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Revista Brizola Brasil

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A história do maior líder brasileiro.

Citation preview

O adeusDa morte no Rio de Janeiro até o sepultamento em São Borja. 2

BiografiaA trajetória do menino pobre que virou prefeito e governador. 5

Professor de BrasilA linguagem simples da nacionalidade. 7

Planejador do desenvolvimentoAs primeiras obras de infra-estrutura do Estado. 11

Leonel vira Brizola em Porto AlegreUma nova era para a cidade. 13

O melhor governador do RSProsperidade, autonomia e igualdade mudam o perfil gaúcho. 15

A Campanha da LegalidadeLíder do maior movimento de resistência democrática do país. 20

Ninguém fez mais escolas no mundoAs escolinhas do Brizola revolucionam o conceito de educação. 30

A reforma agrária que deu certoTerra e propriedade aos excluídos do campo. 33

O mais longo exílioCastigo da ditadura durou 15 anos. 36

Duas vezes governador do RJ Cidadania às favelas e crianças todo dia na escola. 42

Coerência e coragemAs disputas presidenciais e o desafio à mídia. 45

Executiva Estadual

Presidente: Matheus José Schmidt FilhoVice-Presidente: José Fidélis RamosCoelhoSecretária-Geral: Miguelina PaivaVecchio1º Secretário: Ciro Emerim SimoniTesoureiro: Nereu D’ Avila1º Tesoureiro: José Carlos RassierConsultor Jurídico: João Affonso daCamara Canto

Vogais:

Zulmira Guimarães CauduroRossano Dotto GonçalvesLíder da Bancada: Giovani CheriniLíder do Partido: Gerson Burmann

Revista Brizola BrasilSetembro de 2004

Edição: Francis Maia

Textos e pesquisa: Carlos AlbertoKolecza, Francis Maia eLara Zanchi Flores

Revisão: Régis Zanchi Flores

Supervisão: Carlos Bastos

Design Gráfico e Capa: Auracebiode Souza Pereira

Produção Gráfica: PrintMaker

Impressão: Pallotti

Foto da capa: Arte sobre foto AJB

Agradecimento: Memorialdo Rio Grande do Sul

Partido Democrático Trabalhista

Diretório Estadual - Rio Grande do Sul

Rua Félix da Cunha, 311

Porto Alegre - RS CEP: 90570-001

Fone: (51) 3222-0921

Fax: (51) 3222.4226

E-mail: [email protected]

Site: www.pdtrs.com.br

Site nacional: www.pdt.org.br

PDT

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4 Brizola, Brasil

O a

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Grande patriota, Leonel deMoura Brizola sempre foi

apaixonado pelo povobrasileiro. Multidões foram àsruas para se despedir do líder

nacionalista. Muitos portavamrosas vermelhas, bandeiras,

faixas, fotos e material dediversas campanhas do

Brizola. Houve, também,quem usasse lenços vermelhosem torno do pescoço. Muitoslamentaram o fato de Brizola

não ter chegado à presidência.

Brizola_

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5Brizola, Brasil

Leonel Brizola voltou de sua fazenda,no Uruguai, numa quinta-feira, dia 17 dejunho, apresentando sintomas de uma for-te gripe. Estava com febre e se queixava dedores no corpo. Mesmo doente, participoude reuniões sobre política, área em que semantinha extremamente atuante.

Na segunda-feira, ele foi internado naClínica São Lucas, em Copacabana, no Riode Janeiro. Dezenas de pessoas dirigiram-se para lá logo após a imprensa noticiar ainternação. Durante uma bateria de exa-mes, Brizola teve um infarto agudo domiocárdio. Chegou a ser levado para a UTI,mas não resistiu. Na noite de 21 de junhode 2004, às 21h20min, o Brasil perdeuum protagonista de sua história e um deseus maiores líderes políticos. A famíliatrabalhista perdeu seu pai: Leonel deMoura Brizola.

Os governos federal, estaduais (RJ eRS) e municipais decretaram luto oficialde três dias.

Rio de JaneiroNa madrugada de 22 de junho, Brizola

foi levado ao salão nobre do Palácio daGuanabara, sede do governo fluminense,onde foi velado a partir das 5h30min. Olocal foi aberto ao público às 7h50min.Populares aguardavam, em média, qua-tro horas para poder entrar no Palácio eprestar suas homenagens. A fila manteve-se com, pelo menos, duas mil pessoas aolongo do dia. A comoção e o calor de 30°Cprovocaram desmaios. Nos arredores doPalácio, havia mensagens e poesias pen-duradas nos postes. Foram cantados oHino Nacional, o Hino da Independênciae o jingle da primeira campanha presiden-cial de Brizola.

Às 7h do dia 23, houve uma celebra-ção ecumênica em que foram entoados oHino da Internacional Socialista e “GenteHumilde”. Às 8h30min, Brizola deixou oPalácio, que ficou tomado de rosas ver-melhas, em direção ao primeiro Ciep queinaugurou, em 1985. No caminho, o car-ro de bombeiros que o transportava pa-

rou em frente ao Palácio do Catete, ondefoi lida a Carta Testamento de GetúlioVargas. Milhares de pessoas acompanha-ram o cortejo, algumas chorando, outrascantando. Integrantes de escolas de sam-ba tocaram o bumbo em homenagem aocriador do sambódromo. Quando Brizolaesteve em frente ao Ciep Tancredo Neves,crianças cantaram: “Brizola, Brizola, cri-ança na escola”.

Após percorrer cinco quilômetros em4h30min, o líder trabalhista chegou aoaeroporto Santos Dumont. A população oaplaudiu, e foram entoados, novamente,o Hino Nacional e o Hino da Indepen-dência. Depois que Brizola embarcou numjatinho, a caminho do Rio Grande do Sul,muitos foram para as janelas do aeropor-to, de onde acenavam com lenços bran-cos e guardanapos. O avião decolou às13h20min.

Porto AlegreBrizola chegou ao aeroporto Salgado

Filho às 15h30min do dia 23. Foi recepcio-nado com a execução do Hino Nacional eos aplausos emocionados daqueles que oaguardavam. Para os mais próximos, es-perar Brizola no Salgado Filho era quaseuma tradição, que se encerrou naquelaquarta-feira.

O cortejo até o Palácio Piratini, sededo governo gaúcho, de onde Brizola co-mandou a Legalidade, seguiu com escol-ta de dragões do regimento Bento Gon-çalves e de cavaleiros do Movimento Tra-dicionalista Gaúcho, ao som do Hino daLegalidade. O Laçador, símbolo de PortoAlegre, ostentava uma faixa preta indican-do luto. Populares paravam, acenavam,choravam. Muitos acompanharam a pas-sagem de Brizola das janelas e sacadas,balançando bandeiras.

Na noite anterior, houve vigília emfrente ao Piratini. Velas vermelhas, azuise brancas sinalizavam: “Brizola Vive”. Des-de o início da manhã, começou a se for-mar a fila para se despedir de Brizola. OHino da Legalidade tocou por horas, em-

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Vigília em frente ao Palácio Piratini

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6 Brizola, Brasil

balando a espera pelo líder trabalhista.Na chegada ao Piratini, às 16h47min,

Brizola foi recebido com uma chuva depapel picado. A multidão aplaudiu e, de-pois, silenciou. Quando Brizola entrou noPalácio, foi saudado com o Hino do RioGrande do Sul e com “Querência Amada”.Na entrada do Salão Negrinho doPastoreio, havia dezenas de coroas de flo-res e uma pequena exposição sobre a Le-galidade.

A espera, na fila, para chegar perto deBrizola era de cerca de duas horas. Passa-ram pelo Palácio, aproximadamente, dezmil pessoas. Diversos populares, emocio-nados, debruçaram-se e choraram quandoviram Brizola de perto. A fila para a despe-dida manteve-se por toda a madrugada.

Na manhã chuvosa do dia 24, o povopermaneceu junto a seu líder. Brizola dei-xou o Palácio Piratini às 9h30min. A Bri-gada Militar prestou sua homenagem comuma salva de tiros. O Hino do Rio Grandedo Sul e a marcha fúnebre de Chopin fo-ram executados pela banda da BrigadaMilitar e por músicos da Orquestra Sinfô-nica de Porto Alegre. Dali, Brizola foi parao aeroporto Salgado Filho, de onde seguiupara São Borja, o berço do trabalhismo. Ojato fretado que o transportava levantouvôo às 10h30min. Nos muros de PortoAlegre, enunciava-se: “Brizola Vive”.

São BorjaCaravanas vindas de diversos lugares

lotaram a cidade por onde Brizola voltoudo exílio. Foi decretado ponto facultativono município, e, nos estabelecimentoscomerciais que estavam funcionando, fai-xas pretas indicavam luto. Desde o inícioda manhã, moradores traziam cadeiraspara as calçadas, de onde esperavam achegada de Brizola.

O líder trabalhista chegou ao aeropor-to João Manoel às 11h55min, onde eraaguardado por cerca de 1.500 pessoas.Populares, espontaneamente, cantaram oHino Nacional e “Querência Amada”. Aseguir, o cortejo percorreu cinco quilôme-tros em direção à Igreja Matriz São Fran-cisco de Borja acompanhado por mais de25 mil pessoas.

Em frente à Igreja, todos aplaudiram achegada de Brizola. Aos prantos, o povogritava: “Brizola, guerreiro do povo brasi-leiro”. Diversos jornalistas interromperama transmissão ao vivo, aderindo ao choroda multidão. A fila para entrar na Igrejaestendia-se por dois quarteirões. Foramcantados o Hino do Rio Grande do Sul,“Querência Amada” e “Desgarrados”.Brizola deixou a Igreja às 14h45min.

No cemitério Jardim da Paz, onde re-pousam os ex-presidentes Getúlio Vargas,João Goulart e a esposa de Brizola, NeusaGoulart, só foi permitida a entrada deaproximadamente cem pessoas. O Hinoda Independência, gritos de “Viva Brizola”e discursos emocionados marcaram a des-pedida do líder, para quem foramlançadas rosas vermelhas.

Desde o dia 24 de junho de 2004, Leo-nel de Moura Brizola descansa ao lado desua esposa. Naquele dia, uma tocha sim-

bolizando seu ideário foi acesa. O PDTassumiu publicamente o compromisso demanter vivas as idéias e lutas de seu fun-dador.

A perda de Brizola teve repercussão naimprensa nacional e estrangeira. Partidá-rios do líder trabalhista e seus adversári-os políticos uniram-se no reconhecimen-to de seu patriotismo, da coerência de suatrajetória e de sua imensa contribuiçãopara a história do país. O adeus da popu-lação ao grande líder brasileiro foi hones-to e apaixonado. Como Brizola.

Homenagem ao presidente sonhado

Cortejo do aeroporto ao Palácio Piratini

A última vez com a família trabalhistaFo

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7Brizola, Brasil

Bio

graf

iaA viagem solitáriado menino pobre

O menininho pobre, órfão de pai, cres-ce batalhando pela sobrevivência nas ruasde Carazinho e Passo Fundo, nos ofícios deengraxate, carregador de malas e entregadorde açougue. É acolhido na família de umreverendo metodista comovido pela suaânsia em aprender. Aos 12 anos, se acomo-da no banco de madeira de um trem rumoa Porto Alegre, sozinho. Mago algum adi-vinharia, nos sopros de carvão da maria fu-maça descendo a serra, a mensagem que ogaroto levava no coração a milhões de ou-tras crianças ainda por nascer.

Ao se matricular, descobre que aindanão havia sido registrado. É a solução parao nome que havia adotado em homena-gem a um valente chefe maragato. Leonel évisto por carazinhenses de passagem pelacapital ora cuidando de uma praça, ora aju-dando pessoas a se pesarem na galeria Cha-ves, então um ponto da moda. Some devista por algum tempo para trabalhar numafábrica de óleo, mas sempre estudando.Gosta muito de falar, mas não se descuidade ouvir, principalmente o murmúrio dasruas. Porto Alegre ganha um confidenteatento a seus caprichos, dramas e sonhos.Ela e ele ainda irão se apaixonar um pelooutro, mas antes Leonel precisará aprenderalgumas coisas importantes, política porexemplo.

Nas calçadas e praças, todos falam navolta de Getúlio Vargas. O impetuoso jo-vem percebe, embutidos no getulismo, osprincípios sociais do trabalhismo, bemmais compreensíveis que as idéias reacio-nárias da elite e as teorias ideológicas. Jo-vens trabalhistas e veteranos getulistas ocolocam na Assembléia Legislativa comuma proposta inédita: educação para todos.Conhece Neusa, a mulher de sua vida e com-panheira inseparável. O trabalhismo quersuas idéias em prática e lhe confia a pri-meira grande responsabilidade, Obras Pú-blicas. Façanha lotérica para um meninopobre, forma-se em Engenharia e passa afalar de igual para igual com os doutores.Porto Alegre lhe nega, por mínima diferen-ça, a Prefeitura, mas a entrega, com votaçãoestrondosa, na eleição seguinte. Leonel viraBrizola e a cidade entra em nova era. Deolho em tudo o que fazia ou dizia, os gaú-chos o transferem entusiasticamente aoPalácio Piratini. O Rio Grande mergulha

em uma época de ouro, de soluções prodi-giosas a problemas insuperáveis na educa-ção, energia, economia, telecomunicaçõese transportes. E, pelas mãos destemidas dojovem governador, a rebeldia atávica dosgaúchos afugenta o golpismo antipovo.

Na memória coletiva do brasileiro, co-meçam a se plasmar a imagem de um ros-to e a se timbrar a voz que identificam avontade do país de se libertar das amarrase a esperança do povo de se livrar de priva-ções multisseculares. O semeador de esco-las, o pioneiro da reforma agrária, o patrio-ta sem medo, o herói da Legalidade, deixao governo nos braços do povo e sob a mirados golpistas de sempre. Quanto mais ad-miração causa, mais preocupaçãoBrizola acende na parte da sociedade quese beneficia com o atraso e a ignorância.

Muito se ouvirá dele até cair a longa etenebrosa noite em que será proibido fa-lar nele. Ao voltar 15 anos depois, a cha-mado dos cariocas, recomeça a trajetóriacortada brutalmente. Água e luz sobemos morros pela primeira vez, crianças po-bres têm onde estudar o dia inteiro, o car-naval ganha o seu lugar. Alvo da guardatruculenta da democracia de salão – a gran-de mídia – sob implacável campanha deexecração, Brizola perde por pouco achance do 2º turno em 1989. Nunca maisterá oportunidade igual, mas será pelasegunda vez governador dos cariocas, úni-co caso no Brasil. A segunda tentativa àpresidência será apenas simbólica, seusespaços foram se esvaindo.

Setenta anos de luta depois, até o últi-mo dia indignado com as traições ao povoe ao Brasil, a viagem solitária do meninopobre chega ao fim da linha, mas suas obrase lições se eternizam na consciência brasi-leira.

Repr

oduç

ão

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8 Brizola, Brasil

1922 Nasce no dia 22 de janeiro

1939 Forma-se técnico rural

1945 Participa da fundação do PTB/RS

1946 Candidata-se a deputado

1947 Elege-se deputado estadual

1949 Forma-se em Engenharia Civil pelaUFRGS

1950 Casa-se com Neusa Goulart e é reeleitodeputado

1951 Candidata-se a prefeito de PortoAlegre

1952 Assume Secretaria de Obras dogoverno estadual

1954 Elege-se deputado federal pelo RioGrande do Sul

1955 Elege-se prefeito de Porto Alegre

1958 Elege-se governador do Rio Grande doSul

1962 Elege-se deputado federal pelaGuanabara

1964 É cassado pelo golpe de 1964

1965 Fica confinado no balneário deAtlântida, no Uruguai

Cro

nolo

gia 1970 Relaxamento das restrições no exílio

1977 É expulso do Uruguai, vai para osEstados Unidos

1978 Vai para Portugal

1979 Volta do exílio

1980 TSE nega a sigla PTB a Brizola

1981 Registra a sigla PDT

1982 Elege-se governador do Rio de Janeiro

1989 Candidata-se a presidente daRepública pelo PDT

1990 Elege-se governador do Rio de Janeiro

1994 Candidata-se a presidente pelasegunda vez

1998 Candidata-se a vice-presidente nachapa de Lula

1999 Promove campanha pela renúncia doentão presidente Fernando HenriqueCardoso

2000 Candidata-se a prefeito do Rio deJaneiro

2002 Candidata-se a senador pelo Rio deJaneiro

2004 Falece no dia 21 de junho

Mar

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A última palestra de Brizolano Rio Grande do Sul foi sobre os40 anos do Golpe Militar de 1964

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9Brizola, Brasil

Nenhum político brasileiro se empe-nhou tanto em explicar suas idéias e aconvocar seus adversários para um deba-te franco, com o testemunho da popula-ção, desafio que poucos se atreveram aaceitar. As notas oficiais de seus gover-nos e suas opiniões, especialmente as de-finidas nos famosos “tijolões”, eramredigidas de próprio punho.

As solenidades ficavam em segun-do plano quando se tratava de justifi-car a seus companheiros porque era con-tra ou a favor de alguma coisa. Suas

palestras no rádio, em salões nobres ouem humildes recintos caracterizavam-sepelo cunho didático, em linguagem sim-ples, recheada de argumentos de fácil en-tendimento. Aos que aconselhavam umvocabulário mais sofisticado, LeonelBrizola respondia com a lembrança deum episódio bíblico, aquele em que osamedrontados chefes hebreus, acuadosnuma batalha, recorreram a um dialetoobscuro para dissimular a rendição queseus guerreiros não aceitariam. Jamaisusaria palavras difíceis para camuflar

seu raciocínio ou uma situação desfa-vorável.

Mais que governante ou comandan-te de um partido, Leonel Brizola foi umprofessor de Brasil, comprometido comos princípios intocáveis dos interessesnacionais e o direito do povo brasileiroa uma vida digna. Quem o ouviu, umaúnica vez ou ao longo do tempo, apren-deu a gostar do Brasil e a respeitar o seupovo. De forma sintética, aqui estão al-guns pensamentos de pura brasilidadede Leonel Brizola.

Professor de

Brasil

Carlo

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1 0 Brizola, Brasil

Crise

“A crise do país é, hoje,

menos ideológica do

que moral e ética”

Dignidade“Vamos encerrar a nossa vida com hon-

ra e dignidade. Não posso terminar a mi-nha vida pública como se fosse um vi-lão.”

Estatismo“O estatismo pelo estatismo leva à es-

tagnação.”

Deus“Só um pretensioso pode dizer que

Deus não existe. Deus é o mesmo de to-dos os povos e religiões”.

Planta do deserto“Sou planta do deserto. Quando cai

um aguaceiro, flutuo mas fico preso, láembaixo, pelas raízes. Na seca, uma gotade orvalho me alimenta.”

Arma da direita“O moralismo é uma arma da direita,

está como a demagogia para a democracia.”

A cópia que falta“Se as idéias que vêm de fora são tão

boas, por que não copiam o salário e omodo de vida do Primeiro Mundo?”

Idéias velhas?“A Independência e a República são

idéias velhas nessa ânsia de reformar paraagradar os outros?”

Grande imprensa“O poder econômico consegue envol-

ver os meios de comunicação, que são li-vres apenas em algumas faixas e agemcomo empresários dos homens de negó-cio. A imprensa atua claramente como umrolo compressor e transforma-se num par-tido único, como no caso do apoio àleiloagem do patrimônio público. Nãoquerem discutir nada, sempre de cabeçafeita, e são muito hábeis em desenvolvera intriga. Precisamos libertar a imprensabrasileira do domínio econômico.”

Elites dirigentes“As elites dirigentes preferem se aliar

aos interesses de fora do país do que a seupróprio povo. São as principais responsá-veis pela humilhação do país e a misériada maioria do nosso povo. São levianas emesquinhas e, se dependesse delas, leva-riam até os Estados Unidos e a Alemanhaà falência. A burguesia brasileira não cabeem Miami.

As elites brasileiras é que fazempopulismo. Houve populismo maior doque o Plano Cruzado? Tudo tem sido fei-to para este país não dar certo.”

Carta testamento“De início, até para nós a leitura de to-

das as frases parecia exagero de um homemdecidido a morrer. Mas não é um documen-to de despedida. É uma proclamação fun-damentada na realidade sobre o aprofun-damento da dominação colonial. A CartaTestamento continua atual, apontandopara o que estão fazendo agora, subme-tendo a nação e o nosso povo à vergonhade se desfazer de tudo o que é seu. Nessesentido, a Carta Testamento cada vez nossurpreende mais.”

Crescer para dentro“Nossa economia precisa crescer para

dentro, sem depender de moeda estran-geira. Temos que criar milhões de peque-nos e médios proprietários. O que temosno Brasil não é capitalismo. Para crescerde verdade, também não dependemos deplanos mirabolantes. Se fosse assim, bas-tava pedir um pelo reembolso postal aqualquer renomado cientista social. Semmudar o modelo econômico, não vamostirar o nosso povo das dificuldades cadavez mais dramáticas que enfrenta. Os pla-nos de choque não passam de golpes pu-blicitários muito bem trabalhados pelamídia colorida. Quem defende hoje o Pla-no Cruzado, que parecia a salvação nacio-nal? O Plano Cruzado amarrou pratica-mente todas as universidades, por nãoterem alertado a população. Hoje,estamos vivendo sob a estabilidade falsado Plano Real, que criou uma moeda dealuguel. É como alguém que não tem car-ro alugar um Jaguar para passear. No mo-mento em que os fundos estrangeiros seretiram, a moeda se vai. Não se pode em-barcar em plano algum que importe emdesemprego.

De plano em plano, passamos a viveruma situação econômica artificial. Quemnão quer uma moeda estável? O valor damoeda emana naturalmente da situaçãoda economia e não de uma tabela.

Para haver desenvolvimento, é preci-

Ideá

rio

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so reter a poupança. O sistema bancáriodo país é uma bomba de sucção de toda aeconomia. Nos Estados Unidos, não hágrandes bancos nacionais e sim mais de15 mil bancos regionais. Lá, não existeum banco como o Bradesco. O City Banksó pode funcionar em Nova Iorque, umamaneira inteligente de reter a poupançanas economias regionais. Por que uma dasmaiores economias do mundo não con-segue assegurar um padrão de vida dignoà maioria da população? Que mistério éesse de um país com tanta terra e comvocação para ela com tantas favelas?

Não podemos deixar de observar osmovimentos das mesmas forças de 54, 61e 64, as de sempre, de lá para cá. Em vezde entrarem com os militares para resol-ver uma situação, recorrem à moeda.Muda a moeda, o país continua sangran-do e o povo sofrendo. Caímos na insegu-rança controlada por uma equipe econô-mica movida por controle remoto e pelacaixa preta do Banco Central, que mandamais que o presidente da República. Issonão é muito misterioso?

As coisas vão piorando de governo emgoverno, aparecem as idéias de fora, im-plantadas sem debate, como as privatiza-ções que arrasam o patrimônio nacional.Uma leiloagem imoral. Decretam o fimda Era Vargas, do desenvolvimento e dajustiça social. O que mais vem por aí?

O que vão fazer os nossos adolescen-tes? Amanhã os jovens se levantarão por-que são tratados com a violência do de-semprego.”

Nacionalismo“O compromisso supremo de um

governante é a integridade do país. Não hádoutrina alguma importante se a integrida-de nacional não for preservada. A história éa nossa grande mestra. Povo que não temhistória não tem presente e muito menospode aspirar ao futuro. Antes de tudo, con-fiamos na lucidez do povo brasileiro. Nos-so objetivo é um país autônomo, desenvol-vido e independente. Embora não sejamos

cegos nem queiramos nos isolar do mun-do, não podemos abrir nossas fronteiraspara que, amanhã, numa situação qualquer,algum país venha a propor alguma temeri-dade. Na questão do capital externo, temque haver reciprocidade.

Muito cuidado com as doutrinas quese destinam ao consumo dos países sub-desenvolvidos. O mundo não está habi-tado por anjos, nem podemos imaginarque existe um galinheiro só de galinhas.As doutrinas que deformam nossa capa-cidade de desenvolvimento começaram ase fortalecer ao findar a Segunda Guerra,quando toda a classe dirigente, inclusiveos militares, se sentiu fascinada pelomodelo americano. Na nossa luta, antesde 64, já formávamos uma plataformanacional de desenvolvimento, e nossopartido, com a maior bancada no Congres-so Nacional, era o leito daquela unidade.

Por que os militares, com a faca e oqueijo na mão, não resolveram os proble-mas do país em 20 anos de ditadura? Fo-ram eficientes nos campos da energia edas telecomunicações, mas devolveram opoder com o país mergulhado na crise.Na época do autoritarismo, os sociólogose os pseudocientistas sociais caíram naempulhação do populismo. Não esperá-vamos, ao voltar do exílio, tanta gente deestilete contra nós. Lá fora, foram sendocriadas novas doutrinas arrebatadoras e,em conseqüência, houve o aprofundamen-to da colonização. Assim como a escravi-dão ao fim do Segundo Império, o mode-lo do colonialismo foi sendo assimilado.E fomos perdendo a condição de país lú-cido, diminuído na sua capacidade de ra-ciocinar, que está sendo eliminada.

O que são os tecnocratas, principal-mente os do Banco Central, senão eunucosque voltam do exterior com a mente lava-da, com a garantia de empregos genero-sos e possibilidade de enriquecer, paraadministrar verdadeiros escritórios decontabilidade das perdas internacionais?

Vender, como no comércio da esqui-na, a Vale do Rio Doce e as hidrelétricas,

foi crime de lesa-pátria. Essas empresassão valores que equivalem às veias, àsentranhas da Nação. Nem o Roberto Cam-pos pensou em vender a Petrobras.

É preferível dar cabeçadas contra asinjustiças e o neoliberalismo que impõemao povo brasileiro do que dobrar os joe-lhos diante dos interessados que buscamdominar o país. Em nossa luta pelo Bra-sil, precisamos de aliados, que podem serconservadores, desde que patriotas. Têmo direito de resistir.

Se houver um aprofundamento maiordo processo de dominação colonial, vaiser preciso outra Revolução de 30, quepasse novamente pelo Rio Grande do Sul.

Quem trair o povo brasileiro está su-jeito à maldição.”

A missão do PDT“Nós temos a nossa responsabilidade

com a história. Nosso partido é o único comdeterminação de assumir as grandes causasnacionais. Nenhum partido é tão naciona-lista quanto o nosso. Queremos um paísdesenvolvido, autônomo, independente.Nós somos as emanações das lutas sociais.Queremos libertar o povo brasileiro emmatéria de oportunidade de acesso a umavida digna. Não somos joint venture nem su-cursal de algum movimento internacional.

O trabalhismo nasceu da Revolução de30, de uma inspiração do presidente Getú-lio Vargas, que foi evoluindo de acordo como processo social, empenhado em garantirdireitos à massa dos deserdados. MarcondesFilho foi o consolidador da legislação tra-balhista e Alberto Pasqualini o doutrinadordo trabalhismo. Era o glorioso PTB, a siglaque nos foi roubada, hoje é PDT.

Nós somos as verdadeiras reformas, amudança, o voto rebelde. O PDT é um par-tido derramadamente democrático. Somosa expressão brasileira do socialismo de-mocrático e tomamos a feição social de-mocrata, pois é preciso chegar a um certonível de igualitarismo para termos desen-volvimento. Nós temos genética, somosuma grande sementeira de idéias em be-

Sociedade

“Costuma-se falar em

sociedade brasileira. Há várias

sociedades no Brasil” Serg

io N

églia

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1 2 Brizola, Brasil

nefício do povo brasileiro. Temos que es-tar sempre onde está o povo. Existimospara dar voz aos que não têm voz. Nossaancoragem é a área deserdada da popula-ção. Nosso guia é o interesse público e obem comum. Somos pouco organizados,mas não podemos nos entregar ao mito daorganização. Temos que nos cuidar doburocratismo. Há muito preconceito con-tra nós. Podem dizer e fazer o que quise-rem contra nós, mas gente de vergonha nacara nunca fica quieta quando é questio-nada. Graças a Deus, somos um partidopequeno. O que adianta ser grande no ta-manho e não fazer nada?”

Orgulho gaúcho“Toda vez que venho para cá, me sinto

revigorado, mas também me questiono.Nós temos orgulho de nossos antepassa-dos e das idéias e ações que continuamnos inspirando.

O Rio Grande do Sul sempre teve umaeconomia saudável, poderia ser um São

Paulo. Só ficamos para trás por falta deenergia que forçou a encampação da em-presa responsável depois que nossos ape-los não foram atendidos.

As poucas estradas que tínhamosapontaram para uma direção que precisa-va ser corrigida. Então, imaginamos a Es-trada da Produção desembocando no por-to de Rio Grande.

Certas coisas são muito dificultadaspara nós, porque o Estado é considerado ofim da linha do Brasil. Nos choques eco-nômicos, ajudamos a pagar a conta. Emrelação a minha época, hoje, nós produzi-mos muitíssimo mais e retemos muitíssi-mo menos de ganhos de nossa economia.

Sempre há a recordação daquele epi-sódio em que nos unimos na Legalidade.Não poderíamos aceitar nunca aquelegolpe de estado por dentro. Era uma ante-cipação do que viria.

O povo gaúcho está sentindo na carneo que estão fazendo com o Brasil. Nãopodemos nos iludir na defesa de nossos

Socialismo

“Só a estrutura socialista

resolverá os problemas

da humanidade”

interesses e devemos confiar, antes detudo, em nós mesmos.”

Neoliberalismo“O neoliberalismo é fruto de elabora-

ção durante anos. O plano neoliberal sedestina a aprofundar o sistema colonial.É uma teoria que vem trabalhando a men-te das pessoas, para enfraquecer os povos.Aplicam técnicas de marketing a um con-junto de palavras que vão se tornandomágicas graças a um golpe publicitário,como globalização, modernização, refor-ma e privatização. Quem não acreditarestá fora. A dominação colonial não pre-cisa mais de Exército, de Marinha, de nada.

Para a teoria neoliberal, o Brasil é umaespécie de reserva de mercado de outrospaíses e por isso somos colocados numcontexto de servidão. O neoliberalismoestá tirando as garantias do povo brasilei-ro, aos poucos, estão entregando os seusdireitos políticos às empresas. É nova-mente a lei da selva. Estão passando porcima de tudo, das idéias de desenvolvi-mento, de soberania e de justiça social.Parece que temos de pedir desculpas aosinteresses estrangeiros pelo que consegui-mos construir. Não passa de colonialismo,nós vamos nos tornando dependentes daespeculação internacional, que vai lesan-do nossas áreas econômicas mais saudá-veis.”

Reformasconstitucionais

“Reforma, para nós, tem um sentidocultural, de transformação progressista, derealização humana, de liberdade e igual-dade. Mas as reformas que foram impos-tas por uma camisa de força têm um sen-tido reacionário, que busca manter o re-trocesso e a acumulação de riqueza, emvez da democratização. As reformas ser-viram de cabresto para transferirpatrimônio nacional a grupos privados.São reformas para trás. No fundo, o quequerem é uma ata decretando o fim daexistência da nação.”

Brizola foi o melhororador políticobrasileiro

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1 3Brizola, Brasil

Planejadordo desenvolvimento

A Secretaria de Obras Públicas foi oprimeiro grande desafio de Leonel

Brizola como administrador. Aos 30anos, no exercício do segundo mandato

parlamentar, o engenheiro civil recémformado planejou as principais obras

de infra-estrutura do Estado naprimeira metade da década de 50. A

Ponte sobre o Rio Guaíba, construçãode estradas, hidráulicas para o interior,melhorias no Aeroporto Salgado Filho

foram algumas dasobras por ele projetadas.

Leonel Brizola assumiu a Secretaria de ObrasPúblicas do Estado em 1952, atendendo convitedo Governador Ernesto Dornelles. Com 25 anosBrizola era deputado estadual constituinte(1947). Aos 28 anos casou-se com Neusa Goulart,com quem teve três filhos, José Vicente, JoãoOtávio e Neusa Maria. Em 1951, com 29 anos,disputou a Prefeitura de Porto Alegre e sofreusua primeira derrota.

Brizola exercitou sua capacidade administra-tiva na Secretaria de Obras, onde chegou trazendométodos pioneiros de trabalho, como o planeja-mento e projetos nas áreas técnicas de engenha-ria, buscando melhor aproveitar os recursos pú-blicos. Esta característica acompanhou Brizola aolongo das quatro administrações que assumiu –na Prefeitura de Porto Alegre (1956-1958), nosgovernos do Rio Grande do Sul (1959-1963) e doRio de Janeiro (1983-1987 e 1991-1994).

Brizola naAssembléia

Constituintede 1947

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1 4 Brizola, Brasil

❙❙❙ A Ponte sobre o Rio Guaíba, ligandoPorto Alegre ao Sul do Estado;

❙❙❙ Ponte de Rio Pardo;

❙❙❙ Reaparelhamento do DepartamentoAutônomo de Estradas de Rodagem(DAER), Estação Ferroviária DiretorPestana, em Porto Alegre;

❙❙❙ Mais de cem projetos de construção eampliação de estradas;

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Brizola com Getúliona Fazenda Itu

Plano de obras Plano de Obras do Estado elaborado por Leonel Brizola colocou o Rio Grande do Sul no caminho do desenvolvimento.

❙❙❙ Implantação do trem a diesel chamadoMinuano;

❙❙❙ Melhorias no Aeroporto Salgado Filho(asfaltamento da pista);

❙❙❙ Reequipamento do DepartamentoAeroviário do Estado;

❙❙❙ Reaparelhamento do Departamento dePortos, Rios e Canais com implantação de12 novos portos lacustres e fluviais;

❙❙❙ Construção de 40 hidráulicas paraabastecimento de cidades do interior;

❙❙❙ Início da construção do Palácio daJustiça e do novo Colégio Júlio deCastilhos, início da construção de grandenúmero de escolas públicas.

Os dois anos de atuação na Secretaria de

Obras Públicas levaram Leonel Brizola à

vitória na disputa pela Prefeitura de Porto

Alegre em 1955.

O PTB preparava a sucessão de ErnestoDornelles no governo do Estado para aseleições de 3 de outubro de 1954. Brizolacontinuava na Secretaria de Obras e presi-dia o Diretório Metropolitano do PTB. Emjunho, foi homologada a candidatura deAlberto Pasqualini ao governo do Estado.João Goulart era candidato ao Senado eRui Ramos disputava a segunda vaga doSenado. Brizola disputava uma vaga naCâmara Federal. Em julho,havia iniciadoa campanha do PTB.

Getúlio Vargas enfrentava forte oposi-ção pelo governo nacionalista que reali-zava. Afastado das elites, Getúlio estavaapoiado nas bases trabalhistas. No anoanterior (1953), nomeou Jango para oMinistério do Trabalho, que prometeuconceder aumento de 100% para o saláriomínimo. Os militares reagiram por meiodo Manifesto dos Coronéis e Jango renun-ciou ao cargo. Mas em 1º de maio de 1954,Getúlio concedeu o aumento de 100%para o salário mínimo. Em agosto, insti-tuiu o monopólio estatal da exploraçãodo petróleo, através da criação daPetrobras, o que aumentou a oposição domeio empresarial e das forças armadas. AUDN, aliada a correntes militares conser-vadoras e que defendiam uma soluçãoditatorial transitória, tinha como princi-pal porta-voz o jornalista Carlos Lacerda.O assassinato do major-aviador Rubens

O suicídio de Getúlio VargasVaz, em 5 de agosto, num atentado cujoalvo era Lacerda, intensificou a crise polí-tico-militar. Dezenove dias depois, Getú-lio foi levado ao ato extremo que a CartaTestamento traduz como seu maior gestode resistência às pressões políticas quevinha sofrendo.

O suicídio de Vargas atin-giu o PTB em plena campa-nha eleitoral. Brizola estavaem São Sepé para um comí-cio. A campanha eleitoral foiinterrompida durante doismeses. O radicalismo polí-tico tomou conta da disputaeleitoral. O impacto e a re-percussão nacional do sui-cídio do Presidente Vargasnão refletiu nas urnas parao PTB. Pasqualini foi derro-tado por Ildo Meneghetti.Jango e Rui Ramos perderama disputa para o Senado.Mas Brizola, que disputavauma vaga à Câmara Federal,se elegeu com a notável vo-tação de 103 mil votos. Das24 cadeiras para a CâmaraFederal pelo Rio Grande doSul, o PTB preencheu 11.

João Goulart e Brizola,o grande vencedor da elei-ção de 1954, surgiam como

as duas grandes lideranças do PTB. Aolado deles, Alberto Pasqualini, que, ape-sar da derrota para o governo do Estado,desempenhou importante e fundamen-tal papel na definição ideológica do PTB.

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1 5Brizola, Brasil

Leonel vira

Brizola

Engraxate e carregadorde malas na estação

rodoviária de Carazinho,o garoto Leonel partiupara a grande aventura

de sua vida aos 14 anos,quando decide vir a

Porto Alegre para fazer ocurso de técnico agrícola.

Conseguiu umapassagem de 2ª classe no

trem e desembarcou naestação da Viação Férreasem conhecer ninguém.

Menos de 20 anosdepois, era Brizolaprefeito da cidade.

Foi em fevereiro de 1936 que Brizolaconheceu Porto Alegre. Veio cheio de es-peranças, para estudar. Nem tudo saiucomo planejara: o Instituto Pinheiro Ma-chado, no morro Sant’Ana, onde preten-dia cursar técnico rural, havia sido extin-to. No aguardo da reabertura do períodode matrículas, fez de tudo na capital. Foiengraxate, trocador de moedas em balan-ça de pesar, ascensorista na Galeria Cha-ves, graxeiro numa refinaria. Matriculou-se na Escola Técnica de Agricultura de

em Porto AlegreViamão, onde, aos 17 anos, obteve o di-ploma de técnico rural. Voltou para PortoAlegre e trabalhou na Refinaria de Óleose Graxa do engenheiro Ildo Meneghetti.Completou 18 anos, fez um concurso efoi trabalhar no interior, retornou seismeses depois e foi morar numa pensãomodesta na Voluntários da Pátria. Sem-pre visitava a mãe em Carazinho e, regu-larmente, mandava-lhe quantias em di-nheiro. Conseguiu emprego como jardi-neiro no Parque Farroupilha. Lá obteve

permissão para morar no pavilhão da di-retoria dos Parques e Jardins, fazia as re-feições pela redondeza. Queria cursar oginásio. Matriculou-se no Júlio deCastilhos e freqüentou o científico à noi-te por dois anos. Passou no vestibular eentrou na Escola de Engenharia da UFRGS.Tentou estudar e trabalhar, mas foi impe-dido pelos burocratas. Foi requisitado porBrochado da Rocha para a Secretaria daEducação, mas, quando o titular deixou apasta, perdeu o emprego. Trabalhou comovendedor e fazia trabalhos topográficos,plantas e medições em Porto Alegre e nointerior. Aos 22 anos, no primeiro ano dafaculdade, encontrou o destino que o fi-zera deixar a mãe, Oniva, em Carazinho,e o casal metodista, Isidoro e Elvira: apolítica.

Brizola assumiu a Prefeitura de Porto

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O aterro do Guaíba foi umade suas obras como prefeito

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1 6 Brizola, Brasil

Alegre aos 33 anos e revolucionou a capi-tal dos gaúchos, naquela época a terceiramaior cidade do país. Atualizou os im-postos e investiu em obras viárias, sanea-mento básico, canalização de água nasvilas populares e escolas.

Derrotado na eleição de 1951 para aPrefeitura de Porto Alegre, Leonel Brizolavoltou quatro anos depois e derrotou, porlarga margem de votos, a Frente Demo-crática, liderada por Euclides Triches. Fez65% dos votos.

Já consagrado administrador pelo tra-balho realizado na Secretaria de Obras,alicerçou, na Prefeitura da Capital, o perfilque o levaria, dois anos depois, ao governodo Estado. Idealizou um Plano de Obraspara oferecer à cidade um modelo urbanomoderno e estruturado, priorizando o in-vestimento social. Fez um levantamentoaerofotogramétrico de toda a cidade, pro-moveu um recadastramento para reava-liação completa do Imposto Predial, tri-buto social que estava defasado. Comisso, obteve imediato retorno de recur-sos sem qualquer prejuízo à populaçãocarente. O Imposto de Indústria e Profis-sões também teve sua base de cálculo,que era o valor locativo, substituída pelo

do movimento econômico, tornando-semais justo e expressivo na arrecadação.

As verbas municipais foram direcio-nadas para investimentos nas periferias,começando pela canalização de água nasvilas e bairros. Os sindicatos e associa-ções de moradores apoiaram a reformapredial através do “Manifesto dos Traba-lhadores ao Povo”, assinado por cincofederações e 16 sindicatos. Foi por meioda pressão das massas que Brizola con-seguiu combater a Frente Democrática noLegislativo, denunciando os opositorescomo “mandatários e pelegos da Associa-

ção Comercial de Porto Alegre e defen-sores dos ricos”.

Na Prefeitura, ele já tinha em mente oseu projeto educacional. “Nenhuma cri-

ança sem escola” serviu de slogan para acampanha municipal. Durante o governona capital, construiu escolas e grupos mu-nicipais em toda a área urbana, principal-mente nas vilas populares. Terminou coma falta de vagas nas escolas.

Como prefeito, Leonel Brizola soubeplanejar as necessidades e priorizou asáreas mais carentes.

Rádio ligadoFoi na Prefeitura de Porto Alegre que

Leonel Brizola estabeleceu um diálogodireto com o povo. Sabia falar para a po-pulação e era um tradutor dos aconteci-mentos políticos, do domínio econômi-co, dos abusos do poder central e da espo-liação que aumentava a miséria dos bra-sileiros. Falava à consciência do povo.Mantinha um programa semanal na rádioFarroupilha, às sextas-feiras, que iniciavaàs 20h e não tinha hora para terminar,transmitido do Diretório Metropolitanodo PTB, localizado na rua Vigário JoséInácio, no centro de Porto Alegre.

Planejamento❙❙❙ Implantação do sistema integrado deplanejamento;❙❙❙ reavaliação do Imposto Predial.Abastecimento de Água❙❙❙ Canalização de água em todas as vilaspopulares, de acordo com as prioridadesestabelecidas pelas associações demoradores;❙❙❙ implantação de 110 km de rede deágua;❙❙❙ construção da Hidráulica São João,com produção de 80 milhões de litrosdiários de água para o abastecimento de300 mil pessoas, e aumento das outrasduas grandes hidráulicas, Moinhos deVento e Cristo Redentor.Saneamento Básico❙❙❙ Implantação de mais de 80 km derede de esgoto pluvial e cloacal.Escolas❙❙❙ Construção de 137 escolas primárias

para 35 mil alunos, terminando com o déficitescolar.Vias Urbanas❙❙❙ Remodelação, alargamento e iluminaçãodas três maiores avenidas da cidade:Farrapos, Assis Brasil e Protásio Alves. Nooutro extremo da cidade, urbanização doPasso da Cavalhada e asfaltamento daestrada para a Vila Nova e da ligação Cristal-Cavalhada.Rio Guaíba❙❙❙ Dragagem-aterro do rio Guaíba, com aurbanização da área da Praia de Belas eimplantação da continuação da Av. Borgesde Medeiros, viabilizando a futura criação doParque Marinha do Brasil. Essa iniciativapermitiu a construção, no governo de AlceuCollares em Porto Alegre (1986-1988), da Av.Beira-Rio.Transporte Coletivo❙❙❙ Renovação da frota de ônibus públicos einstituição do salário mínimo aos

funcionários da empresa de transportescoletivos Carris, primeiro de que se temnotícia no país;❙❙❙ implantação dos ônibus elétricostrolleybus.Parques❙❙❙ Criação do maior parque da cidade atéhoje, o Parque Saint-Hilaire;❙❙❙ remodelação e construção de grandenúmero de parques e campos popularesde futebol;❙❙❙ programa de fomento e assistência aagricultores hortigranjeiros, com ainstalação em Porto Alegre do “Cinturão

Verde”, inovação para a época;Prefeituras❙❙❙ Criação do “Programa Integrado deReaparelhamento de EquipamentosRodoviários” para as prefeituras gaúchas,com recursos da Caixa Econômica Federal- a iniciativa melhorou os serviçosrodoviários nas prefeituras.

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O grande salto da capital

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1 7Brizola, Brasil

O melhor

governadorFavorito nas urnas,

com maioria nolegislativo, encontrou as

condições para alavancaro perfil econômico,

industrial, agrícola eeducacional do Rio

Grande do Sul.Construiu 6 mil escolas,

fez a reforma agrária quedeu certo, abriu estradas,

tirou o Estado daescuridão, empossou o

Estado de uma empresade energia elétrica e

outra de telefonia.

Aos 36 anos, em 1958, Leonel Brizolaelegeu-se governador do Rio Grande do Sul,um feito inédito, resultado da sua admi-nistração na Prefeitura de Porto Alegre ena Secretaria de Obras Públicas. Fez umavotação extraordinária: 55,18% dos votos,alcançando 670.003 mil votos. O PRP, co-ligado, elegeu Guido Mondin senador, e oPTB, 14 deputados federais e 24 estaduais.

do Rio Grande do Sul Brizola recebeu um estado enfraque-

cido economicamente, às escuras, semestradas, com um sistema financeiro atra-sado, analfabetismo, crianças sem escolae miséria no campo. Juscelino marginali-zou a economia gaúcha, que recebia me-nos da União em aplicações financeirasdo que arrecadava com tributos. Empe-nhado na construção de Brasília, o presi-

A caminho daposse comogovernador

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1 8 Brizola, Brasil

Nos braços do povo

“A apoteótica manifestação cívica dopovo gaúcho irmanado, caracterizou aposse do engenheiro Leonel Brizola na-quele 31 de janeiro de 1959, quando seinscrevia na história do Rio Grande amaior consagração pública já feita a umgovernante do estado.

Às 5 horas, a Banda de Clarins da glo-riosa Brigada Militar despertava a famíliado governador Brizola e parte da popula-ção de Porto Alegre, com um toque dealvorada. Minutos depois, o então futurogovernador do executivo gaúcho era leva-do à Prefeitura seguido de um cortejo detáxis. Do Passo Municipal é tirado nosbraços do povo e carregado nos ombrosaté a Carta Testamento (Praça da Alfânde-ga) em companhia do então vice-presi-

dente João Goulart.Ostentando faixas, exclamando vi-

vas, vibrando de entusiasmo sob den-sas nuvens de papéis multicoloridosque caíam do alto dos edifícios, a mas-sa humana integrada de pessoas de to-das as categorias sociais, conduziu atéo Palácio Piratini o novo líder gaúchoque, em um curto lapso de tempo, viriaa se firmar como um dos maiores líde-res nacionais, quer pela sua grande obraadministrativa, quer pela sua atuaçãopolítica.

Mil novecentos e cinqüenta e nove.O limiar de uma nova etapa de pro-gresso nos pampas”.

Diário de Notícias, Porto Alegre,

31 de janeiro de 1959 (sic)

dente da República não atendiaas reivindicações do Rio Grandedo Sul, e João Goulart, o vice-pre-sidente, não conseguia modificaressa determinação.

Educação e desenvolvimentoeconômico foram as metas do seugoverno. Traçou um plano de en-genharia política que modificoudefinitivamente o perfil do RioGrande do Sul. Aprovou, na As-sembléia Legislativa, propostaretificativa do Orçamento quepermitiu as realizações do pri-meiro ano de governo (1959).

Criou o Gabinete de Adminis-tração e Planejamento para defi-nir todas as atividades do gover-no, inclusive as que envolveriama participação da iniciativa priva-da. Técnicos com experiência in-ternacional prestavam assistênciadireta ao Governo e às Secretari-as. Um grupo de profissionais tinha comofunção ajustar os planos à realidade social.Alianças no Legislativo permitiram aefetivação dos projetos nos quatro anosde governo. Brizola instituiu, pela primei-ra vez, no Rio Grande do Sul, o sistema deplanejamento geral das atividades do Es-tado. Foram criadas as Secretarias da Ad-ministração, Trabalho e Habitação, Saú-de, Economia, Transportes, Energia e Co-municação, além do Conselho de Desen-volvimento do Estado.

Energia nuclear

Em 1958, Leonel Brizola mostrava a suacapacidade administrativa e uma fantásti-ca visão de futuro. Preocupado com novasfontes de energia, pediu a uma equipe deengenheiros e economistas um anteproje-to de usina nuclear. Foram feitos contatoscom cientistas da República DemocráticaAlemã, da Holanda e da Bélgica.

As brizoletas Brizola aumentou a capacidade finan-

ceira do Estado através do lançamento deLetras do Tesouro. A Lei no. 3.785, de 30de julho de 1959, autorizou a emissão deLetras do Tesouro com rígido limite de vo-lume de emissão (até 10% da receita esta-dual orçada em cada exercício) e vencimen-to de 1 a 5 anos, podendo ser utilizadaspara pagamento de impostos. Populariza-das como brizoletas, foram bem aceitas etiveram colocação fácil, especialmente pela

pontualidade dos resgates, que deveriamacontecer dentro do seu período de gover-no. As brizoletas chegaram a alcançar a co-tação a par do cruzeiro no comércio, atémesmo varejista. Também foi realizada areforma do sistema fazendário e fiscal, cujoobjetivo era definir uma espécie de justiçatributária.

Esse procedimento financeiro inédi-to permitiu a abertura de novos investi-mentos no setor elétrico em estradas, emimplantações industriais, em reformaagrária e em educação, além da criaçãode distritos industriais e a construção einauguração do primeiro Zoológico doRio Grande do Sul, localizado emSapucaia do Sul, na região metropolita-na de Porto Alegre.

Caixa EconômicaEstadual, Banrisule BRDE

Buscando proteger a economia do RioGrande do Sul, evitando a drenagem dapoupança regional pelo centro industrialdo País, Brizola incorporou o Banrisul aoplanejamento público estadual. Criou co-rajosamente a Caixa Econômica Estadual,“gaúcha tostão por tostão”, como um or-ganismo para atuar junto aos pequenos emédios poupadores, realizando opera-ções com finalidade social. Lançou as ca-dernetas de poupança, o que seria copia-do mais tarde pelo resto do país.

Brizola ultrapassou as fronteiras doEstado. Propôs e organizou, juntamentecom os governadores Celso Ramos, deSanta Catarina, e Nei Braga, do Paraná, oBanco Regional de Desenvolvimento, quese tornou, mais tarde, o maior banco dedesenvolvimento regional do país, o Ban-

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1 9Brizola, Brasil

co de Desenvolvimento do Extremo Sul,BRDE, responsável pelo financiamento apequenas e médias empresas e projetosde grande porte, com a captação de recur-sos nacionais e internacionais. Atravésda divisão do Brasil em regiões geoeco-nômicas, Brizola acreditava na descen-tralização da indústria, favorecendo o cres-cimento igualitário dos estados, conten-do, dessa forma, a espoliação, que se ope-rava também no comércio interno, com aevasão de recursos dos Estados menosdesenvolvidos, como o Rio Grande do Sul,para São Paulo e Rio de Janeiro, em fun-ção da precariedade dos termos de inter-câmbio dos produtos agrícolas por manu-faturados.

Estrada da ProduçãoBrizola idealizou a Estrada da Produ-

ção, desviando o curso das estradas na di-reção de São Paulo e Rio de Janeiro e li-gando as zonas produtoras do noroestedo estado aos portos de Rio Grande e Por-to Alegre. Encurtou, assim, a distância queseparava essa região do porto da capital.Para isso, promoveu a dragagem das baciasde evolução e canais de acesso, através deconvênio com o governo federal. A obrainiciou com recursos estaduais e foi con-

cluída com dinheiro do governo federal,razão pela qual hoje é uma rodovia fede-ral. Também a estrada Porto Alegre-Osóriofoi obra do governo Brizola.

IndustrializaçãoAo melhorar a infra-estrutura, espe-

cialmente as estradas, Brizola abriu ca-minho para a industrialização do esta-do. Para a utilização mais nobre do car-vão gaúcho e a ampliação do leque deprodutos de alto valor agregado, comoos aços finos, Brizola conseguiu a im-plantação da Aços Finos Piratini. Implan-tou a Refinaria Alberto Pasqualini (pelaPetrobras), e viabilizou tanto a expan-são da área de nitrogenados e adubospara a agricultura gaúcha, antes impor-tados, como a futura instalação do IIIPólo Petroquímico do País. Brizola crioua AGASA – Açúcar Gaúcho S/A, com umaplanta industrial na pobre e tradicionalregião produtora de cana no litoral gaú-cho, rompendo o monopólio exercidopor poucas empresas nacionais e sendopioneira na produção do álcool na re-gião sul. Ainda houve gestões para a vin-da de novos empreendimentos como fá-brica de tratores, investimentos nas áre-as eletromecânica e de autopeças, pro-

dutos químicos e adubos, muitos dosquais se tornaram realidade.

EnergiaO Rio Grande do Sul, na década de 50,

vivia às escuras. Os racionamentos de ener-gia em Porto Alegre e nas principais cida-des do interior eram freqüentes. Brizolaexecutou um plano de abastecimento deágua e de serviços de esgoto em todo oEstado e empenhou-se no aproveitamen-to das reservas carboníferas, com a cons-trução de algumas termoelétricas, entreas quais a de Charqueadas (72.000 Kw),para aumentar em mais um terço a gera-ção de energia elétrica, cuja escassez di-ficultava o desenvolvimento do RioGrande do Sul. Foi posta em funciona-mento a Termelétrica de Candiota, emBagé.

Houve instalação de usinas a diesel efuel-oil em municípios como Canoas,Caxias do Sul, Osório e Alegrete. Essastermoelétricas a carvão e óleo e as pe-quenas usinas hidrelétricas de proprie-dade do Estado ainda não garantiam ageração de energia necessária. Brizola ti-nha como meta a geração de 1 milhão deKw no Rio Grande do Sul e a criação deum moderno sistema de comunicações.

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Assinaturapara criaçãoda Estrada daProdução

Mobilizador popular

Diferente dos governos que re-primiam e sufocavam as manifes-tações populares, Brizola incentivoua mobilização popular. Sindicatos,associações de moradores, bairrose vilas, agricultores sem terra, pro-fessores e estudantes tiveram seusdireitos democráticos e constitucio-nais garantidos em reuniões ondeprofessavam suas próprias ideolo-gias. Nunca houve prisão políticaou violação de domicílio. Na áreasindical, por meio da criação da Se-cretaria de Trabalho, foi garantida atotal liberdade para a sindicaliza-ção, especialmente no campo.

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2 0 Brizola, Brasil

As encampações

Avançando no melhoramento dainfra-estrutura do Estado, o adminis-trador, mais uma vez, encontrou o en-genheiro, e foi o político que resolveua questão: disposto a livrar o Estadodos constantes “apagões” e da escuri-dão em que Porto Alegre vivia mergu-lhada, o que muito prejudicava a po-pulação e as indústrias, que sofriamsem energia, depois de quatro mesesde governo, Brizola foi obrigado a lu-tar com a multinacional do setor elé-trico em atuação no país, a Light. Aprodução das termoelétricas e usinashidrelétricas forneciam em bruto àCompanhia de Energia Elétrica Rio-grandense, filial da Bond & Share, pro-prietária da rede de distribuição naGrande Porto Alegre e cuja concessãoestava vencida. Para melhorar o aten-dimento, a subsidiária exigia do esta-do a renovação da concessão por mais35 anos, com a garantia de cobrançade tarifas de acordo com os seus inte-resses. Empresa canadense, a Bond &Share era ligada ao grupo americanoAmerican Foreign Power, que, juntocom a Light, cujo centro estava nomercado do Rio de Janeiro, carte-lizavam o mercado elétrico dos maio-res centros urbanos do país. Cabia àLight, por sua localização, a adminis-tração política da ação do cartel nosescalões políticos da República.

Brizola pregava, em seu discurso,o controle das empresas multinacio-nais pelo governo brasileiro, atravésdo controle acionário dessas empre-sas. O desenvolvimento nacional so-mente se concretizaria com a altera-ção das relações do Brasil com os Es-tados Unidos.

Tudo por 1 um cruzeiroCom autorização do Presidente da

República, o decreto de expropriação dafilial da Bond & Share foi pelo preço sim-bólico de Cr$ 1, valor estabelecido com oabatimento de contribuições populares es-pontâneas, colocações de fios e postes,doações territoriais, indenização do pes-soal, multas, remessa de lucros acima dolegalmente permissível e depreciação dosmateriais. A soma dessas deduções suplan-

tava o valor do acervo da companhia. Osaldo era negativo, e cabia ao Estado co-brar, dando-se o valor de 1 cruzeiro, de-positado em banco comercial.

Brizola nomeou uma comissão paraavaliar o patrimônio da empresa. Foiconstatada a remessa ilegal de lucros, quesuperavam, na época, os 180 milhões decruzeiros. Apoiado nas normas jurídicase precauções cabíveis, o governador, em13 de maio de 1959, encampou a com-panhia controlada pela Bond & Share. AJustiça, imediatamente, imitiu o Estadona posse da empresa, com base nos pre-ceitos constitucionais vigentes. Brizolaestava enfrentando, com poucos mesesde governo, a Light e toda a corrupçãonacional e internacional montada no paíspor esse setor. Mas cumpriu com seu ob-jetivo, que era retirar o Rio Grande doSul da escuridão e garantir o desenvolvi-mento industrial.

Atitude louca de BrizolaO presidente Juscelino Kubitschek,

meia hora depois do ato de encampação,chamou Brizola ao telefone. Informou-lhe que o Senador Assis Chateaubriandprocurara-o para protestar contra a “ati-tude louca de Brizola...”. A notícia teverepercussão internacional. O Secretáriodo Tesouro norte-americano, DouglasDillon, considerou o precedente muitoperigoso na América Latina, inclusive um

mau exemplo para Cuba, que ainda nãonacionalizara nenhuma empresa es-trangeira. O Congresso americano rea-giu, aprovando a emenda Hickenlooper,pela qual os Estados Unidos deixariamde prestar “ajuda” aos países que ex-propriassem bens de empresas norte-americanas.

Repercussão nacionale internacional

As rádios nacionais transmitiam a no-tícia, já com repercussão internacional.Brizola dizia ao presidente da Repúblicaque o Judiciário imitira o Estado do RioGrande do Sul na posse, negando qual-quer ato arbitrário do Executivo.

Brizola não se intimidou e foi reve-lando detalhes da contabilidade da em-presa, recheada de fraudes. O PTB e a Fren-te Parlamentar Nacionalista mantinhamapoio ao governador gaúcho. Pernambu-co, Bahia e Minas Gerais também anuncia-vam a disposição de nacionalizar empre-sas concessionárias de serviços públicos.Estava gerada uma crise nas relações en-tre Brasil e Estados Unidos, cuja repercus-são atingiria diretamente o governo deJoão Goulart, dali a dois anos.

Telefone mudoTambém a Companhia Telefônica

Riograndense (CTN), filial da IT&T ame-ricana, estava com sua concessão finali-zando. Em 1958, dos 6 milhões de habi-tantes gaúchos, apenas 28.648 tinham te-lefone. Em Porto Alegre, com 670 milhabitantes, apenas 14.300 tinham tele-fones. Acumulavam-se na capital 30 milpedidos com prioridade (comerciantes,médicos, jornalistas) na “fila” de espera.Nos dias de chuva, todo o serviço de co-municação telefônica ficava interrompi-do. Tratava-se de equipamento velho edefeituoso.

Foi criada a taxa de comunicaçõespara acumular recursos para o desenvol-vimento do setor. Brizola convocou a di-reção da IT&T para discutir a situação.Depois de um ano de estudos, os técni-cos recomendaram a criação de uma so-ciedade de economia mista, da qual oEstado participaria com 25%, a IT&T com25% e o público com 50%. Para a avali-ação dos bens, a Companhia concordoue nomeou dois peritos que chegaram aCr$ 1.350.000.000,00, por meio de umjuízo arbitral. O assunto já se arrastava

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2 1Brizola, Brasil

por dois anos.A Assembléia Legislativa aprovou a

nova companhia por meio da lei 4.073,de 30 de dezembro de 1960, e suas açõesforam lançadas no mercado aberto. Mas aCTN, um mês depois, voltou atrás e nãoaceitou a avaliação dos peritos. Novos téc-nicos e nova avaliação, e a CTN não acei-tou os valores. Os “gringos” estavam que-rendo ganhar tempo e apostavam na pro-ximidade do final do mandato (1962).Brizola, então, decretou a nacionalizaçãoda Companhia, em conformidade com aConstituição Estadual.

Durante dois anos, o governo do Esta-do acompanhou a contabilidade da IT&T.Alegando falta de capital, a empresa nãoinvestia na rede, embora recebesse dosmunicípios e do Estado inúmeras plantaspara a extensão da rede. O Estado descon-tou as plantas doadas, a indenização depessoal, a reposição do material e os lu-cros ilegalmente remetidos para o exterior,reduzindo o valor de cerca de CR$ 70 mi-lhões para efeito de depósito prévio na

Justiça. A imissão de posse foi dada peloPoder Judiciário, à exemplo do que acon-tecera na encampação da Bond & Share.

Represália dos “gringos”O episódio teria desdobramentos para

Brizola e Jango. Ao final da visita que opresidente brasileiro fez aos Estados Uni-dos, nota conjunta dos dois governos tra-tava de cláusula sobre indenizações àsempresas desapropriadas, atendendo àsexigências da Bond & Share e IT&T. A cláu-sula foi obra de Roberto Campos. Brizolaficou indignado quando soube que o Ban-co do Brasil concederia empréstimo àIT&T, em cruzeiros, em valor correspon-dente maior do que a Justiça aceitara, porum prazo de 12 anos a juros muito bai-xos. Brizola denunciou o acordo, provan-do que se tratava de um ato lesivo aosinteresses brasileiros. O ministério caiu eJoão Goulart suspendeu o acordo, que foiuma das primeiras medidas do MarechalCastello Branco, depois do golpe militarde 1964: pagar a indenização com multa

de 10 milhões de dólares pelo atraso.

Queima de arquivoAo assumir o governo, um dos primei-

ros atos de Brizola foi disciplinar os ór-gãos de segurança. Acostumados com aarbitrariedade e a repressão, a polícia po-lítica gaúcha agia com fúria e determina-ção, havendo registros de abusos especial-mente quando se tratava de acusar – e pro-var – que um cidadão era comunista.Muitas injustiças foram cometidas. Saben-do disso, Brizola foi à sede do Dops e or-denou a queima dos seus fichários políti-cos e de todo o arquivo.

Sujeira americana

O Ponto IV, organização que agiano Brasil para encobrir as ações daCIA, vinha oferecendo ao governogaúcho, assim que Brizola assumiu,US$ 2 milhões em material para apolícia, em troca da franquia de seusarquivos aos funcionários americanos.Ao tomar conhecimento da proposta,Brizola recusou-se a assinar o acordoe denunciou publicamente o que sig-nificava “uma promiscuidade com apolícia estrangeira e inadmissível parao Rio Grande do Sul”.

A mais amplaprestação de contas

Ao final dos quatro anos degoverno (1959/1962), Leonel Brizolafez a mais ampla prestação de contasdo período em que administrou o RioGrande do Sul. O documento foiencaminhado ao Poder Legislativo,contendo, em detalhes, os programase projetos desenvolvidos.

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Apresentaçãodo projeto daRefinariaAlbertoPasqualini

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2 2 Brizola, Brasil

A Campanha da

LegalidadeA Legalidade foi omaior movimento

popular no Brasil desde aRevolução de 30. A

reação de Leonel Brizolaao golpe dos militares

para impedir aposse de João Goulart

na Presidência daRepública, após arenúncia de Jânio

Quadros, no dia 25 deagosto de 1961, mudou a

história política brasileira.A firmeza de Brizola no

episódio fez dele um lídernacional e retardou a

conspiração da direita quesomente se concretizariano golpe de 64, como o

suicídio de GetúlioVargas, em1954, abortou

o complô iniciado em1950 para tornar inviávelum governo nacionalista.O dia 26 de agosto, datada Legalidade, faz parte

do calendário de lutas dopovo brasileiro pelo

respeito aos seusdireitos políticos.

Da sacada do Palácio, Brizola convocao povo a defender a Constituição

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2 3Brizola, Brasil

3h da madrugada do dia 27 de agosto,

domingo – Brizola fala pelo rádio, denun-cia o golpe contra Jango e pede maismobilização. O Ministério da Guerra si-lencia as emissoras de Porto Alegre. Aomeio-dia, Brizola requisita a RádioGuaíba e, em menos de uma hora, ostransmissores são transferidos para osporões do Palácio Piratini. A RádioGuaíba lidera uma rede de 104 emissorasgaúchas, catarinenses e paranaenses, aCadeia da Legalidade, que transmite asmensagens do Governador. O III Exércitotenta calar a Cadeia da Legalidade.

Madrugada do dia 28 de agosto, se-

gunda-feira – O gen. Machado Lopes nãoacata a determinação para bombardear oPalácio. Às 11h, Brizola anuncia, pela Ca-deia da Legalidade, a ordem do Ministérioda Guerra para bombardear o PalácioPiratini. Pede que as crianças sejam leva-das para fora da cidade e conclama todos àluta, na capital e no interior. Revólveressão requisitados da Fábrica Taurus. Umposto de recrutamento de populares no pa-vilhão da Avenida Borges de Medeiros, o

Manhã do dia 25 de agosto de 1961,

sexta-feira – Jânio Quadros renuncia.O vice-presidente, João Goulart, emmissão oficial na República Popular daChina, deve assumir a vaga, conformeprevê a Constituição em caso de renún-cia. Vetados pelos ministros militares,o presidente da Câmara dos Deputados,Ranieri Mazzili (PSD), assume a Presi-dência. Nesse momento, começa a re-sistência de Brizola pela posse de Jangoe em defesa da Constituição. A BrigadaMilitar entra em prontidão, a popula-ção se concentra na frente do PalácioPiratini, na Praça da Matriz, centro dePorto Alegre. Da sacada do Palácio,Brizola faz seu primeiro pronunciamen-to garantindo a defesa do governo cons-titucional.

Manhã do dia 26 de agosto, sábado –Depois de uma noite tensa, milhares depessoas se concentram na Praça da Ma-triz. O Ministério da Guerra manda bom-bardear o Palácio Piratini. A resistência éintensificada.

“Mata-borrão”, distribui armamentos; bar-ricadas protegem o Palácio Piratini; operá-rios e estudantes acampam na Praça daMatriz. Na Base Aérea, os aviões são impe-didos de levantar vôo. Um pouco antesdas 12h, Brizola deixa os microfones daCadeia da Legalidade e, em seu gabinete,recebe o Comandante do III Exército, queanuncia sua adesão à resistência democrá-tica. De todos os lados da cidade, chegagente disposta a lutar. O alistamento é fei-to nas esquinas, calçadas e em frente aosprédios. Forma-se um exército de mais de150 mil populares. As aulas são suspensas.Há adesão dos governadores do Paraná,Nei Braga, e de Goiás, Mauro Borges.

Dia 29 de agosto, terça-feira – Comi-tês pela Legalidade são instalados pelacidade. Os bancos fecham. São centenasos voluntários, mais de 400 estudantes sejuntam ao movimento, assim como inte-lectuais e artistas; a Carris organiza bata-lhões voluntários; os tranviários lideramgrupos da categoria. A população de Ca-noas se alista em Porto Alegre; em NovoHamburgo, empregados e patrões unem-se contra o golpe; sindicatos de Caxias doSul aderem em massa.

Dia 30 de agosto, quarta-feira – Ma-chado Lopes é destituído do comando doIII Exército. Brasília, sob censura, tomaconhecimento da resistência no Sul. Ba-talhões operários estão em prontidão paraa luta. Tropas do marechal Odylio Denys,Ministro da Guerra, marcham contra o RioGrande do Sul. As tropas do III Exércitopreparam-se para invadir São Paulo.

Dia 31 de agosto, quinta-feira – Tro-pas dos militares golpistas ocupam duascidades catarinenses. Jango chega aMontevidéo. Já está em andamento a pro-posta parlamentarista, depois que os mi-nistros militares reconhecem a força daresistência comandada por Brizola.

Noite de 1º de setembro, sexta-feira –João Goulart chega na capital gaúcha. Por-to Alegre o aguarda com uma impressio-nante manifestação popular com bandei-ras e cartazes. A multidão sai às ruas parasaudá-lo. Para os gaúchos, está afastada apossibilidade de uma guerra civil. Jangopermanece até o dia 5 de setembro na ci-dade.

Dia 2 de setembro, sábado – Brizola

O primeiro apelo à resistência“O Governo do Estado do Rio

Grande do Sul cumpre o dever de as-sumir o papel que lhe cabe nesta horagrave da vida do País. Cumpre-nosreafirmar nossa inalterável posiçãoao lado da legalidade constitucional.Não pactuaremos com golpes ou vi-olências contra a ordem constitucio-nal e contra as liberdades públicas.Se o atual regime não satisfaz, emmuitos de seus aspectos, desejamosé o seu aprimoramento e não sua su-pressão, o que representaria uma re-gressão e o obscurantismo.

A renúncia de Sua Excelência, oPresidente Jânio Quadros, veio sur-preender a todos nós. A mensagemque Sua Excelência dirigiu ao povobrasileiro contém graves denúnciassobre pressões de grupos, inclusivedo exterior, que indispensavelmenteprecisam ser esclarecidas. Uma Na-ção que preza a sua soberania nãopode conformar-se passivamente coma renúncia do seu mais alto magis-trado sem uma completa elucidaçãodestes fatos. A comunicação do Sr.

Ministro da Justiça apenas notifica oGoverno do Estado da renúncia doSr. Presidente da República. Por mo-tivo dos acontecimentos, como sepropunha, o Governo deste Estadodirigiu-se à Sua Excelência, o Sr. Vice-Presidente da República, Dr. JoãoGoulart, pedindo seu regresso urgen-te ao País, o que deverá ocorrer naspróximas horas.

O ambiente no Estado é de ordem.O Governo do Estado, atento a estagrave emergência, vem tomando to-das as medidas de sua responsabili-dade, mantendo-se, inclusive, em per-manente contato e entendimento comas autoridades militares federais. Opovo gaúcho tem imorredouras tradi-ções de amor à pátria comum e dedefesa dos direitos humanos. E seuGoverno, instituído pelo voto popu-lar - confiem os riograndenses e osnossos irmãos de todo o Brasil - nãodesmentirá estas tradições e saberácumprir o seu dever.”

(Sacada do Palácio Piratini,

madrugada de 27 de agosto de 1961)

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2 4 Brizola, Brasil

denuncia o golpe parlamentarista, diz quea emenda é uma violação à Constituiçãoe defende que o III Exército, a BrigadaMilitar e corpos de voluntários avancemem direção ao centro do país. Manifesta-ções populares de inconformidade explo-dem por todos os lados. Jango silencia.Há rebelião na Aeronáutica, entra em açãoa Operação Mosquito, que pretendia in-terceptar o avião presidencial. A posse deJango é adiada para quarta-feira. O Con-gresso aprova a emenda constitucional n°4 e fica instituído o sistema parlamenta-rista de governo e a realização de plebis-cito.

Dia 5 de setembro, terça-feira – JoãoGoulart desembarca em Brasília.

Dia 7 de setembro, quinta-feira – JoãoGoulart é empossado Presidente da Re-pública.

População armada

Um dia depois que estourou a crise,Brizola requisitou todos os estoques dearmas de Porto Alegre. Alertou a Taurus,indústria gaúcha de revólveres, para quetrabalhasse sem parar. Pediu que fosseintensificada a produção de metralha-doras leves. Enquanto se preparava parafalar à população, pela Rádio Guaíba,ordenou que a Brigada Militar distribuís-se os armamentos aos que se aglomera-vam em frente ao Palácio. Em torno de2 mil revólveres calibre 38 foram dis-tribuídos, cada um com uma caixade balas, mediante a assinatura de umrecibo. Mais de 100 mil pessoas já esta-vam em frente ao Palácio.

Lealdade aos brasileirosno discurso dramático

“Peço a vossa atenção para as comuni-cações que vou fazer. Muita atenção. Aten-ção, povo de Porto Alegre! Atenção, RioGrande do Sul! Atenção, Brasil! Atenção,meus patrícios, democratas e independen-tes, atenção para estas minhas palavras!

Em primeiro lugar, nenhuma escoladeve funcionar em Porto Alegre. Fechemtodas as escolas. Se alguma estiver aberta,fechem e mandem as crianças para juntode seus pais. Tudo em ordem. Tudo emcalma. Tudo com serenidade e frieza. Masmandem as crianças para casa.

Quanto ao trabalho, é uma iniciativaque cada um deve tomar, de acordo com oque julgar conveniente. Quanto às repar-tições públicas estaduais, nada há de anor-mal. Os serviços públicos terão o seu iní-cio normal, e os funcionários devem com-parecer como habitualmente, muito em-bora o Estado tolerará qualquer falta que,porventura, se verificar no dia de hoje.

Hoje, nesta minha alocução, tenho osfatos mais graves a revelar. O PalácioPiratini, meus patrícios, está aqui trans-formado em uma cidadela, que há de serheróica, uma cidadela da liberdade, dosdireitos humanos, uma cidadela da civi-lização, da ordem jurídica, uma cidadelacontra a violência, contra o absolutismo,

contra os atos dos senhores, dosprepotentes. No Palácio Piratini, além daminha família e de alguns servidores ci-vis e militares do meu gabinete, há umnúmero bastante apreciável, mas apenasdaqueles que nós julgamos indispensá-veis ao funcionamento dos serviços dasede do Governo. Mas todos os que aquise encontram estão de livre e espontâneavontade, como também grande númerode amigos que aqui passou a noiteconosco e retirou-se, hoje, por nossa im-posição.

Aqui se encontram os contingentes quejulgamos necessários. Da gloriosa Briga-da Militar – o Regimento Bento Gonçal-ves e outras forças. Reunimos aqui o ar-mamento de que dispúnhamos. Não émuito, mas também não é pouco paraaqui ficarmos preocupados frente aosacontecimentos. Queria que os meuspatrícios do Rio Grande e toda a popula-ção de Porto Alegre, todos os meus con-terrâneos do Brasil, todos os soldados daminha terra querida pudessem ver comseus olhos o espetáculo que se oferece.

Aqui nos encontramos e falamos poresta estação de rádio, que foi requisitadapara o serviço de comunicação, a fim demanter a população informada e, comisso, auxiliar a paz e a manutenção da or-dem. Falamos aqui do serviço de impren-sa. Estamos rodeados por jornalistas, queteimam, também, em não se retirar, pe-dindo armas e elementos necessários paraque cada um tenha oportunidade de sertambém um voluntário, em defesa da le-galidade.

Esta é a situação! Fatos os mais sériosquero levar ao conhecimento dos meuspatrícios de todo o País, da América Lati-na e de todo o mundo. Primeiro: ao mesentar aqui, vindo diretamente da residên-cia, onde me encontrava com minha fa-mília, acabava de receber a comunicaçãode que o ilustre General Machado Lopes,soldado do qual tenho a melhor impres-são, me solicitou audiência para um en-tendimento. Já transmiti, aqui mesmo,antes de iniciar minha palestra, que logoa seguir receberei S. Exa. com muito pra-zer, porque a discussão e o exame dos pro-

O governadorcomandou

a Legalidade dosporões do Piratini

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blemas é o meio que os homens civiliza-dos utilizam para solucionar os proble-mas e as crises. Mas pode ser que essapalestra não signifique uma simples visi-ta de amigo. Que essa palestra não sejauma aliança entre o poder militar e o po-der civil, para a defesa da ordem constitu-cional, do direito e da paz como se impõeneste momento, como defesa do povo,dos que trabalham e dos que produzem,dos estudantes e dos professores, dosjuízes e dos agricultores, da família. To-dos, até as nossas crianças desejam que opoder militar e o poder civil se identifi-quem nesta hora para vivermos na legali-dade. Pode significar, também, uma co-municação ao Governo do Estado da suadeposição. Quero vos dizer que será pos-sível que eu não tenha oportunidade defalar-vos mais, que eu nem deste serviçopossa me dirigir mais, comunicando es-clarecimentos à população. Porque é na-tural que, se ocorrer a eventualidade doultimato, ocorrerão, também, conseqüên-cias muito sérias. Porque nós não nos sub-meteremos a nenhum golpe, a nenhumaresolução arbitrária. Não pretendemos nossubmeter. Que nos esmaguem! Que nosdestruam! Que nos chacinem, neste Palá-cio! Chacinado estará o Brasil com a im-posição de uma ditadura contra a vontadede seu povo. Esta rádio será silenciadatanto aqui como nos transmissores. O cer-to, porém, é que não será silenciada sembalas. Tanto aqui como nos transmisso-res, estamos guardados por fortes contin-gentes da Brigada Militar.

DestruiçãoAssim, meus amigos, meus conterrâ-

neos e patrícios ficarão sabendo por queesta rádio silenciou. Foi porque ela foiatingida pela destruição e porque issoocorreu contra a nossa vontade. E querovos dizer por que penso que chegamos aviver horas decisivas.

Muita atenção, meus conterrâneos,para esta comunicação. Ontem à noite, oSr. Ministro da Guerra, Marechal OdylioDenys, soldado no fim de sua carreira, commais de 70 anos de idade, e que está ado-tando decisões das mais graves, as maisdesatinadas, declarou através do “Repór-ter Esso” que não concorda com a possedo Sr. João Goulart, que não concorda queo Presidente constitucional do Brasil exer-ça suas funções legais! Porque, diz elenuma argumentação pueril e inaceitável,isso significa uma opção entre comunis-

mo ou não. Isso é pueril, meus conterrâ-neos. Isso é pueril, meus patrícios! Nãonos encontramos nesse dilema. Que vãoessas ou aquelas doutrinas para onde qui-serem. Não nos encontramos entre umasubmissão à União Soviética ou aos Esta-dos Unidos. Tenho uma posição inequí-voca sobre isto. Mas tenho aquilo que fal-ta a muitos anticomunistas exaltados des-te País, que é a coragem de dizer que osEstados Unidos da América, protegendoseus monopólios e trustes, vão espolian-do e explorando esta Nação sofrida emiserabilizada. Penso com independên-cia. Não penso ao lado dos russos ou dosamericanos. Penso pelo Brasil e pela Re-pública. Queremos um Brasil forte e in-dependente. Não um Brasil escravo dosmilitaristas e dos trustes e monopóliosnorte-americanos. Nada temos com os rus-sos. Mas nada temos também com osamericanos, que espoliam e mantêm nos-sa Pátria na pobreza, no analfabetismo ena miséria.

Esses que muito elogiam a estratégianorte-americana querem submeter nossopovo a esse processo de esmagamento.Mas isso foi dito pelo Ministro da Guerra.Isso quer dizer que S. Exa. tomará todasas medidas contra o Rio Grande. Estouinformado de que todos os aeroportos doBrasil, onde pousam aviões internacionais

de grande porte, estão guarnecidos e comordem de prender o Sr. João Goulart nomomento da descida. Há pouco falei, pelotelefone, com o Sr. João Goulart em Paris,e disse a ele que todas as nossas palestrasde ontem foram censuradas. Tenho pro-vas. Censuradas nos seus efeitos, mas arigor. A companhia norte-americana dostelefones deve ter gravado e transmitidoos termos de nossas conversas para essasforças de segurança. Hoje eu disse ao Sr.João Goulart: “Decides de acordo com oque julgares conveniente. Ou deves voar,como eu aconselho, para Brasília, ou paraum ponto qualquer da América Latina. Adecisão é tua! Deves vir diretamente aBrasília, correr o risco e pagar para ver. Vem.Toma um dos teus filhos nos braços. Des-ce sem revólver na cintura, como um ho-mem civilizado. Vem como para um Paísculto e politizado como é o Brasil, e nãocomo se viesse para uma republiqueta,onde dominam os caudilhos, as oligar-quias que se consideram todo-poderosas.Voa para o Uruguai, então, essa cidadelada liberdade, aqui pertinho de nós, e aquitraça os teus planos, como julgares conve-niente”.

Vejam, meus conterrâneos, se não éloucura a decisão do Ministro da Guerra.Vejam, soldados do Brasil, soldados do IIIExército! Comandante, General Machado

Revista aospostos de

segurança

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2 6 Brizola, Brasil

Lopes! Oficiais, sargentos e praças do IIIExército, guardiães da ordem da nossaPátria. Vejam se não é loucura. Esse ho-mem está doente! Esse homem está so-frendo de arteriosclerose ou outra coisa.A atitude do Marechal Odylio Denys éuma atitude contra o sentimento da Na-ção. Contra os estudantes e intelectuais,contra o povo, contra os trabalhadores,contra os professores, juízes, contra a Igre-ja. Ainda há pouco, conversando com S.Exª. Revª. Arcebispo D. Vicente Scherer,recebi a comunicação de que todos oscardeais do Brasil haviam decidido lan-çar proclamação pela paz, pela ordemlegal, pela posse a quem constitucional-mente cabe governar o Brasil, pelo votolegítimo de seu povo. Essa proclamaçãoestá em curso pelo País. As Igrejas pro-testantes, todas as seitas religiosas cla-mam por paz, pela ordem legal. Não é aordem do cemitério ou a ordem dos ban-didos. Queremos ordem civilizada, or-dem jurídica, a ordem do respeito huma-no. É isso.

Desatino e loucuraVejam se não é desatino. Vejam se não

é loucura o que vão fazer. Podem nos es-magar, num dado momento. Jogarão o Paísno caos. Ninguém os respeitará. Ninguémterá confiança nessa autoridade que seráimposta, delegada de uma ditadura. Nin-guém impedirá que este País, por todosos seus meios, se levante lutando pelopoder. Nas cidades do interior, surgirão asguerrilhas para defesa da honra e da dig-nidade, contra o que um louco e desati-nado está querendo impor à família bra-sileira. Mas confio, ainda, que um homemcomo o General Machado Lopes, que ésoldado, um homem que vive de seusdeveres, como centenas, milhares de ofi-ciais do Exército, como esta sargentadahumilde, sabe que isso é uma loucura eum desatino e que cumpre salvar nossaPátria. Tenho motivos para vos falar destaforma, vivendo a emoção deste momen-to, que talvez seja, para mim, a últimaoportunidade de me dirigir aos meusconterrâneos. Não aceitarei qualquer im-posição.

“Ordem sóinteressa a Brizola”

Desde ontem organizamos um ser-viço de captação de notícias por todo oterritório nacional. É uma rede de radio-

amadores, num serviço organizado. Pas-samos a captar, aqui, as mensagenstrocadas, mesmo em código e por tele-tipos, entre o III Exército e o Ministérioda Guerra. As mais graves revelaçõesquero vos transmitir. Ontem, por exem-plo ­ vou ler rapidamente, porque tal-vez isso provoque a destruição desta rá-dio -, o Ministro da Guerra consideravaque a preservação da ordem ‘só interes-sa ao Governador Brizola’. Então, o Exér-cito é agente da desordem, soldados doBrasil?! E outra prova da loucura! Diz otexto: ‘É necessário a firmeza do III Exér-cito para que não cresça a força do ini-migo potencial’.

Eu sou inimigo, meus conterrâneos?!Estou sendo considerado inimigo, meuspatrícios, quando só o que queremos éordem e paz. Assim como esta, uma sé-rie de outras rádios foi captada até noEstado do Paraná, e aqui as recebemospor telefone, de toda a parte. Mais de cempessoas telefonaram e confirmaram. Ve-jam o que diz o General Orlando Geisel,de ordem do Marechal Odylio Denys, aoIII Exército: ‘Deve o Comandante do IIIExército impedir a ação que vem desen-volvendo o Governador Brizola’; ‘devepromover o deslocamento de tropas eoutras medidas que tratam de restituir orespeito ao Exército’; ‘o III Exército deveagir com a máxima urgência e presteza’;‘faça convergir contra Porto Alegre toda atropa do Rio Grande do Sul que julgarconveniente’; ‘a Aeronáutica deve reali-zar o bombardeio, se for necessário’; ‘estáa caminho do Rio Grande uma força-ta-refa da Marinha de Guerra’, e ‘mande di-zer qual o reforço de que precisa’. Dizmais o General Geisel: ‘Insisto que a gra-vidade da situação nacional decorre, ain-da, da situação do Rio Grande do Sul,por não terem, ainda, sido cumpridas asordens enviadas para coibir ação do Go-vernador Brizola’.

Era isto, meus conterrâneos. Estamosaqui prestes a sofrer a destruição. Devemconvergir sobre nós forças militares paranos destruir, segundo determinação doMinistro da Guerra. Mas tenho confiançano cumprimento do dever dos soldados,oficiais e sargentos, especialmente do Ge-neral Machado Lopes, que, esperamos,não decepcionará a opinião gaúcha. As-suma, aqui, o papel histórico que lhecabe. Imponha ordem neste País. Quenão se intimide ante os atos debanditismo e vandalismo, ante esse cri-

me contra a população civil, contra asautoridades. É uma loucura.

ChacinaPovo de Porto Alegre, meus amigos

do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrifi-car ninguém, mas venham para a frentedeste Palácio, numa demonstração de pro-testo contra essa loucura e esse desatino.Venham, e se eles quiserem cometer essachacina, retirem-se, mas eu não me retira-rei e aqui ficarei até o fim. Poderei seresmagado. Poderei ser destruído. Podereiser morto. Eu, a minha esposa e muitosamigos civis e militares do Rio Grande doSul. Não importa. Ficará o nosso protesto,lavando a honra desta Nação. Aqui resis-tiremos até o fim. A morte é melhor doque vida sem honra, sem dignidade e semglória. Aqui ficaremos até o fim. Podematirar. Que decolem os jatos! Que atiremos armamentos que tiverem comprado àcusta da fome e do sacrifício do povo! Jo-guem essas armas contra este povo. Já fo-mos dominados pelos trustes e monopó-lios norte-americanos. Estaremos aquipara morrer, se necessário. Um dia, nos-sos filhos e irmãos farão a independênciado nosso povo!

Um abraço, meu povo querido! Se nãopuder falar mais, será porque não me foipossível! Todos sabem o que estou fa-zendo! Adeus, meu Rio Grande querido!Pode ser este, realmente, o nosso adeus!Mas aqui estaremos para cumprir o nos-so dever.”

Brizola na rádio da Legalidade

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2 7Brizola, Brasil

A renúncia de Jânio“Encontrava-me numa solenidade

militar que se realizava no Parque Farrou-pilha. Chovia muito. Num dado momen-to, observei que um oficial se aproximoudo General Machado Lopes, comandantedo III Exército, e lhe fez uma comunica-ção no ouvido. Notei que a fisionomia doGeneral carregou-se.

Dali a instantes, o General me infor-mou que, devido às chuvas, iria abreviar asolenidade. Poucos minutos depois, o jor-nalista Hamilton Chaves, meu assessor deimprensa, transmitiu-me que a “FrancePress” difundia a notícia da renúncia doPresidente Jânio Quadros. Achei que eramais um boato entre os muitos que nosúltimos dias circulavam sobre o governodo ex-Presidente.

Nada comentei com os militares. Re-tirei-me dali e fui-me instalar no gabine-te do presidente da Caixa Econômica Es-tadual, na esquina da rua Dr. Flores com aRua da Praia. Foi uma decisão inconsci-ente e instintiva. Talvez uma influêncialongínqua do velho guerreiro gaúchoLeonel Rocha, que sempre se localizava auma distância prudente do acampamen-to geral.

Poucos minutos depois, o nosso in-confundível Carlos Contursi me oferecia,por telefone, um conjunto de outras in-formações que circulavam pelos jornais eagências de notícias, confirmando a re-núncia.

As comunicações telefônicas comBrasília e o Rio de Janeiro eram, na épo-ca, muito precárias e demoradas. Trateide colocar a Brigada Militar e a PolíciaCivil de sobreaviso. Logo a seguir, em facede novas notícias, sempre no sentido daconfirmação da renúncia, coloquei a Bri-gada Militar de prontidão rigorosa e deiordem para que passasse a ocupar e con-trolar alguns pontos importantes. Preo-cupava-me, àquela altura, com a ordempública e com o clima de incertezas queenvolvia o País e, muito especialmente,com potenciais ameaças sobre o Gover-no do Rio Grande Sul.

A eventualidade de um golpe de Es-tado já era comentada naqueles dias, in-clusive com muitas pessoas e notícias naimprensa atribuindo essa intenção aoPresidente e alguns círculos políticos emilitares.

Depoimento de BrizolaFoi após essas providências que tratei

de comunicar, por telefone, com o Gene-ral Machado Lopes. Ele me confirmou queo Presidente realmente havia renunciado.Fez até um comentário, dizendo que seele desembarcasse no aeroporto seria, ago-ra, um cidadão comum e não mais o Pre-sidente (o Presidente Jânio Quadros, jus-tamente naquele dia, deveria vir a PortoAlegre, para instalar simbolicamente oseu governo na capital gaúcha, como erauma de suas práticas administrativas).

Expliquei ao General que tomara asprovidências que me competiam, visan-do a resguardar a ordem pública. E maisainda: afirmei-lhe que, se ocorresse a ne-cessidade, voltaria a me comunicar comele, para solicitar a colaboração de forçasfederais, nos termos da Constituição, casoos serviços do Estado viessem a se mos-trar insuficientes. Combinamos de nosmanter em contato.

Conversas ao telefoneA convicção de todos nós - àquela al-

tura já realizáramos uma intensa troca deimpressões entre os quadros do Governoe do partido - era a de que poderia terocorrido um golpe contra o Presidente

Jânio Quadros. Não se conseguia comu-nicação com Brasília, a não ser através deum sistema de rádio, também muito pre-cário. A renúncia era um fato. O Presiden-te já havia se deslocado para São Paulo.Encontrava-se na Base Aérea de Cumbica.As notícias vindas de Brasília já nos da-vam as primeiras informações sobre umpossível veto do Marechal Denys, Minis-tro da Guerra, ao Vice-Presidente JoãoGoulart. Nossa primeira atitude públicafoi no sentido da preservação da ordemconstitucional.

E, como partíamos daquela suposiçãode um golpe contra o Presidente JânioQuadros, passamos a nos definir em de-fesa de seu mandato constitucional. Amuito custo, consegui me comunicar coma Base de Cumbica, em São Paulo, ondese encontrava o avião presidencial. JânioQuadros não veio ao telefone. Falou co-migo, em seu nome, o jornalista CarlosCastello Branco, Secretário de Imprensada Presidência da República. Primeiroperguntei se o Presidente havia renuncia-do mesmo, ou se estávamos diante de umgolpe contra ele. Castello respondeu-meque o Presidente havia renunciado.

Disse-lhe, então, que, mesmo tendo

Chegada deJango ao

Palácio Piratini

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2 8 Brizola, Brasil

ocorrido a renúncia, desconfiávamos deque o Presidente havia sido constrangidoa esse gesto e que, nesse caso, tratar-se-iade um golpe. E mais: que nós, do Rio Gran-de do Sul, convidávamos Jânio Quadrospara vir ao nosso Estado e, daqui, dirigir-se à Nação em defesa do seu mandato legí-timo. O jornalista Castello Branco, depoisde consultar o Presidente, transmitiu-meos agradecimentos, informando finalmen-te que não havia mais nada a fazer.

Como é natural e lógico, os rumos paraa defesa da legalidade constitucionalapontavam numa só direção, consumadaa renúncia do Presidente: a posse do Vice-Presidente da República, seu substitutolegal e constitucional, devia ser o proce-dimento legítimo. Ao nos deparar, naque-les instantes, com a circunstância de queo nosso conterrâneo e chefe de nosso par-tido, João Goulart, era o Vice-Presidenteeleito, sentimos uma espécie de vibraçãocívica impossível de descrever.

Naqueles momentos, tomei a inicia-tiva de telefonar ao General MachadoLopes, Comandante do III Exército. Rela-tei-lhe o meu diálogo com o jornalistaCastello Branco. E, na minha simplicida-de, referi ao General, também, as notíci-as, que nos pareciam inconcebíveis, deque o Marechal Denys havia divulgadouma nota impondo “restrições” àinvestidura do Vice-Presidente JoãoGoulart. Adiantei àquele chefe militar queera, para nós, inacreditável aquela atitu-de do Ministro da Guerra. Solicitei, en-tão, ao General Machado Lopes, informa-ções a respeito e indaguei qual era o seupensamento sobre aquele quadro que jáse configurava numa verdadeira crise.

Respondeu-me, o General: “Bom, bom,

Governador, eu não posso me definir as-sim. Sou soldado e fico com o Exército”.O diálogo, para mim, estava encerrado.Apenas cumpri, ainda, o dever de lealda-de de dizer ao General Machado Lopesque, se aquelas notícias se confirmassem,de minha parte e do Governo do Rio Gran-de do Sul, ficaríamos com a Constituição.Em termos respeitosos, mas com escassaspalavras, nós nos despedimos, encerran-do aquela breve conferência telefônica.Desde então senti-me impedido de fazernovos contatos pelo telefone com o Co-mandante do III Exército. Daí por diante,passamos a atuar cada um para seu lado.Suas palavras foram suficientemente cla-ras e peremptórias.

O início da resistênciaAo fim da tarde do dia 25 de agosto

de 1961, encontrava-me no PalácioPiratini, que fervilhava de gente. Surgi-ram as primeiras manifestações nas ruas.Algumas protestando contra o golpe, ou-tras em favor de Jânio Quadros e a maio-ria delas em defesa da legalidade da pos-se do Vice-Presidente. Foram aparecendoos primeiros oradores, inclusive na frentedo Palácio.

Lembro-me que dirigimos, das jane-las térreas do Piratini, nossas primeirasdeclarações aos manifestantes e aos jor-nalistas que, sequiosos por informações,perseguiam os acontecimentos. Passamosa noite em vigília. As notícias de Brasíliae do Rio eram escassas, mas vinham che-gando. Fizemos alguns contatos.

Os inesquecíveis deputados Ruy Ra-mos e Vítor Issler passaram a nos enviarinformações, sistematicamente, via rá-dio, do escritório do Governo do Estado,

na Capital Federal. Pela madrugada, jáhavíamos definido as nossas posiçõesatravés de uma ampla troca de idéias comtodos os nossos quadros do Governo edirigentes do partido: defesa intransigen-te da ordem constitucional e investidura,na Presidência da República, de JoãoGoulart, que deveria retornar imediata-mente de sua viagem à China; resistên-cia a todo custo contra qualquer tentati-va de golpe de Estado; influir, por todosos modos ao nosso alcance, junto ao IIIExército e aos seus altos comandos paraque viessem a assumir uma posição emdefesa da legalidade constitucional; fa-zer o máximo de contatos possíveis, como mesmo propósito, a nível nacional,junto aos demais governadores, chefesmilitares e todas as instituições e líderespolíticos e populares.

Com base nestas posições, passamosa fazer declarações, pela imprensa e pelorádio, e a lançar nossos primeiros mani-festos ao povo rio-grandense e, até ondepodíamos chegar, à opinião pública doPaís.

O dia seguinte amanheceu com o País,virtualmente, sob o estado de sítio. O De-putado Mazzilli, Presidente da Câmarados Deputados, havia “assumido” a Pre-sidência da República. Teria sido uma ini-ciativa tomada no âmbito do Congresso,com intenções até pouco esclarecidas.Pois, se de um lado era o mecanismo cons-titucional, isto é, ausente do País o Vice-Presidente, era o presidente da Câmarados Deputados quem devia assumir inte-rinamente a Presidência da República,como o segundo na ordem de substitui-ção; por outro lado, corria também - comose verificou depois - um certo oportunis-mo de políticos conservadores que, na-quele instante, jogavam maliciosamentee, sobretudo, nada faziam em oposiçãoao veto que se levantava contra ainvestidura do Vice-Presidente constitu-cional.

Em verdade, o que se verificou mes-mo foi o estabelecimento de um governode fato, uma espécie de junta dos trêsministros militares, sob a chefia do Mare-chal Odylio Denys, que ditava ordens eassumia todas as decisões. O GovernadorCarlos Lacerda, do Rio de Janeiro, desen-cadeou a repressão, com prisões e censuraà imprensa.

Durante todo o dia, procuramos fazercontatos telefônicos fora do Estado. Con-seguimos falar com o Governador Carva-

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lho Pinto, de São Paulo. Encontrei-o frioe desinteressado, nenhuma resistência aogolpe. Falei com o Comandante do II Exér-cito, em São Paulo, o qual declarou-meque tudo faria para que a crise não se agra-vasse. Consegui localizar o GeneralOsvino Ferreira Alves, que se encontravasem comando de tropa no Rio, e sem con-dições de se expressar ao telefone.

Com muita dificuldade, consegui umcontato telefônico com o General Costa eSilva, que comandava o IV Exército, noRecife. Nosso diálogo foi duro e violento.Respondi com a mesma moeda às suasgrosserias e agressividade. Localizei no Rioo General Kruel, também sem comando,e convidei-o para vir, de qualquer forma,para o Rio Grande do Sul. Dois ou trêsdias depois, estava chegando e permane-ceu incógnito no Palácio Piratini. Era nos-sa intenção atribuir-lhe o comando mili-tar da resistência, caso o General Macha-do Lopes não se decidisse a apoiar a Lega-lidade.

O Manifesto de LottNa boca da noite, o querido deputado

Ruy Ramos colocou-nos em contato como Marechal Henrique Teixeira Lott, trans-mitindo-nos o manifesto que aquele pres-tigioso chefe militar havia lançado emdefesa da ordem e da Constituição. O tex-to do documento foi recebido etaquigrafado pelo companheiro HélioFontoura. Passamos a difundir o manifes-

to do Marechal Lott pela rádio. As emis-soras que fizeram a transmissão eram si-lenciadas pelas autoridades do III Exérci-to, mediante o confisco dos cristais deseus transmissores. Permaneceu no ar so-mente a Rádio Guaíba, porque os seusproprietários declararam que não podiamtransmitir o manifesto. Sábado e domin-go foram dias de muitas tensões e expec-tativas. Havia uma multidão em frente aoPalácio do Governo e na Praça da Matriz.Concentramos em Porto Alegre, no cursodesses dias, todos os contingentes possí-veis da Brigada Militar que se encontra-vam destacados nos municípios vizinhos.Fomos assumindo, desde logo, todas asposições que o Estado Maior da Brigadaentendia conveniente. O Palácio e as áre-as adjacentes foram se transformandonuma verdadeira cidadela. As torres daCatedral foram ocupadas com ninhos demetralhadoras, pilhas de sacos de areiaonde se fizessem necessários. Eram as ta-refas do Regimento Bento Gonçalves, re-forçados com outros contingentes da Bri-gada Militar, sob o comando do CoronelÁtila Escobar.

A conselho do Marechal Lott, envia-mos, num aviãozinho monomotor, umprofessor e coronel do Exército para umcontato com o General Oromar Osório,comandante de uma divisão sediada emSantiago do Boqueirão.

Mandou-nos dizer que já se encontra-va sob rodas e que precisava urgente de 11

trens e 200 caminhões, recomendandoque procurássemos entendimento com oGeneral Machado Lopes. Tambémcontatamos, a conselho do Marechal Lott,o General Pery Bevilácqua, em Santa Ma-ria, que se deslocava a Porto Alegre parauma reunião convocada pelo Comandan-te do III Exército. Os trens e os caminhõesforam fornecidos ao General OromarOsório que, como todos sabem, atingiunos dias seguintes o Estado do Paraná.Atuou com a mobilidade do GeneralPatton na II Guerra Mundial.

A mobilização popularA mobilização do povo gaúcho atin-

gia um nível surpreendente. Em PortoAlegre e em todas as cidades, grandes epequenas, já se formavam comitês de re-sistência e voluntariado. O espírito cívicodo povo gaúcho impregnava todos os es-paços e ia atingindo e envolvendo a tudoe a todos. Em frente ao palácio, era per-manente uma multidão de dezenas demilhares de homens e mulheres de todasas idades e categorias sociais.

Constituiu-se, nessas horas, uma uni-dade impressionante do povo rio-grandense, seus quadros e lideranças detodas as atividades. Dos políticos daque-la época e que ainda hoje estão em evi-dência, recordo-me que o senhor PauloBrossard foi o único que agiu contra oMovimento da Legalidade, discretamen-te, na Cúria Metropolitana.

Havia uma preocupação profunda naalma de todos sobre a posição do III Exér-cito. Nossa resistência poderia ter sidoheróica, mas não tínhamos condições deenfrentar as forças federais, na hipótesedelas decidirem investir contra nós. Anossa deliberação, porém, já erairreversível. Estávamos ao lado da ordem,da lei, da Constituição e da moral, dosdireitos mais sagrados de nosso povo eda dignidade da própria Nação. O RioGrande encontrava-se, já então, comple-tamente bloqueado, sem nenhuma comu-nicação com o País.

O Vice-Presidente João Goulart emviagem de retorno, mas sem nenhumcontato conosco. Chegavam muitos cor-respondentes estrangeiros, via Uruguai.Inúmeras pessoas conseguiam atingir oRio Grande do Sul procedentes de outrosestados para apresentar-se como volun-tários.

Nessa noite de domingo para segun-da-feira, tivemos os primeiros indícios de

Chegada doGeneral MachadoLopes aos porõesdo Palácio

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que se preparavam operações militarescontra o Governo do Rio Grande do Sul.Mas foi nas primeiras horas do dia 28 deagosto, segunda-feira, que um radioama-dor nos transmitiu o que havia escutadode uma comunicação do General OrlandoGeisel com III Exército, por ordem doMarechal Denys, determinando que fosseo Governo do Rio Grande do Sul compe-lido ao silêncio, com o emprego da forçae do bombardeio pela Aviação, se neces-sário. A princípio, pensei que se tratassede alguma brincadeira de mau gosto. Mas,logo em seguida, outra comunicação.

Vários radioamadores e o companhei-ro João Carlos Guaragna, dos Correios eTelégrafos, colocavam-nos diante de umasituação que até há poucos momentosparecia inconcebível. Novas mensagensforam captadas reiterando e exigindo oimediato cumprimento daquelas ordens.

Pedi, ato contínuo, ao Doutor JoãoCaruso, meu Secretário de Justiça, queredigisse um ato, portaria, decreto, fos-se o que fosse, requisitando a RádioGuaíba - única emissora que se encon-trava no ar - sob o fundamento que ne-cessitávamos, de emergência, daquelemeio de comunicação para manter a or-dem pública.

Determinei à Brigada Militar que ocu-passe, imediatamente, com o máximo deforças, as torres da rádio e que as lanchas

do Corpo de Bombeiros fossem armadase ajudassem a guarnecer a ilha onde astorres se localizavam. O engenheiroHomero Simon, antigo técnico daquelarádio, foi incumbido de trazer os seusmicrofones para os porões do PalácioPiratini. Ocupamos também os estúdiosda emissora.

Em pouco mais de uma hora, já está-vamos irradiando do Palácio Piratini epedi que, de imediato, anunciassem queo Governador tinha uma importante e ur-gente comunicação a fazer ao povo gaúchoe à opinião pública do País. As ondas cur-tas foram direcionadas para o territórionacional.

Neste momento, o Palácio recebeuum telefonema do Quartel-General doIII Exército, pelo qual o General Macha-do Lopes solicitava ser recebido peloGovernador, com a máxima urgência. De-viam ser 10h30min da manhã. Marqueiaudiência para às 12h. Minha primeiraimpressão era a de que o General vinhame apresentar uma espécie de ultimato.Lembrei-me do golpe de 45, quando seprocedeu dessa forma com o GeneralErnesto Dornelles, embora em circuns-tâncias diferentes. Marquei a audiênciapara as 12h, porque desejava informar àpopulação o que se passava e, principal-mente, tendo em conta a nossa decisãode resistir, definitiva e irrevogável.

A Cadeiada Legalidade

Quando me dirigi para os porões doPalácio, acompanhado do Subchefe daCasa Militar, o então Major EmílioNeme, que permanecia ao meu lado emtodos os momentos, onde já se encon-travam os microfones e instalações derádio, alguns jornalistas já me davamconta, embora em observações confusas,de que, possivelmente, o comando doIII Exército se pronunciaria em favor dalegalidade. Quando me preparava parafalar, o engenheiro Homero Simon mos-trou-me uma pequena luz vermelha,com a observação de que, enquantoaquela luz estivesse acesa, estaríamosno ar.

Falei de improviso e sob grande ten-são, medindo, tanto quanto possível, asminhas palavras. Era muito delicada asituação. Precisávamos mobilizar aomáximo. Somar tudo o que pudéssemos,porém, sem criar nenhum tipo de pro-

blema ou constrangimento que viesse di-ficultar a integração do III Exército na de-fesa da legalidade. Pensamos em definira nossa posição de resistência.

Denunciamos e levamos ao conheci-mento da população as ordens que vi-nham de Brasília: ‘Deve o Comando doIII Exército impedir a ação que vem de-senvolvendo o governador Leonel Brizola.O III Exército deve agir com a máximaurgência e presteza, fazendo convergir con-tra Porto Alegre toda a tropa do Rio Gran-de do Sul que julgar conveniente. A Aero-náutica deve realizar o bombardeio, se fornecessário. Está a caminho do Rio Grandeuma força-tarefa da Marinha de Guerra, emande dizer qual o reforço de que preci-sa. Insisto que a gravidade da situaçãonacional decorre, ainda, da situação doRio Grande do Sul’.

Demonstramos, perante a população,os desatinos em que estavam incorrendoas autoridades de Brasília. Fizemos umúltimo apelo ao General Machado Lopese aos Generais comandantes do III Exérci-to. Recomendamos à população que seafastasse daquela área, especialmente queretirasse dali todas as crianças. Juntamen-te com Neusa, minha mulher, lá estavammilhares de mulheres dentro e fora doPalácio, que se recusaram a se afastar. Ascrianças foram retiradas, mas o povo lápermaneceu. E, a cada momento, crescia

Em frente ao Palácio, povo aguarda chegada de Jango

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3 1Brizola, Brasil

a multidão.Devia ser mais de cem mil pessoas

naqueles momentos. A nossa sorte estavalançada. Afirmamos que resistiríamos atéo fim e, se tivéssemos de sucumbir, alihaveria de permanecer o nosso protesto,lavando a honra e a dignidade do povobrasileiro.

A partir desse momento, começou a fun-cionar a Cadeia da Legalidade, com aintegração de uma quantidade crescente depequenas emissoras às transmissões da Rá-dio Guaíba. Centenas de jornalistas, nacio-nais e estrangeiros, sob a coordenação deHamilton Chaves, desenvolveram um admi-rável trabalho que sensibilizou o povo bra-sileiro, civis e militares, por todos osquadrantes da Nação.

Nunca tive oportunidade de ouvir umagravação deste pronunciamento. Não seimesmo se existe, ou se alguma pessoa pos-sui esta gravação. Gostaria de ouvi-la. So-mente agora, depois de 25 anos, é que con-segui ler uma transcrição da imprensa daépoca.

A definiçãodo III Exército

Na hora aprazada recebi, em meu ga-

binete no andar superior do PalácioPiratini, o General Machado Lopes, quese fazia acompanhar de algumas altaspatentes do Exército. O General, ao meulado, na extremidade de uma mesa de reu-niões, de imediato tomou a palavra, co-municando-me que o Comando e todosos Generais do III Exército haviam deci-dido não aceitar nenhuma solução para acrise, fora da Constituição. Levantei-me eapertei a mão do General, dizendo-lheque, daquele momento em diante, passa-va a Brigada Militar ao seu comando. Acha-vam-se presentes, além do Doutor JoãoCaruso, o professor Francisco Brochado daRocha e o Coronel Moojen, Comandanteda Brigada Militar. Terminada a reunião,fiz questão de acompanhar o General Ma-chado Lopes até a porta do Quartel-Gene-ral do III Exército.

A partir do momento em que o III Exér-

cito assumiu aquela definição, começoua pender a balança em favor da Constitui-ção e da Legalidade. Criou-se uma situa-ção de resistência em todo o País. As men-sagens da Cadeia da Legalidade atingiramas consciências em toda a parte. Todosprocuravam sintonizar as ondas curtasda Rádio Guaíba. Estabeleceram-se no-vas correlações de força. Criou-se umambiente de apoio e solidariedade ge-neralizada de parte da população de todoo País. Foi nesse momento que começoua prevalecer a nova investida de ufanis-mo, envolvendo o próprio Vice-Presiden-te João Goulart, já então na Europa, a ca-minho do Brasil, que resultou na adoçãode um mal-ajeitado regime parlamenta-rista, de tão funestas conseqüências. Sem-pre achei que se deveria evitar o confron-to que se apresentava iminente.

Era necessário encontrar soluções paraa crise, mas de nenhuma forma violandoa Constituição, como fez o próprio Con-gresso, numa madrugada, ao instituiraquele regime, retirando poderes legíti-mos do Presidente. Esse episódio contém,sem nenhuma dúvida, lições e ensina-mentos de grande valor e da maior pro-fundidade. Não sou eu, porém, o maisindicado para trazê-los à tona. Tenho fei-to as minhas reflexões. É possível quemais adiante ainda venha a escrever umtexto expondo as minhas observações”.

(Texto de Leonel Brizola, extraído do livro

“Legalidade, 25 anos - A Resistência que

levou Jango ao Poder”, Ed. Rafael Guimarães,

A. Porto, Ricardo Stricher e Sérgio Quintana.

Porto Alegre, 1986)

Hino da Legalidade(Lara de Lemos, Demóstenes Gonsalez,

Paulo César)

Avante brasileiros de péUnidos pela liberdadeMarchemos todos juntos com a bandeiraQue prega a lealdade

Protesta contra o tiranoSe recusa à traiçãoQue um povo só é bem grandeSe for livre sua Nação

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no mundo

Ninguém fez mais

escolasO menino

descalço,entregador de

açougue de seucunhado, que

rondava o InstitutoEducacional dePasso Fundo na

hora do recreio e,por isso, foi

acolhido na casa doreverendo Isidoro

Pereira, nuncaesqueceu o drama

das criançassem a mesmasorte que ele.

O cartaz da candidatura de Brizola adeputado estadual, em 1946, já anunciavaa educação como sua maior preocupa-ção, numa época em que milhares de cri-anças não encontravam vagas nas esco-las ou não havia estabelecimento de en-sino perto de onde moravam.

Nos palanques, ele apontava o casodos alunos dos colégios militares, comfardamento e tratamento especial garan-tidos, e perguntava por que não se faziao mesmo nas escolas civis. Ocorria o es-talo que incubaria a idéia das escolas deturno integral (CIEPs).

Eleito prefeito de Porto Alegre, Leo-nel Brizola desencadeou o programaque, em dois anos, acabou com a faltacrônica de vagas – a maneira disfarçadade bloquear o acesso de crianças pobresà educação. Com a participação da co-munidade, que se encarregava de con-seguir adesões de outras autoridades eempresários, brotaram escolas em pátiosde quartéis e em trechos ociosos de ruas,algumas daquelas até hoje em funcio-namento. Foi assim que uma geração in-teira pôde estudar, época que o repórterCaco Barcellos (Rede Globo) retratou ememocionante depoimento pessoal, diasapós a morte de Brizola.

A partir da experiência inovadora daconstrução de 137 escolas na capital, Leo-nel Brizola, eleito governador, lançou, nogoverno do Estado, o maior empreendi-mento público em educação do Brasil.

Vinte e cinco anos depois, no gover-

no do Rio, Brizola surpreendeu o Brasilcom os CIEPs, inovadora proposta de de-mocratização da educação pública, ado-tado na década de 90 no governo AlceuCollares (CIEMs) e, recentemente, na ca-pital paulista. Somadas à paixão deBrizola, as genialidades de Darcy Ribei-ro, Oscar Niemayer e João Filgueiras Limaeternizam os brizolões na história daeducação brasileira.

Leonel Brizola nunca se proclamou omelhor governador do Rio Grande do Sul– honraria que até adversários irredutíveislhe concedem – nem se atribuiu títulosque merecidamente poderia reivindicar.De um orgulho, porém, não abria mão, ode ser “a pessoa que, no mundo, mais fezescolas”. (Revista Caros Amigos, n° 88,julho 2004).

A paixão pela educação tinha um mo-tivo que o levava a superar qualquer obs-táculo de tempo ou espaço.

“A educação é o único caminho paraemancipar o homem. Desenvolvimentosem educação é criação de riqueza ape-nas para alguns privilegiados. É fazer osricos mais ricos e poderosos, e os pobresmais dependentes... é necessário que opovo participe dos lucros sociais do de-senvolvimento... a educação deve serconsiderada como uma espécie de pré-requisito do desenvolvimento, pois quesó ela prepara o homem para usufruir osbenefícios do progresso, serve de armapara reclamar, conscientemente, essesbenefícios”.

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3 3Brizola, Brasil

Este foi o lema da campanha de Brizolapara o governo do Estado. Eleito, reestru-turou a Secretaria da Educação e Cultura ecriou três subsecretarias: Ensino Primário,Ensino Médio e Ensino Técnico. Elabo-rou o Plano de Emergência de Expansãodo Ensino Primário, com duas metas: aescolarização de todas as crianças em ida-de escolar, dos 7 aos 14 anos, e aerradicação do analfabetismo. Mergulha-do na pobreza, o Rio Grande do Sul, em1958, amargava índices negativos na edu-cação: o Estado tinha 1.795 escolas e300.000 alunos.

O critério adotado foi o de levar a es-cola às populações residentes no interior.Brizola entendia que o plano educacio-nal somente daria resultado combatendoa falta de vagas escolares.

Foi colocado em prática o Plano das

duas mil, meta governamental de cons-

truir duas mil escolas em dois anos. Osinstrumentos foram o Serviço de Expan-são Descentralizada do Ensino Primário(Sedep), a Cepe, a contratação de profes-sores, cedência de professores estaduais aescolas particulares em troca de vagas e aconcessão de bolsas de estudo.

As escolinhas do BrizolaA Comissão Estadual de Prédios Esco-

lares – Cepe, criada pelo decreto n°10.416, de 25 de março de 1959 – funcio-nava em cooperação com a SEC e a Secre-taria de Obras Públicas. O órgão fiscali-zava e coordenava as obras das unidadesescolares.

As escolas tinham características pró-prias: eram construídas em madeira e, nogeral, tinham uma ou duas salas de aula ese popularizaram como as escolinhas do

Brizola. A opção pelos prédios de madei-

ra, no interior, foi pela disponibilidadede madeira no Estado, menor custo, mão-de-obra especializada em carpintaria oumarcenaria e dificuldade de transportepara o interior dos materiais necessáriospara a construção de prédios de alvenaria.Os prédios escolares eram construídos àsmargens das estradas ou voltados para arua, em vales e picadas, edifícios simplese modestos.

As bolsas de estudo para o curso pri-mário a partir do terceiro ano, tinham au-torização no decreto n° 10.598, de 14 dejulho de 1959. Dados do governo do Esta-do, em 1959, mostram que foram conce-didas 11.710 bolsas; em 1960, 15.035 e,em 1961, 12.856. O repasse de recursospúblicos para as escolas privadas tambémfoi utilizado, amparado no decreto n°10.400, de 18 de março de 1959. Foi o go-verno que mais colaborou e subvencionouo ensino particular no Estado, conformedeclaração de Brizola (Revista do Ensino,v. 12, n° 87, set. 1962, p. 5).

Em 7 de março de 1961, na Reitoria daUniversidade Federal do Rio Grande doSul, quando Brizola instituiu 1961 comoo “Ano da Escolarização”, o Estado foiapresentado como um território “cobertode escolas”.

As iniciativas do governo tinham oapoio da população. Para a construçãodas escolas, o governo liberava os recur-sos (material de construção), as Prefei-turas doavam os terrenos e transporte, for-neciam mão-de-obra semi-especializada(carpinteiros, pedreiros, etc.), e a comu-nidade se mobilizava em mutirões, o quepermitia a construção de centenas de es-colas em pequeno espaço de tempo e emdiversas localidades simultaneamente.Em São Jerônimo, na região carboníferado Estado, por exemplo, foram cons-truídas e entraram em funcionamento 81novas unidades escolares. Dessa forma,o plano educacional alcançou todas asregiões do Estado, como o pampa, ondea baixa densidade populacional dificul-tava as atividades de ensino.

Nenhuma criança semescola no Rio Grande do Sul

Assinaturado Plano deEscolarização

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3 4 Brizola, Brasil

Fabricando escolasEntre 1959 e 1962, o governo de Leo-

nel Brizola construiu 5.902 escolas pri-márias, 278 escolas técnicas urbanas erurais e 131 ginásios, colégios e escolasnormais, totalizando 6.302 novos estabe-lecimentos de ensino. Foram abertas688.209 novas matrículas e admitidos42.153 novos professores. A proporção deanalfabetos (34%) era muito inferior aorestante do país (70%).

Para o trabalhismo, a educação é ummeio de atingir a valorização do homeme a justiça social. A educação dá ao povoinstrumentos para a reivindicação de seusdireitos. Com este conceito, Brizola foi oúnico político brasileiro que assumiu aeducação como discurso político e comometa de suas administrações, construin-do as 6.302 escolas que tiraram o RioGrande do Sul do analfabetismo e im-plantando no Rio de Janeiro, 26 anosdepois, os Cieps (Centros Integrados deEducação Pública), concebidos para ar-rancar as crianças pobres da miséria e dasruas, permitindo-lhe acesso à educação,saúde e higiene.

Graças a Brizola*

‘‘Ao Brizola, eu devo o primeiro lá-pis que tive na vida, o primeiro cader-no – que a minha mãe guarda até hoje–, a oportunidade de praticar esporte emúsica em um espaço digno e o acessoà alimentação com proteína de primei-ra linha. Impossível também esquecero dia em que eu e os meus colegas ládo Partenon recebemos um tênis pa-drão das ‘brizolinhas’, como eram cha-madas as milhares de escolas públicasque ele mandou construir nos bairrospobres de Porto Alegre. Lembro, comose fosse hoje, que ouvi a justificativado Brizola pelo rádio:

‘É um absurdo que os animais donosso País sejam mais bem-tratadosque nossas crianças. Nunca vi no Brasilum bezerro abandonado, nem cavalosem ferradura no casco. Toda criançapobre tem que ter, no mínimo, o direi-to a um sapato no pé’.

Isso foi objeto de muitas críticas na

imprensa dos conservadores, que já na-quela época tentavam desmoralizá-lo,dizendo que o Brizola era o prefeito dos‘pés-de-chinelo’, como se isso fosse umaofensa.

Portanto, a ajuda dele foi indireta,mas fundamental, decisiva. Eu só co-mecei a estudar aos 8 anos de idadeporque, até 1958, não havia vagas dis-poníveis, eram raríssimas as escolaspúblicas para o primário na periferia dePorto Alegre. Da mesma forma, o giná-sio onde estudei também foi cons-truído durante a gestão dele na prefei-tura da cidade.

Por causa dessa base emotiva, nun-ca deixei de acompanhar com interessea trajetória do Brizola como estadista.Décadas depois, vibrei muito quandoele reproduziu a experiência das‘brizolinhas’ no Rio de Janeiro, que ga-nharam o nome de Cieps, com o incen-tivo de outro guerreiro dos trabalhado-

res ‘não-organizados’ do País, o DarcyRibeiro.

Ambos vão fazer muita falta. Nun-ca entendi por que ele jamais teve oapoio da esquerda dos sindicalistas,dos trabalhadores organizados de SãoPaulo. Mas essa é uma história parauma carta mais longa. Espero que al-gum dia o Brizola tenha a sua obra e aimportância histórica reconhecidasnão só pelos pobres do Brasil.”

* Depoimento do jornalista Caco

Barcellos, correspondente da Globo em

Londres, prestado em junho de 2004

As escolas de madeiraforam esparramadaspor todo o Rio Grande

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3 5Brizola, Brasil

O primeiro projeto dereforma agrária

realizado no país foifeito por Leonel Brizola.

Foi um tempo deprosperidade e riquezana colônia, um tempoem que os homens do

interior e quetrabalhavam na

agricultura prosperavamrapidamente. Com

coragem e determinação,ele enfrentou o poder do

latifúndio que excluíamilhões de gaúchos

da propriedade.

O Instituto Gaúcho de Reforma Agrá-ria – IGRA – foi criado no terceiro ano dogoverno Brizola (1961) através do decre-to n° 12.812, de 14 de novembro de 1961,com a atribuição de “estudar e sugerirprojetos, iniciativas, bases e diretrizes deuma política agrária para o Estado do Rio

Grande do Sul, objetivando amelhoria das condições sócio-eco-nômicas da população rural, o esta-belecimento de um ambiente de jus-tiça social no interior rural e, espe-cialmente, quanto ao uso e proprie-dade da terra”. A antiga Diretoria deTerra e Colonização foi anexada aoIGRA, que funcionou junto com oGrupo Executivo de Reforma Agrária,o Serviço de Associativismo e Levan-tamento e a Comissão Estadual deTerras e Habitação. O programa foiexecutado pelo Secretário da Agricul-tura em exercício, João Caruso. Ao fi-nal da administração, 14 mil títulosde propriedade foram entregues a co-lonos sem terra.

A Secretaria de Trabalho asses-sorou as associações dos agriculto-res e camponeses sem terras. Outros

órgãos do governo faziam levantamentodas áreas disponíveis no Estado, públicase particulares, para distribuição de terras.As Exatorias Estaduais fizeram o cadas-tramento dos agricultores, que preenchi-am uma ficha para a identificação de suacondição sócio-econômica.

A reforma

agráriaque deu certo

Camaquã abrigou o primeiromodelo de reforma

agrária do país

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3 6 Brizola, Brasil

Apoiado na Constituição Es-tadual, Leonel Brizola valeu-sede um dispositivo que determi-nava ao governo a entrega deterras a agricultores sempre quesurgissem abaixo-assinadoscom no mínimo 100 “firmas”reclamando a propriedade. Ogoverno, com apoio do PTB,estimulou os abaixo-assinadose os camponeses se reuniamem locais públicos para as de-liberações do documento. Essaação do governo atingia 3 milhões de gaú-chos que viviam na miséria na zona rurale que, a partir daí, tiveram os meios parareivindicar seus direitos. Inicialmente,foram 242.313 famílias recenseadas. Fo-ram os fundadores das Associações dosAgricultores Sem Terra (MASTER) que pas-saram a se reunir às margens das vias pú-blicas, próximo às áreas de latifúndio im-produtivo, chamando dessa forma a aten-ção do Poder Público. O movimento detrabalhadores sem terra gaúcho foi o equi-valente às Ligas Camponesas lideradas porFrancisco Julião, em Pernambuco.

Os principais assentamentos foram naFazenda Sarandi e no Banhado do Colé-gio, em Camaquã.

Terra para trabalharNa região de Sarandi, os agricultores

formaram um acampamento que come-çou com 30 famílias. No segundo dia,mais de 100 famílias se uniram ao grupoe, em uma semana, mais de cinco mil pes-soas, pacificamente, exigiam o seu direi-to à terra. Uma cruz de madeira e faixasanunciavam a vontade dos agricultores:“Acampamento João XXIII. Somos cristãos,queremos terras”.

O governo enviou médicos e assisten-tes sociais para vacinar as crianças e aten-der os agricultores, todos em situação demiséria. Brizola foi acusado de agitador edesordeiro. Mas as famílias eram pacífi-cas, os homens honestos e calejados peloduro trabalho no campo. As forças con-servadoras temiam pelo pior, uma vez queo acampamento foi montado nas proxi-midades de uma empresa que possuía 20

mil hectares de terras totalmente impro-dutivas, aguardando valorização no mer-cado.

Diálogo socialBrizola levou, de Porto Alegre até o

acampamento em Sarandi, parlamentares,jornalistas, Judiciário, militares do III Exér-cito e representantes das associações deproprietários rurais. Mais de 10 mil pes-soas lá estavam concentradas há 15 dias.O clima era tenso. Brizola improvisou umpalanque, pegou o microfone e foi inda-gando a situação das pessoas. Perguntouo que faziam ali e obteve a resposta deque estavam lá para mostrar a sua misé-ria, mas não pretendiam invadir nenhu-ma propriedade. De mãos levantadas, oscolonos mostravam a prova de sua ori-gem ao governador e às curiosas autori-dades. Brizola continuou perguntandosobre as famílias e seus filhos – um delestinha 19 filhos – e o governador foi avan-çando, querendo saber se estavam lá coma disposição de fazer política. Responde-ram não, “nossa política é terra”, negandoque fossem comunistas ou agitadores.“Somos cristãos e o padre aqui veio rezara missa”, contavam os camponeses. Novapergunta do governador: “Vocês queremterra de graça?”, ao que eles responderam:”Não, governador, queremos terra parapagar com o nosso trabalho”. Com a pre-sença do representante do III Exército,Brizola quis saber se todos estavam emdia com o serviço militar. Muitos tinhamfilhos servindo à Pátria, e mais de 200haviam servido na FEB.

No dia seguinte, depois do retorno

para Porto Alegre, Leonel Brizola desapro-priou, por interesse social, conforme es-tabelecia a Constituição, os 20 mil hecta-res improdutivos, que foram distribuídosentre os camponeses.

Banhado do ColégioDistante 150 km de Porto Alegre, pró-

ximo a Camaquã, o Banhado do Colégiofoi outro acampamento que reuniu maisde 10 mil pessoas, muitos poloneses ealemães, onde também o governador es-teve presente acompanhado de uma co-mitiva da capital. Eles chegavam com acarreta, as panelas, os trastes, o cachorro,pás e enxadas, cordas e lonas, ali estavatudo o que possuíam. Erguiam a cruz demadeira, ladeada pelas bandeiras do RioGrande do Sul e do Brasil. Cantavam oshinos religiosos e o Hino Nacional.Brizola fazia com que as autoridades vis-sem de perto a miséria daquelas pessoase assim desarmava as críticas. Foi acom-panhado do General Jair Dantas Ribeiro,Comandante do III Exército. A área de 25mil hectares foi declarada de interessesocial pelo Estado. Foi repartida entre osagricultores, que tiveram assistência e pla-nificação.

Depois da reforma agrária, o Banhadodo Colégio se transformou num dos lo-cais mais produtivos do Rio Grande doSul.

Enquanto os agricultores se movimen-tavam pelo Estado reivindicando terras, oIGRA acelerava o cadastramento e davaacesso à propriedade. Em quatro mesesde funcionamento, distribuiu parte dasterras do Banhado do Colégio a 190 agri-

Brizola distribui títulosde concessão no

Banhado do Colégio

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3 7Brizola, Brasil

cultores. Também na Fazenda Sarandi,Pangaré, Maragata, Itapoã, Taquarí, SãoJosé do Ouro e outras, onde foram distri-buídos mais de 600 lotes a famílias deagricultores sem terras, que se organiza-ram em comunidades. A Fazenda Pangaréfoi oferecida pelo governador LeonelBrizola ao IGRA.

Os proprietários receberam títulos deconcessão sobre lotes correspondentes auma unidade econômica, calculada deforma que a área garantisse a exploraçãoe rentabilidade à família. O pagamentoda terra foi fixado em prazo não superiora 15 anos, iniciando-se após o segundoano. O IGRA prestou assistência técnica efinanceira.

Festa do MilhoO Banhado do Colégio, um ano de-

pois do assentamento, comemorou a suaprimeira colheita de milho, cujo rendi-mento foi excepcional, com a tradicionalfesta para festejar a safra de milho. Dos 3

mil hectares distribuídos, eles plantaram2 mil hectares de milho. Colheram 150mil sacos e obtiveram o valor estimadode 200 milhões de cruzeiros. Cada famí-lia era proprietária de 25 hectares e a ren-da média, na primeira safra, foi de 1 mi-lhão e 200 mil cruzeiros. O Banhado doColégio foi o assentamento que menosrecebeu auxílio do Estado. Além da terra,o governo forneceu sementes e construiuestradas e colégio. O rendimento foi fru-to do trabalho dos novos proprietários.

Em janeiro de 1962, no último anode governo, Brizola instituiu um progra-ma especial de difusão e democratiza-ção da propriedade, o Programa PRADE(Projetos Especiais de Reforma Agrária eDesenvolvimento Econômico), pelo de-creto n° 13.068, de 29 de janeiro de1962.

As associações de representantes dossindicatos rurais, durante todo o governo,protestaram diante da ruptura que Brizolapromoveu no latifúndio gaúcho.

RS na década de 50

Os 6 milhões de habitantes do RioGrande do Sul, na década de 50, esta-vam empobrecendo aos poucos. Com600 km de litoral atlântico, 9.400.000cabeças de gado, 12.600.000 de carnei-ros e produzindo 75% dos vinhos bra-sileiros, os gaúchos trabalhavam paraos poderosos trustes de São Paulo, paraos barões agrários e empresas estran-geiras.

Brizola elaborou proposta para a re-alização de uma reforma agrária demo-crática, através do pagamento de inde-nizações. Isso seria possível se os cen-tros de riqueza local doassem140.000.000 de cruzeiros durante dezanos, e alguma potência externa doasse300 milhões para o início. Se todos par-ticipassem (inclusive as companhiasestrangeiras), os 140 milhões poderi-am ser levantados facilmente. Pediu queos Estados Unidos, através da Aliançapara o Progresso, contribuíssem com osrestantes 300 milhões.

Os americanos responderam atravésda lei de ajuda externa, em 1963, com acondição de que nenhum país receberiaajuda se expropriasse propriedades nor-te-americanas sem uma indenização“adequada” dentro de seis meses.

O latifúndio em 1961...Eram 360 propriedades com 2.580.300 hectares (pertenciam a número

inferior de proprietários, pois alguns deles possuíam várias fazendas), mais de 10%da área total do Estado, 7.167 hectares em média. Isso correspondia ao tamanho de60 municípios gaúchos. Desses, 180 proprietários (0,05%) possuíam área igual a dos150.936 pequenos proprietários (43,8%), dando para uns uma área média de 8.372hectares e, para outros, 10 hectares. As 360 propriedades empregavam menos deduas mil pessoas. Em 1961, a população economicamente ativa era de 1.679.530,pouco menos de 1/3 da população do Estado. A região da fronteira, distante dacapital e dos parques industriais, registrava os maiores índices de miséria.

... pouco produzia...Conforme o Censo Agrícola do IBGE (1960), os pequenos proprietários, com no

máximo 50 hectares, trabalhavam em 60,28% das lavouras; os médiosproprietários (500 hectares), plantavam em 27,13%; os latifundiários contribuíamcom apenas 12,59%. Com uma área rural de 24.300.700 hectares, o Rio Grande doSul produzia em apenas 3.300.000 hectares (13%) do seu solo, dos quais a metade(6,2%) das lavouras eram minifúndios com menos de 20 hectares.

...e exportava gaúchos.Nesse período, era grande a marginalização das populações nas zonas pastoris.

Desemprego, êxodo e miséria empurravam a população para as cidades. Muitosforam para o oeste de Santa Catarina e Paraná, como colonos em Goiás e norte doMato Grosso.

A área rural do Rio Grande do Sul, em1961, era de 24.300.700 hectares,dividida por 344.063 proprietários, umapropriedade média de 70 hectares porfamília. Das 586 mil famílias que viviamno meio rural, 242 mil não possuíam terra.

Juntavam-se a estes os 57.284

proprietários (16%) que possuíam menosde 10 hectares cada um ou 1,2% da áreacultivável. De 10 a 20 hectares, 93.652

agricultores eram proprietários (27,2%

do número de titulares e 5% da área total).

Ao todo, 150.936 pessoas tinham apropriedade de 43,8% do total, com áreainferior a 20 hectares para cada um.

O minifúndiogaúcho em 1961

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3 8 Brizola, Brasil

O mais longo

exílioO plebiscito do dia

6 de janeiro de 1963determinou o retorno ao

regime presidencialista.João Goulart

recuperou os poderesconstitucionais como

Presidente da Repúblicapor 9 milhões de votos.Depois de 14 meses de

governo e após reafirmarseu compromisso com as

mudanças no históricocomício da Central

do Brasil, no Rio deJaneiro, dia 13 de março

de 1964, Jango foiderrubado pelo golpe

militar de 31 de março.

Brizola era o principal alvo dos con-servadores e da direita. Sua casa, em Por-to Alegre, foi invadida e saqueada pelapolícia e pelo Exército. Cassado pelo gol-pe militar, entrou na clandestinidade an-tes de partir para o exílio no Uruguai em5 de maio. Um pequeno monomotorCessna decolou de madrugada do Uruguaie o pegou no balneário gaúcho deQuintão, de onde partiu, aos 42 anos, parao mais longo exílio vivido por um políti-

co brasileiro. Ele permaneceu 15 anosafastado do país. O nome de LeonelBrizola estava na primeira lista de cas-sados pelo Ato Institucional no 1, de 9de abril de 1964. Dali para a frente, osmilitares proibiram a citação do seunome em qualquer publicação brasi-leira.

No Uruguai, Brizola acreditou que fi-caria pouco tempo e alugou um aparta-mento por três meses. Se reaproximou deJango e, depois, se afastaram por 11 anos.Brizola continuou lutando por meio decontatos que mantinha com o Brasil.

Os militares pressionaram o gover-no uruguaio e conseguiram confiná-lono Balneário de Atlântida, emMaldonado, a 40km de Montevidéo e aquase 400 km da fronteira gaúcha. Lá, oex-governador e deputado federal per-maneceu durante sete anos, sob vigi-lância policial permanente. No iníciodos anos 70, fixou residência emMontevidéo, comprou e administrouuma propriedade rural na província deDurazno. O reencontro de Brizola eJango aconteceu em 1976, emMontevidéo. Em dezembro de 1976,João Goulart faleceu na Argentina.Brizola deixou o Uruguai no ano seguin-te, em setembro, expulso por pressãodo governo brasileiro. Foi intimado adeixar o país em cinco dias. Buscou abri-go nos Estados Unidos, em função dapolítica de direitos humanos do presi-dente Jimmy Carter. Em 72 horas, con-seguiu licença do próprio presidenteamericano para entrar no país, mas osserviços consulares brasileiros negaramdocumentos a sua família, que só con-seguiu liberá-los através de interferên-cia das autoridades americanas. Persona

non grata naquele país, Brizola teve que

embarcar, primeiro, para Buenos Aires e,um dia depois, para os Estados Unidos.Durante dois anos, de setembro de 1977a setembro de 1979, data em que retornoudo exílio, Brizola dividiu o tempo entre oHotel Roosevelt, em Nova Iorque, e Lis-boa, através do passaporte português ofe-recido pelo Primeiro-Ministro Mário So-ares. Em janeiro de 1978, mudou-se paraLisboa. Participou dos encontros da Inter-nacional Socialista e, anos mais tarde, teveo PDT como primeiro partido brasileiro aingressar nas fileiras da organização, daqual foi vice-presidente e ultimamente,era Presidente de Honra. Brizola convi-veu com as maiores lideranças socialistasdaquela época: François Mitterrand, WillyBrandt, Felipe Gonzales, Carlos AndrésPerez e Mário Soares.

Encontro de Lisboa

Em 16 de junho de

1979, quando a

campanha pela Anistia

ganhava força no Brasil,

Brizola promoveu a

reunião que se

notabilizou como

Encontro de Trabalhistas

do Brasil com

Trabalhistas no Exílio, o

Encontro de Lisboa, para

reorganizar o PTB. A

Carta de Lisboa é a sintese

do pensamento de Leonel

Brizola depois do exílio.

Repo

rodu

ção

Bilhete de Brizola para Jango

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3 9Brizola, Brasil

Brizola, no exílio, em sua fazenda na província de Durazno, Uruguai

Reconhecendo que é urgente a tarefade libertação do nosso povo, nós, brasilei-ros que optamos por uma solução traba-lhista, nos encontramos em Lisboa. E se ofizemos fora do País, é porque o exílio ar-bitrário e desumano impediu este Encon-tro no lugar mais adequado: a Pátria brasi-leira. A tarefa de organizar com nosso povoum Partido verdadeiramente nacional,popular e democrático é cada vez mais pre-mente. Não desconhecemos as permanen-tes tentativas das forças autoritárias de es-magar os movimentos dos trabalhadores.Mas o repositório de coragem e dignidadedos trabalhadores faz com que eles não sedobrem nem se iludam. E com elesestamos nós, Trabalhistas.

Não podemos deixar de salientar, tam-bém, que aqueles que defendem umaposição de paciência, assim como ainoportunidade da luta contra a opressão,não são, exatamente, os que se encontram

Carta de Lisboaem condições de sofrimento e persegui-ção, mas ao contrário, navegam nas águasda abastança e dos privilégios. Invoca-se,por outro lado, que a restauração da vidademocrática e o ressurgimento de parti-dos autênticos dependem do sistema e desuas fórmulas jurídicas e legais. Conside-ramos, todavia, um ato de incompetênciapolítica e de deslealdade para com o nos-so povo, aguardar as providências dos ju-ristas do regime, de cujas fórmulas, so-mente por ingenuidade ou má-fé, pode-se esperar algo de diferente da vontade deinstitucionalizar a espoliação de nossagente e a manutenção de uma estruturapolítica e econômica inaceitável para opovo brasileiro.

Fato novo mais importante da conjun-tura brasileira não é nem a crise do regi-me, nem o fracasso de todos os seus pro-jetos e promessas.

O novo, importante e fundamental, é

a emergência do povo trabalhador na vidapolítica do País. Não de um povo ame-drontado depois de 15 anos de opressão,mas de um povo que se organiza sob asmais variadas formas - nos sindicatos, nasassociações, em comunidades, em movi-mentos e organizações profissionais - como mesmo objetivo: o de lutar por seus di-reitos, pela democracia. Como parte des-ta emergência se deve destacar as conquis-tas do movimento estudantil, e a luta ago-ra vitoriosa pela reorganização da UNE.

A experiência histórica nos ensina, deum lado, que nenhum partido pode che-gar e se manter no governo sem contarcom o povo organizado e, de outro lado,que as organizações populares não podemrealizar suas aspirações sem partidos queas transformem em realidade através dopoder do Estado. A falta de apoio popularorganizado pode levar a situações dramá-ticas como aquela que conduziu o Presi-

Rica

rdo

Chav

es

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4 0 Brizola, Brasil

dente Getúlio Vargas a dar um tiro em seupróprio peito.

Partidos e povo organizados constitu-em, por conseguinte, as duas condiçõesfundamentais para a construção de umasociedade democrática.

Analisando a conjuntura brasileira,concluímos pela necessidade de assumir-mos a responsabilidade que exige o mo-mento histórico e de convocarmos as for-ças comprometidas com os interesses dosoprimidos, dos marginalizados, de todosos trabalhadores brasileiros, para que nossomemos na tarefa da construção de umPartido Popular, Nacional e Democrático,o nosso PTB. Tarefa que não se improvisa,que não se impõe por decisão de minori-as, mas que nasce do encontro do povoorganizado com a iniciativa dos líderesidentificados com a causa popular.

Nós, Trabalhistas, assumimos a res-ponsabilidade desta convocatória, porqueacreditamos que só através de um amplodebate, com a participação de todos, po-deremos encontrar nosso caminho para aconstrução no Brasil de uma sociedadesocialista, fraterna e solidária, em Demo-cracia e em Liberdade.

Nós, Trabalhistas, queremos represen-tar para o povo brasileiro o espírito datolerância e da fraternidade. Nós, Traba-lhistas, participamos ao lado do nossopovo em todas as suas lutas, e, porque onosso projeto é profundamente democrá-tico, procuraremos alianças com as outrasforças também democráticas e progressis-tas do nosso País. Nós, Trabalhistas, mili-taremos ativamente em todas as frentese, porque o nosso projeto é pluralista, nãopretendemos absorver ou manipular ossindicatos ou as organizações popularesdas mais diversas origens.

Entendemos a necessidade de um in-tenso debate para o desenvolvimentoconstante da Democracia e nós, Traba-lhistas, estaremos sempre empenhadosem discutir com todas as forças popula-res e democráticas do nosso País. É porisso que favorecemos o surgimento deoutras organizações, que auspiciamos oaparecimento de outros partidos e que,nas nossas lutas, respeitaremos os seusprincípios.

A consecução destes objetivos exige,como requisito prévio e fundamental no

campo do pensamento e da cultura, a con-quista da plena liberdade de criação inte-lectual, de expressão e de imprensa. Nes-te sentido, torna-se imprescindível a re-vogação de todas as formas de censura.

O grande desafio com que nós, Traba-lhistas, nos defrontamos hoje é o de nossituarmos no quadro político brasileiropara exercer o papel renovador que de-sempenhávamos antes de 1964 e em ra-zão do qual fomos proscritos.

Com efeito, apesar de termos tido nu-merosas deficiências, não por elas quecaímos. Fomos derrubados, isto sim, emvirtude das bandeiras que levantamos. Avelha classe dominante brasileira e osagentes internos do imperialismo, nãonos podendo vencer pelo voto, nos ex-cluíram pelo golpe.

A verdade que afinal se fez evidente(depois copiosamente comprovada) é queo governo do Presidente João Goulart foiderrubado por uma ação conjugada. Oslatifundiários temiam a lei da ReformaAgrária que, com a nossa presença no Con-gresso Nacional, seria inevitável. Por suavez, o governo norte-americano de entãoplanejou e coordenou o golpe para evitara aplicação da lei de Remessa de Lucrosque poria termo à espoliação do Brasilpelas empresas multinacionais.

O desafio com que nos defrontamosé, por conseguinte, o de retomar as ban-deiras daquela tentativa generosa de em-preender legalmente as reformas institu-

cionais indispensáveis para liberar asenergias do povo brasileiro. Especial-mente uma reforma agrária que dê a ter-ra a quem nela trabalha, em milhões deglebas de vinte a cem hectares, em lugarde entregá-las em províncias de meio, deum e até de mais de dois milhões de hec-tares na forma de superlatifundiários,subsidiados com recursos públicos. E te-mos também de levantar a bandeira daluta pela regulamentação do capital es-trangeiro, para pôr fim à apropriação dasriquezas nacionais e ao domínio das pró-prias empresas brasileiras pelas organi-zações internacionais.

O regime militar que sucedeu ao go-verno constitucional, sendo regressivo noplano histórico, se fez repressivo no pla-no político e, em conseqüência, totalmen-te infecundo e despótico. Apesar de con-tar com todo o poderio do arbítrio, legis-lando a nível constitucional da forma maisdiscriminatória, só fez acumular mais ri-queza nas mãos dos mais ricos e mais nocolo dos mais privilegiados. O bolo quetão reiteradamente prometeram repartirquando crescesse, agora o sabemos, é ode uma dívida externa gigantesca quemontava a 3 bilhões de dólares em 1964e hoje supera os 50 bilhões.

Nessas circunstâncias, o nosso primei-ro compromisso é o de reconduzir o Bra-sil a uma institucionalidade democráticaem que todo o poder emane do povo eseja por ele periodicamente controlado

Rica

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Chav

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4 1Brizola, Brasil

Carta de Lisboaatravés de eleições livres e diretas, nasquais todos os brasileiros de maior idadesejam eleitores e elegíveis. O Brasil de-mocrático pelo qual lutamos será umaRepública realmente federativa, com pro-gressiva descentralização do poder, ondeo voto terá que ser proporcional, para que- havendo a mais ampla representação dasdiversas forças políticas - não sejaescamoteada a vontade popular. A Repú-blica a que aspiramos há de estar defen-dida contra todo intento de golpismo econtra toda e qualquer manifestação dedespotismo e repressão, para assegurarpermanentemente ao povo brasileiro odireito elementar de viver sem medo esem fome.

Nosso segundo compromisso é o delevantar as bandeiras do Trabalhismo parareimplantar a liberdade sindical e o direi-to de greve como os instrumentos funda-mentais de luta de todos os que depen-dem do salário para viver. É dever tam-bém dos Trabalhistas lutar contra a brutalconcentração da renda que responde in-clusive pelo achatamento dos salários, fi-xados em índices falsificados e sempreinferiores ao aumento das taxas reais docusto de vida.

Será também preocupação primordialdos Trabalhistas a elaboração de umanova legislação do trabalho que recupereas conquistas subtraídas pela ditadura eque permita a ampliação constante dosdireitos dos trabalhadores. Nosso tercei-ro compromisso é de reverter as diretrizesda política econômica, com o objetivo deafirmar, em lugar do primado do lucro, aprioridade de dar satisfação às necessida-des vitais do povo, especialmente as dealimentação, saúde, moradia, vestuário eeducação. O resultado da orientaçãoeconomicista até agora vigente é este con-traste espantoso entre a superpros-peridade das empresas - especialmente asestrangeiras - e o empobrecimento dopovo brasileiro. Nos últimos anos, traba-lhadores do campo se viram convertidosmajoritariamente em bóias-frias que pe-rambulam sem trabalho permanente, etrabalhadores nas cidades se viram trans-formados em massas marginalizadas quese concentram na porta das fábricas. Estasimensas multidões vivem em condiçõestão extremas de carência alimentar que já

têm sua sobrevivência biológica e sua saú-de mental afetadas.

Por tudo isso é que devemos definirprontamente as forças de ação política eos procedimentos legais mais adequadospara mobilizar o nosso povo para umacampanha de salvação nacional. Atravésdela, nós, Trabalhistas, buscaremos darsolução, dentro do prazo o mais brevepossível, ao problema máximo de nossaPátria, que é a marginalidade. Com efei-to, um dos aspectos mais desumanos dapolítica econômica da ditadura é a con-versão da força de trabalho nacional numexército de excedentes. Nem a singela as-piração de um emprego permanente, emque se ganha um salário-mínimo para asobrevivência, o sistema pode assegurar.O drama social pungente dessas massasmarginalizadas, que humilha e envergo-nha a Nação Brasileira, afeta, especialmen-te a quatro categorias de pessoas cujosproblemas estão a exigir a atenção priori-tária dos trabalhadores.

Primeiro, o de salvar os milhões decrianças abandonadas e famintas, que es-tão sendo condenadas à delinqüência;bem como o meio milhão de jovens que,anualmente, alcançam os dezoito anosde idade analfabetos e descrentes de suaPátria.

Segundo, o de buscar as formas maiseficazes de fazer justiça aos negros e aosíndios que, além da exploração geral declasse, sofrem uma discriminação racial eétnica, tanto mais injusta e dolorosa, por-que sabemos que foi com suas energias ecom seus corpos que se construiu a nacio-nalidade brasileira. Terceiro, o de dar amais séria atenção às reivindicações damulher brasileira, que jamais viu reconhe-cidos e equiparados seus direitos de pes-soa humana, de cidadã e de trabalhadora;e que, além de ser vítima da exploraçãorepresentada pela dupla jornada de traba-lho, se vê submetida a toda sorte de vexa-mes sempre que procura fazer valer seusdireitos.

Quarto, o de fazer com que todos osbrasileiros assumamos a causa do povotrabalhador do norte e do nordeste, tan-to por uma economia local obsoleta,como por um colonialismo interno exer-cido de forma escorchante pelas unida-des mais ricas da federação e pelo pró-

prio Governo Federal, que propicia suaexploração entregando às grandes empre-sas, na forma de subsídios para aumen-tar seus lucros, os recursos que deviamser destinados àquelas populações extre-mamente carentes.

No plano da ação política, duas tare-fas se impõem com a maior urgência atodos os Trabalhistas.

Em primeiro lugar, a luta por umaAnistia ampla, geral e irrestrita de todosos patriotas brasileiros perseguidos porsua resistência à ditadura. Este é o requi-sito indispensável à reunificação da co-munidade nacional para a retomada doesforço conjunto para fazer do Brasil umaPátria solidária de cidadãos livres, eman-cipados do medo, da ignorância e da pe-núria.

Em segundo lugar, a luta pelo retornoà normalidade democrática que só se efe-tivará no Brasil quando, após areimplantação da liberdade de organiza-ção partidária, o nosso povo eleger a As-sembléia Nacional Constituinte. Reconhe-cemos as dificuldades para que nossopovo tenha uma participação efetiva. Epor participação efetiva entendemos crí-tica viva e permanente e não atuação elei-toral episódica ou simplesmente a ade-são a propostas impostas verticalmente.

A proposta do novo Partido Trabalhis-ta a ser discutida pelo nosso povo e for-mulada em território brasileiro, despidade soluções importadas, tem que levar emconta a necessidade de criar um partidoque expresse os anseios e seja dirigidopelas classes populares. A nova propostacomeça com a repulsa àqueles que vêemno ressurgimento do PTB uma sigla defácil curso eleitoral. A nossa proposta temum sentido claro de opção pelos oprimi-dos e marginalizados.

Neste particular e dentro de um hori-zonte que não é absolutamente cristão,mas marcado por um capitalismoimpiedoso, impõe-se a nossa defesa cons-tante dos pobres contra os ricos, ao ladodos oprimidos contra os poderosos.

Na luta a favor da justiça contra a opres-são, se insere a questão da atual ideologiade segurança nacional, que tem servidopara justificar as violações dos direitoshumanos. Tal doutrina gerou no País amais completa insegurança para os cida-

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4 2 Brizola, Brasil

A voltaA anistia foi decretada

em agosto de 1979, eBrizola retornou ao Brasildia 6 de setembro, no aero-porto de Foz do Iguaçu (PR).Brizola pisou novamenteem solo brasileiro às17h30min, e dirigiu-se paraSão Borja, depois Carazinho– onde visitou o túmulo desua mãe, Oniva, que faleceudurante o período em queesteve afastado do país – atéchegar em Porto Alegre.

Empenhou-se pela cons-trução do novo PTB, mas, em12 de maio de 1980, o TSEconcedeu a sigla para IveteVargas. Brizola fixou resi-dência no Rio de Janeiro e,de lá, comandou as articu-lações políticas para a for-mação de um novo partido.

dãos comuns, ensejando a expansão da brutali-dade, da denúncia e da tortura, tanto contra ospresos políticos, como contra as lideranças sin-dicais e sobretudo, com incidência cruel sobreas camadas mais pobres da população.

Porque damos importância central ao nos-so povo como sujeito e criador do seu pró-prio futuro, sublinhamos o caráter coletivo,comunitário e não individualista da visão Tra-balhista.

A partir deste momento, devemos concen-trar todos os nossos esforços na preparação eorganização do Congresso Nacional da organi-zação do novo PTB, a realizar-se no Rio de Ja-neiro, no dia 19 de abril de 1980.

No Congresso, recolheremos, através denossas bases, as grandes aspirações e defini-ções da vontade popular.

Com o Congresso, continuaremos firme-mente, sob a inspiração da Carta Testamentodo Presidente Getúlio Vargas, a caminhadajunto ao povo que nos levará à emancipaçãoda Pátria.

Lisboa, 17 de junho de 1979

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ãoBrizola, em São Borja, retornando do exílio

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4 3Brizola, Brasil

Brizola lutou para preservar a siglaPTB, mas uma articulação da direita con-cedeu a legenda para Ivete Vargas. Já mo-rando no Rio de Janeiro, ele iniciou asarticulações políticas para a formação deum novo partido.

Nos dias 17 e 18 de maio de 1980, ostrabalhistas autênticos reuniram-se no Pa-lácio Tiradentes, sede da AssembléiaLegislativa do Rio de Janeiro, para o Encon-tro Nacional dos Trabalhistas. Lá, foi anun-ciada a nova sigla para o partido: PDT.

No dia 25 de maio, na ABI, Associação

PDTUma propostapara o Brasil

Brasileira de Imprensa, foram aprovados oprograma, o manifesto e os estatutos doPartido Democrático Trabalhista.

O PDT surgiu, inicialmente, em noveEstados, com força maior no Rio Grande doSul e Rio de Janeiro. Na primeira eleiçãodemocrática de 1982, o PDT elegeu Brizolagovernador do Rio de Janeiro, dois senado-res - um no Rio e outro em Brasília - e 24deputados federais, credenciando-se comouma das principais forças políticas do país.

Em 1983, antes da posse de Brizola,os pedetistas fizeram nova reunião na-

cional, em que tiram a Carta de Men-des, cidade do interior do Estado do Riode Janeiro que abrigou o encontro. Nes-te documento, eles traçam as diretrizesda ação política para a realidade donovo Brasil saído das urnas.

Em 1989, o PDT era escolhido como oúnico membro da Internacional Socialis-ta no Brasil, e seu líder, Leonel Brizola,eleito um dos vice-presidentes daqueleorganismo, com sede em Londres, quereúne os principais movimentos popula-res do mundo.

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Reunião daInternacionalSocialista

A sigla PDTfoi registradaoficialmente

em 1981

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4 4 Brizola, Brasil

Duas vezes

governador

Concluído o governogaúcho, Brizola não

conseguiu eleger o seusucessor, Egídio

Michaelsen, que perdeua eleição para Ildo

Meneghetti. Masconcorrendo pelo então

Estado da Guanabara,em 1962, Brizola venceu

a eleição com a maiorvotação obtida por umcandidato a deputadoem toda a história do

Congresso: 269 milvotos. Vinte anos mais

tarde, depois da cassaçãoe dos 15 anos de exílio,

ele retornou paragovernar o Rio de

Janeiro em duasoportunidades: de

1983 a 1987e de 1990 a 1994.

do Rio de Janeiro

A candidatura de Leonel Brizola ao go-verno do Rio de Janeiro, lançada em mar-ço de 1982, enfrentou forte oposição eesquema de fraude. Com 3% nas pesqui-sas, Brizola desafiou as elites e construiusua vitória. Uma apuração paralela, noinício da contagem dos votos, apontou di-ferenças crescentes a favor de Brizola e con-firmou a existência de fraude pela JustiçaEleitoral. O caso Proconsult se transfor-mou num escândalo internacional.

Brizola, denunciando, ganhou a eleição.Foram quatro anos (1983/1987) de

confronto. Saques, greves e distúrbios so-ciais marcaram os dois primeiros anos dogoverno. Enfrentou dificuldades orçamen-tárias, patrocinadas pelo governo federal,mas não deixou de imprimir a sua marcade administrador. Criou o Sambódromo,distribuiu escolas por todos os lados, ca-nalizou as favelas, encampou o transpor-te coletivo.

Refazendo o Rio de Janeiro

Divu

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ão

A posse no primeiro governo fluminense

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4 5Brizola, Brasil

SambódromoA nova passarela do Carnaval na rua

Marquês do Sapucaí, um projeto do ar-quiteto Oscar Niemeyer, realizou o sonhodos sambistas que ganharam um local de-finitivo para desfilar. O Sambódromo foiconcebido para abrigar 210 salas de aula,com capacidade para 15 mil crianças. Nasprimeiras aulas do sambódromo, 568 alu-nos estavam matriculados.

Fazedor

de escolasO Programa Especial de Educação, ela-

borado por Darcy Ribeiro em 1984, res-ponsável pela implantação do turno úni-co no sistema de ensino, consistiu na cons-trução dos CIEPs e das casas da criança,destinadas ao atendimento pré-escolar decrianças entre três e seis anos das regiõesmais carentes e de maior concentraçãodemográfica. Projetados por OscarNiemeyer, os CIEPs revolucionaram o con-ceito de educação. As escolas em horáriointegral foram elaboradas para mil alunos,com assistência médico-odontológica. Ameta era a construção de 500 Cieps, eBrizola deixou o governo com 161 funcio-nando, 219 concluídos e 446 estruturascompletas de pré-moldados prontas e pa-gas. O Programa Especial de Educação em-pregou cinco mil operários para a constru-ção dos “brizolões”. O primeiro governoconstruiu 30 casas da criança no Rio e 11no Estado, num total de 3.500 criançasatendidas. O Programa Mãos à Obra re-cuperou 3.075 escolas com apoio da co-munidade. No fim do ano começou afuncionar a Fábrica de Escolas do Estado,idealizada para produzir duas escolas pordia, à base de argamassa armada. Alémdos “brizolões”, foram reformadas 36 es-colas municipais. Aumenta em 36 mil ascontratações de professores.

Favelas saneadasOs projetos “Mutirão”, “Uma Luz na

Escuridão” e “Rodoviário” efetuaram 198obras em 126 favelas, empregando 1.600homens na implantação de rede de esgo-to em 6.800 metros de pavimentação, com

mão-de-obra das comunidades. Realizou500 mil novas ligações de água, 300 milde esgotos e a drenagem de 500 km decanais, além do saneamento da BaixadaFluminense. Na habitação, o programa“Cada família, Um lote” legalizou 41 milpropriedades, entregando 13 mil títulosde propriedade em conjuntos habitacio-nais, favelas e loteamentos clandestinosem todo o Estado.

Brizola recuperou dez hospitais, estruturouo programa de medicina preventiva e criou oserviço de controle da poluição ambiental.Houve saneamento da Lagoa Rodrigo deFreitas, tombamento de prédios públicos, re-cuperação dos estádios Maracanã, Maracanã-zinho, Parque Aquático Júlio De Lamare, CaioMartins e Estádio de Remo da Lagoa.

Combate ao crimeBrizola investiu duas vezes mais que

Minas Gerais e São Paulo na área da segu-rança, reduzindo a criminalidade. Criou pa-trulhas mirins, definiu programa de atendi-mento nutricional através da distribuiçãode leite no interior do Estado, organizou asatividades dos camelôs no Centro do Rio,construindo 230 lojas próximas à Centraldo Brasil.

Encampação do

transporte coletivoCaótico e cartelizado, o setor de trans-

portes teve 16 empresas de ônibus (cercade 30% do total da frota em circulação)

encampadas no final de 1985. O trans-porte era responsável por 79,5% do totalde passageiros na Região Metropolitana.A encampação de 500 ônibus criou em-prego para mil rodoviários com a elimi-nação do turno único. Houve recuperaçãoda Fábrica de Carrocerias Ciferal, criaçãode linhas de ônibus da Zona Norte do Riopara as praias da Zona Sul, renovação dascarrocerias de 136 dos ônibus da Compa-nhia de Transportes Coletivos (CTC).Quanto ao Metrô, o governo federal cor-tou, em 1983, sua participação na empre-sa. O Banerj pagou 4,5 bilhões de cruza-dos referentes a dívidas transferidas aoEstado pela União, após a vitória deBrizola nas eleições. O sistema foi preju-dicado pela falta de investimentos. Emquatro anos de governo, as despesas fo-ram reduzidas em 30% e a arrecadaçãocresceu 30%. Houve recuperação das fi-nanças estaduais e estabelecimento de vá-rios planos de carreira. O Banerj assumiuo 4º lugar no ranking dos bancos em volu-me de depósitos. Brizola conquistou, parao Rio de Janeiro e demais Estados ondeexiste extração de petróleo, o direito aroyalties, em batalha política travada evencida no Congresso Nacional, hoje par-te da Constituição do país.

Cercado pelo governo federal, Brizolaparticipou ativamente da campanha pelaseleições diretas e reuniu mais de um mi-lhão de pessoas no Rio de Janeiro, a maiormanifestação política já ocorrida no país.No governo do presidente José Sarney, queassumiu depois da morte de Tancredo Ne-ves, em 21 de abril de 1985, denunciou emcadeia de rádio e televisão o Plano Cruza-do, medida para conter a inflação por meiodo congelamento de preços e salários.

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Primeiro Ciep com piscina

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4 6 Brizola, Brasil

11 milhões de metros cúbicos. No setorde abastecimento de água, foi ampliada acapacidade de captação da água doGuandu em mais de 630 milhões de li-tros por dia, dos quais 55% para a Baixa-da Fluminense e 41% para as zonas Oestee Leopoldina.

Linha VermelhaLigação da Baixada Fluminense com o

centro do Rio. Sua primeira etapa foi inau-gurada em 30 de abril de 1992, e a segun-da, prevista, na ocasião, para julho de 1994.

Privatização da

CSN e plebiscitoAinda em 1992, Brizola lutou contra a

privatização da CSN, uma das empresas-símbolo da Era Vargas. Em abril de 1993,foi realizado o plebiscito para escolha daforma de governo, parlamentarismo oupresidencialismo. Mais uma vez, Brizolasaiu às ruas em defesa do presidencialis-mo, que venceu com 55,4% dos votos.

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lgaç

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Segurança

públicaForam desmantelados de 50 grupos de

extermínio, com a prisão de cerca de du-zentos policiais; prisão e indiciamento dosenvolvidos nas chacinas da Candelária eVigário Geral, o que conquistou elogiosformais de entidades internacionais dedireitos humanos, como a AmericansWatch. Foram criadas delegacias especia-lizadas, como a de atendimento ao turis-ta e a de crimes contra o consumidor. Hou-ve criação de centros comunitários de de-fesa da cidadania, com a instalação de pos-tos de atendimento às comunidades deserviços, como Instituto Félix Pacheco, Re-gistro Civil, Defesa Civil, Polícia Civil, PMe Defensoria Pública.

EducaçãoForam construídos 506 Cieps e foi cri-

ada a Universidade Estadual do NorteFluminense (UENF), em Campos, para oensino e pesquisa de tecnologia de pontanas áreas de petróleo, gás, agropecuária ebiotecnologia.

SaúdeFoi criado o programa Médico de Fa-

mília. Houve devolução, ao Ministério daSaúde, dos hospitais-referência indevida-mente transferidos para o governo esta-dual ao final do governo Moreira Franco.

AmbientalNo projeto de despoluição da baía de

Guanabara – financiado pelo BancoInteramericano de Desenvolvimentho(BID) e pelo governo do Japão, foramconstruídas cinco estações de tratamentode esgoto e de um emissário submarino eautoterrestre, além da ampliação da cole-ta de lixo.

Como projeto ambiental, implantou-se o Parque Florestal da Pedra Branca, de120 quilômetros, e foram plantadas 1,5milhão de mudas de espécies da MataAtlântica. No programa de combate a en-chentes, com financiamento do BancoMundial de 80 milhões de dólares para aproteção de dois milhões de pessoas, foiconstruída a barragem de Gericinó, emNilópolis, regulando o nível do rioSarapuí, com possibilidade de armazenar

A companheirade uma vida

Foi durante o segundo governodo Rio de Janeiro que LeonelBrizola perdeu a companheira desua vida. D. Neusa Brizola foi ope-rada em Nova Iorque, lá permane-cendo durante alguns meses.Brizola fez diversas viagens paraacompanhá-la durante o tratamen-to. Ela faleceu dia 7 de abril de1993, vítima de pneumonia.

Nas eleições de 1989 Brizola estavapronto para ser o Presidente do Brasil

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4 7Brizola, Brasil

o voto

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Nas eleições presidenciais de 1989,Leonel Brizola era o melhor candidatopara governar o Brasil. Disputou com osindicalista Luis Inácio Lula da Silva e ogovernador de Alagoas, Fernando Collorde Mello. Chegou a assumir a liderançanas pesquisas. Brizola intensificou seusataques às Organizações Globo e disseque, em seu primeiro dia de governo, iaquestionar o monopólio da emissora.Definiu seu conceito de perdas internaci-onais, a principal causa da inflação brasi-leira, defendendo a necessidade de inter-venção no sistema financeiro.

Realizado o primeiro turno, Brizolaficou em terceiro lugar, com 11.168.228votos, perdendo por apenas 0,5% do totalde votos para Lula. No Rio Grande do Sul,Brizola bateu mais um recorde da sua tra-jetória eleitoral: fez 3,2 milhões de votos(60,85% dos eleitores). No Rio de Janei-

ro, teve 3,8 milhões de votos, 50,47% doseleitores. Em São Paulo, no entanto, a vo-tação de Brizola ficou em apenas 252.651votos, ou 1,45% do total de 18 milhõesde votos apurados. Para apoiar Lula nosegundo turno, Brizola exigiu compromis-so com os Cieps em todo o país. Brizolafez campanha ao lado do petista. Frágil ecansado, Lula foi derrotado por FernandoCollor em debate às vésperas da eleição.Brizola denunciou a edição parcial do con-fronto feita pela Rede Globo. Lula perdeua eleição com 44,23% dos votos. Collorfoi eleito presidente do Brasil com 49,94%dos votos.

Terceira Via

A segunda candidatura de LeonelBrizola à presidência da República foi con-firmada no 3o Congresso Nacional do PDT,

em agosto de 1993. Apresentou-se comoa “terceira via”, opção às candidaturas deLula (PT) e Maluf (PPR). FernandoHenrique (PSDB), ex-ministro da Fazen-da e autor do Plano Real, venceu a dispu-ta no primeiro turno. Brizola foi o quintocolocado, com 2,59% dos votos. Dispos-to a terminar com a Era Vargas, conformeanunciou em seu primeiro discurso, onovo presidente do Brasil promoveu pri-vatizações no setor elétrico, de telefoniae siderúrgico. Brizola foi um dos mais ar-dentes defensores do patrimônio públiconacional.

Em 1998, Brizola disputou mais umacandidatura à presidência, desta vez comocandidato a vice do sindicalista Lula.Fernando Henrique se reelegeu no primei-ro turno, com 35.936.916 votos. A chapaLula-Brizola ficou em segundo lugar, com21.475.330. No ano 2000, Brizola dispu-tou a eleição para prefeito do Rio de Ja-neiro. E, em 2002, foi candidato ao Sena-do pelo PDT fluminense.

rebeldeCoerência e coragem:

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4 8 Brizola, Brasil

O epitáfio da

esperançaÚnico político que combateua ditadura da mídia

Inquietas ante a perspectiva da perda de seusprivilégios, causa da escandalosa desigualdade so-cial, naturalmente as elites dirigentes se unem paraimpedir que um partido ou liderança popular che-gue ao poder. Ou, caso de Getúlio Vargas e JoãoGoulart, criam o clima de deposição.

Rejeitado pela classe dominante gaúcha, alar-mada por sua surpreendente ascensão, LeonelBrizola compreendeu cedo o motivo da má vonta-de com que era tratado pela imprensa. E tratou decriar seu próprio jornal - o semanário Clarim - quenão sobreviveu à falta de recursos apesar da boatiragem. Resultado de uma arrasadora ofensiva dosgrandes jornais, os mesmos que levaram Getúlioao suicídio, o golpe de 64 foi feito principalmentecontra o trabalhismo, o partido que elegeu a maiorbancada da Câmara dos Deputados em 1962.

Ao retornar do exílio, Brizola enfrentou hostili-dade ainda maior das empresas de comunicação,que haviam se tornado bem mais poderosas duran-te o período militar. Diariamente discriminado pe-los veículos do grupo Globo, sem direito de respos-ta e acesso aos demais, constatou a existência deum poder não declarado como tal, de caráter auto-ritário, de controle da informação. Consciente deque, embora fosse o alvo da hora, manter a popula-ção desinformada era o objetivo final desse contro-le, Brizola recorreu aos tijolões, artigos semanais,pagos pelo partido, e partiu para a derradeira cam-panha de sua vida, de conscientização da cidadaniapara a censura praticada pela própria mídia falsa-mente em nome da liberdade de imprensa. Com-prometida com a implantação do modelo neolibe-ral, a própria mídia oferecia provas de sobra a seusargumentos. Em represália, passou a ser ridiculari-zado e vilanizado como nenhuma outra personali-dade política de seu tempo. Mas não se rendeu. Suaúltima grande contribuição à cidadania foi a lutainfinitamente desigual pela democratização da in-formação.

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4 9Brizola, Brasil

Escrevo horas antes da votação, pelaCâmara dos Deputados, do vergonhososalário mínimo de R$ 260 proposto porLula. Será surpresa se ocorrer o imprová-vel e a maioria dos parlamentares não securvar às pressões do Planalto, que amea-ça retaliar e punir aqueles que, ao contrá-rio do Presidente, honrem seus compro-missos com os eleitrores. Seja como for,esta decisão sobre o salário mínimo é umaespécie de epitáfio sobre as esperanças queo nosso povo trabalhador depositou emLula. As desculpas esfarrapadas que o go-verno e ele próprio apresentam, mais quesoar falso, quando produzem superávitsrecordes para pagar juros, tem um conteú-do de crueldade e cinismo que ainda ficaa dever à infame época da ditadura, quan-do afirmavam que era preciso fazer o bolocrescer para, só depois, reparti-lo com opovo. Aliás, é ainda pior. Lula, ao contrá-rio de Delfim Netto, sabe na própria car-ne o que é receber um salário de fome. Osalário mínimo que Getúlio Vargas crioucomo garantia de que o trabalhador tives-

se ao menos o essencial para sobreviverequivalia a mais de R$ 800 em moedaatual. A ditadura, em 20 anos, reduziu-oà metade. Ainda assim, em valor real, pas-sava de R$ 400. Agora, um presidente ope-rário fixa um salário de R$ 260 e leva opaís ao maior desemprego da história. Opovo brasileiro não merecia tamanha frus-tração. Que os que traíram o voto e asesperanças da Nação não se iludam: logo,mais cedo do que pensam, a populaçãovai demonstrar o quanto despreza os queagem assim.

Benfica não pode ser CarandiruA situação nos presídios, em qualquer

parte do Brasil, é grave e explosiva. Masnão é possível que nos conformemos como que aconteceu em Benfica. Por mais quese saiba que há facções entre os presos,por mais que, aparentemente, as mortesnão tenham sido produzidas pela Polí-cia, não é aceitável que o Estado não te-nha exercido seu dever de custodiar e ga-rantir a integridade física dos presos.Quem viu, nas TVs e nos jornais, as ima-

gens de esposas e filhos desesperados pelaperda de seus maridos e pais, não podesimplesmente dar de ombros e esquecero assunto. O Ministério Público, do Esta-do e da União, está desafiado a agir e apu-rar as responsabilidades das autoridadespúblicas e de seus agentes. O massacre deBenfica não pode ter o mesmo fim da-quele de Carandiru, anos atrás, que só ren-deu impunidade e vergonha para nossopaís.

Encontro Nacional do PDTMais de 500 delegados dos Diretórios

do PDT de todo o Brasil participam, ama-nhã e sábado, de um grande encontro doTrabalhismo, na sede da Força Sindical,em São Paulo. Vamos nos preparar para asdisputas municipais de outubro e deba-ter os projetos e lutas do Trabalhismo fren-te à realidade brasileira. Depois das trai-ções sofridas por nosso povo, nossos de-veres são maiores e mais graves.

Leonel Brizola

3/6/2004

O último tijolão

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Divulgação

Marco Aurelio Couto

Correio do Povo

Divulgação Sergio Néglia

Sergio Néglia

Divulgação

Divulgação

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d22/9/2010, 11:00

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