outras pessoas, inclusive a queocorre verticalmente: eu soube só agora naminha última gravidez, não queria acreditarque ele ‘pulava cerca’. Além do estigma associa-do à doença, tal comportamento parece indicarum esforço reiterado para manterem-se nailusão da “certeza” sobre o compromisso defidelidade conjugal estabelecido com o parceiro.

Diferente de grande parte das doenças trans-missíveis que acometeram a humanidade, a dis-seminação da epidemia está diretamente rela-cionada a comportamentos individuais e cole-tivos que envolvem a moralidade e, explicita-mente, a moralidade sexual. O silêncio dianteda suspeita da doença e a demora na busca dainvestigação dos sintomas são, em parte, in-fluenciados pelo medo de descobrir a infideli-dade do parceiro. Além do empenho em negarque vive com um “parceiro infiel”, esse com-portamento é também condicionado pelanecessidade de ter “coragem reativa” ao setornar sabedora do diagnóstico: não posso crer,eu tentei apostar em um casamento que nãodava... Eu estava em casa e ele me trouxe adoença... Abala toda a estrutura. Essas mu-lheres têm as suas razões para resistir a deter-minados tipos de informação que possam inter-ferir no espaço mais íntimo de suas vidas, tor-

nando essa resistência sua medida de força14.Motivos como o medo do “abandono” à própriasorte, o medo do “outro”, o medo da “própriaimagem” levam a esconder/silenciar a doença.

A disseminação da síndrome caracteriza-se porsua extrema mobilidade, não circunscrita afronteiras geográficas e sociais2, 16. A falsa idéia,propalada inicialmente, de que a transmissãoestaria restrita a determinados grupos de pes-soas, caracterizadas como grupos de risco, crioue fomentou uma perspectiva moral distorcida,que ficou fortemente associada à doença. Oaparecimento dos primeiros casos relacionadosàs mulheres donas-de-casa, parceiras fiéis,esposas de maridos trabalhadores, influenciouno desmascaramento da perspectiva de gruposde riscos e fez vislumbrar a vulnerabilidade fe-minina. As desvantagens sociais que con-tribuem para a vulnerabilidade das mulheresrelacionam-se à dependência econômica, alémda social e emocional, que se reflete em suafalta de poder para demandar proteção e esta-belecer limites e parâmetros na relação com oparceiro17. As falas das entrevistadas corrobo-ram isso, revelando uma realidade bem dife-rente da tematizada por Guimarães, para quema mulher “família” de comportamento sexual esocial exemplar correria menos risco de ser con-taminada pelo vírus do HIV14.

A construção social da “imoralidade” associadaà transmissão do HIV/Aids tem para suas víti-mas significados e repercussões tanto indivi-duais quanto coletivas: ...eles perguntam paramim se eu tenho e eu digo que não tenho...Tenho preconceito contra mim, me discrimi-no... Só me sinto mal de não poder falar dos

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meus medos. Em torno da aids, continua ga-nhando terreno a síndrome do medo de simesmo e do outro. O medo, quando reco-nhecido, obriga a pessoa a defrontar-se com osporquês, processo que mobiliza o desmascara-mento de certos estereótipos. Para Czeresnia,romper com o silêncio e quebrar o medo sig-nifica explicitar as desigualdades estruturaisentre homens e mulheres que são, na verdade,responsáveis pela vulnerabilidade feminina àcontaminação pelo vírus HIV18.

Um dilema relativo ao medo diz respeito aosconflitos que surgem entre saúde pública versusdireitos e liberdades individuais e democráticas.Conforme Fernandéz, o conflito entre saúdepública e liberdades pessoais põe em relevo adiscussão sobre o direito à autonomia indivi-dual em relação à saúde da coletividade19. Nessesentido, há uma série de questionamentos éti-cos relativos à saúde da sociedade, que seencontra ameaçada pela disseminação do vírus,versus direitos e liberdades individuais das pes-soas que, de fato, já se encontram em uma si-tuação na qual também se sentem ameaçadas,seja pelos efeitos reais da doença ou por seuestigma: nunca contei pra ninguém, não! Sócabe a mim e a ninguém mais... Tem queagüentar firme... Achar alguém para contar econfiar é difícil... As pessoas não se sentembem ao teu lado.

O enfrentamento do problema aponta para anecessidade de catalisar esforços para transfor-mar os aspectos das representações coletivas queainda incidem no imaginário social e estigmati-zam os portadores da doença. Mostra a necessi-dade de continuar e aprimorar o processo de

difusão de informações sobre as formas detransmissão, buscando desvincular a noção defidelidade conjugal ao uso de preservativo.Supõe, enfim, permear as escolhas pessoais pelaética da responsabilidade pessoal e social e, nodizer de Pessini e Barchifontaine, de uma peda-gogia de luta por um mundo mais sadio20.

O medo que influencia o silêncio das mulherespara além da dor moral constitui o principalfator de disseminação consciente da doençapara os filhos, na gravidez. No entanto, a con-firmação da transmissão vertical agiliza a que-bra do silêncio. Falar da aids é falar de uma dorque transcende os “sintomas” da “dor moral”das mulheres e, portanto, dos resultados que osilêncio pode vir a produzir: eu fiquei sabendopela menina [exames] que tinha um ano e esta-va apenas com cinco quilos e aí não deu mais,desmoronei mesmo. A transmissão verticalconstitui fator de conflito para as mulherespesquisadas. Esse dado ficou evidente nas falascarregadas de sofrimento, trazido pela aids, tidacomo ferida sangrante em suas vidas, e aomesmo tempo pela preocupação com a quebrado silêncio e desvelamento de si mesmas paraseus filhos contaminados: como vou explicar adoença para ele... O que dizer sobre como foi acontaminação... Como cuidar para evitar com-plicações?

Berer e Ray afirmam não haver para essas per-guntas uma resposta única e simples. Segundoeles, o melhor é dar informações honestas, quea criança entenda, em vez de negativas e meias-verdades que podem ser desmentidas mais adiante21. A dúvida de como falar quando hátransmissão vertical é acompanhada por uma

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força motivacional alegada como justificativapara o enfrentamento da doença: tenho que mecuidar... Meu filho precisa de mim, ele tem oproblema e não tem culpa. O medo que as pes-soas têm torna ainda mais difícil para as mu-lheres com HIV dizer que são soropositivas eque seus filhos também o podem ser. Muitasguardam essa informação consigo, apesar desaberem da situação de seus filhos e do que estáocorrendo21. Para elas, a existência adquireduplo sentido: significa viver a própria vida e,vivendo-a, exercer a função materna na vidados filhos, assumindo o compromisso de mãe,principalmente quando a aids resulta da trans-missão vertical.

CCoonnssiiddeerraaççõõeess ffiinnaaiiss

Pela análise dos dados, constatou-se que osilêncio das mulheres frente ao diagnóstico doHIV/Aids é reforçado pelas idéias dissemi-nadas sobre a doença desde o seu início, queainda perduram. Nesse sentido, o ponto-chaveevidenciado pela pesquisa relaciona-se aosestereótipos construídos em relação à doença,que ainda exercem significativa influência nasociedade e sobre as pessoas contaminadas.São muitos os medos referidos, todos comsuas faces, significados e poder sobre as mu-lheres. O medo do “outro”, o medo da “própriaimagem”, o medo do “abandono” à própriasorte levam a esconder/silenciar a doença e adisseminá-la conscientemente, em especial natransmissão vertical.

Outro aspecto relaciona-se ao problema dosfilhos contaminados pelas mães soropositivas,no sentido de “como falar”, “como explicar”,

“o que dizer”, “como dizer” a eles sobre adoença. As vivências relatadas sobre o proble-ma dos filhos portadores do HIV/Aidsrefletem sentimentos de culpa, responsabiliza-ção pela transmissão e desejo de enfrentamen-to pessoal para poder marcar presença na vidados filhos. A força da mãe, para fazer frente aessa situação – seu filho ser soropositivo – estácentrada, sobretudo, no desejo de con-tinuidade da vida própria, em função dospapéis materno e de suporte para os filhos, nacontinuidade e enfrentamento da problemáti-ca advinda da aids.

Além de sentirem-se amedrontadas pelo olhardo outro, família, companheiro, amigos,sociedade, as mulheres carregam uma outra dorque vem do “olhar de si para si”. A atuação dosprofissionais de saúde junto às mulheres, desdeo diagnóstico ao tratamento do HIV/Aids, pre-cisa pautar-se em uma atenção também aonão-verbalizado, que remete à subjetividade damulher soropositiva. O profissional de saúdepode não ter o medicamento ou a terapêuticapara curar o HIV/Aids, mas dispõe, além datecnologia e medicações, de habilidades pessoaispara auxiliar as mulheres no enfrentamento dasdores existenciais, silenciadas por uma miríadede razões estigmatizantes que forçam/reforçama clandestinidade para além do sofrimento quea doença impõe.

A infidelidade masculina, visivelmente mas-carada pelas mulheres, constitui uma das prin-cipais causas do silêncio. Admitir que o par-ceiro é infiel implica fazer frente à situação eassumir as desvantagens socialmente construí-das nas relações de gênero. Implica também em

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admitir a ruptura nas representações sociais quemoldam os padrões de conjugalidade, associa-das à fidelidade e ao amor romântico. Rompero silêncio e aceitar tal conjunto de perdas impli-ca, ainda, dano à auto-imagem, em defrontar-se com a diminuição do amor próprio (auto-estima) e viver sem as garantias simbólicas quetais representações conferem.

Portanto, para aumentar a efetividade na pre-venção do HIV nos programas de saúde paramulheres é fundamental trabalhar tais aspectossubjetivos que emanam das moralidades. Talabordagem constitui aspecto fundamentaltanto para ampliar o acesso e proteção das mu-lheres quanto para maior responsabilidade mas-culina em relação à sexualidade.

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RReessuummeenn

Mujeres con VIH/Sida, silencio, dolor moral y salud colectiva

El propósito del estudio es dar a conocer las razones que llevan a las mujeres infectadas por elVIH/Sida a guardar silencio acerca de la enfermedad e identificar hasta qué punto ellas establecenuna relación de significado entre el silencio y la salud de la colectividad. Se trata de un estudioexploratorio descriptivo de carácter cualitativo. Se enfocó a las mujeres que han buscado el servicioespecializado de atención para diagnóstico y tratamiento del VIH/Sida de la Secretaría de Salud delMunicipio de São Leopoldo/RS. La muestra fue intencional y trabajó con 98 mujeres entre 21 y 40años, portadoras del VIH o enfermas de Sida. Los datos fueron obtenidos por medio de entrevistassemi-estructuradas y agrupados por temas para el análisis posterior. La contaminación se dio, en sumayoría, por la relación heterosexual. La creencia en la fidelidad de la pareja sexual influencia sobre-manera la actitud silenciosa de las mujeres. El miedo, y sus distintos significados, refuerza, en lasmujeres, esta actitud.

PPaallaabbrraass--ccllaavvee:: Mujer. VIH/Sida. Silencio. Dolor moral. Salud colectiva.

AAbbssttrraacctt

Woman with HIV/Aids, silence, moral pain and collective health

The study aims at understanding the reasons that make HIV/Aids infected women to be silent aboutthe disease and to find out in which measure they establish a relation between the meaning ofsilence and collective health. It is an exploratory, descriptive and qualitative work. It focused onwomen that search specialized diagnostic and treatment service for HIV/Aids at the Municipal HealthSecretariat of S. Leopoldo. The cohort has been intentionally defined consisting of 98 womenbetween 21 and 40 years of age infected by HIV or that have already developed Aids. Data has beenobtained through semi-structures interviews and divided into thematic cluster for analysis. Contam-ination has been due almost exclusively to heterosexual relation. The belief on the "fidelity" of thepartner strongly influences the silent attitude of women. Fear, through its several meanings, rein-forces that attitude in women.

KKeeyy wwoorrddss:: Woman. HIV/Aids. Silence. Moral pain. Collective health.

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RReeffeerrêênncciiaass

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CCoonnttaattooss

Lucilda Selli – [email protected] Libana Cechim – [email protected]

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Este simpósio, Cuidando dos cuidadores, congrega temas referentes a todos os que, deuma maneira ou outra, estão envolvidos em preparar e cuidar de cuidadores. Em grandeparte, os artigos referem-se a vivências e experiências levadas a termo no Hospital SãoLucas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Como organizador do simpósio, a partir de vivências pessoais e motivado por reportagemjornalística, dei-me conta da necessidade de discutir o tema, fundamental ao bomdesempenho da prática clínica. Para tanto, com a doutoranda em Medicina Carolina Ribasdo Nascimento e a secretária executiva Aline Gonçalves dos Santos, elaboramos o esboçoinicial dos temas a serem abordados, convidando vários colaboradores para escrever – osquais, na maioria, aceitaram prontamente o convite.

Os trabalhos apresentados foram escritos por professores de Medicina, Enfermagem,Psicologia, Serviço Social, Nutrição, Educação Física e ciências do desporto, estudantesdessas áreas, gestores de hospitais e seus colaboradores administrativos. Devem tambémser destacados os trabalhos elaborados por profissionais dos serviços de apoioinstitucionais, colocados à disposição dos funcionários e pacientes, inclusive casos em quesão utilizadas técnicas terapêuticas não convencionais – que têm se revelado excelentescoadjuvantes no processo clínico. São apresentados depoimentos de familiares que têm atarefa de cuidar, descrevendo suas expectativas e necessidades. E ainda uma análise legalsobre os aspectos jurídico-penais da função de cuidador, especialmente quando exercidapelo médico.

Cada presente trabalho levanta um aspecto do tema central, buscando relatar experiências,traduzir vivências e sentimentos relacionados ao desempenho dessas tarefas. É importanteressaltar que alguns artigos foram escritos por especialistas, enquanto outros advieram dedepoimentos. Por isso, o leitor perceberá certa ausência de uniformidade, no sentidoestritamente acadêmico, a qual, consideramos, será plenamente compensada no quetange à sensibilidade na abordagem dos temas.

Simpósio

Cuidando dos cuidadores

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Esperamos que este simpósio seja útil a todos os leitores e que consigamos chamar aatenção para o fato de que os cuidadores também precisam ser cuidados e,principalmente, que só serão bons cuidadores se forem bem cuidados.

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A presença de cuidadores familiares nas instituições: questão de dignidade humana

Délio José Kipper

RReessuummoo:: Este artigo apresenta matérias jornalísticas que informam sobre o cuidado com oscuidadores, bem como a observação de profissionais e pesquisas científicas publicadas sobre o tema.Resume trechos de entrevista em profundidade, realizada com familiares cuidadores, principalmentedaqueles que acompanham crianças internadas para tratamento ou cuidados paliativos. Emboraautorizados pelos entrevistados, optou-se propositalmente por não informar seus nomes, visandomanter o anonimato e não causar constrangimentos.

Délio José KipperDoutor em Medicina, professorda Faculdade de Medicina daPontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul (PUCRS),vice-presidente da SociedadeBrasileira de Bioética (2005-2007)

PPaallaavvrraass--cchhaavvee:: Cuidadores. Limites físicos. Limites emocionais. Estresse.

A presente reflexão sobre a importância do acompanhamentode cuidadores familiares, seja no processo de recuperação doenfermo seja como medida capaz de produzir conforto psi-cológico nos casos de pacientes terminais, baseia-se em infor-mações sobre o tema divulgadas tanto por veículos de comu-nicação de massa (jornais) como por revistas científicas.

Para iniciar, são apresentados trechos de matéria elaborada porequipe multidisciplinar, publicada há alguns anos pelo jornalZero Hora no caderno Vida. Descrevendo dificuldadesenfrentadas pelos cuidadores familiares, o artigo salientavaaspectos importantes que decorrem desse tipo de tarefa:assumir a responsabilidade sobre a saúde e o bem-estar deuma pessoa doente é uma tarefa difícil. Os chamadoscuidadores devem se preparar para a atividade, estar atentos àspróprias limitações e buscar ajuda quando se sentirem sobre-carregados1.

No mesmo caderno, outra matéria enfatizava que a carga aque são expostos os cuidadores deve ser compartilhada paraevitar o aparecimento de enfermidades psíquicas e físicas.Como ninguém está devidamente preparado para enfrentar odesafio de cuidar, é comum que tal situação gere estresse – quepoucos conseguem agüentar por longo tempo.

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Mesmo que as tarefas dos cuidadores familiaressejam realizadas apenas temporariamente, serresponsável por uma pessoa que necessita deajuda para executar ações tão simples como sealimentar e locomover os expõem, muitasvezes, a um desgaste físico e emocional quepode levar ao adoecimento. A mudança na vidade quem precisa dedicar boa parte do seu tempoao cuidado de outrem gera cansaço, sentimen-tos contraditórios e uma carga de estresse queprecisa, e deve, ser compartilhada com outrosmembros da família. O autor resume: familia-res devem se dividir no compromisso para nãosobrecarregar uma pessoa, o que prejudicaria otratamento2.

Buscando facilitar a identificação do limite decada um, o caderno Vida trazia uma lista desinais que podem indicar se o cuidador está sesentindo sobrecarregado: irritação; queixas fre-qüentes; inflexibilidade na hora de tomardecisões ou realizar tarefas que precisam serfeitas; brigas constantes com membros dafamília ou com a pessoa cuidada; controleexcessivo (centraliza tudo e não aceita dividir astarefas com outros membros da família ou comcuidadores externos); redução do círculo social(sai menos; os amigos se afastam); problemasno trabalho (demissão; brigas com o chefe oucolegas); tristeza; choro freqüente; alteraçõesno apetite; desinteresse em manter atividadesdas quais gostava.

A sobrecarga física e psíquica que pode envolvera realização das tarefas diárias dos cuidadoresfamiliares são tema do artigo E quem cuida doscuidadores?, de Scliar, que discute o assunto apartir de uma vivência, como médico recém-for-

mado. Relata ter certo dia encontrado uma se-nhora tentando amparar seu marido que, semforças, precisava ir ao banheiro. Angustiada,essa senhora o olhou e disse uma única frase:não agüento mais! O impacto dessa sentençaem Scliar parece ter sido profundo, pois o levouà seguinte reflexão: me dei conta da sobre-humana dimensão de sua tarefa. Se ela nãoagüentava mais, ninguém agüentaria. E é umasituação não raro enfrentada por todos aqueles aquem o destino, em algum momento, coloca nacondição de cuidadores3.

Para tornar ainda mais clara sua afirmação, oautor pede ao leitor que se coloque no lugar deuma mulher cujo marido tem a doença deParkinson: é de manhã e ali estamos à voltacom vários problemas: o cheiro de suor queimpregnou nossa roupa, o vizinho que nãoaparece para nos substituir por um momento e,pior de tudo, o homem que olha e que, depoisde tantos anos, não nos conhece. A respeito, oautor reflete: se é difícil imaginar essa situação,é muito pior vivê-la3.

Considerando que assumir a função de cui-dador é uma situação que afeta muitas pessoas,Scliar tece algumas recomendações, resul-tantes, sobretudo, de bom-senso: 1) informe-sesobre a doença ou invalidez da pessoa de quemdeve cuidar: médicos, livros, sites e periódicospodem ajudar; 2) descubra onde buscar ajuda –e a peça; 3) junte-se a um grupo de pessoas quepartilhem o mesmo problema. Se esse grupoainda não existe, forme-o; 4) obtenha momen-tos de descanso: você tem direito a eles. Eviteressentimentos em relação à pessoa de quemvocê cuida. Procure, sim, lembrar os bons

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momentos – que, como os maus, tambémfazem parte da vida.

Além desses quatro tópicos, outras providênciastambém podem ser tomadas por aqueles que sepropõem a ajudar os cuidadores a suportar opeso de suas tarefas:• cuidadores, em geral, têm dificuldade em

solicitar ajuda. Ofereça a sua e cumpra o quefoi estabelecido;

• se houver abertura, sugira que procure ajudapsicológica;

• trate o cuidador com respeito e tente se colo-car no lugar dele;

• tente compreender e respeitar as razões docuidador, mesmo que ache que isso tem umcusto muito alto para ele;

• evite se limitar a perguntar o que posso fazerpor você? Após escutar, faça o que sente oucrê que deva fazer;

• mostre interesse pelo cuidador, estimulando-o a compartilhar sentimentos, mas estejapreparado para ouvir;

• estimule o cuidador a ter um tempo livrepara o lazer.

O cuidado ao cuidador familiar deve estender-se à dimensão institucional, englobando pro-cedimentos para atenuar o sofrimento e oestresse das famílias com pacientes internadosnas unidades de terapia intensiva (UTI). A esserespeito, Leske enumera aquelas que consideraser as principais necessidades dos cuidadoresfamiliares, que poderiam – e deveriam – sercontempladas pelas instituições e equipes:• permanecerem com seus entes queridos que

estão morrendo;• serem úteis para quem está morrendo;

• terem informações reais e objetivas sobre aevolução do paciente;

• poderem entender o que está sendo feito e oporquê;

• terem a segurança do conforto do paciente;• serem confortados;• poderem externar suas emoções;• terem segurança de que suas decisões são

corretas;• entenderem as razões para a morte de seus

entes queridos;• estarem alimentados e descansados4.

O que se pode observar no acompanhamentoaos cuidadores familiares é que, às vezes, deta-lhes fazem grande diferença. Por exemplo, oacesso a telefone, a local para fazer lanches, aobanho, podem aumentar sobremaneira a quali-dade de vida dos familiares que acompanhampacientes internados.

É necessário considerar, ainda, que a tolerânciadas famílias a respeito de incertezas ou ambigüi-dades inerentes ao tratamento do paciente tam-bém varia. Por isso, todos os membros da equipemultidisciplinar de saúde devem emitir a mesmae constante mensagem, mesmo que cada um aexpresse segundo a perspectiva de sua própriaárea de atuação. Uma equipe cooperativa e emcontínua comunicação tende a transmitir men-sagens consistentes e coerentes, o que auxiliatanto no tratamento adequado ao paciente comona liberação de informações para a família.

A família deve saber exatamente quem é o prin-cipal responsável pelo paciente e como está seenvolvendo com o mesmo. Não devem serfeitas previsões muito concretas, como, por

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exemplo, seu filho vai morrer em alguns dias,porque isso é difícil de prever e um erro podecomprometer a credibilidade.

Embora toda a equipe possa participar, de algu-ma maneira, da retirada do suporte vital, noscasos em que tal providência se revela necessáriaa pessoa principal desse processo deve ser ummédico com liderança e respeitabilidade naunidade – haja vista sua situação privilegiadapara mostrar que tudo está sendo feito pelo me-lhor interesse do paciente, mesmo no caso delimitação de tratamento.

Durante o processo de retirada do suporte vital,todas as distrações devem ser evitadas para quea família possa se devotar totalmente aopaciente. Desse modo, é melhor retirar os cabose tubos e desligar os monitores. Finalmente,após o óbito, a família deve ter um momento deprivacidade com o ente querido.

É muito importante que a instituição se preo-cupe em oferecer cuidados para quem cuida.Cuidar bem dos que cuidam reforça a políticainstitucional de bem cuidar. A respeito, Vnickye colaboradores tecem considerações sobre aformação dos residentes em medicina, fazendorecomendações às faculdades e às instituiçõesde saúde para que promovam uma educaçãocapaz de assegurar aos pacientes a situação desujeitos e não de objetos das práticas médicas.Dentre essas recomendações, destaca-se a quepropõe o estabelecimento de critérios para asse-gurar que os limites dos profissionais estãosendo respeitados: estas instituições devem, sis-tematicamente, se questionar se alunos e resi-dentes não estão sendo pressionados a realizar

tarefas para as quais não estão capacitados, nãosó para protegê-los mas também para ter umaatitude respeitosa e humana com aqueles queestão sendo preparados para serem humanoscom seus pacientes5.

A seguir, são transcritos trechos de entrevistacom cuidadores familiares que evidenciam aimportância de alguns dos aspectos anterior-mente discutidos, como a angústia, o medo, oestresse e a sensação de isolamento que se abatesobre as pessoas que vivenciam tal situação.Esses relatos mostram claramente a importân-cia dos cuidadores para os pacientes enfermos,bem como a necessidade de cuidar daqueles quese dedicam a essas tarefas. Os três depoimentosrevelam a crescente fragilidade dos cuidadores eseus familiares ao se defrontarem com proces-sos clínicos de longa duração, que requeremacompanhamento e atenção constantes, quetendem a desestabilizar as relações familiares esociais. Isso contribui, ainda mais, para inten-sificar a vulnerabilidade dos cuidadores familia-res que se dispõem à difícil tarefa de cuidar deseus entes queridos, acometidos por doençasgraves ou incuráveis.

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Desde já enaltecemos a importância do tema,visto que atribuímos relevante importância àexcelência técnico-profissional dos cuidadores,assim como às qualificações humanas pessoais.É normal pensarmos que, para o bem-estar dopaciente, o atendimento por parte do melhormédico do hospital é o suficiente. O médico é

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importantíssimo, mas sabemos que faz sua visi-ta ao paciente diariamente, o examina, faz aprescrição, solicita exames complementares, seconsidera necessário e desloca-se para atenderoutros pacientes, monitorando a distância aevolução do paciente e o resultado do trata-mento, os quais são ministrados pelos outroscuidadores do hospital até seu retorno. Quemsão esses outros cuidadores? São os enfer-meiros, as auxiliares de enfermagem, o pessoalda nutrição, o pessoal da administração respon-sável pelos processos e também, e não menosimportante, o pessoal da manutenção elimpeza. Os cuidadores lidam diariamente coma morte, o sofrimento, o desespero, a desespe-rança, as dúvidas, as pressões e todo tipo desituações que nem podemos imaginar ocor-rerem nas 24 horas da jornada hospitalar.Como cuidador, pergunto: estamos preparadospara cuidar destes cuidadores? Na nossa expe-riência, pensamos que isto dependerá não só doconhecimento técnico, mas também, e princi-palmente, do conhecimento humano, doenvolvimento, da congregação ou até da empa-tia entre estes cuidadores. Por exemplo, adecisão de adotar determinado procedimentocirúrgico necessário em um paciente ao qualnão temos laços familiares torna-se diferente,mesmo que necessário, quando for com nossopróprio filho? O entendimento dessa situaçãoparece simples, mas os cuidadores que não secolocarem no lugar dos outros e humanamentebuscarem esse entendimento, trabalhando jun-tos pelo bem do cuidado, fatalmente entrarãoem choque, sendo o maior prejudicado sempreo paciente. Posso dizer que eu e minha esposaparticipamos desta comunidade hospitalar hádois anos e quatro meses e conhecemos boa

parte dos cuidadores pelo nome, assim comotambém somos conhecidos por estes. Isso faz adiferença! Por isso sempre voltamos para cá. Éum sentimento de socorro não só técnico, mastambém afetivo, familiar. Quantas vezes jáentramos correndo com nosso filho hipo-glicêmico nos braços, pedindo socorro naemergência para a equipe de enfermagem, queconhecemos e que conhece nosso filho pelonome e sabe como proceder. A partir dali, nossofilho estava sob os cuidados de cuidadores queinteragem conosco. No caso do pronto-socor-ro, o atendimento técnico e humano traz segu-rança e tranqüilidade e faz a grande diferença.Os pacientes nas emergências pediátricas e nasinternações por onde circulamos como acom-panhantes do nosso filho nos fizeram imaginar:será que nos acostumamos com o sofrimento?Já tivemos oportunidades de conversar commuitos cuidadores e consideramos os melhoresaqueles que dizem que não, que sempre acabamse envolvendo com o problema dos pacientes ese preocupam humanamente; enfim, se soli-darizam com os seus pacientes e com seusfamiliares, agindo além do técnico e levando oseu toque pessoal. Uma conversa, uma ajuda,algo que realmente não vem do ensinamentoacadêmico e que merece o estudo de suas causase conseqüências. Mas isso tudo, que preço tempara os cuidadores? Esse envolvimento será quenão afeta as suas vidas pessoais, a sua saúde, oseu estado psicológico? Podemos dizer queninguém é/está preparado profissionalmentepara suportar sempre a carga psicológica dessamissão sem sofrer alterações comportamentais.Percebemos, às vezes, irritabilidades repentinascomo forma de extravasar a anormalidade darotina dos cuidados com a doença, buscando

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até ingenuamente alguma fórmula milagrosacomo solução do problema para não chegarmosao limite do estresse. Então, no final, percebe-mos que nós, os cuidadores, não só os familia-res, mas também as pessoas que trabalham nohospital, lutam para acertar sempre, mas queerram às vezes, e por isso somos perdoáveis porsermos seres humanos e não máquinas; se fos-semos somente máquinas precisaríamos apenasde reposição, e não, também, de cuidados.

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Temos três filhos e moramos numa cidade dointerior do estado. Em 1982, nosso filho domeio, na época com sete anos, teve pneumoniaestafilocócica, derrame pleural e muitas doresnas pernas. A pneumonia foi tratada e todos ossintomas desapareceram. Aproximadamenteum ano após, o mesmo menino teve uma apen-dicite, foi operado com sucesso e voltamos paracasa. No mesmo dia, passou mal e teve convul-sões. O neurologista local diagnosticou isque-mia cerebral com paralisia do lado direito.Nosso filho foi removido para um hospital dacapital e o diagnóstico foi confirmado. A partirde então, apresentou várias tromboses nas per-nas. Os médicos pesquisavam para tentarencontrar a causa. Em 1992, um reumatolo-gista deu o diagnóstico de síndrome antifos-folipídica, doença congênita, crônica, queatinge o metabolismo, causando tromboses. Otratamento era caro e não dava grandes resulta-dos. Isso causava muito desconforto, dor e li-mitações para calçar tênis e caminhar. Logo aseguir, nosso filho teve trombose das artériasmesentéricas após duas cirurgias realizadasnum intervalo de três dias. Um tio, também

médico e intensivista, sugeriu a tentativa demantê-lo vivo com nutrição parenteral con-tínua. Foram dias muito difíceis, porque se sus-peitava de que pudesse haver novas tromboses,sangramentos, infecções generalizadas, porquehavia sido iniciada anticoagulação injetável.Mas o que parecia impossível aconteceu: omenino foi se recuperando. Esse processodemorou nove meses. Foi uma vitória dosmédicos e da dedicação do paciente e de suafamília, que, apesar da insegurança, seguiram àrisca as instruções recebidas. Nosso filho maisvelho, policial civil, ao socorrer uma vizinhaque estava sendo assaltada, foi baleado. Sofre-mos muito. A trajetória da bala fez com queperdesse um rim, o baço e parte do pâncreas,além de perfurar o estômago, intestino grossotransverso e, finalmente, se alojar a um cen-tímetro da medula, comprometendo os movi-mentos das extremidades inferiores. Após qua-tro cirurgias, uma colostomia, septicemias,felizmente já caminha e está em fase de recu-peração. Nunca, em nenhum momento,durante estes 24 anos, deixamos de investir navida e acreditar na recuperação, permanecendoo mais próximo possível de cada filho, trans-mitindo confiança, com muita oração, fé emDeus e acreditando na competência e dedicaçãodos profissionais de saúde e na plena recupe-ração de nossos filhos. Para concluir nossa par-ticipação nesse trabalho, temos a dizer queencontramos muitas pessoas especiais, comoenfermeiros, médicos, parentes e não parentesque foram solidários, que nos davam carinho enos incentivavam em nossas tarefas, nos dandotempo para ficarmos com os doentes. Quandoestávamos na capital, passamos por várias si-tuações difíceis. Primeiro, a angústia da

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doença; segundo, ficar mais tempo com odoente para lhe dar mais segurança e carinho;terceiro, estar fora do ambiente familiar, obri-gando outras pessoas a mudarem suas rotinaspara hospedar-nos. Daí a perspectiva de quenós, os cuidadores familiares, também necessi-tamos de muito carinho, compreensão e deestarmos sempre cientes do andamento dostratamentos para nos sentirmos, pelo menos,com alguma esperança durante a internação etambém na continuação do tratamento e doscuidados em casa.

DDeeppooiimmeennttoo 33

Pais: Nossa filha mais nova, agora com 25anos, teve até os 18 anos apenas doenças usuaisda infância e adolescência, embora algumassituações médicas nunca tenham recebido expli-cações técnicas razoáveis, como eventuais ede-mas nas pernas, alergias inexplicáveis e grandesuscetibilidade a infecções. Aos 18 anos apre-sentou a primeira cólica renal, pela presença decálculos, que, tratada, reverteu. Aproximada-mente um ano depois, voltaram as cólicasrenais, cada vez mais freqüentes e que necessi-tavam, inclusive, de internações na emergênciaou na internação, algumas muito demoradas, de70 a 90 dias. Os tratamentos propostos nãoresultaram em cura, apesar de mais de ceminternações realizadas no hospital universitáriode nossa capital, em outras cidades do Estado eem outros estados brasileiros, além dos EstadosUnidos e Europa. Felizmente, no último ano,após sete anos de intenso sofrimento de nossafilha, nosso e de muitos membros de nossafamília, não apresentou cólicas, embora tenhaapenas retirado algumas das medicações que

vinha usando diariamente. Vamos agora ao quenós, os cuidadores de nossa filha, sentíamos eesperávamos, o que nos ajudou, o que nosdecepcionou e o que algumas vezes, emborainconscientemente, desejávamos aos que delacuidavam, da maneira que não desejávamos: umdia vocês vão sentir esta dor. Então vocêssaberão do que ela está falando. Nunca deitáva-mos à noite sem deixar separada a roupa parasaídas de emergência. O estado de alerta eraconstante. Os passeios se restringiam pratica-mente a duas cidades, onde poderíamos contarcom bom atendimento médico e onde esperáva-mos que acreditassem nela e em nós. Asrecomendações de seu médico clínico assistentee do especialista em dor, sempre a acompa-nhavam. Sempre tínhamos medo de sair, espe-cialmente deixando-a em casa. Quandosaíamos, sentíamos culpa. Quando nãosaíamos, ela sentia culpa, porque achava que erapor nossas preocupações com ela. Nas salas deemergências, normalmente, ela era bem e rapi-damente atendida, especialmente pelo pessoaldas tarefas administrativas e pela enfermagem.Por raros médicos plantonistas, algumas vezes,não. Sensações muito ruins, psicológica, técni-ca e socialmente para nossa filha e para nós,ocorriam quando se aventava a hipótese de queela estava simulando as dores, que provavel-mente estava dependente de opióides, fato que,inclusive, vazou pelo hospital. As evidências decomportamento simulador eram impossíveis deserem comprovadas, porque os fatos demons-travam [a verdade]. Quando ia urinar, numapeneirinha que trouxera dos Estados Unidos,mostrava sua base repleta de cálculos, muitasvezes mais que 25 por dia. Parecia, muitasvezes, que não acreditavam nela e em nós. Ela

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esperava, e nós também, que os profissionaisdeveriam acreditar mais no que era relatado emuitas vezes demonstrado. Essa situação impôsgrande sensação de culpa na paciente, o que nóse a psiquiatra que a acompanhava percebíamos.Imaginávamos que, nesta situação, nós e eladeveríamos ser acompanhados pela psicologia, oque não aconteceu. Com a exceção de dois fami-liares, especialmente uma, além de nós e nossosfilhos, esperávamos apoio maior, compreenden-do melhor a situação dela e nossa, nos dandomais apoio e aliviando nossas tarefas. O mesmopode-se dizer dos colegas e amigos, que comraras e louváveis exceções nos ajudaram e nosapoiaram. Podem ser incluídos, neste contexto,nossos superiores hierárquicos. Alguns eramextremamente atenciosos e prestativos. Outrosnem tanto. Outro problema que enfrentamosforam três situações claras de risco de morte.Todas essas situações de grande risco de morteou seqüelas graves deixaram, a ela e a nós,extremamente inseguros. Ela ficava com pavorde ficar sozinha, especialmente à noite. A partirdessas situações, nunca mais a deixamos nempor um momento sozinha no hospital. O quemais nos consolou foi a força, a determinação,a simpatia, a fé e a crença de nossa filha de quetudo acabaria bem. Nos sentimos muito felizesporque, apesar de suas freqüentes internações esofrimento, conseguiu fazer a graduação emBelas Artes, na especialidade de Violino, e atual-mente está fazendo mestrado na Bélgica. Temosque reconhecer que nossa empregada, que nosacompanha há nove anos, foi muito dedicada,carinhosa e participativa.

Irmão: Uma doença na família sempre éextremamente desgastante. Nunca se espera

que alguém próximo, por quem a gente nutreum sentimento profundo, possa passar por ummomento de dificuldades. Além disso, em umafamília totalmente envolvida com assuntosrelacionados à saúde, isso tem um peso aindamaior. A doença, por si só, já seria um grandeproblema, mas junto com ela existem conse-qüências que muitas vezes são mais desgas-tantes e doloridas. No caso específico de minhairmã, a falta de um diagnóstico preciso, aliadoà dificuldade de encontrar uma forma dediminuir seu sofrimento, levaram todos à suavolta a ficarem totalmente desnorteados. Comisso, diversos outros problemas passaram a sur-gir. O desregramento da vida de quem cuida doadoentado gera uma crise em toda a estruturafamiliar, à medida que a normalidade passa adar lugar à excepcionalidade. Os familiares nãose encontram mais, em momentos em queantes passavam juntos, e os assuntos nas rodasfamiliares passam a ter a doença como temacentral. O abatimento pelo cansaço e o des-gaste em relação aos cuidados com o pacienteficam evidentes. Associado a isso, no meu casoespecífico, passei a me questionar com relaçãoà doença, aos médicos responsáveis e atémesmo aos sintomas que minha irmã sentia.Para quem é leigo na área médica, fica muitodifícil entender as dificuldades em diagnosticaruma doença e prescrever medicamentos quealiviariam os sintomas. Com essa dificuldade,criei uma barreira, sabendo que se os sintomasdela fossem os mesmos de sempre, bastavaesperar que passassem e que ela voltasse paracasa. Porém, era muito difícil ver o sofrimentodela e saber que não poderia fazer nada. Prefe-ria não ver, porque aquilo me machucava tam-bém. Principalmente porque sabia que nada

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poderia ser feito. Mas o que mais me marcouem tudo isso foi a total falta de esperança namelhora do quadro de saúde dela. Além disso, a‘normalidade’ ante as idas dela para o hospitalsempre me deixava chocado. A notícia era sem-pre esperada e não me surpreendia mais. Acerteza de que aquele vai-e-vem iria se perpe-tuar sempre me deixava absolutamente confor-mado, sem forças para tentar qualquer outracoisa que pudesse mudar aquela situação.Quando me dava conta, isso era o que mais medoía, até mais do que presenciar toda a dor queela sentia.

Irmã: Sempre me foi difícil lidar com a doençae convalescença da minha irmã. Nunca ima-ginei tudo o que viria a acontecer nos próxi-mos sete anos. No primeiro ano da doençadela nunca me foi solicitada grande partici-pação em seus cuidados, em função de eu estargrávida e, logo depois, em função de ter umbebê pequeno para cuidar. No ano em que elateve a primeira internação mais longa, eu esta-va trabalhando no interior e não tinha comoparticipar dos cuidados, mas sempre buscavasaber como estava o estado de saúde dela emuitas vezes me vi aflita por não poder fazernada para ajudar. Também não tinha comquem dividir o meu maior medo – o de perderminha irmã caçula. Sentia-me constrangidapor precisar da ajuda de minha mãe nos cuida-dos com meus filhos, mas via o quanto issofazia bem para ela e também as conversas quetínhamos quando chegava na casa dela parabuscar as crianças. Sei que esses foram osesteios dela. Quando minha irmã teve altahospitalar, novamente não imaginava que estasituação se tornaria tão grave e tão duradoura.

Então, comecei a me dar conta de que ascoisas nunca melhoravam. Ao contrário, sem-pre ficavam mais complicadas. Comecei a terum sentimento irracional, mas muito ver-dadeiro e profundo, de culpa, constrangimen-to, piedade. Como podia ela, mais nova queeu, se cuidando muito mais do que eu, que soufumante e festeira (leia-se: bebidas, noites maldormidas etc.), estar passando por tudo aquiloe eu continuar com a saúde em perfeitaordem? Será que isso era justo? Acompanhei,da minha maneira, tudo muito de perto, sem-pre telefonando para saber notícias, dividindominha angústia com meus amigos e tentandonão aumentar a dor dos meus pais. Quanto aeles, gostaria de ter sido mais forte para poderapoiá-los mais quando via que estavamdemolidos por dentro e, muitas vezes, por foratambém. Infelizmente, não tive essa força.Muitas vezes fui consolada por eles e gostariaque tivesse acontecido o oposto. Talvez a mimfaltasse maturidade para aceitar as coisas. Aeles não. Experimentei todos os sentimentospossíveis com a reação das pessoas que estavamao meu redor: raiva daqueles que começavam asugerir que os problemas dela eram psicológi-cos ou de vício nas medicações ou que de-veríamos procurar outros profissionais; con-forto e amor daqueles que participavam muitocomigo no turbilhão de más e boas notíciasque eu recebia várias vezes por dia quando elaestava hospitalizada; tristeza com a indiferençademonstrada por algumas pessoas e admiraçãopor aquelas que me fizeram sempre acreditarque tudo daria certo no final. Obrigada pelocarinho de todos aqueles que me emprestaramseus ombros para chorar e aqueles que meestimulavam a abstrair a situação e manter

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meu foco no trabalho, na família, na casa. Émuito difícil ver o mundo desmoronando aonosso redor e se manter impassível. Vimomentos em que tudo andava por pura inér-cia. A casa, o trabalho, as relações familiares.Quem tinha força, no meio de tanto sofri-mento, para ser pró-ativo, para pensar emcoisas tão menores como qual vai ser o cardá-pio do jantar ou se ainda tinha sabonete nobanheiro? Um dia, chega o momento em quenos damos conta de que todos adoecem jun-tos. Os nossos sentimentos de impotência,compaixão e a vontade de negar o que estáacontecendo se incorporam ao nosso dia-a-dia. É esse o momento em que mais pre-cisamos da força dos que nos rodeiam. Todoesse sofrimento nos trouxe, também, umaprendizado muito grande Durante esseperíodo nasceram e floresceram sentimentosbonitos, como a admiração pela capacidadedaquela menina baixinha e magrinha desuperar cada obstáculo que apareceu em seucaminho. No fundo, foi sempre ela quemmais acreditou na cura, no futuro e no finalfeliz. Foram o bom humor e o otimismo dela,mesmo nos piores momentos, que nos man-tiveram em pé. Foi ela quem nos ensinou ater fé e a acreditar.

CCoonnssiiddeerraaççõõeess ffiinnaaiiss

Para concluir este artigo acerca da importânciado cuidado propiciado pelos cuidadores familia-res (e também sobre a importância de cuidardaqueles que desempenham essas tarefas), éfundamental trazer uma reflexão que possaauxiliar a transformação das práticas das UTIque ainda não permitem a presença constante

de um familiar, especialmente nos casos dedoença grave e incurável. Ainda que negar oacompanhamento do paciente por um familiarpossa concorrer para a otimização de procedi-mentos e rotinas clínicas, é inquestionável quesubtrai aquilo que caracteriza a essência da dig-nidade humana: ser tratado como pessoa que vêatendidas, também, suas dimensões psicológi-ca, emocional e espiritual. Permitir o acesso doscuidadores familiares junto a seus entes queri-dos é importante passo para uma atenção – defato – humanizada, que abra espaço para outrasiniciativas, voltadas ao bem-estar dos próprioscuidadores. Esse processo, que deve ser encam-pado por todas as instituições de saúde, esten-dendo-se do leigo ao profissional, é fundamen-tal para que a saúde seja, cada vez mais, perce-bida não apenas como ausência de doença, mascomo qualidade de vida.

Para ilustrar tal afirmativa, relato um casoemblemático que presenciei, de um casal amigo,pessoas idosas e modestas. Numa tarde, a mu-lher me telefonou dizendo que o marido tinhapassado mal e fora internado na UTI, com sus-peita de infarto agudo do miocárdio. Tinhamlhe informado que o horário de visitas naunidade iniciava-se às 12h30, todos os dias, eque se ocorresse qualquer problema a avisariam.Às 8 horas da manhã ela me ligou, em prantos,contando que seu marido morrera. Fui ao hos-pital e a encontrei chorando à porta da UTI.Tentei consolá-la e então ela disse: vivi com elemais de cinqüenta anos. Tivemos momentosmuito bons, e alguns nem tanto. Queria muitoter estado com ele no momento da morte, parasegurar sua mão, acariciá-lo e falar com ele.Mas, infelizmente, não era hora de visita.

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RReessuummeenn

La presencia de los familiares cuidadores en las instituciones: una cuestión de dig-nidad humana

Este artículo presenta información periodística sobre el cuidado con los cuidadores y la observaciónde profesionales e investigaciones científicas en el tema. Se exponen fragmentos de entrevistas enprofundidad realizadas a los familiares cuidadores, principalmente aquellos que acompañan a losniños y niñas ingresados en el hospital, sea para tratamiento o para cuidados paliativos. Con elpropósito de mantener el anonimato y no ocasionar situaciones moralmente incómodas, hemosomitido los nombres de nuestros informantes, a pesar de tener su autorización para el estudio.

PPaallaabbrraass--ccllaavvee:: Cuidadores. Límites físicos. Límites emocionales. Estrese.

AAbbssttrraacctt

Presence of familiar caretakers at institutions: a question of human dignity

This article presents publications about care of caretakers as well as comments of professionals andscientific research published about the issue. It provides summaries of parts of interviews with care-takers that accompany hospitalized children for treatment or palliative care. Although participantshave so authorized we purposely decided not to reveal their names in order not to create furtherconstraint.

KKeeyy wwoorrddss:: Caretakers. Physical limits. Emotional limits. Stress.

RReeffeerrêênncciiaass

1. Anjos da guarda. Zero Hora 2004 Jul 24;(664); Caderno Vida.

2. Camargo L. A carga a que são expostos os cuidadores deve ser compartilhada para evitar oaparecimento de enfermidades psíquicas e físicas. Zero Hora 2004 jul 24;(664); Caderno Vida.

3. Scliar M. Quem cuida dos cuidadores? Zero Hora 2004 Jul;24(664):Caderno Vida.

4. Leske JS. Needs of relatives of critically ill patients: a follow-up. Heart Lung 1986;15:163-199.

5. Vnicky JK, Connors Jr RB, Learder R, Rush JD. Patients “subjects” or “objects” in residence edu-cation? Journal of Clinicl Ethics 1991;2:235-44.

CCoonnttaattoo

Délio Kipper – [email protected]

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Um olhar reflexivo: os que cuidam dos cuidadores

Rosa Maria do Carmo de Melo Wald

RReessuummoo:: Este artigo procura apontar a perspectiva dos doentes e sua família frente a um diagnósti-co recente e desfavorável, analisando suas fragilidades e o sofrimento inerente à situação. O objeti-vo principal é o respeito ao ser humano, sua vida, em toda a amplitude – características essenciais,também, a quem desenvolve atividades na área da saúde.

Rosa Maria do Carmo de Melo WaldPedagoga, habilitada emeducação infantil pela PontifíciaUniversidade Católica (PUCRS),especialista em EducaçãoInclusiva pela UniversidadeCastelo Branco e professora deeducação infantil do Colégio LaSalle Santo Antônio

PPaallaavvrraass--cchhaavvee:: Diagnóstico. Doentes e familiares. Escutar. Enxergar. Compartilhar.

Descobri que o mais alto grau de paz interiorDecorre da prática do amor e da compaixão.

Quanto mais nos importamos com a felicidadeDe nossos semelhantes, maior o nosso próprio bem-estar.

Dalai-Lama

CCuuiiddaaddooss:: ccaassooss ee rreellaattooss

Quando se fala de vida, vem à mente o nascimento, com suatoda energia e força. Essa força deve permanecer com as pes-soas, manifestando-se durante os momentos desafiadores e,até mesmo, dolorosos da vida. É importante pensar que ahistória de cada indivíduo inicia-se com a disputa do esper-matozóide para fecundar o óvulo. Na corrida pelo direito deformar a vida1, desde os primeiros instantes em que é gerado,o ser humano passa a ser cuidado e amado por aqueles queirão cercá-lo após o nascimento: pais, avós, tios e amigos.

Atrelada a esses sentimentos há uma expectativa de vida plenae feliz. A perfeição toma conta do imaginário; é como se acriança já estivesse ali: linda, perfeita e maravilhosa. Porém, odestino – uma caixinha de surpresas – muitas vezes coloca aspessoas frente à frente com o inesperado; traz notícias jamaispressentidas. No momento em que a realidade esfacela osonho da perfeição, deve-se estar atento a cada gesto e palavrausados para transmitir os fatos aos familiares e pessoas ligadasao paciente.

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Passar tranqüilidade, respeito à dor, a convicçãode que cada paciente é muito importante e pre-cisa ser amado, fará toda a diferença. Nessa cir-cunstância, os especialistas devem ter a sensibili-dade de transformar a dor em luz, não negandoos fatos nem omitindo o diagnóstico, mas trans-mitindo no olhar força, fé e a certeza de quevalem a pena todos os esforços na caminhadavindoura. Pois são os gestos carinhosos quefazem a diferença, capazes de confortar e possi-bilitando entender que o tempo inexiste quan-do a dor e a incerteza permeiam nossas vidas.

Se a vida é um eterno aprendizado, apren-demos quando entendemos que a dor do outrodilacera. Aprendemos ainda mais no momentoem que encontramos as palavras certas, simplese corajosas, para falarmos sobre o valor da vidae do amor, que se abriga no coração de todos osvalores humanos. Este artigo considera essessentimentos, buscando descrever as situaçõespasso-a-passo, sempre cuidando para não exporos cuidadores, mas sim ajudá-los a enfrentarmomentos difíceis.

EEnnvvoollvviimmeennttoo ddooss pprrooffiissssiioonnaaiiss vveerrssuuss ffaammíílliiaa

Falar de envolvimento é falar de amor, troca,respeito, todos os sentimentos que permitemque os seres humanos sejam muitos e aomesmo tempo um só: a diversidade e a identi-dade; a pluralidade e a universalidade. Ao falarde sentimentos é preciso ter a compreensão deque, quando se percorre caminhos difíceis, faz-se necessário o apoio de alguém, para dividir osanseios, dúvidas e incertezas que inevitavel-mente surgem ao se lidar com a vida.

Às vezes, por circunstância inesperada, o ca-minho torna-se tão obscuro que os familiaresde alguém acometido por uma doença sen-tem-se ‘fora de órbita’, por assim dizer. Ochão desaparece e, no lugar dele, sensaçõesnovas e atemorizantes assomam as pessoas.As famílias que vivenciam tal fato se sentem,muitas vezes, cercadas por culpa e mágoa. Énesse instante que seus olhares clamam porum “colo” e por palavras silenciosas; para sen-tirem-se vivos, amados e amparados. Tanto nasaúde como na educação, o envolvimentoocorre na troca do primeiro olhar, o cuidadoem saber o nome da pessoa doente à sua frente(seja criança ou adulto), bem como o de seusfamiliares. A cumplicidade assim estabelecidaserá o ponto de partida para uma aprendiza-gem harmoniosa e aumento das chances desucesso da recuperação.

Na educação, ao fazer uma avaliação torna-seimprescindível ser competente no parecer,mas, fundamentalmente, ter habilidade aorelatar as dificuldades dos educandos a seusfamiliares – os quais chegam sem saber porqueestão ali, buscam respostas, soluções, masprincipalmente ajuda. Para ajudá-los, necessi-tamos primeiro conhecer a família, saber osnomes de seus integrantes e suas histórias,conversar com eles e, de fato, ouvi-los, poisisso desenvolve a confiança. A confiança é abase da sintonia que permite à família não sesentir ameaçada pelo problema que enfrenta,incapaz ou até mesmo fracassada. Esseenvolvimento facilitará o crescimento detodos, possibilitando novas formas de apren-dizagem para o educando – fato que, de formaanáloga, também ocorre na área da saúde.

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Há alguns meses foi lançada uma história deluta e vitória, capaz de comover a todos: umaluz de esperança em um mundo especial2.Lendo-a, tem-se a certeza de que o envolvi-mento do profissional é fundamental para ocrescimento e desenvolvimento do educando. Aautora, Maria Peixoto, mãe de uma criançacom síndrome de Down, relata com paixão sualuta pelo desenvolvimento da filha, Patrícia.Durante todo o período em que se dedicou àfilha pôde encontrar “anjos de luz”, pessoassensíveis e dedicadas que a apoiaram. Segundoa autora, essa acolhida e incentivo fizeram dife-rença em seu percurso.

PPeerrcceeppççããoo ddoo oouuttrroo

Quando em ambiente desconhecido é normalque a pessoa tenha a sensação de estar ‘perdida’,e a insegurança dela decorrente. Essa sensaçãoé similar (tendendo a tornar-se mais forte eameaçadora) à experimentada quando doinforme de um diagnóstico inesperado. Receberum diagnóstico de doença grave ou incurávelproduz em quem ama o doente a avassaladorasensação de dor e medo do desconhecido, inde-pendente da fase de vida.

Nessas circunstâncias, faz-se preciso refletirsobre o papel de cuidador junto aos familiares. Oprofissional competente precisa ir além da técni-ca, manter a humildade e a sensibilidade paraexpressar os sentimentos, não os de pena e com-paixão, mas sim os de respeito àquela dor queparece infinita, incurável e destrutiva. É impres-cindível ter a consciência de que ao receber umdiagnóstico a família tende a desmoronar, adescarrilar no caminho da vida, das suas vidas.

Para tanto, faz-se essencial enxergar o outro. Àprimeira vista, parece algo que se conseguefazer com facilidade e rapidez. Mas ir além dosaspectos mecânicos ou pragmáticos da visão eperceber o que o outro está sentindo é, emdeterminados momentos, quase impossível;existem sentimentos difíceis de sentir e expres-sar. Na dor, os familiares se calam, dando aimpressão de compreender tudo, mas o olharatento percebe que nesses momentos os pensa-mentos dos que sofrem voam e a pergunta pairano ar: por que nós? Por que isso aconteceuconosco? Tudo que parecia tão distante, partedo universo dos outros, agora se torna subita-mente real.

Nas atividades educacionais, saber perceber ooutro é também fundamental. É acreditar quetodos são capazes de construir seu conheci-mento com a ajuda do meio em que vivem,desde que respeitados seu tempo e processo deaprendizagem. Quando se consegue olhar ooutro, respeitá-lo do seu jeito, valorizá-lo demaneira íntegra, se está no caminho para com-preender o que é sentir o outro, incluindo-o emnossa vida.

A partir de relatos de pais de crianças especiais,Meyer3 descreve o sentimento de estar no lugardo outro. Analisando um grupo de pais comansiedades e angústias comuns, mostra comoessa percepção de identidade os auxilia areconstruir suas vidas. Para esses pais, conver-sar e partilhar a dor desses momentos dá a sen-sação de que o mundo novamente lhes abre asportas. É como se dissessem que a dor quevivenciam existe, que os sentimentos que deladecorrem, por vezes ambíguos e contraditórios,

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também. Descobrem que a doença faz parte docaminho da humanidade e que se pode, porlaços de carinho, construir uma nova história:de valores verdadeiros, que os tornem sereshumanos mais ricos e sábios na forma de amare olhar o outro, respeitando seu tempo evibrando com cada conquista.

OO iissoollaammeennttoo:: aaffaassttaammeennttoo ddooss aammiiggooss

Todo ser humano, ao sentir-se ameaçado, tendea afastar-se. Como se o afastamento fosse umaespécie de proteção. O isolamento surge comodefesa, como se não sendo vista pelo outro ador diminuísse ou simplesmente desaparecesse,pois se acredita que o que os olhos não vêem ocoração não sente, ou seja, quando não se vê,não se sente.

Mas é justo nesse momento de dor e sofrimen-to que os familiares precisam de mais carinho,atenção. Se para eles o isolamento é necessáriopara pensar, refletir e entender o que estãovivendo, sentir que existe alguém que pensa noseu sofrimento e partilha sua dor é confortante.Por isso, o papel dos profissionais que acom-panham o processo é fundamental tanto paraque a família seja capaz de se reergue como paraque se sintam especiais: pessoas que precisamde amor, carinho e atenção.

Os cuidadores devem mostrar que a luz existe,que está em cada um, que o isolamento integrao processo de reconstrução, mas que, depois,precisa ser superado, muitas vezes com oauxílio da força do outro, que instiga a que sesiga o caminho. Para os familiares, este é,

muitas vezes, o pior momento de suas vidas, noqual precisam reconhecer a nova realidade e tera certeza, independente de grau de instrução ouposição social, de que sua dor é inevitável.

Os medos que experimentam são imensos: asincertezas tomarão conta das certezas e a faltade informação passará a ser amiga do tempo. Eo tempo, por sua vez, passará a ter imenso valor.Nesses momentos, a palavra amiga será a má-gica para entender tudo o que está acontecendo.E o isolamento será marcado pela descoberta denovos amigos dispostos a ajudar, mesmo quenão possam curar a dor. Esses novos laços sãoconstruídos pela certeza de que se pode compar-tilhar a dor e o sofrimento, tornando-os maisleves, permeados por doses fortes de otimismo.E entender que o medo da dor, desencadeadopor perda já pressentida no imaginário, pode sertrocado por doses de esperança.

SSeennssaaççããoo ddee iimmppoottêênncciiaa:: ffaallttaa ddee rreessppoossttaass ccllaarraass

Desde o primeiro sinal de vida do feto, inicial-mente pelo resultado do exame e, logo após,pelas fisgadas na barriga, os pais começam aprojetar suas expectativas no ser em formação.Vida que, a partir do momento em que nasce,nos ensina a clamar, desejar e amar em toda aplenitude. Amparados por esses sentimentos,cada um sente-se rodeado de certezas, como seviver fosse simples questão de cálculo comresultados sempre positivos. Porém, ao depararcom o desconhecido, retratado em diagnósticoinesperado, o doente e seus familiares começama sentir sensações desconhecidas. Uma delas éa impotência, a certeza de não ter certezas, que

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toma proporções tão grandes que, muitas vezes,os deixa “fora de si”.

Nessas ocasiões, faz-se preciso que os cuidadorestenham a consciência de como é doloroso para osdoentes e seus familiares receberem a respostapositiva do exame, um retorno seguido de expli-cações confusas, que parecem fora do contexto,pois para eles, até pouco tempo, tudo estava per-feito, maravilhoso e sob controle. Nesse momen-to o especialista precisa, mais que nunca, tornar-se um especialista no afeto e no amor, para podertransmitir segurança ao doente e seus familiares,tendo sensibilidade para saber como falar eexplicar o que está acontecendo.

O fato de os pais e familiares sentirem-se cuida-dos e amparados não anula a sensação deimpotência, mas os ajuda a diminuir a dor eangústia. Minimiza as sensações em busca derespostas, que muitas vezes não virão mas podemser transformadas em novos caminhos que certa-mente aliviarão a dor. Pois nem sempre o cami-nho da cura está agregado a respostas rápidas ouexatas, mas sim na perseverança de querer viver.

EEssttrraattééggiiaass ddee eennffrreennttaammeennttoo:: ccoommoo aajjuuddaarr aa ffaammíílliiaa

A partir do momento em que o doente e/ouseus familiares começam a ter a consciência dasituação que estão vivendo, sentem-se desespe-rados, com medo, tomados por uma angústiatão grande que muitas vezes acabam por sepa-rar-se, em vez de permanecerem unidos. Noprimeiro momento, desejam soluções mágicaspara terminar com a dor e a ansiedade, e os sen-timentos tendem a ficar confusos.

Precipuamente, a equipe acompanhante devepassar calma, conforto, demonstrar que existeum procedimento traçado para vencer odesafio. A forma de conduzir esse processo seráfundamental para que todos entendam que omedo que sentem é natural. A equipe pode aju-dar os familiares mostrando que a dor pode serminimizada e se tornar estímulo para quelutem com mais garra e determinação.

Na educação também estão presentes esses sen-timentos. Quando os educandos não conseguemaprender em uma educação convencional ficamfrustrados, ansiosos e a aprendizagem não acon-tece. Nessa circunstância o educador necessitafazer uma reflexão, rever seu papel, remodelarconceitos e criar uma maneira diversificada deconstruir o conhecimento, respeitando o ritmode cada pessoa, seus pensamentos e tempo.

Cury1 afirma que devemos educar a emoçãocom inteligência. E o que é educar a emoção?É estimular o aluno a pensar antes de reagir, anão ter medo do medo, a ser líder de si mesmo,autor de sua história, a saber filtrar os estímu-los estressantes e a trabalhar não apenas comfatos lógicos e problemas concretos, mas tam-bém com as contradições da vida.

OO vvaalloorr ddaass ppaallaavvrraass:: fféé,, ssoonnhhoo,, tteemmppoo

Não existe palavra mais forte em todo o plane-ta do que fé – pequena, simples, mas com umaforça capaz de mover montanhas. Quandodizemos que ter fé é ter tudo, não estamosfalando provérbios, mas da mais intensa ver-dade. É infinitamente necessário repassar esse

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sentimento para os doentes, familiares e amigosdos que estão envoltos em um período dedesconforto e incertezas, pois somente ela serácapaz de possibilitar o entendimento necessárioà clareza da razão.

A fé está atrelada a nossos sonhos, esperanças,realizações. Associa-se aos processos de supera-ção, a tudo o que for mágico e infinitamentebom. Quando faltam todas as outras expli-cações, só Deus pode proporcionar respostas,falando à emoção que toma todo o espaço darazão. Se os textos religiosos dizem que a fé écapaz de remover montanhas, também subli-nham a importância de partilhar; a união devárias pessoas reunidas, clamando pelo amor eo verdadeiro valor da vida. A Bíblia Sagradaatribui a Jesus a afirmação: onde dois ou maisestiverem reunidos em meu nome, eu estareino meio deles4. Essas palavras são mais do quesábias, expressam uma necessidade fundamen-tal dos seres humanos: compartilhar a existên-cia uns com os outros, especialmente nosmomentos de dor e sofrimento.

É muito difícil para os familiares verem seusentes queridos sofrer, pois não desejamos queas pessoas a quem amamos fiquem presas auma cama ou a dificuldades. Quando issoocorre, parece que os sonhos e desejos felizes esaudáveis precisam deixar de existir. Mas justa-mente nesses instantes devem, mais que nunca,estar presentes, pois podem impulsionar ca-minhos de conquistas. Sabendo catalisar efomentar esse sentimento profundo, os profis-sionais envolvidos com o doente e sua famíliapodem incentivar uma nova história, mais ricae verdadeira. Ao ajudar os que sofrem a va-

lorizar cada minuto da vida, estarão con-tribuindo para a transformação do tempo, quedeixará de ser longa e torturante espera, tor-nando-se um aliado que guarda a esperança nofuturo.

Conseguir olhar para o paciente e sua família eperceber o quanto suas vidas são importantespara toda a equipe, é oferecer-lhes novamente avontade de lutar e acreditar num dia melhor.Sem negar a certeza de que a vida é territóriomomentâneo, que tudo passa, os cuidadorespodem alimentar no doente e em sua família afé nos sonhos e o desejo de ser feliz. Mesmo noscasos em que a recuperação é impossível e odesenlace inevitável, esse desejo pode aplainar ocaminho do doente, contribuindo para mini-mizar seu sofrimento.

MMoommeennttoo ddee rreeaaççããoo

Muitas vezes, os profissionais dizem aosdoentes ou familiares a famosa frase: vocês pre-cisam ser fortes. Porém, se efetivamente obser-vassem a reação causada por essas palavras teriam a certeza de que muitos gostariam deouvir qualquer outra coisa, pois força é algoque, desde o início, tentam achar em si mesmospara enfrentar a complexa situação.

Os cuidadores precisam estar sensíveis às neces-sidades da família. Saber que a fragilidade é, atémesmo, uma forma de a pessoa sentir-se aindaviva. Nesses instantes, nos quais a realidadetorna-se dura e amarga, as pessoas necessitamdas lágrimas, mesmo que para sentir o calor dospróprios corpos. É como se, com as lágrimas,fossem capazes de retirar todo o rancor do

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momento e a sensação de perda ante o diagnós-tico sombrio. Em tal situação, as famílias pre-cisam vivenciar essa desestabilização para con-seguir pensar com a razão, traçar um caminho.

Agora, mais do que nunca, o “colo” torna-senecessário para que entendam o que está aconte-cendo e quais os passos a seguir. E que deverãoser realmente fortes para lidar com a situação.

Para tanto, a ajuda de profissionais experientesé fundamental. Eles podem auxiliar os doentese seus familiares a entender que todos os seussentimentos, mesmo os violentos e contra-ditórios, integram o momento, que pode pare-cer-lhes infinito e desesperador. Nessesinstantes, cabe acarinhá-los e dizer-lhes: vocêssão vencedores. Acreditem em seu caminho eele os levará à vitória.

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RReessuummeenn

Una mirada reflexiva: quienes cuidan de los cuidadores

Este artículo intenta exponer la perspectiva de los enfermos y de su familia frente a un diagnósticoreciente y desfavorable, analizando su fragilidad y el sufrimiento inherentes a la situación. Actuandoen el área de la educación, la autora tiene como objetivo principal la promoción del respeto al serhumano, y a su vida en toda su amplitud, características esenciales también de quien desarrolla susactividades en el área de la salud.

PPaallaabbrraass--ccllaavvee:: Diagnóstico. Enfermos y familiares. Escuchar. Mirar. Compartir.

AAbbssttrraacctt

A reflective glance: those who care of caretakers

This article aims to point out the perspective of sick people and their family in the case of a recentand non-favorable diagnosis, analyzing their fragility and suffering, which is inherent to this kind ofsituation. The author, who works on education, have as the main objective the respect to humanbeings, their life in its amplitude, essential characteristics also to those who develop activities in thefield of health.

KKeeyy wwoorrddss:: Diagnosis. Sick people and family. Listening. Seeing. Sharing.

RReeffeerrêênncciiaass

1. Cury A. Você é insubstituível. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.2. Peixoto MA. Uma luz de esperança em um mundo especial. Porto Alegre: Editora Aurora, 2006.3. Meyer DJ. Pais de crianças especiais. São Paulo: M. Books, 2004.4. Bíblia Sagrada. São Paulo: Sociedade Bíblica Católica Internaciona/Paulus, 1990. Edição Pastoral.

CCoonnttaattoo

Rosa Wald – [email protected]

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Desafios para a psicologia no cuidado com o cuidador

Maria Estelita Gil

Letícia Domingues Bertuzzi

RReessuummoo:: Este artigo aponta a necessidade de prover cuidado psicológico aos enfermos/pacientes emestado terminal, bem como a seus cuidadores familiares e às equipes que lhes assistem. Elenca con-juntos de medidas que podem minorar o sofrimento dos envolvidos nessa situação extrema,descrendo casos clínicos para exemplificar esses procedimentos.

Maria Estelita GilMestre em Psicologia Clínicapela Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio Grande do Sul(PUCRS), professora daFaculdade de Psicologia daPUCRS e coordenadora doServiço de Psicologia Clínica doHospital São Lucas/PUCRS

PPaallaavvrraass--cchhaavvee:: Cuidado. Cuidadores familiares. Dinâmica intrapsíquica. Sentimentos.

AA ddiinnââmmiiccaa iinnttrraappssííqquuiiccaa ddoo aaddooeecceerr

A internação hospitalar acarreta, freqüentemente, mudançasna dinâmica familiar, pressupondo flexibilidade na reestrutu-ração das atividades diárias. Sentimentos de impotência,culpa e raiva podem suscitar tensões e desavenças entre osmembros que assistem ao enfermo. A internação pode seraguardada ou não pelos familiares e amigos. Normalmente,esses momentos de espera e indefinição tornam-se carregadosde ansiedades e medos, pois a doença traz em si um aspectosignificativo na dinâmica psíquica: a dissolução da fantasia deimortalidade e o desmoronamento da onipotência do homemcom relação ao controle de seu estado de saúde.

Conforme Kübler-Ross1, quando alguém, rancoroso, deseja amorte de uma pessoa próxima, provavelmente ficará bastantetraumatizado se isso acontecer, sentindo-se culpado mesmoque não exista nenhuma ligação entre seu desejo de destruiçãoe os fatos. Poderá sentir-se responsável (em parte ou inteira-mente) pela doença ou morte. Em geral, ao amadurecer, aspessoas se dão conta de que não são “onipotentes”, que seusdesejos, em si mesmos, não têm força para tornar algo con-creto, especialmente quando tal fenômeno é temporalmenteimprovável. Contudo, a crença subjacente nesse poder absolu-to permanece latente, sendo ativada em situações variadas.

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Culpa, ansiedade e vergonha são sentimentos que se aproxi-mam da raiva. Todos são socialmente conotados de maneiranegativa, estando associados à ausência de qualidades moraisdo indivíduo. Por isso, existe tendência a ocultar tais emoçõesem relação a alguém, especialmente aos enfermos. Entretan-to, essas emoções se revelam por outros modos1. Frente a isso,ocorrem as mais diversas reações, dependendo da estrutura depersonalidade de cada indivíduo. Quando um familiar neces-sita internação hospitalar, seus cuidadores, caso existam, pas-sam a viver com a mesma intensidade o sofrimento daqueleque padece. Muitos aspectos derivados da prática de observân-cia diária da realidade desses cuidadores, imersos no ambientehospitalar, permitem perceber o modo como lidam com asincertezas da doença, o prognóstico e como reagem ante apossibilidade da morte2.

EEnntteennddeennddoo aass rreeaaççõõeess ddoo ccuuiiddaaddoorr

Muitos cuidadores abdicam de suas próprias necessidades etarefas para acompanhar o enfermo, caso precise de auxílio ouatenção. Nessas circunstâncias observa-se no enfermo a perdagradual da identidade, da autonomia de “ir e vir”, da iniciativapara realizar ações básicas do cotidiano como, por exemplo,tomar banho, escovar os dentes, entre outras, relacionadas aotrato e à higiene pessoal. Acompanhar essa espécie de confina-mento provoca estresse entre os familiares, favorecendo aeclosão do sofrimento psíquico, que tende a macerar a vitali-dade dos que se dispõem a cuidar. Assim, acompanhar e cuidarde familiares enfermos internados em instituições hospitalarespode causar efeitos iatrogênicos se também não houver oacompanhamento desses cuidadores leigos por um profissionalde saúde: o cuidador também precisa ser cuidado. Precisa dealguém que lhe dê suporte, que lhe ofereça proteção e apoio,facilitando seu desempenho, compartilhando, de algum modo,sua tarefa3.

O cuidador se depara (e identifica) com as angústias e confli-tos de quem é por ele cuidado. Em decorrência, sente-se,

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Letícia DominguesBertuzziFormanda em Psicologia pelaPUCRS e estagiária de PsicologiaClínica do Hospital São Lucas

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freqüentemente e com demasiado rigor, impeli-do a dispensar-lhe a máxima atenção possível,mesmo quando reconhece não possuir os recur-sos necessários e adequados para fazê-lo3. Porconseguinte, isso tende a acrescentar maisangústia às já existentes. Ao se avaliar a situaçãodos cuidadores, percebe-se sua vulnerabilidadefrente ao cuidado durante a hospitalização doenfermo. Esses rompem os laços familiares, cul-pam-se por atitudes ou pensamentos retrógra-dos e se exigem sempre mais. Em virtude disso,profissionais da área de saúde, mais precisa-mente os da psicologia, necessitam analisar osefeitos deletérios dessas ações, apontando novoscontornos para tais práticas e sugerindo novosafazeres que possibilitem ao cuidador perceberque a qualidade do cuidado dispensado importamais ao enfermo que a quantidade.

OO qquuee lleevvaa ooss iinnddiivvíídduuooss aa sseerreemm ccuuiiddaaddoorreess??

O cuidador pode exercer seu papel como um atode amor: dos pais para com os filhos, dos filhospara com os pais, das esposas para com os mari-dos e vice-versa, não desconsiderando relações deparentesco longínquo ou as de amizade. Muitosindivíduos, em função de características idiossin-cráticas de personalidade, têm a necessidade decuidar como se fosse um imperativo, já que care-cem desse ato para sentirem-se “importantes eúteis”. Outros, em contrapartida, precisam docuidado para que a cada instante a própriaexistência seja confirmada, ganhando relevo, sig-nificado e finalidade à medida que recebe o olhardo outro. Há também os que realizam o cuidadopor afeto, amor, carinho, culpa e, na pior dashipóteses, por não ter escolha.

Winnicott mostra que certas tendências nocrescimento da personalidade caracterizam-sepelo fato de nunca chegarem a se completar ede serem verificáveis desde o início da vida4. Amanifestação de tais tendências no crescimentoda personalidade evidencia a demanda de apoiodo indivíduo ao ambiente, em qualquer idadede sua vida: o desejo de que alguém o auxilie asobreviver, a se desenvolver psicologicamenteem um ambiente favorável5. Essas característi-cas são determinantes da qualidade, ou não, docuidado. Na prática diária das equipes de saúdese pode perceber a extrema importância deidentificar esses aspectos nas ações do cuidador,para que melhor se possa auxiliá-lo e orientá-lo.

A perda da crítica consciente no cuidador podegerar reações ambíguas, que oscilam da doaçãoextremada à raiva dissimulada. É importanteressaltar que isso nem sempre chega à cons-ciência, devido aos sentimentos de culpa quelevam o cuidador a tecer inúmeras racionaliza-ções, como: se eu não fizer, quem vai fazer? Sóeu sei cuidar. Não posso me afastar, pois podeacontecer alguma coisa... Esses enunciados sãotão presentes e pontuais que o indivíduo ficarefratário à ajuda, esterilizando a possibilidadede “escuta” que pode vir a aliviá-lo dos encargosa que se impõe. É possível observar o movi-mento que vai da gratidão à resignação emrelação ao enfermo, evidenciando um ciclo queoscila entre o cansaço físico e o emocional; aperda de liberdade na administração dospróprios horários; a excessiva responsabilidade;os sentimentos de solidão, impotência e tris-teza. Em decorrência de estar exposto a esseconjunto de circunstâncias, o cuidador se sen-tirá internamente como em cárcere privado. Tal

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sentimento pode desencadear irritabilidade,agressividade, tensão, isolamento, ansiedade, asensação de estar “sem saída”, que, dependendoda intensidade, podem levar ao desenvolvimen-to de doenças psicossomáticas.

OO qquuee lleevvaa oo ccuuiiddaaddoorr aa ccuuiiddaarr

Por que cuidamos uns dos outros? Quando umadoença é diagnosticada, familiares descrevemculpa frente à situação: por que não pedi quefosse antes ao médico? Entretanto, esse senti-mento em relação ao acamado tem origemprévia à doença, pois, como anteriormente cita-mos, quem, em algum momento de raiva, nãodesejou, ainda que inconscientemente, que ooutro se desse mal de algum modo? A doençatende a ser interpretada, em certa medida, comoreflexo desse desejo reprimido.

Segundo Kübler-Ross, quando alguém, emuma família, é acometido de uma enfermidadeos demais membros submetem-se a variadosestágios de adaptação. Esses períodos, seme-lhantes aos enfrentados pelos próprios pa-cientes, caracterizam-se por sentimentos deraiva, barganha, depressão, aceitação1. Quan-do o enfermo vive o a fase da raiva, oscuidadores informais e parentes próximosenfrentam, também, a mesma reação emo-cional. Geralmente, sentem-se frustrados pornão conseguir dar assistência ao doente e nãoter o poder de curá-lo.

A impotência frente a essa situação, por outrolado, pode gerar sentimentos contratransferen-ciais de repulsa nos cuidadores, manifesto pelodesejo ou efetivação do abandono do enfermo.

Logo, torna-se essencial proporcionar “escuta”a essas pessoas, pois essa intervenção lhes per-mite entrar em contato com o conteúdo ver-balizado e, dessa maneira, preparar-se melhorpara lidar com um fato não desejado e a frus-tração e sofrimento dele decorrentes. Ademais,se não lhes forem concedidos tais momentos dereflexão, de contato íntimo com os seus pensa-mentos e receios, podem vir a desenvolverpatologias, uma vez que renunciam à própriavida, fundindo-a a do paciente. Essa alienaçãotende a advir do cansaço físico e emocional,bem como do aprisionamento e excessiva cargade responsabilidades demandadas pelo paciente.O cuidado realizado com equilíbrio emocionalem relação à pessoa a quem amamos, mesmoque envolva os desajustes a ele inerentes, trazum sentimento maior: a sensação do devercumprido.

EEssttrraattééggiiaass ddaa ppssiiccoollooggiiaa:: aattiivviiddaaddeessqquuee vviissaamm ““ccuuiiddaarr”” ddooss ccuuiiddaaddoorreess

Conforme o desejo do cuidador, é importanteque a psicologia o apóie, utilizando a escutadinâmica e a empatia para prestar-lhe um “bomcuidado”. Em consonância com o conceitoproposto por Winnicott, Campos afirma: noholding a mãe cuida de seu filho e tãosomentecom seu carinho e dedicação alivia suas tensõese mal-estares corporais. Através de sua empatia,coloca-se no lugar do mesmo e procura ‘adivi-nhar suas necessidades’6. Destarte, a equipedeve, dialeticamente, tomar consciência do fatode ser cuidadora, de representar essa mãe quecompreende “seu filho” e que, além de entendersuas necessidades, muitas vezes se antecipa aosseus desejos.

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De acordo com Celeri7, quando as condiçõesambientais são adequadas o ego fraco do bebê,apoiado pelo ego materno, se fortalece. Assim,respaldados pela teoria de Winnicott, que alude anossa eterna relação de interdependência com omeio, o bom holding efetuado pela equipe de psi-cologia pode encorajar o ego enfraquecido doscuidadores, das seguintes maneiras: a) proporcio-nando ao grupo o resgate da capacidade de inte-gração de experiências e desenvolvimento egóico;b) favorecendo um reencontro com o self e comsuas necessidades; c) podendo aprender a se dis-tanciar do enfermo de maneira saudável.

EEqquuiippeess ddee ssaaúúddee

Quando um paciente falece, a equipe de profis-sionais de saúde deve amparar-se mutua-mente, dando apoio aos colegas que seincumbiram de cuidá-lo ou tratá-lo. Falar,chorar, enfim, dar vazão a toda sorte deemoções e sentimentos, num espaço receptivoàs manifestações subseqüentes à perda, per-mite, em certo grau, que a elaboração coletivado luto se efetive, fortalecendo a coesão grupale possibilitando que as atividades sejamretomadas com mais vigor. Perder um pacientedo qual nos ocupamos durante muito tempoequivale à morte de um “ente querido”. Por-tanto, a equipe, protegendo os que estiveramem contato com a pessoa que veio a falecer,deve delegar aos colegas em questão ospacientes mais saudáveis na unidade, para quese recomponham.

Além disso, é imprescindível que a contra-transferência seja alvo de discussão, quer po-sitiva ou negativa. A positiva, no caso, poderia

apontar para uma identificação por parte docuidador em relação a aspectos inconscientesdo psiquismo do enfermo, fazendo com que oprimeiro assumisse uma postura caracterizadapor excessiva atenção que, sob análise acurada,significaria justamente o oposto, ou seja, umanegligência disfarçada de bondade. Nesse sen-tido, a contratransferência seria equiparada aum ponto-cego, que imobilizaria e manipula-ria o profissional da equipe, pela transferênciado paciente, induzindo-o, só para citar umexemplo hipotético, a não realizar determina-dos procedimentos ou a restringir o uso demedicamentos que pudessem causar reaçõesadversas.

Na contratransferência negativa é necessárioestar atento à interface paciente versus equipe,pois aquele que está doente, em razão do medoou pelos possíveis traços patológicos que com-põem a estrutura de sua personalidade, poderechaçar os que se dispõem a cuidá-lo. Todavia,a leitura dos aspectos psicológicos do paciente,bem como os da equipe, auxiliará no mapea-mento e detecção de sinais que retratam o queestá ocorrendo, diminuindo ou eliminando apossibilidade de falhas durante o atendimento.O paciente, por conseguinte, não deve serabandonado ou discriminado por se apresentar“querelante” ou “chato”.

Quando a equipe investiga, discute e identificaos sentimentos contratransferenciais, ela estátornando a ação de cuidar eficaz em toda a suaextensão sem perda da continência e ternurapelo paciente, colocando limites quandonecessário e contribuindo para o bem-estargeral dos envolvidos.

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PPrrááttiiccaass ppaarraa aauuxxiilliiaarr aa eeqquuiippee ccuuiiddaaddoorraa

• Realizar seminários que objetivem dis-cussões de casos que despertaram contra-transferência negativa ou preocupação coma doença persistente ou terminalidade dopaciente;

• Investigar com a equipe não só questõesrelacionadas ao diagnóstico, mas procurarsaber sobre o prognóstico, as condutas detratamento, o modo como cada membro irálidar com a evolução do caso e a possibili-dade de perda;

• Observar os colegas mais vulneráveis e au-xiliá-los no sentido de ou mudar a equipe oupossibilitar que verbalizem e superem suasangústias;

• Desenvolver, junto aos profissionais desaúde, principalmente os da área de enfer-magem, um grupo específico para tratardas dificuldades e vitórias pertinentes aosatendimentos;

• Retroalimentar os funcionários por meio dereforço positivo quando da realização deatendimentos adequados (sem exageros ounegligência);

• Enfatizar as trocas temporárias das equipesmédicas e de enfermagem, pois previnem adoença mental não só dos residentes eenfermeiros como também dos seus precep-tores, já que atender apenas pacientes ter-minais pode levar ao adoecimento imi-nente;

• Verificar se as faltas não justificadas dosfuncionários da equipe ocorrem pelo desejoinconsciente de afastar-se temporariamentede alguém à beira da morte.

PPrrááttiiccaass ppaarraa aauuxxiilliiaarr ooss ffaammiilliiaarreess--ccuuiiddaaddoorreess

• Observar a rotina do familiar junto ao enfer-mo;

• Ficar atento, no sentido de realizar uma“escuta” diagnóstica;

• Avaliar os comentários reveladores dosaspectos citados anteriormente, que podemrevelar cansaço, angústia, estresse, raiva,culpa;

• Examinar, principalmente, o tempo dedica-do ao descanso e ao distanciamento saudá-vel para a retomada das energias físicas epsíquicas.

A partir dessas observações:• Solicitar atendimento psicológico individual

para o cuidador e seus respectivos familiares,trabalhando não só a dor, o sofrimento e omedo da morte do enfermo, mas também aculpa por achar que não está cuidando osuficiente;

• Evidenciar o conceito de qualidade do cuida-do e não quantidade, pois o segundo desgas-ta e traz conseqüências negativas ao processode assistência;

• Realizar grupos de apoio em que os familiarespossam verbalizar suas angústias e identificaroutros que também passam pelos mesmosproblemas;

• Criar oficinas terapêuticas para os pais, nocaso dos atendimentos pediátricos, enquantoas crianças estão na recreação, para que pos-sam se distrair momentaneamente do cuida-do dos filhos;

• Estimular os cuidadores a descobrir talentosdurante as interlocuções estabelecidas entre

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si, para que novas habilidades venham asomar-se ao repertório de atividades conjun-tas, repercutindo num sentimento recíprocode se sentir útil e produtivo;

• Encorajar a visita de madrinhas e padrinhosaos pais-cuidadores para que se sintamapoiados e valorizados no interesse por seusfilhos;

• Oferecer uma sala, como possibilidade defolga no cuidado, onde os cuidadores possamdescansar, conversar e assistir televisão, entreoutros afazeres.

EExxeemmppllooss ddee aabboorrddaaggeemm ppssiiccoollóóggiiccaa

Para tornar mais explícito esse conjunto depráticas relacionadas ao bem-estar dos enfer-mos, seus cuidadores familiares e equipesprofissionais, elencadas anteriormente, sele-cionamos, a seguir, dois exemplos nos quais sãodescritas, na forma de relato, a abordagem aofamiliar cuidador em consulta psicoterápica,bem como técnicas destinadas a apoiar àequipe.

AAbboorrddaaggeemm ppssiiccoollóóggiiccaa aaoo ffaammiilliiaarrccuuiiddaaddoorr

Paciente com câncer de mama. Após um ano detratamento e significativa melhora do quadroclínico, apresentou metástase, o que revelou paraa família a gravidade do caso.

O marido tornou-se o principal cuidador, porqueos filhos se dedicavam exclusivamente às ocu-pações profissionais e moravam no interior –mas sempre se mostraram carinhosos e presentesquando podiam dividir o cuidado com o pai.

A paciente começou a se mostrar irritadiça eseus traços onipotentes se acentuaram.Negou o avanço da doença, não querendosaber a verdade; no entanto, não se omitiu àrealização dos tratamentos propostos. Quan-to mais o marido a cuidava, mais se tornavadéspota, exigindo que ele a levasse ao traba-lho. Vale mencionar que, a essa altura dosacontecimentos, a paciente já estava impossi-bilitada de exercer seu ofício. Como resulta-do, o marido solicitou ajuda psicoterápica,alegando que a esposa era “terminal”.

Na consulta, a primeira intervenção focalizou ouso da palavra “terminal” pelo cuidador fami-liar, em relação ao que o profissional teceu aseguinte consideração: enquanto existir vidahaverá luta, já que somente a morte denota tér-mino. A intervenção tranqüilizou o familiar daenferma, a qual passou a ser examinada acercado que lhe estava incomodando. Esse tipo deintervenção é muito importante, pois ocuidador, ao mesmo tempo em que teme perdero familiar, inconscientemente deseja o desen-lace para se “livrar” do acontecimento imi-nente, iludindo-se de que, assim, sofrerámenos.

Seu relato referia-se a queixas ligadas à sub-missão, porque temia desagradar à esposadoente. A partir desse dado, trabalhamos grada-tivamente a impotência e a raiva subjacentes aoseu discurso. Com dois meses de tratamento,aborrecido, comentou que a esposa reclamavade seu sono agitado. Portanto, com o fito denão incomodá-la, foi dormir no quarto ao lado,sem consultá-la previamente. Na semanaseguinte, a paciente, no café-da-manhã, disse

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que o café estava fraco, decidindo que, a partirdaquele momento, não faria mais aquelarefeição com ele.

Mediante o exposto, assinalamos que o medo ea raiva latentes de ambos estava causando umafastamento significativo. A atitude de dormirem outro quarto representava um modoativo/passivo de expressar o descontentamentoe a perda. Quando o paciente pôde verbalizar eentender seus sentimentos, percebeu os aspec-tos neles subjacentes e passou a colocar limitesà conduta da esposa. Essa atitude propiciou oretorno espontâneo de um diálogo amoroso, hámuito preterido, levando, como conseqüência,o marido a voltar partilhar o mesmo quartocom sua mulher. A esposa nunca mais recla-mou do sono do marido, ocorrendo, como indí-cio da harmonização do conflito, a significativadiminuição de sua onipotência e respectivaintransigência.

Em suma, enquanto o enfermo e o cuidador setornam vítimas ou algozes por uma necessidademaior – doença e possibilidade de morte –, sen-timentos muito primitivos, como os encontra-dos na vida fantasmática dos bebês, são desper-tos. Então, o paciente, à semelhança dosrecém-nascidos que acham o leite maternoinsuficiente e mordem o seio que é sua fonte dealimento, tende a agredir ou repudiar os quedesejam ajudá-lo.

Com efeito, enfermo e cuidador temem amesma coisa: a patologia e a morte. Os doisreceiam ou sentem raiva do abandono imi-nente. Amiúde, o acamado solicita ao cuidadorque não o deixe só nem por um segundo, pois

sente raiva (e inveja) dos que têm boa saúde edaqueles que continuarão vivendo, ao passo queele morrerá. Por sua vez, o cuidador se ame-dronta e enraivece porque sente estar, gradati-vamente, perdendo alguém que ama: aqueleque o gerou (no caso de um filho) ou que oescolheu (quando se trata do cônjuge, parceiroou amigos). A recíproca quase sempre é ver-dadeira. Sentimentos inconscientes de caráternarcisista estão presentes, aparecendo porintermédio de sintomas que relatamos ao longodo trabalho: paciente passivo, algoz ou vítima;cuidador ativo, algoz ou vítima.

Os pólos são contrastantes e os profissionais daárea de psicologia, quando sintonizados nestaatividade, mostram-se mais preparados pararealizar essa leitura com a devida profundidade,revelando à equipe cuidadora que dinâmicamelhor favorece o enfermo, os familiares e aprópria equipe.

AAbboorrddaaggeemm ppssiiccoollóóggiiccaa àà eeqquuiippee ccuuiiddaaddoorraa

Paciente feminina, 38 anos, em estágioavançado de câncer pélvico. No último mêsem que esteve hospitalizada, permaneceumedicada com morfina, estando consciente.Seu marido era o principal cuidador e o casaltinha quatro filhos: de 5, 7, 11 e 13 anos.

Uma estagiária de psicologia mobilizou-secom a situação da paciente, cujo sofrimentoera muito acentuado. Além disso, tanto aequipe da oncologia quanto a da psicologiaestavam consternadas com o fato de que apaciente deixaria quatro órfãos.

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Na fase terminal, a estagiária pediu minhaajuda – uma vez que desempenhava a funçãode supervisora local do estágio – para a rea-lização de uma entrevista de despedida com osfamiliares da paciente, incluindo irmão, mãe efilhos. Conduzi, então, a entrevista, estimu-lando que as crianças verbalizassem o quantoestavam cientes do estado de saúde da mãe.Paulatinamente, cada um foi dando voz àssuas percepções e, à medida que informáva-mos, fazíamos também a leitura do sofrimen-to expresso por cada membro da família.

Após uma uma hora e quinze minutos de entre-vista, verificamos que as crianças já tinhamcondições de visitar a mãe. Dirigimo-nos àunidade e, antes de entrar no quarto,preparamos a paciente para o contato com osfilhos. Ela estava aos prantos e falou que queriaficar bem para que as crianças não se assus-tassem. Ajudamos a equipe da enfermagem nopreparo da paciente, solicitando o mínimo demanipulação, pois estava tomando banho e ador aumentava com qualquer movimento. Opreparo foi um timing para mim, para apaciente e para a família, que estava do lado defora do quarto. Confesso que foi um temponecessário para todos, porque seria um momen-to muito importante para a vida de cada um.

Depois de respirarmos fundo, entramos. Osfilhos, espontaneamente, se aproximaram doleito, subiram na “escadinha” e chegaramperto da mãe para conversar e beijá-la. O con-tato com a paciente durou mais ou menos 15minutos, contudo, permanecerá “eternizado”para esses familiares. As crianças ora pegavamna minha mão e demonstravam querer ficar

mais, ora pediam para dar tchau e ir emborado quarto. Após algum tempo a própriapaciente aludiu estar “cansada” e querer“dormir”. Saímos para o corredor e a filhamais nova pegou na minha mão, falando bai-xinho: tia, por que o mano está chorando?Expliquei que ele estava triste, que era normalsentir-se assim e chorar. Chamei o pai paraperto e nos abraçamos coletivamente, quandoa menina, então, também começou a chorar.

Comentei que estavam tristes por temer aperda da mãe, mas, em contrapartida, tinhamum pai que era “pãe”: pai e mãe. A meninasorriu, achando engraçado e concordou: é, opapai agora é a nossa mamãe. Afastei-me umpouco, deixando que vivessem a intimidadealcançada naquela atmosfera. Posteriormente,a avó e o tio os levaram para a escola, enquan-to o pai seguiu cuidando da esposa, que sobre-viveu por mais dois dias.

Naquele abraço ocorreu, de certa forma, umprocesso de continência mútua em que aespontaneidade serviu de apoio para todos. Amorte da paciente coincidiu com um feriadão ea estagiária não telefonou para a equipe parasaber como estava a paciente – ficando choca-da ao retornar e deparar-se com a notícia. Emsupervisão, foi visto que o fato de a estagiárianão ter buscado notícias sobre o estado dapaciente tinha relação com a perda recente deuma amiga muito próxima. Ficou claro queesse comportamento refletia a tentativa de defe-sa contra o sofrimento que sabia ser inevitável.

Nesse caso, havíamos percebido consciente einconscientemente que tanto a estagiária

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quanto a família necessitavam de uma con-tinência maior e, por essa razão, a minhaintervenção foi mais ativa. O objetivo, aoconduzir a entrevista diretamente com afamília, foi o de proteger a estagiária, queestava vulnerável e, portanto, teria maior difi-culdade em enfrentar sozinha a situação.Quando isso acontece faz-se necessário que,na condição de supervisores, nos antecipemospara resguardar o aluno. Cabe ressaltar que aequipe da oncologia reclamou, posterior-mente, pelo fato de a estagiária não ter estadopresente naquele feriado, dia em que apaciente faleceu, denotando, assim, que tam-bém necessitavam de amparo.

Nos ambulatórios, quando atendemospacientes que recebem diagnósticos de câncerou de malformação de um feto, é de praxerealizarmos uma interconsulta na qual o pre-ceptor e o psicólogo, juntos, fazem uma entre-vista, propiciando que os alunos da medicina eda psicologia observem como se deve proce-der. Esse é um modo de realizar um ensinomenos teórico, realçando a prática, além deser uma maneira de proteger os alunos“cuidadores” de casos com patologias maisgraves e que envolvem sofrimento maior. Ficaevidente, portanto, que o cuidado implicatroca e que o “envolver-se” requer um distan-ciamento saudável.

CCoonnssiiddeerraaççõõeess ffiinnaaiiss

O paciente, indiscutivelmente, merece oamparo e a continência de um cuidador fami-liar; todavia, isso nem sempre ocorre. Oenfermo terá sempre, pressupomos, a assistên-

cia da equipe que, na medida do possível,assume cuidados concernentes às famílias.

A partir do entendimento dinâmico, do pontode vista psicológico o resultado do bom cuidadodepende da capacidade egóica de todos osenvolvidos (enfermo, cuidador-familiar, cuida-dor da equipe), assim como de um suporteexterno ao ambiente onde a doença vigora e,logo, de alguém que possa cuidá-los de maneiraarticulada. Tudo isso presume capacidade deinsight, de reconhecimento das limitações e dossentimentos atinentes a esta tarefa tão nobre,mas tão difícil.

Acreditamos que cuidar é um ato altruísta,humano, que exige disponibilidade, maturi-dade, equilíbrio e discernimento, porque dooutro lado existe um enfermo, um membro daequipe ou a própria equipe que necessita desuporte técnico ou continência psicológica.

Kant, em sua genialidade, trouxe com muitapropriedade o que queremos expressar nessasconsiderações sobre a ética do cuidado: age detal maneira que uses a tua humanidade, tantona tua pessoa como na pessoa de qualqueroutro, sempre e simultaneamente como fim enunca simplesmente como meio8.

Toda pessoa merece a dignidade, o respeito e acompreensão inerentes à condição humana.Isso se configura na atenção às manifestaçõespatológicas do corpo, bem como no cuidado aosaspectos subjetivos do psiquismo. Por isso, osenfermos, seus cuidadores familiares e os mem-bros das equipes merecem nossa “escuta”, con-tinência física e psíquica de modo incondicional.

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RReessuummeenn

Desafíos para la psicología en el cuidado con el cuidador

Este artículo señala la necesidad del suministro de cuidado psicológico a los enfermos/pacientes enestado terminal, bien como a sus familiares cuidadores y a los equipos que los asisten. Se relacionanconjuntos de medidas capaces de aminorar el sufrimiento de quienes se encuentran involucrados enesta situación extrema, describiendo casos clínicos como ejemplos de dichos procedimientos.

PPaallaabbrraass--ccllaavvee:: Cuidado. Familiares cuidadores. Dinámica intrapsíquica. Sentimientos.

AAbbssttrraacctt

Challenges to psychology of caretakers caring

This article points out the need of giving psychological care to sick people/ patients in terminal stateas well as their familiar caretakers and teams that assist them. It shows a set of measures that shoulddiminish suffering of people involved in this extreme situation, with a description of clinical cases togive examples of these procedures.

KKeeyy wwoorrddss:: Caring. Familiar caretakers. Intrapsychical dynamics. Feelings.

RReeffeerrêênncciiaass

1. Kübler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

2. Rufian AQ, Gómez RB, Gonzaléz MAP, Martinez NP, López NA, Ruiz CG. Los cuidadores espe-ciales en el Hospital Universitario de Traumatología y Rehabilitación de Granada. Index Enferm2005 Jun./Jul;14:48-49.

3. Campos EP. Quem cuida do cuidador. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 42.

4. Winnicott D. Provisão para a criança na saúde e na crise. In: O ambiente e os processos matura-cionais: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. 3.ed. Porto Alegre, 1990. p. 66.

5. Luksys MIA, Kniest GR. A preocupação materno-primária de Winnicott: um estudo de caso commulheres grávidas em uma unidade do PSF: algumas considerações. Conceitos 2005 Jul:61-69.

6. Campos EP. Op. cit. p.16.

7. Celeri EHRV. A teoria do desenvolvimento emocional de D.W. Winnicott. Revista Brasileira de Psi-canálise 1990;24(2):155-70.

8. Kant I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 1986. p. 69.

CCoonnttaattoo

Maria Estelita Gil – [email protected]

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Estratégias do Serviço Social para atenuar o sofrimento e tornar a ajuda ao paciente mais humana

Magda Suzana da Silva FerreiraLaura dos Santos Lunardi

RReessuummoo:: Este artigo discorre sobre as atribuições do Serviço Social, contextualizando-as à luz dastransformações na dinâmica dos serviços de saúde propostas pela Reforma Sanitária brasileira.Descreve as características de um processo de assistência voltado à integralidade do usuário, enu-merando ainda as diversas atividades destinadas a implementar tal prática, realizadas pelas profis-sionais da área atuantes no Hospital São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS).

Magda Suzana da Silva Ferreira Assistente social, especialista emsegurança do trabalho, violênciadoméstica e terapia de família ecasal

PPaallaavvrraass--cchhaavvee:: Serviço Social. Assistência. Cidadania. Emancipação. Intervenção.

A doença, normalmente, causa rupturas na organizaçãofamiliar. Nos casos graves, que requerem hospitalização,observa-se ser esse um momento difícil tanto para o pacientequanto para seus familiares. A enfermidade altera a realidade,provocando impacto no cotidiano da família e obrigando-a,entre outras coisas, a adaptar-se às regras institucionais.

O trabalho com pessoas hospitalizadas e seus familiares tornavisível a vulnerabilidade que acomete todos os que passam poressa situação, mostrando a importância da luta pela huma-nização do atendimento. Isso fica ainda mais evidenciadoquando se considera que, além de estarem vivendo ummomento de fragilidade e ansiedade devido à enfermidade,muitas pessoas têm seu sofrimento agravado por desco-nhecerem seus direitos de cidadania.

Segundo Iamamoto, pode-se verificar ser de suma importân-cia para os assistentes sociais, em qualquer âmbito de atuação,captar as novas mediações e requalificar o fazer profissional,atribuindo-lhe particularidades e descobrindo alternativas deação. A autora afirma que um dos maiores desafios atual-mente enfrentados pelo assistente social é o de desenvolver suacapacidade de decifrar a realidade para construir propostas detrabalho criativas, capazes de preservar e efetivar direitos, a

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Laura dos Santos LunardiAssistente social e terapeuta defamília e casal

partir da demanda emergente no cotidiano1. Enfim, ser umprofissional propositivo e não apenas meramente executivo.Os atributos profissionais do assistente social conferem-lhecompetência para propor novas formas de tratar os problemas,negociar seus projetos com as instituições, defender o seucampo de trabalho, qualificações e funções profissionais.

Seguindo a proposição acima, o Serviço Social busca trans-formar o contexto da atividade laboral. Para tanto, intervémjunto ao usuário no sentido de fortalecer sua autonomia einformar-lhe sobre seus direitos como cidadão, especialmenteno que tange aos aspectos relacionados à saúde. O trabalhodesses profissionais está voltado à promoção da emancipaçãodo usuário, para que possa ser agente no processo de mudançade sua própria realidade, transformando-se em partícipe ativono controle social. Cabe ainda ao assistente social estimular aparticipação do usuário nas comissões de saúde, entre outrasações, capacitando o indivíduo a ser sujeito no processo detransformação da sociedade, partindo da conscientizaçãosocial, ou seja, uma mudança global e não mais individual.

A relação Estado e sociedade vem se modificando progressiva-mente na realidade brasileira; no caso da saúde, em termos deacesso a direitos sociais, há importantes diferenças, antes e apósa Constituição Federal de 19882. O direito à assistência estavavinculado à contribuição à Previdência Social, excluindo o aces-so de todos os não inseridos no mercado formal de trabalho.Isso, naturalmente, fragilizava ainda mais as classes populares,já vulneráveis por sua condição econômica e social.

Na passagem da década de 70 para a seguinte, foi possíveldemarcar o estabelecimento de novas relações entre o Estadoe a sociedade. As desigualdades no acesso à saúde, a desorga-nização da rede, a centralização do processo decisório e a baixaresolubilidade e produtividade dos recursos existentes, soma-dos à conjuntura de crise econômica, colocaram em cenanovos atores sociais que passaram a pressionar o Estado porpolíticas sociais mais eqüânimes.

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No tocante à saúde, as mudanças introduzidaspela Constituição de 1988 são resultado da forçaorganizada do Movimento Sanitário, queemergiu nos anos 1970 por iniciativa de umgrupo de intelectuais, médicos e lideranças políti-cas do setor saúde, provenientes, em sua maioria,do Partido Comunista Brasileiro. Esse movimen-to deu origem à Reforma Sanitária brasileira, quealterou o panorama da política social de saúde,hoje configurada como a área que mais sofreutransformações significativas3.

A mudança trazida pela Constituição e pela Lei8.080, a chamada ‘Lei Orgânica da Saúde’,que definiu a forma de operacionalização doSistema Único de Saúde (SUS), colocou emdestaque os diversos profissionais que até entãopermaneciam em posição secundária. Nessaconjuntura o assistente social passou a ter umpapel mediador no contexto hospitalar, inter-vindo sobre as tensões, os conflitos, a violência,entre os grupos excluídos, a sociabilidade locale a sociedade instituída, sem, contudo, tomarposição por nenhum dos pólos de conflito quefazem esforços, cada um, para trazer o ServiçoSocial para seu lado. O Serviço Social faz,neste sentido, a interligação entre os sistemas-recursos e de poder com os sistemas-utilização,tendo como diretriz a inclusão social dos excluí-dos pela sociedade desigual, facilitando a comu-nicação entre sistemas, principalmente em casode dificuldade e de ausência de relações entre osdois sistemas4.

Se saúde e doença são percebidas como aspec-tos contrários, como pólos opostos do estadofísico e psíquico, essa bipolaridade também estápresente no corpo de quem vivencia esses fenô-

menos: posto que a doença, para ser entendida,é preciso que a saúde se vá e o conhecimento[da doença] se torne possível5. Como salientaRibeiro, em citação à Ariés, a sensação de estarprivado da saúde, o temor e a fragilidade que talsensação desperta podem desencadear umprocesso de submissão total do doente ao hos-pital, evidenciando uma tentativa de suprimir omal que o acometeu: o hospital não é apenas olugar onde as pessoas se tratam e curam; é tam-bém onde se morre e onde, paradoxalmente, amorte é negada5. O mesmo autor, dessa feitacitando Boltanski, afirma, em contraponto aessa assertiva, que os profissionais de saúde tra-balham no sentido de transformar essa reali-dade de submissão, por meio de abordagensvoltadas à emancipação das pessoas doentes,entendendo, também, que a doença do doenteé do seu organismo total e não a doençaanatômica5.

Existem ainda vários outros fatores inerentes àhospitalização que contribuem para o recrudes-cimento de agruras existenciais e de problemasemocionais graves, que atuam de formadeletéria no desenvolvimento da pessoa doentee hospitalizada. Dentre esses se destacam o des-mame agressivo; o transtorno da vida familiar;a interrupção ou retardo da escolaridade, ritmode vida e desenvolvimento; as carências afetivase agressões psicológicas e físicas; despesas ele-vadas e, ainda, o risco de variadas iatrogenias,entre as quais a mais significativa se refere àsinfecções hospitalares6. Em relação a todosesses problemas, a atuação do assistente socialobjetiva minimizar o sofrimento inerente aoprocesso de doença e hospitalização do doente,incentivando sua família a ser elemento ativo

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no processo, condição importante para o êxitodo tratamento. A ação desses profissionaisobjetiva, também, a promoção da saúde mentalintegral do paciente, valorizando influxos satis-fatórios entre o mesmo e sua família. A atua-ção do Serviço Social visa atender, apoiar, faci-litar a compreensão, dar suporte ao tratamento,auxiliar a entender os sentimentos, prestaresclarecimentos sobre a doença e fortalecer ogrupo familiar.

Nesse sentido, faz-se necessário ressaltar que apresença da família é fundamental, constitui oreferencial do doente, significando afeto e pro-teção. O elo que os une contribui para manterou restaurar o equilíbrio do paciente, que, nor-malmente, advém das pessoas que lhe trans-mitem segurança emocional. O contato com asmesmas ajuda a manter os aspectos sadios desua existência e seus vínculos com sua realidadeanterior, auxiliando a adaptação no hospital. Aafetuosidade da relação família/paciente geraum sentimento de apoio.

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A partir do reconhecimento da necessidade deintervir na realidade social como forma de atua-ção no processo saúde/doença, em 1977 foi cria-do o Serviço Social no Hospital São Lucas, daPontifícia Universidade Católica do Rio Grandedo Sul. Esse serviço, posteriormente, passou aconstituir um campo de estágio da Faculdade deServiço Social daquela universidade, dispensan-do atendimento sistemático às unidades de inter-nação e aos ambulatórios, bem como realizandointervenções junto à comunidade.

Em seu início, o Serviço Social contava comduas assistentes sociais, que tinham como obje-tivos específicos o diagnóstico social e educati-vo, implementado para subsidiar as inter-venções no cotidiano dos pacientes e seus fami-liares, por meio de um trabalho psicossocial edo encaminhamento de pacientes aos recursosda comunidade7.

A partir do conhecimento e experiênciadessas profissionais, foi definida a missão doServiço Social na instituição: o compromis-so em prestar atendimento social aos pacien-tes e familiares, identificando as mais dife-rentes expressões da questão social, que serevelam fatores impeditivos para o alcance demelhores condições de saúde. A identificaçãodos diferentes aspectos das questões sociaisem dada realidade permite ao assistente socialentender como se estabelecem as relaçõessociais, o que se torna a matéria–prima obje-to de seu trabalho. A ele cabe ser um profis-sional competente, capaz de criticar e traba-lhar as questões que permeiam sua realidade,respaldado em uma postura ética, buscandodecifrar as relações sociais e preservar os di-reitos dos pacientes como cidadãos, respon-sabilizando-se, inclusive, pelo bem-estarsocial dos mesmos.

No Hospital São Lucas a abordagem doServiço Social é reconhecida pela equipe desaúde por identificar as diversas vulnerabili-dades do paciente e sua família, viabilizandosua inserção junto aos órgãos públicos e àspolíticas sociais. A intervenção do ServiçoSocial ocorre pela procura espontânea dopaciente ou sua família, ou por solicitação dos

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demais profissionais da equipe de saúde. Comoparte de suas atribuições, esses profissionaisintervêm na realidade social, propondo estraté-gias para uma internação menos traumática, deacordo com as demandas apresentadas, buscan-do também instrumentalizar o paciente e suafamília sobre os direitos sociais e cidadania,visando promover melhores condições de vida.Dentre suas atividades, destacam-se:• realizar estudo, diagnóstico e tratamento das

dificuldades apresentadas pelos pacientes efamiliares, na área social, e que possam estarinterferindo no tratamento ou alta hospitalar;

• intervir na problemática social de pacientessem retaguarda familiar;

• avaliar e acompanhar famílias de crianças,adolescentes, adultos e idosos, vítimas denegligência, maus tratos, abuso sexual eabandono, conforme determinam o Estatu-to da Criança e do Adolescente e o Estatutodo Idoso;

• agilizar a alta hospitalar de pacientes crônicos;• realizar estudo de caso com equipe multidis-

ciplinar e encaminhar laudos técnicos aosórgãos competentes, quando necessário;

• coordenar e participar, junto com a equipemultidisciplinar, de grupos de apoio taiscomo grupo de puérperas do alojamentoconjunto, grupo de pais de pacientes daUTI neonatal, grupo de familiares depacientes da oncologia, orientando e infor-mando de acordo com as necessidades dosparticipantes;

• supervisionar alunas da Faculdade deServiço Social da PUCRS na realizaçãosemanal de seminários e reuniões com assupervisoras pedagógicas;

• realizar visita domiciliar.

A visita domiciliar é importante instrumentalno trabalho do Serviço Social. Segundo Kern:a postura profissional durante a visita podetransparecer as várias faces da identidade domesmo. A visita, sem dúvida, constitui-se naexpressão da linguagem de aproximação ou decontrole, de poder ou de submissão, de for-talecimento ou de estigmatização. Que o ele-mento ‘surpresa’ seja substituído pelo reco-nhecimento de que o espaço é privativo dafamília ou dos sujeitos envolvidos. Na face daaproximação, observar elementos que venham acontribuir no acompanhamento qualificado emprocesso, no diálogo, abordar assuntos e/outemáticas que permitam que os visitados pos-sam se expressar na linguagem do seu meio8.

Além desse rol de atividades, o Serviço Socialrealiza estudo semanal dos casos que dão entra-da no Núcleo de Proteção da Criança e do Ado-lescente da Comissão dos Direitos da Criança eAdolescente e Cuidados Hospitalares, naComissão dos Direitos do Paciente Adulto e naComissão dos Direitos do Paciente Idoso, todoscoordenados por profissionais da área. Tambémparticipam de rounds para discussão de casosclínicos e de reuniões quinzenais da Comissãode Humanização, que coordena programa como mesmo nome – iniciado em 2000 por incen-tivo do Ministério da Saúde. Desde então, oServiço Social vem participando de reuniões eencontros na secretaria e na coordenadoria desaúde, realizando palestras para divulgar o Pro-grama de Humanização em hospitais de PortoAlegre, na grande Porto Alegre e no interior doEstado. Deve-se ressaltar que o Programa deHumanização é de fundamental importânciapara uma instituição hospitalar, tanto no que

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diz respeito à garantia da qualidade de vida dofuncionário – que passa a produzir de melhorforma, trazendo, assim, benefícios para ousuário – quanto para a dos próprios usuários,pacientes internos que usufruem os serviçosoferecidos.

A aproximação com os familiares, que integrao processo de trabalho do Serviço Social e éenfatizada pelo Programa de Humanização,possibilita que os mesmos resgatem seus coti-dianos diante da necessária reorganização desuas vidas, pois são pessoas que possuem limi-tações próprias, que justificam suas dificuldadese que necessitam de respostas para suas inquie-tações. O processo de naturalização dasrelações familiares como puras e ingênuas, cal-cadas em sentimentos enaltecidos como o amormaterno, paterno e filial, deve ser revisto,entendendo-se que a família não deve ser pen-

sada como uma instituição capaz de propiciarsomente momentos felizes. Ao contrário, deveser percebida como um espaço dialético e con-traditório, no qual se vivencia momentos defelicidade ou infelicidade, com limitações esofrimentos. A teia de relações familiares não éingênua e despida de conflitos. Portanto, tra-balhar com famílias faz emergir traços rela-cionais já cristalizados, muitas vezes respon-sáveis por sérios agravos à saúde.

Entendemos que o assistente social é um profis-sional a serviço da população; que promove arti-culações e mediações nas relações entre o doentehospitalizado, sua família e instituição, parafacilitar o convívio e promover a cura. Em decor-rência da complexidade e magnitude de seu tra-balho, não pode ser visto como simples repas-sador à rede. É, antes, um elemento valioso nadinâmica das equipes de saúde.

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Estrategias del Trabajo Social para amenizar el sufrimiento y volver más humanala ayuda al paciente

Este artículo trata de las atribuciones del Trabajo Social, contextualizándolas a la luz de las transfor-maciones en la dinámica de los servicios de salud propuestos por la Reforma Sanitaria brasileña. Sedescriben las características del proceso de asistencia orientado hacia la integralidad del usuario,ennumerando aún las diversas actividades destinadas a implementar dicha práctica, realizadas porprofesionales del área que actúan en el Hospital São Lucas, de la Pontifícia Universidade Católica, enRio Grande do Sul (PUCRS).

PPaallaabbrraass--ccllaavvee:: Trabajo Social. Asistencia. Ciudadanía. Emancipación. Intervención.

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AAbbssttrraacctt

Strategies of Social Service to attenuating suffering and giving a more humani-tarian aid to patients

This article addresses the tasks of Social Assistance service within the context of changes in healthservices dynamics as proposed by Brazilian Health Reform. It describes the characteristics of an assis-tance process dedicated to user integrality listing the several activities used to implement this prac-tice as undertaken by professionals who work at the Hospital São Lucas of the Pontifícia Universi-dade Católica, in Rio Grande do Sul (PUCRS).

KKeeyy wwoorrddss:: Social Service. Assistance. Citizenship. Emancipation. Intervention.

RReeffeerrêênncciiaass

1. Iamamoto MV. Renovação e conservadorismo no serviço social: ensaios críticos. 4.ed. São Paulo:Cortez, 1997.

2. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Fede-ral, 1988.

3. Simionato I. Caminhos e descaminhos da política de saúde no Brasil. Revista Inscrita 1997;1.4. Faleiros V. Serviço social: questões presentes para o futuro. Revista Temporalis 2001;3:33.5. Ribeiro HP. O hospital: história e crise. São Paulo: Cortez, 1993.6. Angerami VA. E a psicologia entrou no hospital. São Paulo: Pioneira 1987.7. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Histórico do Hospital São Lucas. Revista dos

Hospitais 1998.8. Kern F. A visita domiciliar: a linguagem de relações [documento eletrônico]. 2000 [acessado em

2000]. p.3. Disponível em: URL: www.uel.br/esquina.

CCoonnttaattoo

Magda Suzana da Silva Ferreira – [email protected]

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Cuidando com musicoterapia: 10 anos de musicoterapia no Hospital São Lucas

Maria Elena S. S.Gallicchio

RReessuummoo:: Este artigo introduz noções sobre a musicoterapia, a partir dos 10 anos de experiência deatendimento musicoterápico a crianças no Departamento de Pediatria do Hospital SãoLucas-HSL daPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Descreve alguns casos clínicos obser-vados nesse período tecendo considerações sobre a abrangência e efeito dessa técnica que atuatambém sobre pais, familiares, auxiliares de enfermagem, enfermeiros, médicos e outros tantoscuidadores que atentos à criança, sentem nela e com ela as transformações ocorridas.

Maria Elena S. S. Gallicchio Musicoterapeuta em atividadeno Hospital São Lucas daPontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul

PPaallaavvrraass--cchhaavvee:: Musicoterapia. Musicing. Setting. Crianças. Cuidadores. Experiência criativa.

AA mmúússiiccaa

A música tem sido definida de inúmeras formas no decorrer dahistória. Para muitos musicoterapeutas essas definições pare-cem incompletas, não chegando à essência do que ela realmenteé. Entretanto, mesmo sem tentar defini-la, qualquer pessoapode compreender sua grandeza. Da mesma forma, é possívelao leigo entender sua importância no contexto musicoterápico.

A musicoterapia é definida pela Federação Mundial de Musi-coterapia como: a utilização da música e/ou seus elementos(som, ritmo, melodia e harmonia) por um musicoterapeutaqualificado com um cliente ou grupo, num processo para faci-litar e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobi-lização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticosrelevantes, no sentido de alcançar necessidades físicas, emo-cionais, mentais, sociais e cognitivas1.

Se essa definição credita à técnica os efeitos alcançados pelamusicoterapia, muitos profissionais da área consideram aprópria música o principal terapeuta. É ela quem trata os dis-túrbios do paciente2. Segundo essa interpretação, o musi-coterapeuta é o facilitador, aquele que vai intervir musical-mente para que ocorram as transformações clínicas

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necessárias à melhoria do quadro do paciente.Tais transformações dizem respeito à reelabo-ração dos conteúdos internos, às questões sub-jetivas relacionadas ao medo, ao pouco amorpróprio, à raiva, culpa, tristeza e outros tantossentimentos, freqüentemente experimentadospelos pacientes internados. A respeito, Hos-pers, citado por Brandalise, comenta: a tristezaexpressa em música é algo muito diferente datristeza expressa em vida; é somente por analo-gia que usamos a mesma palavra para ambas...a tristeza em música, é despersonalizada;extraída ou abstraída de situações pessoais,como por exemplo, a perda de alguém querido.Em música temos o que se chama de ‘essência’da tristeza sem as condições causais2.

A observação das seções de musicoterapia per-mite afirmar que esse trabalho produz modifi-cações físicas, tais como alterações no batimen-to cardíaco, diminuição da dor, equilíbrio da res-piração e intensidade do rubor das faces. Enfim,tanto o mundo interno do paciente como suadimensão física são tocados e tratados pelamúsica. Embora constatar tais alterações sejaparte do cotidiano terapêutico, muitas vezesparece surpreendente perceber o quanto essastransformações ocorrem vinculadas a um senti-mento de alegria genuína e profunda, geradapela experiência criativa com a música.

Observando o trabalho dos musicoterapeutasNordoff e Robbins, Queiroz tece a seguinteconsideração a respeito: é uma alegria que nãoestá em linha apenas com o ‘prazeroso’, com o‘divertido’ mas uma alegria em linha com a‘vida’, com a sensação suprema de ‘estar vivo’ eisso ‘ser bom em si’3. No trabalho em hospital,

desenvolvido com crianças muito doentes, amúsica se faz presente, muitas vezes, com ca-racterística do insólito, do extraordinário, doespantoso – este último atributo definido tam-bém como surpreendente, conforme Didier-Weill4 – por estar acontecendo em ambienteinusitado, comumente considerado pouco ade-quado a esse tipo de manifestação.

Refletir sobre a alegria que a criança geralmentemanifesta durante as sessões, predispõe a pen-sar também sobre sua condição de paciente:Como está vivenciando o momento e comoexperimenta a realidade de seu corpo doente?Permite refletir sobre o fato de que a criançaestá inserida em um contexto que não a deixaesquecer, nunca, a realidade concreta do adoe-cimento, que é diferente de sua realidadepsíquica, na qual consegue exprimir desejos efantasias do inconsciente.

A criança hospitalizada em decorrência depatologias graves vive, neste momento, a expe-riência crua do real. Segundo Chemama, éaquilo que, para o sujeito, é expulso da reali-dade pela intervenção do simbólico5. Ela con-fronta-se com a vida e a morte, a dor e a perda,a frustração e a culpa. A culpa se manifestaquase sempre em relação aos pais e outrosfamiliares, pois quando a criança é hospitaliza-da muitas vezes os pais deixam seus outros fi-lhos, interesses, trabalhos e, em alguns casos,até a cidade onde vivem. Geralmente, mani-festam as saudades que sentem por esses afas-tamentos. A criança percebe o que acontece eo seu sentimento de forma consciente ouinconsciente é de indignidade, culpando-se porestar doente.

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É nesse contexto que a música se inscreve noambiente hospitalar, no ato clínico musi-coterápico, promovendo uma erupção súbitadesse real, com seu desejo e força. A criança seespanta, se sente invocada e convocada, nor-malmente sem noção do que a está assaltando,mas consciente de que a música a faz reviveruma experiência já vivida. Experiência quereconhece por estar gravada em seu incons-ciente. São sensações e sentimentos de perda evácuo, prazer e reencontro, incluídas nas expe-riências primárias de seu processo de desen-volvimento. Tais experiências remetem aosprimeiros afastamentos e reencontros com ooutro – a mãe – e agora se repetem com a músi-ca. Sem saber como defini-las, refere-se, algu-mas vezes, ao que sente como uma saudade deuma coisa boa.

O poder evocativo da música é apontado porZukerkandl, o qual considera que a música acon-tece no movimento, no tempo e no espaço, entredois mundos, o mundo físico e o mundopsíquico, chegando até nós pela percepção6. Oautor complementa essa idéia afirmando que amúsica não nos leva a um outro mundo, maispuro e melhor, mas sim nos mostra uma outravisão de realidade6. Essa outra visão de realidade,percebida por meio da música, parece enviar acriança doente e hospitalizada, que está com apercepção do seu mundo exterior e também de simesma extremamente comprometida, a per-cepções representáveis e suportáveis. Assim, pelaproposta do ato clínico musicoterápico, podeacontecer uma releitura das suas primeiras per-cepções do mundo. A música e seus elementosessenciais trazem essa visão: a possibilidade dealcançar essa dimensão de outra realidade.

AA mmuussiiccootteerraappiiaa nnoo HHoossppiittaall SSããoo LLuuccaass

Iniciado 1996, o trabalho de musicoterapiadesenvolvido no Hospital São Lucas (HSL)destina-se a crianças internadas na enfermariapelo Sistema Único de Saúde (SUS), naUnidade de Tratamento Intensivo da Pediatria(Utip) e àquelas internadas em outras enfer-marias por convênios. Desde o início do traba-lho, elegeu-se como principal clientela a crian-ça de até 15 anos e com neoplasias. Além delas,também são atendidos pacientes com doençascrônicas, os de internação prolongada e aquelesindicados nas reuniões semanais das equipesmédicas do Departamento de Pediatria e daComissão dos Direitos da Criança e do Adoles-cente e Cuidados Hospitalares. Nessas reuniõessão repassadas as informações necessárias paraorganizar os atendimentos, como, por exemplo,quais procedimentos médicos e hospitalaresestão previstos para tal dia e semana e comoestão reagindo os que já fazem musicoterapia.

As crianças são atendidas duas vezes por se-mana, em sessões individuais ou em grupo, nasala de musicoterapia na enfermaria, no quartode isolamento ou na Utip. As técnicas musi-coterápicas mais freqüentemente utilizadas são:recriação, improvisação, composição, históriasmusicadas/cantadas, audição musical e técnicaspróprias de acesso ao inconsciente e imaginário.Os principais objetivos da terapia são:• facilitar a comunicação e a interação com a

interioridade do paciente, por intermédio doengajamento da relação terapêutica naexperiência criativa, permitindo-lhe ser eestar na música;

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• propiciar a melhora do estado de ânimo –felicidade em oposição à tristeza –, resultan-do na melhor aceitação do tratamento, bemcomo um estado físico e psíquico maissaudável, independentemente da enfermi-dade, dor e sofrimentos.

O primeiro contato com a criança, muitasvezes antes mesmo da confirmação de seu diag-nóstico, é feito em uma visita a ela e seuresponsável. Nesse momento, é explicado o queé a musicoterapia, seus objetivos e como será oatendimento musicoterápico, se aceito e livre-mente desejado pela criança. Uma investigaçãosobre sua identidade sonora também é iniciadanesse encontro. Segundo Benenzon, a identi-dade sonora pode ser entendida como o con-junto de sons, ou fenômenos sonoros internos,que absorvidos desde a gestação caracterizam eindividualizam o sujeito7.

Uma das características prioritárias do atendi-mento no HSL é facilitar o engajamento depessoas em situações de musicing8. Esse fenô-meno caracteriza o fazer musical específico damusicoterapia, que vai além de estar tocando,cantando ou brincando com os sons. O music-ing consiste em uma forma particular da açãohumana, que promove deliberadamente a inte-ração entre criança, música e musicoterapeuta,com controle, na busca de objetivos.

Segundo Schön, citado por Kenneth Aigen, omusicing implica conhecimento, mas o co-nhecimento implícito, conhecimento ação(knowledge-in-action): o paciente busca trans-formação, engaja-se na música7. Elliot, tam-bém citado por Aigen, afirma que esse fenô-

meno consiste em atividades que fortalecem oself e nosso objetivo, como seres humanos, éestarmos engajados em atividades que reflitamesse desejo. Achamos prazerosas e significati-vas atividades que sejam congruentes comnossa motivação fundamental em direção anosso crescimento7.

Pode-se exemplificar como “não-musicing” orelato de uma pessoa que, cantando em coral,considera essa atividade terapêutica. Por certo,estará num “fazer musical”, mas, diferente doque ocorre no musicing em musicoterapia, nãopoderá apropriar-se da música, alterando-a con-forme suas necessidades. O pré-determinadopelo compositor ou regente deverá ser executa-do. Não terá o musicoterapeuta como facilita-dor; aquele capaz de intervir com e nos elemen-tos da música com sua musicalidade clínica.Não serão perseguidos objetivos que resultarãoem sua transformação. Enfim, os benefícios deseu “fazer musical” provavelmente estarão vin-culados a sua pessoa, não se expandindo além dosetting a que está restrito. O musicing, ao con-trário, como acontecimento musical facilitado apartir de técnicas precisas, se expande do settingmusicoterápico abrangendo também oscuidadores.

Quando a seção é coletiva e ocorre na sala demusicoterapia, procura-se organizar os grupospor faixa etária. Os materiais e instrumentosmusicais são dispostos para fácil manuseio dascrianças. Caso elas estejam impossibilitadas ouindispostas a sair das enfermarias, a sessão érealizada onde se encontram, com dinâmicasemelhante. Os instrumentos musicais ficarão àdisposição sobre os móveis, camas ou cadeiras.

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Algumas vezes há dificuldades na realizaçãodas sessões nas enfermarias em vista dasinterrupções causadas por visitantes, outrosprofissionais, troca de cuidadores e conversasentre os familiares. Em tais circunstânciasbusca-se continuar a sessão tentando manter,com a música, o espaço criado e tãonecessário nesse momento, quando noprocesso terapêutico está envolvido o emo-cional da criança. Entretanto, muitas vezes, aaura da experiência criativa fragmenta-se edeve ser novamente restabelecida, já modifi-cada pela interferência sofrida.

Ao iniciar-se o atendimento na sala de musi-coterapia, ou em outro local, muitas vezespercebe-se que o cuidador necessita acompa-nhamento musicoterápico tanto quanto acriança. Nesse caso, procura-se integrá-lo àsessão, oferecendo-lhe instrumentos musicais econvocando-o a participar. Raramente issoincomoda a criança, na maioria das vezes, aocontrário, ela sente-se estimulada com a parti-cipação do adulto.

Antes e depois da sessão de musicoterapia, acriança é convidada a avaliar suas emoções pelaaplicação da régua de auto-avaliação psicológica.Esta régua, de nove faces, representa estados deânimo que variam desde a extrema tristeza àextrema alegria9, 10, 11. Tal avaliação é feita pelacriança e, a seu respeito, também por seucuidador. Em casos nos quais o cuidador par-ticipou da seção, a criança propôs fazer suaavaliação por ter percebido, nele, uma transfor-mação. O quase sempre espontaneamente ver-balizado pelos cuidadores que participam dasseções é o quanto a atividade lhes foi benéfica.

Quando a sessão é realizada com bebês, leva-seem conta que nas primeiras etapas da vida oambiente está focado em um único ponto – amãe ou o seu substituto. Nesse caso, tanto amãe quanto o cuidador que a substitui aindanão são percebidos como entidade distinta dobebê, que necessita desse contato diádico paragradualmente construir uma imagem coerentede seu mundo.

Sempre que possível, a sessão deve envolverambos, mãe e bebê. Ao trabalhar com essadíade, percebe-se que o estímulo da música per-passa mãe e filho, num ciclo ação e reação, quecria para o bebê um mundo exclusivo, bemdele, no qual o clima emocional é desencadea-do pela natural reciprocidade entre os dois12.Entretanto, às vezes é solicitado o atendimentomusicoterápico para bebês desacompanhadosou abandonados. Nesses casos, procura-se coma música estabelecer o ciclo ação-reação-ação,buscando-se por meio do musicing o que écapaz de gradualmente transformar estímulossem significado em signos significativos.

O registro das sessões é feito por escrito, porgravação, para posterior análise musical, e porfotografias – quando autorizadas verbalmentepelas próprias crianças e por escrito pelos paisou responsáveis. Muitas vezes os familiaressolicitam cópia das gravações das sessões emque os filhos participaram. A voz é um dosindicadores da identidade do ser humano e suasentonações revelam as emoções de quem fala.Ouvindo as gravações, os pais relatam sentir-senovamente próximos aos seus filhos, revivendomomentos de grande significado nessa fase difí-cil e sofrida.

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Quanto ao registro fotográfico sabe-se que,geralmente, a criança sente prazer em ver-sefotografada. Sempre que possível, momentosda sessão são registrados e, posteriormente,oferecidas cópias das fotos à criança e seusfamiliares. Em qualquer circunstância, percebe-se nos cuidadores a valorização das vivênciasdurante a musicoterapia: quero mostrar a todoscomo V está bem e bonito tocando teclado.Valorizar o momento da história da criança, emque as transformações físicas e emocionais sãoclaramente constatadas, conforta aqueles queestão longe.

AA mmuussiiccootteerraappiiaa ee aa ccrriiaannççaa:: rreeppeerrccuussssõõeess nnaa ffaammíílliiaa,, eeqquuiippee ddee ssaaúúddee ee eeqquuiippee ddee mmaannuutteennççããoo

A seguir são apresentadas algumas vinhetasclínicas que ilustram a ação da musicoterapia,tanto nos próprios pacientes quanto naquelesque os acompanham e, mesmo, nos servidoresdas unidades atendidas por essa terapia. Emcada um desses exemplos pode-se perceber osmuitos casos de cuidadores que, com históriase perspectivas diferentes, sentem a músicacomo força ativa e transformadora da experiên-cia emocional, vivenciada na internação. Pais,médicos e funcionários percebem como essaexperiência expande-se e também os beneficia,permitindo-lhes ter nela uma aliada.

Caso 1: Em 1998, D era uma criança de 11anos, filho único, com diagnóstico de linfoma.Seu pai demonstrava estar muito chocado emesmo revoltado com o sofrimento queenfrentavam. Na 8ª sessão de D, o acompanhou– pela primeira vez – à sala de musicoterapia.

Sentado a seu lado começou a experimentar ometalofone. Cantou o início da canção AsaBranca e perguntou se sabíamos que música eraaquela. Passamos a tocá-la enquanto a solfejáva-mos. Pai e filho começaram a executá-la nometalofone e alternavam-se solfejando, cantan-do e utilizando também outros instrumentos.Quando D tocava no xilofone pentatônico,solicitava ao pai que completasse a melodia nometalofone. A interação com a música pelaexperiência criativa ocorria no tempo, movi-mento e espaço, entre menino, pai e musicote-rapeuta. O pai deveria voltar ainda aquela tardeà cidade de Caxias do Sul, onde reside, mas nãotinha vontade de terminar a sessão, mesmocomentando que deveria trabalhar durante anoite para completar sua tarefa. No final dasessão, disse: como o som deste instrumento érelaxante. Demonstrava, assim, o quanto amusicoterapia o tinha alcançado e acolhidodurante aquela sessão.

Caso 2: O atendimento musicoterápico de W,5 anos, aguardando transplante renal, foienfaticamente solicitado pela médica especia-lista responsável por sua cirurgia, enquanto elefazia hemodiálise. Quando chegamos com osinstrumentos musicais na enfermaria, a médi-ca residente nos perguntou o que iríamos fazer:W é surdo, comunicou. O menino começou achorar, o que acontecia sempre que o visitavam.Oferecemos o teclado e o colocamos sobre acama. A mãe, inicialmente, não pareceu muitoconvicta com o que fazíamos. Enquanto tocá-vamos procuramos colocar a mão de W sobre asteclas, para que sentisse a vibração do som. Omenino foi buscando outros pontos de contatocom o instrumento, percebendo vibrações,

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integrando-se e interagindo musicalmente. Nasessão seguinte, quando entramos junto com aequipe médica na enfermaria, W nos recebeusorrindo. O médico chefe da equipe da pedia-tria, responsável por W naquela semana, vis-lumbrando seu sorriso perguntou, demonstran-do muita satisfação, se estávamos registrando ofato de ser a primeira vez que este menino sorriaqui no hospital e isso se deve à musicoterapia.

Caso 3: M, 9 anos, residente no interior doestado, encontrava-se internado na Utip apóscirurgia corretiva do pé. A solicitação de seuatendimento partiu da funcionária encarregadada limpeza do setor. Ao término das seções demusicoterapia das crianças, ela nos procuroufalando sobre o sofrimento, dores e depressãode M. Disse que acreditava no bem que a musi-coterapia faz às crianças por vê-las melhoraremdurante os atendimentos. Comentou tambémque acompanha o sofrimento das criançasenquanto faz a limpeza e se sente impotentediante dele: é um alívio quando a senhora chegaaqui, com seu carrinho de instrumentos. Gen-tilmente, solicitou se seria possível a senhoratambém atender M? Ele tem chorado muito.No mesmo dia demos início ao atendimento. Afuncionária observava atenta as sessões.Demonstrava pelo sorriso, olhar de confiança eo fato de, muitas vezes, demorar um pouco amais quando da limpeza do leito de M, o quan-to a melhora do menino, que não mais chorou,foi tocante para ela.

Caso 4: J era um bebê de 1 ano, com diagnós-tico de disenteria crônica, anemia crônica e máabsorção, internado desde o 14º dia de vida.Ficava constantemente sozinho na enfermaria,

sua mãe era pouco presente e em determinadasocasiões demonstrava certa rispidez tanto paracom ele como para com os profissionais quedele cuidavam. Por sugestão do responsável pelocaso, na mesma semana foi iniciado seu atendi-mento, após uma reunião especial com toda aequipe de saúde, inclusive o especialista em gas-trologia e a mãe da criança. Como objetivos dotrabalho terapêutico foram estabelecidos: forti-ficar o vínculo entre a mãe e o bebê; desen-volver a linguagem, pouco estimulada, efomentar o desenvolvimento social. Além disso,buscou-se estimular o desenvolvimento motordo bebê, já que J quase sempre estava deitado,com as mãos imobilizadas por talas, para evitarque arrancasse a sonda gastrintestinal, o quedificultava sua permanência sentado. Sugeriu-se à mãe que o acompanhasse em um dos doisatendimentos semanais. Desde os primeirosencontros foram observados os efeitos da musi-coterapia, tanto pelos musicoterapeutas quantopelos demais profissionais que cuidavam dobebê. Paulatinamente, a mãe foi desenvolvendoa reciprocidade em relação ao bebê, participan-do das sessões, relatando ter cantado para eleem outros momentos e reconhecendo as modi-ficações ocorridas, acolhendo e sendo acolhidapela música.

Caso 5: C., 11 anos, com síndrome de Wis-cott-Aldrich, doença degenerativa dos pulmõestransmitida pela mãe aos filhos homens. C pas-sava muitos dias sozinho e não demonstravasentir falta da mãe. Porém, quando seu caso seagravou pedia desesperadamente por ela. Nassuas últimas improvisações colocou como títu-los Eu amo minha mamãe e Homenagem àminha mãe. Fizemos cópia dessas gravações e

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C, já na Utip, entregou-as à mãe, que passou avisitá-lo com mais freqüência, permanecendo aseu lado e sendo sua principal cuidadora nosúltimos dias de vida. Esse exemplo mostracomo a musicoterapia cumpre o objetivo decontribuir na elaboração e resgate de sentimen-tos – sentimentos que, nesse caso, há muitofaziam sofrer mãe e filho.

Caso 6: Em 2003 atendemos, por solicitaçãode uma médica, a menina A, 3 anos, com diag-nóstico de neuroblastoma, em tratamento desdeos três meses de vida e já transplantada. A mãe,secretária, abandonou a profissão para tomarconta de A. O pai é empresário. A estava inter-nada por convênio. Como estava muito debilita-da foram gravados alguns dos momentos de suassessões. Em agosto de 2006, depois de quase trêsanos do óbito da filha, sua mãe telefonou con-tando ter agora uma outra filha, mas que deseja-va muito possuir uma cópia das gravações de A:ela enquanto cantava estava feliz, fazendo aquilode que tanto gostava. Nós sempre nos sentíamosmelhores nos dias de musicoterapia. Ela alimen-tava-se e dormia melhor naqueles dias. Nemparecia que estávamos no hospital. Eu queromuito ouvi-la novamente. Quero tambémmostrar a B sua irmã, a voz de A. Oferecemostambém a M o desenho de um gato, feito por A,rasgado e colado com fita adesiva durante asessão de musicoterapia: ele fez curativos.

OO tteemmaa ddaa mmoorrttee ((ee ddaa vviiddaa)) ee aammuussiiccootteerraappiiaa

Ao trabalhar com crianças hospitalizadas,enfrentando doenças e tratamentos extrema-mente agressivos, inúmeras vezes torna-se

inevitável o confronto com a morte. Se, de iní-cio, os objetivos do trabalho direcionam-se adespertar na criança motivações de vida, me-lhora de seu bem-estar físico, emocional, men-tal e social, ao se perceber que seu estado seagrava, encaminhando-se para o terminal, faz-se necessário prepará-la – e a seus cuidadores –para o enfrentamento dessa passagem. Nessascircunstâncias, a sessão de musicoterapia évivenciada da maneira mais plena possível,nada é deixado para a próxima, pela possibili-dade desta não acontecer.

Frente à situação de terminalidade, o trabalhoem musicoterapia segue as cinco fases do final davida, sistematizadas por Kübler-Ross: negação,raiva, barganha, depressão e aceitação13. Embo-ra nem sempre essas fases sigam essa ordem,todas estão presentes, de forma muito clara nomusicing da criança e de seus cuidadores9. Oartigo Criança e música versus câncer e morte,que apresenta as fases de Kübler-Ross na musi-coterapia, veiculado no Congresso Mundial deMusicoterapia, em Oxford/Inglaterra, em 2002,e publicado na íntegra na Revista de Medicina daPUCRS14, acrescenta às cinco fases mais uma:a da serenidade, resultante da observação práticadiária no HSL.

FFaassee ddaa nneeggaaççããoo Muitas vezes, percebe-se nesta fase que mesmosentindo que algo de muito grave está aconte-cendo, tanto a criança quanto seus pais procu-ram defender-se emocionalmente, negando adoença, o diagnóstico e, em alguns casos, opróprio tratamento. Na sessão de musicote-rapia cantam e tocam músicas consideradas poreles como alegres, boas de dançar. Procuram

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proteger-se por certa descontração: isso vai pas-sar, viemos só para fazer alguns exames.

FFaassee ddaa rraaiivvaa Como a criança continua a piorar e, além dossintomas da doença, sente também os efeitosnocivos do tratamento, ela e seus cuidadoresfamiliares, geralmente, começam a vivenciar afase da raiva. Essa raiva se manifesta contra asituação, o sofrimento, a equipe médica – quenão acertam com esses remédios – e, de formageneralizada, com maior ou menor intensidade,aos demais cuidadores que os rodeiam. Nasessão de musicoterapia, transparece namaneira agressiva como os instrumentos sãotocados pela criança, geralmente com sons rápi-dos e fortes. As baquetas seguras fortementenas mãos fechadas tocam sem pulsação regular,bem ao contrário, de forma bastante desorde-nada. Só no decorrer da sessão, após a músicaperpassar essa catarse sonora, a criança parecesentir-se mais aliviada desse sentimento.

FFaassee ddaa bbaarrggaannhhaaMuitas vezes, essa fase vem próxima à da raiva.Já que ficar com raiva não ajudou no resta-belecimento, talvez uma negociação alcancemelhores resultados. Percebe-se a barganha, porexemplo, quando a criança passa de sons fortese agressivos para sons suaves, embora esse nãoseja o indicador definitivo. Deverá vir acom-panhado de outras demonstrações, tão sutis quese deve estar muito atento para notá-las:surgem nas entrelinhas musicais, nos sons quese transformam em dinâmica. Consideram-setambém como indicadores dessa fase os olharesrápidos que a criança dá à sua volta enquantotoca fazendo essa mudança de intensidade. É

como se testasse o efeito que causa, como umadelas verbalizou: vou ser boazinha, não vouquebrar nada e então vou poder sair daqui. Essafase pode também ser associada ao cunho reli-gioso das canções: nunca mais vou brigar eJesus vai me curar. Parece-nos que essa letrareflete a expectativa de a criança ser recompen-sada por bom comportamento e, assim, melho-rar sua situação clínica.

FFaassee ddaa ddeepprreessssããooCom crianças com câncer ou outras doençasque requerem freqüentes internações, adepressão é quase constante. Além da doença,sofrem a cada internação por abandonar suacasa, familiares, atividades, brinquedos e,muitas vezes, sua cidade: enfim, seu mundo.Geralmente, quando se percebe que a criançaestá muito deprimida, recusando-se freqüente-mente a participar da sessão, lhe é oferecidauma audição musical, na qual não precisa fazernada, só ouvir. Nessa audição são utilizadas asmúsicas classificadas anteriormente por ela oupor outras crianças como tristes. A partir daí,se passa ou não para outras técnicas, buscandoa melhora do emocional do paciente.

FFaassee ddaa aacceeiittaaççããooPercebe-se que a criança, muitas vezes commuita clareza, sente quando sua vida aproxima-se do final. Quase sempre antes disso, viven-ciou momentos em que sentia muito medo.Assim como ocorre com os adultos, sente medode estar sozinha, medo da noite, medo dedormir. Parece que, para poder entrar na fase daaceitação, mesmo muito debilitada, necessitacolocar em ordem questões emocionais aindanão resolvidas.

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Nessa fase, a criança em seu musicing parecevoltar-se para si própria, com tranqüilidademuitas vezes difícil de ser entendida pelos que aacompanham. Como ocorreu com P, comleucemia, 12 anos. Quando sua mãe chegou àsala de musicoterapia, a menina contou, sorri-dente e feliz, que criara uma música com umahistória. Não tinha condições de cantá-la epouco podia falar, mas mesmo assim narrou-apara a mãe, que a ouvia emocionada. Nessahistória também se percebe a aceitação de suapartida, mesclada à esperança de uma transfor-mação: História da boneca de gesso – Bonecaque nasce de uma flor, foi enfeitiçada por umabruxa má, que a prende numa casa de gelo.Apaixona-se por um príncipe, que a salva,quando chora por ela. Parte para longe, voandocom o príncipe.

FFaassee ddaa sseerreenniiddaaddee Klüber-Ross fala da esperança que seuspacientes mantiveram até o último instante.A observação durante esses anos de aplicaçãode musicoterapia leva à ousadia de acrescentara esse sentimento o da serenidade11, 12. Sere-nidade que se mescla à esperança como maisuma fase, geralmente atingida pela criança emmusicoterapia, criando o ciclo da música querenova reciprocamente: serenidade alimentan-do a esperança e a esperança gerando sere-nidade, num contínuo que renova a vida,independente de quanto tempo ainda dure.Como aconteceu a D, 4 anos, com câncer, naUtip, que menos de 24 horas antes de seuóbito ainda tinha vida e serenidade para, entreas repetições de sua canção preferida, fazerbrindes de viva! com os chocalhos (caxixis) eglissandos no xilofone.

CCuullttuurraa ee mmuussiiccootteerraappiiaa:: aa ppoossssiibbiilliiddaaddee ddee eexxppaannddiirr oo sseettttiinngg

Para que os objetivos musicoterápicos sejamalcançados, faz-se preciso trabalhar musical-mente com as pessoas no contexto no qual seinserem. É importante reconhecer os fatoressociais e culturais de suas origens, saúde,doenças, relacionamentos e músicas conheci-das. Da realidade desses fatores depreende-secomo auxiliar a criança a acessar situaçõesmusicais e a acompanhá-la ao longo do proces-so, atingindo contextos mais abrangentes domusicing.

Isso pôde ser observado no caso de J, 16 anos,paraplégico, que passou a manifestar interessepelo gênero erudito trabalhado durante assessões, o que anteriormente não fazia parte desua identidade sonora. Seu interesse foi tam-bém despertado para os compositores e fatos dahistória da música aos mesmos ligados, chegan-do a mobilizá-lo a realizar movimentos físicospara conseguir assistir ao concerto do FestivalBach, realizado pela Orquestra da UniversidadeLuterana do Brasil (Ulbra).

Durante os dez anos de experiência com musi-coterapia foi observado, ainda, o despertar dealgumas crianças para o desejo de “tocar” uminstrumento musical. Desejo esse que é aceito,entendido e acolhido pela equipe de musicote-rapia não como expressão da vontade pelo ensi-no formal de música, mas como expansão davivência musicoterápica que atinge a musicali-dade da criança, alcançando outras áreas detransformações criativas. É exemplo paradig-mático o caso de R, 13 anos, paciente com

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leucemia, que, após um ano confeccionando evendendo pulseiras, comprou o seu teclado. Nodia das comemorações pelos 10 anos de musi-coterapia no hospital, R estava presente, comseu novíssimo teclado, tocando orgulhosa-mente com os músicos convidados o que apren-deu lendo partituras. Estava feliz e sua felici-dade expandia-se em sua música.

Além de casos pontuais como esses, hámomentos em se busca intensificar a experiên-cia criativa do musicing por meio de atividadescoletivas. É o que ocorre em comemoraçõescomo a festa de São João, o Dia da Criança e aSerenata de Natal, realizadas no Hospital SãoLucas, quando as crianças internadas confra-ternizam-se com outras, estudantes de músicada Escola de Música Tio Zequinha, que apósserem devidamente preparadas participam can-tando e tocando o mesmo repertório.

Segundo a Organização Mundial da Saúde(OMS): saúde é um estado de total bem-estarfísico, mental e social, e não meramente aausência de doença ou enfermidade15. Consi-dera-se importante enfatizar a segunda partedessa assertiva – “e não meramente a ausênciade doença ou enfermidade” –, em vista dosbenefícios que a musicoterapia pode propor-cionar e, muitas vezes, proporciona às crianças

internadas no Hospital São Lucas. Assimcomo o medo, a ansiedade, a tristeza e a dor,dor física sentida pelo outro como dor emo-cional, contagiam, também se pode constatarao longo desses 10 anos que a alegria, a tran-qüilidade e as motivações despertadas nassessões de musicoterapia se propagam entre oscuidadores que participam ou observam.

A motivação para continuar esse tipo de traba-lho está implícita no próprio fazer terapêutico.Poder observar o prazer despertado com a músi-ca e os resultados que a experiência criativa pro-picia. O grande desejo da equipe é contribuirpara que isso ocorra. Que as crianças possamcontinuar celebrando os objetivos alcançados,que muitas vezes acontecem naturalmente,como pulsão de vida e erupção de alegria. Envol-vendo não só a elas, mas a todos os que as cer-cam, seus cuidadores familiares, seus cuidadoresparceiros de hospitalização e todos os cuidadoresprofissionais de saúde que escolheram a criançacomo foco de seus trabalhos. Há que se pensaruma musicoterapia que ouse romper os limitesdas paredes da sala, acolhendo todo o tipo de cul-tura. E, das diferentes culturas, uma musicote-rapia que expanda seu setting ocasionando asmais diferentes e benéficas repercussões à saúdede todos os sistemas envolvidos no tratamento decrianças hospitalizadas.

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RReessuummeenn

Cuidando con la musicoterapia: diez años de musicoterapia en el Hospital SãoLucas

Este artículo introduce nociones sobre la musicoterapia, a partir de los diez años de experiencia enla atención musicoterápica a niños y niñas en el Departamento de Pediatría del Hospital SãoLucas/HSL de la Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Se describen algunoscasos clínicos observados en este periodo, tejiendo consideraciones sobre la amplitud y el efecto deesta técnica, que actúa también sobre los padres, familiares, auxiliares de enfermería, enfermeros,médicos y otros tantos cuidadores que, atentos a los niños y niñas, sienten, en ellos y con ellos, loscambios y las transformaciones ocurridas.

PPaallaabbrraass--ccllaavvee:: Musicoterapia. Musicing. Setting. Niños. Cuidadores.

AAbbssttrraacctt

Care with music therapy: 10 years of music therapy at Hospital São Lucas

The article discusses some notions of music therapy based on 10 years experience with its use withchildren within the Department of Pediatrics of the Hospital São Lucas-HSL of the Pontifícia Univer-sidade Católica of Rio Grande do Sul (PUCRS). It describes some clinical cases observed during theseyears presenting comments about the scope and effect of the technique that influences also, par-ents, family members, nursing assistants, nurses, physicians and other caretakers who follow withand through the child the results achieved.

KKeeyy wwoorrddss:: Music therapy. Musicing. Setting. Children. Caretakers.

RReeffeerrêênncciiaass

1. Revista Brasileira de Musicoterapia 1996;1(2).

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CCoonnttaattoo

Maria Elena S. S. Gallicchio – [email protected]

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Cuidando de cuidadores de idosos

Carla H. A. SchwankeAnamaria G. S. Feijó

RReessuummoo:: O artigo apresenta o panorama do envelhecimento populacional, apontando a relaçãoentre esse quadro, o surgimento de patologias crônico-degenerativas e a perda da autonomia, o quegera dependência. Enfatiza o papel dos cuidadores de idosos, definindo os diferentes tipos decuidadores e as principais necessidades daqueles que respondem pelo desempenho de tais tarefas.Apresenta uma revisão bibliográfica sobre o assunto que sublinha a necessidade de aprofundar osestudos sobre o tema, bem como desenvolver políticas públicas para apoiar esses cuidadores.

Carla H. A. SchwankeMédica geriatra, doutora emGerontologia Biomédica,professora e pesquisadora doLaboratório de Bioética e ÉticaAplicada a Animais daFaculdade de Biociências daPontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul (PUCRS)

PPaallaavvrraass--cchhaavvee:: Idosos. Envelhecimento. Dependência. Cuidadores. Qualidade de vida.

A demografia do século XX caracterizou-se por franco proces-so de envelhecimento populacional, sendo o segmento dosidosos um dos que mais rapidamente cresceu e continuacrescendo, em todo o mundo, como resultado do aumento naexpectativa de vida. No Brasil, o fenômeno do envelhecimen-to populacional segue essa mesma tendência, observando-seque a população brasileira vem envelhecendo de forma rápidadesde o início da década de 601.

Essa realidade é deveras preocupante, haja vista que, atre-lado ao envelhecimento populacional, observa-se aumentoda prevalência de doenças crônico-degenerativas, tais comoas doenças cardiovasculares (DCV), o câncer, a osteo-porose e as doenças neurodegenerativas. O aumento donúmero de idosos em uma população não é suficiente paraque a mesma seja considerada envelhecida, pois leva emconsideração apenas o número absoluto dessa faixa etária.Uma população envelhece quando ocorre aumento na pro-porção de idosos em relação aos jovens. A proporção dejovens diminui como conseqüência da queda nas taxas defecundidade e quando ocorre diminuição da mortalidadeinfantil – fenômeno que pôde ser constatado no Brasil apartir da década de 402.

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Anamaria G. S. FeijóBióloga, doutora em Filosofia,professora e coordenadora doLaboratório de Bioética e ÉticaAplicada a Animais daFaculdade de Biociências daPontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul (PUCRS)

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde comoum estado de completo bem-estar físico, psicológico, social eespiritual e não apenas a ausência de doenças. Na velhice, asaúde e a qualidade de vida são reflexos muito mais expressivosda manutenção da autonomia (capacidade de tomada dedecisão) e da independência (capacidade de realizar algumaatividade sem auxílio de outra pessoa) do que da mera ausên-cia de doença2. Projeções para 2020 apontam um incremen-to na população de idosos da ordem de 255%, associando aessa estimativa o aumento na expectativa de vida ao nascerque, avalia-se, será de 75,5 anos3. Desse modo, em 2025 oBrasil terá a sexta maior população de idosos do mundo emtermos absolutos, cerca de 32 milhões de pessoas, com 13,8%de sua população composto por esta faixa etária2.

Não apenas as doenças crônico-degenerativas são comunsentre os indivíduos idosos como, freqüentemente, elas sesobrepõem, sendo a presença de multipatologias ou plurimor-bidades uma característica importante nos idosos, que com-promete sua qualidade de vida4. Esta situação é agravada empaíses em desenvolvimento, como o Brasil, considerando-seque a sociedade brasileira apresenta várias limitações nocampo sociocultural-econômico. Assim, o impacto do au-mento do número de indivíduos portadores dessas doençaspode ser avassalador.

Nessas circunstâncias, os esforços da prevenção devem voltar-se para o aumento do tempo de vida saudável, e não apenaspara o prolongamento da vida com saúde precária, focados,portanto, na qualidade, e não na quantidade de vida. Essaconcepção é ainda mais forte na geriatria, pois a prevenção dasdisfunções e declínios – que podem afetar a vida do idoso –são tão ou mais importantes que a prevenção de doenças5.Contudo, quando as disfunções se instalam, a situação dedependência é freqüente, envolvendo os âmbitos físico,psíquico e socioeconômico. Nesse contexto surge uma impor-tante figura para a manutenção do bem-estar do idoso: ocuidador.

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OO pprroocceessssoo ddee eennvveellhheecciimmeennttoo

Envelhecimento e senescência (senectude) sãotermos técnicos cujas definições precisas variamde autor para autor, não existindo consenso6.Contudo, a maioria aceita que o envelhecimentoé um processo complexo, multifatorial e indivi-dual, envolvendo modificações do nível molecu-lar em nível morfofisiológico, que ocorrem emcascata, principalmente após o período pós-reprodutivo. Segundo revisão realizada porTroen7 sobre a biologia do envelhecimento, essasmodificações são caracterizadas por mudança nacomposição bioquímica dos tecidos; diminuiçãoprogressiva na capacidade fisiológica – a qual, emgeral, ocorre a partir dos 30 anos, com declíniolinear na capacidade de reserva dos órgãos8;redução na capacidade de adaptação aos estímu-los; aumento na suscetibilidade e vulnerabilidadeàs doenças; aumento da mortalidade.

Segundo Kirkland, o envelhecimento é umprocesso progressivo, universal e intrínseco esuas alterações ocorrem em diferentes taxas entreos vários órgãos de um indivíduo, caracterizandoenvelhecimento segmentar9. Finch considera oenvelhecimento humano como intermediário,pois as modificações ocorrem de modo lento enão uniforme nos sistemas corporais10.

Nos seres humanos, o envelhecimento estámuito ligado ao aparecimento de disfunções edoenças. Entretanto, tal associação não é obri-gatória. Por tal motivo, Troen classifica o enve-lhecimento como normal e usual7. O envelhe-cimento normal seria aquele em que somenteas próprias modificações associadas ao enve-lhecimento estariam presentes. Já no envelhe-

cimento usual, além das modificações asso-ciadas ao envelhecimento, ocorreriam doençase disfunções. Este autor chama o primeiro denormal, porque é o esperado, ainda que seja umtipo de envelhecimento pouco freqüente naspopulações humanas. Pelo mesmo motivo,chama o envelhecimento associado a doençasde usual, uma vez que esta é a situação maisfreqüente nos dias de hoje.

Hayflick salienta que as alterações do envelhe-cimento podem ser distinguidas de doença – oualteração patológica – por, pelo menos, quatrorazões importantes: a) alterações relacionadas àidade ocorrem em todos os indivíduos; b) vir-tualmente ultrapassam a barreira de todas asespécies; c) nenhuma doença afeta todos osmembros de uma espécie somente depois daidade reprodutiva; d) o envelhecimento ocorreem todos os animais protegidos pelo homem,mesmo nas espécies que provavelmente não oexperimentariam11. Contudo, identificar essadiferenciação pode ser tarefa difícil. Apesar doenvelhecimento normal estar associado comum risco aumentado de desenvolvimento dedoenças, per se, não é considerado doença

12.

OO iinnddiivvíídduuoo iiddoossoo

Segundo o Viena International Plan ofAction on Ageing, endossado pela primeiraAssembléia Mundial da Organização dasNações Unidas (ONU) sobre envelhecimentoda população, que veio a originar a Resolução39/12513, indivíduos com 60 anos ou maissão considerados idosos, principalmente empaíses em desenvolvimento – como é o caso doBrasil –, ainda que entre 60 a 65 anos de

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idade os indivíduos possam ser economica-mente ativos, principalmente em países desen-volvidos14.

Mas quem é e como se pode caracterizar o indi-víduo idoso? Geralmente, o principal marcadorutilizado para caracterizar a velhice é a idade.Entretanto, quando se fala em idade, é impor-tante salientar que há vários tipos de idade, ouseja, a idade cronológica, biológica, funcional,psicológica, social, entre outras15.

AA ddeeppeennddêênncciiaa eemm iinnddiivvíídduuooss iiddoossooss

Muitas são as causas de dependência entre indi-víduos idosos, podendo-se destacar: restriçãodos movimentos corporais (por seqüela de aci-dente vascular encefálico, artrose/artrite),declínio cognitivo (demência de Alzheimer),depressão e questões socioeconômicas (perda dopoder econômico a partir da aposentadoria).

Como aponta a Sociedade Internacional de Con-tinência, no âmbito físico uma condição fre-qüente associada à idade é a incontinênciaurinária – considerada como a perda involuntáriade urina em quantidade e freqüência suficientespara causar um problema social ou higiênico,objetivamente demonstrável16. A continência, emqualquer idade, depende não só da integridadeanatômica do trato urinário inferior e dos meca-nismos fisiológicos envolvidos no armazenamen-to e na eliminação da urina, como também dacapacidade cognitiva, da mobilidade, da destrezamanual e da motivação para ir ao banheiro17.

A incontinência urinária figura entre as 15condições mais prevalentes entre pessoas com

65 anos ou mais em países desenvolvidos – casodos Estados Unidos da América (EUA)16. Nageriatria, a incontinência urinária é considera-da problema médico comum18 e faz parte dos“gigantes da geriatria”, expressão cunhada porBernard Isaacs para as formas de apresentaçãodiferenciada das doenças na velhice, junto coma imobilidade, a instabilidade postural, a insufi-ciência cerebral e a iatrogenia. Qualquer enfer-midade ou efeitos adversos de vários medica-mentos pode se manifestar na forma de um oumais desses problemas19.

A incontinência urinária é de grande importân-cia, pois predispõe a infecções perineais, genitais,do trato urinário e urossepse (sepse com origemno sistema urinário). Pode provocar maceração erutura da pele, facilitando a formação de escaras,interromper o sono e predispor a quedas. Adi-cionalmente, causa constrangimento, induz aoisolamento social, à depressão e ao risco de inter-nação em asilos (institucionalização). A preva-lência de incontinência urinária aumenta com aidade, sendo maior entre as mulheres. Até 30%dos idosos da comunidade são acometidos porincontinência urinária, sendo que a prevalênciaaumenta para 50% se forem considerados osidosos institucionalizados17. Estudos têm sugeri-do que a incontinência pode ser considerada ofator mais importante de decisão familiar quan-to à institucionalização do idoso e a causa pre-cipitante da admissão de enfermagem domiciliarem 89% das famílias16.

OO ccuuiiddaaddoorr ddee iiddoossooss ee oo ccuuiiddaaddoo

Neri, em capítulo de revisão sobre o cuidador, traza informação de que a literatura gerontológica

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Tipo de apoio Atividades relacionadas

consagrou a distinção entre cuidado formal einformal com base no critério da natureza do vín-culo entre idosos e cuidadores20. O cuidado for-mal é aquele oferecido por profissionais e o infor-mal, por não-profissionais. Entre os não-profis-sionais, geralmente pessoas da família, podem serincluídos amigos e vizinhos. Nessa circunstância,faz-se distinção entre os cuidadores primários,secundários e terciários. Os cuidadores primáriossão os principais responsáveis pelo idoso e pelocuidado e são os que realizam a maior parte dastarefas; os cuidadores secundários podem atérealizar as mesmas tarefas, mas o que os distinguedos primários é o fato de não terem o mesmonível de responsabilidade e decisão, atuando quase

sempre de forma pontual em algumas tarefas decuidados básicos – deslocamentos e transferên-cias, ajuda doméstica –, revezando com ocuidador primário; os cuidadores terciários sãocoadjuvantes e não têm responsabilidade pelocuidado, substituindo o cuidador primário porcurtos períodos e, geralmente, realizando tarefasespecializadas como compras, pagar contas e rece-ber a pensão.

No quadro a seguir, são apresentados difer-entes tipos de apoio aos idosos, sendo que amaioria deles demanda diferentes combi-nações de apoio, especialmente aqueles muitoincapacitados20.

Material

Instrumental

Socioemocional

Cognitivo-informativo

Atividades básicas de autocuidado queocorrem dentro de casa (colaboram com asaúde do idoso)

Atividades básicas de autocuidado queocorrem fora de casa (contribuem para ofuncionamento do idoso)

Apoio instrumental para a realização dasatividades de manejo de vida prática den-tro de casa

Atividade de lazer (dentro e fora de casa)

Prover dinheiro e outros recursos objetivosque mantêm, aprimoram as condições oufacilitam a vida dos idosos

Realizar ajuda direta nas atividades de vidadiária (AVD) e nas atividades instrumentaisde vida diária (AIVD)

Fazer companhia, visitar, conversar, ouvir,confirmar, aconselhar, consolar

Explicar, ajudar a tomar decisões, decidir por

Alimentação, toalete, banho, vestir-se, arru-mar-se, tomar remédio, fazer exercícios, fazerfisioterapia

Ir ao médico e a laboratórios para coleta deexames, ir à igreja

Cozinhar, lavar/passar roupa, arrumar a casa

Levar para passear, fazer visitas

Neri AL, Carvalho VAM. O bem-estar do cuidador: aspectos psicossociais. In: Freitas EV et al. Op. cit. 2002. p.778-90.

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As autoras fizeram uma revisão sobre o temana literatura brasileira. Para tanto, realizaramna base Lilacs uma busca pelas palavras-chave“cuidador” e “idoso”. Foram encontrados seteartigos, todos publicados a partir de 2003, oque mostra a contemporaneidade do tema, osquais mencionaremos a seguir.

Garrido e Menezes conduziram uma investi-gação sobre cuidadores de idosos comdemência21. Nesse estudo, o perfil docuidador observado foi: mulher, com idadesuperior a 45 anos (média de 51,3 anos),casada, filha/esposa, sem emprego ou do lar,com 8 ou mais anos de escolaridade, moracom o paciente, tem boa saúde física, apre-senta ajuda para o cuidado, passa mais de 8horas de cuidado/dia e cuida do paciente háaté três anos. Foi aplicada a escala ZaritBurden Interview (ZBI), que avalia o quantoas atividades do cuidado têm impacto sobre avida social, bem-estar físico e emocional efinanças do cuidador – essa escala foi esco-lhida por ter sido previamente traduzida e va-lidada para o português. Os autores cons-tataram alta média de impacto nos cuidadores,sendo fundamental que os profissionais dasaúde estejam aptos a prover suporte adequadoa eles, com o objetivo de minimizar problemastanto para os pacientes quanto para os próprioscuidadores.

Ricci et al. conduziram um estudo com 40idosos do Programa de Assistência Domici-liária da Escola Paulista de Medicina, da Uni-versidade Federal de São Paulo22. Nele, obser-varam concordância excelente entre a avalia-ção da capacidade funcional de idosos feita

pelos cuidadores e por profissionais da área dasaúde (em todas as dimensões do instrumen-to Medida de Independência Funcional –MIF), o que mostrou a boa interação entre aequipe do programa e os cuidadores. Oscuidadores foram bem instruídos e orientadospelos profissionais, o que seria bom indicati-vo da assistência domiciliária como modali-dade de promoção à saúde da população deidosos frágeis. O preparo do cuidador é muitoimportante na avaliação e tratamento doidoso.

Pena e Diogo identificaram que a interrelaçãopessoal, o interesse em participar no cuidado eo conhecimento anterior são os fatores quemais favorecem a participação do familiar nocuidado do idoso hospitalizado23. No referidoestudo qualitativo foram entrevistados 30acompanhantes familiares de idosos internadosem duas unidades clínicas de um hospital dealta complexidade (nível terciário) no municí-pio de Marília, em São Paulo. Foram sele-cionados os idosos que permaneciam a maiorparte do tempo no hospital e 30 membros daequipe, destes, 14 auxiliares de enfermagem etrês enfermeiros.

Giacomin et al., no Projeto Bambuí (MG),um estudo de coorte de base populacional deidosos residentes na comunidade, puderamobservar que, apesar de todas as evidências, asmulheres têm dificuldades para dissociar ocuidado de seu papel de esposas e admitir ofardo (o que remete a uma cultura ondecuidar de um idoso dependente é obrigação“natural” da mulher), sendo que o cuidador eos necessitados de cuidados vivem a dura rea-

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lidade da incapacidade funcional, de modointegral, intuitivo e improvisado, o quereforça a responsabilidade pela sistematizaçãodo cuidado domiciliário no nosso meio24. Noreferido estudo, em entrevista de seguimentodo ano 2003, foram entrevistadas esposas de10 idosos que necessitavam de cuidados.

Em outro estudo com idosos altamentedependentes da comunidade, Silveira et al.investigaram 24 cuidadores principais deidosos com diagnóstico de síndrome demen-cial, participantes do grupo de suporte doNúcleo de Atenção ao Idoso – unidadeambulatorial da Universidade Aberta da Ter-ceira Idade, da Universidade do Estado doRio de Janeiro (NAI-Unati/Uerj). Os autoresconcluíram que existem três dimensões naquestão: 1) há implicações dos legados, dastransmissões multigeracionais, das repetiçõesdos padrões, dos mitos e das crenças carac-terísticos de cada sistema familiar; 2) o idosotambém é um participante ativo na decisãosobre quem vai cuidá-lo; 3) o grupo desuporte é um recurso muito importante paraos familiares25.

Floriani e Schramm produziram um artigo derevisão sobre o cuidador do idoso com cânceravançado e classificam esse indivíduo como“ator vulnerável”26. Apontam que atualmentehá a tendência para transferir à família oscuidados dos idosos com câncer, especial-mente quando a doença está em cursoavançado. Estudo das famílias dos pacientesdependentes mostra que a escolha docuidador não costuma ser ao acaso. A opçãonem sempre é de quem cuida, muitas vezes

expressa o desejo do paciente ou sua falta deopção. Tornar-se um cuidador pode ocorrerde modo inesperado para um familiar que, aose sentir responsável, assume essas tarefas,mesmo não se reconhecendo como cuidador.

Os autores sublinham vários estudos refe-rentes ao impacto sobre a família e o ônus parao cuidador, com repercussões físicas, psíquicas,sociais e econômicas sobre os mesmos. Nessesentido, foram desenvolvidas escalas queservem de instrumento para avaliar o estressedo cuidador, além de serem utilizadas comoreferência para o planejamento de intervençõesjunto aos cuidadores mais sobrecarregados,principalmente quando submetidos a grandeestresse psíquico. Citam estudo conduzido porProot com cuidadores de pacientes terminaissob cuidados paliativos, no qual a vulnerabili-dade dos cuidadores foi apontada como achadonuclear, ou seja, o ponto fundamental sobre oqual deve recair a análise sobre o cuidado aocuidador.

A situação observada nesse estudo demons-tra que os cuidadores estavam sob risco deadoecer por fadiga severa, a despeito da co-ragem e força que demonstravam. Sua vul-nerabilidade, decorrente da sobrecarga erestrição impostas pelas atividades diárias,era acentuada pelo medo, solidão, insegu-rança, temor do confronto com a morte eperda do suporte da família e da equipe deatendimento domiciliar.

Por outro lado, o estudo revela que os fato-res que diminuíam a vulnerabilidade eram a esperança, a satisfação com os cuidados

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oferecidos e as percepções do cuidador comrelação aos seus limites – além, evidente-mente, do suporte familiar e da equipe deatendimento domiciliar.

Outros estudos apontaram maior risco demorte entre os cuidadores, especialmente osque assistiam seus (suas) esposos(as) depen-dentes e se sentiam sobrecarregados peloscuidados administrativos. Em alguns paísesexiste preocupação com a questão da sobre-carga financeira da família do paciente comdoença avançada, como nos EUA, onde ocuidador é remunerado pelo governo ou podereceber licença de três meses sem ônus notrabalho – o que também ocorre na França.

Em seu artigo de revisão, Karsch levanta umaspecto importante: cuidar do idoso em casaé uma situação que deve ser preservada eestimulada, porém cuidar de um indivíduoidoso e incapacitado durante 24 horas sempausa não é tarefa para uma mulher sozinha,geralmente com mais de 50 anos, sem apoiosnem serviços que possam atender às suasnecessidades e sem uma política de proteçãopara o desempenho desse papel27.

A autora informa que nos países onde oenvelhecimento populacional ocorreu maislentamente do que no Brasil, os cuidados e oscuidadores familiares são objeto de políticas eprogramas de saúde pública. Mostra exemplosde programas como “comida sobre rodas”(que produz e distribui as refeições progra-madas para os idosos, poupando o cuidador

da tarefa de cozinhar todos os dias) e oserviço de substituição por um profissionalque alterne os cuidados. Nesse contexto,emerge uma importante questão que deve serequacionada: a de falta ou pouco preparo pararealizar a tarefa de cuidar de idosos20. Assim,a ajuda de profissionais especializados, nosdiferentes níveis de atenção, é importante.Para tanto, a capacitação das equipes dos pos-tos de saúde, dos Programas de Saúde daFamília do Sistema Único de Saúde (PSF-SUS), dos profissionais dos hospitais e acriação de grupos de apoio a cuidadores vema contribuir.

CCoonnssiiddeerraaççõõeess ffiinnaaiiss

O debate sobre os cuidadores de idosos, seupapel na manutenção da saúde e qualidade devida do idoso dependente, bem como os pro-blemas advindos dessa tarefa, é fundamentalpara a valorização, pela família e sociedade,dessas pessoas que, muitas vezes, quase ano-nimamente, trabalham de forma incansávelpara que idosos, apesar de dependentes, man-tenham a qualidade de vida.

Pesquisas com os cuidadores de idosos pre-cisam ser estimuladas a fim de que, a partirda realidade social, os governos tenham sub-sídios para implementar políticas públicasespecíficas. Assim, o tema deve ser uma preo-cupação e cuidar do cuidador de idosos deveser ação de todos, extrapolando os limites daárea social e da saúde, devendo ser foco deatenção multidisciplinar.

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RReessuummeenn

Cuidando de los cuidadores de los ancianos

El artículo presenta un panorama del envejecimiento poblacional, señalando la relación entre estasituación y el surgimiento de patologías crónico-degenerativas y de la pérdida de autonomía quegenera la dependencia. Enfatiza el papel de los cuidadores de los ancianos, definiendo los diferentestipos de cuidadores y las principales necesidades de aquellos que responden por el desempeño deestas tareas. Presenta una revisión bibliográfica que subraya la necesidad de profundización de losestudios sobre el tema y del desarrollo de políticas públicas para el apoyo a dichos cuidadores.

PPaallaabbrraass--ccllaavvee:: Ancianos. Envejecimiento. Dependencia. Cuidadores. Calidad de vida.

AAbbssttrraacctt

Taking care of aging people caretakers

This article presents the panorama of the population aging process, pointing out the relationbetween this situation and the appearance of chronic degenerative diseases and the loss of auton-omy, which generates dependency. It enforces the role of age people caretakers, defining differenttypes of caretakers and their main needs. It also presents a bibliographical revision on this issue,underlining the need of deepening the knowledge on this theme and developing public policies tosupport these caretakers.

KKeeyy wwoorrddss:: Aged people. Aging. Dependency. Caretakers. Quality of life.

RReeffeerrêênncciiaass

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Anamaria G. S. Feijó – [email protected]

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Plinio Carlos BaúMédico cirurgião geral,professor do Departamentode Cirurgia da Faculdade deMedicina da PontifíciaUniversidade Católica doRio Grande do Sul (PUCRS),titular do Colégio Brasileirode Cirurgiões ecoordenador do grupo dereflexão do Hospital SãoLucas, da PUCRS

A denominação grupo de reflexão não é bem conhecida portodos. Começou a ser utilizada na década de 60 entre médi-cos residentes de um hospital psiquiátrico de Buenos Aires, naArgentina. Não é preciso ser psicanalista para saber que emqualquer grupo de pessoas que se reúnem e conversam livre-mente sobre determinado assunto, ocorre o que chamamos deassociação livre de idéias. Alguém apresenta um tema, emgeral verbalmente, e os outros dão continuidade participandocom opiniões, o que estabelece uma dinâmica de processosassociativos em liberdade de expressão. As experiências dogrupo de Buenos Aires podem ser encontradas no artigo Gru-pos de reflexión, de Alejo Dellarossa1.

Um dos introdutores dos grupos de reflexão no Brasil foiZimmerman, que em sua obra atribui grande valor a esse tipode atividade por propiciar um aprendizado com experiências apartir do desenvolvimento da capacidade das pessoas de apren-derem a aprender umas com as outras2. Ainda segundo oautor, o grupo de reflexão remete a uma tarefa operativa,voltada fundamentalmente para o aprimoramento da capaci-dade de reflexão acerca de experiências afetivas, cognitivas ouprofissionais concernentes à atividade de cada um. Podemosdaí depreender que respeitando os mecanismos de livre-asso-ciação o tema lançado em cada encontro provavelmente terá

Grupo de reflexão como espaço para cuidar dos cuidadores

Plinio Carlos Baú

RReessuummoo:: Este artigo apresenta apontamentos sobre os resultados do grupo de reflexão implantadohá 15 anos no Hospital São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), pelo prof. dr. AntônioSpolidoro. Descreve, nas dimensões individual e coletiva, os mais significativos resultados da apli-cação dessa técnica, observados durante todo o período, mostrando que a mesma pode ser impor-tante instrumento de análise do conteúdo emocional das práticas laborais dos que trabalham comocuidadores.

PPaallaavvrraass--cchhaavvee:: Grupos de reflexão. Cuidadores. Reflexão. Emoção.

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relação com as atividades (e preocupações)comuns aos componentes do grupo.

O termo reflexão vem do latim reflexione e serefere à ação de voltar para trás, de virar, reci-procidade, à volta da consciência, do espíritosobre si mesmo, para examinar o seu próprioconteúdo por meio do entendimento, da razão,meditação, contemplação, consideração aten-ta, ponderação3.

Em seus quinze anos de existência, o grupo dereflexão do Hospital São Lucas desenvolveu-see deu frutos: a partir dele foram criados a Pas-toral da Saúde e o Comitê de Bioética, oprimeiro a ser instalado em hospitaisbrasileiros. Fundamental importância é dada àpluralidade dos componentes do grupo: fun-cionários da administração do hospital e daFaculdade de Medicina, dirigentes, psicólogos,nutricionistas, enfermeiros, assistentes sociais,técnicos e auxiliares de enfermagem, médicos,religiosos, entre outros, que constituem umcoletivo com cerca de 40 participantes. A fre-qüência varia entre 25 a 30 pessoas porreunião. Mesmo os que faltam são considera-dos importantes: a “cadeira vazia” é uma formasignificativa de comunicação não-verbal, quedesencadeia fantasias e sentimentos variados.

Essa experiência permite dizer que, na prática,o grupo de reflexão pode ser importante instru-mento de análise do conteúdo emocional. Tem-se observado que é possível diminuir as dificul-dades de comunicação, evitar ou minimizarcrises nas relações de trabalho e, ainda, facilitaro surgimento de capacidades individuais e cole-tivas para a realização de tarefas específicas.

O valor do grupo de reflexão no cuidado aoscuidadores mostra-se, em primeiro lugar, naimportância que cada indivíduo confere à suaparticipação no grupo. Percebe-se que os par-ticipantes sentem-se predispostos a freqüen-tar as reuniões e que as valorizam. O fator te-rapêutico atua a partir do relato do conjuntode experiências afetivas, cognitivas e reflexi-vas, sobre as situações cotidianas queenvolvem as práticas laborais. Quando cadaparticipante conta como sente, pensa e ageem determinadas situações influencia e éinfluenciado pelos demais4. Outro sentimen-to que se pode observar diz respeito ao nive-lamento funcional e intelectual dos membrosdo grupo. Segundo Zimmerman, a hetero-geneidade do grupo aumenta sua interação eintegração2. Esse aspecto pode ser observadonessa experiência.

A reunião de pessoas de diferentes posiçõesdentro de uma instituição permite o desen-volvimento de capacidades como percepção,conhecimento, comunicação, ação e reconhe-cimento. O desenvolvimento dessas capaci-dades transcende o período da reunião e con-tinua a propagar-se na vivência diária, nosdiferentes locais de trabalho. Tal aspecto podetambém ser observado no processo de trabalhoestabelecido no Hospital São Lucas, eviden-ciando um acréscimo na qualidade das inter-relações.

Nesta década e meia de funcionamento foipossível observar, nos componentes do grupo,o surgimento e aprofundamento de sentimen-tos como a sociabilidade, solidariedade e reci-procidade (ajuda recíproca), além do aumento

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da confiança, emoção básica para o desenvolvi-mento das demais. Há um “elemento facilita-dor” que emana da reunião mensal e per-manece ao longo dos dias, qualificando e faci-litando a ação de cada um. Há também umforte sentimento de pertencência, como quali-fica Zimmerman, que significa que cada indi-víduo sente que, de fato, faz parte do grupo e éreconhecido pelos demais, mesmo após o tér-mino das reuniões.

Finalmente, a meu ver, os cuidadores têm nogrupo de reflexão a possibilidade de adquirir edesenvolver uma série de capacidades, comopercepção menos distorcida dos fatos que ocor-rem ao seu redor, maior aproximação arespeito do que seria o ideal e o que é real,reconhecimento de suas capacidades e limi-tações e, ainda, conhecimento acumulado paraperceber as diferenças de cada um em relaçãoaos demais. O desenvolvimento de tais capaci-dades e habilidades propicia uma comunicaçãomais fácil, que flui entre os integrantes dogrupo, reduzindo substancialmente o sério

problema dos “mal-entendidos”. Finalmente,pode-se perceber que cada um deles sente ga-nhar, por intermédio das reuniões do grupo,um amplo espaço de liberdade, criação e con-testação.

É preciso salientar que, apesar de todos essesbenefícios constatados por observação e sentidospelos participantes, a manutenção de um grupode reflexão em atividade é tarefa que exige tra-balho e esforço constantes. No presente artigo,os resultados descritos validam aquilo que apon-ta a teoria sobre o assunto: a efetividade dosprocessos de troca de experiências como formade cuidar do cuidador. Portanto, para concluir, épreciso enfatizar que essa experiência pode, e atémesmo deve, ser reproduzida em outras institui-ções, que por intermédio dos grupos de reflexãotêm a possibilidade de alcançar, ainda que par-cialmente devido ao contexto institucional par-ticular, a melhoria nas práticas e processos labo-rais, para os indivíduos e o grupo, melhorandosua ação diária e contribuindo para que todos setornem mais felizes.

RReessuummeenn

Grupo de reflexión como espacio para el cuidado de los cuidadores

Este artículo presenta algunas reflexiones acerca de los resultados del Grupo de Reflexión implanta-do en el Hospital São Lucas de la Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), desde hace quince años,por el profesor dr. Antônio Spolidoro. Se describen las dimensiones individual y colectiva, los resul-tados más significativos de la aplicación de esta técnica observados durante todo el periodo,enseñando que tal puede ser un importante instrumento de análisis del contenido emocional de lasprácticas laborales de aquellos que trabajan como cuidadores.

PPaallaabbrraass--ccllaavvee:: Grupos de reflexión. Cuidadores. Reflexión. Emoción.

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AAbbssttrraacctt

Reflection groups like a space to care the caretakers

The article presents comment on the results obtained by the Group of Reflection established at theHospital São Lucas of the Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) 15 years ago by prof. dr. AntônioSpolidoro. It describes the more significant results of the application of that technique individual andcollectively that have been observed during this period, showing that it can be used as an importantanalysis tool regarding the emotional content of working practices of health care personnel.

KKeeyy wwoorrddss:: Reflection groups. Caretakers. Reflection. Emotion.

RReeffeerrêênncciiaass

1. Dellarossa A. Grupos de reflexión: entrenamiento institucional de coordinadores y terapeutas degrupos. Buenos Aires: Paidós, 1972.

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HHoommeennaaggeemm

Este artigo é uma homenagem ao prof. dr. Antônio Spolidoro, criador do grupo de reflexão do Hos-pital São Lucas/PUCRS.

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Plinio Carlos Baú – [email protected]

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Cuidando dos cuidadores em um serviço de neonatologia: quem cuida de quem cuida?

Ângela Fleck Wirth

RReessuummoo:: O presente artigo é fruto do trabalho desenvolvido no acompanhamento da equipe daunidade de terapia intensiva neonatal (UTI) do Hospital São Rafael, em Novo Hamburgo, no RioGrande do Sul, com base na compreensão psicanalítica e aplicação dos princípios técnicos do méto-do de observação da relação mãe-bebê. A tríade bebês, pais e equipe é discutida, salientando-se aimportância de estabelecer um espaço de reflexão no qual as diferentes formas de ver a situaçãopossam convergir para a criação de novo sentido que ordene e transforme a visão desses atores, pro-porcionando o entendimento e melhoria das relações. As observações são exemplificadas por vi-nhetas de material clínico.

Ângela Fleck WirthPsiquiatra, psicanalista,associada da SociedadePsicanalítica de Porto Alegre(SPPA)

PPaallaavvrraass--cchhaavvee:: Cuidados. Mortalidade neonatal. Reflexão. Relação mãe-bebê.

O trabalho desenvolvido pela autora no acompanhamento daequipe da UTI neonatal do Hospital São Rafael decorre, emgrande parte, da compreensão psicanalítica e aplicação dosprincípios técnicos do método de observação da relação mãe-bebê (ORMB), desenvolvido por Esther Bick1.

Seus princípios básicos são abstrair-se de criticar, julgar ouencaixar os fenômenos observados em alguma teoria – atri-butos essenciais aos profissionais da área de saúde mental quedesejam desenvolver trabalho preventivo em UTI neonatal. Ométodo consiste em observar um bebê em seu meio familiar,sua relação com a mãe e demais cuidadores, desde o nasci-mento até o segundo ano de vida. O observador escolhe umafamília, explicando-lhe que observará o desenvolvimento dacriança. No primeiro ano, as visitas são semanais; no segun-do, quinzenais. Após a visita, o observador faz minucioso rela-to, a ser lido e discutido em um grupo de supervisão semanal,coordenado por um supervisor psicanalista, com experiênciano método.

Em decorrência do conhecimento acumulado sobre as capaci-dades do bebê dentro do útero e as do recém-nascido, atual-

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mente sabemos que, além dos cuidados com aparte física do bebê, temos que também pensarem sua estrutura psíquica. A bibliografia éextensa no que diz respeito à importância dovínculo mãe-bebê na estruturação do psiquis-mo; ao cuidado com os pais, para que possamassistir o bebê; e às repercussões do estresse domeio sobre as funções vitais da criança.

Entretanto, um ângulo pouco abordado emrelação ao assunto diz respeito às condições la-borais das equipes que trabalham com recém-nascidos doentes ou prematuros. O impacto dosofrimento dos bebês e suas famílias sobre essesprofissionais é aspecto sobre o qual a biblio-grafia ainda é escassa. O comumente observa-do é o fato de a equipe cuidadora encontrar-sedesprotegida, vulnerável, tendo de dar conta deuma avalanche de sentimentos e funções con-siderados, a priori, “normais”, pois fazem partedo trabalho.

A situação traumática vivenciada pelo bebê,seus pais e equipe torna difícil pensar e ver otodo, pois cada um dos atores percebe os fatosde maneira diferente, com base na condiçãopessoal e função. Apesar dessas diferenças, osprofissionais das UTI neonatal sofrem, juntocom as famílias de seus pacientes, uma sobre-carga psicossomática como conseqüência dever um bebê ou prematuro em tal situação. Oque nos remete ao foco deste artigo, cujoobjetivo é refletir sobre quem cuida de quemcuida.

A seguir, são relatadas algumas situações perce-bidas pela autora, que durante oito anos, numprocesso lento e contínuo, vem participando

das reuniões clínicas com a equipe de profis-sionais da UTI do Hospital São Rafael, acom-panhando pais e bebês ali internados2.

Um pouco da história

Após, pela observação da relação mãe-bebê,acompanhar bebês sadios decidi também acom-panhar prematuros, propondo um projeto ela-borado a partir do trabalho desenvolvido porCatherine Druon3 no Centre de MédicineNéonatale de Port Royal, em Paris. Inicial-mente, foram incluídos no projeto os pre-maturos com menos de 1.500g ao nascer, hajavista permanecerem mais tempo no hospital. Aproposta coadunava-se à filosofia da equipe daunidade, que destacava a importância do víncu-lo entre os pais e o bebê, sendo estimulada apresença dos mesmos junto aos filhos. Damesma forma, as conseqüências do estressesobre as condições físicas dos bebês eram con-sideradas, bem como observados vários cuida-dos na rotina com os mesmos.

Ao lado dos cuidados necessários para darsuporte à vida, o ponto mais complexo no tra-balho com recém-nascidos doentes ou pre-maturos – a meu ver, na época – era poderrestabelecer o vínculo entre a mãe e o bebê eestabelecer um elo entre os pais e a equipe. Porisso, o projeto objetivava sensibilizar a equipepara os aspectos inconscientes envolvidos natríplice interação pais-equipe-bebê, e ajudá-lana compreensão dos mesmos.

A equipe realizava reuniões clínicas semanais,coordenadas por um consultor, das quais passeia participar. De acordo com o interesse do

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grupo, um material teórico complementava asdiscussões sobre as situações clínicas. Osassuntos que solicitavam minha contribuiçãorelacionavam-se às reações dos pais e à formada equipe atuar quanto a questões de morte,morte anunciada, malformação e agravamentodo quadro clínico.

Após, aproximadamente, um ano do início doprojeto, organizamos um grupo de pais-bebêsprematuros – integrado por pais de bebês egres-sos da unidade e pais de bebês internados, alémde uma enfermeira da unidade. Atualmente, aparticipação dos pais estende-se a todos os quedesejarem, independente do motivo da hospi-talização. Como decorrência das atividades dogrupo, realizamos desde o ano 2000 – no finalde novembro – uma festa de confraternizaçãoentre pais, bebês e equipe.

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Um dos eventos mais poderosos na vidahumana, o nascimento, de uma forma ou outranos remete às vivências infantis. O nascimentoem si, a ameaça de morte e a tarefa de cuidarum bebê de alto risco trazem à memória dequem cuida suas próprias situações internasprimitivas e as emoções a elas interligadas.Todos fomos bebê um dia e sabemos profunda-mente suas necessidades. Precisam de handlinge holding, necessitam ser tocados no dia-a-diapela mãe, cujo manuseio assegura os cuidadosfísicos a seu filho, de modo a que ele aprenda aconhecer o seu corpo. Necessitam também sersustentados por um processo pelo qual a capaci-dade de identificação da mãe com o filhofornece-lhe sustentação física adaptada, sobre-

tudo quando ainda fisiologicamente vulnerável.Num bebê sadio, isso é feito pela mãe e/ou pai.Na unidade neonatal, assumido pela equipe.

Os fenômenos do nascimento e morte estãoculturalmente associados desde os primórdiosda civilização. Numa UTI neonatal, vida emorte estão bem mais próximas. Os bebês, paise a equipe são as faces de um triânguloreunidas, com dificuldade, em torno de umasituação traumática.

A experiência dos bebês é delicada: muitas vezessentem dor, mas não podem ser consolados porsuas mães – pois não estão em casa, mas simnuma unidade de alta tecnologia. Para os pais,a experiência é similar: não podem cuidar dobebê, têm que ficar ao lado, o que os faz sentir-se impotentes – testemunha de toda esta dor, étraumático para a equipe exercer adequada-mente sua função.

A organização da unidade busca, em primeirolugar, ao objetivo de preservar a vida e, poste-riormente, entregar à mãe um bebê sadio, físi-ca e psiquicamente. Para realizar tal tarefa, aequipe recorre a mecanismos de defesa primi-tivos, tais como dissociação, negação, desloca-mento e projeção – fundamentais para que sepossa ser tecnicamente competente no cuidadocom os bebês.

O livre acesso dos pais à UTI é medida que visaamenizar os efeitos da separação abrupta, umavez que sua presença é benéfica ao desenvolvi-mento da criança – contudo, a mesma lembraà equipe a dor e o sofrimento do bebê emmomentos em que necessita se dissociar dessas

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emoções para bem atendê-lo. Como disse umaenfermeira: a gente tem que ver só a veia a serpuncionada. Porém, ao terminar o procedi-mento, a mesma profissional deve se identificarcom o bebê para poder consolá-lo.

Essa ambigüidade inerente ao cuidado mani-festa-se também de outras formas. Ao trazerema situação afetiva para dentro da UTI, os paispodem se tornar uma sobrecarga para o pessoalda unidade. A equipe necessita fazer o seu tra-balho e os pais, que solicitam atenção, fazemalvoroço e atrapalham, dificultando o processo.Uma enfermeira relatou: sei que eles sãoimportantes para o bebê, mas atrapalham... édifícil trabalhar com toda essa gente aqui den-tro. Os pais, por sua vez, para se manterem aolado do bebê, fazem uso dos mesmos mecanis-mos de defesa primitivos, gerando, muitasvezes, conflitos e sofrimento.

Some-se a isso o fato de a equipe cuidadoraestar investida de funções maternas, executan-do procedimentos equivalentes aos cuidadosnormalmente dispensados pelas mães. O bebêinterno no serviço de neonatologia tem, de umlado, a mãe que não pode levar a gestação até ofinal ou que gerou um filho doente ou malfor-mado, e, de outro, a equipe e o serviço deneonatologia, necessários para manter sua vida.Essa situação é potencialmente geradora deconflitos. Reforça o sentimento das mães deterem causado a prematuridade ou a doença dofilho. Elas podem se sentir perigosas para obebê e terem dificuldades em dele se aproximar,projetando esse perigo à equipe – isto ocorrecom mais freqüência em momentos de compli-cações clínicas. A equipe, por sua vez, também

sente-se responsável pelo que acontece com obebê; por isso, tende a se proteger responsabi-lizando os pais.

Frente a tal amálgama de sensações e emoçõesconflitantes, a equipe adotou o procedimentode oferecer uma entrevista aos pais, quando aatitude dos mesmos chamava a atenção –recurso que se tornou rotina na unidade.

A seguir, são ilustradas algumas questões fre-qüentes numa UTI neonatal observadas nodia-a-dia de trabalho e que provocam sobrecar-ga de sofrimento para todos: profissionais, paise bebês.

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Nas várias situações descritas a partir de mate-rial clínico, a seguir apresentadas, podemosperceber a dificuldade tanto dos pais quanto dosprofissionais para entender a mútua motivaçãonessa circunstância angustiante. A primeiramostra as solicitações que pesam sobre a equipe,enfocando a necessidade de o profissional se dis-sociar para realizar o procedimento e, a seguir,se integrar para confortar o bebê e diminuir-lheo estresse. A segunda exemplifica a relutância deos pais levarem o bebê para casa, o que ocorrecom freqüência e se revela situação de difícilentendimento para a equipe. A terceira descreveuma situação na qual a compreensão mútua ficacomprometida. A quarta refere-se à “dificul-dade” de algumas mães se aproximarem de seusbebês. E a quinta, por fim, trata de sentimentosde culpa. Considero que, se devidamente enten-didos, esses exemplos cotidianos podem melho-rar as condições de trabalho da equipe.

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Penso que essas histórias nos possibilitam ossubsídios para refletir sobre algumas questões:como a equipe vivencia essas experiências que,apesar de não conscientemente percebidas, sãoregistradas em seu inconsciente? Quais asrepercussões sobre a vida de seus integrantes?O que fazer para tornar menos traumática essavivência? Não tenho a pretensão de darrespostas definitivas a tais perguntas, apenaspropor idéias para nelas melhor pensar.

““DDeessssee jjeeiittoo,, vvaaiiss mmee ddeeiixxaarr ddee ccaabbeellooss bbrraannccooss........””

João nasceu com 580g, na 28ª semana de ges-tação. Após três dias, seu estado clínico é está-vel. A equipe se mostra otimista com suaevolução. Ele está num berço aquecido de trata-mento intensivo, no respirador. Parece total-mente desamparado: deitado de costas, com osbraços e pernas estendidos e soltos no ar. Apre-senta movimentos esporádicos de “queda”.Parece cair no vazio. Chama atenção por nãoter a aparência dos prematuros, parece um bebêem miniatura. Não está com a pele enrugada eperdeu pouco peso.

No dia seguinte, 4º dia de vida, sai do respi-rador. A enfermeira tenta puncionar uma veiaem sua cabeça. Aproximo-me e fico observan-do. Ele se contrai e chora, agitando braços epernas. É muito pequeno, cabe na palma deuma mão. Conseguir fazer a punção não é tare-fa fácil. A enfermeira está tendo dificuldades,parece-me cansada. A auxiliar, ao seu lado,segura um foco na direção da agulha. É umtrabalho delicado e minucioso. Durante o pro-cedimento a enfermeira pára algumas vezes e

tenta consolar o bebê: mocinho, já vai passar.Sei que está doendo. Dirige-se a mim: ele émuito bravo e ativo (...) as suas veias muitofinas. O choro do bebê é forte e parece deses-perado. Permaneço olhando: o bebê protesta; aenfermeira intenta realizar um procedimentodoloroso e necessário. É difícil manter o olharsobre o bebê.

Nesse ínterim, o alarme do respirador dispara.A saturação de outro bebê cai, o alarme toca. Apoluição sonora é grande. A enfermeira sequeixa: não aguento mais esse barulho.

São necessárias várias tentativas até que consi-ga concluir o procedimento. Apenas 5 minutosapós, o alarme do monitor do bebê novamentedispara. A equipe chega rapidamente. A satu-ração está caindo. Movimentam o bebê. Verifi-cam se o cateter está obstruído. O médico seaproxima, a enfermeira faz aspiração no bebê etenta colocar outro cateter nasal. A narina émuito pequena, apresenta dificuldade. A pele semachuca e sangra. O bebê chora, protesta,esperneia. A enfermeira tenta acalmá-lo, ofere-cendo seu dedo para que segure. O médicosegue tentando. Desiste: ainda é muito grande,tem que ser menor. A enfermeira coloca umcateter nasal, tipo óculos. O problema é fixaralgo num bebê tão pequeno, que não pára quie-to. A saturação voltou ao normal, mas começaa cair novamente. O bebê está sem movimentorespiratório. Movimentam-no, mas ele segueem apnéia. O médico retorna correndo. Usa aventilação manual (ambu). O bebê já estáacinzentando, mas aos poucos a cor reaparece.É uma luta ferrenha contra a morte – tudo issoocorre em minutos, mas a impressão é a de

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uma eternidade. Enquanto trabalham com pre-cisão, fico observando, parece um filme de ter-ror ou pesadelo. Finalmente, conseguem sanar oproblema. Diz a enfermeira: desse jeito, moci-nho, todos os meus cabelos vão ficar brancos...

Assim que a enfermeira percebeu a apnéia e osprocedimentos tiveram início, foi solicitado queas outras mães saíssem da sala. Estavammudas, cada uma voltada para seu própriobebê, mas, acredito, em pânico. Poderia ser ofilho de qualquer uma delas.

Passado o susto, são rapidamente retiradostodos os vestígios visuais do que ocorrera. Aenfermeira acrescenta: hoje foi a primeira vezque fez isso. Agora vai começar. Coitada dessamãe quando ele entrar na fase cinza. Depois deum tempo aqui, todos entram. Começam osprocedimentos, o estresse, e eles iniciam asapnéias.

A UTI neonatal é um pesadelo, mas para aequipe que ali trabalha é a vida normal. A ca-racterística extraordinária da situação se perde.De modo geral, a percepção da dificuldade nãoé detectada. A atmosfera da unidade parece sercomum. Ao falarmos isso para a equipe, houvesurpresa. Pois ela necessita dissociar-se do todoe ater-se ao procedimento. De outro modo, nãoseria possível tolerar a angústia da vivênciadiária ao lado da doença, do sofrimento e damorte, principalmente em momentos em que avida da criança corre risco. O pesadelo está aí e,a não ser que se tenha a visão de quão inusuale estressante é a situação como um todo, não seconsegue sequer estabelecer empatia com ospais e bebês. Às vezes, como diz o ditado, faz-

se necessário ver apenas o tronco da árvore enão a floresta. Isso é verdade, especialmente emsituações extremas como essas.

““PPeennssoo qquuee nnããoo ssoouu bbooaa mmããee......””

Rita nasceu com 26 semanas e 715g. Evoluiubem, sem nenhuma complicação grave durantea permanência na unidade. À medida que seaproximava o dia da alta, a ansiedade dos paisaumentava e a demanda de atenção ultrapassa-va a disponibilidade da equipe. Questionavamos procedimentos repetidas vezes, com dife-rentes profissionais. Criou-se então um círculovicioso: à proporção que aumentava a demandados pais, a equipe, cansada, começou a se afas-tar, provocando o incremento dessa demanda.O assunto apareceu numa reunião clínica sob aforma de pergunta: o que fazer com os pais?Por que, agora que o bebê está bem e próximoa sair da unidade, estão tão ansiosos? Deveriamse mostrar agradecidos, mas, ao contrário,estão queixosos.

A mãe solicitou horário no dia da alta. Expli-cando-se, disse: precisava muito falar comalguém, tenho muitas dúvidas. Hoje, a Rita vaipara casa. Tenho medo, não sei como cuidardela. Fico com medo de não saber o que fazer.Ela é muito pequena... em casa não vou sabercomo fazer. Às vezes penso que não sou boamãe, que não sei ser mãe.

Sentia-se incompetente por não ter concluídoa gravidez. O bebê, ao nascer, não tinhacondições de viver: não estava pronto. Oscuidados da equipe, os equipamentos e a tec-nologia da unidade concluíram a gestação.

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Agora, 24 semanas após o parto, devolvem-lhea filha e ela não sabe o que fazer. Quando aequipe lhe disse que podia levar a criança,respondeu: não me sinto capaz. Estava commedo de pegar o bebê e não dar conta, similar-mente ao ocorrido em sua gestação. Esse senti-mento de impotência é freqüente em mães deprematuros.

A equipe, por seu lado, sentia as perguntas damãe como desconfiança a seu respeito, como seestivesse questionando os procedimentos adota-dos. Mas o que a mãe desconfiava era de suaefetiva capacidade para ser mãe. Entender oque se passa com a mãe, assimilar seu ponto devista, ajuda a equipe a tolerar as queixas dospais sem sentir-se atacada. Um colega comen-tou: é interessante ver a história de outro ângu-lo, ajuda.

““EElleess ppeennssaamm qquuee nnããoo mmee ddoouu ccoonnttaa ddaa ssiittuuaaççããoo......””

Paola é um bebê a termo, aparentemente sadio,que nasceu com malformação incompatívelcom a vida. Está com 45 dias quando, por su-gestão da equipe, sua mãe solicita conversarcomigo. Chamava-lhes atenção o fato de a mãeconversar com a filha e responder por ela. Essaatitude deixou a equipe preocupada. Pensavamque estivesse perdendo o contato com a reali-dade. Contudo, no encontro, ela me disse:doutora, eles pensam que não me dou conta dasituação porque chego, falo com a minha filhae faço de conta que nada está acontecendo. Seique ela vai morrer. Ela não tem cérebro e, senão tem cérebro, não adianta. Tenho que fazerisso, senão não consigo vir ao hospital. Ela pre-

cisa de mim... tenho que cuidá-la... por quantotempo não sei... ninguém sabe.

Como o bebê não tinha cérebro, a mãe“emprestava” o seu para estabelecer uma relaçãoamorosa com a filha e se sentir correspondida.Para investir na filha e ser por ela investida. Dessaforma, encontrou um jeito de permanecer ao ladoda filha, de se relacionar, cuidando-a para, assim,evitar um processo de luto antecipado. Com essaexplicação, sua atitude, no primeiro momentoalgo sem sentido, tornou-se compreensível para aequipe. Tal qual a mãe, a equipe também necessi-ta investir no bebê para cuidá-lo, mesmo sabendoque não vai tornar-se sadio.

““OOllhhaavvaa ppaarraa aa iinnccuubbaaddoorraa ee nnããoo vviiaa nnaaddaa......””

Rafael possui a aparência (fácies) de um velho:pele seca e enrugada, magro. Pesa apenas1.090g. Está deitado na incubadora, emposição fetal, cheio de tubos e sondas. Dormeum sono intranqüilo. De tempos em tempos,agita-se, fica contraído, muda de cor, adquirecoloração arroxeada. Assim como se agita, tam-bém se acalma por si e volta a dormir. Perceboseu desamparo e desconforto e, ao mesmotempo, como se autoconsola.

Enquanto o fito chegam seus pais. A mãe seaproxima e o olha. O pai o toca de leve, obebê se tranqüiliza. A mãe, imóvel, apenas oobserva. Após minutos, o casal sai em silên-cio: sustentar a visão do desamparo e fragili-dade do bebê é difícil. Os pais precisam detempo para poder enxergar esse bebê tãodiferente do imaginado.

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Mais tarde, quando Rafael já pesava 1.900g, amãe relata, no grupo de pais-bebês prematuros,composto por pais de bebês internados e pais ebebês egressos da unidade, a seguinte confissão:só fui vê-lo dois dias depois que nasceu. Estavacom medo de olhar. O meu marido dizia queele era lindo... No dia seguinte ao nascimentopedi que a minha mãe fosse vê-lo. Ela me disseque ele era perfeito. A primeira vez que o vilevei um susto, saí correndo. Esperava umbebê, e era um fetinho horrível... No iníciochegava lá, olhava para a incubadora e não con-seguia enxergar nada... Não sentia ele comomeu filho... Depois fui me habituando, aospoucos fui observando o jeito dele, os movi-mentos. Agora sou muito ligada nele. Aqui é olugar onde me sinto melhor... Quando ele semexe no berço, coloco a mão na minha barri-ga. Parece que ainda está comigo. É muitolouco tudo isso.

O sentimento expresso pela mãe de Rafael éfreqüente em todas as que têm bebês prematu-ros. Às vezes, elas necessitam de tempo para sedarem conta da realidade e se permitirem certatranqüilidade por entregar o bebê aos cuidadosda equipe. De modo geral, a prematuridade évivida como uma “falha” da mãe, algo quedeixou de fazer ou não fez bem. O tempo deinternação pode ser necessário para que se sintacapaz de cuidar do bebê.

Frequentemente, os conflitos com os pais ocor-rem nos momentos em que a situação clínicado bebê se torna instável. Os pais, que de modogeral já se sentem culpados, com muita facili-dade colocam esses sentimentos sobre a equipe.Essa, por sua vez, também está procurando dar

conta de seus próprios sentimentos de culpa,como podemos ver na história de Pedro, aseguir.

““...... qquuaannddoo eellaa cchheeggaa,, aa ssaattuurraaççããoo ddeellee ccaaii......””

Pedro nasceu com 24 semanas e 540g. Ficou105 dias hospitalizado. Quando atingiu1.000g teve diagnóstico de infecção. A mãe,nesse momento, concentrou suas queixas ecríticas em relação a um médico. O profissio-nal, alvo dessas projeções, sentia-se incomoda-do e injustiçado – não entendia a razão de talatitude, afinal sempre lhe tratara bem. Aomesmo tempo, a equipe começou a queixar-seda mãe. Diziam: ela está muito ansiosa... fazmal para o bebê... ela chega e a saturação cai.No auge da crise a mãe resolve ir à praia, paradescansar. Passa 24 horas sem vir ao hospital esequer envia seu leite – na circunstância,extremamente valioso para o bebê.

O assunto chega à reunião clínica. Percebo queos médicos e as enfermeiras mostram-se críticoscom a mãe, achando que atrapalha a unidade eque sua ansiedade faz mal ao bebê. Dou-meconta de que o afastamento da mãe provavel-mente ocorreu por pensar estar prejudicando ofilho: ela chega, e a saturação cai... Concomi-tantemente, escolhe um médico para depositarsuas queixas e, assim, projetar em outrem umpouco da culpa que vinha sentindo. Ao focalizarsuas reclamações em um único profissional,demonstra confiar no resto da equipe.

À medida que a situação é interpretada sob oolhar de cada um, permitindo entender a

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perspectiva do outro, a equipe mostra-sevisivelmente aliviada. Diz o colega alvo dasprojeções da mãe: depois de juntar o quecada um vê, faz sentido...

CCoommeennttáárriiooss

Freud descreveu a psicanálise como a cura pelafala. Acreditava que o trabalho de expressar ossentimentos em palavras é curativo. Hoje,sabemos que também o olhar externo é funda-mental no processo de superação dos traumas,condição indispensável para o ser humano seconstituir como pessoa. Assim como o bebênecessita do olhar da mãe ou substituta paradar voz a seus sentimentos e necessidades,todos nós, em determinados momentos, pre-cisamos de alguém que, pelo menos, tente nosentender. Muitas vezes é quem ouve que podearticular os sentimentos. Bick1 afirmava que,no início da vida, as partes da personalidadesão sentidas como não tendo nenhuma forçade ligação entre si. A função interna de conteras partes do self depende, inicialmente, de umobjeto externo.

Transpondo essas duas perspectivas analíticaspara a dinâmica do grupo, pode-se dizer que oprocesso de falar sobre os problemas se estru-turara em torno das reuniões clínicas, com oolhar externo do consultor. Ao constatar meuaceite pelo grupo, passei a constituir um outroolhar, grupalmente utilizado quando os aspec-tos inconscientes obstruíam o trabalho. Minhaposição era favorável, haja vista que não tendoa incumbência de cuidar dos bebês estava livrepara observar o meio externo e os sentimentosque determinadas situações em mim desper-

tavam. Às vezes, me identificava com os paisou recém-nascidos; em outras, com a equipe.O fato de poder olhar e ouvir cada vértice dasituação possibilitava outra compreensão dotodo.

O poder falar no momento do trauma é te-rapêutico e constitui fator preventivo impor-tante em termos de saúde mental. No caso deuma unidade de terapia intensiva neonatal,estamos no coração do trauma. A equipe vivesob constante estresse, num ambiente no quala vida e a morte andam de mãos dadas. E avida depende de sua competência.

Superar a adversidade que determina a inter-nação não é apenas exigência dos pais, mastambém da equipe. A morte e as complicaçõessão vividas como fracasso por todos daunidade. Quando falece um bebê, faz-se silên-cio, o assunto fica para o fim da reunião.Percebi que minha presença facilitava o falar.De certa forma, preenchi a necessidade de umolhar não-crítico, que os ajudasse a reunir asdiversas partes da história.

No estado de não-integração do bebê, doponto de vista econômico, estamos lidandocom ansiedades catastróficas – sensação tam-bém vivenciada pela equipe ao se deparar cons-tantemente com situações extremas de vida emorte. Reunir-se semanalmente para discutiros casos clínicos e estudar temas previamenteestabelecidos, com o objetivo de elaborar pro-tocolos de atendimento, era uma forma de ogrupo se estruturar. Ao mesmo tempo, permi-tia-lhes falar e elaborar suas angústias frente àvida e morte.

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Minha presença nas reuniões clínicas trazia paradiscussão outro modo de ver as mesmas coisas.De um lado, ouvia os pais; de outro, a equipe.Com freqüência, surgiam conflitos decorrentesda posição e função de cada um. Como não pre-cisava intervir terapeuticamente, estava maislivre para perceber os sentimentos envolvidos. Aminha formação em ORMB e a compreensãopsicanalítica permitiam fazer a ponte entre rea-lidade e fantasia, consciente e inconsciente.

Conhecer os aspectos inconscientes que perpas-sam o trabalho na UTI neonatal permite àequipe manejar as situações traumáticas maisfacilmente. Quando tais aspectos não sãoreconhecidos, a equipe fica sujeita a sentimentosintoleráveis – os quais constituem um traumacumulativo, com repercussões sobre a qualidadede vida da equipe, resultando em sintomas quepodem ser associados ao transtorno de estressepós-traumático.

Com vistas a evitar tal circunstância, o psi-canalista funciona como espécie de envelope quemantém integrados, no mesmo corpo, pais,bebês e equipe. Para tanto, necessita colocar-sena pele de cada integrante do triângulo e, aomesmo tempo, manter-se suficientemente afas-tado para ter a visão do todo – sendo o troncoda árvore sem perder a perspectiva da floresta.

Nas reuniões, comumente intervinha no senti-do de criar um espaço de reflexão para todos,nos quais, naturalmente, os recém-nascidos sãocolocados no centro da discussão, pois necessi-tam que se pense tanto em seus aspectos físicosquanto psíquicos. Esse espaço também ajudariaa discussão da relação com a mãe, sua posição

na família e aspectos sociais, além de propiciarpensar a inter-relação recém-nascidos, famílias eequipe. A partir do momento em que a equipeconsegue refletir, ouvir as mães, entender assuas queixas e atitudes, a situação fica mais to-lerável e diminui o estresse.

Penso que a presença do psicanalista em umaunidade neonatal proporciona espaço para odesenvolvimento da reflexão – especialmente setreinado no método Esther Bick. De certomodo, o psicanalista reproduz a função exercidapela mãe quando trata ou converte os “dadossensoriais”, a aflição do bebê, em algo que elepossa tolerar.

Usando a linguagem de Bion, seria exercer afunção alfa, ou seja, receber as diversas comuni-cações da equipe, pais e bebês, reuni-las edevolvê-las de forma tolerável e compreensível.

As vinhetas apresentadas ilustram as situaçõesemocionais manejadas pela equipe ante expe-riências dolorosas. Dependendo do grau deintensidade e duração, são toleráveis; não osendo, a equipe necessita se proteger paradesempenhar sua função.

Uma defesa comum é ficar com raiva, respon-sabilizar alguém e odiá-lo – o que ajuda a aliviara dor por certo tempo. Outra, é se afastar numestado de frieza, ser crítico com a confusão emo-cional dos outros e adotar soluções rápidas queneguem a complexidade da situação. Tal atitudetransparece na crítica da equipe em relação àsmães, como no caso de Pedro: ela foi para apraia. Outra defesa pode ser se jogar no traba-lho, baixar a cabeça e recusar qualquer aproxi-

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mação. Ou, ainda, entrar numa indiferençaemocional, na qual nada possui sentido.

A articulação desses estados mentais da unidadeem reuniões – ou num artigo como este – podepromover suporte à equipe. As pessoas, com fre-qüência, têm medo de ser subjugadas pelos sen-timentos – no entanto, a experiência nos mostraque causam mais problemas quando não atendi-dos. Ao serem reconhecidos os sentimentos setornam mais manejáveis por serem identificadoscomo inerentes à condição humana, partilhadapor todos os envolvidos. Na UTI neonatal com-pete ao psicanalista ajudar as pessoas a recon-hecer os estados de sua mente e as característi-cas da situação, possibilitando que não se deix-em levar por eles, bem como propiciar quereconheçam e se interessem pelos aspectosinconscientes da situação. Os aspectos relativosà dimensão pessoal, às características de cadaum, não eram ponderados em minhas inter-venções. Portanto, considerando o processocomo um todo vê-se que o psicanalista torna-se

importante instrumento de trabalho, colaboran-do na integração dos diversos sentimentos – aoinvés de ser um inconveniente ou perseguidor.

No presente artigo procurei descrever oimpacto, sobre a equipe, da presença dos bebês eseus pais. Sem dúvida, outros fatores con-tribuem para o estresse sofrido pelos profissio-nais: aspectos sociais, econômicos, institu-cionais, o próprio ambiente da UTI, sobrecargade trabalho etc. Apesar desses óbices, a expe-riência de realizar uma reunião semanal deapoio com a equipe demonstrou ser uma formaefetiva de cuidar de quem cuida – maneira queencontramos para viabilizar um espaço ondetrabalhar os aspectos emocionais. O interesse daequipe em conhecer a situação por outro olharmostra o acerto do trabalho desenvolvido. Foigratificante ouvir de um colega: a nossa unidadepossui uma psicanalista... Concluindo, agradeçoà equipe da unidade de neonatologia me permi-tir tanto tempo de convívio, e a confiança dedividirem suas idéias comigo.

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RReessuummeenn

Cuidando de los cuidadores en el servicio de neonatología: Quien cuida de quienescuidan?

Este artículo es el fruto del trabajo desarrollado por la autora en el acompañamiento del equipo dela Unidad de Terapia Intensiva Neonatal (UTI) del Hospital São Rafael, en Novo Hamburgo en el RioGrande do Sul. Dicho acompañamiento se basa en la comprensión psicoanalítica y en la aplicaciónde dos principios técnicos del Método de Observación de la Relación Madre-Bebé (ORMB). Se dis-cute la triada bebés, padres y equipo, resaltando la importancia del establecimiento de un espaciode reflexión, en el que las distintas formas de ver la situación puedan convergir hacia la creación deun nuevo sentido para el ordenamiento y la transformación de la visión de estos actores, proporcio-nando el entendimiento y la mejoría de las relaciones. Son ejemplos de las observaciones las viñetasde material clínico.

PPaallaabbrraass--ccllaavvee:: Cuidados. Mortalidad neonatal. Reflexion. Relación madre-bebé.

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AAbbssttrraacctt

Caring of caretakers at a neonatology service: Who cares of caretakers?

This article is the result of a survey developed by the author in accompanying the equip of a Neona-tal Unit of Intensive Therapy (UTI) at Hospital São Rafael, in Novo Hamburgo - Rio Grande do Sul.This accompaniment is based on psychoanalytic comprehension and application of technical princi-ples of the Method of Observation of Mother-Baby Relation (ORMB). It discusses the triad babies-parents-equip, pointing out the importance of establishing a space of reflection, in which differentways of analyzing the situation may converge into the creation of a new concept that ordinate andtransform the view of actors in this process, making possible the understanding and improving ofrelations. Clinical material vignettes are the examples of observations.

KKeeyy wwoorrddss:: Caring. Neonatal mortality. Reflection. Relations between mother and baby.

RReeffeerrêênncciiaass

1. Bick E. L observation du bébé. Notes on infant Observation in Psychanalytic Training. A propos dela place de l' observation du nourrisson dans la faormation à la psychanalyse. Journal de la psy-chanalyse de l'enfant, 1967, 12: 14-34.

2. Wirth AF. Aplicação do método de observação de bebês em uma UTI neonatal. In: Caron NA. Arelação pais-bebê: da observação à clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2000. p. 207-31.

3. Druon C. L'aide au bébé et à ses parents en reanimation neonatale. In: Devenir 1, 1989: 45-65.

CCoonnttaattoo

Ângela Fleck Wirth – [email protected]

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Programa voluntário de apoio à UTI neonatal

Renato Machado Fiori Eloana Tusi Mann

Zaira Luft

RReessuummoo:: O artigo descreve a implantação e o processo de trabalho do programa voluntário de apoioà UTI neonatal, implementado na unidade de terapia intensiva neonatal (UTI neonatal) do HospitalSão Lucas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Analisa a importânciadesse tipo de suporte para a recuperação dos pacientes internos naquela unidade e apresenta osprincipais objetivos do grupo de trabalho.

Renato Machado FioriMédico chefe da unidade deterapia intensiva neonatal doHospital São Lucas, da PontifíciaUniversidade Católica do RioGrande do Sul (PUCRS), e livredocente em Medicina pelaUniversidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS)

PPaallaavvrraass--cchhaavvee:: Voluntariado. UTI. Saúde integral e humanizada. Vínculos afetivos.

A unidade de terapia intensiva neonatal (UTI neonatal) doHospital São Lucas, uma das primeiras do país, foi aberta emfevereiro de 1978. Desde sua fundação atendeu mais de20.000 recém-nascidos gravemente doentes, os quais depen-dem, na grande maioria, do Sistema Único de Saúde (SUS).

Por sua localização e inserção na rede pública, o hospital temprogressivamente assistido a uma população cada vez maisnumerosa e carente, tendência observada em todo o Brasil. Oaumento crescente da demanda pelos serviços da UTI neonatalrefletiu-se na equipe, motivando-a a buscar na comunidade umgrupo de apoio para auxiliar a suprir as grandes carências dessapopulação, bem como melhorar a qualidade da assistência.

Esse desejo da equipe encontrou eco em um grupo de volun-tárias que decidiram dedicar-se ao projeto, trabalhando com aequipe médica e de enfermagem da unidade, o grupo de assis-tentes sociais e a direção do hospital. Levando a cabo um pro-jeto que visa a solução pontual das inúmeras carências dospais e familiares dos bebês internados na UTI neonatal, essegrupo de voluntárias vem apoiando os processos de trabalhoimplementados nas unidades, contribuindo para que aassistência caracterize-se pela atenção integral e humanizadaao paciente e sua família.

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Um dos aspectos mais importantes desse apoio diz respeito àpermanência das mães na unidade. É crucial que, sobretudoas mães dos recém–nascidos internos na UTI neonatal, este-jam presentes em bases diárias na UTI. Sem sua presença(bem como a dos pais) torna-se mais difícil estabelecer o vín-culo bebê-mãe-pai, importante à sobrevivência, crescimento edesenvolvimento de forma saudável. Nesse sentido, um bomatendimento na UTI neonatal propicia um impulso inicialpara que o bebê se torne, no futuro, um indivíduo adaptado,feliz e produtivo, atingindo o máximo de suas potencialidades.

Além disso, a presença das mães na UTI, junto a seus bebês,é condição sine qua non para que mantenham a produção deleite a longo prazo, vital tanto para a manutenção da saúde dobebê quanto para maximizar o vínculo mãe-bebê. Para o pre-maturo, o leite materno é de extrema importância para reduzira incidência de infecções, distúrbios gastrintestinais e alergias.Além disso, sabe-se hoje que prematuros alimentados com leitematerno têm um quociente de inteligência médio (QI) melhorque os alimentados com leites artificiais (em pó)1.

O grupo de apoio constituído por voluntárias tem regimentointerno aprovado que explicita claramente seus objetivos:a) auxiliar na solução de problemas de recém-nascidos ca-

rentes internados na UTI neonatal; b) proporcionar às famílias carentes dos recém-nascidos inter-

nos na UTI neonatal oportunidades de maior permanênciajunto a seus bebês;

c) auxiliar na orientação dos familiares nos cuidados com osrecém-nascidos durante a internação e após a alta, incluin-do educação para a saúde, visando especialmente ao estí-mulo do aleitamento materno;

d) auxiliar em iniciativas de melhorar a estrutura física daUTI neonatal.

A colaboração das voluntárias ocorre de diversas formas. Háum pequeno grupo de voluntárias efetivas que, em conjuntocom as equipes médica e de enfermagem e o serviço social,

Eloana Tusi MannCoordenadora voluntáriada Amigos dos BebêsApressados (ABA)

Zaira LuftCoordenadora voluntáriada Amigos dos BebêsApressados (ABA)

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dão cobertura diária à UTI neonatal. Essas vo-luntárias identificam as necessidades dos bebêse de suas famílias e tentam atendê-las.

As necessidades mais claramente identificadaspelo grupo de voluntárias são a falta de pas-sagens de ônibus para as mães virem diaria-mente ao hospital; a falta de recursos para asmães se alimentarem durante o período em quepermanecem junto a seus bebês na UTI; a faltade fraldas descartáveis e a falta de recursos paraaquisição de leite, adequado às necessidades dorecém-nascido prematuro após a alta hospitalar,nos casos em que a mãe não é mais lactante.

Além das voluntárias que trabalham direta-mente com as famílias dos pacientes internadoshá o grupo das chamadas voluntárias be-neméritas que – apesar de não atuarem juntoaos pacientes – buscam recursos para o progra-ma, idealizando e promovendo festas e bazaresbeneficentes, bem como outras formas deangariar recursos.

Mesmo considerando o caráter assistencialistadessa iniciativa, é inegável que o programa de

apoio voluntário à UTI neonatal supre umalacuna que a proposta de atenção integral ehumanizada à saúde do SUS ainda deixa adescoberto: a minimização dos fatores socio-econômicos que atuam como determinantes damorbimortalidade neonatal. Os benefícios deum programa de apoio desse tipo são inques-tionáveis: a recuperação dos pacientes é maisrápida, os custos de internação são menores e oimpacto da alta do bebê sobre a família tende aser reduzido tanto pelo estímulo à formação dovínculo parental quanto pelo apoio às necessi-dades práticas da criança – como os casos dasfraldas e do leite. O programa também con-tabiliza resultados positivos entre as volun-tárias, que relatam sua satisfação pela missão aque se dedicam.

Os resultados dessa iniciativa contribuem paraque o grupo de voluntárias seja benquisto ereconhecido por todos os que circulam pelaUTI neonatal. Cremos que esses programasvoluntários em UTI neonatais são complemen-to indispensável para uma boa assistência aosbebês e seus familiares, com repercussões que seestendem além das portas da unidade.

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RReessuummeenn

Programa voluntario de apoyo a la UTI neonatal

En este artículo se describen la implantación y el proceso de trabajo del programa voluntario deapoyo a la UTI neonatal, implementado en la Unidad de Terapia Intensiva Neonatal (UTI-Neonatal)del Hospital São Lucas de la Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (HSL-PUCRS). Seanaliza la importancia de este tipo de soporte para la recuperación de los pacientes ingresados endicha unidad y se presentan los principales objetivos del grupo de trabajo.

PPaallaavvrraass--ccllaavvee:: Voluntariado. UTI. Salud integral y humanizada. Vínculos afectivos.

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AAbbssttrraacctt

Voluntary program of support to neonatal UTI

This article describes the implementation and the working process of the voluntary program of sup-port to neonatal UTI, held in the Hospital São Lucas - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grandedo Sul (HSL-PUCRS). It analyses the importance of this kind of support to the recovering of patientshospitalized in this health unit, and presents the main purposes of the work group.

KKeeyy wwoorrddss:: Voluntary. UTI. Health in a holy. Humanitarian health. Affection binding.

RReeffeerrêênncciiaa

1. Lucas A, Morlley R, Cole TJ, Gore SM, Lucas PJ, Crowle P, Pearse R, Boon AJ, Powell R. Early diet inpreterm babies and developmental status at 18 months Lancet 1990; 23;335(8704):1477-81.

CCoonnttaattoo

Renato Machado Fiori – [email protected]

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CCrriittéérriiooss ppaarraa aacceeiittaaççããoo ddee ttrraabbaallhhooss

Serão aceitos artigos originais de natureza con-ceitual, documental, resultantes de pesquisa ouexperiências no campo da bioética ou ética médi-ca, assim como revisão crítica relacionada a essastemáticas. Todos os artigos serão submetidos aoescrutínio dos editores e do Conselho Editorial.

RReeqquuiissiittooss ppaarraa aapprreesseennttaaççããoo ddee ttrraabbaallhhooss

• Serão aceitos artigos originais, em português,espanhol e inglês. Em cada caso devem serseguidas as regras ortográficas correntes doidioma escolhido.

• Os trabalhos apresentados devem ser envia-dos por meio eletrônico, e-mail, disquete ouCD, em processador de texto Rich FormatText (RTF) ou compatível com Windows.

• Os trabalhos submetidos não podem ter sidoencaminhados a outros periódicos.

• As opiniões e conceitos apresentados nosartigos, assim como a procedência e exatidãodas citações, são responsabilidade exclusivado(s) autor(es).

• Os artigos publicados serão propriedade darevista Bioética, fazendo-se necessária acitação da fonte em caso de reprodução totalou parcial em qualquer meio de divulgação,impresso ou eletrônico.

IIddeennttiiffiiccaaççããoo ddee aarrttiiggooss oorriiggiinnaaiiss

• Os artigos devem ser acompanhados porfolha inicial com o título do artigo, nome(s)completo(s), titulação acadêmica, vinculaçãodepartamental e institucional dos autores.

• Como item separado, o nome completo doprimeiro autor, endereço real e virtual, alémde telefone, para troca de correspondência einformação.

• As colaborações individuais de cada autor naelaboração do artigo devem ser especificadasao final do texto.

• Caso o primeiro autor não seja o responsávelpelo contato com os demais autores acercade revisões até a aprovação final do trabalho,especificar nome, telefone e endereçoeletrônico do autor responsável.

• Devem ser enviadas fotos coloridas de todosos autores, em formato digital com 300 dpide resolução.

FFoorrmmaattaaççããoo ddee aarrttiiggooss oorriiggiinnaaiiss

• Os artigos em português ou espanhol devemtrazer um resumo conciso, com um máximode 150 palavras no idioma original, além desua tradução para o inglês (abstract) com amesma característica. Aos artigos submeti-dos em inglês, solicita-se apenas o abstract.

• Cada resumo deve ser acompanhado de nomínimo três e no máximo sete palavras-chave, descritoras do conteúdo do trabalho eque possam auxiliar sua indexação múltipla.As palavras-chave devem ser listadas no finaldos resumos no idioma original, em espa-nhol e inglês.

• Não serão aceitos trabalhos com notas derodapé.

• Os artigos devem ser formatados em tama-nho de página A4, fonte Arial, espaço 1 1/2,margens de 2,5cm, em alinhamento justifi-cado. Os títulos devem ser em negrito eescritos na forma corrente, ou seja, somente

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Normas para publicação

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são grafadas com letras maiúsculas a primeiraletra da sentença e os nomes próprios. Nãodeve haver entrada de parágrafo ou qualqueroutra formatação que aumente ou diminua adistância entre eles. As páginas devem sernumeradas consecutivamente.

• O texto deverá ter entre 600 e 5.000palavras. O limite de palavras não inclui asreferências, a identificação do trabalho e osresumos nas três línguas, que são considera-dos à parte.

• Sugere-se que os textos sejam divididos emseções, com os títulos e subtítulos, quandonecessário. Cada uma dessas partes ou sub-partes deve ser marcada apenas por recursosgráficos como negrito, nunca por nume-ração progressiva.

• Quando um autor for citado no corpo dotexto, colocar unicamente o número dareferência ao final da citação, em fontesobrescrita, conforme exemplo.

• Documentos citados no corpo do textodevem ser grafados em itálico.

• A publicação de trabalhos de pesquisa envol-vendo seres humanos é de inteira respon-sabilidade dos autores e deve estar em con-formidade com os princípios da Declaraçãode Helsinque da Associação Médica Mun-dial (1964, reformulada em 1975, 1983,1989, 1996 e 2000), além de atender a le-gislação específica do país onde a pesquisa foidesenvolvida.

RReeffeerrêênncciiaass

• As referências devem, preferencialmente,restringir-se às citações no texto. Não serãoaceitos artigos com bibliografia.

• As referências devem ser numeradas deforma consecutiva, de acordo com a ordemem que são citadas no texto. Não serãoaceitos artigos com referências em ordemalfabética.

• As referências devem ser identificadas apenaspor número arábico sobrescrito.

• As referências citadas no corpo do textodevem ser listadas ao final do artigo, emordem numérica, seguindo as normasgerais dos Requisitos Uniformes paraManuscritos de Periódicos Biomédicos(http://www.icmje.org).

• Os nomes das revistas devem ser abreviadosde acordo com o Index Medicus (http://www.nlm.nih.gov/).

• Os nomes de pessoas, cidades e países devemser citados na língua original da publicação.

• Todas as citações de outras fontes citadas notexto devem fazer parte das referências,incluindo documentos, tratados, reporta-gens, livros, capítulos de livros.

• Títulos de livros, locais e editoras não devemser abreviados.

• Nas referências, artigos com vários autoresdevem incluir até seis nomes seguidos de etal. quando o total exceder a esse número.

• Deve-se buscar, sempre, a referência do ori-ginal que se quer destacar e evitar referênciade segunda ordem, ou seja, quando o autorcitado está se referindo a outro. Se o appudfor inevitável, isso deve ser explicitado notexto. Como, por exemplo: analisando o tra-balho de X , Y descreve...

• Todas as referências devem ser apresentadasde modo correto e completo. A veracidadedas informações contidas na lista de referên-cias é de responsabilidade do(s) autor(es).

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QQuuaaddrrooss ee iilluussttrraaççõõeess

Cada artigo pode ser acompanhado de, no má-ximo, dois quadros ou tabelas ou de uma figu-ra. Estes devem ser formatados no corpo detexto e não copiados como ilustração. Devemser numerados seqüencialmente e fazer referên-cia à fonte das informações apresentadas naparte inferior. Nos quadros, identificar as medi-das estatísticas de variações, como o desviopadrão e o erro padrão da média. Não usar li-nhas de separação horizontais ou verticais nointerior dos quadros.

Caso sejam indispensáveis, as ilustrações devemestar incorporadas ao texto. No caso defotografias, as mesmas devem ter resolução de300dpi. A dimensão deve ser de 127-173mm,nunca ultrapassando 203-254mm. Letras,números e símbolos devem ser nítidos, comdimensões suficientes para garantir a leitura.

As fotografias devem ser de autoria própria ouvir acompanhadas do direito de cessão parapublicação.

AAuuttoorriizzaaççããoo ppaarraa ppuubblliiccaaççããoo

A revista Bioética considera que a apresentaçãodo artigo e submissão do mesmo às recomen-dações dos editores e do Conselho Editorialcaracteriza a aceitação para publicação. Nãoobstante, quando aceito o artigo, todos osautores devem enviar a autorização para publi-cação da versão final do trabalho por meioeletrônico e o principal autor também porescrito, na forma de carta, assinada de própriopunho, endereçada à revista.

EExxeemmppllooss ddee cciittaaççõõeess

Artigos padrão de revistaListar até os seis primeiros autores:Tongu MT, Bison SHDF, Souza LB & ScarpiMJ. Aspectos epidemiológicos do traumatismoocular fechado contuso. Arq Bras Oftalmol2001; 64:157-61.

Garcia ME, Braggio EF, Martins ABK,Goulart LQ, Rubinsky A, César LO et al.Análise de dados dos exames periódicos efetua-dos nos trabalhadores da Universidade de SãoPaulo. Rev Med Hosp Univ 2000;10:29-33.

Livros e outras monografiasMartin LM. A ética médica diante dopaciente terminal: leitura ético-teológica darelação médico-paciente terminal nos códigosbrasileiros de ética médica. Aparecida (SP):Santuário,1993.

Capítulo de livroCosta SIF & Pessini L. Ética e medicina nolimiar de um novo tempo: alguns desafios emer-gentes. In: Marcílio ML & Ramos EL (coords).Ética na virada do milênio: busca do sentido davida. São Paulo: LTr, 1999:291-322.

Livro de atas de conferência, congresso,encontroRelatório final da 10ª Conferência Nacional deSaúde; 1998 Set 2-6; Brasília, Brasil.Brasília: Ministério da Saúde;1998.

Artigo de jornalScheinberg G. Droga é principal forma de abor-to. Folha de S.Paulo 1999 Nov 15; Ciência:12.

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Texto legalLegislação publicada – NBR 6028 Brasil. Leinº 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Normaspara o uso das técnicas de engenharia genéticae liberação no meio ambiente de organismosgeneticamente modificados. Diário Oficial daUnião, Brasília, v.403, n.5, p.337-96 jan.1995. Seção 1.

Dicionário e referências semelhantesStedman. Dicionário médico. 25ª ed. Rio deJaneiro: Guanabara Koogan; 1996. Apraxia; p.91.

Texto clássicoThe Winter’s Tale: act 5, scene 1, lines 13-16.The complete works of William Shakespeare.London: Rex;1973.

Material não-publicado/aguardando publi-caçãoMartins-Costa J. A reconstrução do DireitoPrivado: reflexos dos princípios constitucionaise dos direitos fundamentais no Direito Privado(no prelo).

Revista em formato eletrônicoWorld Medical Association. Declaração deVeneza sobre doença terminal. Disponível em:http://www.ufrgs.br/HCPA/gppg/veneza.htm.Acesso em: 11/3/2007.

Citação do Código de Ética MédicaA referência deve ser feita no próprio texto,citando os artigos pertinentes,por exem-plo:“O médico não pode participar direta ouindiretamente da comercialização de órgãosou tecidos humanos” (Código de Ética Médi-ca, art.75).

PPaarraa oonnddee eennvviiaarr

E-mail [email protected]

Arquivo em disquete ou CD-ROM porcarta Revista Bioética. Conselho Federal de Medici-na. SGAS 915, Lote 72. Brasília/DF. CEP70390-150

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