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Revista Código #2

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Revista laboratorial produzida pelos alunos de Jornalismo da Universidade Cruzeiro do Sul.

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Desde 1994, os cursos da área da Comunicação (Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Rádio, TV e Internet e Relações Públicas) têm somado esforços para promover a reflexão e o senso crítico entre os membros de seus corpos docente e discente, sempre tomando como referência norteadora de suas ações e práticas a preocupação com a extensão universitária, uma das características mais emblemáticas do Grupo Cruzeiro do Sul Educacional. Ao longo destes anos, inúmeros profissionais foram inseridos no mercado de trabalho após sólida qualificação acadêmico-profissional, registrada de forma notória em dezenas de Trabalhos de Curso (TC’s), Trabalhos Interdisciplinares e Prêmios representativos para entidades e associações de classe. Especificamente, no curso de Jornalismo, respon-sável pela presente edição da Revista Código, destacam-se os trabalhos desenvolvidos pelas agências online de notí-cias Hipertexto e Radar Jornalístico, pelo Jornal Cidadão e pela referida Revista Código, agora em sua segunda edição.As agências online permitem aos alunos, a experiência multissensorial de uma redação jornalística, na qual se propõe a publicação diária de textos de cunho informativo

palavra do pró-reitor de graduação

PROF. DR. LUIZ HENRIQUE AMARAL

PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO

e opinativo. Ainda na plataforma digital, os veículos Hipertexto e Radar Jornalístico demonstram pro-fundo apreço pela memória institucional do curso ao armazenar e disponibilizar TC’s, entrevistas com alunos egressos bem sucedidos no mercado de trabalho e edições anteriores dos demais veículos experimentais do curso de Jornalismo para apreciação ilimitada.O jornal Cidadão se configura como um veículo laboratorial consolidado no que tange à imprensa impressa universitária, na medida em que há mais de dez anos promove o diálogo oportuno com as comunidades do entorno dos campi São Miguel e Anália Franco, onde estão situadas as turmas de Jornalismo.A revista Código, assim como previsto por esta Pró-Reitoria e pela Coordenação do Curso em 2012, ressalta sua sagacidade nesta segunda edição ao trazer à tona reportagens pertinentes para a produção do conhecimento científico e para o estímulo de debates de caráter geral, fundamentais para a compreensão da realidade social.Na condição de representante legítimo do ideal de educação superior almejado pelo Grupo Cruzeiro do Sul Educacional, hoje em franco desenvolvimento e expansão, parabenizo todos os atores envolvidos na concretização deste importante veículo de comunicação e louvo as demais iniciativas interessadas no enaltecimento da formação acadêmica dos futuros comunicólogos da Universidade Cruzeiro do Sul.

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A força dos players se manifesta cada dia com maior intensidade. É fundamental associar os distribuidores de conteúdo (públicos, privados e do terceiro setor), que por sua vez estão associados a grandes corporações de comunicação, quase sempre com alguma relação comercial com mercados globais. A legislação brasileira sobre comunicação de mercado e formação acadêmica passou por atualizações consideráveis em 2012 e 2013. A Revista Código, em sua segunda edição se mostra plenamente atualizada pelas pautas e produção de conteúdo jornalístico dos alunos da Universidade Cruzeiro do Sul. Esta coordenação incentiva os discentes na produção da publicação de forma ampla, desde a criação do bone-co, diagramação, fotos e infográficos. Tudo elaborado sob a supervisão dos docentes do curso que incentivam nossos alunos na provocação e discussão de temas di-versificados e que se mostram presentes no cotidiano da sociedade brasileira. Todas as pautas da Código são pensadas no sentido de provocar no aluno-cidadão, a reflexão do papel social do jornalista como agente de avanços para a humanidade. Embora o assunto não seja recente, apenas em 2000 e 2005 foram aprovadas e regulamen-tadas leis que incluem cidadãos surdos e mudos. A revista retrata esse e outros assuntos, de importância social idem, com detalhes e qualidade de informações dignas de profissionais jornalistas que são inquietos por natureza, na luta para informar a sociedade tal como ela merece e carece ser informada, sempre. Vamos em frente!

editorial

PROF. DR. CARLOS BARROS MONTEIRO

Coordenador do Curso Comunicação SocialPublicidade e Propaganda - Relações Públicas

- Jornalismo - Rádio, TV e Internet

ReitoraProfª. Drª. Sueli Cristina Marquesi

Pró-Reitor de GraduaçãoProf. Dr. Luiz Henrique Amaral

Pró-Reitor de Pós- Graduação e PesquisaProf. Dr. Danilo Antônio Duarte

Pró-Reitora de Extensão e Assuntos ComunitáriosProfª. Drª. Janice Valia de Los Santos

Coordenador dos Cursos Comunicação SocialPublicidade e Propaganda - Relações Públicas - Jornalismo - Rádio, TV e InternetProf. Dr. Carlos Barros Monteiro

Coordenadores AdjuntosJornalismoProf. Dr. Carlos Barros MonteiroPublicidade e PropagandaProfª. Ms. Kátia Pellicci CembroneRádio, TV e InternetProf. Ms. Bruno TavaresRelações PúblicasProfª. Drª.Ângela Fernandes

Outubro de 2013 | Ano 2 | Número 2ISSN:2317-9392Tiragem: 1000 exemplares

Editora de ConteúdoProfª. Ms. Regina TavaresMTb 41649/SPJornalista ResponsávelProfª. Ms. Regina TavaresMTb 41649/SPIdealizaçãoProf. Ms. Bruno TavaresDiagramaçãoRafael BiazãoCristian DrovasCapaRafael BiazãoRevisãoProfª. Ms. Regina TavaresImpressãoInPrima Soluções Gráfica(11)2114-3099

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sumário

6 - Nos Bastidores

11 - O Poder da Investigação

16 - Jornalismo 3.0

21 - O Início do Fim

26 - Entrevista com Ivan Andrade

28 - O Legado de Zé do Caroço

33 - Na Ponta dos Dedos

38 - História da História em Quadrinhos

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PorFern

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Gustavo L

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Biazão

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Nos BastidoresAntes de chegar ao público, o livro recém-lançado,

o filme em cartaz ou qualquer outro produto cultural enfrenta o julgamento rígido de um time de peso:

OS CRÍTICOS.

reportagem

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É domingo de manhã. Um leitor despreocupado acorda um pouco mais tarde que o de costume, prepara seu café e se dirige à banca de jornal mais

próxima de sua casa. De imediato, ele é bombardeado por uma série de publicações com sugestões de filmes, restaurantes, peças de teatro, livros

e muito mais.

A cena descrita acima é muito mais comum do que se imagina. Diariamente inúmeros jornalistas – gabaritados em suas respectivas áreas – analisam e escrevem a respeito da efervescência cultural de suas cidades. Conheça o

trabalho desses profissionais e como os criticados veem tal atividade.

Vendendo o peixe

Um produto cultural está pronto, e colo-cá-lo em prática é o grande trabalho de

seu idealizador. Ele se importa com o resultado desse pro-jeto como um todo: desde a aceitação do público até a crítica. Muitas vezes a opi-nião dos críticos não condiz com a do público em geral. E aí vem a pergunta que não quer calar: Por que isso acontece? Entre as possíveis respostas tem-se a falta de profissio-nalismo, visão do “achismo” - sem base de argumen-tos - e até mesmo a falta de conhecimento. Para cri-ticar é preciso ter mais que um nome, é preciso ter bom senso. O jornalista e escri-tor Xico Sá resume isso. “O jabá, que são presentes, viagens, brindes, rola solto. Isso já compromete o autor

dos textos. Muitos jornais tam-bém vendem espaço de pu-blicidade sobre um determi-nado produto ou espetáculo e tendem a orientar para que o jornalista fale bem”, diz Sá.

Afinal, como éfeita uma crítica?

A crítica é um gênero jorna-lístico opinativo que possui suas próprias normas. Po-rém, para bem fazê-la é ne-cessário respeitar as regras de um bom texto: clareza, coerência, coesão e objetivi-dade. O jornalista e escritor Daniel Piza explica em seu livro Jornalismo Cultu-ral, da Editora Contexto,

Sá afirma que “jabás” comprometem o profissionalismo

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O jabárola solto“ ”

1986 Peça Trair e Co-çar é só Começar

estreia no teatro e continua em cartaz desde então, há 26

anos.

1988O Alquimista, de

Paulo Coelho, torna-se o quinto livro mais vendi-

do no mundo.

1998Central do Brasil,

filme de WalterSalles, ganha oUrso de Ouro em

Berlim comomelhor filme.

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que o texto crítico deve in-formar ao leitor o que é a obra ou o tema em debate, resumindo sua história, suas linhas gerais, quem é o au-tor etc. Além disso, deve-se analisar a obra de modo sin-tético, mas sutil, esclarecen-do o peso relativo de quali-dades e defeitos, evitando o tom de “balanço contábil” ou a mera atribuição de adje-tivos. Quando se conquista isso, o resultado é único: po-sitivo para o público e para o criticado. Para analisar um projeto, Cunha Jr, jornalista e apre-sentador do programa Me-trópolis, da TV Cultura, se preocupa em estar inteirado nos acontecimentos cultu-rais que o rondam.

Para ele não é necessá-rio ter opiniões muito bem formadas, pois as coisas mudam. “A gente lida com arte. A arte não é fixa, ela se move e a gente percebe isso

estudando a história da arte e a própria história do cinema. Eu procuro ficar desamarrado de referências. É muito difícil di-zer isso é bom, aquilo é ruim. Pode ser bom para um públi-co e não para outro. A pessoa deve experimentar, ver, ir e se desafiar”, diz Cunha.Foi uma crítica bem construí-da que ajudou e impulsionou o jornalista, escritor e drama-turgo Mario Prata a melhorar pontos em suas obras. “Um jovem crítico de teatro disse que eu tinha capacidade de transformar a banalidade em arte. Essa pequena frase nor-teou e norteia todo meu tra-balho até hoje”, diz Prata, que escreveu, entre suas princi-pais obras, Diário de um Ma-gro e Sete de Paus.

Cunha é jornalista na TV Cultura há mais de 20 anos

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Um jovemcrítico disseque eu tinha

capacidade de transformar a banalidade

em arte

Prata escreve livros, novelas, peças e roteiros para cinema

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É muitodifícil dizer isso é bom,

aquilo é ruim

”2002

Filme Cidade de Deus ganha o gosto

dos críticos e éindicado a quatro

Oscar.

2000Caetano Veloso

ganha o Grammy Awards com omelhor álbum

do ano

1998Fernanda Monte-negro é premiada

com o Urso de Prata como melhor atriz

no filmeCentral do Brasil.

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Para um escr i tor, ator ou músico saber o que es -tão dizendo sobre seu t rabalho é algo importan-te, mas não é qualquer cr í t ica que é relevante. É preciso anal isar os de -ta lhes. “A crí t ica posi t iva faz bem, pr incipalmente quando é posi t iva em re-lação ao públ ico. Já com as negat ivas isso muda um pouco. Alguns crí t i -cos falam com del icade -za e outros fa lam de for -ma grosseira. Atuei em uma peça que teve gran -de repercussão, dentro de muitas cr í t icas, a lgu -mas negat ivas. Eu l igo bastante para isso, pois at inge o ego”, conta o

ator Ar l indo Lopes, que part ic ipou da peça Ensi -na-me a Viver, ao lado da atr iz Glór ia Menezes.

O ator Ber t rand Duar te, que atuou na novela Re -nascer e no remake de Gabr ie la , acredi ta que uma cr í t ica, mesmo sen -do negat iva, pode ser const rut iva para o cr i t i -cado, po is e la pode re -velar out ro ponto de v is -ta , a l é m d e r e f l e t i r u m a a u t o a v a l i a ç ã o . “O ar t is -ta , quando está execu-tando a obra, se ja uma peça, se ja uma música, se ja um quadro, e le está co locando aqui lo de den -t ro para fora, e a cr í t ica é uma observação de fora para dentro” , re f le te Du -ar te.O cenário crítica versus cri-ticado é uma das vertentes

Divulgação da peça Ensina-me a Viver

Duarte vê a crítica como algo importante para auto-análise do ator

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A críticaé uma

observaçãode fora

para dentro

2008Filme Tropa de

Elite ganha Urso de Ouro em Berlim mesmo recebendo críticas sobre suas

ideologias.

2006Marisa Monte é

eleita pelaAssociação Paulista de Críticos de Artea Melhor Artista

do ano.

2008Sandra Corveloni,

estreante no cinema, ganha o prêmio deMelhor Atriz no Fes-tival de Cannes com filme Linha de Passe.

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que compõe o jornal ismo cu l tura l . Mui tas vezes, esta pode ser confundi -da com o gênero opina -t ivo e com o mero agen-damento de eventos art íst icos, responsáveis por movimentar a Indús -t r ia Cul tural ; indicando opções de entreteni -mento e revelando pou -co sua essência. O tema vem sendo abordado por estudiosos da área que buscam mostrar a ver -dadeira contr ibuição do segmento na sociedade, assim como defender a importância dos “segun -dos cadernos” dos jor -nais. “O valor do jornal ismo cul tural prat icado com ta l qual idade é óbvio. Por esse exemplo, f ica clara a importância da crí t ica em seu papel de informar o le i tor, de fa -zê- lo pensar em coisas que não t inha pensado (ou não t inha pensado naqueles termos), a lém de lhe dar informações”, expl ica Piza. Escrever sobre cul tura é tão im-portante quanto escre -ver sobre economia, polí t ica e cot id iano. O le i tor agradece a infor -mação.

A psicanalista Luciana Saddi, colunista na Folha de São Paulo, explica a importância da crítica e como ela afeta o artista.

“Um autor ou diretor de um espetáculo pode ficar ansioso em relação à re-ceptividade da obra. Todo espectador é um crítico.

Os críticos se tornaram muito importantes na arte contemporânea porque há muita dificuldade em com-preendermos essas obras. Eles funcionam como uma ponte entre a obra e o público. O medo dos autores, atores e artistas em relação aos críticos se deve a insegurança.

Uma crítica bem construída e argumentada é im-portante. Não significa que seja somente destruti-va, ela também pode ser bem aproveitada.

Hoje vemos um maior distanciamento entre a crí-t ica e o público, pois há obras que o público não compreende.

Sem a crítica as obras não são reconhecidas como arte, e os artistas não entram no mercado. Por isso a crítica é uma etapa importante do trabalho, dan-do o devido reconhecimento.”

2012Restaurante D.O.M, do chef Alex Atala, é

eleito o quartomelhor do mundo

pela revistabritânica Restaurant

Magazine.

2009Construção, de Chi-co Buarque, é eleita a primeira entre as 100 Maiores Músicas

Brasileiras pelaRevista Rolling

Stone.

2012Filme 360, de

Fernando Meirelles, é fracasso em

crítica e público nos EUA.

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O PODERDA INVESTIGAÇÃO

ENTENDA UM POUCO SOBRE O JORNALISMO INVESTIGATIVO EDESCUBRA PORQUE É UM SEGMENTO INTRIGANTE E DESAFIADOR

NA VIDA DE QUALQUER JORNALISTA.

POR CLEANE NUNES, ELIENE SANTANA, NATALY SALES, RAFAEL GALINDO,RAFAELA DAMASCENO E RAQUEL TORRES.

reportagem

e mesmo assim sentir-se observado? Pois bem, e se dissermos que as pessoas que vivem assim amam o que fazem e não são super espiões, traficantes ou testemunhas protegidas pelo exército armado? Estamos falando deles: os Jornalistas Investigativos!

Já imaginou viver em becos, ter sua segurança violada, ver sua vida em perigo por vinte e quatro horas, estar em meio a tiroteios,

ser ameaçado constantemente, fazer de tudo para manter sua intimidade em sigilo

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Os jornalistas investigativos saem todos os dias de suas casas, colocando suas vidas e algumas vezes as de familiares em perigo, na ânsia de encontrar o que o Brasil mais precisa: a verdade escondida no submundo da falsa democracia igualitária. Enquanto alguns profissionais levam na mala: uma câmera, um gravador e a vontade de investigar, outros não têm coragem de enfrentar perigos eminentes e param no meio do caminho por temer que algo aconteça.

Até quem não conhece a profissão a fundo, já ouviu falar de Tim Lopes, um ícone para o jornalismo investigativo, graças a ele foi criado a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), que hoje protege e respalda o exercício jornalístico. A expressão “jornalismo investigativo” é usada pela ABRAJI como sinônimo de jornalismo responsável.

Tim Lopes virou mais um na estatística de jornalistas mortos. O número de casos é atualizado mensalmente e o Brasil está na quarta posição, registrando seis jornalistas falecidos no primeiro semestre de 2012, segundo o site da revista Carta Capital.

“Já recebi algumas ameaças por telefone durante apuração, passei por situações de risco ao fazer cobertura de matérias violentas e também estive

em tiroteios com colegas de profissão”, declara Angelina Nunes, jornalista e diretora da ABRAJI.

Angelina é uma, entre centenas de jornalistas investigativos, que adora o que faz. Ao ser questionada se esse tipo de jornalismo já atrapalhou sua vida em algum momento, argumenta: “É o meu trabalho, a profissão que escolhi e gosto de fazer”.

Gostar de adrenalina, não se intimidar, não

“[o jornalismo investigativo] é o meu trabalho, a profissão que escolhi e gosto de fazer”.

O jornalista Gustavo Ferrari confessa que já desistiu de uma matéria por medo.

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Miriam Leitão, jornalista da Rede Globo de Televisão, que atua na área do jornalismo econômico e de negócios também deu sua opinião sobre jornalismo investigativo, pois em outubro de 2012, ganhou o Prêmio Vladimir Herzog na categoria TV reportagem com o trabalho (Caso Rubens Paiva:

Uma História Inacabada). “Meu projeto foi de total investigação. Uma investigação super difícil, porque é um crime que aconteceu há 41 anos e muitos dos brasileiros de hoje, não tinham nem nascido naquela época. E como é que você procura a verdade? O que aconteceu de fato?

Tem que ter muita investigação. Encontramos muitas coisas, pegamos muitos fios soltos, descobrimos documentos e encontramos testemunhas. Mas infelizmente a gente não tem a resposta que o Brasil precisa sobre o caso, continuaremos investigando e procurando até o fim”, afirma Miriam.

Além disso, ela conta que seus dois filhos são jornalistas investigativos, o que a deixa feliz, pois acredita que esse segmento jornalístico serve para combater os crimes e mostrar o quê ou quem está errado. “Todo jornalismo é investigação, mas quando se fala em jornalismo investigativo é normal logo pensar naquele jornalista que vai falar de uma matéria sobre corrupção, denúncias etc. Sem dúvida esse segmento é a nova fronteira do jornalismo brasileiro”, conclui Miriam.

Caso Rubens Paiva

Miriam Leitão cede entrevista durante o 34º Prêmio Vladimir Herzog

ter medo do perigo e ter compromisso com a verdade são características fundamentais para se tornar um jornalista investigativo. Mas nem sempre essas características são o bastante para se conseguir fazer uma boa matéria, Gustavo Ferrari também é jornalista investigativo e já desistiu de matérias pelo motivo mais comum que existe na área: o medo, não só por sua vida, mas também pela de sua fonte.

Outro motivo que o jornalista salienta é a censura, aquela que muitos dizem não existir, mas, mesmo depois da Ditadura

Militar (1964-1982), ainda é a grande vilã do jornalismo.

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QUAL O LIMITE DOJORNALISMO INVESTIGATIVO?

Dá-se o nome de jornalismo investigativo à prática especializada em desvendar mistérios ou fatos ocultos do conhecimento público, especialmente crimes e casos de corrupção que podem virar notícia. Vale dizer que os caminhos para se conseguir isso, às vezes, são tortuosos e ilegais.

Para alguns jornalistas o certo a se fazer é uma apuração bem detalhada dos fatos, ter fontes de confiança, saber pesquisar, investigar e estar a par de tudo que envolve o assunto da pauta.

Segundo Ferrari, “Não cabe ao jornalista investigativo fazer coisas ilícitas, utilizar-se de meios escusos para conseguir determinada informação. É preciso acima de tudo, de hombridade, caráter e saber o que está se fazendo”.

Nem todos pensam assim, o jornal inglês “News of the World” é um dos casos mais recentes da falta de ética profissional, o jornal que tinha 168 anos de história teve sua última edição no dia 10/07/2011, depois de ter sido acusado de grampear ligações telefônicas de celebridades, membros da

realeza britânica e parentes de vítimas de terrorismo. O jornalismo investigativo deve buscar informações e respostas dentro da lei e não se valer de artifícios ilegais, como o uso de câmeras escondidas e grampos telefônicos, de acordo com Gustavo Ferrari.

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Assassinado com seis tiros

enquanto jantava em um restaurante

em São Luís (MA). Sá trabalhava

para o jornal O Estado do

política. A polícia diz que

o motivo do crime foi as

Maranhão e mantinha um blog sobre

denúncias constantes que ele

fazia sobre agiotagem, desvio de

recursos públicos e extorsão.

Décio SáNome

JornalistaProfissão

Assassinado a tiros quando

deixava o edifício em que

trabalhava, na Rádio Jornal

(820AM), em Goiânia (GO). Um

e atirou várias vezes. A delegada

responsável pelo caso, Adriana

indivíduo em uma moto o abordou

Ribeiro, aponta como provável a

hipótese da morte estar

relacionada ao trabalho de Valério.

Valério LuizNome

JornalistaProfissão

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Tim Lopes: mártir daimprensa contemporânea

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exploração sexual de jovens e o consumo de drogas em bailes funks na favela Vila Cruzeiro, munido de uma microcâmera escondida dentro da pochete. Um ano antes, Lopes já havia denunciado uma feira de drogas que acontecia por ali, sua reportagem rendeu várias prisões e enfureceu os marginais da área.

Ele foi barbaramente espancado e torturado, teve seu corpo esquartejado e queimado em pneus numa gruta, método conhecido como “microondas” e muito usado por traficantes para matar policiais ou informantes e eliminar rastros que podem

servir de provas contra seus assassinos.

O assassinato de Tim Lopes mobilizou a polícia, os políticos e os meios de comunicação em geral. Sua morte foi um divisor de águas para o Jornalismo investigativo. Tanto é que foi criado em sua homenagem, o prêmio Tim Lopes de jornalismo. Essa é apenas uma das muitas homenagens prestadas ao jornalista. O projeto tem muitas parcerias, como: O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Associação Brasileira de jornalismo Investigativo (Abraji) dentre outras.

Tim LopesApós 10 anos

da morte do ilustre jornalista, o Brasil ainda sente sua falta.

Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento, mais conhecido como Tim Lopes nasceu em Pelotas no dia 18 de novembro de 1950, era jornalista e produtor da Rede Globo.

Tim Lopes era conhecido por fazer reportagens investigativas. No dia 2 de junho de 2002 ele saiu para fazer sua última grande reportagem. Tinha como objetivo denunciar a

Sequestrado e morto junto com

sua namorada no Rio de Janeiro.

O repórter escrevia sobre a

corrupção. Trabalhou no site de

Randolfo costumava fazer

denúncias de supostas

notícias Vassouras na Net.

irregularidades envolvendo

órgãos policiais, autoridades

e políticos.

Mário RandolfoNome

JornalistaProfissão

Assassinado em Ponta Porã (MS)

cidade próxima à fronteira com o

Paraguai, por dois homens que

passavam em uma moto. Pelo

jornalista. Cardoso trabalhou

no Jornal da Praça, no site de

menos cinco tiros acertaram o

notícias mercosulnews.com e

frequentemente escrevia sobre

política.

Paulo R. CardosoNome

JornalistaProfissão

Mesmo após toda a comoção e mobilização que a morte do jornalista causou, o Brasil aparece entre os países mais violentos para a atuação de jornalismo no mundo.

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COM A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA E O CRESCIMENTO DA INTERNET NAS ÚLTIMAS DÉCADAS, ACESSAR AS NOTÍCIAS

ONLINE É CADA VEZ MAIS COMUM. COMO O JORNALISMO LIDA COM ESSA NOVA REALIDADE?

POR ALINE ROMERO E HEILA LIMA

reportagem

JORNALISMO 3.0

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Quando a internet se popularizou, na década de 90, ninguém

poderia imaginar até onde ela chegaria. Entre o primeiro computador, que ocupava uma sala inteira e tinha fins militares, e os smartphones com acesso à internet, muita coisa aconteceu (veja quadro abaixo). A rede mundial de computadores se espalhou e se tornou um dos principais meios de comunicação contemporânea. Passar o dia todo conectado, em computadores pessoais, no trabalho e nos celulares, já não é tão impensável: é cada vez maior o número de pessoas que consomem

informação online 24 horas. Segundo uma pesquisa do Cisco Systems, 90% dos jovens checam a internet no celular antes de saírem da cama de manhã. Toda essa tecnologia e velocidade levaram a mudanças na estrutura da notícia, no perfil do jornalista e até nos jornais mais tradicionais, que precisaram de adaptações para não perder seus leitores.

Durante os primeiros anos da expansão da web, aconteceu o chamado Jornalismo 1.0. Nessa fase, o texto produzido para os veículos impressos – jornais e revistas – era transcrito para uma página

na internet. Alguns anos mais tarde, o conteúdo começou a ser adaptado ou produzido especificamente para a versão online, com a criação de portais de comunicação como o AOL (América Online): estávamos diante do Jornalismo 2.0. Atualmente, com a constante expansão dos blogs e das redes sociais, o leitor não se contenta mais em apenas ler a notícia. Esse novo perfil consumidor de conteúdo quer compartilhar a informação, comentá-la e ajudar a construí-la. Vivemos a era do jornalismo colaborativo, o Jornalismo 3.0.

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Ao longo do tempo, o processo jornalístico delimitou espaços específicos para os leitores se manifestarem, como áreas de cartas nos veículos impressos e entradas ao vivo por telefone no radiojornalismo. Ao contrário desses exemplos, em que a opinião do leitor é filtrada ou orientada antes de vir a público, na internet a velocidade da informação faz com que os comentários e compartilhamentos sejam quase incontroláveis. A livre circulação da informação e a facilidade de interação que a web disponibiliza permitem essa interferência do leitor diretamente no processo de produção jornalística. Trata-

se da principal característica que diferencia o jornalismo online dos demais meios de comunicação. O leitor de notícias online questiona, comenta, divulga e hierarquiza as notícias e os portais. Os leitores 3.0 não se contentam em ler: também querem produzir.

Em 2007, Marcello Barbosa era Presidente da União Municipal de Estudantes de Itaquaquecetuba e precisava de um canal para divulgar as ações do grupo: nasceu o “Blog do Marcello Barbosa”. “Nesses 5 anos o blog foi mudando um pouco sua linha editorial. Atualmente são 3 mil acessos únicos por dia, entre notícias da cidade,

prestação de serviços, dicas de cultura e lazer, entre outras coisas”, conta Barbosa, hoje estudante de Jornalismo. Falar abertamente sobre tudo nem sempre é tão simples e, esse ano, Marcello Barbosa foi processado por conta de uma postagem no site. “Era uma enquete sobre em quem as pessoas iriam votar e um partido político me processou por crime eleitoral. Recebi apoio de outros blogs, inclusive o do Paulo Henrique Amorim, e em uma semana eu já tinha vencido o processo, afinal, minha situação era regular”, explica. O site se tornou famoso na cidade e hoje Barbosa é reconhecido nas ruas como “o garoto do blog”.

O leitor atual influencia o processo jornalístico mesmo quando não se aventura a escrever suas próprias notícias. Segundo a jornalista Tatiane Silva, redatora do blog Toda Oferta, do UOL, o conteúdo publicado no site foi se modificando aos poucos, levando em conta a interação dos leitores. “A partir dos últimos relatórios, nós percebemos quais tipos de notícia tinham mais compartilhamentos e conseguimos entender melhor o que o nosso público estava procurando no blog, lançamentos, por exemplo”, explica. O público também é ouvido através dos comentários, diretamente na página do blog, ou nos perfis mantidos

Eu escrevo, tu escreves

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O trabalho do jornalista modificou-se muito com o surgimento das novas tecnologias. Se antes a produção dependia de telefonemas para a redação, anotações nos blocos de notas, contatos nas agendas e gravadores com fitas cassetes, hoje um simples celular concentra todas as funções necessárias. É possível gravar uma entrevista, editar uma reportagem, fotografar os personagens e publicar o texto usando apenas um smartphone. Se isso facilitou a produção da notícia, por outro lado também colocou sobre os ombros do jornalista um peso extra: o do imediatismo. O leitor de internet exige atualizações minuto a minuto, quer saber do fato no momento em que ele acontece e acessa diversos portais ao mesmo tempo em busca disso. Quem não corre perde para a concorrência.

Mesmo depois da notícia produzida, é preciso que

o profissional esteja muito atento aos desdobramentos da matéria e à repercussão dela. Comentários negativos ao Toda Oferta, segundo Tatiane, precisam ser respondidos com rapidez. “Nós não costumamos excluir esse tipo de manifestação, normalmente contornamos o problema esclarecendo o ponto onde o leitor se queixou. Esses casos têm que ser

solucionados imediatamente, pois um comentário negativo repercute mais do que 10 positivos”, conta.

Outra das principais características que diferenciam a comunicação 3.0 da comunicação convencional é a plataforma multimídia das notícias na internet, que podem unir texto, áudio e vídeo em uma única reportagem, além de fornecer links de

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Tecnologia a favor da notícia

pelo Toda Oferta no Twitter e no Facebook. Lá, os leitores podem interagir livremente.

Essa sensação de liberdade e segurança proporcionada pelo anonimato na internet faz com que alguns leitores-comentaristas passem dos limites. Após a leitura de uma notícia, muitos aproveitam o espaço de comentários para ofender os personagens citados na matéria, o profissional que a escreveu e o portal que a divulgou. Brigas entre comentaristas

também são bastante comuns. Grandes portais, como o G1, disponibilizam botões para denúncia de conduta inadequada, como racismo, homofobia ou spam (propaganda irregular) nos comentários, mas dependem que outros leitores se manifestem para apontar essas ocorrências. Nos blogs, esses comentaristas mais agressivos são conhecidos como haters (“odiadores”, em inglês). Marcello recebe frequentemente em seu

blog comentários anônimos com ameaças e críticas... Uma categoria chamada “#Blogperseguido” reúne todas as histórias de ameaças e perseguições que o site já sofreu. Para separar um pouco o blog de sua vida pessoal e conseguir controlar melhor as manifestações, Marcello precisou criar uma página no Facebook, desligada de seu perfil. Antes disso, o blog já teve uma comunidade no Orkut.

Tatiana Silva, redatora do blog Toda Oferta

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Diante de tantas mudanças no fazer jornalístico, a indústria dos jornais também passa por adequações. Enquanto algumas criam portais paralelos de notícias na internet, outros aos poucos migram seu conteúdo para outras plataformas, investindo em aplicativos de leitura para notebooks, tablets e smartphones. É possível assinar apenas a versão digital de várias revistas e jornais diários, por exemplo. Revistas como a Galileu, da editora Globo, e a Superinteressante, da editora Abril, oferecem matérias digitais paralelamente às edições físicas. Normalmente, trata-se de um conteúdo complementar, como um quiz, um jogo ou um vídeo, que faz referência à reportagem presente na revista impressa. Não é raro que as matérias terminem com um link ou um código que leve o leitor para o site da publicação.

Recentemente, a Folha de S. Paulo, um dos jornais mais tradicionais do país, mudou sua dinâmica de produção e divulgação do conteúdo digital. Com a mudança, existe um limite mensal de notícias a serem visualizadas por quem não tem a assinatura do jornal. Para assinantes, o conteúdo do site é liberado

completamente, com as matérias publicadas no impresso e outras produzidas apenas para o site. Mais uma prova de que o público leitor da internet está mexendo não só com o jeito de se escrever notícias, mas também com o mercado editorial jornalístico, que já enxerga nele um novo tipo de consumidor.

Um novo jornalismo

compartilhamento direto com as principais redes sociais contemporâneas. Por isso, o jornalista precisa estar constantemente informado e atualizado e, para isso, conectado. Não basta publicar o texto com a informação, no momento em que ela acontece. É preciso ilustrar com fotos, vídeos, áudios, links... Como isso nem sempre é possível, muitos portais contam justamente com a ajuda de seus leitores. Através de suas redes sociais e algumas

vezes da própria página da notícia, o portal convida seus usuários a mandarem fotos, vídeos e depoimentos sobre aquele assunto em específico. Assim, o veículo não precisa locomover uma equipe de reportagem para o local do acontecimento apenas para conseguir as imagens, ao mesmo tempo em que o leitor se apodera do fato, coloca nele um pouco de seu ponto de vista e passa a ser também construtor daquela notícia.

A informação passa a ser de domínio público e o processo jornalístico se torna ainda mais colaborativo.

Veículos utilizam aplicativos para disseminar conteúdo jornalístico

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reportagem

A MORTE DE VLADO MARCA O COMEÇO DOS ÚLTIMOS DEZ ANOS DO REGIME MILITAR. APENAS 37 ANOS DEPOIS A COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE CONSEGUE A MUDANÇA EM SEU ATESTADO DE ÓBITO.

POR LUCIENE OLIVEIRA, SAMANTHA HENZEL, SUELLEN GRANGEIRO ETAMIRIS GOMES

O INÍCIO DO FIM

A cidade inteira estava bloqueada com barreiras policiais. Os

ônibus de transporte público eram impedidos de circular próximo à Catedral da Sé, os carros particulares deveriam

ficar a quilômetros de distância da igreja. Assim era o cenário para a celebração da missa de sétimo dia de Vladimir Herzog, que transformou-se em um ato ecumênico de repúdio à Ditadura. Mas naquele momento forjou-

se uma mobilização, jamais vista naqueles 11 anos de Regime Militar. Milhares de pessoas descendo de seus automóveis e dos ônibus,seguiam a pé em passeata rumo à Catedral da Sé.

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Lá, se deparavam com o esquema policial armado para manter a boa e velha ordem. Homens de prontidão na Praça da Sé, montados em cavalos onipotentes, com enormes cães de guarda para intimidar quem insistisse em participar da celebração. Em meio a represálias a missa foi realizada.Quem estava dentro da Catedral compartilhava de um luto silencioso. Mas os que se acomodaram nas escadarias e ao redor da praça clamavam aos gritos pela democracia. Engana-se quem deduziu que aquela manifestação popular pudesse ficar impune. No final da missa, carros sem placas jogaram bombas de gás lacrimogêneo em quem tentava sair do santuário. São relatos de uma época que ainda está viva na memória de José Nêummane Pinto. Nêummane credita este evento como a mobilização social mais importante para a busca pela democracia no país.O jornalista Nemércio Nogueria, diretor do Instituto Vladimir Herzog afirma que devido a morte de Herzog o regime começa a perder sua força. Inicia-se a última década do Regime Militar. Muitos jornalistas tentavam driblar os censores da Ditadura para publicar grandes reportagens interessadas em mostrar uma verdade reprimida, que

por diversas vezes foram transformadas em receitas de bolos nas tentativas torpes do governo em omitir as aberrações cometidas aos presos políticos.Algumas destas matérias que influenciaram a derrubada dos militares do poder estão organizadas no livro “As 10 reportagens que abalaram a ditadura”. É uma coletânea com os textos mais emblemáticos, segundo o jornalista Fernando Molica e publicados em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a editora Record.

Para gritar aos quatro cantos do país as atrocidades que aconteciam às escuras, grandes nomes do jornalismo brasileiro recorreram aos meios de comunicação clandestinos. Convicto da importância da imprensa alternativa da época,

Nemércio Nogueira afirma que o jornal Ex- foi o único que teve a audácia de publicar uma matéria inteira explicando como Vlado havia sido morto nos porões do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). O curioso é que o jornal levava este nome porque todos os repórteres do jornal eram ex-funcionários de algum veículo da imprensa tradicional. “Uns eram ex-Folha de S. Paulo, outros ex-Estado de S. Paulo. A maioria havia sido demitida por não obedecer às regras dos veículos que cumpriam rigorosamente as imposições feitas pelo regime”, conta Nogueira.Desde a morte de Vlado já se passaram 37 anos. E foi apenas recentemente que o fotógrafo Silvaldo Leung Vieira falou pela primeira vez sobre a farsa da foto tirada por ele, para omitir um assassinato e simular um suicídio. Na publicação da Folha em fevereiro de 2012, o ex-fotógrafo perito do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) falou que o cenário do suicídio estava meticulosamente montado. Na publicação, Vieira também explicou que não pôde sair da delegacia com a câmera e os negativos. Tudo havia ficado em posse dos militares. Com isso, a foto foi cortada para mostrar apenas a primeira

Farsa da morte de Vladimir Her-zog começa a ser desvendada após depoimento de fotógrafo.

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barra da janela. Numa outra foto, sem cortes, encontrada no Serviço Nacional de Informações (SNI) aparece a barra superior da janela, que Vlado poderia ter utilizado se quisesse realmente se enforcar, subindo da cadeira escolar e se jogando em queda livre.Relatos como este influenciaram diretamente a instauração da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Um dos primeiros passos dado pela CNV foi pedir a mudança na certidão de óbito de Herzog, o que tem um grande peso simbólico não só para os familiares e amigos, mas para toda a sociedade. Ao invés de suicídio, passa a constar que sua morte decorreu de lesões e maus tratos sofridos na decorrência do II Exército. “Não é uma conquista só da família é de toda uma sociedade porque finalmente se reconheceu que teve repressão e tortura neste país”, afirma Clarisse Herzog, viúva de Vlado. Para o filho do jornalista, Ivo Herzog o documento é a

prova da dissimulação que foi montada. “Agora temos um documento oficial do estado que comprova a sustentação de uma farsa, mostrando que ele foi assassinado”, completa. A família também espera que seja cumprida a decisão judicial de 1978 que condenava o estado a investigar as circunstâncias da morte do jornalista. Clarisse revelou que já tem advogados empenhados em fazer cumprir a determinação.O foco da Comissão Nacional da Verdade será o de encontrar restos mortais dos desaparecidos políticos. O documento “Direito à Memória e à Verdade” aponta para 150 pessoas que até hoje não foram encontradas. De acordo com o jornalista Sérgio Gomes, diretor da Oboré – Projetos Especiais em Comunicação e Artes, um dos feitos da CNV foi encontrar o local onde estava o corpo do líder da juventude comunista, José Montenegro de Lima, o Magrão. Ele foi assassinado logo depois do sequestro e integrava a lista dos desaparecidos.

Elza Lobo, ex-presa do Dops, afirma que durante o natal pediu à sua mãe que trouxesse um bolo e um ramo de flores para que ela pudesse partilhar com seus companheiros. A mãe lhe trouxe um ramo de cravos ver-melhos e Elza os distribuiu por todas as celas. Como ela disse em seu depoimento, para todos era importante aquele contato com a natureza, o mundo não era só aquela prisão. O cravo

era a própria resistência.

Um presidente do sindicato e o outro magrinho curioso

Na época densa da Ditadura no Brasil, marcada pela repressão militar aos meios de comunicação, o grande temor dos jornalistas era o perigo eminente do embate contra a liberdade de

expressão. Quem discorre com propriedade sobre isto é o jornalista e escritor Audálio Dantas, peça forte e emblemática na história do jornalismo brasileiro, que articulou e lutou contra

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represálias nos tempos da censura à informação.Em debate realizado no Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, cujo tema levava o título “Tempo de reportagem e o papel do jornalismo”, Dantas argumentou sobre o cenário político vigente na época e apresentou os fatos que enclausuraram a atividade jornalística no período. Segundo ele, dentre os fatos que culminaram na ação militar, faltou também maior participação civil contra a violência que estava estabelecida. “Não houve a reação de gritar contra as ameaças de liberdade de imprensa durante a Ditadura, e isto ocorreu na maioria dos

veículos de comunicação. Aqueles que não tinham censores presentes em suas redações se acomodaram no silêncio e fizeram uma censura por conta própria”, avaliou Dantas. No dia seguinte a morte de Vlado, o jornalista narra que ele - como então presidente do Sindicato dos Jornalistas - se reuniu com a diretoria e redigiu uma nota de denúncia. Os repórteres mais ativos e conscientes estavam lá. O Ricardo Kotscho era um deles. “Rapazinho magro, estava lá todos os dias. Eu o via saindo do corredor do Sindicato e no dia seguinte tinha reportagens no Estadão e Jornal da Tarde”.O jornalista Ricardo Kotscho

afirmou que, apesar da censura e do medo, sempre achava uma brecha. Já nos dias atuais Kotscho critica o modo de fazer jornalismo e a repressão que os veículos de comunicação de massa exercem sobre o jornalista. “A gente cumpria todas as etapas do jornalismo naquela época. Hoje, não há liberdade de pauta, de matéria, de escrever, não há liberdade de edição. Na época que tinha censor, o editor sabia que os censores iriam cortar tudo. Com a saída deles o país voltou à democracia, e teoricamente, teríamos liberdade para trabalhar. Porém, as coisas pioraram”, enfatizou Kotscho.

- Criação: maio de 2012 (Lei 1228/2011);- Objetivo: apurar graves violações de Direitos Humanos, praticadas por agentes públicos, ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988;- Formação: sete membros e quatorze auxiliares;-Membros: Gilson Dipp (coordenador da CNV), Cláudio Fonteles, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Rosa Maria Cardoso da Cunha;- Trabalho: convocar vítimas ou acusados das violações para depoimentos (ainda que a convocação não tenha caráter obrigatório), ter acesso a todos os arquivos do poder público sobre o período e publicar um relatório com os principais achados;- Local das reuniões: Centro Cultural Banco do Brasil – Brasília;- Duração: dois anos;- Três subcomissões: “Pesquisa, geração e sistematização de informações”, “Relações com a sociedade civil e instituições” e “Comunicação externa”;- A CNV não terá caráter punitivo aos acusados de violar os Direitos Humanos;- Críticas à CNV por defensores dos Direitos Humanos, familiares das vítimas e jornalistas: o período a ser investigado é muito abrangente para um número limitado de membros e em um curto período de tempo; depoimentos confidenciais poderiam proteger agentes do Estado que praticaram violações; estrutura indefinida e sem orçamento.

Comissão Nacional da Verdade

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Fundado em 1973, o jornal Ex- foi idealizado com o objetivo de combater a tirania que assolava o país pelo Regime Militar, na década de 1970. O periódico que circulou até 1975, recebeu esse nome por ter sido integrado por ex-jornalistas dos mais variados veículos de comunicação, demitidos por se negarem a compactuar com o Estado ditatorial.O jornal Ex- foi um dos expoentes da chamada mídia alternativa e fugia dos censores da ditadura que

frequentavam as redações com o objetivo de eliminar qualquer documento que pudesse colocar em xeque a credibilidade da Ditadura Militar.Era reconhecido por suas reportagens aprofundadas, textos ácidos e imagens provocativas. A 16ª edição trouxe a manchete “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós – a morte do jornalista Vladimir Herzog”, que revelava o assassinato de Herzog pelos militares, em outubro de 1975, e vendeu 50 mil exemplares.

Porém, essa edição sepultou de vez o jornal.Além de represália contra a ditadura, o jornal também foi porta de entrada para muitos jornalistas. Ivo Patarra começou sua carreira no Ex-, aos 16 anos. Era o caçula. Exímio datilógrafo, era responsável pelos textos depois de prontos e vendia assinaturas. “No último número antes do jornal ser fechado pela Polícia Federal, publiquei minha primeira matéria. Um textinho curto, claro,” diz Patarra. Outros grandes nomes da imprensa fizeram parte do Ex-, como Mylton Severiano e Palmério Dória.

Equipe de jornalistas militantes contra a Ditadura Militar.

Jornal Ex- em resposta à tirania impostapela ditadura militar

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entrevista

Entrevista com o jornalista esportivo IVAN ANDRADE

por Thais Telezzi

Apaixonado pela profissão, o curitibano Ivan Andrade de Souza

Lima (47), repórter esportivo da emissora Rede Globo, fala sobre a rotina da profissão e dá dicas aos focas da Universidade Cruzeiro do Sul sobre como se preparar para o mercado de trabalho.

Como foi o processo de transição entre a TV Bahia, em 2009, para seu atual trabalho, na emissora Sportv? Quais foram os desafios encontrados?

Foi natural, como tem que ser. Como era repórter da Rede Globo em Salvador, era conhecido no “meio”, o que tornou tudo mais fácil.Surgiu o convite de trabalhar em São Paulo e aceitei o desafio sem pensar duas vezes.

Recentemente o site Yahoo! divulgou nota sobre seu teste na Sportv na função de comentarista. Como está a expectativa? É a primeira experiência?

Na verdade essa notícia vazou e foi publicada de forma equivocada. Não existe “essa coisa” de testes como divulgaram. Recentemente recebi convite para comentar os últimos dois jogos da Série B e aceitei na hora. A

experiência foi muito boa e prefiro aguardar o que ainda pode acontecer.

Quais são os cuidados

ao fazer reportagem sobre times que enfrentam momentos de crise?

Temos que respeitar todos, sempre. Para isso, precisamos tomar alguns cuidados, pois no caso do futebol, por exemplo, lidamos muito mais com a paixão dos torcedores, do que com a razão deles. Quando o time vive um momento ruim, temos que encarar o assunto com mais seriedade, investigar

informações e ouvir sempre os dois lados da história.

Você acredita que a faculdade de jornalismo prepara bem o aluno para o mercado de trabalho?

Como em qualquer outro segmento, depende da faculdade. Umas sim, outras nem tanto. São milhares de jornalistas formados todos os anos e, muitas vezes, nem todos acabam preparados para o mercado de trabalho. Acredito que o melhor exercício do jornalista é a prática, o dia a dia, e não a teoria.

“TORÇO PARA A TV GLOBO FUTEBOL CLUBE”

Viver o esporte é a dica de Andrade para quem pretende trabalhar na área.

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Você acha que um

jornalista esportivo deve assumir seu time de futebol de coração? Por quê?

É complicado lidar com isso, pois as pessoas não conseguem separar profissão e seriedade da paixão por um clube. Não precisamos sair por aí falando o time que torcemos, mas é fundamental não deixar que isso atrapalhe o trabalho.

Quando o repórter cobre

um jogo de seu time, como separar paixão do profissionalismo? Dá para ser objetivo?

Já trabalhei em várias finais de campeonatos do meu time, algumas delas cobrindo o clube adversário e foi tudo muito tranquilo e natural. Quando estou trabalhando torço para a TV Globo Futebol Clube.

Alguns jornalistas

tornam-se amigos de fontes pela convivência. Você acredita que isso atrapalhe o trabalho?

Isso também acontece de uma forma muito natural. Ao longo da carreira construímos amizades, que em alguns casos, viram fontes. E jornalista sem fontes não vai a lugar nenhum.

Como vê a guerra pela transmissão do futebol brasileiro? Acredita em um regime monopolista?

Não vejo como monopólio. Vejo como negócio. Os eventos estão aí, cabe a cada emissora decidir o que é

interessante comprar ou não. Como você analisa a

competitividade dos nossos campeonatos e dos clubes brasileiros? Muito se fala em estrutura dos clubes para justificar as atuais conquistas. Você acha que essa é mesmo a palavra-chave para o sucesso de um time?

Nossos campeonatos são muito fortes e equilibrados.

Em qual parte do mundo um campeonato começa com dez ou doze clubes que podem ser apontados como favoritos ao título? Quando há no centro de treinamento bons campos, academias, hotel, departamento de fisiologia, e claro, profissionais competentes e qualificados, a chance de sucesso é quase sempre muito grande.

Há vagas para mulheres

no mundo do jornalismo esportivo? Há preconceitos?

São milhares

de jornalistas

formados todos

os anos e, muitas

vezes, nem todos

acabam preparados

para o mercado de

trabalho.

Existe preconceito, sim, não vou ser hipócrita e negar isso! Mas acho que competência existe independentemente de sexo, cor, raça e religião. Conheço e convivo com grandes profissionais que estão há anos no mercado esportivo e evoluem a cada dia. Há espaço para todos.

O forte e rápido

crescimento tecnológico das novas plataformas de comunicação pode atrapalhar o jornalismo impresso? O que deve ser feito?

É um processo natural e inevitável. Recentemente fiz uma série sobre o encerramento do Jornal da Tarde, um dos mais importantes jornais do país. É triste ver uma redação ser fechada, mas entendo que faz parte de uma evolução. Os tablets estão aí, na nossa frente, e a qualquer momento podemos ter acesso à informação. O jornal impresso tem seu charme e importância também, mas o custo para “rodar” um impresso é gigantesco. Isso sem dúvidas é fator determinante para o crescimento de outras mídias.

O que diria para quem pensa em seguir carreira de jornalismo, principalmente, o esportivo?

Leia muito, viva e respire esporte. Isso será fundamental para o sucesso profissional. Mas é fundamental acreditar em seu sonho e seguir em frente independente dos obstáculos.

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UMA ONG EM PROL DOS DIREITOS HUMANOS, UM POLICIAL APOSEN-

TADO E ENTEDIADO COM A “NOVELA DAS 8”, UMA ASSOCIAÇÃO DE MORA-DORES DA PERIFERIA, UM PADRE DE TIMBRE REVOLUCIONÁRIO E OUTROS INÚMEROS CIDADÃOS EM BUSCA DE

VEZ E VOZ NAS ONDAS DO RÁDIO. SABE O QUE ELES TÊM EM COMUM?

ENTÃO ACOMPANHE NOSSA MATÉRIA.

POR DANIELA SIMIÃO E DENER SABINO, ESTEFANO PEREZ, GUSTAVO OLIVEIRA E JOAZ NUNES

O LEGADO DE ZÉ DO CAROÇO

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A elite domina a terra e o ar

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Um chiado aumenta e diminui sua intensidade, até se estabilizar e revelar a voz do locutor,

narrando os acontecimentos recentes que mais interessam seu público-alvo. “Bom dia, queridos ouvintes” é a frase que aguça o ouvido de quem projeta neste meio de comunicação, o rádio, a forma mais adequada de adquirir informação.

Após saudar seu público, começa a sequência de notícias, sempre relacionadas à região onde foi instalado o veículo:

“Prefeitura começa a corrigir asfalto na rua Dois, moradores que utilizam o trajeto, o façam pela rua Três. E para evitar alvoroço, as notícias deste ‘Zé do Caroço’ que vos fala estão regulamentadas de acordo com a Lei 9.612 de 1998 junto ao decreto 2.615 do mesmo ano. O nosso serviço tem como objetivo divulgar, defender e fortalecer os interesses da comunidade, permitindo que os cidadãos participem da programação”.

Ao fundo, como background, a canção popular de Leci Brandão relata o exemplo de uma rádio comunitária marcante entre os anos 70 e 80 no Rio de Janeiro.

Por despertar proximidade com o ouvinte, surgiram as rádios comunitárias, voltadas para informar moradores de uma região sobre o que faz parte do cotidiano delas.

As rádios comunitárias surgem em um momento conturbado na história do país. Estamos falando do Regime Militar vivenciado no Brasil entre 1964 e 1985. Na ocasião, inúmeros movimentos sócio-populares surgiram em alternativa à censura instalada na grande imprensa. Nesse sentido, também surgiram iniciativas relacionadas à atividade radiofônica, tais como: rádios instaladas em postes por meio de alto-falantes.

Sobre o assunto, Antônio Luiz Marchioni, Padre Ticão afirma que a comunicação era dominada por meia dúzia de famílias que escolhiam o que deveríamos assistir e ouvir, tanto na imprensa falada, quanto na escrita. “A elite domina a terra e o ar”, conclui.

O padre informa que o movimento chamado de Rádio do Povo, surgiu na década de 80 na Zona Leste de São Paulo. “Em um folheto que fizemos, o Bispo Dom Angélico Sândalo Bernadino começa dizendo ‘quebrando a ditadura’, não só a militar, mas a dos meios de comunicação”, relembra.

Como parte da

Pe. Ticão, pioneiro em rádios comunitárias na região da Zona Leste

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Ticão e a batalha invisível “Nós começamos uma luta que nasceu aqui e cresceu na região, se espalhou na América Latina, vinha muita gente conhecer esta experiência. Decidimos montar uma rádio, pirata, ela funcionava aqui no fundo da igreja, precisava ter uma antena, mas a antena era muito visível, como um elefante em uma vidraçaria, era uma torre de uns cinco metros. A rádio teve um sucesso enorme, chegava até Guarulhos, invadíamos outros sinais colocando 100 watts outros colocavam 200 e a gente respondia com 300, era uma guerra”.

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comunidade era semi-analfabeta, Pe. Ticão optou por substituir folhetos pela rádio-corneta. “Chegando aqui eu notei isso, se colocar quatro ou cinco cornetas, não precisa fazer tanto folheto”. A técnica mostrou eficiência e premiava os participantes com ingressos para o cinema. “Vinha todo mundo, então é uma comunicação muito ágil e bem direta”, afirma.

Como nem tudo dança conforme a música, a

forma mais fácil de dar voz à comunidade enfrentou problemas burocráticos que impediram a consolidação desse meio de comunicação tão eficaz.

No dia 28 de junho de 1996, um jornal da capital registrava o fechamento da rádio comunitária São Francisco de Assis dada a sua não-regulamentação. “A rádio era organizada pelo Pe. Ticão, conhecido na região por liderar movimentos de sem-tetos”, diz o jornal. Sobre o assunto,

o pároco, que foi liberado da delegacia após discutir com as autoridades, acredita que a população só perdeu com o fechamento da rádio.

Ainda na década de 90, a comunidade na qual o Pe. Ticão fazia parte, organizou um abaixo-assinado para o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso e para o Ministro das Comunicações Sérgio Mota, solicitando a regulamentação das rádios comunitárias no Brasil. “Acreditamos

Canta Leci BrandãoA cantora e compositora conhecia a história do Zé do Caroço e a transformou em canção em 1978. Em 1981, por alegar que o conteúdo era subversivo, a gravadora recusou incluir a faixa no trabalho de Leci Brandão, o que ocasionou o pedido de demissão por parte da cantora. Em 1985, finalmente a música foi gravada e se popularizou.Trecho: “O serviço de alto-falante, no morro do Pau da Bandeira, quem avisa é o Zé do Caroço, amanhã vai fazer alvoroço, alertando a favela inteira... ... E na hora que a televisão brasileira distrai toda gente com sua novela é que Zé põe a boca no mundo, e que faz um discurso profundo, ele quer ver o bem da favela. Está nascendo um novo líder, no morro do Pau da Bandeira...”

As rádios comunitárias têm a função de divulgar, defender e fortalecer os interesses das comunidades.

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políticas ou religiosas. “Infelizmente existem muitas rádios piratas em São Paulo, o que acaba confundindo as pessoas e fazendo com que as rádios legais percam um pouco da credibilidade”, lamenta Ferraz.

Seguindo o princípio das rá-dios comunitárias, é proibida a veiculação de propagan-das durante a programação. Dessa forma, outro desafio constante é manter-se finan-ceiramente estável diante de um pequeno orçamento. Uma saída é buscar parcerias com Subprefeituras, escolas, creches e outras instituições que possam colaborar com as despesas da rádio e esta-belecer a divulgação regional dos serviços oferecidos pelas mesmas.

ContandoMoedas

A programação deve abranger tudo o que possa contribuir para o desenvolvimento da comunidade, como lazer, manifestações culturais, pro-testos, movimentos artísticos, músicas de todos os estilos, etc. É imprescindível que não haja qualquer tipo de discrimi-nação racial, religiosa, sexual ou política. Em ano de eleições, assim como as demais rádios, é obrigatória a veiculação de horário eleitoral gratuito.

firmemente que as rádios comunitárias prestarão um grande serviço no sentido de ampliar as informações sobre os vários segmentos da sociedade”, dizia um trecho da carta. De acordo com o pároco, o movimento fez a diferença para o reconhecimento das rádios.

Hoje, em pleno Estado Democrático de direito, ONGs, movimentos sociais, associações de moradores e grupos do gênero lutam pela legitimidade de seus veículos de comunicação comunitária. Para tornar-se legal é necessária a aprovação do Ministério das Comunicações e a análise do Congresso Nacional. Após isso, a licença definitiva é concedida através de um decreto legislativo, e tem validade de três a dez anos. Parece simples, mas o processo pode durar anos. É o caso da rádio comunitária de Itaquera, que segundo seu fundador, Paulo Ferraz, demorou 10 anos para receber a autorização. “Eu fiz a nossa inscrição no dia 11 de janeiro de 2001 e a rádio só pôde entrar no ar, legalmente, em janeiro de 2011’’. A lista de documentos que precisa ser apresentada aos órgãos regulamentadores também dificulta a agilidade. “Eu precisava ter uma associação, inscrição na prefeitura, inscrição federal e atualmente, preciso de um laudo técnico de um

O quetoca?

engenheiro que comprove que nossos equipamentos não causam mal à saúde humana e que não interferem em outros meios de comunicação”, diz Ferraz.

Outra grande dificuldade na consolidação das rádios comunitárias são as rádios ilegais, também conhecidas como rádios piratas, que atuam sem autorização, em qualquer frequência vaga e normalmente têm vínculo com instituições

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Aumente o volume do seu rádio e anote as instruções: para que uma rádio comunitária possa operar, é necessário atuar em frequência modulada (FM), em baixa potência (25 watts), ter cobertura de até 1 km a partir da antena, estar aberta a qualquer manifestação que interesse a sociedade local, não ter fins lucrativos ou vínculos de qualquer tipo com partidos políticos e instituições religiosas.

Lembrando-se da oscilação de um chiado ou ruído, já citado no início da matéria, podemos detectar mais um problema presente na rádio comunitária. Não costuma ser fácil sintonizar a estação desejada, o que pode afastar o ouvinte. “A sintonia não é boa, chia muito”, relata

Mayara Freitas, 20, estudante de Publicidade e Propaganda que mora próximo à uma rádio comunitária.

Abaixe o volume, mas não mude de estação, nosso programa acabou e outro irá começar. Escutamos as histórias do pe. Ticão, os problemas burocráticos que

enfrenta Ferraz e o chiado que não deixa Mayara ouvir a rádio, mesmo assim, o que a comunidade mais teme é ficar sem comunicação. Fiquem agora com as próximas páginas enquanto encerramos a transmissão ao som de Zé do Caroço na voz de Leci Brandão.

Vantagens - Atinge uma grande área e as pessoas só precisam de um radinho para re-ceber a informação.Equipamentos - Você vai precisar de, pelo menos, um transmissor FM, certificado pela Anatel, uma antena e um computador.Equipe - Uma pessoa é capaz de manter uma programação mínima. Mas é bom ter ajuda para produzir matérias, debates e entrevistasComo colocar no ar - A solicitação deve ser feita ao Ministério das Comunicações. As associações comunitárias sem fins lucrativos podem se candidatar a ter uma emissora FM.Quem pode ajudar - Aqui você aprende a fazer uma rádio on-line: www.dissonante.org.br

As rádios precisam de aprovação do Ministério das Comunicações para ir ao ar.

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José Mendes da Silva, policial aposentado, morava no morro do Pau da Bandeira, ao lado do Morro dos Macacos, no bairro carioca de Vila Izabel. Conhecido pela alcunha de Zé do Caroço era dedicado às causas de sua comunidade, colocou um alto-falante na laje de sua casa para transmitir notícias importantes aos moradores da redondeza. Até que a esposa de um militar que morava na rua Petrocochino, próximo ao morro, reclamou à policia que o barulho do serviço de alto-falante a incomodava quando assistia à novela. Eis que surge a cançao de leci Brandão

Rádio Comunitária

E agora, José?

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NA PONTA DOS DEDOS

POR ALINE SANTOS, ANDRÉ MIRANDA, CAROLINA COUTINHO,DIEGO MOTODA, RAPHAEL RUFINO

ELE SE SENTA, LIGA A TELEVISÃO E PROCURA A PROGRAMAÇÃO QUE MAIS LHE AGRADA. PREFERE AS NOTÍCIAS DAQUELE DIA, MAS ALGO NÃO O DEIXA COMPREENDER O QUE É DITO. A MISTURA DE

GESTOS E IMAGENS O DEIXA AINDA MAIS CONFUSO. IRRITADO, DESLIGA A TELEVISÃO E DEIXA O CONTROLE DE LADO. QUAL SERIA

A CAUSA DA DISTÂNCIA ENTRE ELE E A TV? A RESPOSTA ESTÁ NO USO INADEQUADO DA LIBRAS. ESTE TELESPECTADOR É SURDO.

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Marcamos para às 19h, da quarta-feira. Estava tudo certo: perguntas,

gravador e câmera fotográfica em mãos. Tudo preparado para fazermos a entrevista desejada, mas algo começava a nos incomodar: nosso entrevistado estava atrasado uns dez minutos. Até que recebemos uma mensagem dele nos informando que estava a caminho e que viria sem intérprete. Sentimos alívio e, em seguida, desespero. Como faremos uma entrevista com um surdo, sem alguém para intermediar? Logo veio outra mensagem, agora dizendo que ele já estava a nossa espera, no lugar onde marcamos. Mais um problema! Como iríamos saber quem ele era, se nunca o vimos? Isso já iríamos descobrir. Tivemos a brilhante ideia de

responder-lhe a mensagem com a descrição da roupa que estávamos e onde o esperávamos. Rapidamente, ele chegou. Veio sorrindo, nos cumprimentou com um amigável abraço e, mexendo seus lábios, sem emitir som algum, disse que conseguia entender algumas palavras, e as que não entendesse, poderiam ser escritas. Tivemos duas sensações: satisfação e curiosidade. Satisfação porque parecia não ser tão difícil quanto imaginávamos, e curiosidade porque nos despertou muito interesse no universo da língua de sinais e nas experiências que o entrevistado, uma vez surdo, nos proporcionaria. Duas horas de entrevista foram suficientes para sentirmos na pele o quão difícil é viver em um mundo marcado pela falta de comunicação.

Onde a compreensão torna-se quase impossível. E assim, entrevistamos Philipe Uzun, um surdo que nos contou quais as dificuldades enfrentadas por ele diante de um mundo tão visual e gestual, que poucos ouvintes têm a oportunidade de conhecer.

Segundo dados do IBGE, no Brasil existem mais de 2,1 milhões de pessoas que possuem alguma deficiência, e, destas, 344,2 mil são surdas e 1,7 milhão têm grande dificuldade de ouvir. Pensando nisso, alguns veículos de comunicação passaram a adaptar-se à grande parte de deficientes auditivos do país. Essas mudanças já podem ser observadas nas programações das emissoras, seja por meio de legendas ou pelos intérpretes que assumem, o cargo de informar o telespectador. Mas seria isso, o suficiente?

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Philipe Uzun foi diagnos-ticado como surdo nos primeiros anos de vida.

Professora Juliana Bezerra

Considera-se pessoa surda àquela que, por ter perda auditiva, consegue compreender e interagir com o mundo por meio de experiências visuais, capazes de fazer o indivíduo sentir-se incluído em sua cultura, principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Já a deficiência auditiva se deve à perda bilateral, parcial ou total, de 41 decibéis (dB) ou mais de um indivíduo que não está inserido em sua comunidade, por não ter acesso à Libras.

Nascido em uma família de ouvintes, Philipe Uzun, 28 anos, foi diagnosticado como deficiente auditivo logo nos primeiros anos de vida. A gestação de sua mãe sofreu algumas complicações e, além disso, teve uma duração de quase dez meses. “Foi pura sorte, eu vir ao mundo, mas como sequela, nasci com a deficiência auditiva”, afirma.

Sua família se adaptou logo quando soube da surdez, o matricularam em escolas especiais, aprenderam a Língua de Sinais, e se preocuparam em fazer o tratamento necessário com um fonoaudiólogo.

“Eu era o único diferente em casa, o único que nasceu sem audição, mas foi por meio da minha família que tive os primeiros contatos com a Libras e a leitura de lábios, com o acompanhamento de um fono”, comenta Uzun.

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de oUvintes

No século XIX, os surdos não eram aceitos na sociedade, sendo submetidos até mesmo à torturas, tais como amarrarem suas mãos para que não sinalizassem nada, e serem impostos ao aprendizado por meio do oralismo (metodologia de ensino voltada para aquisição de língua oral pelos surdos).

“Hoje, a oralização do surdo acontece, mas desde que ele queira. Tudo isso depois do Decreto 5.626/2005, Art. 14, que deixa bem clara a liberdade de escolha do surdo de optar por ter, ou não, o acompanhamento de um fonoaudiólogo”, afirma Juliana Bezerra, 27 anos, pedagoga e professora de Libras, do curso de Letras, na Universidade Cruzeiro do Sul.

Ao comparar a preocupação atual da sociedade com anos anteriores, Juliana acredita na evolução de adaptações oferecidas a eles. “Os surdos sempre existiram, sempre estiveram na sociedade, mas

eram pouco atendidos. Embora ainda seja incipiente, já se caminhou muito”, explica.

Essa evolução também pode ser percebida nos veículos de comunicação, porém, ainda existe a falta de compreensão da diferença entre o Português Sinalizado (repetição de palavra por palavra da língua portuguesa) e da Libras (utilização da linguística de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria).

Uzun lembra que, na sua infância, quando assistia à televisão não entendia nada daquilo que via. Mas hoje, por conta das legendas, principalmente, tem-se uma compreensão da informação. “Isso é muito importante, afinal, como farei para me informar? Confesso que ainda me deparo com algumas programações, onde não existe, de maneira alguma, o entendimento. Então desisto, mudo de canal ou recorro a um jornal impresso, que seja mais seguro”, comenta.

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A partir de 2005, houve o Decreto nº 5.625, de 22 de dezembro de 2005, que regulamentou as escolas bilíngues no município. Desde então, novas instituições foram abertas e outras estão em processo de desenvolvimento e organização, com adaptação própria que atenda aos deficientes auditivos.

“Deve-se trabalhar a Libras com o surdo desde o primeiro dia de vida. Nasceu surdo, fez o primeiro diagnóstico e descobriu-se a deficiência, então, já é necessário estímulo da linguagem”, indica a professora Juliana.

A escola bilíngue proporciona o aprendizado diferenciado da escolarização do surdo. Diferentemente das instituições de ensino de ouvintes, os deficientes auditivos precisam de meios para isso, e esse

meio é a Libras. “Teve uma época que meus pais experimentaram me colocar em uma escola normal. Não deu certo. Enquanto a professora falava diretamente para os alunos, eu até compreendia e lia seus lábios, mas quando ela se virava para escrever na lousa, era óbvio que eu não entendia nada do que ela dizia”, declara Uzun.

A lei também determina que em todos os cursos de licenciatura, em suas diferentes áreas de conhecimento, a Libras seja inserida como disciplina curricular obrigatória. E nos demais cursos de educação superior, a língua se constitua em disciplina curricular optativa.

As EMEBS (Escola Municipal Educação Bilíngue para Surdos) são escolas

mais antigas, construídas antes da portaria de 2011. O bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo, conta com uma dessas escolas EMEBS Neusa Bassetto desde 1988 com o intuito de oferecer ensino fundamental às crianças da comunidade.

Cada instituição conta com profissionais qualificados na área. Os instrutores surdos, por exemplo, assumem não só a responsabilidade de aproximar os alunos de sua linguagem, mas também de fazer atendimento de seus pais com cursos de Libras, ainda que a adesão seja mínima.

Wanira Rebolio, 58 anos, sempre trabalhou com surdos e atua na escola há 20 anos. Foi professora, coordenadora e, neste ano, assumiu o cargo de assistente de direção.

“Nós recebemos muitos bilhetes dizendo assim: ‘professora dá pra você falar para o meu filho, que hoje, ele tem

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não estoU entendendo nAdA

uma consulta?’, e aí a gente responde: ‘Não, não dá pra falar porque ele é seu filho, e você é quem tem que se preocupar em se comunicar com ele!’”, comenta a diretora da escola, que acredita na reestruturação dessas escolas, como um ganho para a comunidade.

Todas as EMEBS têm projetos de melhorias em sua estrutura para receber os alunos. A Prefeitura de São Paulo já tomou medidas como a do Transporte Escolar Gratuito (TEG) para locomover as crianças que residem em locais muito distantes da instituição.

Embora algumas medidas tenham sido tomadas para inclusão dos surdos no acesso à informação, pelas emissoras de TV, tais métodos ainda não foram suficientes.

A interpretação errônea da Libras é evidente em muitas programações. E esse problema está no fato de os intérpretes não distinguirem as diferenças entre o Português Sinalizado e a Língua de Sinais em si, dificultando assim, a compreensão das informações transmitidas pelo veículo.

Ao ser procurada, a Emissora TV Cultura nos enviou, via e-mail, uma nota sobre o uso da Libras na televisão:

“Na TV Cultura, tanto o closed caption como a Língua Brasileira de Sinais estão em processo de implantação. Isso porque na Fundação esses processos dependem de licitação, o que demanda tempo. A previsão é que esses serviços estejam funcionando até o final do ano”, explicou José Fernando, Gerente de Comunicação da emissora.

Intérpretes, apenas nas classificações indicativas, entre os intervalos das programações, são insuficientes para um público de número tão relevante na sociedade brasileira.

A acessibilidade depende

dos meios de comunicação para tornar-se existente. Esses veículos assumem grande importância na inclusão dos surdos em todas as áreas, sejam elas políticas, culturais e sociais.

Um público essencialmente visual necessita de adaptações que visem a melhoria de sua convivência na sociedade, e a Libras como uma língua brasileira oficializada, a segunda do país, precisa de uma atenção maior. Afinal ela é quem oferece aos surdos a compreensão de mundo que todos têm capacidade de entender, independente da deficiência que possa existir.

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AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS APRESENTARAM PERSONAGENS QUE MOLDAM A NOSSA CULTURA MESMO DEPOIS DE MAIS DE UM SÉCULO, AS “REVISTINHAS” DE ARTISTAS LENDÁRIOS SÃO ATRATIVOS PARA CRI-

ANÇAS, JOVENS E ADULTOS”.

POR DANIELE MOTTA, DÉBORAH ARANHOS, EFRAIM CAETANO, GABRIELA GUNDIM, HENRIQUE SANTIAGO E VITOR SILVEIRA

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“A Turma da Mônica muda conforme a história, conforme tudo o que está acontecendo no mundo”, afirma Sousa.

A criança vai até a banca de jornal com o pai para

gastar as economias que guardou, moeda por moeda, durante o mês. Lá, observa atentamente os gibis da garota valente, do super-herói que é a personificação de uma aranha ou do papagaio legitimamente brasileiro. Ao chegar em casa, folheia lentamente a revista em quadrinhos e o cheiro de papel novo aguça o seu olfato no mesmo instante em que seus ouvidos captam o suave balanço das páginas. A vontade de ler é imediata e as altas risadas são inevitáveis. O gibi, enfim, ganha o apreço do dono que o guarda carinhosamente e o lê vez sim, vez não. Esse é o retrato que define parte das crianças que tiveram a felicidade de ler uma História em Quadrinhos (HQ).

A linha do tempo da HQ no Brasil possui personagens que marcaram gerações com suas respectivas características que denotaram o gosto de crianças e jovens ao longo de mais de 100 anos de publicações. Desde o caipira Nhô Quim, lançado no fim do longínquo século XIX, que mostra o choque cultural da mudança do homem do campo para a cidade, passando pelos super-heróis americanizados Batman, Homem-Aranha e Super-Homem que defendem o mundo do mal crescente que afugenta a população. Depois, galgando entre os personagens de Walt Disney, sobretudo o papagaio tupiniquim Zé Carioca, que apresenta todos os trejeitos estereotipados do brasileiro, como a boemia do Rio de Janeiro

nos anos 1940 e a preguiça, ou melhor, o jeitinho brasileiro para deixar o trabalho de lado. Aí o mundo é presenteado com os personagens da Turma da Mônica que caíram nas graças de crianças e jovens, especialmente o quinteto composto pela dentuça briguenta, o garoto que troca o “erre” pelo “ele” na fala e sempre apresenta planos infalíveis que nunca dão certo, o mocinho cascudo que tem medo de água, a comilona que devora qualquer prato de comida que vê pela frente e o caipira do interior que gosta de pescar e de roubar goiabas.

Mauricio de Sousa é o maior expoente dos gibis no Brasil. A sua Turma da Mônica, que deu os primeiros passos no ano de 1959, apresentava primeiramente os personagens Bidu, o cãozinho azul e o cientista Franjinha, seu dono. No decorrer de sua extensa história surgiram os personagens principais já citados acima, o homem das cavernas Piteco, o dinossauro Horácio, o índio brasileiro Papa-Capim, os personagens teen Rolo e Tina, até os recentes Luca, garoto cadeirante e a deficiente visual Dorinha.

Não seria exagero dizer que Mauricio de Sousa é

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a personificação de um personagem de gibi. Seus pouco mais de 1,60 m de pura simpatia, o sorriso estampado no rosto, o cabelo meticulosamente penteado para trás e a jovialidade de um homem de 77 anos são características marcantes do homem que colore a vida de crianças Brasil afora.

A simpatia do mentor da Turma da Mônica faz-se real com seus apreciadores. Em uma tarde ensolarada de primavera, Mauricio de Sousa realizou um encontro para ajudar os universitários em trabalhos acadêmicos. Sentado em uma cadeira com os braços apoiados em uma mesa por

90 minutos, o cartunista ouviu e compartilhou sua opinião acerca do seu trabalho.

Em mais de cinco décadas de história, Mauricio de Sousa afirma que foram poucas as mudanças ocorridas em sua Turma. “A Turma da Mônica muda conforme a história, conforme tudo o que está acontecendo no mundo. Então, estaremos seguindo nesse particular, nessa linha desde sempre”. Quanto ao quesito gráfico, Sousa afirma que “não mudou muito, mas nos anos iniciais os personagens tinham feições mais ‘redondinhas’”.

O fator família e amigos ajudou a fazer a Turma da Mônica o sucesso que é. As

personagens Mônica, a nervosa, Magali, a comilona e Marina, a artista, foram inspiradas nas filhas de Mauricio de Sousa. “Um pouquinho que meus amigos ou alguém da família se distraem, já viram personagens. Por exemplo, o Chico Bento é baseado em meu tio-avô. Já o Cascão e o ‘Cebola’ foram baseados em dois garotos que eu conheci em Mogi das Cruzes”.

Com o passar dos anos vieram as mudanças e o mercado de HQ migrou para o campo do mangá, gibi japonês cuja popularidade tem crescido no Brasil nas últimas décadas. Mauricio de Sousa não deixou a peteca cair e, para manter a fidelidade de seus leitores, teve uma ideia sagaz: a criação da Turma da Mônica Jovem. Nesse mangá, a turma está na problemática época da adolescência e perde as características que consagraram os míticos personagens: Mônica é bela e esbelta, Cebolinha deixa de falar “coletamente” e apenas troca os “erres” pelos “eles” quando está nervoso, Cascão já não teme mais a água como antes e Magali não mais come tudo o que vê pela frente.

Mas não é só de Turma da Mônica que o Brasil vive. Há um criador de personagens que fez muitas crianças receberem broncas de suas mães por colocarem aquela belíssima panela arriada na cabeça e sair brincando pela casa. Sim, é o Menino Maluquinho, criação de Ziraldo. O aclamado cartunista celebrou em 2012 seu 80º aniversário. Se por um lado os cabelos brancos, que mais parecem flocos de algodão que aparentam jamais terem sido cobertos por uma panela, indicam IM

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a idade de um senhor prolífico, por outro mostram histórias de uma vida que vão desde a Turma do Pererê, o Menino Maluquinho e até mesmo os tempos de Pasquim, o folhetim que tratava os tempos de ditadura militar com acidez.

O seu bom humor, presente nos tempos jornalísticos de Pasquim, não envelheceu, tampouco foi aprisionado no “xadrez” dos tempos de chumbo. Risonho e descontraído, Ziraldo, quando questionado à preservação do nacionalismo na HQ, descarta qualquer possibilidade de receber influência de quadrinhos de outros países, sobretudo, dos Estados Unidos. “Meu trabalho é muito original. É a minha cara”, afirma o cartunista. E quando o assunto é o resgate dos valores culturais brasileiros, o cartunista nega veementemente que seu trabalho apresenta tal intenção. “Eu nunca pensei nisso. Minhas histórias não são folclóricas. Eu usei os personagens do nosso folclore. Não há história infantil brasileira que não tenha a onça, o tatu, o jabuti, o macaco e o coelho retratados”, diz.

Nem mesmo o futuro dos quadrinhos e a ameaça da extinção do papel pela “vilã” tecnologia impede Ziraldo de dosar suas palavras com bom humor. “Agora, a história em quadrinho virou arte ‘cult’, não é mais cultura de massa. Ninguém vai investir em história em quadrinhos. O Mauricio, por exemplo, teve que se adaptar aos novos tempos. Agora há tantas plataformas para poder concorrer que a HQ não é mais o que chamavam antigamente de cultura de massa. Eu acho que isso não estimula o jovem artista a trabalhar nessa área no Brasil”, diz. E mesmo descrente com o atual momento dos gibis no Brasil, Ziraldo assegura com todas as letras a importância de seu trabalho e também de Mauricio de Sousa para o desenvolvimento da leitura como forma de arte. “Os tempos mudaram. Antigamente, por exemplo, o Mauricio vendia dois, três milhões de exemplares por mês, já hoje não passa de 100 mil”, afirma. Independente de quem marcou mais ou vendeu mais, o fato é que Ziraldo plantou

a semente nostálgica do “quero ser criança uma vez mais” quando seu leitor se depara com crianças e jovens lendo os personagens criados pelo cartunista tão agitado quanto seu célebre Menino Maluquinho.

Quando o assunto é história da HQ, o nome que vem à cabeça dos estudiosos é o de Álvaro de Moya. O nome pode não parecer familiar, mas o seu valor histórico para os quadrinhos ultrapassa os limites do Brasil. Foi ele o responsável, junto com outros amigos, como Jayme Cortez e Syllas Roberg, a realizar a

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Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos no longínquo ano de 1951. Mas Moya, à época com seus 20 anos recém-completados, não tinha ideia do boom, exatamente como o estrondo de uma explosão retratada gibi, que causaria na história, quando teve de lutar contra o preconceito frente a sua paixão. “Eu não tinha a menor noção que fazia algo importante quando realizamos a primeira expo. Havia uma campanha nos Estados Unidos, no Senado, contra os comic books, durante a caça às bruxas na Guerra Fria. No Brasil, todos eram contra os quadrinhos, num preconceito que essa leitura deixava as crianças preguiçosas, maus alunos, conteúdo perigoso e era uma ante sala para a delinquência juvenil. As escolas, a igreja, as famílias, os políticos, todos eram contra as histórias em quadrinhos”, afirma.

Moya lutou pela valorização dos quadrinhos como arte no país. E não foi fácil. À época, ele contava com um percalço que distinguia do conservadorismo vigente no Brasil: a autocrítica, elemento presente em todo artista que traz a típica fumaça negra na cabeça que apaga a luz de ideias criativas. “Eu não gostava do meu trabalho. No meu tempo, a autocrítica era motivo de progresso na arte. Hoje, os artistas, em geral, não aceitam críticas e não progridem”, afirma.

Moya foi além de dedicar sua vida a HQ. Ao longo de seus 82 anos de vida, foi jornalista, ilustrador das capas de Mickey e O Pato Donald, trabalhou

na televisão desde os primórdios no Brasil, professor, entre outras multifunções. Ele avalia a criação de personagem tendo a criatividade como aliada para atingir o sucesso. “Quadrinho é uma forma de arte das mais complexas. Além de você ter de saber desenhar de tudo, de motocicletas a cavalos, de cidades a selvas, de humor a drama, anatomia e perspectiva, tem que saber escrever, conhecer gramática, dominar luz e sombra, ser um diretor de cinema e um humanista. O certo é fazer do vilão um herói e do herói um vilão, vide Batman. A criatividade é fundamental a quem quer se dedicar a essa arte”, explana.

Se durante a juventude Moya mostrava incerteza quanto ao valor de seu trabalho, hoje, com serenidade, transpira modéstia no que diz respeito ao seu legado na HQ. “Jotabe Medeiros, de O Estado, perguntou a Will Eisner como ele sentia a ser chamado de gênio. Ele respondeu como (Honoré) Daumier; eu desenho, os outros julgam. Eu apenas lutei pelo reconhecimento dos quadrinhos como arte”, afirma. Sua história não caberia em um simples gibi.

Seja você criança, adolescente, adulto ou idoso, resgate em sua memória os momentos lúdicos que passou ao criar seu uniforme de super-herói com aquela caixa de papelão até então inutilizável e sua

indefectível espada feita de madeira que tanto o ajudou a combater o mal na cidade fictícia criada por você e ou até mesmo quando você se olhava no espelho e impostava a voz para falar propositalmente errado ou fazia caras e bocas para trazer um ar de garota corajosa e pinte esses momentos com todas as cores possíveis e imagináveis para dar mais vida aos gibis, hoje já amarelados com o tempo, e seus personagens eternizados em sua vida que por muito, muito tempo os acompanharão.

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