Revista de Cinema

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Revista de cinema

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  • F A C O M - n 1 3 - 2 s e m e s t r e d e 2 0 0 4

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    Revista da Faculdade de Comunicao da FAAPN 13 - 2 semestre de 2004

    ISSN: 1676-8221

    Conselho Curador da FAAPPresidente - Sra. Celita Procopio de Carvalho

    Diretoria ExecutivaDiretor Presidente - Dr. Antonio Bias Bueno GuillonDiretor Tesoureiro - Dr. Amrico Fialdini Jr.Diretor Cultural - Prof. Victor Mirshawka

    Assessores da DiretoriaDr. Srgio Roberto MarcheseAssessor Administrativo e Financeiro

    Prof. Raul Edison MartinezAssessor para Assuntos Acadmicos

    Faculdade de Comunicao

    DiretorProf. Dr. Rubens Fernandes Junior

    Vice-DiretorProf. Dr. Luiz Felipe Pond

    DepartamentosProf. Elenice Rampazzo (Publicidade e Propaganda)Prof. Jos Gozze (Cinema)Prof. Valdir Cimino (Relaes Pblicas)Prof. Vagner Matrone (Rdio e Televiso)

    Coordenador de Extenso e Ps-GraduaoProf. Dr. Ronaldo Entler

    Coordenador de PesquisaProf. Dr. Martin Cezar Feij

    Assistente da DiretoriaProf. Mnica Rugai Bastos

    Coordenao EditorialProf. Dr. Rubens Fernandes Junior

    Editor de ArteProf. ric Eroi Messa

    Assistente de ArteLigia Cesrio de Moraes

    CapaProf. ric Eroi Messa

    A revista FACOM impressa na grfica Arizona, So Paulo, uma publicao semestral da Faculdade de Comunicao.Os artigos publicados so de inteira responsabilidade dosautores. Aceita-se permuta.

    FAAP - Faculdade de ComunicaoRua Alagoas, 903 - 01242-902 - So Paulo - SPTel: 11 3662-7330Fax: 11 3662-7334Site: http://www.faap.brE-mail: [email protected]

    e d i t o r i a l

    com imenso prazer que apresentamos a nova edioda revista Facom, que sintetiza nosso compromisso com aqualidade de ensino e com a divulgao dos trabalhos epesquisas acadmicas dos nossos professores. Balizados poresses princpios norteadores, gostaria de salientar a dedicadacolaborao dos professores presentes nesta edio que, aexemplo das edies anteriores, contribui para situar a revistaFacom entre as melhores publicaes acadmicas da rea,conforme classificao atribuda pela Capes.

    Com a periodicidade semestral conquistada somentenos ltimos anos, podemos sentir, a cada nmero, osprofessores assumindo mais e mais a revista como um espaodemocrtico de reflexo e propagao de idias. O retornoespontneo dos leitores e das instituies tem mostrado nossoacerto editorial que favorece a diversidade temtica e mantm aabrangncia terica das nossas diferentes habilitaes.

    O esforo para buscar esse equilbrio evidencia aimportncia desse trabalho quase artesanal de produzir umarevista, cujo contedo e projeto grfico, conseguem sintetizarcom preciso nosso desejo de estabelecer atravs da publicaouma enriquecedora experincia de troca de conhecimento entreas diferentes instituies de ensino da comunicao da AmricaLatina.

    Aproveitamos a oportunidade para publicar umpequeno relatrio das nossas principais atividades deste ano de2004 e convidamos os leitores para mais esta estimulante tarefade descobrir as diferentes abordagens nas reas de cinema,televiso, mitologia, literatura e ecologia.

    E muito mais!

  • FAAP- Fundao Armando Alvares PenteadoFaculdade de Comunicao - FACOMRua Alagoas, 903 prdio 5- Higienpolis - So Paulo - SPCep: 01242-902 - Tel: 11 3662-7330 - Fax: 11 3662-7334

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    R e c e b a a R e v i s t a F A C O M !

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    ndice

    A quinta tumba de Olga BenarioPaulo B. C. Schettino

    Vdeo e Ao Social em So Paulo: novas centralidades na representao videogrfica da cidadeAndre Costa

    A crnica - Uma flor de dois maridosVera Maria Dagostino

    Avenida Paulista: a verticalizao dos casaresNeiva Pitta Kadota

    A importncia dos sistemas de informao das empresasorientadas para o mercadoSilvio Luiz Tadeu Bertoncello

    Transmutaes do cotidianoSandra Regina Nunes

    Dilogo ImpertinenteCarlos Drummond de Andrade - Fernando PessoaPaola Poma

    Homero e a representao mtica da guerraMartin Cezar Feij

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    No correr do tempoMarco Antnio Bin070

    DevirPaulo Ludmer

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    O grito surdo da Mata AtlnticaSueli Regina Agustini

    Algumas consideraes sobre o documentrio, com destaque para o 33, de Kiko Goifman Camilo DAngelo Braz

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    Algumas consideraes sobre odocumentrio,com destaque parao 33, de Kiko GoifmanCamilo DAngelo Braz

    Resumo considervel a relevncia que o documentrio est assumindo na produo flmica

    contempornea. Neste ensaio, algumas formulaes, a partir de tericos como Michael Renov, NolCarroll e Bill Nichols, deram subsdios para a anlise do documentrio "33", de Kiko Goifman.Palavras-chave: cinema - documentrio - 33 - anlise crtica

    AbstractDocumentary films are acquiring a relevant role in contemporary film production. In this essay

    some formulations based on the approaches by Michael Renov, Nol Carroll e Bill Nichols were made inorder to analyse "33" a documentary film by Kiko Goifman.Keywords: cinema - documentary - 33 - analysis - review

    Este trabalho compreende uma anlise crtica,na forma de ensaio, - em acepo de sentidooriginal da palavra, de experimento ou tentativaincompleta sobre o recente documentrio 33,de Kiko Goifman. O objetivo principal desteensaio o de apresentar uma reflexo sobre aatual situao da produo de documentrios,investigando a trajetria deste gnero que ganhaespaos e contornos cada vez mais diversificados.O objetivo decorrente o de estabelecer umaverso tentativa de alinhamento do escopo daanlise do documentrio em geral e, dele, extrairum esboo significativo, aplicvel aodocumentrio de Kiko Goifman.

    As lacunas no tratamento do assunto no caso, o cinema, e, mais especificamente, odocumentrio so inevitveis, uma vez que

    sempre causa desconforto a anlise do queacontece no agora, no imediato, como o casodeste documentrio em cartaz no primeirosemestre de 2004 nos circuitos universitrios ede cinema. Para isso, sugiro que os contedosaqui tratados sejam, antes, entendidos como umgrupo conexo de sugestes com alguma utilidadeterica e certa inteno prtica, que poderredundar em alguma contribuio na reflexosobre as produes flmicas atuais.

    O preceito que me guiar o deMatthew Arnold1, que, ao estudar a literatura,sugere, na atividade analtica, deixar a mente agircom liberdade em torno do assunto no qualtenha havido muita diligncia e pouco esforopara a construo de uma viso geral.

    Antes de entrarmos mais diretamente

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    em nossa matria temtica, vale a penadistinguirmos alguns aspectos da atividadecrtica. Eles serviro, enquanto introduo enorteamento, como funo dupla: a deferramentas conceituais e a de alicerce para aanlise proposta.

    A matria da crtica de cinemaSe a matria do cinema geralmente

    considerada como pertinente ao mundo da arte,como a considerou Rudolf Arheim2, ainda nosprimrdios do sculo passado, a matria dacrtica de cinema tambm uma espcie de arte.Entretanto, isso soa como se a crtica seja a decinema, teatro ou de literatura, entre outras fosse uma forma parasitria de uma outra arte,uma arte baseada numa outra preexistente, tiposmdios desviantes ou cpia de segunda mo daatividade criadora de outro. Para aqueles que tmessa concepo normativa, os crticos de cinemaso intelectuais que gostam de cinema, mas aosquais falta o poder de produzi-lo, formandoassim uma classe de revendedores da cultura, quea distribuem, nos meios de comunicao, comlucro para si mesmos. A concepo do crticocomo parasita, ou artista manqu, ainda amplamente difundida, especialmente entre osartistas, que, via de regra, so antagonistasdaqueles que tentam desvendar sutilezas, virtudesou insuficincias em suas obras. Nessasincidncias, ressalta-se a dbia analogia entre afuno criativa e procriadora se opondo aimpotncia e a esterilidade da crtica, de suaaverso s figuras realmente criadoras.

    H uma certa corrente bastantedifundida, tambm de que se pode atingir opblico diretamente, por intermdio de uma artepopular, em que a crtica seria desnecessria,por ser postia e avessa ao gosto pblico natural.Atrs dessa concepo reside uma certapresuno que remonta a certas posies deLeon Tolstoi e suas teorias romnticas de umpovo espontaneamente criador, em que ocrtico seria uma reao extrema contra oprimitivo modo de ver e imaginar a arte, quepermaneceria livre da iniciao da comunidadeesotericamente civilizada dos crticos, dosintelectuais enfim. De qualquer modo, o destinodo pblico que tenta se prescindir da crtica

    sabe o quer e do que gosta o de brutalizar asartes e de perder um movimento importante deinterao entre diferentes pontos de vista noprocesso cultural.

    Entretanto, um dos espaos maispertinentes para a presena da crtica (alis,pouco lembrado) o da funo de adicionar som(contedo) arte, que, geralmente, muda. Oaxioma que a crtica prope no o de que a artefala por si ou ainda que o artista no sabe explicarsua arte. A atividade do crtico pondera que oartista no pode falar do que sabe. No difcilde se entender essa afirmativa, por maissurpreendente que ela possa parecer. Oscriadores, os sujeitos sociais que criam, rejeitamcarem no nvel de subcriao ou no da falacomprometida ao tentarem interpretar suasobras, no que resulta a elas ficarem mudas,aguardando uma fala que lhes d uma certadesenvoltura de dilogo ou mesmo de existncia.Basta se ver o gap temporal de quase 60 anos paraa incluso da msica de Gustav Mahler nosprogramas das grandes orquestras, coisa que sedeu a partir da dcada de 1970. Tambm, aintrincada relao entre o autor e sua obra; entreseu mtodo de criao e sua obra. Os escritossobre msica de Richard Wagner so bomexemplo. Embora ele destaque aspectos emetodologias de composio, no podemoscompar-los com sua obra. Wagner anota osingredientes da sua poo mgica, mas que nodefinem sua criao em si. Talvez, nem opudesse. Escrever, racionalizar, a criao tarefaquase que impossvel, sem se cair na mistificaoou nos emblemas. Acrescentemos ainda umaoutra constatao: a de que nunca existiu umanica possibilidade de leitura da arte ou de umaimagem. O que se observa, seja por critrioslgicos ou perceptivos, a sucesso de modos deinterpretao que a arte pode propiciar. intilse definir qual o olhar mais acertado paradeterminada imagem, assim como interrogar oartista sobre o por qu de determinada escolhade representao. Gadamer3, em seu estudo dehermenutica filosfica, conceitua, a partir deErnest Jnger, que submeter um artista explicao de sua obra remet-lo abaixo daobra, o que nos convence de que a obraestabelece uma interao/interpretao, de

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    acordo com as mltiplas possibilidades do observador.Antes de passarmos para o nosso

    assunto, importante adicionar um outroelemento de reflexo sobre a crtica: trata-se dapresena da crtica intermediria. A que estamosassim chamando a crtica daqueles que vm deoutros saberes e, por algum motivo louvvel,resolvem escrever sobre um tema que excede asua especializao: sobre o cinema, por exemplo.H uma vertente relativamente expressiva queafirma a legitimao da crtica pelo especialista,em detrimento daquele que pode ser consideradonefito ou alheio ao mtier do cinema e que, comotal, nortear sua anlise por um estoque deponderaes extra-cinematogrficas. Na Frana,por exemplo, a valorao do especialista relativisada. Em se tratando de estudos deabordagens diversificadas, valoriza-se o fato de seescrever bem, o que possibilita, por exemplo, aEdgar Morin escrever sobre diversos assuntos,sem a demiurga expectativa de este serespecialista no tema tratado; ou, ento, o debateentre Huxley e Wilberforce transcender asfronteirasda literaturae fazerpartedo interesseda biologia.

    O credenciamento da melhor crtica aoprofissional da crtica tambm no o desejvel.Melhor seria que a experincia crtica fossealargada em nmero e prtica sejam crticosprofissionais ou consumidores de produtosculturais em geral que descartam os juzos devalor e acentuam o trao distintivo da experinciacultural. Assim, no se constri uma ilusriahistria do gosto pelos juzos de valor (retricos,comparativos) mais acatados, e, sim, uma atitudesocial que examina continuamente os indciosque o produto cultural est manifestando.

    O mundo representado nos documentriosCostuma-se agregar ao gnero

    documentrio alguns atributos que, pelomenos em mo nica, so recorrentes: o deverdade, o de filmes cuja orientao principal para a produo de documentos sobre o homemhistrico. Essa categoria ou tendncia - severifica nos documentrios que pretendem, emprimeira instncia, mimetizar a realidade,transportando para o cinema uma impressoforte do real. O objeto do filme no arepresentao direta do movimento ou da

    profundidade, mas o da criao de um sistemaseletivo de imagens que do a impresso absolutade movimento e de profundidade4, em ltimainstncia: de realidade. Enquadra-se nessatendncia uma ampla gama de documentrios,desde as origens do cinema, com os actualits deLumire, filmes de Robert Flaherty iniciados em1922, at as produes contemporneas. Nessedomnio, incluem-se os documentrios queutilizam a captao de imagens segundo ametodologia naturalista etnogrfica em que sedestacam os filmes africanos de Jean Rouch, asexperincias de Robert Gardner, em especial noForest of Bliss, que retrata as cerimnias fnebresem Benares, ndia; tambm, as incurses dafamosa psicloga Margareth Mead e seu maridona poca, o fotgrafo Gregory Bateson, e suapesquisa no Bali -, a produo flmica dosdocumentaristas justificada, via de regra, pelointuito de se mostrar aspectos do mundohistrico - uma espcie de inteno de produode registros e documentos que visa a preservaode categorias de pensamento que definem opassado pelos seus atributos, por meio desituaes e contingncias sociais para aposteridade. Trata-se de um modelo deconcepo em que predomina, alm da cmeraexploratria, a inteno de persuaso(ponderando-se o grau de interveno), em quese destacou o formato institudo por JohnGrierson, na dcada de 1930.

    Alargando suas fronteiras econquistando relevncia no mundo do cinema eno gosto do pblico, principalmente naatualidade, a concepo da produo de registrose documentos que pretendem o real aindafunciona como fator distintivo nos aspectosconstitutivos da criao mundial dedocumentrios. Tanto que, para Renov, amodalidade persuasiva e promocional pode serestendida a todas as formas de documentrios edeve ser sempre considerada em relao a outrasfunes estticas e retricas dos filmes. Na baseda persuaso est a alegao de verdade (truthclaim) que a maioria dos documentrios reivindica.

    Quando se toma contato com aaprecivel quantidade de estudos sobre este tema,percebe-se, inicialmente, que parece no haveruma definio aceita por todos sobre o que o

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    documentrio. Neste, diferente de um telejornaldirio e suas prticas (manchetes, vinhetas,reportagem, notas, etc.), existem fronteirasmovedias que imbricam na dvida amplamentereiterada dos documentrios constiturem umacervo de filmes que se distinguem por novisarem fico. Carl Plantinga considera pordemais restritivo o termo documentrio e prefereuma taxionomia mais ampla, classificando-ocomo filme de no-fico. Nel Carroll, maisinstigante e afeito metodologia de criaodesses filmes, classifica o documentrio comosendo um filme de afirmao pressuposta.Entre os tericos mais celebrados na atualidade,Bill Nichols e Michael Renov, ambos se fixam nadenominao documentrio, mas recusam-se aaceitar que existam fronteiras claras entre filmesde fico e de no-fico. Para eles, odocumentrio deve ser considerado um gnerode cinema assim como o musical, a comdia, odrama, etc no sendo possvel, portanto,distinguir-se claramente as fronteiras entre afico e a no-fico. De um modo sucinto,verifica-se que Nichols compreende osdocumentrios como sendo filmes que dizemrespeito ao mundo no qual vivemos, mais do quea um mundo imaginado por um cineasta. Essaponderao de Nichols carrega, entre outras,duas modalidades de reflexo. A primeira depremissa sociolgica em que a construo dosentido de um filme do espectador, por meio desuas referncias culturais; a outra, a da intenode criao, coisa das mais capciosas einconvenientes de se analisar em um artista,particularmente em um cineasta. O que se podeafirmar mais plausivelmente que a inteno decriao do cineasta ser sempre a de secomunicar com o outro, por meio de um mundointerior e uma reflexo em que cada indivduodispe de um auditrio social prprio bemestabelecido, em cuja atmosfera se constroemsuas dedues interiores, suas motivaes,apreciaes etc. (Bakhtin:112, 113). Tambm, ade que o real uma construo e que o filmepode ser visto como um discurso sobre o outro.

    Mas, prossigamos. Fixemo-nos em umadecorrncia usual, atribuda aos documentrios: ade que estes podem ser portadores do atributo daobjetividade e o da verdade. Sobre esses dois

    plats que recaem os principais embates tericos,e exercem fascnio at hoje - seja para osdocumentrios que os ressaltam, ou aqueles queos negam - tanto para o leigo quanto para oestudioso do tema. Muitos acreditam serimpossvel estabelecer a distino entre fico eno-fico, porque ambos compartilham umasrie de estruturas e tcnicas de filmagem eedio: a montagem paralela, o campo/contra-campo, flash-back, cmera na mo, trucagens,etc.. No tocante representao dos personagens(fictcios ou reais), a distino tambm ficariadificultada, pois atores profissionais podemsimular, com grande realismo, uma dada situaoe os atores sociais (pessoas comuns) podemconferir a si prprios representaes nocorrespondentes sua realidade. Alm disso,fico e no-fico comungam de artifciosdramticos, narrativos e estticos, o quedificultaria ainda mais sua distino. Sem falar naideologia, que estando inevitavelmente presentena forma e no contedo de ambas as categorias,tornam-nas indistinguveis.

    Mas, o mais significativo, segundo essadupla perspectiva, o valor paradigmtico dodocumentrio agregar para si, como aspectoconstitutivo, a questo da histria e dahistoricidade em geral. Longe de ser umsubgnero do cinema, a categoria chamada dedocumentrio est em expressiva expanso edignificada pelo acrscimo de avanos formais etcnicos em que a liberdade temtica ajuda aatrair mais espectadores. Assim, surgemdocumentrios sobre msicos de renome, artistasplsticos, macro-ambientes vivenciais, entre outros.

    A inovao formal proporcionou paraos novos documentrios uma orientao para onovo e, igualmente, uma emergente busca desentido da histria da classe mdia, em especial aurbana, que agregam novossujeitos/personagens, exibindo, desde acontradio de um projeto coletivo e social,normalmente expondo-os denncia ou aamostragem das suas articulaes como sujeitosindividuais frente aos dilemas e conflitoshumanos, ou um certo compromissoinstitucional de criao de relevos e significadospara algumas personalidades que se destacam nocontexto de uma mundializao da matria cultural.

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    Esses novos personagens dosdocumentrios, submetidos a uma narrativatemporal, que promove uma viso prpria dopresente a partir de um passado encharcado deobjetividades e significaes, so abordados pormeio de depoimentos e outras manifestaescorrelatas (fotos, filmes caseiros, objetos etc.)inseridas na narrativa principal. O homemhistrico visado nos documentrios normativos,agora, acrescido de potencialidadesinstitucionais que funcionam como conexes queressaltam a representao para elementos almdahistriae mais afeitos criaoou reafirmao de smbolos.

    No caso dos documentrios, parece serrecorrente o procedimento de que o cineastaprope e que o espectador tome essa proposiocomo um pensamento afirmado, e no comoimaginao. H, portanto, nessa disposio umarelao de cumplicidade entre realizador e

    pblico, para que o filme se caracterize como tal(no-fico). Essa relao assume certo grau dequalidade e significao quando o espectador,alm de compreender a inteno de sentido docineasta e de considerar o contedo do filmecomo pensamento afirmado, concorde com estepressuposto afirmado. Entretanto, o caminho deconstruo desse pressuposto afirmado se batecom o da seletividade, isto , aquele mostra quetudo que vai ser filmado depender de umaescolha prvia do cineasta, que estaria, ento,conferindo uma subjetividade ao materialfilmado, negando assim, a priori, a objetividade.Como a seletividade resulta em subjetividade, e asubjetividade implica em parcialidade (outendenciosidade), a objetividade ficariainterditada nos filmes, inclusive nos de no-fico. Os documentrios, incluindo os detemtica da natureza e os de vertenteautobiogrfica, segundo Raymond Spottiswoode,seriam uma apresentao dramatizada dasrelaes do homem com sua vida institucional,quer seja industrial, social e poltica; e, na tcnica,uma subordinao da forma ao contedo.

    Podemos situar ainda o documentriono universo do cinema como sendo uma criaopermeada pelo conceito de mundo projetado,cujo conjunto de pontos de vista afirmam, desdesua construo inicial, o pressuposto de que asignificao da imagem e do som age sobre omundo, transformando-o. Na comunicao dodocumentarista com o espectador por meio dofilme, alm da afirmao de significados, inclui-sea inteno do espectador desenvolver percepesque influenciaro suas aes. A qualidade dessacumplicidade residir no sentido e no contextoem que foram expressos ou apresentados. Umaenunciao na forma afirmativa, apoiada naimagem e no som, funciona como uma alegaode que aquilo que est sendo destacado verdade, uma vez que invoca uma concepo demundo real. A reificao do real aqui, defato, construda no interior do prpriourdimento do documentrio, que potencializado e constantemente reiterado comouma escala de contedos extrados diretamentedo real, dos documentos, fatos histricos esociais. Ao utilizar tais representaes, osdocumentrios tm o poder de transformar o

    Ren Magritte, Le fils del'homme, 1964

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    presente em histria, numa relao em que opresente se desfamiliariza em sua forma desituao presente e se reconstri em umadistncia da imediaticidade, assumindo uma novaperspectiva no qual nos afastamos do aqui eagora, para um tipo especial de presente, que nopode ser datado ou rotulado. A viso binoculardo cinema e a situao de espao e de tempopassam a ser uma natureza particular dofenmeno flmico.

    O elogio resignao: 33, de Kiko Goifman

    Aqueles que sustentam que a busca daidentidade biolgica era privilgio da novela, eque a concepo do sujeito nacontemporaneidade aboliu este tipo deargumento, transformando-o num clichdesgastado e frouxo, encontrar no recentedocumentrio 33 de Kiko Goifman algunselementos de dvida. Esta instncia quegenericamente estamos chamando deelementos pode ser entendida como umdeslocamento do centro do contedo novelescopara a amostragem das rupturas dos discursosflmicos no documentrio atual.

    Alm do ineditismo da temtica nomundo dos documentrios afins, logicamentecom o egotismo, a fragmentao e a reiteradaindividualizao do ps-moderno estedocumentrio tem seu centro temtico naambigidade entre o privado e o pblico. Asoluo encontrada por Goifman para trabalharessas duas esferas foi a de criar duas ordensheterogneas entre si, mas que redundam em ummaterial de rendimento aprecivel em termos decinema, particularmente no documentrio.

    A idia desse dualismo trabalhada naoposio entre o ser e o dever, que no pareceoferecer uma conciliao possvel, ao longo dofilme. O ser o do cineasta-sujeito que sematerializa no filme, que se transforma emcontedo, argumento. O dever o de realizar o filme.Esta instncia est afeita ao processo de criao.

    Como era de se esperar neste tipo dedirio eletrnico, a presena da narrao destacada. Por meio dela, a representao doreal assume graus diversos de complexidade: arazo prtica que comenta e explica a situao

    existencial na busca pela me biolgica e aelaborao formal da imagem que instaura umethos da contingncia. H um perceptvelprivilgio da concepo da forma, que, aomesmo tempo em que evita a viso trgica,prope novos pontos de vista, especialmente eminstncias adjetivas, notadamente no tratamentoestilstico da imagem em preto e branco, apoiadasno imaginrio dos filmes de detetives.

    Como dissemos anteriormente, acriao est orientada para um outro, a partir deuma platia de espectadores que o criador defilmes tem em si, ao decupar seu filme. Aplicadoeste conceito ao filme de Goifman, podemosconsiderar essa ambigidade entre o pblico e oprivado como uma espcie de novo mtodo, umalargamento temtico, que possui a capacidade decoexistir perfeita e adequadamente com outrosmtodos dos documentrios, uma vez que utilizasubsistemas conceituais e assuntos relacionadoscom o procedimento normativo dosdocumentrios. A diferenciao, neste caso,reside na busca por uma nova forma deenunciao pela investigao mediada, em que setem um constante gerenciamento das possveisobviedades. Embora este documentrio sejaconstrudo a partir de uma plataforma dedepoimentos e pesquisas diversas, ele processado por intervenes do narrador quetransforma as evidncias em situaesimprevistas e multifacetadas que evitam oprevisvel: o catrtico encontro do filho com sua mebiolgica 33 anos depois logicamente evitado.

    Ao se descartar as obviedades, o quedever ser destacado em seu lugar? Goifman,neste aspecto, optou pela rapsdia das etapas dabusca, ora em adgio, noutra em presto, que interrompida pelo vencimento de um prazo detempo pr-estabelecido (vence o dever, emdetrimento ao ser), ficando para o espectador, emmeio ao discurso da procura, uma espcie deausncia informe de uma me que todosmencionam e todos se esforam por esquecer.Em meio a isso, configura-se uma espcie denostalgia administrada um tempo para anostalgia que o documentrio de Goifmansimultaneamente d relevncia e oculta, paraevitar o pathos narcsico. Com isso, entra-se emuma trajetria de um museu imaginrio em que

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    desfilam tipos humanos que reiteram o passadocom um forte apelo para o real, que explicado pela voz em off do diretor comomundo reconhecido, mas inclassificvel. Trata-sede uma premonio que, ao mesmo tempo emque d significado narrativa, afrouxa esses seresdeslocados de seu mundo excntrico original, aoserem trazidos para a tela como um aporte realdo sistema presente, embora sejam umaalteridade de um passado, que agora seexperimenta como se fossem velhas fantasias deoutro modo de produo.

    A paisagem pr-capitalista e brejeira,que a Belo Horizonte da dcada de 1960, longede ser morbidamente extica, faz uma espcie de

    acumpliciamento pelos tipos humanos que delasurgem, revertendo sua potencialidade paraconsideraes excepcionalistas, em momentosespeciais em que a seqncia do filme investe naconstruo do discurso afetivo, tenso ecomplacente. Assim, surgem porteiros deedifcios, mdicos, msticos que predizem ofuturo e, em esfera de ncleo primrio, a fala dafamlia, por meio do depoimento da me adotivae o da irm. A construo camp dessesdepoimentos do ncleo primrio funciona comouma desconstruo de qualquer conflito deidentidade que possa ter surgido. Os ditames daleitora das cartas, que tambm est envolvidacom o processo de adoo do diretor, mais umestmulo para abandonar a tarefa de busca da mebiolgica. Ambas as formas de enunciao seinserem na margem de desenvolvimento danarrativa como uma espcie de modelo implcito,mas que refora o real.

    Com o cumprimento parcial da tarefa-ao de se encontrar a me biolgica, o resduofinal o de um jogo existencial-autoral que evitao drama novelesco e banal, com altoinvestimento formal (a la mode de filme noir), querecupera o imaginrio dos antigos filmes dedetetives, como os paradigmticos O Falco Maltse O terceiro Homem, configurando umentrelaamento do cinema clssico com as novaspossibilidades formais do documentrio.

    Estamos na fronteira movedia da no-fico e fico, como descrevemosanteriormente. A objetividade to reivindicadapelos documentrios, neste 33, conjuga-se com aenunciao psicolgica do adulto que tomacontato com seus sistemas simblicos,transformando a argumentao em sentimentoscontraditrios a diviso do eu, a negao doespelho existencial e a afirmao de umainsidiosa identidade racionalizadora, queconstantemente questiona a validade da ao -,instituindo a viagem que percorre o nada ao lugarnenhum, em que se compartilha recapturar oprazer fantasiado da plenitude. Como asconceptualizaes do sujeito mudam, o relatodessas aes resulta numa histria - sem comeo,nem fim -, cujo rendimento em um documentriorecupera a cadeia familiar e primria, mas noexibe uma vida vivida, reforando o lado singular,distintivo e nico do criador de imagens.

    Kiko Goifman

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    NOTAS1 Cit in Frye, Northrop: Anatomia da crtica, pg.11.2 O cinema uma arte realista mais pelo efeitoque produz do que pela naturalidade dos meios.Arnheim, Rudolf: Film as art, pg.25.3 Gadamer, Hans-Georg in Arte potica einterpretao.4 Francastel, Pierre: LImage, la vison etlimagination, pg. 196.

    BIBLIOGRAFIAErik Barnow, Documentary. A History of

    the Non-Fiction Film, Oxford/New York: OxfordUniversity Press, 1993.

    Nol Carroll, Nonfiction Film andPostmodernist Skepticism, in: David Bordwell &Nol Carroll, Post-Theory. Reconstructing FilmStudies, Madison: The University of WisconsinPress, 1996.

    Bill Nichols, Blurred Boundaries. Questionsof Meaning in Contemporary Culture. Bloomingtonand Indiana: Indiana University Press, 1994.

    Carl Plantinga, Moving Pictures and theRhetoric of Nonfiction Film, In: David Bordwell &Nol Carroll, Post-Theory. Reconstructing FilmStudies, Madison: The University of WisconsinPress, 1996.

    Michael Renov, Re-thinking Documentary,in: Wide Angle, Vol.8, n 3/4, 1986.

    Camilo D'Angelo BrazProfessor da FACOM-FAAP, Mestre emMultimeios pela Unicamp e doutorando emCinema e Literatura na Faculdade de Filosofia,Cincias Humanas e Letras da USP.

    "Cartaz de lanamento do

    filme 33", 2004

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    A guerra est entre ns. A guerra est atem meu nome. Carrego a idia de guerra noprprio nome, alm de ser filho de militar, e ternascido num hospital do Exrcito em plena datacomemorativa da histria nacional, aproclamao da Repblica, que como se sabe foiantes de tudo uma quartelada. A origem do nomeMartin, andei lendo num livro sobre histria desantos, mais particularmente So Martinho, vemdo latim Martem tenes aquele que temMarte(no corao)2, lembrando sempre queMarte o nome latino do deus da guerra,conhecido pelos gregos como Ares. E nosegundo nome Cezar nem preciso lembrar aassociao com Jlio Csar, conquistador editador romano, autor do livro clssico De BelloGallico As guerras da Glia, que at foipersonagem de livro para-didtico por mim

    escrito3. A sorte neste caso que a leitura de Astrix jridicularizou qualquer pretenso autoritria.

    Mas o objetivo deste texto no explicar psicanalticamente o que seria umcontra-senso minha predisposio para tratar otema da guerra, em si sempre intolervel, o queme faz acima de tudo um pacifista convicto emilitante. O que pretendo aqui tratar dofascnio arcaico e arcaizante que temasviolentos exercem sobre nossa imaginao eemoo representados no s pela literaturaclssica ou moderna, mas principalmente nosmeios de comunicao, em particular o cinema,seja pelo mainstream do cinema de Hollywood oupela esttica da fome de um Glauber Rocha4.E a relao entre mito, violncia e poesia picaclssica pode ser visto, por exemplo, no filmeTria (Troy, Wolfgang Petersen, EUA, 2004),

    O senhor sabe:serto onde manda quem forte,com as astcias.

    Deus mesmo, quando vier, que venha armado! E bala um pedacinho de metal...

    (Guimares Rosa, Grande Serto: Veredas)

    Homero e a representao mticada guerra1Martin Cezar Feij

    ResumoA Ilada, de Homero, praticamente inaugura a literatura ocidental. O objetivo deste texto

    analisar a relao entre mito e histria, poesia e comunicao, representao e realidade quando o tema a guerra: fascinante enquanto fico, morte e destruio enquanto fato.Palavras-chave: poesia e teologia - mito e histria - literatura e representao.

    AbstractHomer's The Ilad practically inaugurates western literature. The aim of this text is to analyze

    the relation between myth and history, poetry and communication, representation and reality, when thetheme is war: fascinating as fiction, while death and destruction as fact.Keywords: poetry and theology - mith and history - literature and representation.

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    que tem o ator Brad Pitt no papel do heri gregoAquiles. E nesse sentido, a guerra no sertratada aqui em seu sentido literal, como polticapor outros meios (Clausewitz), mas em suarepresentao atravs dos mitos, principalmentepartindo dos mitos gregos, com foco na obra que considerada a inaugural na literatura e noimaginrio ocidental: Ilada, de Homero.

    Homero no educou apenas os gregos,mas serviu de base a toda uma histria da culturaatravs de seus poemas picos. Refernciaobrigatria para poetas e escritores, tambm temseu espao reservado na cultura moderna atravsda indstria de entretenimento, o cinema emparticular. Como destaca o grande escritorcontemporneo, o norte-americano Philip Roth,atravs do personagem Coleman Silk, umprofessor de literatura clssica, durante uma aula,exatamente a que d origem s mais gravestransformaes em sua vida:

    (...)Vocs sabem onde comea a literaturaeuropia? Com uma briga. Toda a literaturaeuropia nasce de uma briga. Ento pegavasua Ilada e lia para os alunos os primeirosversos. Musa divina, canta a cleradesastrosa de Aquiles.... Comea com oconflito entre os dois, Agamenon, rei doshomens, e o grande Aquiles. E por que elesesto brigando, esses dois grandes espritosviolentos e poderosos? Por um motivo tosimples quanto qualquer briga de botequim.Esto brigando por causa de uma mulher....5

    Marte, deus da guerraMas falar em guerra e mitologia no

    mundo antigo falar no deus da guerra j citado:Marte. Marte para os romanos, Ares para osgregos, um deus sedutor e sanguinrio, que sedivertia com as guerras que provocava entre oshomens, mas tambm era amante da deusaAfrodite, conhecida como Vnus pelos romanos,deusa do amor que se encantou com o charmetruculento do deus da guerra. At um planetarecebeu o nome de Marte porque visto comoum planeta vermelho, do sangue jorrado daviolncia das guerras. No comeo do sculo XXo compositor Gustav Holst comps umasinfonia intitulada Os Planetas. A parte sobre

    Marte a mais cromtica, de timbres fortes e tenso sonora. H at uma interpretao pessoal do cineasta Ken Russel, na seqncia intitulada Marte, o que traz a guerra, que em 1983realizou uma montagem cinematogrficainspirada em Holst. Como se pode ver na versocinematogrfica da sinfonia, na qual imagens dedesfiles militares, principalmente na Alemanhanazista com soldados dando largas passadas, mastambm na ento Unio Sovitica com ogivasnucleares, pases do terceiro mundo, soldadosingleses, cenas de incndios com cavalosqueimando, a relao entre mito e histria bastante complicada, para no dizer assustadora.Mas tambm, o mais assustador ainda, no deixade exercer um irracional fascnio. Compatvelcom o nosso tempo.

    O tempo em que vivemosVivemos em tempos sombrios, no sei

    se mais uma vez ou se nunca deixamos dele.Prenncios, avisos e ataques de todo tipodemonstram estarmos vivendo sob o manto deMarte, o deus da guerra. Fala-se at que o 11 desetembro de 2001 marca o incio de uma nova

    Brad Pitt como Aquiles

    em Tria.

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    guerra, de uma guerra de civilizaes, de religies,de fundamentalismos. O que parece uma exceoconfirma-se como regra: da mesma forma que ocorpo saudvel parece ser um pequeno intervalonuma vida de doenas, os momentos de paz temsido ao longo da histria tnues e efmeros vaga-lumes a tentar ofuscar o claro dos bombardeios.Cidades so destrudas pelas guerras ereconstrudas em perodos de paz eprosperidade. Mesmo assim as cidades adotampara seus prprios emblemas representandopunhos a revelar imagens de fora, como nos apresentado na bela e proftica alegoria de Kafkaem O Braso da Cidade.

    A diviso do mundo em ocidente eoriente mais ideolgica que histrica comodemonstrou Edward Said. Foi construda atravsdos sculos de guerras e conquistas, tendo atquem defenda que o ocidente venceu porquelutou por ideais democrticos ao passo que ooriente estaria atrelado ao autoritarismo esociedade sem mobilidade social. O que maisuma vez no deixa de ser um argumentoideolgico. Mesmo assim pode-se fazer umestudo comparativo sobre representaes detemas decisivos nas culturas. A pretenso inicial bota pretenso nisso deste estudo seria analisardois momentos poticos fundamentais natradio mtica da representao da guerra: aocidental, com a Ilada, de Homero, e oriental,com o Mahabarata, particularmente o Baghavad-Gita. Com nfase em dois guerreiros, o indianoArjuna e o aqueu Aquiles. Numa perspectiva derepresentao, na relao entre fato e fico, doisaspectos ento devem ser tratados: a guerra em

    si, enquanto conceito, e a guerra vista pelo mitoe pela poesia. O objetivo deste artigo o segundoponto, relao entre guerra e poesia, o fascnio domito diante do terror da guerra. E, recuperandoVico, o que pode haver de sublime nisto.

    Guerra literalmente envolve destruio,conquista, morte, mas principalmente dio entreas partes em contenda. As motivaes podem seras mais variadas, e sua interpretao depende omtodo empregado. De Marx a Freudconstrumos raciocnios lgicos que buscam umacerta racionalidade para uma vocao humanapara a barbrie, logo, irracional. Nasrepresentaes mticas, o motivo pode atimportar, mas o resultado depende da ao dosdeuses, no pertencem s condies dos homens.Mesmo assim, o dio est presente, e os motivosso humanos, o que permite uma tentativa mesmo que incua - de esclarecimento naconcepo de Adorno.

    A Ilada, de HomeroA inaugurao da literatura europia

    como foi dito se d atravs de um poema picoque relata alguns acontecimentos de um conflitoentre gregos e troianos. O ttulo Ilada vem deIlon, nome grego dado cidade de Tria, maisode, canto. O canto sobre Tria canto doperodo derradeiro de uma guerra que haviacomeado nove anos antes, mas tambm norelata o fim da mesma dez anos depois do fatogerador da mesma: o rapto ou seduo da mulherde um rei grego por um prncipe troiano. Amulher se chamava Helena e era tida como amulher mais bela do mundo, o prncipe era Pris,tambm belo e disputado por deusas, e o reiMenelau, de Esparta, que busca vingana peloseqestro e conta com o apoio de vrios reinosgregos, com seus heris, mas tambm de deusese deusas que se dividem durante os conflitos.Mais do que uma contenda entre povos, Ilada ahistria de uma guerra entre heris Aquiles eAgamenon pela moa; Menelau e Pris porHelena; Heitor e Ptroclo pela honra; Aquiles eHeitor pela vingana; e a nobre luta de um pai,Pramo, para dar um enterrro digno a seu filho,Heitor -, conflitos entre gigantes que no temema morte nem se culpam por matar sem piedade.E nisso que o destaque de Aquiles, a mquina

    Pris (Orlando Bloom) e

    Helena (Diane Kruger) no

    filme Tria.

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    de matar mais hipersensvel da histria daguerra (Phillip Roth) . Ou como destaca HaroldBloom, a derradeira e mais potica grandeza deAquiles que ele no honra pacto nenhum,exceto com a morte, sendo sempre o primeiro asuperar todos os outros6.

    A origem da guerraMas a guerra de Tria teria comeado

    bem antes dos acontecimentos que envolveramos guerreiros: a disputa entre deusas sobre apossibilidade de proteger um mortal, tido porelas como o mais belo entre os homens:Alexandre Pris, filho do rei Pramo de Tria. Asdeusas Hera, mulher de Zeus, Afrodite e Atenasdisputam entre si a primazia do jovem.Oferecem-lhe proteo e conquistas: Hera, opoder; Atena, a inteligncia; Afrodite, a mulhermais bela. Pris, humano, demasiadamentehumano, opta pela mulher mais bela. Bela ecasada. Mas deusa escolhida no h limites paraconseguir a mulher escolhida. E assim Paris viajaa Esparta e conquista a mulher do rei de Esparta,Helena, o motivo da guerra. Menelau pede ajudaao irmo, o tambm rei Agamenon, que organizaum imenso exrcito formado por gregos devrias regies e comandados por tambm reis,por heris diversificados em capacidade e carter.

    Mas Ilada s comea no nono ano daguerra, e mesmo assim no em um conflito entregregos e troianos, mas entre um grego e outro:

    A ira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles, oirado desvario, que aos Aqueus tantas penastrouxe, e incontveis almas arrojou no Hadesde valentes, de heris, esplio para os ces,pasto de aves rapaces: fez-se a lei de Zeus;desde que por primeiro a discrdia apartou oAtreide, chefe de homens, e o divino Aquiles.Que Deus, posto entre ambos, provocou arixa? 7

    Assim comea, com tenso elevada, nodestaque da ira e da fora de Aquiles, que muitosmandou para o reino dos mortos, cujos corposdeixou ao lu para o apodrecimento sem piedade,agora com raiva exatamente de seu chefeAgamenon, rei dos homens, dos gregos emcombate contra os troianos que defendem sua

    cidade, por causa da exigncia em devolver suapresa, Criseida, filha de sacerdote, exije outra,Briseida, belo rosto, que pertenceria aoguerreiro Aquiles. Sua raiva, sua ira, suaindignao exatamente porque obrigado aceder, aceitar as decises do conselho e sentir-seultrajado. Aquiles resolve ento como protestoretirar-se da luta, para agrado dos troianos etemores dos gregos. Tudo parecia que ostroianos, que resistiram por quase dez anos,levariam a melhor e a mulher. Puro engano, noera desejo de todos os deuses. A deusa Atenaprotegia os gregos junto a Zeus; a bela Afroditezelava por seu Pris. Entre a deusa da guerra einteligncia e a deusa do amor e beleza a primeiralevou vantagem. E os troianos, depois dealgumas vitrias, comearam a sofrerimportantes revezes, o principal deles foi quandoAquiles volta ao combate e mata Heitor, o maiorheri troiano.

    O elmo de HeitorUm dos momentos mais intensos da

    obra conheciddo como a despedida de Heitor,quando vai enfrentar Aquiles. um grandemomento, no apenas em emoo eprofundidade, mas na capacidade de sntese deuma imagem. Heitor despede-se de sua mulher,Andrmaca, que carrega em seus braos o filhodos dois. Mas quando Heitor tenta abraar seufilho, que demonstra medo pelo aspecto do pai, egritando porque estranhara

    o inusitado fulgor do elmo aneo de grande cimeira,

    pelo galhardo e oscilante penacho de crina

    encimado;

    O pai e a me veneranda, a um s tempo,

    sorriram, de gozo.

    O refulgente elmo, ento, da cabea tirou o

    guerreiro, pondo-o, cuidadoso, depois ao seu lado,

    na terra fecunda.

    E logo o filho nos braos tomando, depois de beij-

    lo, a Zeus e a todos os deuses eternos suplica,

    fervente:Zeus, poderoso, e vs outros, deuses

    eternos do Olimpo,que venha a ser o meu filho

    como eu , distinguido entre os Teucros, de igual

    vigor, e que em lio, venha a ter o comando.

    E que ao voltar dos combates, algum diga, ao v-

    lo: mais ainda que o pai... 8

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    O heri troiano se d conta que lherestava pouco tempo, afinal, diz, aos homenstroianos e sobretudo a mim incumbe-nos aguerra9. Mas Heitor no sobrevive parapresenciar o destino de seu filho, morto porAquiles, que ainda tripudia com seu cadveramarrado em sua biga diante dos portes dacidade de Tria. No querendo sequer permitirum enterrro digno, por final conseguido porPramo, rei de Tria, e pai do valoroso Heitor ede Pris, causador da guerra to funesta aostroianos. O funeral de Heitor marca o final destecanto que ao lado da Bblia so os maisimportantes textos poticos e teolgicos docnone ocidental. Base no apenas de umimaginrio, mas de uma formao, de um cartera um pensamento. de uma das maioresestudiosas mundiais da cultura clssica aconcluso que Heitor prova da grandeza daobra:

    Do lado troiano, sobressai em toda a suagrandeza a figura de Heitor, de pai, decidado. Luta pelo seu pas e pela suafamlia, no apenas para alcanar honrapessoal, como Aquiles. Este tratamento deheri mximo da faco inimiga a maisantiga prova de imparcialidade direimesmo, da superioridade moral grega. Noser a ltima10.

    O escudo de AquilesSe o elmo de Heitor, que assusta a

    criana, registra o drama, o escudo de Aquilesrefora a luta. Mas tambm permite uma visoda paz no emblema da guerra. um escudoforjado por um deus, Hefestos, a pedido de umame, Ttis, para a proteo de um filho, Aquiles.Nele, o ferreiro do Olimpo gravou um mundotodo, a terra, o cu e o mar. A natureza douniverso com suas estrelas, o sol que circunda aTerra, assim como a lua. Mas na histria doshomens que esculpe em detalhes toda a rica vidados mortais:

    Duas cidades belssimas de homens de curtaexistncia grava tambm. Numa delascelebram-se bodas alegres.Saem do tlamo os noivos, seguidos por seusconvidados,pela cidade, luz clara dearchotes; os hinos ressoam.Ao som das flautas e ctaras moosdanavam, formando roda, em cadnciaagradvel. Nas casas, de p, junto s portas,viam-se muitas mulheres que o belo cortejoadmiravam.Cheio se achava o mercado, que dois cidadoscontendiam sobre quantia a ser paga porcausa de um crime de morte; um declaravaante o povo que tudo saldara a contento; outronegava que houvesse, at ento, recebido aimportncia.Ambos um juiz exigiam, que fim a contendapusesse..11.

    Na descrio minuciosa da ilustraodo escudo sagrado, em que festas, colheitas edanas, tambm seguem os homens guiados porAres e Palas Atena a fazer suas guerras como seno fosse esta, mesmo com elmos e escudosreluzentes mas sem o brilho dos heris, poisbrigam por ovelhas e no por deusas. No cabeaqui uma anlise detalhada da descrio doescudo de Aquiles feito por Hefesto, mas curioso destacar que nele se encontra umahistria diferente, cuja grandeza no est noOlimpo, mas no cotidiano das pessoas,subvertendo assim o emblema: aos invs dealegorizar a luta atravs de imagens carregadas desimbolismo como decorao de um escudo,

    Aquiles em combate no filme

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    ilustra com cenas da vida real o que instrumento de defesa de um semi-deus.

    Mas, o que leva os heris guerra?Vingana para garantir uma honra, umadignidade ameaada: aret. O que os motiva? Osdeuses. H uma palavra grega para designar omomento em que o guerreiro perde os sentidos eage sem discernimento: ate. Isto at podeprovocar uma cultura da vergonha, no umacultura da culpa12. Quando Agamenonreconhece que irritou Aquiles, ele no sedesculpa, porque no considera como sua culpa,mas de algo provocado por Zeus: Mas se erreitanto, levado por meu pensamento funesto ,/quero aplacar o guerreiro com ricos e infindospresentes13. que Agamenon considera quefoi tomado por uma fora maior que ele: Masuma vez que fui cegado pela ate e que Zeus levoupara longe meu discernimento, estou disposto afazer minha paz e conceder abundantecompensao .

    Mesmo assim, o heri grego atende ospedidos, verdadeira splicas, do Pramo para quehomenageasse o corpo do filho morto. E nesse sentido,h um elemento educador na atitude de Aquiles:

    O guerreiro de uma crueldade primitiva, quefizera sacrifcios humanos em honra dePtroclo e rojara no p o rosto do prncipetroiano, humaniza-se ante a impotncia dePramo e entrega-lhe aquele trofu porquetanto lutara. Caminha-se para umabrandamento dos costumes, de que este cantofornece o mais belo exemplo14.

    E aqui comeamos a trilhar umcaminho em que a arte do narrador pico setorna educativa, com grande presena naformao cultural de um povo que marcou todauma civilizao. Mais do que a tradio mtica deuma representao da guerra, o que ficou emestrutura e influncia decisiva foram os poemasatribudos a um poeta jnico chamado Homero.Mas, quem foi Homero? Isto tambm despertoupesquisas e debates que levou o nome dequesto homrica como parte decisiva de umahistria da cultura.

    A questo homrica A trajetria de Homero na histria da

    cultura envolveu duas perguntas bsicas: Aguerra de Tria foi um fato histrico? E Homeroexistiu? Questes bsicas, mas no fundamentais.Afinal, fato concreto que as obras atribudas aHomero foram decisivas para a formao dacultura ocidental. A comear pela cultura gregaclssica, quando os textos foram talvez pelaprimeira vez registrados na forma escrita (hdvidas se a escrita j no existia no tempo de suacriao, por volta do sculo VIII a. C. ) noperodo clssico (sculo V a . C.), e se tornaram abase da prpria Paidia, ou seja no plano queaqui nos interessa: educao, arte e cultura.

    1. Homero como educador. O primeiroaspecto, estudado por Werner Jaeger15 o deconsiderar Homero como educador. Os poemashomricos quanto educao referem-se aoconceito de aret, que pode ser entendido como ovalor da honra . O carter principal consiste nofato de que Plato j havia apontado, conformeJaeger, que a no-separao entre a esttica e atica caracterstica do pensamento gregoprimitivo16. E por ser predominantementeartstico, o que supe a experincia comofundamental ao conhecimento, a arte tem umpoder ilimitado na converso espiritual17, logo,na educao.2. Homero como artista. Quanto a arte podemser vistos na diferena que Aristteles em Potica,na relao entre poesia e vida, herismo e cartersublime, principalmente a questo poticaapontada pelo filsofo napolitano GiambattistaVico(1668-1744), a de que a obra de Homero compatvel com uma idade herica, favorvel auma mente potica18. O que importante paraVico que exatamente o aspecto herico dopoema, apesar da violncia que envolve, quenele se aspira ao sublime.

    O fato que, com a identificao do sublimepotico ao herosmo brbaro, Vico atacava afutilidade e a insipidez que sentia na poesiacultivada em seu tempo, enquanto redimia apoca homrica do desapreo em que a tinha acrtica moderna.19

    3. Homero e a histria da cultura. E, por fim,quanto ao aspecto cultural, a fora dessarepresentao envolve uma dimenso

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    antropolgica e teolgica que no pode passardespercebida. A questo homrica estevepresente desde a antiguidade, quando Tucdidesquestionou seus exageros, mas no oquestionou enquanto historiador de fatosocorridos. Tal posio foi mantida porAristteles, e seu aluno mais clebre, Alexandreda Macednia tinha a Ilada entre seusequipamentos de guerra quando avanou sobre ooriente. Desde ento Homero se tornou umaquesto filolgica e literria ganhando no sculoXVIII, aps Vico, teses bastante consistentessobre sua no existncia, mas importncia por servisto como a sntese potica de um perodo. Nosculo XIX, o desenvolvimento da arqueologiapermitiu a localizao de um terreno que poderiater sido o da cidade de Tria, permitindo umdesenvolvimento na mesma linha que manteve apertinncia da descoberta. Homero, tornou-seao lado de Cristo e Shakespeare as referncias maisfundamentais da cultura ocidental e que tantointeressou ao erudito George Steiner pelo ponto emcomum de serem to importantes e terem tantashipteses de suas no-existncias histricas20.

    Muito ainda tem o que se dizer de umaobra de referncia como a Ilada de Homero,

    muito ainda tem o que se filmar baseando-se nosrelatos homricos21, e no pode ser pretenso deum texto que foi fruto de uma comunicao emdar conta de quase tudo, mas apontar para o queest indicado em seu ttulo: a representaomtica da guerra no poema homrico diz mais daemoo primitiva que sobrevive em cada um dens do que possa explicar os absurdos reais queso cometidos em torno do que se supem ideaisquando no passam de ideologia, como tosomente interesses geopolticos de dominaoque buscam justificativas, s vezes at em nomede Deus, mas principalmente do mercado. Isto ,no passam de pura supremacia do Imprio semter nada de sublime nisso, muito menos potico.A mente potica, ao contrrio, atravs dos feitoshericos s nos fortalece no sentido de que nodevemos temer a violncia simblica, muitomenos aceitar os que a querem censurada, masficarmos atentos com a violncia real quecotidianamente nos imposta das mais variadasformas e pelos mais diversos pretextos.

    O cavalo de Tria

    no filme

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    NOTAS

    1 Palestra proferida na XXVI Semana deComunicao da FACOM-FAAP, no dia 17 desetembro de 2003. Meus sincerosagradecimentos aos professores Omar Khouri eAdriana Carvalho Novaes a generosa consultoriasobre a lngua grega.2 Mesmo que seja guerra contra os vcios e ospecados. So Martinho in Varazze Jacomo.Legenda urea. Vida de santos. Traduo dolatim, apresentao, notas e seleo iconogrficade Hilrio Franco Junior. So Paulo: Companhiadas Letras, 2003.3 Roma antiga. Crise da repblica. So Paulo:tica, 2004, 10a. ed. revista e ampliada. (Col.Cotidiano da Histria)4 Sobre a questo da esttica da fome e estticada violncia em Glauber Rocha, ver Feij, MartinCezar. Anabasis Glauber. Da idade dos homens idade dos deuses. So Paulo: Anabasis, 1996. (Huma reviso deste texto ampliado pronto para re-publicao)5 A marca humana. Traduo Paulo HenriquesBritto. So Paulo: Companhia das Letras, 2002,pp.13-14. Este romance tambm foi adaptadopara o cinema, com Anthony Hopkins no papeldo professor Coleman Silk.6 Cf. Harold Bloom. Abaixo as verdades sagradas.Poesia e crena desde a Bblia at nossos dias.Traduo de Alpio Correia de Franco Neto eHeitor Ferreira da Costa. So Paulo: Companhiadas Letras, 1993, pg. 49. .7 MHNIS. A ira de Aquiles. Canto I da Ilada deHomero. Traduo de Haroldo de Campos eTrajano Vieira. So Paulo: Nova Alexandria,1994., pg. 31.8 Canto VI 469-480. Traduo de CarlosAlberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.9 Canto VI 492-93. Traduo de Haroldo deCampos10 Pereira, Maria Helena da Rocha. Estudos dehistria da cultura clssica. I Volume Culturagrega. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian,2003, pg. 78.11 Canto XVIII 490-501. Traduo de CarlosAlberto Nunes.12 Cf. Dodds, E.R. Os gregos e o irracional.Traduo de Paulo Domenech Oneto. So Paulo:Escuta, 2002.13 Canto IX 119-120. Traduo de CarlosAlberto Nunes. Op. Cit.

    14 Pereira, Maria Helena da Rocha. Op. Cit., pg. 85.15 Ver Paidia. A formao do homem grego.Traduo Artur M. Parreiro. So Paulo: MartinsFontes, 1995. No objetivo deste textoaprofundar, ou mesmo inovar, sobre asbrilhantes anlises do estudioso alemo. Suasimples referncia demonstra a importncia quese concede aqui ao conceito.16 Op. Cit. , pg. 61.17 Idem, pg. 63.18 Tambm no objetivo aqui analisar acontribuio de Vico no apenas histria dacultura, mas tambm quanto aos aspectosestticos e teolgicos, estes ltimos nomomento como tema de meu ps-doutoradoem cincias da religio na PUC-SP. De Vicopode-se ver sua monumental obra, praticamentede uma vida: A cincia nova. Traduo, prefcio enotas de Marco Lucchesi. Rio de Janeiro:Record, 1999.19 Lacerda, Sonia. Metamorfoses de Homero.Histria e antropologia na crtica setecentista dapoesia pica. Braslia: UNB, 2003, pg. 279.20 Mesmo assim, Steiner estabelece a questonos seus devidos termos: O mitgrafo o poeta o historiador do inconsciente. E que talveznunca saberemos realmente, as obras assim comoo cristianismo permanecem como fatoinatacvel. Homero e os especialistas. In:Linguagem e silncio. Ensaios sobre a crise dapalavra. Traduo de Gilda Stuart e FelipeRajabally. So Paulo: Companhia das Letras,1988, pp. 205-224.21 Sobre os filmes, pode-se ler Elley, Derek. Theepic film. Mith and history. London: Routledge &Kegan Paul, 1985.

    Martin Cezar FeijCoordenador de pesquisa e professor deComunicao Comparada da FACOM-FAAP.Professor do programa de ps-graduao emEducao, Arte e Histria da Cultura naUniversidade Presbiteriana Mackenzie. Doutorem comunicao pela ECA-USP. Autor de vrioslivros.

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    Dilogo ImpertinenteCarlos Drummond de Andrade -Fernando PessoaPaola Poma

    ResumoNo poema "Sonetilho do Falso Fernando Pessoa", Carlos Drummond de Andrade questiona o

    processo da heteronmia pessoana. Este artigo tem a inteno de mostrar que simultaneamente aoprocesso de desconstruo do mito, o poeta brasileiro acaba se enredando nas tramas do mascaramento,confirmando a grandeza potica do modernista portugus e a circulao das idias e das literaturas.Palavras-chave: heteronmia - despersonalizao - modernismo

    AbstractIn the poem "Sonetilho by the False Fernando Pessoa", Carlos Drummond de Andrade questions

    the "Pessoa" heteronomy process. It is the aim of this article to demonstrate that, concurrently with themyth deconstruction process, the Brazilian poet finds himself webbed in the masquerading plot, thusconfirming not only the poetic greatness of the modernist Portuguese poet, but also the circulation ofideas and literature.Keywords: heteronomy - despersonalization - modernism

    Nas cartas trocadas entre Mrio de Andradee Carlos Drummond de Andrade (1924) um dostemas em questo o modernismo, mas ummodernismo que tenta romper com os valoresculturais europeus e fundar (com razes originais)uma literatura representativa do Brasil, definidorada sua tradio, da sua lngua e da sua etnia, ouseja, uma literatura tentando desprender-se do passadocolonial e ganhar (construir) alma prpria.

    Mrio o radical defensor dessapostura, colocando em risco a sua obra:Estraalho a minha obra. Escrevo lnguaimbecil, penso ingnuo, s para chamar a ateno

    dos mais fortes do que eu para este monstromole e indeciso que o Brasil.1 Sua atitudetambm se revela crtica em relao aos seuscontemporneos ainda to vinculados mentalidade europia, porm acredita napossibilidade de tornar o Brasil universal a partirda concretizao da sua nacionalidade.

    Drummond no escapa sua crticaprincipalmente por confessar-se francs: souhereditariamente europeu, ou antes; francs.Amo a Franaagora, como acho indecentecontinuar a ser francs no Brasil, tenho querenunciar nica tradio verdadeiramenterespeitvel para mim, a francesaeu tenho que

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    convencer-me a mim mesmo antes de convencer osoutros que devemos repudiar a experincia europia.2

    possvel perceber, por esses pequenostrechos, a dificuldade inicial do poeta gauche empensar uma potica desvinculada da atmosferafrancesa; um pouco mais distante, talvez, daeuropia e, quase esquecida, da portuguesa. Dequalquer forma a sua poesia ir combater adependncia em relao aos valores europeus ebuscar atingir criticamente a realidade concretado Brasil e dos seus intelectuais.

    Distante trs dcadas da Semana de 22e um pouco mais do modernismo portugus, oque pensar de um poema que se refere aofundador do modernismo em Portugal,Fernando Pessoa? Conversa entre modernistasou crtica modernidade da antiga metrpole? Aanlise do poema que poder revelar a intenodo poeta, mas a qual inteno ele estaria sereferindo: real ou ficcional? De que poeta?

    no livro Claro Enigma - 1951 - queo poema Sonetilho do Falso Fernando Pessoa publicado e o seu exame talvez possa decifraro mito ou enred-lo em outras sete mil faces

    Sonetilho do Falso Fernando Pessoa

    1. Onde nasci, morri.Onde morri, existo.E das peles que vistomuitas h que no vi.

    5. Sem mim como sem tiposso durar. Desistode tudo quanto mistoe que odiei ou senti.

    Nem Fausto nem Mefisto,10. deusa que se ri

    deste nosso oaristo,

    Drummond durante agravao do discoAntologia Potica, 1978

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    eis-me a dizer: assistoalm, nenhum, aqui,mas no sou eu nem isto.

    O ttulo do poema chama ateno paradois dados fundamentais: um de ordem formal eoutro de ordem semntica. Formalmente temosum sonetilho: soneto composto de versos demedida curta. Drummond segue umaregularidade intocvel tanto na metrificao,cujos versos so de seis slabas, quanto noesquema de rimas: ABBA/ABBA/BAB/BAB.Mas qual motivo pode ter levado o poetabrasileiro a adotar uma forma clssicaintencionalmente diluda no metro popular breve - e no tom se no jocoso ao menos umtom menor? Esse tom menor poder ser

    confirmado, pois a palavra - sonetilho - estvinculada idia de falsidade, contudo essaquesto ser retomada no andamento da anlise.

    sabido que a obra ortnima deFernando Pessoa privilegia os versos de medidacurta, acentuando assim a sua musicalidade,salientada na escolha do ttulo Cancioneiro.Isso no faz da sua produo potica uma obramenor, ao contrrio, apresenta dois poemas -entre outros da mesma grandeza - j vastamenteestudados, Autopsicografiae Isto3, que,tematizam e problematizam o fazer e o lerpoesia. E no seria esse ltimo uma refernciadita (contradita) no verso final do poema deDrummond mas no sou eu nem isto? Idiaque se somar questo formal levantada,ampliando a anlise.

    Ora, a preocupao formal no apenasuma tcnica para mostrar a habilidade dos doispoetas; sua funo ultrapassa os limitesestruturais para atingir a expresso de algo que sequer revelar, mas para isso preciso destrinar opoema. Como diria o filsofo italiano Pareyson aobra de arte ... um tal fazer que, enquanto faz,inventa o por fazer e o modo de fazer 4,portanto a forma ser parte fundamental dopoema na sua completude e ser posta emdiscusso a partir da anlise da ltima estrofe.

    O poema inicia-se com o uso do advrbiode lugar Onde - versos 1 e 2 (paralelismo)caracterizando o lugar (no - dito) e o tempo demodo ambguo, simultaneamente lugar emomento de nascimento e morte. Nascer emorrer so situaes vividas minimamente -pois a origem do eu foi amputada pela morteprecoce; a construo dos versos, dois verbosseparados por vrgula, no alude a nenhumacontinuidade no passado, restando ao presente apossibilidade da existncia. A existncia, aqui, outra, no mais do eu original, pois a durao(imanente ao verbo existir) s possvel nomomento em que a morte daquele se realiza, oque disponibiliza um lugar para um outro eu -visto todos os verbos concordarem com a primeirapessoa do singular; logo o outro quem dura.

    A existncia prescinde do passado e aoanul-lo (anula, conseqentemente, o eu original)promove a prioridade da fico (Sem mim

    Fernando Pessoa na baixaLisboeta

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    como sem ti/posso durar. Versos 5 e 6).Declara-se a heteronmia, reforada pelos versosseguintes em que o mascaramento ditoconsciente e inconscientemente. Problematiza-sea situao. Se para Fernando Pessoa aheteronmia um processo de despersonalizaodo qual possui conhecimento, j que o criadore defensor de tal teoria, de que modo possvelinterpretar a inconscincia em relao as outraspeles, disfarces, mscaras se a voz que se coloca a de Pessoa, supostamente?

    Retomando o ttulo do poema, defundamental importncia pensar na adjetivaodada ao poeta portugus: falso. A relaoatributiva possessiva estabelecida entre sonetilhoe falso permite pensar em uma projeo sobre oeu lrico, organizada de modo ambguo, pois afalsidade tanto pode vir de Fernando Pessoaquanto de Carlos Drummond de Andrade. Casovenha de Pessoa (consciente), o jogoheteronmico seria uma disposio de espelhosem que as imagens conotariam o seu carter derealidade e de unidade, de modo a proteger aindividualidade do poeta e fazer valer a teoria dodistanciamento to em voga no sculo XX, ouseja, assumiria o seu papel de criador desimulacros, at mesmo em relao ao seu euemprico (uma pseudo inconscincia). Casovenha de Drummond (inconsciente) seria acriao de uma outra pele - mscara - pessoanana tentativa de negar o mito, no momento emque se coloca como tal, assumindo a suaidentidade.

    Surge, ento, um novo simulacro: o FalsoFernando Pessoa. Situao aceita pelo eu lricoque se apresenta em primeira pessoa, portantoassumindo a criao do poema e de seu eptetoque ser negada no ltimo verso: mas no soueu nem isto. Porm, para se chegar a ela, necessrio percorrer o caminho da dissoluodessa voz que nasce individualizada, vai cedendoo lugar para o outro (Onde morri, existo-verso 2), nega o jogo da alteridade (Desisto/detudo quanto misto - versos 6 e 7) at a recusado eu (ltimo verso).

    Percebe-se, portanto, dois discursos nopoema: o primeiro - superficial - que mimetizaFernando Pessoa e a sua criao heteronmica; osegundo - profundo - em que as pequenas

    desconstrues da imagem de Pessoa aludem, savessas, ao seu jogo criativo e a suadespersonalizao com a inteno de ironizar talteoria, que aparece brilhantemente definida nopoema Isto, da a inconscincia do falso poeta.

    Isto

    Dizem que finjo ou mintoTudo que escrevo. No.Eu simplesmente sintoCom a imaginao.No uso o corao.

    Tudo o que sonho ou passoO que me falha ou finda como que um terraoSobre outra coisa ainda.Essa coisa que linda.

    Por isso escrevo em meioDo que no est ao pLivre do meu enleiosrio do que no .Sentir? Sinta quem l!

    O poema do ortnimo revela,belissimamente, a teoria do poeta dramtico,cujo sentir est desvinculado da emoo, aimaginao que cria o sentimento pertencente aoutro. Todos os sentimentos, antes de o serem,so criaes, so sentimentos estticos, o quealude no s despersonalizao, mas tambmao processo de duplicao - pois odistanciamento provoca uma deformao dosentimento real gerando uma outra possibilidadede sentir, o sentir fecundado na razo.Lembrando a primeira estrofe deAutopsicografia: O poeta umfingidor/Finge to completamente/Que chega afingir que dor/A dor que deveras sente. , tem-se a confirmao da duplicao. H duas dores: ador real e a dor esttica.

    O poeta traa uma importantediferenciao entre os vrios modos de sentir,culminando com a despersonalizao. Sentir coma imaginao difere do sentir com a emoo,destacando o uso da razo em oposio aosubjetivismo lrico impregnado na cultura

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    portuguesa. Essa subjetividade s deve sercolhida na impresso do leitor, a quem cabetodos os sentimentos possveis (Sentir? Sintaquem l? - ltimo verso), a ele dado sentir, aopoeta dramtico, no. Esse distanciamento nodeve ser considerado um fingimento, umamentira, e sim, um modo de desconstruir arealidade por meio da arte. Nesse sentido, Pessoacompactua com o pensamento de Eliot poisquanto mais perfeito for o artista, maisinteiramente separado estar nele o homem quesofre e a mente que cria; e com maior perfeiosaber a mente digerir e transfigurar as paixesque lhe servem de matria - prima.5

    Se Pessoa o simulacro de si mesmo,Drummond cria um novo a partir do j existente.Ora, diante das situaes dialgicas possvelinterpret-las no apenas como uma conversaentre eu - outros (heteronmia), mas como umdilogo que vai se construindo aos poucos, cujasvozes vo se definindo, sorrateiramente, numdilogo impertinente.

    A primeira estrofe apresenta,aparentemente, um eu lrico quase confessional,no permitindo nenhuma espcie deinterlocuo, porm esse tom monolgico serquebrado, de modo quase imperceptvel, pelatroca de eus que subjazem nos verbosnascer/morrer. Na segunda estrofe, a alteridade percebida pela presena - definida - de umasegunda pessoa (Sem mim como sem ti - verso5). Presena que se concretiza na iminncia dafalta, visto a durao (da obra) se sobrepor tantoao eu quanto ao tu ausentes.

    O poema apresenta uma gradao naorganizao, incluso de pessoas. Agora ditopelo eu lrico nosso oaristo - verso 11 e, nomomento da assuno dialgica que ainterlocuo se rompe, ironicamente, ao soar doriso da deusa, metfora de uma situaoparadoxal - o oaristo. Considerando a deusareferncia direta do poema, esse riso poderia serexplicado como uma autonomia da obra de arteem relao aos seus autores, ou seja, a existnciada obra de arte enquanto algo j acabado,construdo, que ao mesmo tempo em que seliberta dos seus criadores, tambm permite asvrias leituras voltadas para uma nica verdadeintrnseca a ela. O prprio jogo literrio criado

    por Fernando Pessoa seria, ento, uma maneirade dialogar com a poesia, com o fazer poesia da o riso e a ambigidade de Drummond. Odilogo impertinente pois no consegue definirclaramente as vozes que poderiam represent-lo,ora Fernando Pessoa e seus outros eus, oraDrummond e Pessoa, ora o poeta e o fazerpoesia, infinitamente.

    A intimidade dessas vozes portantoforjada e revela, na sua interioridade, uma nicapresena contrapondo-se ao espetculo assistido.

    Pelo que antes foi dito, na voz do eulrico, os extremos so excludos -Fausto/Mefisto - e nessa condio antitticasubentende-se a relao criador - criaturas, ou eu- outros; quebra-se, portanto, a lgica do dilogo.No h segunda voz do discurso, nemhipoteticamente, pois o eu lrico nega a suacondio anterior. A posio de simulacropessoano enquanto aquele que aciona o dizer(quase confessional) sofre um revs: aquele quediz, agora, assiste passivamente. Abandona-se afalsa identidade para assumir-se uma outra. Seriaum outro simulacro?

    Assim como no incio, o poema apontaum lugar indefinido, mas revelador de umasituao: na ltima estrofe os advrbios de lugarretomam essa idia de espacializao, numasituao de passividade - assisto - mas quecontm, paradoxalmente, um movimento - alm- aqui- intermediado por um eu - nenhum.Esse falso movimento revelador da ubiquidadedo eu lrico, agindo como uma espcie de lenteque permite focalizar vrios objetos em espaosvrios; subentende-se, ento, a separao do eulrico emprico em relao ao seu simulacro -agora objeto - o que permite aludir potica dodistanciamento de Pessoa.

    Esboa-se uma tentativa de ciso: o eulrico distancia-se de seu simulacro - o falsoFernando Pessoa - ao revelar sua passividade -assisto - diante de tal situao - alm/aqui.No perde sua identidade; os verbos autorizam aconcordncia em uma mesma pessoa: Eis-me adizer: assisto - verso 12. A maneira como essesverbos so colocados permite fazer uma leituraem movimento contrrio, ou seja, no momentoda passividade, em que se pressupe ver, ouvir, oeu lrico resgata tudo o que foi dito; a excluso, a

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    durao, o mascaramento. A simultaneidade dasaes causa um certo estranhamento -dizer/assistir - sugerindo uma fragmentao interna.

    A ciso agora definitiva e definidora:mas no sou eu nem isto. - verso 14. Oconectivo mas enfatiza a oposio declaradado eu lrico - no sou eu. O que era fragmentorompeu-se desvelando um outro eu, no maissimulacro nem falso, porm indefinido. Suaatitude a de total negao: nega o dito e nega aonipresena, mergulhando tudo - isto - o quefoi demonstrado no discurso numa cnicavacuidade.

    Espera-se, numa leitura convencional, queessa voz, problematizadora da alteridade, busqueuma definio, contudo permanece silenciosa.Define-se pela negao, pelo que no ,mantendo o leitor na obscuridade enquanto secamufla.

    Em todas as estrofes, Drummondesculpe, nas imagens, o veio da ambigidade, doparadoxal, do mutante, exceto no ltimo versoem que nega no s a despersonalizaopessoana - Isto- mas o prprio fluxo da vozlrica intercambivel - no sou eu. Dissolve-seo falso simulacro (o que pode parecerredundante), a voz de Fernando Pessoa perde-see a voz dissonante a que perdura. No seria,aqui, a elaborao de um novo simulacro, no aosmoldes de Pessoa, mas aos de Drummond comofoi sugerido anteriormente?

    possvel pensar em uma projeo deDrummond, pois o que est em questo,independente do ponto de vista lrico, a criaoliterria, visto o sonetilho colocar em discusso oprojeto literrio fundamental de Pessoa, aheteronmia. O que o eu lrico discute nomomento em que reafirma a sua anulao comovoz cindida, no s como suposto ortnimo (eseus heternimos), so duas idias fundamentaisda modernidade: a autonomia da obra de arte e adespersonalizao em relao ao eu emprico.

    H um verso revelador dessa autonomialrica: Sem mim como sem ti/posso durar. -versos 5 e 6. Ora, descartada a heteronmia, avoz de Pessoa, a voz de Drummond e a voz dequem quer que seja, pois a obra tem autonomiasobre o seu autor, as obras de arte so comoorganismos vivendo de vida prpria e dotadosde legalidade interna, e que prope uma

    concepo dinmica da beleza artstica6. Essaautonomia, s permitida na obra quando acabadae, portanto asseveradora da sua durabilidade,amplia-se e alcana a intemporalidade (aorganizao social, histrica, humana fundadorasdo pensamento mobilizador do sculo XX, ouseja, a sua temporalidade o termmetro para seestabelecer a intemporalidade como forma decristalizar uma idia - nova idia - fundadora deuma tradio - nova tradio) .

    A idia de um sujeito que sedespersonaliza para criar uma outra concepode realidade vigorou com bastante intensidade nofinal do sculo XIX e incio do sculo XX e,Pessoa soube, como ningum, se apropriar de talteoria e criar com brilhantismo o processo deheteronmia.

    Se Drummond, de uma certa forma, negaesse processo (No sou eu nem isto- versofinal), a partir da mesma negao afirma a suadespersonalizao ao ter sido por instantes umavoz que no a sua; h, claramente, na elaboraodo sentir do eu lrico uma postura paradoxal.Essa voz, mascarada num tom confessional,agora se omite na indefinio. Drummond,sibilino, deixa o eu em suspenso. Pode-se, pelosilncio, aludir temtica propriamentedrummondiana, um poeta que se quer reticenteem face ao mundo e as pessoas que o cercam, oucomo ele prprio se denominaria um eu todoretorcido.7

    Se a possibilidade de definir a vozpresente no poema foi estancada, de que modo arelao entre a forma - sonetilho - e a idia defalsidade - simulacro - anunciaria uma pista paradecifr-la ?

    O soneto clssico prima pelo rigor na suamtrica, decasslabo, e no seu esquema de rimas.O equilbrio de sua forma no pode estardesvinculado de seu contedo, e juntamente coma organizao das estrofes denotam umaestrutura compacta que assegura a medida dopensamento racional. Essa forma sofre umadistoro, ou seja, metrificao e esquema derimas, ainda moldados na regularidade,apresentam um desvio retomando a proximidadecom os metros populares. De todo modo, opoema respira tradio, ora pela vertente clssica,ora pela trovadoresca. A regularidade no est

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    presente apenas no poema de Drummond, masno poema de Pessoa - Isto - tambm. Esse composto de trs estrofes de cinco versos,metrificao em seis slabas e esquema de rimasABABB/CDCDD/EFEFF, ou seja, dentro dasvariantes sonoras o esquema das rimas mantm-se.

    So dois poetas conhecidosprincipalmente por suas poticas modernistas, oque permite pensar em liberdade formal. Ora, oque foi feito de tal liberdade?

    A regularidade interna de cada poema e acoincidncia na metrificao, ambas de seisslabas, na sua tessitura formal, retomam umapossibilidade de harmonia no cosmo,caracterstica da Idade Mdia, que j no pode serencontrada na vida moderna. No pode serencontrada nem em Pessoa, o criador dasinfinitas mscaras, nem em Drummond, o euretorcido, pois a insolubilidade de suasinquietudes no lhes permite, da a necessidadede garantir a inteireza, ao menos, externamente.

    A explicao, aqui, limita-se a refletirsobre uma problemtica dirigida aos dois autoresde modo simultneo, o que perfeitamentecabvel. Porm, qual seria a inteno do poetabrasileiro ao criar um poema que constri adissoluo do eu (mais um paradoxo) que j sesabe falso?

    Ao escolher como ttulo de seu poemaduas definies - sonetilho e falso (parecer - noser), na verdade o poeta optou pordesconstrues: o sonetilho, que uma espciede diminuio da estrutura clssica; e a falsidade,que ironiza o processo heteronmico de Pessoaao criar uma voz que ilude, anunciadamente, atodos. Obviamente que para realizar taldesconstruo imprescindvel ter em mente oconhecimento da obra pessoana para, ento,poder dissuadi-la de ser o que , para deform-la;revela-se, portanto pela contraposio, a presenade Fernando Pessoa como imagem literria nacriao de Drummond.

    Assim, Drummond contrape o seu fazerpoesia ao de Pessoa (mas no sou eu nem isto),denunciando que a possibilidade dadesconstruo do mito s se realiza na suaconcretude, e por mais que se negue, o enigmalibera as suas luzes que vo retorcendo as facesdos homens.

    NOTAS1Santiago, S. Correspondncia Completa entreCarlos Drummond de Andrade e Mario deAndrade. Rio de Janeiro: Bem Te Vi, 2002. p. 51.2 Ibid., p. 59.3 Pessoa, F. Obra Potica...,Rio de Janeiro:Nova Aguilar, 1997 p. 164-165.4 Pareyson, L. Os Problemas da Esttica. Trad.Maria Helena Nery Garcez. 2.ed. So Paulo :Martins Fontes, 1989. p. 325 Eliot, T.S. Ensaios. Traduo. Ivan Junqueira.So Paulo : Art Editora, 1989. p. 43.6 Pareyson, op. cit., p. 327 Sobre o tema do distanciamento emDrummond interessante a leitura do ensaio deAntonio Candido Inquietudes na Poesia deDrummond In Vrios Escritos. So Paulo :Duas Cidades, 1970.

    Paola PomaProfessora de Lngua Portuguesa da FACOM-FAAP. Doutora em Literatura Portuguesa-USP.

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    Avenida Paulista: a verticalizaodos casares

    Neiva Pitta Kadota

    "So Paulo, neste quase futuro assim. Espaos infinitose incontidos, que fazem calar, emudecem e surpreendemnossa racionalidade. Mario Sergio Cortella

    ResumoEste artigo tem por objetivo resgatar de forma sinttica a Avenida Paulista, um cone de nossa

    metrpole, em dois momentos: no presente e no passado, como uma homenagem aos 450 anos de SoPaulo.Palavras-chave: Avenida Paulista - casares e arranha-cus - memria e modernidade

    AbstractSo as to pay homage to the 450th anniversary of SoPaulo, this article aims at briefly revisiting

    Paulista Avenue - an icon of our metropolis - in two moments: past and present.Keywords: Paulista Avenue - mansions and skyscrapers - memory and modernity

    quase noite. Nons. Buzinas. Outdoors.Luzes de mercrio criam fantasmas apressados.Vultos se cruzam pelas caladas. Nos semforos,faces contradas, olhares inquietos. Corposdistrados se tocam e se retraem. Ora sedesculpam, ora se agridem em silncio...ou no.Homens de terno, e seus note-books, se arriscamem meio a olhares suspeitos. A multidoprossegue. Como em fotogramas, as imagens sesucedem. Um brao estendido, feminino etrmulo, busca por um txi. Passa lotado. Novatentativa. Um outro pra, a porta se abre e afigura esguia desaparece de cena. Outras surgem.Ouve-se com indiferena o som da freadaprxima. Os transeuntes atravessam em blocos

    compactos diante da luz verde. Ningum se olha,ningum se v. Os altos edifcios repetem comsuas luzes os cenrios fractais de metrpolesestrangeiras. De vez em quando, o clic de umfotgrafo atento os imortaliza em um registromiditico. Nova Iorque? No. So Paulo.Estamos na Paulista. E na "mais paulista dasavenidas".

    Em frente ao Prdio da Gazeta,ruidosos estudantes buscam Objetivos. Naslaterais, gigantescos e retilneos edifcios deescritrios, e de apartamentos residenciais,acompanham a rotina catica de moradores,profissionais e turistas. Do lado oposto, amodernidade arquitetnica e a ousadia da arte -

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    mesclada ao poder da elite financeira - se fundemno mrmore rseo e no vtreo azulado doedifcio do Citibank. o Citicorp. Centro deendinheirados correntistas. Outras e mais outrasconstrues com ele se harmonizam ou sechocam em sua geometria. A similitude, contudo,est presente nas linhas e materiais dos arrojadosconjuntos que se aglutinam, de ambos os lados, geografia desse espao urbano nico. Formampor toda a sua extenso uma longa linhaluminosa, tecida de concreto, ao e asfalto,coberto em sua negritude pelas rodasinternacionais de BMWs, Hondas ou Mercedes-Benz. Paradoxalmente sua potncia,exaustivamente anunciada pelos fabricantes,deslizam lenta e nervosamente por entrefachadas iluminadas, painis digitais, indicadoresde horas, de temperatura e qualidade do ar. Deseu interior, o motorista visualiza sem emoo mais asmilionrias e intermitentes propagandas animadas.

    Logo mais frente, rompendo com averticalidade, o Masp - Museu de Arte de So

    Paulo. O mais arrojado espao da arte paulistana,o maior vo livre at ento projetado - por onde poca de sua concepo se podia ver o centroda cidade -, inscreve-se como vanguardamuseolgica e assinado por Lina Bo Bardi.Projeto esse, contudo, adulterado em seu piso enos espelhos d'gua na dcada de 90, quando desua reforma, mutilando, assim, o projeto originalda arquiteta italiana que, com Pietro Maria Bardi,ali construiu uma obra e um sonho. "A cirurgiaplstica rejuvenescedora feriu e deformou traosfisionmicos que deveria preservar", diz oCaderno T, ao comentar a polmica reforma.Essas so, sem dvida, as cicatrizes de umacidade em contnua mutao.

    De fronte ao Masp, o Trianon. Umquase bosque, resqucio da Mata Atlntica,circundado por toda uma estrutura de edificaotambm verticalizada. Um point na longa histriadessa avenida. Prximo a ele, no cruzamento daAvenida Paulista com a Rua Augusta, o ConjuntoNacional. Nele, entre cafs, pequenas

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    Edifcio Citicorp, doCitibank. Retirado do livroSo Paulo 2000

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    lanchonetes e antigas lojas, vrios elevadoresdemocratizam o espao. Por eles transitam dealtos executivos a simples funcionrios oucuriosos estrangeiros O conjunto, que se divideem ncleos residenciais e comerciais, , ainda,ponto de circulao de privilegiados idosos defamlias tradicionais que praticam a filosofia deDomenico de Masi do "cio criativo". O plo demaior atrao, porm, continua sendo a antigaLivraria Cultura. Ali, exatamente como h longosanos, todas as artes e as tcnicas esto muitoprximas. Os leitores vorazes saboreiam osttulos. Alguns buscam obras sobre a antigidade;outros, dicionrios de lnguas, as mais diversas; eainda outros, poesia e literatura para espanto dosespecialistas em cincias exatas. Em destaque,tambm, livros de Arte e, em alguns deles,imagens e relatos da cidade de So Paulo.

    Nesses compndios, descobre-se umaoutra cidade, existente apenas na memria depoucos e nos registros histrico-fotogrficos. Sotextos e imagens - fotos, cartes postais,aquarelas e croquis - que resgatam o surgimentode So Paulo e tambm da Avenida Paulista,concebida pelo urbanista uruguaio JoaquimEugnio de Lima e inaugurada em 1891, e astransformaes nela ocorridas no percurso de

    pouco mais de um sculo: um salto dos casaresaos arranha-cus.

    Almeida Prado na sua Crnica de Outroraafirma que "O Viaduto do Ch, aberto aotrnsito em 1893, era ainda uma novidade e aAvenida Paulista, novinha em folha, uma atraoturstica" (AIAP, pg.12).

    Hoje ela est renovada, redesenhadapela modernidade e ps-modernidade de seusprojetos arquitetnicos, e continua a atrair oolhar curioso de turistas que por ela transitam luz do dia ou dos nons e nem suspeitam, ou selembram mais, que ela abrigou outros sonhos emoutras moradias: as manses dos imigrantes eabastados, smbolos da aristocracia paulistana.

    Perpassando esses registros, fatoscuriosos so uma constante. Na obra de JorgeAmericano So Paulo naquele tempo (1898 - 1902),pode-se ler :

    "Seguindo pela Rua da Consolao, meioestrada meio rua, cortava-se um dos extremosda recente Avenida Paulista, despovoada, comalgumas chcaras, como a de Bllow echegava-se ao novo Hospital doIsolamento"(AIAP, pg.12).

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    Avenida Paulista, entre oprdio do MASP e o parqueTrianon. Retirado do livroSo Paulo 2000.

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    Hoje, o local despovoado no final dosculo XIX foi substitudo pelo cenrio urbanode incessante e diuturno movimento de veculose pessoas, e o Hospital mencionado refernciapara todo o pas na rea de doenas infecto-contagiosas, portanto de isolamento, conformeseu nome de origem, alm de abrigar um doscentros cardiolgicos mais importantes, o INCOR.

    Um fato pitoresco dessa poca oanncio publicitrio de uma propriedade naregio, registrado no Dirio Popular, sob o ttulo"Chcara na Avenida Paulista", com os seguintesdados:

    "Aluga-se uma chcara e casa, a casa tem 8cmodos e um bom galinheiro e cocheira, guade poo e da Cantareira; a chcara est bemplantada de verduras e bem arborizada emede 1.500 metros de terra quadrados.Aluga-se em boas condies. Para informao naRua Marechal Deodoro, 32"(AIAP, pg.12).

    Aos que chegaram depois, impossvelassociar a chcara descrita pelo jornal smegaedificaes que agora ocupam as laterais daPaulista, apontando ousadamente para o infinitoazul. como se aquele fosse apenas um espaoimaginrio, uma lenda, e no um recorte de umano to longnqua realidade.

    Um estranhamento possvel seria opedido de autorizao de reforma, em 1897, doarquiteto Julio Saltini, para a residncia deFrancisco Matarazzo : "Projeto de um estbulo,casa de arreios e galinheiros". Ou autorizao

    para "aumento de galinheiro", na residncia deVon Bllow.(AIAP, pg.12). O que revela ser aAvenida Paulista no fim do sculo XIX, e inciodo sculo XX, um espao considerado distanteda regio central - certamente pela inexistnciaaqui de veculos automotores poca -, maspropcio tanto construo de propriedadesrurais quanto de moradias urbanas de famlias deelite, cercadas de jardins, horta, pomar,cavalarias e tambm galinheiros.

    Estranho mundo nos parece aquele depouco mais de um sculo. Que residncias seriamessas, retiradas posteriormente do cenriopaulistano pelo efeito das demolies? Aospoucos, porm, comeamos a visualiz-las. Ecom nitidez, graas aos registros que fotgrafos,urbanistas e historiadores, entre outros, nos deixaram.

    No mesmo perodo em que eramsolicitadas autorizaes para as reformasmencionadas, seguindo os moldes da culturaeuropia, surgiam tambm os primeiros projetospara construo de chalets que designavam casasrurais de montanha, na Sua, mas a maioria delesno passou da fase de projeto. O que realmenteganhou impulso na Paulista foram as construesde alto luxo, para poucos privilegiados, comtorrees para se avistar do seu cume os vales e ascolinas que envolviam a cidade de So Paulo.Traando um paralelo com o nosso tempo,teramos as coberturas dos luxuosos edifcios quepropiciam o mesmo espetculo cnico, hoje, mas,como antes, apenas quela nfima parcela dasociedade que conseguiu atingir o topo.

    Com a criao da Escola Politcnica de

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    Avenida Paulista no ano de 1900

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    S. Paulo, em 1894, nasce oficialmente o curso dearquitetura, e o nome de Ramos de Azevedo,formado na Blgica, em 1878, como seuorganizador. At ento, os arquitetos eramestrangeiros e a sua influncia se fez por longosanos, o que justifica a impresso de um espaoeuropeu na avenida dos abastados, a AvenidaPaulista. Mas no apenas europeus eram osprojetos, pois de vrias partes do mundo eram

    procedentes os nossos "arquitetos-engenheiros",assim como os imigrantes que aqui chegavam.Estes, com a riqueza rapidamente adquiridacontratavam profissionais que concretizavam osseus sonhos arquitetnicos. Assim nascia eprosperava o ecletismo na esttica urbana dessasingular Avenida.

    Segundo Benedito Lima de Toledo, emlbum Iconogrfico da Avenida Paulista,

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    Avenida Paulista no ano de 1900

    Residncia Numa de Oliveira-trecho entre a Rua Pamplona ea Alameda Joaquim Eugnio deLima. Retirado do AlbmIconogrfico da Avenida Paulista.

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    "Palacetes rodeados de parques e jardins,construdos, em geral, de acordo com anacionalidade do proprietrio: os de estilomourisco, em sua maioria, pertenciam arabes, claro! Os de varandas de altascolunas, que imitavam os grandes 'p